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A Crise De Piracutinga Da Serra
A Crise De Piracutinga Da Serra
A Crise De Piracutinga Da Serra
E-book252 páginas3 horas

A Crise De Piracutinga Da Serra

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Sobre este e-book

A história do livro se passa na fictícia e pequena cidade de Piracutinga da Serra, situada na região da Serra da Mantiqueira, no norte do Estado de São Paulo. Piracutinga da Serra era uma cidade turística, que ganhou notoriedade em sua região devido à sua feira de produtos artesanais e ao encanto do local. Nessa cidade existia a tradicional Lanchonete Piracutinga, do casal Joancarlos e Laura, ponto de encontro dos piracutinguenses, que durante muito tempo não tivera nenhum concorrente direto. Mas com a chegada da família coreana Jeong-jig, que inaugura a Pastelaria Oriental, Joancarlos vê a migração de seus clientes, piracutinguenses e turistas, para o novo estabelecimento, que ficava no mesmo quarteirão de sua lanchonete na rua São Paulo. Desanimado, com inveja e impulsionado pelo seu fiel e preconceituoso amigo Benedito, Joancarlos decide inventar uma história falsa sobre Lee Jeong-jig, proprietário da nova pastelaria, para afugentar seus clientes. Por meio das redes sociais, espalhou então uma história sobre um coreano que havia fugido na capital, depois de denúncias de que ele havia raptado e comido alguns cachorros da vizinhança, de uma forma que tudo apontava para Lee Jeong-jig. História essa que Joancarlos e Benedito deram mais corpo, ao sequestrar os três conhecidos cachorros de rua que ficavam andando pela praça central, para soltá-los escondidos na cidade vizinha. Com a disseminação viral da história falsa e bizarra, foi questão de tempo para que a Pastelaria Oriental perdesse todos os seus clientes, mas a história não parou por aí! Logo em seguida, os piracutinguenses expulsaram os Jeong-jig da cidade e a história falsa se espalhou cada vez mais pelas redes sociais, agregando muitas distorções e culminando depois de um tempo, em um repúdio das demais cidades contra todos os habitantes de Piracutinga da Serra. Como resultado, depois de alguns eventos inusitados agravantes, Piracutinga da Serra que era uma cidade que dependia do turismo, entra em uma forte recessão e crise, além de virar manchete nacional. Nessa altura, Joancarlos está arrependido profundamente do que havia feito, mas não encontra saídas para reverter o caos que criou. Quando sua boa esposa cristã descobre o que ele fez, vai embora para a casa de sua mãe em Minas, com os dois filhos do casal e Joancarlos entra em uma profunda depressão. Pensando em tirar a própria vida, Joancarlos se desloca até o Rio Perequê, onde acaba adormecendo depois de uma noite em que havia passado adoecido e sem dormir. Lá se depara com um homem misterioso que tem uma conversa profunda com ele e o estimula a se sacrificar pela verdade, ao invés de se sacrificar por nada. Joancarlos, renovado com o diálogo que teve com o homem misterioso e com ajuda do bondoso padre Chico, organizada um discurso na praça central para uma quantidade incontável de pessoas, onde ele apresenta a verdade completa e sem distorções sobre todos os fatos que ocorreram nos últimos meses. Após o discurso, que culminou em sua prisão e teve grande repercussão, a cidade retoma pouco a pouco aos seus eixos. Mesmo preso, Joancarlos sente-se feliz por ter conseguido reverter o mal que criou, mas sofre pela possível rejeição de sua esposa. No fim, quando já estava desacreditado na possibilidade, sua esposa o perdoa e o aceita de volta. Trata-se de uma história inusitada, recheada de reflexões, que nos leva a pensar sobre o compromisso que todos devem ter com a verdade. Apesar de sua ficção, as questões que envolvem manipulação, preconceito, generalização e mentira apresentadas ao longo do livro, assemelham-se muito aos fatos da atual realidade brasileira. Nesse sentido, com o desenrolar do enredo, é muito possível que o leitor fique com uma “pulga atrás da orelha” ao se deparar com situações semelhantes que ocorrem à sua volta. Uma leitura interessante, diferente, divertida e dramática, que possui um potencial de cativar o leitor e o levar a sentir o drama psicológico do arrependimento do person
IdiomaPortuguês
Data de lançamento10 de jul. de 2024
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    A Crise De Piracutinga Da Serra - José Augusto Lunardelli

    Capítulo 1 – Piracutinga da Serra

    Essa é a história de fatos que ocorreram durante o ano de 2019, na cidade de Piracutinga da Serra, que se iniciaram a partir de uma mentira, mas que culminaram em uma crise moral e econômica generalizada naquele pequeno município.

