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A Época da Inocência
A Época da Inocência
A Época da Inocência
E-book424 páginas6 horas

A Época da Inocência

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Sobre este e-book

Edith Wharton, nasceu Edith Newbold Jones na cidade de Nova York, em 1862.De família rica, era fluente em francês, alemão e italiano, educação recebida de tutores particulares e aprimorada em viagens pela Europa. Se recusava a aceitar os padrões de Comportamento das jovens meninas, que tinham como único propósito aparecer em bailes para conseguir um bom casamento Edith passava grande parte de seu tempo na biblioteca do pai apesar de ter sido proibida por sua mãe de ler um livro antes do casamento. Aos 15 anos conseguiu que alguns de seus poemas fossem publicados secretamente. Aos 23, se casou com Edward Robbins Wharton, adotando o nome do marido, de quem se divorciou 28 anos depois. Morreu em 1937 após sofrer um AVC
IdiomaPortuguês
Data de lançamento9 de mar. de 2024
ISBN9786558705123
A Época da Inocência
Autor

Edith Wharton

Edith Wharton (1862–1937) was the first woman to win the Pulitzer Prize for fiction. Having grown up in an upper-class, tightly controlled society known as “Old New York” at a time when women were discouraged from achieving anything beyond a proper marriage, Wharton broke through these strictures to become one of that society’s fiercest critics as well as one of America’s greatest writers. The author of more than 40 books in 40 years, Wharton’s oeuvre includes classic works of American literature such as The House of Mirth, The Custom of the Country, The Age of Innocence, and Ethan Frome, as well as authoritative works on architecture, gardens, interior design, and travel.

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    A Época da Inocência - Edith Wharton

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    Título Original: The Age of Innocence

    Copyright © Editora Lafonte Ltda. 2024

    Todos os direitos reservados.

    Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida por quaisquer meios existentes sem autorização por escrito dos editores e detentores dos direitos.

    Direção Editorial: Ethel Santaella

    Tradução: Ciro Mioranza

    Texto de capa: Denise Gianoglio

    Revisão: Rita Del Monaco

    Diagramação e capa: Marcos Sousa

    Versão Epub: Estúdio GDI

    Editora Lafonte

    Av. Profa Ida Kolb, 551, Casa Verde, CEP 02518-000, São Paulo-SP, Brasil – Tel.: (+55) 11 3855-2100

    Atendimento ao leitor (+55) 11 3855-2216 / 11 3855-2213 – atendimento@editoralafonte.com.br

    Venda de livros avulsos (+55) 11 3855-2216 – vendas@editoralafonte.com.br

    Venda de livros no atacado (+55) 11 3855-2275 – atacado@escala.com.br

    Edith Wharton

    A época da inocência

    Tradução: CM

    Editora Escala

    Capítulo 1

    Numa noite de janeiro dos primeiros anos da década de 1870, Christine Nilsson(¹) se apresentava na peça Fausto(²), em exibição na Academia de Música de Nova York.

    Embora já se falasse da construção, em remotas áreas metropolitanas, acima das ruas Quarenta, de um novo teatro de ópera, que deveria competir em custo e esplendor com os das grandes capitais europeias, o mundo elegante ainda se contentava em se reunir, a cada inverno, nos velhos camarotes vermelhos e dourados da simpática e velha Academia. Os conservadores a apreciavam por ser pequena e incômoda, e assim, conseguiam afastar os novos que Nova York atraía, mas que estava começando a temer; e os sentimentais se apegavam a ela por suas associações históricas, e os apaixonados por música por sua excelente acústica, uma qualidade sempre tão problemática em salas construídas para ouvir música.

    Era a primeira apresentação de Madame Nilsson nesse inverno, e o que os jornais diários já haviam aprendido a descrever como um público excepcionalmente brilhante se havia reunido para ouvi-la, transportado pelas ruas escorregadias e nevadas em carruagens particulares, no espaçoso landau da família, ou no mais humilde, mas mais conveniente cupê(³). Ir à ópera num cupê era um modo quase tão honroso quanto chegar em carruagem própria; e ir embora pelo mesmo meio de transporte tinha a imensa vantagem de permitir que a pessoa (com uma jocosa alusão aos princípios democráticos) subisse no primeiro cupê da fila, em vez de esperar até que o nariz congestionado de gim e de frio do próprio cocheiro despontasse sob o pórtico da Academia. Foi uma das mais geniais intuições do grande cavalariço ter descoberto que os americanos têm muita pressa de voltar para casa depois da diversão do que a tiveram para chegar a ela.

