A Genealogia da Moral
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Friedrich Nietzsche
Friedrich Wilhelm Nietzsche was a German philosopher. He began his career as a classical philologist before turning to philosophy.
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A Genealogia da Moral - Friedrich Nietzsche
A Genealogia da Moral
Nietzsche
Tradução
Antonio Carlos Braga
Título original: Zur Genealogie der Moral
Copyright © Editora Lafonte Ltda., 2020
Todos os direitos reservados.
Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida sob quaisquer
meios existentes sem autorização por escrito dos editores.
Direção Editorial Sandro Aloísio
Organização Editorial Ciro Mioranza
Tradução Antonio Carlos Braga
Diagramação e Capa Eduardo Nojiri
Imagem Eugene Ivanov/ Shutterstock.com
Revisão Nazaré Baracho e Suely Furukawa
Produção Gráfica Giliard Andrade
Editora Lafonte
Av. Profª Ida Kolb, 551, Casa Verde, CEP 02518-000, São Paulo-SP, Brasil
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A Genealogia da Moral é um questionamento não somente das origens da moralidade na história do homem, mas também de sua aplicação em todos os atos do ser humano. O binômio bem e mal, bom e mau surge de alguma maneira por influência de interesses. Quais seriam esses interesses? Aqueles de um poder dominante? Aqueles de uma classe que se considera superior, para estabelecer e expandir seu domínio sobre outra, classificada como inferior?
A falta, o pecado, o erro, enfim, seriam decorrência realmente de uma má ação ou de um conceito que procurou inserir no pensamento humano um sentido do que é bom em si e, em decorrência, de algo que, em contraposição, é mau? O bom e o mau como atos existem em si como consequência da existência de uma consciência boa e de uma consciência má ou seriam simplesmente figuras inventadas pelos espíritos que se consideram superiores para poder escravizar os espíritos inferiores?
Não teria sido em consequência dessa vontade de poder de alguns que foram inventados os conceitos de falta, de pecado? Em outras palavras, a moral como classificação de tudo aquilo que representa o bom e de tudo aquilo que representa o mau não parece significar senão um poder que pretende se impor em detrimento dos mais fracos, dos espíritos inábeis, daqueles que necessitam ser guiados ao percorrer o caminho da vida, ao trilhar as sendas da vida que possam conduzir a um bem-estar, a uma alegria sofrível de viver ou a uma felicidade plena. O ideal de ascese, de repressão das paixões e dos sentimentos menos nobres, não passaria de uma manipulação dos mais fortes para exercer seu domínio sobre os mais fracos, inventando uma religião e um estilo de vida capazes de reprimir o erro, a falta, o pecado, em nome de uma felicidade futura, situada num além inatingível neste mundo, mas fixado como prêmio no outro.
Para conseguir inculcar no homem todos esses princípios fabricados a partir de uma vontade de poder de alguns, surge a moral que distingue não-valores de valores ou a inexistência de valores diante daquilo que deve ser realmente considerado e tido como valor. A todos os conceitos que envolvem esses elementos de vida, de busca por um sentido da vida, são aferidos valores morais ou uma moralidade. Mas por quem? Por quem tem verdadeiramente autoridade para isso? Ou por quem quer simplesmente dominar os outros, seja por meio de princípios físicos, psicológicos, religiosos?
A Genealogia da Moral procurar responder a todos esses questionamentos, de uma forma direta, forte, contundente, bem ao estilo de Nietzsche.
Ciro Mioranza
A Genealogia
da Moral
1
Nós, os pesquisadores da área do conhecimento, nos desconhecemos mutuamente. Isso tem seu motivo específico. Nunca nos procuramos, como haveríamos de nos encontrar algum dia? Com razão foi dito: Onde estiver vosso tesouro, aí está vosso coração.
Nosso tesouro está hoje como que nas colmeias do conhecimento. Para essas colmeias nos dirigimos, como laboriosas abelhas que levam o mel do espírito, e de coração só nos propomos levar
alguma coisa. No que diz respeito à vida e às assim chamadas experiências de vida
, quem dentre nós se preocupa a sério? Ou quem tem tempo para isso? Semelhantes assuntos jamais cativaram, desconfio, nem nosso interesse, nem nosso coração, nem sequer nossos ouvidos. Mas assim como um homem distraído e absorto acorda sobressaltado, quando o despertador bate com força as doze horas do meio-dia a seus ouvidos, se pergunta O que foi que aconteceu?
, assim também nós, depois dos acontecimentos, perguntamos, totalmente estupefatos e desconcertados: O que está acontecendo conosco? Quem somos realmente?
E depois contamos, como foi dito, as trêmulas horas de nossa experiência vivida, de nossa vida, de nosso ser, ai de nós! Nos enganamos na conta... É que somos precisamente estranhos a nós mesmos, não nos compreendemos, temos que nos confundir com os outros, estamos eternamente condenados a esta lei: não há ninguém que não seja estranho a si mesmo
; nem a respeito de nós mesmos somos homens de conhecimento
.