    Piracutinga da Serra era um munícipio do norte do Estado de São Paulo, localizado na região da Serra da Mantiqueira, próximo à divisa com o Estado de Minas Gerais. Era uma cidade pacata, de cerca de 8.000 habitantes, que ficava entre as cidades de Boa Vista do Norte e Araucópolis, ambas cidades maiores e mais populosas.

    Não se sabe com exatidão a origem do termo piracutinga, mas todos os estudiosos que se dedicaram ao tema foram unanimes na defesa, de que ele seja decorrente de uma variação histórica das palavras tupi pira e tinga, que juntas querem dizer peixe branco. Muito antes da fundação da própria cidade de Piracutinga da Serra pela família Salamanca, a região já era conhecida como a região da Piracutinga e, acredita-se que a referência do peixe branco tenha sido criada pelas tribos indígenas que habitavam as redondezas, para se referir à grande presença do peixe tabarana (um peixe que possui uma coloração prata claro, que lembra um certo tom de branco, e uma cauda levemente avermelhada) no Rio Perequê e em seus afluentes, que passam por toda a região. Hoje infelizmente, devido ao excesso de pesca e destruição gradativa das matas ciliares que envolvem o trajeto do Rio Perequê, encontrar tabarana durante uma pesca, um peixe exigente de rio, é coisa rara.

    Piracutinga da Serra foi fundada em 1919 por Luís Teodoro Salamanca, herdeiro de grande quantidade de terras de sua família. A família Salamanca, apesar de sua notória origem espanhola, veio para a região de Piracutinga por volta de 1860 durante o ciclo do café, assim como muitas outras famílias italianas, para tentar a vida produzindo o então chamado ouro negro.

    Desde a fundação de Piracutinga da Serra até 1986, a cidade dependeu exclusivamente do campo, seja dos pés de cafés (que pouco a pouco foram sendo substituídos por outras culturas), como da produção de batata, feijão e de alguns tipos de frutas, a exemplo do pêssego e do morango.

    Piracutinga era uma cidade que não possuía nenhum atributo que a destacava na região. Teve um crescimento populacional bem pequeno ao longo das décadas e, parecia que literalmente havia parado no tempo. Mas em 1986, a novela O alvorecer da Mantiqueira, que foi muito famosa e assistida em todo o país, colocou Piracutinga da Serra no mapa, quando filmou muitas de suas cenas nessa pacata cidade, o que acabou gerando atratividade, curiosidade e por consequência, um novo negócio até então desconhecido para os piracutinguenses: o turismo.

    Após o O alvorecer da Mantiqueira, pouco a pouco o turismo na cidade foi se solidificando e, junto a esse crescente mercado, surgiu a feira de Piracutinga, que era montada todos os finais de semana na Praça de Nossa Senhora Desatadora dos Nós, para oferecer produtos artesanais, como queijos, licores, cachaça, frutas, doces e artesanatos aos turistas.

    Na década de 90, com a fiel presença de turistas em quase todos os finais de semana e, com a chegada de novos moradores na cidade, a feira de Piracutinga cresceu consideravelmente e tornou-se uma grande referência em todo o norte do Estado de São Paulo. Cresceu de tal modo que, em certo momento, a maior parte da economia da cidade se tornou dependente do turismo, através da renda das feiras e dos comércios e, os piracutinguenses se sentiam muito felizes e orgulhosos pela fama que Piracutinga tinha em toda região.