    Quando Newland Archer abriu a porta na parte de trás do camarote do clube, a cortina havia acabado de subir na cena do jardim. Não havia razão para que o jovem não tivesse chegado mais cedo, pois havia jantado às 7h, sozinho com a mãe e a irmã, e depois se demorara fumando um charuto na biblioteca gótica de reluzentes estantes de nogueira preta e cadeiras de espaldar entalhado, o único cômodo da casa onde a senhora Archer permitia que se fumasse. Mas, em primeiro lugar, Nova York era uma metrópole com plena consciência de que nas metrópoles não soava bem chegar cedo à ópera; e o que soava ou não soava bem desempenhava um papel tão importante na Nova York de Newland Archer quanto os inescrutáveis terrores totêmicos que governaram os destinos de seus antepassados, milhares de anos antes.

    A segunda razão para seu atraso era de ordem pessoal. Ele havia se demorado com seu charuto porque, no fundo, era um diletante, e pensar num prazer que estava por vir muitas vezes lhe dava uma satisfação mais sutil do que o desfrute desse prazer atual. Esse era especialmente o caso quando o prazer era delicado, como era a maioria de seus prazeres; e nessa ocasião o momento que ele esperava era tão raro e requintado em qualidade que... bem, se ele tivesse programado sua chegada de comum acordo com o diretor do cenário, não poderia ter entrado na Academia num momento mais significativo do que quando a "prima donna estava cantando: Ele me ama... ele não me ama... ELE ME AMA!..." e desfolhando as pétalas da margarida que caíam com notas tão claras como gotas de orvalho.

    Ela cantou, é claro, "M’ama! e não ele me ama", uma vez que uma lei inalterável e inquestionável do mundo musical exigia que o texto alemão de óperas francesas cantadas por artistas suecos fosse traduzido para o italiano para uma compreensão mais clara do público de língua inglesa. Isso parecia tão natural para Newland Archer quanto todas as outras convenções que moldavam sua vida: como a obrigação de usar duas escovas de prata com seu monograma em esmalte azul para repartir os cabelos, e de nunca aparecer em público sem uma flor (de preferência uma gardênia) na lapela.

    "M’ama... non m’ama..." cantou a prima donna, e "M’ama!, com uma explosão final de amor triunfante, enquanto ela pressionava a despetalada margarida contra os lábios e erguia os grandes olhos para o rosto sofisticado do pequeno e moreno Fausto-Capoul"(), que estava tentando, em vão, enfiado num gibão apertado de veludo roxo e com boné emplumado, parecer tão puro e verdadeiro quanto sua ingênua vítima.

    Newland Archer, encostado na parede do fundo do camarote, desviou os olhos do palco e examinou o lado oposto da casa de espetáculos. Diante dele estava o camarote da velha sra. Manson Mingott, cuja monstruosa obesidade há muito impossibilitava que ela assistisse à ópera, mas que sempre era representada, nas noites de gala, por alguns dos membros mais jovens da família. Nessa ocasião, a frente do camarote estava ocupada por sua nora, a sra. Lovell Mingott, e sua filha, a sra. Welland; e ligeiramente retraída atrás dessas matronas de brocado sentava-se uma jovem de branco com os olhos fixos em êxtase nos amantes do palco. Quando o "M’ama" de Madame Nilsson vibrou pela sala silenciosa (as pessoas dos camarotes sempre paravam de falar durante o canto da margarida), um ardente rubor se espalhou pelas faces da moça, cobriu a testa até a raiz de suas belas tranças e desceu pela curva do busto até a linha onde se encontrava um modesto tule preso com uma única gardênia. Ela baixou os olhos para o imenso buquê de lírios-do-vale que mantinha sobre os joelhos, e Newland Archer viu a ponta de seus dedos enluvados tocar suavemente as flores. Ele deu um suspiro de vaidade satisfeita e seus olhos voltaram para o palco.

