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Domingos Dos Reis Quita - Obras II

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Obras

de Domingos dos Reis Quita


Vol. II

Astarto
TRAGDIA ACTORES Auraste, usurpador do trono de Tiro e amante de Cassiopeia Astarto, legtimo herdeiro do Ceptro Cassiopeia Abdolmino, Supremo Sacerdote do Templo de Astreia e pai de Cassiopeia Badesor, confidente de Auraste Bareia, fiel vassalo de Astarto Mlia, serva de Cassiopeia Zamrio, cabea dos Conjurados Um Oficial das guardas de Auraste Guardas, que sero sempre precedidas por um Capito A Cena em Tiro, no Templo de Astreia.

ACTO I CENA I ABDOLMINO e ASTARTO Abdolmino Sim, Prncipe, a nocturna Divindade, Que decidir do teu destino deve, Difunde as favorveis negras sombras, E se nos d propcia a Mo terrvel; Hoje ao Trono de Tiro, justa herana De teus esclarecidos Ascendentes, Subirs triunfante, resgatando

Das Mos cruis do usurpador Auraste O Ceptro que empunhou no sangue tinto De teu Irmo, o msero Abdastarto. Teus ilustres amigos, teus vassalos Com secretos, sagrados juramentos, Sobre estas santas aras prometeram, De restaurar-te o Slio, que a perfdia Aos herdeiros do Grande Iro roubara. Quando a noite chegar a meio giro, De uma trompa marinha ao rouco estrondo, Prontos os resolutos Conjurados, Daro princpio meditada empresa: De Ilustres Cidados a fiel tropa, Atacar deve do Tirano as guardas. O socorro de Tripoli e Sidnja, Ao valor de Zamrio cometido, J perto das muralhas emboscado, O terrvel final atento espera. Astarto Magnnimo Abdolmino, que de Astreia Com supremo poder o Templo reges! Bem conheo o fiel, ardente zelo, Com que tens procurado levantar-me De um abismo de longos infortnios. Enfim, quando julgava que a desgraa, Com a torrente infame dos rebeldes, Os amigos fiis me confundira; Quando s na sombria sepultura, Terminar os meus males esperava; Ento vejo o socorro portentoso, Que em teu nimo herico o Cu benigno, A to fatais misrias reservava. Apesar da cautela e vigilncia Do vil usurpador, soubeste atento Conduzir-me do msero desterro Ao sacro asilo destas Santas Aras; E fazes que meus tristes olhos tornem A ver os suspirados ptrios lares. Abdolmino Descansa, caro Prncipe, que os Deuses So da aflita inocncia protectores Hoje fugir veremos destes muros A Violncia, a fatal calamidade Astarto

Dois infelices lustros so passados, Que prescrito da Ptria fugitivo As misrias suporto da indigncia, De deserto em deserto agora errando; Agora exposto s mos sanguinolentas De traidores, de infames assassinos; Enquanto sobre o Trono o vil Auraste De minha infeliz sorte se gloria. Ai de mim! Que desgraas espantosas Choveram sobre ns, caro Abdolmino, Depois daquele infausto horrvel dia, Aquele dia de terror e pranto!... Meu infeliz Irmo assassinado Vi, co a morte a lutar no pavimento De seu triste Palcio, que soava Cos gritos da famlia espavorida; O Tirano excitando a mortandade, Praas e ruas inundou de sangue. Meus anos juvenis do estrago horrendo Teriam sido vtima inocente, Se a pronta fuga de teu zelo e indstria, Das carniceiras mos me no salvasse... Sagrada Tiro, Templo da Virtude, Que dos crimes profana o Monstro enorme, Ao brao vingador as portas abre! Abdolmino Ah desgraado Prncipe! No sabes As cruis opresses, os infortnios, Que a to funesto dia sucederam. Sobre as prprias runas desolada A triste Ptria inconsolvel geme; De nossos Cidados o fiel zelo Pune o Tirano, como crime infame; Cada dia se v o sangue ilustre Correr sobre os patbulos horrveis, Uns da perseguio cruel fugindo, Nos ridos desertos se abrigaram; E debaixo do jugo outros curvados, A mo trmulos beijam que os oprime. Desvanecido o sanguinoso Auraste Do poder absoluto que usurpara, Orgulhoso quebranta as Leis Sagradas, Sacerdotes e Altares atropela. No corao desptico ateando Da violenta paixo as vivas chamas, Audaz procura a mo de minha filha, E temo...

Astarto Cus!... Que dizes Abdolmino? A mo de tua filha!... Cassiopeia, Que destinavas desde a tenra infncia Para Esposa de Astarto, meditando Ligar o ilustre vnculo do sangue, Co vnculo Sagrado do Consrcio!... Audaz Tirano!... Augusto Sacerdote Deixa que o traje vil, com que a misria Cos vulgares escravos me confunde, Trace a fatal runa de seu Trono, Derribar um Tirano com astcia Do vencedor o brao no infama. Roubado a seu furor nos verdes anos, Desfigurado cos estranhos climas, E da impresso da longa adversidade, Sagaz no cruel peito cravar posso Um agudo punhal, sem que o rebelde Conhea a mo, que o sangue vinga ousada Do desgraado Irmo; tuas afrontas, E de meu Povo os mseros clamores. Abdolmino No valeroso Astarto; prevenido No labirinto deste vasto Templo A feliz hora espera. Tu s deves A teu Povo mostrar-te sobre o Trono, Banhado com o sangue do Tirano. A to horrvel, portentosa vista, Seu legtimo Rei reconhecendo, Tiro consolar, Senhor, as mgoas. De vis escravos rodeado Auraste, De seus furores brbaros Ministros, Os vigilantes olhos da suspeita Jamais cerrados tem, e se de nossos Desgnios o segredo penetrasse, S a peitos ilustres confiado, Quem poderia da fatal vingana Rebater a torrente sanguinosa? Entregue a nobre empresa ao valor deixa De teus leais amigos; no arrisques De Tiro as preciosas esperanas. Astarto A teus sbios conselhos me submeto; Determina, regula o meu destino, Que os Cus, os justos Cus, com providncia

Teu generoso esprito formaram, Para firme coluna ser da Ptria; Para libertador da escrava Tiro. Abdolmino Ouvir gemer a Ptria manietada! Ver empunhar o Ceptro mo traidora, Do legtimo Rei no sangue tinta, Com zelo amortecido! Tolerncia de covarde Cidado escuro. Pela prpria nao sacrificar-se, Vingar o Rgio Sangue derramado, dAlma ilustre desejada glria Porm, no desprezemos a cautela. Retira-te, Senhor, que sinto passos... No Ministro de paz, mortal Deusa! Os furores da guerra no acendo, Mas protector da msera inocncia, Abrir ao crime o precipcio devo. CENA II BAREIA e ABDOLMINO Abdolmino s tu fiel Bareia?... Vem, amigo! Teu diligente zelo excede o tempo, To depressa tornar no te esperava. Bareia Senhor! O mesmo amor, que te desvela, O corao me anima; no ignoras, Que de leal impulso conduzido Nos infortnios do infeliz Astarto, Fui sempre inseparvel companheiro. Abdolmino Sim, Bareia; teu nimo conheo. Sei, que intrpido a vida desprezando Defendes a teu Rei, serves a Ptria; Porm, discursos deixa intempestivos. Dize: a resoluo dos conjurados Examinaste atento? No semblante Os segredos do peito ler pudeste? Nas ilustres cabeas firme achaste

A sacra f jurada? Ou vacilante A empresa deferindo algum desmaia? Bareia Resolutos, Senhor! Os fiis Trios A sacudir o jugo do rebelde Constantes no projecto, no vacilam, Nem perigos e obstculos ponderam, Mas antes fervorosos e insofridos As armas aprontando, s esperam O favorvel assinalado instante, Dispostos a perder as vidas caras, Ou resgatar das mos usurpadoras O Ceptro dos antigos Reis Fencios; Dizem com voz unnime que Astarto Poro em breves horas sobre o Trono; E assaltar os infames defensores Os vers denodados, quando apenas Romper os ares a sonora trompa. Abdolmino Finalmente chegou, propcia Deusa!, O suspirado tempo: ouvistes os votos De uma Nao que geme submetida Ao sanguinoso jugo de um Tirano. Conter as ternas lgrimas no posso, Que o jbilo me arranca das entranhas! Bareia, vai: o Prncipe assegura Da constncia fiel de seus vassalos; Que hora costumada dos ocultos Nocturnos Sacrifcios, retirado No lugar solitrio e defendido, Oferecerei Deusa ardentes Preces. CENA III CASSIOPEIA, MLIA e ABDOLMINO Abdolmino Vem, cara filha, prspera esperana Da fortuna de Tiro; o Cu permita, Que se veja por ti perpetuada A quase extinta, esclarecida prole De nossos bons, legtimos Monarcas, Produtores fecundos da virtude... Mas tu corando as faces emudeces?...

Bem sei, que meus discursos misteriosos Achar deves estranhos, porque ignoras Que o risonho destino hoje te ofrece Abertos os tesouros da ventura. Cassiopeia Senhor! A teu respeito submetida, Minha glria e ventura s consistem Em seguir obediente os teus preceitos; Mas, se do Amor de Auraste me no falas? No sei qual seja a minha sorte. Abdolmino Qu?... Do Amor de Auraste!... Cassiopeia Crs, que Abdolmino consentir pudesse, Que a bela e cara filha, nico objecto Dos paternos cuidados, fosse Esposa De um vassalo rebelde?... Os Altos Deuses De to infame lao te preservem; De um cruel inimigo, que se banha No triste sangue da oprimida Ptria! No, os altos desgnios que medito, Um esplendor sem mancha te asseguram. Mas no convm por ora, amada filha, Que o mistrio de todo se revele; S te anuncio que os propcios Deuses, As majestosas Npcias te preparam Do Tlamo de Astarto. Cassiopeia Qual Astarto? Um Prncipe, Senhor, que dizem vaga Da Ptria desterrado, a quem Auraste Como inimigo sedicioso teme, A quem busca implacvel e indignado, Para tirar-lhe a perigosa vida! Abdolmino Sim, filha, aquele resto precioso Do sangue dos antigos Reis de Tiro. Cassiopeia Caro Pai! No pertendo temerria Correr o escuro vu de teus arcanos; Mas s permite que, submissa, exponha

De minha alma os sinceros sentimentos. Abdolmino Sim, dize, bem conheo que respeitas A Paterna e Suprema Dignidade; Dize o que sentes, no receeis, filha. Cassiopeia Senhor! Como pertendes que, cercada De perigos funestos e espantosos, Do perseguido Astarto a mo aceite? De um Prncipe infeliz a que abomina O poderoso possessor do Trono, Que desvelado busca o meu Consrcio. O sangue dos legtimos Monarcas, Os direitos do Ceptro irrestaurvel, Nunca a desgraa refrear puderam Do triste Sucessor esclarecido. Auraste, que temido e venturoso, Move absoluto do governo as rdeas, Sofrer sem castigo e sem vingana Afronta to indigna?... Em que furores No rompero as iras dos seus zelos! Aos mais cruis excessos da violncia, Pronto o vers correr desesperado. Abdolmino A vos temores no te entregues, filha! Na Justia celeste confiada, Destino to infausto no receies. E quem te diz, que os Deuses j cansados Dos enormes delitos do Tirano, De Astarto armando o brao no estejam, Com vingadores fulminantes raios; E que vejas luz do novo dia, Lacerado expirar o vil rebelde, Debaixo das runas do seu Trono? So muitas vezes, filha, inesperados Os prvidos socorros que o Cu manda Em favor dos aflitos inocentes. Cassiopeia A Justia do Cu submissa adoro; Mas, quantos Monstros inda mais horrveis Do que pintas, Auraste no tolera, Sem lhes punir a brbara insolncia!

