Memória, etnodesenvolvimento e sustentabilidade na comunidade Quilombola Vó Elvira de Pelotas (RS)
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Memória, etnodesenvolvimento e sustentabilidade na comunidade Quilombola Vó Elvira de Pelotas (RS) - Jorge Luiz da Silva Nascimento
01
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O presente trabalho é um estudo em memória social sobre as relações de sustentabilidade e etnodesenvolvimento no contexto quilombola. Inicialmente apresento meu memorial pessoal a fim de demonstrar o ponto de partida para a temática em tela, em seguida contextualizo o tema desta investigação, prática deste curso de Doutorado em Memória Social e Bens Culturais da Universidade La Salle.
Eis aqui Jorge, nascido em Porto Alegre em 1954, que traz a palavra nascimento no nome, filho de Manoel Araújo da Silva Nascimento e Dinah da Silva Nascimento.
Lembro do ano em que minha mãe ficou viúva, 1957, eu tinha três anos e seis irmãos. Minha mãe tinha como referência a igreja católica, por este motivo, eu e meus irmãos mais novos fomos estudar em uma escola Cristã no Bairro Niterói em Canoas. O colégio Ginásio São Paulo era somente para meninas, e a escola La Salle Niterói somente para meninos.
Eu estudei na escola La Salle só para meninos, no bairro Niterói, minha irmã, no ginásio São Paulo, uma escola de freiras, e os demais irmãos na escola pública, todas no mesmo bairro. Foram tempos muito difíceis e duros, minha mãe profissionalmente, inicia a organização socioeconômica familiar, trabalhando como doméstica, passando logo a seguir, ao trabalho na indústria da alimentação, em uma empresa chamada produtos alimentícios UMBU Ltda
em Porto Alegre.
Diante das dificuldades de subsistência e de um legado cristão do núcleo familiar negro, as orientações e discussões, giravam em torno da moral, e do cumprimento da ordem política vigente, fato contestado no núcleo familiar por meu avô Marcílio Rodrigues, sim, pois ele e minha avó Ormisda da Silva Rodrigues, solidariamente vieram morar em nossa casa, a fim de contribuir para superação daquela conjuntura, ajudando a filha na organização econômica daqueles difíceis momentos da vida e da sociedade brasileira.
A renúncia de Jânio Quadros em 1961 e a turbulência acerca da posse do vice João Goulart influenciaram diretamente em nossa vida familiar. Em um certo dia deste ano pela manhã, ao sair cedo para o trabalho, minha mãe voltou muito assustada dizendo que não iria trabalhar, pois as ruas próximas a nossa casa que faziam limite com o campo da Base Aérea de Canoas estavam sitiadas por tanques do III Exército, porque o comando da Base Aérea de Canoas queria decolar aviões para bombardear o Palácio Piratini, sede do governo de Leonel de Moura Brizola.
Em 1964, em decorrência do golpe, a imprensa latino-americana e a do Brasil, falavam de terrorismo e dos comunistas. Na verdade, uma espécie de guerra fria instalou-se nos países da América Latina e no Brasil, desse processo ocorrem: prisões, perseguições, morte e desaparecimento de pessoas, muito sofrimento às famílias e às instituições brasileiras. Culminando em um período de ditadura militar de 1964 a 1985.
Mesmo diante desses acontecimentos, a vida cotidiana familiar seguiu, o movimento estudantil foi amordaçado, devido a importância dos estudantes na chamada Campanha da Legalidade, movimento de resistência que garantiu a posse de Jango, após a renúncia de Jânio Quadros, Presidente do Brasil nessa época. Mas a vida e os anos se passaram e cresci neste ambiente social crítico, distinto e desafiador.
Na escola havia a proibição da organização estudantil, as iniciativas que ocorriam eram coibidas e as pessoas eram presas e investigadas pelo Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), organismo de repressão às iniciativas de busca de liberdades democráticas de organização dos estudantes.
Fui trilhando, então os primeiros passos de organização social, ingressei nos coroinhas
da Paróquia São Paulo Apóstolo de Niterói. Tendo em vista os conflitos decorrentes nos diferentes espaços de organização social, na igreja isso também não foi diferente, onde houve prisões de participantes da Juventude Operária Cristã e inclusive o pároco da igreja.
Em 1974, com a conclusão dos meus estudos no ensino médio, iniciei minha vida profissional em uma empresa de levantamento topográfico, que executava trabalhos para o exército brasileiro em um projeto de reestruturação da malha ferroviária nacional, uma preparação brasileira para o desenvolvimento econômico em diferentes áreas estratégicas.
Meu segundo emprego foi na indústria, após capacitação realizada no Serviço Nacional da Indústria (SENAI). Trabalhei como torneiro mecânico por alguns meses, onde participei das primeiras reuniões para a organização das oposições sindicais, nos horários de almoço, nos campos de futebol do bairro Anchieta em Porto Alegre. Com salários arrochados, a vida adulta trazendo novos desafios, casei-me. Troquei o trabalho metalúrgico pelo trabalho na Prefeitura de Canoas no setor de topografia, buscando um salário melhor equacionando, a vida conjugal entre receitas e despesas. Preciso novamente dizer que o arrocho salarial só era superado pela criatividade de troca de emprego e de profissões segundo habilidades e capacidades individuais.