    Não foram poupadas despesas na montagem do cenário, que foi reconhecida como muito bonita até mesmo por pessoas que conheciam os teatros de ópera de Paris e de Viena. O primeiro plano, até as luzes da ribalta, estava coberto com tecido verde-esmeralda. A meia distância, montículos simétricos de musgo verde lanoso, delimitados por arcos de croquê, formavam a base de arbustos que pareciam laranjeiras, mas cravejados de grandes rosas vermelhas. Amores-perfeitos gigantescos, consideravelmente maiores que as rosas, e muito parecidos com os limpa-penas em forma de flor feitos por paroquianas para clérigos elegantes, brotavam do musgo sob as roseiras; e aqui e acolá uma margarida enxertada num ramo de roseira florescia com uma exuberância profética, que anunciava os distantes prodígios do sr. Luther Burbank.()

    No centro desse jardim encantado, Madame Nilsson, em caxemira branca com listras de cetim azul-claro, uma retícula pendurada num cinto azul e grandes tranças amarelas cuidadosamente dispostas em cada lado de sua blusa de musselina, ouvia com olhos baixos o apaixonado o galanteio de Monsieur Capoul, e fingia uma ingênua incompreensão de seus desígnios sempre que, por palavra ou por olhar, ele indicava persuasivamente a janela do andar térreo da elegante mansão de tijolos à vista que se projetava obliquamente da ala direita.

    Que adorável!, pensou Newland Archer, voltando a fitar a jovem com os lírios-do-vale. Ela nem imagina do que se trata. E ele contemplou o jovem rosto absorto com um arrepio de posse, em que o orgulho de sua iniciação masculina se misturava com uma terna reverência pela abismal pureza dela. "Vamos ler Fausto juntos... à margem dos lagos italianos..., pensou ele, confundindo um tanto vagamente o cenário de sua projetada lua de mel com as obras-primas da literatura que teria o privilégio, como homem, de revelar à noiva. Foi apenas naquela tarde que May Welland o deixou adivinhar que ela se importava" (a consagrada frase com que uma moça se declarava em Nova York), e já a imaginação dele, saltando à frente do anel de noivado, do beijo de noivado e da marcha de Lohengrin(), a imaginava a seu lado em algum cenário da velha magia europeia.

    Ele não desejava de forma alguma que a futura sra. Newland Archer fosse uma simplória. Pretendia que ela (graças à sua exemplar companhia) desenvolvesse um tato social e uma presença de espírito que lhe permitisse manter-se no mesmo nível das mulheres casadas mais elogiadas da ala jovem, em que era costume reconhecido atrair a homenagem masculina e a desencorajá-la de maneira divertida. Se ele tivesse sondado a profundeza de sua vaidade (como às vezes quase fazia), teria encontrado ali o desejo de que sua esposa fosse tão sábia e ansiosa para agradar quanto a dama casada cujos encantos haviam mantido sua fantasia por dois anos um tanto agitados; sem, claro, qualquer indício da fragilidade que quase havia arruinado a vida daquele ser infeliz e havia desorganizado seus planos para um inverno inteiro.

    Ele nunca havia parado para pensar como esse milagre de fogo e gelo se realizaria e como se sustentaria num mundo cruel; mas se contentava em manter sua opinião sem analisá-la, pois sabia que era a de todos os cavalheiros cuidadosamente escovados, de colete branco e flor na lapela que se sucediam no camarote do clube, trocavam saudações amistosas com ele e apontavam seus binóculos criticamente para o círculo de senhoras que eram produto do sistema. Em questões intelectuais e artísticas, Newland Archer se sentia distintamente superior a esses seletos espécimes da velha aristocracia de Nova York; ele provavelmente havia lido mais, pensado mais e até visto muito mais do mundo do que qualquer outro homem de sua classe. Individualmente, eles traíam sua inferioridade; mas agrupados, eles representavam Nova York, e o hábito da solidariedade masculina o fazia aceitar sua doutrina em todas as questões ditas morais. Ele instintivamente sentia que, a esse respeito, seria problemático... e também bastante ruim... discordar abertamente.

    – Bem... era só o que faltava! – exclamou Lawrence Lefferts, desviando abruptamente o binóculo do palco.