    A feira era montada aos finais de semana na praça central da cidade, que possuía uma boa extensão de calçadinha portuguesa e uma beleza peculiar devido as suas oito araucárias centenárias e a sua limpeza impecável, fruto do cuidado dos cidadãos locais, da limpeza da prefeitura e da presença estratégica de lixeiras para os turistas. A praça que tinha o nome de Diego Cruz Salamanca (pai do fundador da cidade), era popularmente chamada de Praça de Nossa Senhora Desatadora dos Nós, pois ela ficava em frente à Igreja Matriz de Nossa Senhora Desatadora dos Nós, padroeira da cidade.

    A Igreja Matriz havia sido construída durante os anos de 1919 e 1920 e, como a maioria das igrejas do começo do século XX, possuía um formato padrão com um telhado de duas águas, com poucos detalhes e uma torre central, onde ficava o seu sino de bronze que era tocado exclusivamente nas festas religiosas (principalmente na festa

    de Nossa Senhora Desatadora dos Nós, que ocorria no dia 15 de agosto, feriado na cidade).

    A igreja não era pequena, mas também não era grande. Possuía lá seus 200 lugares que conseguiam acomodar a população local sentada nos quatro horários de missa no decorrer da semana, mas que se tornava extremamente pequena na festa de Nossa Senhora Desatadora dos Nós, onde se reuniam milhares de devotos. A sua cor amarela carambola combinava e harmonizava bem com o tom areia da calçadinha portuguesa da praça de tal forma que, parecia que a igreja e a calçadinha haviam sido feitas uma para a outra.

    Ao lado da praça passavam as duas ruas principais de Piracutinga: a rua São Paulo e a rua Minas Gerais. Essas duas ruas, como é comum em cidades pequenas como Piracutinga da Serra, concentravam a maior parte dos comércios da cidade e eram as ruas onde havia maior presença de turistas aos finais de semana.

    Na rua São Paulo, bem em frente à praça, ficava a Lanchonete Piracutinga. Fundada em 1989 pelo finado Pedro Benevéclio, tornou-se o ponto de encontro dos piracutinguenses desde o início, que se reuniam no começo da noite para conversar, fofocar da vida dos outros e para comer o famoso pastel da lanchonete. Com o falecimento do Pedro Benevéclio em 2001, seu filho Joancarlos assumiu a lanchonete e deu continuidade ao legado dos Benevéclios, junto a sua sabida esposa Laura Clara.

    A noite a Lanchonete Piracutinga era o ponto de encontro dos cidadãos da cidade e, aos finais de semana, era o local onde curiosos turistas se sentavam para comer o famoso pastel da lanchonete, enquanto olhavam o movimento da rua São Paulo e da Praça de Nossa Senhora Desatadora dos Nós.

    Joancarlos Benevéclio, proprietário da lanchonete, tinha dois filhos: Larissa Benevéclio de 14 anos e Luan Benevéclio de 12 anos. Ambos os filhos estudavam na Escola Estadual Luís Teodoro Salamanca, única escola de ensino fundamental da cidade.

    Joancarlos tinha muitos amigos e conhecidos, resultado do contato com os clientes de sua lanchonete e também do tamanho pequeno da cidade, mas dentre todos eles havia um em especial que era seu amigo inseparável desde a infância: o Benedito Torres ou, como era popularmente chamado, Dito Torres.

    Benedito Torres além de amigo de Joancarlos, era seu cliente mais fiel. Todo santo dia, por volta das 19 horas chegava na lanchonete, pedia a mesma garrafa de cerveja e o mesmo pastel de carne moída e se sentava em uma cadeira na calçada, quando Joancarlos estava atendendo outros clientes ou, se debruçava no balcão para conversar com ele quando não havia muitos clientes lá.

    Benedito Torres era um marceneiro hábil, mas mesmo tendo seus 44 anos, não havia ainda encontrado uma mulher para namorar sério, quanto mais para casar. O motivo disso, apesar de não ser claro para ele, era muito claro para os piracutinguenses: Benedito costumava falar demais e de forma constantemente preconceituosa sobre mulheres, negros, nordestinos, mineiros, sobre os boa-vistenses (cidadãos da cidade vizinha Boa Vista do Norte) e sobre todos aqueles que não se enquadravam nos seus mesmos gostos, opiniões e manias. Benedito havia sido sempre assim e, como Joancarlos já o conhecia e o acompanhava desde a escola, acabou por se acostumar com os constantes comentários bobos e inconvenientes, embora chamasse a atenção dele, quando ele soltava a linha perto da clientela da lanchonete.