2
Minhas ideias sobre a origem de nossos preconceitos morais – porque este é o tema desta obra de combate – haverão de encontrar sua primeira expressão lacônica e provisória na coletânea de aforismos rotulados, cujo título é Humano, demasiadamente humano, um livro para os espíritos livres
. Comecei a escrevê-lo em Sorrento, durante um inverno em que pude demorar-me, como se demora um viajante, para abranger com um olhar o vasto e perigoso país que meu espírito havia percorrido até então em suas viagens. Era o inverno de 1876-77, mas as ideias são de época mais antiga. Eram já substancialmente as mesmas que as expressões usadas nos presentes livros; espero que, em tão grande intervalo, tenham ganho em maturidade, em clareza e em plenitude! O fato de eu as reter ainda, tendo-se coligado cada vez mais entre si a ponto de se entrelaçarem e de se fundirem, reforça a feliz segurança que possuo de que não nasceram ao acaso, esporadicamente, mas que brotaram de uma raiz comum, de uma vontade fundamental de conhecimento, que governa e dirige as forças mais íntimas e que fala com uma linguagem cada vez mais nítida e requer conceitos cada vez mais precisos. Esse é o único modo de pensar digno de um filósofo. Não temos o direito, por qualquer motivo, a viver isolados. Não nos é permitido enganar-nos nem encontrar a verdade por acaso. Pelo contrário, assim como é necessário que uma árvore dê frutos, assim nós frutificamos nossas ideias, nossos valores, nossos sim
, nossos não
, nossos se
, nossos como
que se desenvolvem, todas aparentadas e relacionadas entre si, como testemunhas de uma vontade, de uma saúde, de um terreno, de um sol. – Serão de nosso gosto esses frutos de nosso pomar? – Mas que importa às árvores? Que importa para nós os filósofos?
3
Por um escrúpulo que me atraía – refere-se nomeadamente e sobretudo à moral, ao que hoje se costuma considerar como moral – um escrúpulo que apareceu em minha vida tão cedo, tão espontâneo e tão irresistível, moral então contrária à minha juventude, origem e ambiente, que quase lhe poderia chamar o meu a priori
– minha curiosidade e minhas suspeitas tiveram que parar diante desta pergunta: Qual é definitivamente a origem de nossa ideia do bem e do mal?
Aos treze anos este problema já não se afastava de minha mente: na idade em que Deus e os brinquedos da infância enchem meio a meio o coração
, consagrei a esta questão minhas primeiras brincadeiras literárias, minhas primeiras tentativas de escritos filosóficos. É claro que a solução do problema estava em Deus, a quem passei a considerar o pai do mal. Porventura meu a priori
exigia tal conclusão? Foi a esse novo a priori
imoral, ou pelo menos imoralista, e à sua expressão, o imperativo categórico tão antikantiano, não enigmático a que sempre prestei ouvidos e não somente ouvidos?
Felizmente aprendi rapidamente a distinguir o preconceito teológico daquele moral e não me preocupei mais em procurar a origem do mal para além do mundo. Alguma educação histórica e filosófica e certo tato inato, delicado para questões psicológicas, depressa transformaram meu problema neste outro: De que modo inventou o homem essas apreciações o bem e o mal
? E que valor têm em si mesmas? Foram ou não favoráveis ao desenvolvimento humano? São um sinal de calamidade, de empobrecimento, de degeneração da vida? Ou indicam, pelo contrário, a plenitude, a força e a vontade de viver, seu valor, sua confiança, seu futuro? Encontrei várias respostas, consegui distinguir tempos, povos e classes de indivíduos; especializei meu problema e as respostas se transformaram em novas perguntas, perquirições, conjeturas, probabilidades, até que, finalmente, conquistei uma terra, uma região própria, todo um mundo ignorado em plena florescência e crescimento, semelhante a um jardim secreto, de cuja existência ninguém poderia ter suspeitado... Oh! Como somos felizes, nos que buscamos o conhecimento, quando sabemos calar por algum tempo!
4
O primeiro impulso que me levou a publicar algumas das muitas hipóteses sobre a origem da moral foi a leitura de um opúsculo claro, límpido, inteligente, com sagacidade de velho; um livro que, pela primeira vez, me apresentava um tipo inglês puro de hipóteses genealógicas controversas. Esse livro me atraiu com aquela força que possui tudo quanto nos contradiz, tudo o que nos parece antípoda. O título do livro era Origem dos sentimentos morais
; seu autor, o doutor Paulo Ree; o ano de sua publicação, 1877.