    Lawrence Lefferts era, de modo geral, a maior autoridade em etiqueta em Nova York. Ele provavelmente tinha dedicado mais tempo que qualquer outra pessoa ao estudo dessa questão intrincada e fascinante; mas o estudo por si só não poderia explicar sua franca e absoluta competência. Bastava olhar para ele, desde a curva de sua testa calva e a curva de seu belo bigode louro até os longos pés calçados com sapatos de couro envernizado, na outra ponta de sua figura esbelta e elegante, para perceber que o conhecimento da etiqueta devia ser congênito em qualquer um que soubesse usar roupas tão boas de forma tão descuidada e conseguisse assim mesmo ser tão estiloso, apesar da alta estatura. Como um jovem admirador dissera certa vez sobre ele: Se há alguém que pode dizer a um sujeito quando usar gravata preta com traje de noite e quando não, esse alguém é Larry Lefferts. E na questão de sapatos de salto alto versus sapatos de couro envernizado, sua autoridade nunca foi contestada.

    – Meu Deus! – exclamou ele; e silenciosamente entregou seu binóculo ao velho Sillerton Jackson.

    Newland Archer, seguindo o olhar de Lefferts, viu com surpresa que sua exclamação havia sido ocasionada pela entrada de uma nova figura no camarote da velha sra. Mingott. Era uma jovem esbelta, um pouco menos alta que May Welland, com cabelos castanhos soltando-se em cachos perto das têmporas e presos por uma faixa estreita de diamantes. A sugestão desse penteado, que lhe conferia o que então se chamava de estilo Josephine(), se completava no corte do vestido de veludo azul-escuro, ajustado de forma bastante teatral, preso sob o busto por um cinto com uma grande e antiquada fivela. A usuária desse vestido incomum, que parecia totalmente alheia à atenção que estava despertando, parou por um momento no centro do camarote, explicando à sra. Welland que não achava justo ocupar o lugar dela no canto direito da frente; por fim, ela cedeu com um leve sorriso e sentou-se ao lado da sra. Lowell Mingott, cunhada da sra. Welland, no canto oposto.

    O sr. Sillerton Jackson tinha devolvido o binóculo a Lawrence Lefferts. Todos se voltaram instintivamente, esperando ouvir o que o velho tinha a dizer; pois o velho sr. Jackson era uma autoridade tão grande em família quanto Lawrence Lefferts era em etiqueta. Ele conhecia todas as ramificações de parentesco de Nova York; e poderia não apenas elucidar questões complicadas como a da conexão entre os Mingott (através dos Thorley) com os Dallas da Carolina do Sul, e a relação do ramo mais antigo dos Thorley da Filadélfia com os Chivers de Albany (que, de forma alguma, deviam ser confundidos com os Manson Chivers da University Place), mas também poderia enumerar as principais características de cada família: por exemplo, a fabulosa avareza das linhas mais jovens dos Lefferts (os de Long Island); ou a fatal tendência dos Rushworth para fazer casamentos tresloucados; ou a insanidade recorrente em cada duas gerações dos Albany Chivers, com quem seus primos de Nova York sempre se recusaram a se casar... com a desastrosa exceção da pobre Medora Manson que, como todos sabiam... mas, afinal, a mãe dela era uma Rushworth.

    Além dessa floresta de árvores genealógicas, o sr. Sillerton Jackson carregava entre suas têmporas estreitas e fundas e sob sua suave cobertura de cabelos prateados um registro da maioria dos escândalos e mistérios que efervesciam sob a imperturbável superfície da sociedade de Nova York nos últimos cinquenta anos. De fato, seus conhecimentos eram vastos e sua memória tão aguçadamente fantástica, que ele deveria ser o único homem que poderia dizer quem era realmente Julius Beaufort, o banqueiro, e o que acontecera com o belo Bob Spicer, pai da velha sra. Manson Mingott, que havia desaparecido tão misteriosamente (com uma grande soma de dinheiro que lhe fora confiada) menos de um ano depois de seu casamento, no mesmo dia em que uma bela dançarina espanhola que vinha encantando o público lotado no velho teatro de ópera do Battery embarcou para Cuba. Mas esses mistérios, e muitos outros, estavam bem guardados no peito do sr. Jackson; pois não apenas seu agudo senso de honra o proibia de repetir qualquer coisa transmitida de modo confidencial, como também tinha plena consciência de que sua reputação de discrição aumentava suas oportunidades de descobrir o que quisesse saber.

    Os ocupantes do camarote do clube esperavam, portanto, em visível suspense, enquanto o sr. Sillerton Jackson devolvia o binóculo de Lawrence Lefferts. Por um momento, ele escrutinou silenciosamente o grupo atento com seus olhos azuis transparentes, encimados por velhas pálpebras sulcadas de veias; torceu, então, pensativo, o bigode e disse simplesmente: Não pensei que os Mingott chegassem até esse ponto.