E que intentas, Senhor, enquanto esperas Dos Altos Deuses o socorro incerto? Pertendes, que fatal desgraa unida Do fugitivo Astarto a vida passe Cercada de misrias e temores; E que pela Fencia vagabunda, De um infeliz Esposo siga os passos?... No, caro Pai! No julgues que, iludida Co Slio que me oferece a mo de Auraste, O miserando Prncipe desprezo; , Senhor, o meu nico interesse Prevenir-te a medonha tempestade, Que o ultrajado amor de um Soberano, Sobre este Sacro Templo lanar pode; A qual temo, que em tua Augusta vida Os funestos estragos principie. Abdolmino Os horrveis abismos ver abertos Na fantasia pvida imaginas! E no temes que a mo de Auraste infame, De um vassalo traidor a crimes feita, Te receba no Tlamo execrando, Para com duro ferro dar-te a morte? Cassiopeia Senhor! Amor no s Tiranos vence, Mas dos Tigres refreia a crueldade; E arbitra dos Tronos a fortuna, E os Mortais, que benigna sempre guia Por caminhos de flores alastrados, So os mais respeitveis dos Humanos, E quantos com estvel, alta glria, Tm empunhado o Ceptro sem nascerem Na majestosa Prpura envolvidos? Abdolmino So esses, Cassiopeia, os pensamentos Da filha de Abdolmino, a quem nas veias De tantos Reis circula o Sangue Ilustre? Da Ptria uma inimiga, justos Deuses, Ma fareis encontrar na cara filha? Ah! Que este duro golpe mais amargo, Mais fatal me seria que o da morte. No, Cassiopeia; presumir no devo, Que em to indigno absurdo cair possas; No, filha; antes espero, que seguindo

Do Pai ilustre o glorioso exemplo, De pensamentos em breves horas mudes, E que vejas as trevas dissipadas Da confuso escura, em que te deixo. CENA IV CASSIOPEIA e MLIA Mlia Senhora, que sinistro sobressalto Os sentidos te enleia, que em silncio Desacordada gemes e suspiras? Que funestos cuidados te atribulam? J temes a procela, quando apenas Principia a turvar o Cu sereno! Cassiopeia Ai de mim!... justos Deuses!... Cara Mlia Sim, de total runa ameaadas, De terno amor as esperanas vejo. As chamas, que em meu peito atear soube Um Monarca extremoso, criminosas So aos olhos de um Pai, a quem respeito, A quem submissa adoro. Mlia No Princesa, No presumas que o Pai, que terno te ama, Insista no projecto, conhecendo Que em vez de nupciais festes, o leito De tormentos e angstias te prepare. Aos gemidos, s lgrimas recorre, Que a paterna ternura facilmente O pranto move de uma filha amada. Cassiopeia Tu no conheces, Mlia, no conheces Do Pai severo a virtude austera; O fervoroso zelo em que se inflama, Pelo sangue de nossos Reis antigos! O implacvel dio com que Auraste, O meu Auraste, rgido detesta, O faro a meu pranto inexorvel.

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Mlia Pois, Senhora, se teus formosos olhos O corao de Auraste cativaram; Que receias, se o brao poderoso De um Monarca absoluto te defende?... Se um Pai imvel a seus brandos rogos, A negar-lhe se atreva a bela filha: Que te arranque desptico do Templo, E a seu rgio Palcio te conduza. Cassiopeia Que me aconselhas, Mlia! Que proferes! Um acontecimento to infausto Fomentar poderia Cassiopeia, Sem tremer confundida! Ah! No permitam, No permitam os Deuses, que a violncia Estes sagrados prticos profane; Que se veja violada a f devida Ao paternal supremo mandamento! Auraste vive neste amante peito, E menos sentirei da morte o golpe Que sofrer, que desate o cruel Fado O brando lao com que Amor nos une. Mas, a terna paixo, que me domina, Nunca far que seja Cassiopeia, De to ilustre Pai indigna filha. Desejos, Trono, Amor, suspiros, tudo Devo sacrificar a seu respeito. Venha envolver-me a nuvem da desgraa, Que ao caro Pai fiel e ao terno Amante, Sero as tristes lgrimas de Auraste, Ser a minha obedincia de Abdolmino.

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ACTO II CENA I CASSIOPEIA e MLIA Mlia Senhora, que terrvel juramento Acabas de fazer nas mos paternas! Queres, que a cega obedincia tua, Em um profundo abismo te despenhe De inconsolveis dores, de amarguras? Cassiopeia Meus infortnios so inevitveis! E como julgas que salvar pudesse O desgraado Amor, em que me inflamo, Dos cruis golpes do fatal Destino? Querias que, infringindo as Leis Sagradas, Os Supremos Decretos impugnasse De um Sumo Sacerdote, Pai severo? Querias que chamasse em meu socorro Com mo armada o poderoso Auraste; E que inqua e perjura descobrindo, Que estas santas abbadas escondem O miserando Astarto, pronta morte O entregasse com traio infame? Ah! No, de horror o sangue gelar sinto!... Longe de mim a brbara impiedade!... No tormentoso golfo em que flutuo, Cercada de perigos no desmaio, Quando a Virtude a naufragar me leva. Mlia No, Princesa! No julgues que me anima Da crueldade o sanguinoso impulso; Bem sabes que, zelosa e fiel serva, Da cndida Virtude o farol sigo; Mas, de tua desgraa condoda, Quisera que os solenes desposrios Tivesses retardado, que esperasses No decurso do tempo, que costuma s vezes remover os duros fados. Cassiopeia

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Que esperar posso da maligna estrela, Que o Diadema me usurpa, que me arranca Do terno peito o suspirado Auraste? Mlia Pois, Senhora, se vs as esperanas Da ventura, que Amor te preparava, De todo fenecerem, no te entregues crua dor dos males sem remdio; Segue animosa os passos de Abdolmino, Que examinando seus desgnios vastos Alcano que, no peito prevenido, Segredo inda mais grave nos esconde; E quem sabe Princesa... Cassiopeia Cara Mlia, No cuides que minha alma lisonjeias Vaticinando glrias e venturas. No te direi que o Trono majestoso, A que me levantava a mo de Auraste, Deixava de ocupar os meus desejos; Porm, nasceu de mais ilustre origem O fero Amor que o peito me devora. O zelo de aplacar o fatal dio Que desune, sequioso de vingana, Um Monarca de um Sumo Sacerdote, Que no funesto abismo da desgraa Minha augusta famlia lanar pode; A esperana de ver a meu Imprio O corao de Auraste submetido, Para nele gravar a nobre imagem Do Nume dos Heris, o Amor da Ptria, So as brilhantes fachas, que atearam O perigoso incndio que me abrasa. Mas, um suave Amor, a que a Virtude Teceu os puros e primeiros laos, Convertido em paixo violenta e cega, feroz monstro, que domar no posso. Mlia Para na dor acerba consolar-te, Quantos meios, em vo, meu Amor busca!... Mas sufoca o pesar, o pranto enxuga; Para ns vejo Astarto encaminhar-se, E no deves, Senhora, receb-lo

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Co rosto perturbado de agonias. Cassiopeia Oh Cus! Entorpecer-se a lngua sinto. CENA II ASTARTO, CASSIOPEIA e MLIA Astarto Enfim, Princesa, a negra tempestade, Que de escolho em escolho me arrojava, A serenar comea; o Cu benigno, Com tua suspirada mo suaviza Minhas tribulaes, minhas desgraas. luz do novo, venturoso dia, Me sers ante o Santo Simulacro, Com pompa nupcial apresentada. Cassiopeia O sangue ilustre, que me deu a vida, Que me entrega, Senhor, a teu Imprio, Meu arbtrio governa; e me glorio De executar com cega obedincia Os paternos preceitos absolutos. Astarto Entendo, Cassiopeia; dizer queres, Que o corao isento violentando, Ao vnculo sagrado do consrcio, Como a tirano jugo te submetes; E que cio Pai temendo as Leis severas, Vtima constrangida, determinas Na pira nupcial apresentar-te! Cassiopeia Senhor! Se a teus desejos satisfao, E se do augusto Pai as Leis observo, Para que me atormentas, importuno? De um corao escravo que mais queres? Astarto Ah Senhora! Os agrados, a ternura

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So esses, com que afvel lisonjeias O corao sincero de um Esposo? Meus grandes infortnios no merecem De teus brandos Amores a piedade? Mas, j que deve o santo n ligar-nos, J que o Cu minha Esposa te destina, Como no armas, bela Cassiopeia, Os risonhos afectos, as branduras Contra o fatal Destino, que me ultraja?... Mas que, Senhora! Nada me respondes?... Confundida emudeces e reprimes O pranto, que nos olhos te rebenta! Cassiopeia Deixa-me em paz; minha liberdade, Senhor, as leis impem, sem que examines Um corao submisso. Astarto s tu Bareia? Que te apressa? Que vens anunciar-me? CENA III ASTARTO, CASSIOPEIA, MLIA e BAREIA Bareia Abdolmino, Senhor, manda avisar-te, Que um pronto Mensageiro inesperado Anunciar-lhe veio, que o Tirano Neste lugar falar-lhe determina; E temendo seus brbaros desgnios, Preveni-los intenta acautelado. Vem, segue-me, Senhor, que sem demora Abrir se deve o Prtico do Templo. Astarto Sim, Bareia, eu te sigo; e tu, Princesa, No te ostentes cruel, mas branda acolhe Os ntimos suspiros de um Esposo.

CENA IV

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CASSIOPEIA e MLIA Cassiopeia Ai de mim? Cara Mlia, eu perco Auraste, A Majestade, o Trono, que esperava, Em prezados grilhes a sorte muda... Que terrvel Destino?... Auraste amado!... Viver sem ti no pode Cassiopeia. Um tormentoso crcere de angstias Me ser sempre o tlamo de Astarto. Mlia Ah, Senhora! Tropel de guardas sinto, sem dvida Auraste. Cassiopeia Ao caro Amante Que dizer pode o corao aflito? Oh Deuses!... Que violncia?... Constrangida Me vejo a responder a seus agrados, S com lgrimas tristes e suspiros.

CENAV AURASTE, BADESOR,CASSIOPEIA, MLIA e GUARDAS Auraste Que vejo!... Cassiopeia!... Como a sorte Meus ansiosos desejos favorece! E possvel, Princesa, que a meus olhos No centro do Sagrado Santurio, Amor ofrea no primeiro objecto O suspirado Nmen, que idolatro? Que sbita alegria!... Que ternura, O brando corao me sobressalta!... Mas suspiras, Senhora, e solta em pranto De mim afastas o formoso rosto?... Que mgoa te atribula?... No respondes?... Mas que intento, se diz o teu silncio, Que um Pai cruel, Juiz inexorvel, Teu amor inocente criminando, A teus olhos odioso me tem feito. Cassiopeia

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Acusa o duro Fado; no condenes Um Supremo Ministro dos Altares. Auras te Solta a magoada voz, solta, Princesa; Os prazeres suaviza, com que o peito Me tinhas co silncio atormentado. Cassiopeia Que amor to extremoso, justos Deuses! Auraste Acaba, Cassiopeia! Diz a causa De to acerba dor! Mais no oprimas Um fiel corao que terno te ama; Que no asilo do Trono, que te ofrece, Salvar-te pode de importunas mgoas. Cassiopeia Senhor! Apaga de teu peito amante A generosa flama... Cassiopeia, Que Supremo Poder destina Esposa De um inimigo, de um rival de Auraste, No de teus cuidados digno objecto. Auraste Que escuto, oh Cus!... Que dizes, Cassiopeia? E que inimigo a competir se atreve?... Cassiopeia Adeus, Senhor, adeus; perde a lembrana Desta infeliz Princesa, que inviolvel Guardar o segredo que te esconde, Entre as mgoas eternas de seu peito. CENA VI AURASTE e BADESOR Auraste Amigo Badesor; o fundamento

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Do pertinaz orgulho de Abdolmino, Que em suspeitas inquieto me trazia, Leio na confuso de Cassiopeia. O delirante amor, as agonias, Que sua alma atribulam, e descobriram O segredo que oculta generosa. certo, Amigo! Em vo no receava, O prfido Abdolmino preocupado Do fantico amor dos Reis antigos; Ao fatal inimigo de meu Trono, Enlaa a bela filha que me nega; E talvez que o traidor em seus projectos, Conspire contra a minha Rgia vida. Badesor A sbia preveno da mente esperta Nunca em vo desconfia. Auraste Mas, que asilo Pode roubar a minha vigilncia Esse competidor abominvel Do meu ardente amor e de meu Ceptro; Quando no h Cidade na Fencia, Onde o prmio no tenha sobre Astarto Armado a mo de prontos Assassinos? Badesor No, Senhor, no vaciles; o adversrio, De que te fala a bela Cassiopeia, Outro no pode ser seno Astarto. Auraste Sim, fiel Badesor; sempre o descuido Aos Monarcas abriu o precipcio. A runa evitemos, que ameaa A croa, que o valor me ps na frente, Prometendo tesouros, despendendo; Com astcia e prudncia se examine, Se Tiro abriga o sedicioso Astarto. Badesor E quem sabe, Senhor, se o Sacerdote Confiado na sacra imunidade, Teu inimigo neste Templo esconde?