    Como Piracutinga da Serra era uma cidade pequena, praticamente todos eram conhecidos de todos e, inevitavelmente, tinham suas vidas comentadas pelos demais. Não escapavam das fofocas nem o prefeito Amadeu, nem o delegado Suzano Paiva e nem o bondoso padre Chico. A fofoca lá dispensava a necessidade de um jornal local e, ela agia como uma espécie de combustível para os piracutinguenses. Quanto mais fofoca havia, mais a cidade estava viva ou, quanto mais viva a cidade estava, mais fofoca havia.

    Nesse contexto, Joancarlos Benevéclio, Laura Clara da Silva Benevéclio e Benedito Torres, pessoas bem conhecidas de lá, fofoqueiras e fofocadas, foram os principais atores dos fatos estranhos e inusitados que se seguiram nessa pacata cidade.

    Capítulo 2 – A chegada dos coreanos

    A casa da família Benevéclio ficava sob a Lanchonete Piracutinga, em um segundo andar. Era possível acessá-la por uma porta nos fundos da lanchonete e também, por um pequeno portãozinho ao lado da entrada da lanchonete que dava acesso a uma escada.

    No dia 11 de março de 2019, uma segunda-feira, por volta das 12 horas e 30 minutos, Joancarlos estava no balcão da lanchonete enquanto sua esposa almoçava em casa. Por volta desse horário os filhos de Joancarlos costumavam chegar da escola e respondiam o Tudo bem de sempre para ele, mas nessa segunda-feira em especial, o pequeno Luan acrescentou a conversa:

    - Pai, hoje começou um menino novo em minha sala, ele se chama João Pedro. Joancarlos, respondeu com aquele Aé? sem graça que dava a entender que

    ele não tinha interesse algum no assunto.

    - Ele é de uma família coreana, tem os olhos bem puxados! Mas ele fala português como a gente...

    Joancarlos parou o que estava fazendo, dirigiu o olhar para seu filho curioso sobre aquela conversa boba - porém inusitada para a realidade pacata de Piracutinga da Serra – e perguntou:

    - Quem te falou que ele é de família coreana? João Pedro é nome brasileiro!

    - Não pai... Ele nasceu no Brasil. O pai e a mãe dele nasceram na Coréia... Foi a minha professora que disse hoje!

    Joancarlos que tinha certo complexo de seu nome, que era claramente a junção dos nomes João e Carlos (que sua finada mãe Isadora havia achado chique e pomposo lá em meados de 1974), costumava reparar mais do que o normal no nome das pessoas e, por um breve momento após a fala de seu filho, pensou que João Pedro não fosse o nome adequado para um menino coreano. Mas quando se deu conta que divagava sobre algo tão irrelevante, voltou de imediato a si e disse:

    - Interessante Luan... Agora vai almoçar, antes que a comida esfrie!

    E após a pequena conversa, Joancarlos voltou a seus afazeres de sempre na lanchonete, enquanto sua família almoçava.

    Nesse mesmo dia, lá pelas 19 horas, como era de costume, Benedito Torres chegou na lanchonete, momento que não havia nenhum outro cliente. Como havia espaço de sobra para a sua língua, Benedito se debruçou no balcão e, antes mesmo de pedir sua cerveja, indagou:

    - Joancarlos, você está sabendo que chegou uma família de chinês para morar na cidade?

    - OLuan comentou que começou um menino novo em sua sala hoje, mas não é de família chinês, é coreana...

    - Ah então é verdade! – disse Benedito que, depois de uma pequena pausa continuou: - Chinês, japonês, coreano, são todos iguais! Todos têm os olhos puxados, comem peixe cru e são esquisitos!

    Enquanto Benedito terminava o seu comentário tipicamente preconceituoso, a esposa de Joancarlos chegou à lanchonete para auxiliar o marido no atendimento aos clientes da noite, caso fosse necessário. Benedito cumprimentou Laura com um oi seco e continuou a falar com seu velho amigo:

    - Mas não é lá na Coréia que tem ditadura e bomba atômica? Vai ver que é por isso que eles vieram para o Brasil!