    Capítulo 2

    Newland Archer, durante esse breve episódio, viu-se envolto num estranho estado de constrangimento.

    Era irritante ver que o camarote que assim atraía toda a atenção da Nova York masculina fosse aquele em que sua noiva estava sentada, entre a mãe e a tia; e por um momento não conseguiu identificar a dama de vestido estilo império, nem imaginar por que sua presença criava tanta agitação entre os iniciados. Depois se deu conta e, em decorrência disso, sentiu uma onda de momentânea indignação. Não, de fato; ninguém teria pensado que os Mingott se atrevessem a tanto!

    Mas se atreveram. Indubitavelmente, se atreveram, pois os comentários em voz baixa atrás dele não deixavam dúvidas na mente de Archer de que a jovem era prima de May Welland, a prima à qual a família sempre se referia como a pobre Ellen Olenska. Archer sabia que ela havia chegado subitamente da Europa um ou dois dias antes. Chegara até a saber da srta. Welland que ela tinha ido visitar a pobre Ellen, que estava hospedada na casa da velha sra. Mingott. Archer aprovava inteiramente a solidariedade familiar, e uma das qualidades que ele mais admirava nos Mingott era sua resoluta defesa das poucas ovelhas negras que seu impecável rebanho havia produzido. Não havia nada de mesquinho ou de pouco generoso no coração do jovem, e ele estava feliz por sua futura esposa não ser impedida por falso pudor de ser gentil (em particular) com a prima infeliz; mas receber a condessa Olenska no círculo familiar era diferente de apresentá-la em público, precisamente no teatro de ópera, e no mesmo camarote com a jovem cujo noivado com ele, Newland Archer, seria anunciado dentro de algumas semanas. Não, ele se sentia como o velho Sillerton Jackson; não achava que os Mingott haveriam de se atrever a tanto!

    Obviamente, ele sabia que o que qualquer homem que ousasse fazer (dentro dos limites da Quinta Avenida), aquela velha sra. Manson Mingott, a matriarca da família, também ousaria. Sempre havia admirado a altiva e poderosa velhinha que, apesar de ter sido um dia apenas Catherine Spicer, de Staten Island, com um pai misteriosamente desacreditado, sem dinheiro nem posição suficientes para fazer as pessoas se esquecerem disso, aliou-se ao chefe da rica família Mingott, casou duas de suas filhas com estrangeiros (um marquês italiano e um banqueiro inglês), e deu o toque final a suas ousadias construindo um casarão de pedra de cor creme claro (quando o arenito marrom parecia a única alternativa quanto a sobrecasaca à tarde) num local deserto e inacessível, perto do Central Park.

    As filhas estrangeiras da velha sra. Mingott haviam se tornado uma lenda. Nunca voltaram para ver a mãe que, sendo como muitas pessoas de mente ativa e vontade dominadora, sedentária e corpulenta, permanecera filosoficamente em casa. Mas o casarão de cor creme (supostamente inspirado nos hotéis privados da aristocracia parisiense) ali estava, como uma prova visível de sua coragem moral; e reinava nele, entre móveis pré-revolucionários e lembranças das Tulherias() de Luís Napoleão() (onde ela havia brilhado na meia-idade), tão placidamente como se não houvesse nada de peculiar em morar acima da Rua 34, ou em ter janelas francesas que se abriam como portas em vez de janelas de caixilhos que se erguiam e baixavam.

    Todos (inclusive o sr. Sillerton Jackson) concordavam que a velha Catherine nunca teve beleza... dom que, aos olhos de Nova York, justificava todo o sucesso, e desculpava certo número de fracassos. Pessoas indelicadas diziam que, como sua homônima imperial(¹⁰), ela havia conquistado o caminho do sucesso pela força de vontade e dureza de coração, e uma espécie de descaramento altivo que de alguma forma se justificava pela extrema decência e dignidade de sua vida privada. O sr. Manson Mingott morrera quando ela tinha apenas 28 anos e havia bloqueado o dinheiro com uma cautela adicional decorrente da desconfiança geral com relação aos Spicer; mas a jovem e ousada viúva seguiu seu caminho, destemida, introduziu-se livremente na sociedade estrangeira, casou as filhas sabe-se lá em que círculos corruptos e elegantes, conviveu com duques e embaixadores, aproximou-se dos papistas, entreteve cantores de ópera e foi amiga íntima de Madame Taglioni(¹¹); e o tempo todo (como Sillerton Jackson era o primeiro a proclamar) nunca houve qualquer murmúrio sobre sua reputação; o único aspecto, ele sempre acrescentava, em que Catherine diferia da outra Catarina.