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Auraste Auraste ento vers com mo armada, Destruir um asilo de traidores; E do raio fatal de suas iras Salvar s entre os braos, Cassiopeia... Mas no: primeiro simulado quero, Meu rancor invencvel disfarando, Ver se penetrar posso de Abdolmino O corao soberbo. Seu orgulho, Que de ultrajar-me sempre se gloria, Nos dar facilmente alguns indcios Dos ocultos desgnios que medita. Badesor Senhor, o Sacerdote vem buscar-te. Auraste Prudncia, disfarcemos: arte usada a simulao nos Soberanos. CENA VII AURASTE, BADESOR, ABDOLMINO e GUARDAS Abdolmino Que vejo, oh Cus! Auraste acompanhado De guerreiras espadas, duras lanas, Entra da santa Paz no Augusto Templo; Mas, dos mpios preveno seguida. Em toda a parte de terror cercados, O brao vingador armado temem. Auraste Da Sacra Dignidade sombra podes Com pesadas afrontas, Abdolmino, Desafiar seguro minhas iras; Pois sabes que, piedade em que me inflamo, O Supremo Ministro destas Aras to sagrado como o Simulacro; Mas no abuses de um devoto zelo: Que falas com teu Rei, prudente adverte. Abdolmino

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Em Auraste que Rei respeitar devo? Um vassalo rebelde, um assassino, Um cruel opressor da triste Ptria. Auraste O herico valor, a nobre indstria Confesso, que os Direitos so, que a fronte Co sublime Diadema me cingiram. Se o Trono, em que temido e respeitado A minhas justas Leis submeto o Povo, Banhei co Rgio sangue de Adastarto? Era a preciosa vtima devida A meu destino, a minha segurana, Se parricdio, se traio lhe chamas? Eu gloriosa conquista, ilustre audcia, E quantos imortais usurpadores, Venturosos os Tronos ocuparam, Sem mais direitos, que os da forte espada? Quantos o Eufrates viu, quantos o Nilo! Enfim, sou Rei; e deves respeitar-me, Mas disfaro indulgente vos insultos; E quero que a brandura em nossos peitos, Mude o rancor em cndida amizade. E do suave lao indissolvel Quero que, sem demora, o penhor seja A bela mo da cara Cassiopeia. Obedece, Abdolmino, no vaciles, Pondera que me ofendem teus repdios, E que posso mostrar-te justioso, Que um rebelde soberbo Sacerdote, Ultrajando a seu Rei, profana as Aras. Abdolmino Parta o raio das mos da tirania; Que nos braos da Ptria fulminado Darei contente os ltimos suspiros. Auraste Deixa vs arrogncias; no prossigas Pertinaz na fantstica virtude, Em desprezar a prspera aliana, Que te oferece um Monarca. Cassiopeia digna do esplendor da Majestade; E de meu peito o puro amor ardente, Dilaes importunas mal sofrendo, Vem apressar o venturoso instante,

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Em que Tiro subir ao Trono veja, Cassiopeia da prpura vestida. Abdolmino A filha de Abdolmino, que da glria E da virtude a pompa s conhece, Generosa despreza um Trono infame, Onde reina a traio e a tirania; Um Monumento eterno das desgraas Dos herdeiros legtimos do Ceptro. Auraste s iluses entregue da vanglria Me fazes entender, que cego intentas Preferir a um Monarca poderoso, O miserando, fugitivo Astarto. Abdolmino A Virtude, que em to fatais misrias Seu corao magnnimo acompanha, E para mim tesouro mais sublime, Que o alto Slio, que absoluto ocupas. Auraste Em confusos rodeios no te canses; No dissimules; dize quando esperas, Que o meu Competidor com mo armada, Auraste despojar do Ceptro venha? Abdolmino Seus projectos ignoro, mas quem sabe, Se os Deuses vingadores dos delitos, Aos clamores de um Povo desolado, O fatal raio do castigo acendem. Auraste Sem que rasgues o vu de teus enganos, J tenho penetrado o seio escuro Dos odiosos desgnios, que me ocultas; Astarto, que infiel no Templo escondes, De infames Conjurados socorrido, Contra minha fortuna tens armado, Para no Slio, a que elev-lo esperas, Coroar vingativo a cara Filha...

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V, se percebo o fim de teus mistrios? Abdolmino Para te destruir as vs suspeitas, E serenar os pnicos temores, Que o criminoso peito te atribulam, Executar magnnimo promete A justa condio que vou propor-te. Auraste Meu corao, que de tirano acusas, Respeitar sabe a cndida Justia: Propor a condio seguro podes. Abdolmino A mo de minha Filha ansioso buscas? Auraste Que mais certeza queres, que o desvelo, Com que ligar desejo o N Sagrado. Abdolmino Pois s rgias grandezas, ao Diadema, A Virtude prefere! Os grilhes solta, Em que geme cativa a triste Ptria, Um nobre Cidado, fiel vassalo Faz de um Rei traidor! Nas mos de Astarto A Coroa depe, depe o Ceptro, E sers digno genro de Abdolmino. Auraste Mas que penhor segurar-me pode, De que Astarto se esquea sobre o Trono, De castigar do Irmo a crua morte? Abdolmino Minha palavra; a mo de Cassiopeia. Auraste Enfim, se astuto prfida cilada Debaixo da Virtude no escondes; Se o amigo, que em tuas mos se entrega,

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Premeditas salvar com peito ingnuo, De um abismo de oprbrios e perigos? A mostrar-te, Senhor, estou disposto, Que Auraste sos conselhos abraando, Mais vidos da glria que do Slio, Detesta a v cobia, que s grandezas Pela estrada do crime o conduzira... Abdolmino, sem dvida te espanta Minha resoluo inesperada! Mas conhece de meu herico peito O sincero desejo, com que busca Da fiel amizade atar os laos. A Suprema, usurpada Majestade, Suplcio de remorsos e temores, Ufano e voluntrio Sacrifcio s virtudes da bela Cassiopeia. A brilhante fantasma do Diadema Desaparece a seus formosos olhos... Manda avisar Astarto; empunhar venha Dos Augustos Avs o ureo Ceptro, Que das Reais Insgnias despojado, Tornarei pronto... Quero sem demora, Sobre as Aras jurar a vassalagem Se cai no lao morre.

CENA VIII Abdolmino Justos Deuses! Aos agudos espinhos dos remorsos Um cruel corao sensvel vejo. De amor a priso doce domar pode, A sequiosa avareza, o fero orgulho! A mo da cara Filha so as armas, Que restauram de nossos Reis o Ceptro; Que a Ptria salvam, que um rebelde vencem!... Ser possvel que meus olhos vejam Reinar a santa Paz, a s Justia, Sem que se arrisque em frvido combate De leais Cidados o Sangue Ilustre; E que Tiro confesse que se deve A Cassiopeia a pblica sade?... Mas, que no podem os propcios Deuses!...

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ACTO III CENA I CASSIOPEIA e MLIA MIia Dos anos a risonha Primavera Das lgrimas no Inverno mudar queres? Senhora, que desastre vem de novo Duplicar da tua alma atribulada Os temores mortais, as agonias. Cassiopeia As dolorosas lgrimas que solto, Serenar compassiva em vo pertendes; O triste alvio, Mlia, no perturbes De um corao aflito e desgraado, De um corao que geme submetido De amor e da Virtude ao cruel jugo; Tiranos inimigos, conjurados, Contra uma fraca, msera Donzela. No me desampareis! Animai, Deuses, De meu peito a Virtude vacilante Contra os combates de paixo violenta! Sepultai no profundo esquecimento, O nome amado do Tirano Auraste!... Mas oh! Que a proferi-lo que palpita, Apesar da fatal atrocidade, O brando corao enternecido. Ah Mlia! Que farei? O caro amante, Extremoso e cruel, me ofrece o Trono, Com o sangue do Prncipe banhado. Mlia Com o sangue do Prncipe? Ah Tirano! Cassiopeia Confesso que, de horror e susto cheia, Comea a parecer-me abominvel O louco Amor que arder no peito sinto; E, detestando a brbara perfdia, Desesperada e tmida quisera... Ah! Que forcejo em vo! Soltar no posso,

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As indignas cadeias que me ligam. Mlia E como pode o sanguinoso Auraste O golpe assegurar? Descobrir soube Que o Templo esconde o miserando Astarto, E violar resolve o Sacro Asilo? Cassiopeia Os caminhos ignoro, que a desgraa A to cruel desgnio tem aberto; Espera, que do horrvel sobressalto O perturbado corao sossegue, E aqui onde mais viva resplandece A luz dos lampies, ouvirs Mlia Ler a funesta carta que me escreve O terno Amor com Mo sanguinolenta. Astuto o mensageiro costumado Acaba de entregar-ma; inda no posso... Mlia Solta, Senhora, os vergonhosos laos, Com que Amor iludiu tanta inocncia; Que esperas de um Tirano, um assassino, dio dos Deuses, dos Mortais flagelo? Esperas, que te suba ao Trono infame, Tribunal execrando de delitos? Esperas, que sacrlego verdugo Manchar venha este Sacro pavimento Co miservel, inocente sangue? Cassiopeia Ai de mim! Cara Mlia, rodeada De espantosos remorsos e temores, Irresoluta tremo, se da glria Sigo o caminho! O passo me embaraa, O feroz Monstro que em minha alma abrigo; Vejo iminente a brbara vingana, Sobre a vida de um Pai que terna adoro; Se de Amor cego deixo conduzir-me? A Ptria precipito, o Pai ultrajo, A um Prncipe inocente sacrifico... Mas ilesa triunfe minha glria, Abra-me embora Amor a sepultura.

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CENA II ASTARTO, ABDOLMINO, BAREIA, CASSIOPEIA e MLIA Abdolmino Sim, vai, Bareia! A nossos aliados Anuncia a ventura inesperada, Com que dos Cus a pronta Providncia, Da triste Ptria as lgrimas consola. Dize-lhes, que os supremos Justos Deuses A seus ilustres peitos evitando Das armas o furor sanguinolento, A vitria propcios lhe concedem; Dize-lhe, que o Tirano combatido Dos suaves farpes da formosura, Ao triunfante Amor as armas rende; Que o pblico repouso suspirado Firma, esposo da bela Cassiopeia; Dize-lhes... Cassiopeia Ah ! Permite, que interrompa Tuas ordens, Senhor... Bareia, espera. Oh Deuses!... Ai de mim!... A lngua presa Falar repugna... Abdolmino Filha, que amargura De tua alma perturba os movimentos? Livra de confuso um Pai que te ama. Cassiopeia Senhor! Que nova sorte mudar pode O meditado fim de teus projectos? No mesmo instante, em que fatal me pintas Auraste infame, prfido e tirano; Que a Mo cruel a detestar me ensinas; E quando resoluto a dar a vida Pelo sangue de nossos Soberanos; Apesar de gemidos e de angstias, Ao funesto consrcio me constranges! De Astarto desgraado determinas, Que de um vil assassino seja Esposa? Abdolmino

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Sim, cara filha! Os soberanos Deuses De improviso as desgraas acabaram Da lacrimosa Tiro; e, prevenindo As amarguras de teu brando peito, Sensveis aos ardores que te inflamam, Propcios teus desejos satisfazem: O tlamo de Auraste te concedem. Cassiopeia Ah Senhor! Que me dizes? Tu resolves O Prncipe entregar morte crua? Abdomino Sossega, Cassiopeia, no te espantes, Da sbita mudana do Destino. Da benfica Paz a Divindade, Ouvindo nossos mseros clamores, Salva com portentosa mo benigna, Do triste abismo a deplorvel Ptria; Tuas Virtudes, tua formosura So as fortes cadeias que domaram O corao de um Tigre carniceiro, Que os altos Deuses, quando lhes agracia, Com dbeis armas poderosos vencem! O Tirano rendido a teus encantos, Combatido de horrores e remorsos, Delitos detestando, a seu Monarca Submissa vassalagem fiel jura, E depondo a coroa, que usurpara S merecer-te sbdito medita: Teu consrcio prefere Majestade. Cassiopeia E que certeza terei da f sincera Que Auraste te protesta arrependido? Abdolmino O solene, sagrado juramento, Que h-de vir celebrar em breve tempo, Sobre estas Santas Aras despojado. Cassiopeia Ah, Senhor! Que te engana. Auraste busca, Astuto e caviloso, seduzir-te,

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Para seguro em prfidia cilada Dar ao msero Astarto cruel morte. Abdomino Que dizes, Cassiopeia?... Cus, que escuto! Ser possvel que o traidor Auraste Sagaz cobrindo o corao perverso, Com o vu do remorso e da piedade, Pr no Altar sacrlego pertenda As cruis mos de sangue cobiosas, E que perjuro ateste os altos Deuses? Cassiopeia Nesta Carta, Senhor, conhecer podes O fiel corao da cara filha E de Auraste a sacrlega impiedade. Abdolmino Descansa, Cassiopeia, a mo de Auraste De um rival atrevido apoderada, Pronta a descarregar da morte o golpe, De nossos coraes a paz segura. Astarto Traidor infame! Bareia Oh Deuses! Mlia Gelo e tremo. Abdolmino Horrvel monstro, oprbrio dos humanos! Trovejai, justos Deuses! Da vingana Lanai o furibundo fatal raio... Vem a meus braos, virtuosa Filha! Vem a meus braos nclita vergntea Do Tronco Ilustre dos Monarcas lrios! Tu as paixes indmitas vencendo, De novo precipcio a Ptria salvas; E de um Pai enganado os olhos abres, Que a despenhar-se caminhava cego;

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Mas em breves momentos, cara Filha, Espero, que o tirano fraudulento, Com destroo fatal vejas punido, E que o rgio Diadema o prmio seja Da magnnima Filha de Abdolmino. Astarto Generosa Princesa, sempre Astarto... Cassiopeia Cassiopeia, Senhor, obra o que deve... Caro Pai! Salva o Prncipe, se podes; Da funesta runa te acautela, Que teus augustos dias ameaa E deixa, que da Filha o triste peito Em lgrimas eternas se consuma.

CENA III ASTARTO, ABDOLMINO e BAR EIA Abdolmino Prncipe, que terrvel precipcio Nos tinha o vil rebelde quase aberto! Alucinado de um sincero zelo Acreditei seus votos, sem lembrar-me Que no peito traidor a f no mora; Mas os Supremos Deuses vigilantes Das ciladas dos mpios sempre zombam. Astarto De meu peito, Abdolmino, satisfaze O valor reprimido, a impacincia; Permite que, vibrando dura espada, Na frente dos ilustres conjurados, Sobre o traidor desfeche o mortal golpe, Ou morra, como Heri... Abdolmino Senhor, no deves Expor s inconstncias do combate A preciosa vida, de que pende O sossego da Ptria.