    Laura, uma mulher muito esperta e de boa inteligência, ao ouvir apenas essa pergunta de Benedito, já havia concluído do que estavam falando, pois logo assimilou com a notícia que havia recebido de Luan sobre o novo estudante no almoço. Assim, tomou a palavra para elevar um pouco mais o nível da conversa e disse a Benedito:

    - Dito, tem a Coréia do Norte e a Coréia do Sul. A família que veio para a nossa cidade é da Coréia do Sul. É na Coréia do Norte que tem ditadura...

    Benedito Torres encheu seu copo com a cerveja que Joancarlos o havia servido e tomou um pequeno gole, enquanto olhava atentamente para Laura. Laura percebeu que ele havia prestado atenção no que dissera e continuou:

    - Sabe Dito, apesar da Coréia do Norte estar em uma ditatura já há vários anos e ter bomba atômica, tem outros países que também tem essa maldita bomba. A Rússia,

    o Estados Unidos e outros que não me lembro agora, também têm... Esses países acham que são donos do mundo! Acham que podem ter uma arma que pode devastar meio mundo e ainda dizerem que fazem isso em nome da paz... Hipócritas!

    Joancarlos percebendo que a fala de Laura poderia dar trela para que Benedito soltasse algum comentário bobo, voltou-se a ele e o perguntou para retomar o rumo do assunto:

    - Então Dito, você já viu esses coreanos pela cidade?

    - Não. A Maria do Carmo passou na minha marcenaria hoje à tarde e comentou, mas ela não sabia muito a respeito... Disse que foi a Cecília Camargo que disse a ela.

    - Mas você sabe qual é o sobrenome dos coreanos que vieram? – perguntou Joancarlos.

    - A Maria do Carmo falou para mim, mas eu não entendi muito bem... Acho que algo parecido com Janice, sei lá...

    - Janice, Dito!? E isso é lá sobrenome de coreano?

    - Ah Joan, não sei! Pelo o que me lembro é isso...

    - Mas você sabe no que eles irão trabalhar aqui na cidade? Será que vieram para montar alguma barraca na feira?

    - Não sei, mas esses orientais são meio esquisitos! É bem capaz deles quererem vender escorpião assado na feira, sushi, saquê, essas coisas de oriental, sei lá...

    Laura ao escutar aquelas suposições de Benedito, começou a rir e em meio a seus risos, disse:

    - Não seja bobo Dito Torres! Que escorpião, o que!?

    Como o assunto havia parado de repente depois do comentário de Laura, Benedito pediu seu pastel de carne moída e, enquanto o comia, permaneceu quieto. Após terminar, voltou-se para Joancarlos e o disse:

    - Joancarlos você viu como o time de Piracutinga está esse ano? Ganhou seis jogos e empatou um no Campeonato Paulista. Se continuar desse jeito, acho que dessa vez sobe para a série B!

    Joancarlos e Benedito haviam sido membros fiéis da torcida organizada do Clube de Futebol de Piracutinga da Serra, mas haviam se afastado já faziam uns 10 anos,

    devido aos excessos de bebedeiras dos torcedores e também, devido as constantes discussões e conflitos entre a torcida de Piracutinga com a torcida do Unidos de Boa Vista do Norte, da cidade vizinha. Com o passar dos anos após o afastamento, Joancarlos perdeu o interesse pelo time da cidade e até mesmo pelo futebol em si, mas Benedito continuou por dentro, acompanhando e assistindo os jogos do time sempre que possível.

    Havia entre as torcidas organizadas de Piracutinga da Serra e de Boa Vista do Norte uma antiga rincha, digna de ser classificada como infantil. Apesar de nunca ter ocorrido uma pancadaria entre elas, a troca de ofensas era muito comum quando os dois times se enfrentavam na série B2 do Paulista. De fato, os dois times, sem recursos financeiros, faziam um verdadeiro milagre mantendo-se nessa série e as duas torcidas entendiam muito bem isso.

    - Soube que esse ano, trocaram de técnico, né Dito? - perguntou Joancarlos, dando continuidade a conversa.

    - Pois é... E parece que a troca surtiu efeito porque a molecada está jogando bem!