Talvez nunca tivesse lido algo que despertasse minha contradição com tanta energia, frase por frase, tese por tese, como esse livro, sem dissabores, sem impaciência. Na obra já mencionada, e que então estava preparando, aludo, com propriedade ou não, às teses desse livro, não para refutá-las – porque, que teria eu que ver com refutações! – senão, o que convém a um espírito positivo, para substituir o improvável pelo mais provável, e talvez a colocação de um erro por outro erro. Foi então que vi, como já disse, com clareza essas hipóteses sobre as origens, às quais são consagrados esses tratados, com falhas, como eu em última análise sob elas poderia me ocultar, ora sem liberdade, ora sem uma linguagem específica para essas coisas e com repetida reincidência e oscilação. Veja-se, por exemplo, o que digo em meu livro Humano, demasiado humano
(p. 51), sobre a dupla origem do bem e do mal (especialmente na esfera dos nobres e dos escravos); de igual modo, na página 119 e seguintes sobre o valor e a origem da moral ascética; e ainda, nas páginas 78 e 82 do volume II, sobre a moralidade dos costumes, tipo de moral bem mais antigo e mais primitivo que se afasta toto coelo do modo de avaliação altruísta (do doutor Rée, como todos os estudiosos ingleses de genealogia da moral encaram a avaliação moral em si); e também na página 74 O viajante, na página 29 Aurora, na página 99 em que explico minha teoria sobre a justiça considerada como equilíbrio de poderes iguais (o equilíbrio como pressuposto de todos os contratos, por conseguinte, de todo direito); e ainda na página 25 de O viajante, sobre a origem do castigo, cujo caráter essencial e primordial não foi a intenção de inspirar terror (como pensa o doutor Rée – que lhe parecem mais, ao contrário, sob determinadas circunstâncias, e sempre como algo acessório e adicional).
5
No fundo, o que me propunha na época era alguma coisa mais importante que a construção de hipóteses próprias ou estranhas sobre a moral (ou mais exatamente, somente em vista de um objetivo, com relação ao qual isso constitui um meio entre muitos outros). Do que eu tratava era do valor da moral e sobre esse ponto não tinha que me explicar senão a meu ilustre mestre Schopenhauer, a quem se dirigia esse livro com toda a sua paixão e sua secreta oposição (porque cada livro é um escrito de combate). Tratava-se particularmente do valor do altruísmo, do valor dos instintos de compaixão, de negação de si, de abnegação que Schopenhauer embelezara, divinizara e elevara a áreas sobrenaturais, tanto que chegou a considerá-los como valores em si, nos quais baseou sua negação da vida e de si mesmo. Mas precisamente contra esses instintos surgia em mim uma desconfiança cada vez mais clara, um ceticismo cada vez mais profundo. Neles via exatamente o grande obstáculo da humanidade, a mais sublime tentação, a sedução que a conduziria para onde? Para o nada? Neles via o princípio do fim, a imobilização, o cansaço que olha para trás, a vontade que se rebela contra a vida, a última doença anunciada por sintomas de ternura e de melancolia: compreendia sempre mais que essa moral de compaixão, que não cessava de ganhar terreno, que até mesmo infectava os filósofos e os tornava doentes, como o sintoma mais inquietante de nossa cultura europeia, o sintoma de seu regresso ao budismo? A um budismo europeu? Ao niilismo?... Entre os filósofos, esse exagero da piedade é efetivamente coisa nova; até hoje os filósofos estiveram de acordo sobre o não-valor da piedade. Basta citar Platão, Spinoza, La Rochefoucald e Kant, quatro espíritos tão diferentes quanto possível entre si, mas unânimes num ponto: o desprezo da piedade.
6
Esse problema do valor da compaixão e da moral da piedade (sou adversário do vergonhoso sentimentalismo que hoje predomina) parece ser, à primeira vista, uma questão isolada, uma interrogação à parte; mas quem se detiver um pouco, quem souber interrogar, verá, como aconteceu comigo, abrir-se uma formidável perspectiva nova, uma possibilidade que se apoderará dele como uma vertigem, dele se apoderarão as suspeitas, as desconfianças, as apreensões; vacilará sua fé na moral, em toda moral, e por fim uma nova exigência se fará ouvir. Necessitamos de uma crítica dos valores morais e, antes de tudo, deve-se discutir o valor desses valores e por isso é totalmente necessário conhecer as condições e os ambientes em que nasceram, em favor dos quais se desenvolveram e nos quais se deformaram (a moral como consequência, como sintoma, como máscara, hipocrisia, enfermidade, equívoco; mas também a moral como causa, remédio, estimulante, inibição, veneno), como certo conhecimento que nunca houve outro igual nem poderá haver. Era um verdadeiro postulado o valor desses valores, como um fato, como estando além de todo questionamento; atribuía-se até o presente, sem a menor dúvida e sem nenhuma hesitação, ao bem um valor superior ao valor do mal, um valor mais elevado no sentido do progresso, da utilidade, da possibilidade do desenvolvimento ao tratar-se do homem em geral (inclusive do futuro do homem). Como? E se o contrário representasse a verdade? Como? E