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Astarto Pois que esperas? Esperas que o rebelde o Templo cerque De sacrlegas armas, e que Astarto Manietado leo, aos duros golpes S inteis rugidos bravo oponha? Abdolmino Um valor cego, Prncipe, refreia; E malograr no queiras, temerrio A gloriosa empresa comeada; Descansa, que os desgnios do Tirano, Embaraar pertendo simulado, At que o destinado instante chegue, Da tua exaltao, do seu destroo. Bareia! Voa a nossos aliados; De novo acende seu ilustre zelo, Contando-lhe as prfidas insdias, Que nos tecia o brbaro Tirano; Diz-lhes, que do Templo se acham prontas As seguras, incgnitas entradas, Por onde receber e dar avisos Podemos sem suspeita; vai, Bareia... Sim, caro Astarto; o nimo serena, Que inflamado de puro amor e zelo, Ao lugar costumado me retiro Das splicas ocultas, onde espero Com fervorosos votos, com ofrendas A mo de Astreia armar em teu socorro, Que triunfante... Mas ah! Que rumor sinto... Retira-te, Senhor, no te demores. Astarto Ah! Que o furor debalde se me agita! Abdomino Vem, prfido tirano! Que Abdolmino Saber rebater-te a vil astcia.

CENA IV ABDOLMINO, BADESOR e AURASTE

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SEM PRPURA; UMA PERSONAGEM COM A COROA E O CEPTRO EM UMA BANDEJA, A QUAL FICA NO FUNDO DO TEATRO, ADIANTE DAS GUARDAS. Auraste Fiel s minhas ordens, vigilante, Meus movimentos, Badesor observa. Senhor! O soberano que abominas J se desvaneceu; aqui tens pronto O vassalo fiel que amas e prezas, A detestar em tuas mos augustas Os delitos que cego cometera; A merecer, restituindo o Trono, De Cassiopeia s suspiradas npcias. Aceitar venha Astarto a vassalagem, Que a jurar-lhe submisso estou disposto; Da minha prpria mo receber venha As insgnias da Sacra Majestade, De seus Rgios Avs devida herana. Estes guerreiros trago, porque sejam Da expiao solene testemunhas... Astarto, aonde est? Seguro pode A um sbdito fiel apresentar-se... Mas que vejo? Senhor, tu submergido Em sombrio silncio!... No respondes? Abdolmino Senhor! Com simulados fingimentos Vens zombar de um Supremo Sacerdote!... Deixa-me entregue dor que me atribula; E no abuses do sincero zelo, Com que salvar-te, sombra da Virtude, Do nome horrvel de traidor infame Crdulo imaginava; em paz me deixa, Que a dor, de que me sinto penetrado, O uso dos sentidos me embaraa. Auraste Sem dvida, Abdolmino, arrependido Do sublime projecto que formaste, Queres com algum frvolo pretexto Do peso aliviar-te, que recusas. Abdolmino De benfico auxlio, de altos feitos, Nunca Abdolmino soube arrepender-se.

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Auraste Pois se me vs da Prpura despido, Da Coroa e do Ceptro despojado; Porque a meus impacientes, puros votos, Pronto o meu Soberano no concedes? Abdolmino Ah fingido Tirano! Porque sabes Que o legtimo Rei j no existe, Liberal e magnnimo te ostentas? Neste mesmo momento, com certeza Acabo de informar-me que um verdugo Tuas ordens cruis executando, Junto do Nilo lhe tirara a vida, E na funda corrente o sepultara. Auraste Neste mesmo momento me avisaram, Que de leais amigos socorrido, Astarto viram a passada noite Entrar seguro em Tiro. Abdolmino Assim quisera O piedoso Cu!... Mas acabaram De Tiro as lisonjeiras esperanas. A crua morte te assegura o Trono; Goz-lo sem temor contente podes, J que os Deuses assim o permitiram. Fica-te em paz, deter-me aqui no posso Que a hora dos nocturnos sacrifcios Me chama ao costumado Altar oculto, E os Santos Ritos alterar no posso.

CENA V AURASTE, BADESOR e GUARDAS Auraste Vai, astuto rebelde, mas no cuides Que me alucinam teus estratagemas... Leva as Reais Insgnias; e vs, guardas,

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Dos Prticos do Templo assegurai-vos, E defendei que entrar ou sair possa Pessoa alguma... Badesor amigo! Vigilante o soberbo Sacerdote Soube ler de meu peito os ardilosos Simulados intentos, e pertende Iludir-me com frvolos enganos, Para seguro acrescentar as foras Da vil conjurao, que audaz fomenta. Badesor Se, prevenido, o risco no atalhas, Sem dvida, Senhor, te precipitas. Bem sabes que, de prmio cobiosas, Verdadeiras espias com certeza Me afirmaram, que Astarto se acha em Tiro; Que de sublevao o rumor surdo Comea a semear-se Auraste Indigno Povo, Que nem com opresses, nem benefcios, Posso ver obediente e subjugado! Mas, sem respeitar dolos nem Aras, Punir protesto com vingana horrvel, Dos vis Rebeldes a soberba audcia. Badesor Voar no deixes o oportuno tempo; Detido em ameaas no esperes, Que estale a negra nuvem que fuzila; Teu fatal inimigo certamente Refugiado neste asilo busca Com sbita surpresa derribar-te. Auraste No me dilato; resoluto corro A firmar com o sangue dos traidores O Ceptro, que nas mos vacilar vejo, E atalhar quero na primeira origem A torrente dos males que receio. No peito do orgulhoso Sacerdote Vou cravar da vingana o punhal duro; Junto do mesmo Altar, onde o rebelde Vai ofrecer Deusa indignos votos, A vtima ser de meu sossego...

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O perigoso obstculo se vena De meu ardente amor e de meu Trono. Badesor Senhor, bem sei, que um Soberano deve Tudo sacrificar Majestade; Porm v, se o terror evitar podes De manchar o Santurio com o sangue De um Supremo Ministro. Auraste Que o fantico vulgo errado sigo; E que devoto, que sincero adoro, De mulher fraca um dolo formado Pela superstio, de que se vale Do sacerdcio o corpo sedicioso, Para com fronte ornada da Tiara, Avaro dominar os cegos Povos E dos Reis assombrar a Majestade. Se temesse dos Deuses a Justia! S do Jordo, Auraste o Deus temera; Mas, da ambio e da fortuna o Nume S temo, s adoro. Badesor Mas que esperas Sabendo Cassiopeia, que puniste Com dura morte o Pai, que ama e respeita? Abdomino De Cassiopeia o corao conheo, Sei, que do terno amor, e s do Trono Respeitar a potestade, em cujas Aras Pronta a sacrificar a Natureza Vir co rosto em lgrimas banhado Beijar a mo que o golpe executar; Eu mesmo, por juntar a meus extremos De seu Libertador a nova glria, Lhe mostrarei o brao justiceiro. Enfim, corro vingana; apoderar-me Vou do lugar oculto e solitrio, Onde o dolo apenas se divisa, De uma luz moribunda aos frouxos raios; E coas bastas colunas confundido Desfecharei seguro o mortal golpe; Depois, em armas pondo meus guerreiros,

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A cidade farei cercar e o Templo. Segue-me Badesor, e vers como Sei castigar audazes revoltosos.

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ACTO IV CENA I CASSIOPEIA e MLIA Cassiopeia Sim; o fatal segredo, cara Mlia, Antes de retirar-se ao Sacrifcio, Meu Pai me revelou: os conjurados Vo atear o fogo da vingana. Mlia Deixa, que Tiro as lgrimas enxugue Um tirnico jugo sacudindo, Oh Deuses, dos delitos vingadores! Dai a vitria a nossos combatentes, De vossas iras rgidos Ministros. Cassiopeia Que funesta vitria Uma vitria Incerta e perigosa, que sem pranto No podem ver meus olhos desgraados. Parcial da perfdia, Amor maligno! Por que me deste o mgico veneno Pela mo criminosa de um Tirano, Que amvel representas a meus olhos? Queres que o vil oprbrio participe, Que seus odiosos dias acompanha? Ah no cruel! Apressa a minha morte, Mas deixa, que da glria os resplendores Me rodeiem na fria sepultura. Mas ai de mim... Que escuto?... Cara Mlia! Que gemidos? Que fnebres clamores Estas altas abbedas ferindo, Vm l do centro escuro e defendido, Anunciar-nos o terror e a morte? Mlia Esmorecida tremo;... Cus valei-me! Cassiopeia

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Oh Deuses! O pavor me prende os passos; Quem me socorre!... Mas, pisadas sinto... Ah Prncipe? Dissipa meus temores.

CENA II CASSIOPEIA, MLIA e ASTARTO Cassiopeia Sim, dize, que fatal sbito acaso, Motivar pode to funesto espanto?... Mas oh Cus! Que desgraa me predizem Teus olhos perturbados, e teu rosto Desfigurado, de terror coberto; Esse profundo, atnito silncio? Astarto Deplorvel Princesa! Que Destino?... Cassiopeia Que! Choras meu Destino? Que infortnio Em meu favor moveu tua piedade? Astarto De teu augusto Pai a crua morte. Cassiopeia Ah! No dizes, Senhor?... Meu Pai morto?... Meu Pai morto!... Ah Filha desgraada! Astarto Ai de mim! Sim Princesa, atravessado De um agudo punhal rendeu a vida Junto do Altar da Deusa. Mlia Que impiedade! Cassiopeia Infeliz Cassiopeia!... Filha ingrata!

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Em to acerba dor inda respiras?... Inda a morte no vem despedaar-te O corao aflito?... Justos Deuses! Quem vos suspende o raio do castigo?... Deixais entregue a msera inocncia Aos devorantes monstros da impiedade!... Oh desesperao!... Oh dor!... Oh morte!... Dize que mo sacrlega, que tigre, Sem tremer, derramar o sangue pode Do caro Pai, de um Sumo Sacerdote? Astarto O sombrio lugar, a pronta fuga, O agressor escondeu a nossos olhos. Cassiopeia Abominvel Monstro, que os Infernos... Mas que vejo!... Que horror!... Ser possvel?... Que funestas suspeitas se despertam Na minha fantasia atribulada! Mas que duvido? Se os sinais horrveis Me descobrem o brbaro assassino. Astarto Aonde, aonde est?... Cassiopeia Deus da vingana, Arma de agudo ferro minhas iras! Cruel! No dissimules teus vestidos, E a mo atroz banhada em vivo sangue. Astarto Banhado em vivo sangue!... Cassiopeia Sim, perverso! A confuso te acusa, testemunhos Mostrando incontestveis a meus olhos De teu delito enorme. Astarto Cus! Que escuto.

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A desesperao mortal serena, Que os turvados sentidos te confundem. Princesa, agora advirto, que abraando Do caro amigo o msero cadver Manchei no quente sangue, que brotava... Cassiopeia Ah prfido! No julgues, que os pretextos, Que simulado, artificioso inventas, Possam do crime atroz justificar-te. O vivo sangue, que vingana grita, Te convence da brbara maldade. Astarto A inocncia acusada no desmaia, Nem a justificar-se a fronte inclina. As injustas afrontas, as calnias Com que desatinada e suspeitosa Combates de minha alma a glria ilesa So delrios da dor, que te magoa, Que minha compaixo desafiando, S duplicam o pranto inconsolvel, Que ao desgraado Amigo sacrifico; A dor que te confunde desafoga...

CENA III CASSIOPEIA, ASTARTO, MLIA e BAREIA Bareia Senhor, das tropas do Tirano armadas Pela Cidade toda o tropel soa, E de soldados numeroso corpo Cercando o Templo vai de agudas lanas. O cruel penetrou nossos projectos, E da vingana empunha a dura espada. Aos conjurados vamos ajuntar-nos, Antes que neste asilo surprendidos Da Tirania, Vtimas sejamos. De escravo, o traje vil que nos disfara Uma livre passagem nos segura. Astarto Vamos, fiel Bareia, e denodados

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Na frente rios amigos resolutos, Caras vendamos ao Tirano as vidas.