Com a nova vida social, o casamento, e a chegada dos filhos, iniciam-se novos desafios e busca de superação. A procura por um emprego e as oportunidades nas recentes estatizações dos governos militares, nas empresas de comunicação, trata-se aqui em específico de concurso para Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT), pois melhores salários eram o objetivo da troca. Era uma época de ditadura militar, onde a gestão do Estado estabelecia uma perspectiva de exploração de riquezas e desenvolvimento, política de emprego com utilização de bens naturais, metalurgia, petróleo e gás, associados ao fazer laboral do trabalhador.
Com o passar do tempo, filhos crescidos e na escola, participei de muitos concursos, com aprovação e sucesso, garantido no cadastro das empresas investimento no futuro.
A seguir tive uma experiência como selecionado da Petrobrás, sendo chamado e não admitido para o emprego, depois de uma seleção médica, física e psicológica, na época fui desclassificado através da barreira técnica, utilizada para filtrar a possibilidade dos ativistas nas administrações e serviços das estatais. No entanto, em 1979, fui chamado também na Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA), empresa de economia mista que incorporou e extinguiu a Viação Férrea do Rio Grande do Sul, uma estatal estadual, desta vez chamado e aprovado após o exame médico e psicológico um padrão das administrações da ditadura militar.
Um dado importante deste período eram as infiltrações militantes nestes espaços, mesmo com o controle exercido pelo sistema, o fato é que burlado o sistema as organizações mantinham seu funcionamento e trabalhavam para a volta da organização dos trabalhadores em sindicatos livres da intervenção militar existente. No trabalho da militância na Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPAS), organização das atividades sociais das associações que eram muito importantes como instrumento de consciência da organização e combate à ditadura. No período de desaparecimento de muitos militantes, o presidente era o Emílio Garrastazu Médici, a Polícia Federal entrava nas dependências da empresa evocando o AI-5 (Ato Institucional Número 5) e levava companheiros sob o pretexto da Lei de Segurança Nacional.
Foi uma experiência enriquecedora e educativa ter trabalhado com pessoas de várias idades, identidades e matizes: socialistas, anarquistas, comunistas. A luta avançava e as Diretas Já!
Tomava as ruas, Brizola voltava do exílio, as ditaduras sofreram revezes com a pressão popular, a abertura nos governos militares expressava o avanço inconteste do processo, as greves pipocavam no país inteiro, a região do ABC Paulista¹ com LULA era o berço do Novo Sindicalismo combativo. As comissões de Fábrica e a democratização dos locais de trabalho em busca de respeito, democracia e direitos trabalhistas e humanos, moldavam as aspirações das novas relações pretendidas, pelas relações de trabalho e da sociedade.
Com a inovação dos novos setores de produção, surgiram os Polos Petroquímicos: na região Nordeste; Camaçari na Bahia, Salgema em Alagoas, no ABC - São Paulo e Rio de Janeiro - Duque de Caxias. A estratégia era o desenvolvimento da cadeia produtiva do Petróleo e as matérias primas dos setores automobilístico, componentes da linha branca dos eletrodomésticos.
Justamente, neste momento da expansão do setor produtivo nacional, e do slogan Brasil Ame-o ou Deixe-o
, slogan do nacionalismo militar, buscando coibir posições contrárias à sua permanência no poder do país.
A Petroquisa é um dos exemplos desse regime, uma empresa que nos polos petroquímicos e na organização do sistema Petrobras cumpriu a função do espaço, onde os militares se instalaram para controle do processo como um todo. Tinha como objetivo a segurança de todo o processo de organização nos Polos Petroquímicos em todo o Brasil: evitar greves e manter o cronograma em funcionamento.
O Polo de Triunfo no Rio Grande do Sul, foi um planejamento de Sistema Local de Produção (SLPs), um complexo militarmente organizado e detalhadamente executado, desde as obras da logística pesada, mão de obra, máquinas e equipamentos importados.
A Copesul como empresa estratégica de primeira geração, produtora de insumos para alimentação das indústrias coligadas de transformação, as sistemistas (empresas responsáveis) pela produção de: polietileno, borracha, solventes, etc. A Polisul, Petroquímica Triunfo, Poliolefinas, PPH, Petroflex, Oxiteno fazem parte da segunda geração da cadeia produtiva do petróleo.
Neste momento e com estas condições objetivas de trabalho, fizeram com que eu saísse da RFFSA no Rio Grande do Sul e em 1982 fosse trabalhar na Polisul, no IIIº Polo Petroquímico no município de Triunfo, empresa pertencente ao grupo Ipiranga do município de Rio Grande/RS, assim como a alemã Hoechst (Indústria Química Alemã S/A), Ipiranga é a única empresa