    A sra. Manson Mingott há muito conseguira desbloquear a fortuna de seu marido e vivera em abundância por meio século; mas as lembranças de seus antigos problemas a tornaram excessivamente econômica e, embora, quando comprava um vestido ou uma peça de mobília, cuidava para que fosse o melhor, ela não conseguia gastar muito com os prazeres transitórios da mesa. Por razões totalmente diferentes, portanto, sua comida era tão pobre quanto a da sra. Archer, e seus vinhos não faziam nada para redimi-la. Seus parentes julgavam que a penúria de sua mesa desacreditava o nome Mingott, que sempre estivera associado a uma boa vida; mas as pessoas continuavam a visitá-la apesar dos pratos feitos e do champanhe sem graça, e em resposta às críticas de seu filho Lovell (que tentou recuperar o crédito da família contratando o melhor chef de Nova York) ela costumava dizer, rindo: De que adianta ter dois bons cozinheiros numa família, agora que casei as meninas e não posso saborear molhos?

    Newland Archer, enquanto refletia sobre essas coisas, mais uma vez voltou seus olhos para o camarote dos Mingott. Viu que a sra. Welland e a cunhada estavam enfrentando seu semicírculo de críticos com a desenvoltura mingottiana que a velha Catherine havia inculcado em toda a sua tribo, e que só May Welland traía, pelo forte rubor (talvez devido ao fato de saber que ele a estava observando), um senso da gravidade da situação. Quanto à causa da comoção, ela continuava graciosamente sentada no canto do camarote, com os olhos fixos no palco e revelando, quando se inclinava para frente, um pouco mais de ombros e busto do que Nova York estava acostumada a ver, pelo menos em senhoras que tinham motivos para desejar passar despercebidas.

    Poucas coisas, para Newland Archer, pareciam mais terríveis do que uma ofensa ao Bom Gosto, essa divindade distante da qual a Etiqueta era o mero representante visível e vice-gerente. O rosto pálido e sério de Madame Olenska parecia adequado à ocasião e à infeliz situação dela; mas a maneira como o vestido dela (que não tinha pregas) descaía pelos ombros magros o deixou chocado e perturbado. Ele detestava pensar que May Welland estava sendo exposta à influência de uma jovem tão displicente com os ditames do Bom Gosto.

    – Afinal – ouviu um dos homens mais jovens começar a dizer atrás dele (todos falavam durante as cenas dos personagens Mefistófeles e Marta na ópera Fausto) –, afinal, o que aconteceu exatamente?

    – Bem, ela o deixou; ninguém vai negar isso.

    – Ele é um brutamontes, não é? – continuou o jovem indagador, um cândido Thorley, que evidentemente estava se preparando para entrar nas listas como o defensor da dama.

    – Da pior espécie. Eu o conheci em Nice – disse Lawrence Lefferts com autoridade. – Um sujeito branco, meio paralisado e sarcástico... cabeça bastante bonita, mas olhos com muitos cílios. Bem, vou lhe dizer o tipo: quando não estava com mulheres, colecionava porcelana. Pagando qualquer preço por ambas, acredito.

    Todos caíram na risada, e o jovem defensor disse:

    – Bem, então...?

    – Bem, então; ela fugiu com o secretário do marido.

    – Oh, entendi. – E o rosto do defensor se retraiu.

    – Mas não durou muito: fiquei sabendo, meses depois, que ela estava morando sozinha em Veneza. Acredito que Lovell Mingott foi buscá-la e disse que ela estava desesperadamente infeliz. Tudo bem, mas desfilar com ela na ópera é outra coisa.

    – Talvez – arriscou o jovem Thorley –, ela esteja infeliz demais para ficar sozinha em casa.

    Esse comentário foi recebido com uma risada irreverente, e o jovem, corando intensamente, tentou mostrar que pretendia insinuar o que as pessoas entendidas chamavam de duplo sentido.

    – Bem, de qualquer modo, é estranho trazer a srta. Welland – disse alguém em voz baixa, olhando de soslaio para Archer.