CENA IV CASSIOPEIA e MLIA Cassiopeia No duvidemos, Mlia, mais que certo; No viste como o prfido verdugo, Soberbo disfarou o crime horrendo? Ah no Mlia! Orgulhosa no despreza Justificar-se a cndida inocncia. Mlia Ai de mim! Em to hrrido desastre Gelado o sangue sinto; a dor, o espanto, Prenderam de minha alma os movimentos: A confuso enreda meus sentidos. Cassiopeia Mortfera serpente, que Abdolmino Generoso abrigou no amigo seio, Para beber-lhe ingrato o caro sangue!... De um Pai assassinado augustos Manes! Vossos gritos penetram meus ouvidos; Um vingador clamais; sim, Cassiopeia, Corre a buscar o vingador terrvel. Sofrei em paz, sofrei, Manes Sagrados! Que me sirva da pronta mo armada, Que me ofrece a desgraa, que me cerca... Sim, adorado Pai, a mo de Auraste, Que da Tiara ornado detestavas, Teu sangue vingar; a sorte ordena, Que da tua famlia deplorvel Seja o propcio, o nico refgio; Mas o suave abrigo, com que espero Me ampare na orfandade lacrimosa; A Vtima, que vai com ferro duro Consagrar-te nas aras da vingana, Te cobrir de paz a sepultura. Mlia Ah serena o furor! Deixa que em pranto

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Das mgoas se dissipe a negra nuvem, Que os sentidos confusos nos envolve; E no vs delirante despenhar-te. possvel que Astarto?... Cassiopeia Que? Duvidas: O cruel assassino desconheces? Ah! no duvides, Mlia, no suspendas A desesperao, que do castigo Me leva a procurar o justo golpe. Entre os braos de Auraste vou lanar-me, Socorro contra o prfido gritando.

CENA V CASSIOPEIA, MLIA, AURASTE e GUARDAS Auraste Que lacrimosa voz, que peito aflito Chama em socorro Auraste? Mlia Justos Deuses! Cassiopeia A triste Cassiopeia a tua Esposa, Que, enfim, chegou o suspirado instante; Porm cheio de lgrimas e dores. Auraste Senhora, deste asilo de rebeldes Deixa a triste morada; em meu Palcio Entre as delcias vem da Majestade Esquecer importunas amarguras, E receber a mo que, poderosa, Te libertou de um Pai inexorvel. Mlia Que escuto? Oh Cus! Cassiopeia

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Acaba de explicar-te. Auraste Sim, Cassiopeia! De Abdolmino a morte Foi de meu terno amor um Sacrifcio; Mas falta segurar nosso repouso Co sangue do rival: ...anda mostrar-me Este inimigo audaz e sedicioso! Cassiopeia mpio Tirano!... Mlia!... Deuses!... morro. Mlia Princesa!... Cus, valei-me. Auraste Cassiopeia! Vergonhosa penso de um peito fraco, A quem da Natureza os movimentos So um duro suplcio... Cus! Que vejo?... Como da morte as sombras lhe tornaram Das belas faces plidas as rosas! Mas j copiosas lgrimas desata; E o sufocado esprito comea A libertar-se da opresso violenta. Cassiopeia Oh Deuses!... Ai de mim!... Funestos Deuses! Deparai-me da morte um instrumento... Ah Tirano! Aqui tens da Filha o peito: Acaba de esgotar, sequioso tigre, O sangue de Abdolmino!... Sombra amada! Que me girais em torno; que severa Os erros de uma ingrata Filha acusas, Suspende as justas iras; de meus olhos J se dissipa a vergonhosa sombra, Que da virtude os raios me escondia. Ah cega Cassiopeia! Que a inocncia Acusastes de um crime o mais infame; Que a lanar-te nos braos da perfdia Como a seguro abrigo caminhavas. Mulher indigna! Treme de teus erros... Assassino da Prpura vestido, A meus olhos te esconde, que indignada

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As medonhas cavernas do Cocito Descerei implacvel, nua Sombra; E da vingana o brao formidvel Armarei de mortferas serpentes. Treme, Tirano enorme!... Vamos, Mlia! Sobre o triste cadver chorar vamos.

CENA VI AURASTE e GUARDAS Auraste Que inesperado, que terrvel golpe!... Retirai-vos, oh Guardas! Mas no longe Da minha voz... Que inferno de tormentos Meu corao combate e despedaa! Em que abismos me vejo submergido? De perigos cercado, apenas gozo De um sono fugitivo fatal sombra, De suspeitas armadas sentinelas. Em toda a parte vejo suspendida Da morte a nua espada sobre a fronte; E s faltava, Auraste, a teus horrores, Que a bela Cassiopeia levantasse Para acusar-te a voz enfurecida. Julguei, que parcial de meus delitos Buscar viesse a mo co sangue tinta, Para enxugar-lhe o doloroso pranto; Incauto fui: de seu amor ardente Cego esperei demasiado esforo... Mas tu, Auraste, tremes?... Tu deliras?... Amigo fraco, que aturdido escutas De amor, e do remorso o grito intil, Quando respira contra ti armado, O funesto inimigo de teu Ceptro; s iluses do Vulgo os olhos cerra; Ao triunfo corramos: ol Guardas.

CENA VII AURASTE, BADESOR e GUARDAS Auraste Amigo Badesor! J da Cidade

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Toda a guarnio fica sobre as armas? Atento registaste minhas tropas, E para rebater qualquer surpresa, Conheces, que terei foras bastantes? Badesor Tudo est prevenido, no receies De vis rebeldes temerrio assalto. Em stio conveniente, Senhor, ficam Postadas vigilantes sentinelas, E das portas as guardas reforadas, Tuas ordens na frente das fileiras Os fortes Capites prontos esperam, E cercados os muros deste Templo De formidvel, numeroso corpo, De teu rival a presa te asseguram... Mas dize, descobriu-te, Cassiopeia O lugar, onde o prfido se esconde? Auraste No, Badesor; a tmida Princesa Viu com horror a fronte do assassino, E armando-se das setas da virtude Irada o terno amor lanou por terra; Pisou cos ps desejos e esperanas. Badesor Foi impulso da dor; no desesperes. Deixa que a dura mgoa desafogue, Que em pranto dissipada no eclipse A seus olhos do Trono os resplandores. Cassiopeia vers atar de novo, Risonha, os laos que soltou furiosa. Auraste Imaginar no podes os furores, Em que aflita rompeu desesperada, Que exalados em duras ameaas, Imprecaes horrveis, vis ultrajes Caram sobre mim; e te confesso, Que oprimido me vi, me vi confuso. Badesor Pois um constante peito costumado A abrandar os Altares da fortuna

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Com o sangue de sbditos ingratos, Treme de Amor, aos pnicos reveses? Auraste O carniceiro Rei das bravas feras, Que faminto nos membros dos Humanos Os dentes seva; lnguidos rugidos Lana de amor rendido ao brando Imprio. Badesor Bem sabes, que zeloso sempre guio O carro triunfal, a que a soberba Arrastras deste Povo manietada; Assim meu Rei, se atendes e conheces A virtude, que brilha em meus conselhos, Em queixumes de Amor, em vos suspiros, Distrado no pares indolente; Cuida em firmar a vacilante base Do Trono, em que te ps a forte espada, E depois entre os braos do repouso, O brando amor te croar de flores. Auraste Sim, amigo fiel, tu sempre foste A mais firme coluna de meu Slio; Grato a meus benefcios te desvelas, Em prevenir a negra tempestade, Que se arma a contrastar a sorte minha. A cilada fatal de que no pode Meu funesto adversrio libertar-se, Animar talvez a socorr-lo O fantico bando dos rebeldes. Mas neste vasto crcere deixemos, De temores cercado o miservel, Enquanto vamos do maior incndio Embaraar, que a chama se levante. Sim, vamos, Badesor; observar quero Meus fortes Capites e minhas Armas, E dar atento as necessrias ordens.

CENA VIII ASTARTO e BAREIA Bareia

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Ah, que intentas, Senhor! Abalanar-te Queres no meio das inquas Guardas. Astarto Corro ao fatal refgio, onde me guia A desesperao; ousado quero Morrer tinto no sangue do Tirano. No me suspendas, de um desesperado Aos extremos furores no te oponhas. Bareia Ah, Senhor! No vs cego despenhar-te, A teus ps to suplico; por aquele Fiel amor, com que sofri constante De teu desterro os longos infortnios; Pelas aflitas lgrimas da Ptria. Astarto Cruel e caro Amigo, que me privas De morrer libertando a triste Ptria De um Monstro, que as entranhas lhe devora; De vingar os Altares profanados; Do Pai o sangue; as lgrimas da Filha, Para ver-me expirar com ignomnia Em brbaro suplcio... Que recurso Podemos esperar em tal conflito? Este asilo dos Deuses e dos Homens, Cercado de Guerreiros, que implacveis Embaraaram nossa retirada, funesta masmorra, em que seguro O Traidor carniceiro deixa a presa, E sem dvida parte satisfeito, A despedir os brbaros algozes. Bareia A runa total, Senhor, sem fruto Te levava o furor precipitado; Que daquela constncia, com que imvel Superaste dous lustros desgraa? O perigo evidente, que nos cerca, E de Abdolmino o sangue derramado, Espero, que o valor de teus amigos Arme de novo esforo, e que do assalto O momento terrvel acelere.

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Prximo j da noite o meio giro, A destinada trompa brevemente Anunciar o frvido combate. As numerosas tropas, que Zamrio Prontas esconde perto das muralhas, E os Capites, que seguem teu partido, Uma feliz vitria nos prometem. Tu bem conheces do fiel Zamrio O bravo corao, o zelo activo. Astarto Bareia! Do magnnimo Zamrio Que heroicidade esperar no devo? Um amigo que, para consolar-me No seio dos desertos espantosos E nas tristes misrias socorrer-me, Sofria longas, speras viagens; Mas, de que valem peitos esforados Contra as guerreiras lanas, que o Tirano Aprontou prevenido e suspeitoso; Contra a Mo da perfdia, que lanar-nos No precipcio vai que tem aberto? Bareia Deixa, meu Rei, que do Destino nosso Dos Cus decida o prvido Decreto; Do tremendo Naufrgio muitas vezes Salvam na praia o triste naufragante, Que o fundo abismo j cos ps tocara. A Prudncia, o valor que te acompanha, Da cega indignao vencer no deixes. Os perigos despreza, sem lanar-te Nas garras da runa, temerrio. Os furores serena, e da Princesa As lgrimas, Senhor, consolar vamos, Que temo que a violenta dor acerba A despenhe em funesto desatino. Astarto Oh Deuses! Em que estado deplorvel Vi a meus ps a bela Cassiopeia Indulgncia pedir, banhada em pranto De suas vs suspeitas, e vingana; Clamar contra o sacrlego Tirano! Que impulsos de furor e de piedade Sofreu meu corao naquele instante!

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Bareia Senhor apressa os passos. Astarto Sim Bareia; Impvidos a morte esperar vamos.

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ACTO V CENA I AURASTE, BADESOR e GUARDAS Auraste Vai, fiel Capito da minha guarda, Tu que a turba distingues e conheces, Dos Ministros ao Templo consagrados Diligente executa minhas ordens; Parte com teus soldados, investiga Deste vasto edifcio o labirinto Regista os mais recnditos lugares, E com activo zelo e segurana, Seja minha presena conduzida Toda a pessoa, que te for estranha.

CENA II AURASTE e BADESOR Badesor Mas, Senhor, apesar do favorvel Semblante que te mostra a sorte amiga Nos deixas conhecer no turvo aspecto Os confusos, sinistros pensamentos De um receoso peito atribulado. Que funestos cuidados, que temores Te fazem vacilar, contra o costume Do corao intrpido a constncia? Auraste Badesor, os perigos que nos cercam, Desprezar no devemos; contra o ferro Da indignada traio no h reparo. Badesor Confia no valor de teus soldados, A quem afoita a vida cobia Dos avultados, prometidos prmios.

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Os vigilantes Capites zelosos Do mais leve incidente prontos devem Por leais mensageiros avisar-nos; Descansa, pois, e cuida em libertar-te Do funesto inimigo, que em vo busca Soltar-se da cilada, em que se enreda; E deixa que os infames conjurados Ao precipcio aberto cegos corram. Auraste J que posso no meio das fadigas E de graves cuidados, um instante Falar-te, Badesor, com liberdade, Quero que participes, caro Amigo, Como do rgio mando as amarguras, Que o desolado peito me consomem. Em bravo golfo, risco igual corremos; Badesor, como Auraste aborrecido, Ou se salva comigo, ou se despenha. De meus delitos cmplice conheces Minhas cruis maldades. V! Recorda Das numerosas vtimas o sangue, Que banha o fatal trono em que me assento! A Justia Celeste, que parece Dormir sobre meus crimes descuidada, Me d no horrvel fruto que recolho, O veneno mortal que me devora. Badesor Benficos, Senhor, os altos Deuses Te deixam subsistir entre as grandezas. Orgulhosos punir, punir ingratos, Foi sempre dos Monarcas Lei seguida. Auraste O resplendor te cega da fortuna, Mas se teus olhos penetrar pudessem De minha alma os horrores, confundido Tremerias, teus erros conhecendo, Dos Tiranos a prpura soberba, S temerosos coraes esconde, De pungentes remorsos salteados, No funesto terror que me atribula, O ferro, a voraz chama me rodeia, O Trono envolto em lavaredas vejo; Plidos meus sequazes, e viradas As lanas contra mim que me defendem

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De vis cadeias carregado Auraste, A suplcio afrontoso conduzido, E debaixo dos ps do irado Povo, Lacerado expirar no lodo imundo. Eis aqui as imagens espantosas, Que de contnuo a meus olhos mostram Os medonhos espectros dos delitos. A mo do terno Amor, que s podia Em to mortais temores animar-me, Minha fatal sentena irada escreve, E mostrando o paterno, caro sangue, De novo acende o raio da vingana, Que implacvel me assusta, em toda a parte, Badesor De pnicos temores preocupado, Renunciar o Ceptro determinas? Auraste Renunciar o Ceptro!... Que proferes? Meu ambicioso peito mal conheces. Se odioso Tirano me detestam, Como absoluto Rei, sou respeitado. Do escravo mais humilde a sorte escura mais que a minha prspera e risonha; Mas, sem largar o peso que me oprime, Apesar dos combates, dos remorsos, No haver terror, nem atentado, Que os firmes passos desviar-me possa Do caminho que sigo triunfante. Badesor Dissipa vos receios, goza o fruto, Que sombra de um pacfico Destino Colhes de tuas speras fadigas. Confia neste brao, que a servir-te Se tem com alta glria costumado. Auraste Mas que tropel de passos apressados Penetra o grande Prtico?... No ouves? Badesor No te assustes, Senhor. Sim j diviso Um vulto para ns encaminhar-se.