    - Quem sabe dessa vez conseguimos ganhar o título do campeonato...

    Após mais algumas conversas fiadas sobre futebol, Benedito Torres se despediu de seu velho amigo e voltou para casa. Joancarlos, como de costume, fechou sua lanchonete às 21 horas.

    Passado um dia e meio após a conversa estranha sobre a família coreana com Benedito, na quarta-feira, por volta das 9 horas, Joancarlos saiu a pé pela rua São Paulo com destino ao Supermercado Preço Baixo, que ficava algumas quadras da lanchonete, na rua Sergipe, a fim de comprar alguns produtos para a casa e para a lanchonete.

    Na mesma quadra da lanchonete na rua São Paulo, cerca de uns 40 metros à frente dela, havia um antigo casarão de esquina que já estava abandonado há 15 anos e estava em ruínas. Enquanto Joancarlos caminhava pela rua, viu que lá haviam alguns homens trabalhando, e eles estavam o desmanchando, fato esse que chamou sua atenção. Diminuiu então os seus passos e começou a olhar atentamente para os três homens que ali trabalhavam, quando avistou entre eles Cristiano Torres, primo do

    Benedito, que era um pedreiro conhecido de lá e um dos coordenadores da torcida organizada do clube de futebol da cidade. Assim não se conteve, parou e perguntou a ele:

    - Ei Cristiano, estão desmanchando o casarão? Vai ser construído algo no lugar?

    - Oi Joancarlos, tudo em ordem lá com a família? Com está a dona Laura? Pois é, fomos contratados por umas pessoas novas aí da cidade, uns coreanos...

    Ao ouvir isso foi automática a dedução para Joancarlos de que os coreanos que Luan, Benedito e Cristiano falaram eram os mesmos, afinal a cidade era pequena e não estava ocorrendo uma invasão coreana lá. Depois dessa dedução, Joancarlos se deixou levar por pensamentos especulativos, sobre o motivo de uma família recém chegada querer se mudar para a rua São Paulo, quando poderiam comprar uma casa em bom estado ou, um terreno bem maior algumas ruas para trás com o mesmo valor de investimento. Assim, ficou claro para ele que aquele local não se destinaria a uma casa, mas sim a algum tipo de negócio.

    Joancarlos percebendo que Cristiano aguardava algum comentário seu, voltou- se a ele e continuou a conversa:

    - As crianças e a Laura estão bem sim, graças a Deus! – disse – Você sabe o que será construído no lugar? Já teve acesso a nova planta?

    - Ainda não vi a planta, mas parece que vão querer construir uma estrutura para algum tipo de comércio – respondeu enquanto pegava a sua marreta e talhadeira na mão.

    Cristiano então se voltou para uma parede externa e começou a bater nela com as ferramentas, dando continuidade a seu trabalho de demolição e aparentemente pondo um fim na pequena conversa. Vendo que ele voltara ao trabalho, Joancarlos começou a caminhar novamente a passos curtos voltando a seu rumo inicial.

    Após alguns passos de Joancarlos, subitamente Cristiano parou de bater e gritou para ele:

    - Viu Joancarlos, essa família Jeong-jig tem dinheiro!

    Joancarlos meio que assustado com o grito, virou-se para trás e não entendendo muito bem o que fora dito, perguntou:

    - O que você disse?

    - Eu disse, que esses Jeong-jig têm dinheiro! Vieram da capital com dinheiro

    para cá!

    - Quem é Jeong-jig? É algum banqueiro chinês? – perguntou ainda confuso. Ouvindo a expressão banqueiro chinês, Cristiano caiu em risos por alguns segundos e, em seguida, voltou a sua fala:

    - Que banqueiro o que!? Jeong-jig é o sobrenome da família coreana que me contratou. Foi o Lee Jeong-jig, o homem da família, que falou comigo e já até me pagou adiantado pela demolição em dinheiro vivo. Ele fala português, mas tem um sotaque meio esquisito... sotaque oriental. Ele fala rápido e as vezes não dá para entender muito bem...

    Depois dessa explicação foi Joancarlos que começou a rir sozinho e bem alto, deixando Cristiano até um pouco encabulado. O motivo era que tinha se lembrado de Benedito falando

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