    – Ah, isso faz parte da campanha. Ordens da vovó, sem dúvida – riu Lefferts. – Quando a velha faz uma coisa, ela o faz por inteiro.

    O ato estava terminando, e houve agitação geral no camarote. Subitamente, Newland Archer se sentiu impelido a uma ação decisiva. O desejo de ser o primeiro homem a entrar no camarote da sra. Mingott, o desejo de proclamar ao mundo ansioso seu noivado com May Welland, e o desejo de ampará-la em qualquer dificuldade que a anômala situação da prima pudesse envolvê-la. Esse impulso anulou abruptamente todos os escrúpulos e hesitações e o fez correr pelos corredores vermelhos até o outro lado do teatro.

    Ao entrar no camarote, seus olhos encontraram os da srta. Welland e ele percebeu que ela havia compreendido instantaneamente seu motivo, embora a dignidade familiar, que ambos consideravam uma virtude tão elevada, não permitisse que ela o dissesse. As pessoas de seu mundo viviam numa atmosfera de fracas implicações e pálidas delicadezas, e o fato de os dois se entenderem mutuamente sem uma palavra pareceu ao jovem aproximá-los mais do que qualquer explicação poderia ter feito. Os olhos dela diziam: Você está vendo por que mamãe me trouxe. E os dele responderam: Por nada deste mundo eu iria querer que você ficasse longe daqui.

    – Conhece minha sobrinha, a condessa Olenska? – perguntou a sra. Welland, enquanto apertava a mão do futuro genro.

    Archer fez uma reverência sem estender a mão, como era costume ao ser apresentado a uma dama; e Ellen Olenska inclinou levemente a cabeça, mantendo as próprias mãos enluvadas ocupadas com seu enorme leque de penas de águia. Depois de cumprimentar a sra. Lovell Mingott, uma dama encorpada e loira, vestida de cetim rangente, Archer se sentou ao lado da noiva e disse em voz baixa:

    – Espero que tenha dito a Madame Olenska que estamos noivos. Quero que todos saibam... quero que você me deixe fazer o anúncio durante o baile desta noite.

    O rosto da srta. Welland ficou rosado como o alvorecer, e ela o fitou com olhos radiantes.

    – Se você conseguir persuadir mamãe – disse ela. – Mas por que deveríamos mudar o que já está resolvido?

    Ele não deu resposta, mas só lhe devolveu o olhar; então ela acrescentou, sorrindo, ainda mais confiante:

    – Diga-o você mesmo à minha prima. Eu lhe dou permissão. Ela diz que vocês costumavam brincar juntos quando eram crianças.

    Ela abriu caminho para ele, empurrando a cadeira para trás, e logo, um pouco ostensivamente, com o desejo de que o teatro inteiro visse o que ele estava fazendo, Archer sentou-se ao lado da condessa Olenska.

    – Nós realmente costumávamos brincar juntos, não é? – disse ela, séria, voltando os olhos para ele. – Você era um menino horrível, e uma vez me beijou atrás de uma porta; mas eu estava apaixonada por seu primo Vandie Newland, que nunca reparou em mim. – Seu olhar varreu o semicírculo de camarotes. – Ah, como isso me faz lembrar tantas coisas... vejo todo mundo aqui de knickerbockers e pantalettes(¹²) – disse ela, com seu leve sotaque estrangeiro, dirigindo seu olhar para o rosto dele.

    Por mais agradável que fosse a expressão de seus olhos, o jovem ficou chocado porque eles refletiam uma imagem tão indecorosa do augusto tribunal perante o qual, naquele exato momento, o caso dela estava sendo julgado. Nada poderia ser de pior gosto do que leviandade fora de contexto, e ele respondeu um tanto rispidamente:

    – Sim, você esteve no exterior por muito tempo.

    – Oh, séculos e séculos! Tanto tempo – disse ela – que tenho certeza de que estou morta e enterrada, e esse querido e velho lugar é o próprio paraíso.

    Isso, por razões que ele não conseguiu identificar, pareceu a Newland Archer uma maneira ainda mais desrespeitosa de descrever a sociedade de Nova York.

    Capítulo 3

    Acontecia invariavelmente da mesma maneira. A sra. Julius Beaufort, na noite de seu baile anual, nunca deixava de comparecer à ópera; na verdade, ela sempre dava seu baile numa noite de ópera para enfatizar sua total superioridade com relação a problemas domésticos, e o fato de possuir uma equipe de criados competentes para organizar todos os detalhes do entretenimento em sua ausência.