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Oficial das tropas me parece; Ele chega; o mesmo! No me engano.

CENA III AURASTE, BADESOR e um OFICIAL Auraste Diligente Guerreiro, que importante, Ou que sinistro aviso vens trazer-me? Oficial Senhor, em vrias partes da Cidade Os ecos soam de marinha trompa, E comea em lugares diferentes Um ligeiro rumor a difundir-se. Auraste E a qual hora soou a vez primeira A retorcida concha? Oficial Quando os Astros Demarcavam da noite o meio giro. Auraste E foi de rumor sbito seguida? Oficial No mesmo instante. Auraste Amigo no duvides O rudo, que lento se levanta, de conjurao indcio certo. Badesor Como risco infalvel no presumas Um acontecimento extravagante, Que de simples acaso nascer pode.

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Talvez sejam os rudes Pescadores, Que imitando os Trites, as roucas conchas Nos cubelos do mar retumbar fazem. Auraste No, Badesor, o corao pressago Perigoso Mistrio me anuncia. Badesor Pois descansa no zelo que me anima, Que eu parto resoluto, e sem demora Vigilante a Cidade examinando Atalharei com pronta providncia De teus justos receios o motivo. Auraste Sim, Amigo fiel, zeloso voa, E ou seja acaso, ou vil projecto seja, Conduzir manda a crcere seguro Os amotinadores insolentes, Com pesadas cadeias manietados.

CENA IV Auraste Cos perigos lutando, cos temores, Prazeres e repouso sacrifico Nas Aras da ambio que cego adoro.... Mas, em que sustos, em que novo risco Me ps a distraco de meus cuidados! Solitrio me vejo, sem escolta No centro de emboscados inimigos!... Assassinos as sombras me figuram! Runa estas colunas ameaam!... O mesmo ar que respiro, me intimida. Tropel sinto: Traidores me acometem... Mas fugi de minha alma, indignos sustos, E tua guarda, Auraste, em paz respira.

CENA V

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ASTARTO, BAREIA, AURASTE e GUARDAS ASTARTO CONSERVAR UM SILNCIO FEROZ. O Capito da Guarda Tuas ordens, Senhor, executando: Da multido, que o vasto Templo habita, S estes dous escravos desconheo. Auraste Dous escravos, Amigo, ou dous traidores. Capito A extrema misria, que os envolve, Sua triste fortuna nos confirma. Auraste Observaste, se ocultas armas trazem? Capito Sim, das armas, Senhor, vm despojados. Auraste Em que lugar e como achados foram? Capito Entre os fiis domsticos chorosos, Que a msera Princesa acompanhavam, No instante feliz em que da morte, Cassiopeia, Senhor, este salvava. Auraste Cassiopeia, da morte! Oh, Deuses! Como? Capito Surprendendo-lhe a mo, que armada tinha De um agudo punhal, com que intentava Rasgar desesperada o tenro peito. Auraste

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Iluso dos mortais, feroz Virtude!... Vs, escravos! Se acaso sois escravos, Ouvi e respondei sem artifcio, Tremei de me iludir com fingimentos; Que se infames traidores vos descubro Mais pronta, que relmpago, a vingana Punir vosso crime com a morte. Que destino no templo vos encerra? Da comitiva sois de um forasteiro, Que veio neste asilo refugiar-se? Bareia Domsticos do grande Sacerdote Em humildes servio empregados, Outro no conhecemos; e choramos A perda de um Senhor que nos foi caro. Auraste No irriteis audazes, meus furores, Chorando ante meus olhos um rebelde, Que severo puni e justiceiro!... Que terreno, dizei, foi vossa Ptria? Bareia De Galileia os Campos. Auraste De que origem Recebestes os dias desgraados? Bareia Filhos de nobres Pais; na tenra infncia Fencios salteadores fraudulentos Da morada paterna nos roubaram. Auraste E que tempo haver, que o cativeiro Sofreis do miservel Abdolmino? Bareia Inda completo um ano no contamos, Depois que fomos neste Sacro Templo De Sidnio Senhor, votiva ofrenda.

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Auraste Desejais resgatar a liberdade? Bareia Essa doce esperana suaviza A dura escravido, que nos oprime. Auraste Pois entregai-me Astarto, e podeis livres Premiados tornar ao ptrio ninho, Ou mudar abrigados de meu Trono Os vis trajes em prpuras ilustres. Bareia A nosso bom Senhor, poucos momentos Antes da morte, com amargo pranto De Astarto o Nome proferir ouvimos. Auraste Traidores! Bareia Ns, traidores? Auraste Sim, perversos, E procurais servir-vos simulados Da fementida trama de Abdolmino? Mas com justo furor a mesma sorte Farei, que experimenteis... Porm, que observo? Este audaz, que com feroz silncio ostenta Com indignada fronte me ameaa. Temerrio, quem s? Fala!... Responde!...

CENA VI AURASTE, BAREIA e ASTARTO GUARDAS e um OFICIAL Oficial

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Vem, Senhor; Badesor manda chamar-te; A teus soldados voa sem demora. Auraste Que vens anunciar-me? Estou vencido? Oficial No, Senhor; mas infames revoltosos Com duras armas a Cidade inundam; Grosso corpo de tropas estrangeiras Vem apressado as portas demandando Pelo traidor Zamrio comandadas. Vai pronto dar as prevenidas ordens, E animar teus guerreiros ao combate. Auraste Guardas, acompanhai-me, que este asilo segura priso aos dous traidores; Depois que minhas iras se tiverem Saciado no sangue dos rebeldes, Virei mais devagar examin-los.

CENA VII ASTARTO e BAREIA Astarto Da runa iminente em vo procuras O golpe rebater com artifcios, Os rpidos momentos, que suspensa Respirar nos consente, so refluxos Para se arremessar com mais violncia Vtimas da desgraa; a Tirania Quais mseros cordeiros nos degola. Desarmado, coberto de ignomnia Os extremos suspiros lanar devo. Oh dor acerba! Dor ainda mais dura, Que a mesma morte a peitos esforados. Bareia Senhor, no desfaleas: a grande alma Entrega s esperanas. Teus Vassalos Armados de valor e fiel zelo

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Apesar das cautelas do Tirano Ao combate espantoso ousados correm. Na Justia dos Deuses confiado, Espera que este seja o feliz termo De tua desventura e das misrias, Em que Tiro lamenta submergida. Astarto No, Bareia; no deixes enganar-te Com a iluso de areas esperanas, A receber o duro, mortal golpe, O nobre corao dispem constante: Triunfar veja o brbaro Tirano Da mesma morte, intrpida a Virtude. Bareia V, Senhor, o portento com que os Deuses, A cruel tirania confundindo, Das mos sanguinolentas nos salvaram, A lacerar a Vtima j prontas. Astarto O traidor socorrido da fortuna, Vitorioso tem desbaratado Nossos vastos projectos; e quem pode O Destino vencer, inda que injusto? A vitria inconstante no respeita Ilustres coraes, de zelo armados; A justia, o valor atropelando, Cos louros Marciais cega costuma Croar da soberba inqua fronte.

CENA VIII CASSIOPEIA, MLIA, ASTARTO e BAREIA Cassiopeia Ah, desgraado Astarto! ... Cus propcios Que inda a meus olhos o mostrais com vida, De to fatal estrago defendei-o!... Foge, infeliz Astarto, foge morte. Astarto

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Fugir morte, Astarto! Brilhe o ferro, Que sem temor espero o duro golpe. Bareia Mas, Senhora, que sbito desastre De novo o triste Prncipe ameaa. Cassiopeia O Tirano triunfa. Bareia E quem te pode Informar de um Destino to infausto? Cassiopeia Os Ministros do Templo, que observando Desses altos terrados a carnagem, Em que toda a Cidade acesa ferve, Dizem que ao estridor das cruas armas, Ao funesto alarido da peleja, Aclamaes respondem, levantando Do cruel vencedor o fatal nome. Bareia Ser possvel, Deuses, que aos clamores De um miserando Povo inexorveis Consintais que um Tirano o triste sangue Derrame da inocncia, sem recurso? Cassiopeia Caro Prncipe, voa sem demora, Vem aos olhos do brbaro esconder-te. Bareia Como, Senhora? Como poderemos Escapar ao furor sanguinolento Sitiados de prfidos guerreiros? Cassiopeia Do centro escuro das ocultas Aras, Se desce ao fundo abismo destinado

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A consultar os Manes subterrneos, Cujo intrincado, pavoroso seio, De seguro refgio servir pode. Astarto Generosa Princesa, no esperes Que o perseguido, desgraado Astarto, Se acolha a vergonhoso, vo refgio; Deixa que goze em to fatal conflito Da consolao nica, que os fados Severos me consentem. Deixa ao menos, Que no seio da cara Tiro expire; E que em ptrio terreno sepultado Acabe meus acerbos infortnios. Tu, bela Cassiopeia, em paz respira, Cede s foras inquas do Destino; Da Ptria suavizar os males podes Domando terna a mo, que a tiraniza. Cassiopeia Ah, que dizes Senhor? Que a mo aceite Do sacrlego Auraste; a mo que o ferro Cravou do Pai nas mseras entranhas! No corao, de horror sobressaltado O sangue gela, a voz murmura presa. Astarto A to ilustre horror, em Cassiopeia Conheo a nobre Filha de Abdolmino. Bareia Mas que escuto!... Que sbito alarido Entrando vem os prticos do Templo? Astarto So da morte as pisadas; pregoando Vem a fatal sentena a voz do crime. Fere, Tirano! Impvida te espero. Cassiopeia Abri, Supremos Deuses, os abismos!

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CENA IX ZAMRIO, SEGUIDO DE NUMEROSOS CONJURADOS COM AS ARMAS NAS MOS; AURASTE E BADESOR PRESOS COM CADE IAS; CASSIOPEIA, MLIA, ASTARTO e BAREIA Astarto Mas que vejo?... Zamrio? Cus piedosos! Zamrio Meu Rei! Enfim os Deuses j propcios Permitem que Zamrio a mo te beije. Astarto Vem a meus braos; vem, fiel amigo, Libertador magnnimo da Ptria! Auraste este o meu rival? Sorte inimiga! Dentre as mos escapar deixei Astarto. Ah! Que os Deuses cruis me confundiram! Zamrio Eis aqui o sacrlego assassino, O cruel opressor de teus vassalos, Traidor, teu Soberano reconhece. Astarto Afastai esses Monstros de meus olhos; Mas no cuides, Tirano, que salvar-te Dos vis oprbrios vais na sepultura. A morte aos mpios castigo brando: De misrias cercado e de remorsos A vida acaba, como escravo infame De vergonhosos ferros oprimido.

CENA X CASSIOPEIA, MLIA, ASTARTO, BAREIA, ZAMRIO e ALGUNS CONJURADOS Bareia

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Engrandecida seja a Divindade, Que das mos carniceiras nos resgata. Cassiopeia E que vinga de um Pai o Sangue Augusto. Astarto Ilustres combatentes, que salvaste De um espantoso abismo a triste Ptria, Entre os braos da paz gozai o fruto Das palmas, que ganhastes valorosos. Zamrio Duvidosa a vitoria alguns instantes Fez que o soberbo, o prfido Tirano, Vencedor se aclamasse; mas afoitos Ilustres Cidados forando as Guardas As portas franquearam. A Cidade, Os Aliados prontos ocuparam. A teu Augusto Nome, que voava Na voz da multido, os fiis Trios, Forados a servir o vil rebelde, As armas contra o Brbaro voltaram. Enfim Tiro respira em liberdade; Alvoraado o Povo, Astarto aclama. Vem mostrar-te a seus olhos, que banhados Em lgrimas de jbilo te esperam. Astarto Sim, vamos; e tu, bela Cassiopeia, Vers, raiando o dia, premiadas Tuas raras Virtudes sobre o Trono, Que os Deuses, das runas do delito inocncia triunfante edificaram.

