Bestiário brasileiro: Monstros, visagens e assombrações
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Sobre este e-book
Há um elemento comum entre os tipos de monstros presentes nas mais diversas culturas: eles não se encaixam nos padrões vistos como normais por aquela sociedade. Assim, o que um determinado grupo social define como monstruoso diz muito sobre o que ele considera humano e desumano, natural e sobrenatural, normal e anormal – e cada grupo seguirá uma visão própria, portanto, o que é monstruoso para uma cultura pode não ser para outra.
É verdade que, em geral, achamos que os monstros ameaçam destruir a ordem social ou moral que organiza uma comunidade. São inúmeros os exemplos de mulheres que, ao afrontar o machismo vigente em certos grupos, foram retiradas da caixa da normalidade e associadas ao bestiário ameaçador dos monstros. Curiosamente, porém, às vezes os monstros cumprem a função de garantidores da ordem. Não é raro, por exemplo, que crianças questionadoras, agitadas, levadas ou resistentes ao sono sejam ameaçadas com histórias terríveis de monstros que podem puni-las por esses comportamentos.
Visagens, para o imaginário fantástico, são aparições que escapam àquilo que definimos como realidade: fantasmas, espíritos de mortos, seres de outro mundo, miragens do futuro, bolas de fogo correndo pelas ruas, mulheres de branco que aparecem nas portas de cemitérios e em banheiros de colégios.
Monstros e visagens fazem parte do grupo das assombrações, assim como tudo aquilo que não se vê, mas se sente ou escuta: as janelas e portas que se abrem sozinhas, um assobio vindo de um lugar onde não se vê vivalma, uma gargalhada inusitada, um pio de coruja cortando o silêncio da noite, um piano que toca sozinho, a voz que canta em um teatro vazio, o arrepio que faz a gente acender a luz no meio da madrugada.
Neste livro, proponho um passeio pelas culturas fantásticas do Brasil, apresentando às leitoras e leitores de todas as idades histórias de monstros, visagens e assombrações, sem a pretensão de definir o que é mito, lenda, folclore, mentira, verdade ou coisas do tipo. Isso fica por conta de quem lê.
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Bestiário brasileiro - Luiz Antonio Simas
Abrindo
monstros são criaturas que escapam a tudo aquilo que imaginamos como o padrão natural do humano. Extraordinários, bizarros, gigantescos, minúsculos, cruéis, amáveis, violentos, mansos, fantásticos, esquisitos, eles podem ser também homens, mulheres e crianças que se transformam em vampiros, lobisomens, matintas, botos, mulas sem cabeça etc.
Há um elemento comum entre os tipos de monstros presentes nas mais diversas culturas: eles não se encaixam nos padrões vistos como normais por aquela sociedade. Assim, o que um determinado grupo social define como monstruoso diz muito sobre o que ele considera humano e desumano, natural e sobrenatural, normal e anormal – e cada grupo seguirá uma visão própria, portanto, o que é monstruoso para uma cultura pode não ser para outra.
É verdade que, em geral, achamos que os monstros ameaçam destruir a ordem social ou moral que organiza uma comunidade. São inúmeros os exemplos de mulheres que, ao afrontar o machismo vigente em certos grupos, foram retiradas da caixa da normalidade e associadas ao bestiário ameaçador dos monstros. Curiosamente, porém, às vezes os monstros cumprem a função de garantidores da ordem. Não é raro, por exemplo, que crianças questionadoras, agitadas, levadas ou resistentes ao sono sejam ameaçadas com histórias terríveis de monstros que podem puni-las por esses comportamentos.
Visagens, para o imaginário fantástico, são aparições que escapam àquilo que definimos como realidade: fantasmas, espíritos de mortos, seres de outro mundo, miragens do futuro, bolas de fogo correndo pelas ruas, mulheres de branco que aparecem nas portas de cemitérios e em banheiros de colégios.
Monstros e visagens fazem parte do grupo das assombrações, assim como tudo aquilo que não se vê, mas se sente ou escuta: as janelas e portas que se abrem sozinhas, um assobio vindo de um lugar onde não se vê vivalma, uma gargalhada inusitada, um pio de coruja cortando o silêncio da noite, um piano que toca sozinho, a voz que canta em um teatro vazio, o arrepio que faz a gente acender a luz no meio da madrugada.
Neste livro, proponho um passeio pelas culturas fantásticas do Brasil, apresentando às leitoras e aos leitores de todas as idades histórias de monstros, visagens e assombrações, sem a pretensão de definir o que é mito, lenda, folclore, mentira, verdade ou coisas do tipo. Isso fica por conta de quem lê.
Admito ter escrito este livro pensando especialmente nos jovens hipnotizados pelas telas dos celulares e pelos games, cada vez mais distantes das experiências que podem ser vividas nas ruas, as alegrias e os medos diversos que a vida ao vivo e em cores podem nos trazer. O Brasil pode ser tão divertido, fantástico e assustador quanto o mais emocionante jogo de ação passado nos tempos dos vikings ou samurais. E muito mais.
Ao selecionar os personagens sobrenaturais deste livro, segui dois critérios. Um deles é o que posso definir como histórico, que abarca monstros relevantes na cultura brasileira, desde os primeiros relatos da presença de seres extraordinários, produzidos no século XVI. É o caso do Curupira e do Boitatá, mencionados pelo padre José de Anchieta em seus escritos a respeito das populações originais do Brasil, que já passeavam por aqui quando ocorreu a invasão portuguesa, em 1500.
O outro critério é o afetivo, que diz respeito aos monstros que assombraram a minha infância: a Loura do Banheiro, o Homem do Saco, o Bebê Diabo e o Cangaceiro Degolado, que assustou a minha avó quando ela era menina, em Alagoas. São, em sua maioria, monstros urbanos, ao contrário do fabulário em que o extraordinário quase sempre habita o ambiente rural. Em alguns casos, o histórico e o afetivo se confundem.
Por fim, uma confissão: eu continuo tendo medo de assombrações. Não sei se acredito em fantasmas e monstros, mas acredito em quem afirma ter visto e relata a experiência com detalhes e convicção. Por via das dúvidas, toda noite ainda mantenho alguma luz da casa acesa – e aconselho que as leitoras e os leitores, nem que seja por precaução, façam o mesmo.
LUIZ ANTONIO SIMAS
Os olhos de fogo de Anhangá
ao adentrar a floresta, um caçador decide evitar animais fortes e ariscos e atacar somente fêmeas grávidas ou filhotes que ainda são amamentados para, assim, facilitar a caçada. Subitamente, surge na frente do malvado um enorme veado branco com olhos flamejantes e chifres vultosos. O sujeito perde a caça, mas o pior está por vir: todo tipo de infortúnios se anuncia àquele que cai na maldição de Anhangá.
As citações ao Anhangá são as mais antigas da história do Brasil a respeito de visagens fabulosas. Viajantes e padres que por aqui estiveram no século XVI relatam que essa criatura fazia parte do dia a dia do povo tupi. O Anhangá é geralmente descrito como uma assombração das florestas que prenuncia desgraças e infortúnios a quem entra na mata para praticar a caça predatória.
Na visão do povo Sateré-Mawé, da Amazônia, Anhangá é um espírito capaz de assumir diversas formas. Ele pode se metamorfosear em um veado branco com olhos de fogo, disposto a apavorar caçadores que ameacem fêmeas que ainda amamentam