    A casa dos Beaufort era uma das poucas em Nova York que possuía um salão de baile (anterior até mesmo ao da sra. Manson Mingott e ao dos Headley Chivers); e numa época em que começava a ser considerado provinciano transformar a sala de visitas em salão, levando todos os móveis para o andar de cima, a posse de um salão de baile que não era usado para nenhum outro propósito e deixado fechado e escuro durante 364 dias do ano, com suas cadeiras douradas empilhadas num canto e seu lustre coberto com pano, essa superioridade indubitável compensava o que havia de lamentável no passado de Beaufort.

    A sra. Archer, que gostava de cunhar sua filosofia social em axiomas, disse certa vez: Todos nós temos nossos plebeus de estimação..., e embora a frase fosse ousada, sua verdade era secretamente admitida no íntimo de muitos exclusivistas. Mas os Beaufort não eram exatamente plebeus; mas havia quem dissesse que eram ainda piores. A sra. Beaufort pertencia de fato a uma das famílias mais honradas da América; tinha sido, quando solteira, a adorável Regina Dallas (do ramo da Carolina do Sul), uma beldade sem um tostão apresentada à sociedade de Nova York pela prima, a imprudente Medora Manson, que sempre fazia a coisa errada pelo motivo certo. Quem era parente dos Manson e dos Rushworth tinha um "droit de cité"(¹³) (como dizia o sr. Sillerton Jackson, que frequentara as Tulherias) na sociedade de Nova York; mas quem se casara com Julius Beaufort não perdia esse direito?

    A pergunta era: quem era Beaufort? Ele se passava por um inglês, era agradável, sistemático, hospitaleiro e espirituoso. Viera para a América com cartas de recomendação do genro inglês da velha sra. Manson Mingott, o banqueiro, e havia rapidamente conquistado uma importante posição no mundo dos negócios; mas tinhas hábitos desregrados, a língua ferina e seus antecedentes eram misteriosos. E quando Medora Manson anunciou o noivado da prima com ele, houve quem achasse que era mais um ato de loucura no longo histórico de imprudências da pobre Medora.

    Mas os frutos da loucura revelam muitas vezes sua sabedoria, e dois anos depois do casamento da jovem sra. Beaufort, admitiu-se que ela possuía a casa mais distinta de Nova York. Ninguém sabia exatamente como o milagre acontecera. Ela era indolente, passiva, e os cáusticos até a chamavam de chata; mas vestida como um ídolo, enfeitada de pérolas, tornando-se a cada ano mais jovem, mais loira e mais bonita, reinava no imenso palácio de arenito marrom do sr. Beaufort e para lá atraía todo mundo sem precisar levantar seu dedo mindinho repleto de joias. As pessoas bem informadas diziam que era o próprio Beaufort que treinava os criados, ensinava novos pratos ao chef, indicava aos jardineiros que flores de estufa cultivar para enfeitar a mesa de jantar e as salas de estar, selecionava os convidados, preparava o ponche depois do jantar e ditava os bilhetinhos que a esposa escrevia aos amigos. Se era realmente assim, realizava essas atividades domésticas às ocultas, e ele se apresentava ao mundo com a aparência de um milionário descuidado e hospitaleiro, entrando em sua sala de estar com o desembaraço de um convidado, dizendo:

    – As gloxinias de minha esposa são uma maravilha, não é mesmo? Acho que ela as manda vir de Kew.(¹⁴)

    As pessoas julgavam que o segredo do sr. Beaufort estava em sua maneira de conduzir as coisas. Havia murmúrios de que ele tinha recebido a ajuda do banco internacional em que trabalhava para deixar a Inglaterra. Ele enfrentava esse boato tão tranquilamente quanto o resto... embora a consciência empresarial não fosse menos sensível do que o padrão moral de Nova York... ele atraía tudo o que havia em sua frente e toda a Nova York para suas salas de estar, e por mais de vinte anos as pessoas diziam que estavam indo à casa dos Beaufort com o mesmo tom cheio de segurança que diriam que estavam se dirigindo para a casa da sra. Manson Mingott, e com a satisfação adicional de saber que degustariam patos quentes e ótimos vinhos, em vez do tépido champanhe Veuve Clicquot de menos

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