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MGARA ILL.ma E EX.ma SENHORA Fora em mim temeridade o adornar este Drama com o respeitado nome de V. Excelncia, se uma das mais singulares virtudes no fosse quem me incitasse a atender menos modstia e grandeza de V. Excelncia, que memria de tantas graas e de tantos benefcios, que benignidade de V. Excelncia sou devedor. Permita-me, pois, Excelentssima Senhora, que me atreva a oferecer V. Excelncia a Tragdia de Mgara como pblico monumento do meu devido agradecimento. Que importara que a alma sentisse os afectos da gratido, se no pudesse eterniz-los? Se o pblico conseguir alguma utilidade com o meu trabalho, se a obra que dou luz merecer algum aplauso, completos ficaro meus votos; porque, assim, transmitirei meu reconhecimento posteridade mais remota. Amparar o perseguido, beneficiar o benemrito, patrocinar o desvalido, a origem mais pura da verdadeira glria, a nica digna de V. Excelncia, a que mais poderosamente move seu corao benigno, a virtude entre as muitas que em V. Excelncia resplandecem, que mais reala a sua alma nobre. bem verdade que esta admirvel virtude hereditria na ilustre Casa de V. Excelncia, e em seu sangue a vincularam seus preclaros Ascendentes. Treveris o publica, Treveris que tem a honra de nomear os esclarecidos Progenitores de V. Excelncia entre os filhos excelsos que a imortalizam. Quantos Heris, quantos Vares famosos contam seus Anais at o ano de 1188, em que a famlia de V. Excelncia passou para os Estados do Imperador! Cena mais magnfica se abre desde ento aos olhos do mundo admirado. No ano de 1247 se distingue, entre os Bispos de Vormes, pelas suas virtudes, pelo seu talento, pelo zelo de pastor que lhe inflamava a alma santa, pela ternura de pai que lhe alentava o terno peito, um Prelado venervel da preclarssima Casa de V. Excelncia. O Imperador Fernando III concedendo, em 1547, aos ilustres Ascendentes de V. Excelncia a preeminncia de Condes de Sacro Imprio, julgou a recompensa inferior a tantos servios; o que testifica quanto eram distintos o quanto relevantes. Se os Reis se no achassem muitas vezes na impossibilidade de remunerar, os vassalos pela importncia dos servios, que prmios no tivera alcanado o Pai de Vossa Excelncia, que em 1729 morreu General da Infantaria, havendo sido nomeado Governador de Praga e do Reino de Bomia? Postos que no deveu ao seu nascimento, sim adquiriu por insignes aces, egrgios feitos. Quantos Vares compem o tronco da respeitvel famlia de V. Excelncia, tantos aclama Heris a fama, a virtude, a posteridade. Indague-se a vida, examinem-se as aces de Virichio Filipe Loureno, Conde de Daun, tio de V. Excelncia; e ver-se- que os Franceses, contra quem defendeu Turim, admirados do seu valor; constncia e heroicidade, o compararam aos mais famosos Generais antigos e modernos, que nas palestras de Belona se ilustraram. General em chefe do exrcito, que na Itlia militava em 1708, mostrou a perspiccia mais subtil, o segredo mais impenetrvel, a prudncia mais madura, a actividade mais solcita, os planos mais sabiamente combinados, as marchas mais judiciosamente ordenadas, intrpido no combate, pronto a resolver-se nas ocasies perigosas, previsto nos conselhos, acautelado nos lances delicados. O Imperador Carlos 1II lhe concedeu a honra de Grande de Espanha, unida Toso do Ouro, e com o Marquesado de Trivoli, o Principado de Teano; e como to raros servios pediam maior demonstrao do beneplcito do Prncipe, em 1713 foi nomeado

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com geral aplauso Vice-Rei de Npoles, e em 1725 General, Governador do Milans e, depois, Conselheiro ntimo, Gentil-homem da Cmera, Marechal General da Artilharia e Comandante de Viena. Que direi do grande, do imortal Leopoldo Jos Maria Conde de Daun? O valor de Alexandre, a prudncia de Fbio, a sobriedade de Cipio, a astcia de Anbal, a felicidade de Csar, a sabedoria de Germnico, a bondade de Trajano constituam o carcter deste General famoso, que a antiguidade aclamara igual ao mesmo Marte, e que o sculo presente reconhece por Mestre entre os Mestres. Mais dissera, Excelentssima Senhora, se V. Excelncia, to cuidadosa em evitar os elogios devidos s suas virtudes, nobreza de seus gloriosos Ascendentes, no atalhasse com os rogos da sua modstia, o elevado voo a que me fizera remontar a verdade. Obediente suspendo, para com a minha respeitosa submisso, continuar a fazer-me digno do alto patrocnio de V. Excelncia, e merecer da sua benignidade a licena de escrever no frontispcio deste Drama, o nome ilustre de to grande protectora. Se o fraco talento nada produziu nesta obra digno da ateno de V. Excelncia e da aceitao do pblico, como somente serviu mal os afectos que me inspiram, sem alterar a pureza deles! Desampare, Excelentssima Senhora, desampare a obra, entregue-a ao desprezo, e ao esquecimento, mas digne-se admitir e aceitar o motivo da oferta, o zelo ardente, a gratido inviolvel e o profundo respeito com que admiro tantas virtudes, to raras qualidades, to excelentes predicados como os que constituem a grande alma de V. Excelncia; pois, enquanto a vital aura animar meu esprito, viver indelvel em meu peito a lembrana do patrocnio com que V. Excelncia to benigna e ansiosa me amparou; e se no baste a vida para mostrar-me agradecido, em meus escritos vivero eternos os infinitos favores de que V. Excelncia me tem cheio com mo to prdiga. Deus guarde a V. Excelncia por dilatados anos para ser protectora dos desvalidos e amparo dos benemritos. Ilustrssima e Excelentssima Senhora, Beija as mos de V. Excelncia O mais humilde e reverente criado Miguel Tibrio Pedegache Brando Ivo.

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AO LEITOR. No ano de 1 761 compusemos a Tragdia de Mgara, o Senhor Domingos dos Reis Quita e eu; e, no ano seguinte, comemos a imprimi-la. Declarando-se a guerra, e marchando eu para a Campanha com o meu Regimento, suspendeu-se a impresso, que em 1764 tornou a renovar-se. Novo incidente embaraando segunda vez o continu-la, totalmente ficmos desgostosos; e certamente nunca tivera visto a luz se a memria dos favores e patrocnio que devo Ilustrssima e Excelentssima Senhora Condessa de Oeiras, debaixo de cujos auspcios hoje aparece, me no incitara a publicar esta obra, que ilustrei com um discurso sobre as regras e pontos mais delicados deste gnero de Poema, para servir de monumento pblico do meu inaltervel agradecimento. Nome to venerando como o que adorna o frontispcio desta obra nos segura o aplauso e a geral aceitao.

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DISSERTAO SOBRE A TRAGDIA Aparece, enfim, pela primeira vez na lngua Portuguesa, uma Tragdia ajustada com as regras que praticaram os Mestres da Cena, os squilos, os Eurpedes e os Sfocles, e seguindo religiosamente os seus vestgios nos prescreveu Aristteles. Dizemos ser esta a primeira Tragdia que aparece na nossa lngua vulgar, por no nos acomodarmos a admitir na srie das verdadeiras Tragdias formadas sobre os modelos, ou originais dos referidos trgicos, a D. Ins de Castro de Antnio Ferreira, por no haver neste Drama interesse, caracteres, costumes, nem dico; e porque uma narrao lnguida dividida em cinco Actos de uma aco, que ainda que verdadeiramente trgica, nem interessa, nem excita a paixo e afecto dos leitores. Neste Poema se nos representa El-Rei D. Afonso IV como um Prncipe indeciso, flbil e sem resoluo; seus dous Ministros como dous infames; o Prncipe D. Pedro como um efeminado e sem carcter prprio; D. Ins como uma namorada de novela, e a sua Ama como uma velha tonta e indulgente. No negaremos serem to admirveis os seus Coros, que podem servir de modelo ao Coro da Tragdia; que os conceitos que neles se encontram com profuso de nenhum modo so violentos, ou importunos, sim naturais e judiciosos; e que estes Coros, at pela metrificao, se diversificam do resto do Drama. Tambm no podemos conferir o nome de Tragdia s pssimas tradues dos Dramas de Metastsio, Dramas monstruosos, atendidos pela parte das regras, no havendo alguma que ali deixe de achar-se violada. Unidade de lugar, tempo e aco escusado procur-la; costumes e caracteres raras vezes so expressados com propriedade. Todo o seu merecimento consiste em uma dico elegante, florida e pomposa, e em pintar os afectos, quanto mais pode ser, na proximidade da natureza. Nas tradues Portuguesas das peras deste insigne engenho vemos com infelicidade todos os seus defeitos e nenhuma das suas belezas. A dico insulsa e insuportvel, as paixes expressadas umas vezes com pensamentos excessivamente levantados, outras vezes com frases, que no acabam de explicar o conceito (e nisto pecam todas sem excepo alguma, ou pelo tradutor no entender bem a lngua do original, ou por no saber melhor a sua materna, ou pode ser por um e outro motivo). Tm tambm os mesmos tradutores a habilidade de interpretar ridiculamente todos aqueles lugares que, por mais patticos e bem expressos, fazem a maior honra ao seu exemplar, pela introduo de um ou dous Mimos, e de uma chamada Lacaia, que no cessam de perturbar a aco principal mediante um chorrilho de equvocos inspidos e srdidos, de agudezas triviais e trocadilho de palavras. Estas as composies teatrais com que deitam a perder o bom gosto da Nao; estas as obras que sustentam um teatro em que no deviam aparecer mais do que os squilos, os Eurpedes e os Sfocles. Desta concisa anlise se deixa ver que a Tragdia que presentemente oferecemos ao pblico, no desmerece a glria de ser chamada a primeira entre ns, havendo sido trabalhada sem discrepar dos vestgios dos Mestres e Legisladores. Isto o que agora passaremos a individuar principiando pelo seu Argumento. Havendo Ergino Rei dos Orcomenos e inimigo dos Tebanos movido guerra a Creonte seu Rei, socorrido este por Hrcules, filho de Jpiter e Alcmena, ficou triunfante de seu adversrio, por cujo reconhecimento lhe deu por mulher a sua filha Mgara. Hrcules no cessando de prosseguir as suas faanhas, quis contar entre elas a de descer, como assim se acha expresso na Fbula, aos infernos para tirar deles a Teseu, que ali fora ter, alucinado por um imprudente desgnio; do que, irritado, Pluto o tinha recluso em uma das mais fortes e mais insuportveis masmorras daquele seu funestssimo Reino. O muito tempo, que a Hrcules foi preciso para trazer ao fim esta

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sua empresa, deu ocasio a que se entendesse que era morto. Lico, descendente de um Prncipe do mesmo nome, que tivera o governo de Tebas, emprendeu empunhar tambm aquele ceptro. No lhe faltaram por parciais alguns descontentes, mediante cujos ofcios subiu ao Trono. No se dando ainda assim por seguro, entendeu que no podia dar maior constncia sua fortuna e autoridade, do que obrigando a Mgara, que lhe desse a mo de esposa. Desesperado, porm, de conseguir este violento fim, dispsse a conden-la morte e a seus filhos, que igualmente o eram de Hrcules; mas, pela repentina e imprevista chegada deste heri a Tebas e pela morte do usurpador, ficaram vingados e livres Mgara e seus filhos. Esta a fbula do presente Drama, qual a achmos nos Autores, que no-la propuseram. Passemos agora a expender as razes do uso e mudanas que dela fizemos, e dos motivos e fundamentos que para isso nos persuadiram. No temos notcia de Autor algum que tragicamente tratasse este argumento; pois, ainda que fizeram dele algum uso Eurpedes, Sneca e D. Francisco Lopes de Zarate nos seus Hrcules furiosos, diferimos, porm, muito no modo com que ns, e estes referidos trs Autores, nos servimos do acontecimento que serve de assunto ao nosso Drama. Ns tratamo-lo como Aco principal, e eles o trataram como Episdio da aco das suas Tragdias. Isto pela anlise de cada uma que passamos a mostrar, do que se ficar conhecendo o que tomamos dos referidos Trgicos; menos do ltimo, em que no achmos espcie de que poder servir-nos. A Aco principal das Tragdias de Eurpedes e Sneca so, como assim o promete igualmente o ttulo de cada uma delas, os furores de Hrcules. No falamos aqui da irregularidade do ttulo, que Zarate imps sua, de que trataremos quando a analisarmos. Os Actores da Tragdia de Eurpedes so Anfitrio, Mgara, Lico, ris, uma Fria, um Mensageiro, Hrcules, Teseu e o Coro formado de Ancios de Tebas. Anfitrio o que faz, com a simplicidade to prpria de Eurpedes, a abertura do Teatro. Qual ser (diz ele) o que no conhece o filho de Alceu, o pai de Hrcules, o rival no menos que do mesmo Jpiter? Passa logo a referir, sumria mas nervosamente, a histria de Hrcules, Creonte e Lico. D depois a conhecer qual seja o lugar da cena: isto , o altar de Jpiter levantado por Hrcules entrada do seu Palcio em Tebas, aonde estava prostrado o mesmo Anfitrio com sua nora, e trs meninos filhos de Hrcules e seus netos. Acabado este monlogo, ambos se levantam, e ento se converte este Prlogo em Dilogo. Mgara d-se a conhecer, no j pela declarao do seu nome ou da sua genealogia, s sim comparando a sua pretrita fortuna com os seus males presentes. Anfitrio a consola e se lisonjeia a benefcio das suas esperanas, de ver trocada brevemente em dita a infelicidade. Cr aparecer-lhe um raio de esperana na tardana da morte, ao mesmo tempo que esta se representa horribilssima a Mgara. Esta triste e fnebre conversao acaba com a chegada do Coro, mdica relquia de seus amigos e parciais que, por no terem foras para os socorrer, concorrem a consolar estes desafortunados Prncipes. Apenas, porm, comeam a fazer este bom ofcio, aparece Lico que, insultando aos mesmos Prncipes, arrogante e insolente, procura saber deles em que tenham fundado as esperanas de prolongar a sua vida, alm daquele termo que ele lhes tem prescrito, e depois de desfigurar e desluzir as proezas de Hrcules, passa logo a expor-lhes os ocultos motivos da sua poltica vingana, referindo com clusulas igualmente duras que petulantes, que havendo dado a morte a Creonte, no quer assim mesmo deixar de tirar a vida queles que poderiam tentar ser seus vingadores. Aqui entra Anfitrio a justificar seu filho, o que faz com muita dignidade, ainda que a individual narrao das hercleas faanhas, quanto a ns, sofstica e pueril. Mais irritado com isto, o tirano parece chegado j ao ponto de fulminar os ltimos extremos

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da sua vingana; e, como no se atreve a tirar a famlia de Hrcules do sagrado que ela buscara por asilo, o manda cercar de lenha e pr-lhe o fogo. Quanto aos Ancios devotos dos interesses de anfitrio, Lico, que no os teme, se contenta em dizer-lhes: Que no sendo j Creonte seu Rei, se considerem eles agora na escravido de um novo senhor. O Como indignado do nome com que o tirano o insulta de seu escravo, e da crueldade com que trata aquela famlia desgraada, na mesma presena de Lico prorrompe em asperssimas injrias. Nada mais respiram que vinganas e desagravos estes honrados Ancios, e o seu mais vivo tormento reconhecer, mal correspondida das suas foras, a sua vontade. Mgara lhes rende as graas do seu bom afecto, no querendo, porm, que ele os ponha nos termos de sacrificarem os seus bens e o que mais a sua vida. Voltando-se depois a Anfitrio, o esfora a que, em sua companhia e de seus netos, receba intrpido o golpe, para que no perca algum a constncia vista de uma morte que, ainda que to injusta e to violenta, lhes mais gloriosa que uma vida conservada pela infmia. Anfitrio nada mais pede ao tirano do que ser ele a primeira vtima do seu rigor, por no ver morrer to cruelmente seus mseros netos, pedindo-lhe em vo socorro. Mgara lhe faz tambm duas splicas: que antes que morram aqueles inocentes, lhos deixe adornar com as funerais vestiduras, e que lhe permita, pela ltima vez, a entrada no Palcio de Hrcules, de onde ele to violenta e impiamente os havia lanado fora. Vem nisto o tirano, mandando abrir-lhe as portas do palcio, e se retira, dizendo no tardar em tornar ali para sacrific-los; resposta brbara sim, mas que quadra com os costumes dos Gregos. Mgara dando um profundo suspiro, faz entrar seus filhos no palcio de seu esposo, e Anfitrio termina a cena por gritos de ira e impacincia contra Jpiter, mas por um modo que no tem menos de ridculo do que de mpio, acusando aquela falsa divindade de haver sabido deludir to bem a Alcmena, e de mostrar-se insensvel, e esquecido ao reconhecimento e boa amizade que deve a seu esposo. Consiste o canto do Coro entre o primeiro e segundo Acto, em uma Ode aos trabalhos de Hrcules. No segundo Acto, aparecem na cena acompanhados de Anfitrio, Mgara e seus trs filhos vestidos de luto. Prorrompe aquela matrona nas mais patticas expresses, que podem caber na boca de uma enternecida me. Em um to crtico momento, aonde parecia dominar absolutamente a desesperao, aparece repentinamente Hrcules. Mgara, que a primeira que nele pe os olhos, passa de extremo a extremo, do mais rigoroso sentimento ao mais excessivo alvoroo. Manda-lhe sair seus filhos ao encontro, e que procurem tocar os vestidos de seu libertador. Esta cena, suposto o que tem precedido, est colocada na mais bela situao. Hrcules perguntando a causa desta to inopinada novidade, pela resposta, que alternativamente lhe d Mgara, fica inteirado da sedio e revoluo de Tebas a favor de Lico, da morte de Creonte, das consequncias deste tumulto e, da mais sensvel de todas, da extremidade a que se acha reduzida a sua famlia. O mais fino e mais belo desta cena a ignorncia de Hrcules, que ocultamente havia entrado em Tebas pelo mau pressgio que notara em uma ave, e que ele tornara por anncio de alguma iminente fatalidade. Tudo isto ministrou ao Poeta as mais elegantes, as mais valentes situaes. Cada circunstncia, cada palavra que Alcides ouve a sua esposa, um raio que o fere, que o abrasa. Colrico e ofendido no grau que pode imaginar-se tira impetuosamente da cabea a seus filhos as coroas e mais insgnias morturias, e nada lhe ocupa o corao, mais que procurar uma justa e proporcionada vingana de to sensveis e enormes agravos. Anfitrio o reporta, aconselhando-lhe que no se arrisque temerariamente, cometendo ele s uma multido to brutal, que no s pela extravagncia de seguir a novidade seno, e muito mais por terem a liberdade de lograr-se de uma vida licenciosa e depravada, abraara o partido do tirano. Deixa-se Hrcules levar dos prudentes avisos de seu pai e, para melhor vingar-se a seu salvo,

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esperando a Lico entram todos no palcio: com isto se conclui o Acto segundo; o Coro conforme o seu costume canta uma Ode. No terceiro Acto, sustentando sempre o seu carcter de tirano, aparece Lico e, vendo sair Anfitrio, lhe faz imperiosas instncias, para que ordene a Mgara e seus filhos de se entregarem voluntariamente morte a que esto condenados, e da qual os no podem salvar nem os homens, nem ainda os mesmos Deuses. O tempo que levam a paramentar-se funereamente as vtimas, o tem a sua ferocidade por excessivamente dilatado. Anfitrio passa, dissimuladamente, pelos excessos da sua petulncia e crueldade, para melhor o meter no lao. No podendo j suportar uma to larga tardana entra, sem saber o mal que o espera no palcio, Lico para dali tirar as vtimas. Anfitrio fica um instante na cena com o Coro, fazendo votos pelo bom xito da sua causa. Os Ancios se congratulam: a esperana e o temor tudo conduz para dispor a revoluo mas, apenas Anfitrio torna a entrar no palcio, se ouvem os gritos de Lico, e o Coro rompe em veementes cnticos de alegria. Neste meio tempo, aparece no ar com uma Fria a Deusa ris, Embaixatriz de Juno. Aqui entra Eurpedes no maravilhoso da fbula, e muda propriamente falando de argumento e de aco, porque a morte de Lico e a liberdade da famlia de Hrcules tudo parece estar concludo. Mas, como o Drama no tem chegado seno ao terceiro Acto, e posto que os dous que restam se liguem com os precedentes, o objecto muito outro. Juno sempre declarada e capital inimiga de Hrcules, no podendo lograr a sua sempre frustrada pretenso de destru-lo, nem pela sua entrada nos infernos, nem mediante a tirania e artifcios de Lico, entra no projecto de met-lo em um labirinto, em que, se no souber sair dele, lhe sair bem caro o jbilo e a glria de haver arrebatado das mos da morte sua mulher e seus filhos. Pertende, pois, Juno que Hrcules, o mesmo Hrcules, imole por suas mos aqueles amados filhos que acaba como de ressuscitar. A este fim, ordena ris a Fria que perturbe, at o ltimo extremo do furor, os sentidos de Hrcules. O que aqui h de muito singular que a Fria, movida de compaixo, repugna a ser instrumento de uma to enorme barbaridade, cometida contra um homem de tanta utilidade ao gnero humano. Constrangendo-a, porm, ris com as mais urgentes instncias, toma a Eumnide o Sol por testemunha de que fim obedece, porm muito a seu pesar, e entretanto que invisvel (a respeito de Hrcules) executa a ordem imposta, ris batendo as asas levanta o voo aos Cus. Os Ancios, testemunhas de um facto to pavoroso, se enchem de uma profundssima tristeza. Parece-lhes que esto ouvindo no palcio um desordenado rudo e vendo uma horrvel mortandade. Efectivamente, lhes vem dizer no quarto Acto um Mensageiro que, dominado Hrcules de um divino furor, havia dado com suas mos a morte a sua esposa e a seus filhos. A pintura desta narrao ainda contendo circunstncias pouco dignas ao nosso parecer da soberania do Coturno, vivssima e pattica. Abre-se de repente o palcio, vem-se portas quebradas, revoltadas e feitas pedaos as colunas, cadveres estendidos, o pavimento inundado de sangue, Hrcules atado e Anfitrio reduzido desesperao mais furiosa. O msero Pai, a quem a sua agitao no deixa ainda ver toda a gravidade de seus males, teme que Hrcules, que est como em um letargo, acorde e comece de novo uma cena to horrorosa. Ao mesmo tempo, torna Alcides em si, admirado de achar-se em uma tal situao deitado por terra, atado a uma coluna quebrada, o arco e aljava longe de si, e as frechas dispersas cada uma para sua parte, lhe parece haver descido segunda vez aos infernos. Desfaz-se Anfitrio em lgrimas, mostram-se os Ancios submergidos em abismos de dor. Hrcules lhes pergunta, surpreendido de ver tanto sentimento, a causa dele, e Anfitrio apontando com o dedo lhe mostra os cadveres de seus filhos e de sua esposa. Hrcules, vista de espectculo to funesto, fica como se acabasse de ser

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ferido com um raio, muito mais quando sabe haver sido ele mesmo o autor de catstrofe to horrvel. Acaba de reconhecer-se o facto por perguntas e respostas muito enrgicas e infinitamente naturais, sendo cada uma como seta que traspassa o corao de Hrcules, inteiramente instrudo da sua infelicidade. Horrorizado e penetrado de um altssimo arrependimento, no atina com expresso alguma que no seja funesta. No lhe faz horror o suicdio, e em si mesmo quer executar o que pouco antes em sua esposa e filhos havia efectuado. Indo a cumprir o seu intento, aparece Teseu. Aqui se acumulam penas a penas, ao seu furor o pejo e a confuso. Cobre o semblante com o vestido, e Teseu, que vem no conhecimento do facto por informaes, pelos objectos que se lhe propem e pelas lgrimas do Anfitrio, sentido infinitamente da infelicidade de seu amigo, procura aliviar, j por discursos adequados, j pelos testemunhos de uma to antiga e fiel amizade, o seu sentimento. Como generoso amigo se empenha em persuadi-lo que deixe, como por ceder ao rigor da lei, preciso deixar Tebas, e que partam para Atenas aonde o constituir em dignidade, de que no tenha queixa o decoro e merecimento de Alcides. Aceita Hrcules o oferecimento do seu amigo, persuadido que seria dar um sinal de cobardia, tirar-se a si mesmo a vida para se livrar dos trabalhos e infortnios que a acompanham; e depois de fazer grandes queixas dos rigores do seu destino, toma as suas armas e diz: Estas frechas pendentes dos meus ombros, incessantemente, me arguiram e redarguiram assim: Brbaro, ns fomos o instrumento dos teus furores; mediante os nossos tiros, foram mortos tua esposa e teus filhos. pena Eurpedes deslustre a beleza desta expresso, passando Hrcules a rogar a Teseu que o acompanhe at Argos, para entregar a Euristeu o Co Crbero que pela ordem daquele Prncipe havia tirado dos infernos. Acaba o quinto Acto por uma sentena que deve ser indubitavelmente a moralidade da Tragdia porque parece que nela tudo se acha posto em ordem para conduzir a soluo de Hrcules e de Teseu. Eis aqui a sentena: Infeliz aquele, que prefere no s as riquezas, mas ainda a mesma glria a um verdadeiro amigo! Passando agora a Hrcules Furioso, que corre debaixo do nome de Sneca, excepto na ordem, no mais no difere em rigor de Eurpedes. Juno, que quem no primeiro acto faz a abertura do Teatro, declama largamente em versos sim muito animados mas to faltos de realidade, como opulentos de elegncia. Ciosa aquela Deusa da glria de Alcides, emprende reduzi-lo a furioso at o extremo de matar sua esposa e seus filhos, depois de os haver tirado das mos de Lico, usurpador da Coroa de Tebas. Sneca, que no sabia discorrer natural e simplesmente, para exprimir a paixo e o intento de Juno, ostenta uma verbosidade inaturveI Tomando pois, Juno a sua resoluo avoca sua presena as Frias e todo o inferno com grande estrpito de palavras. Menos seria bastante para fazer perder e perturbar o Juzo ao homem mais prudente e circunspecto. Ainda Juno passa a mais: ela mesma quer conduzir a mo de Hrcules para aquelas indignas mortes, e fazendo-se autora de um delito que, pela sua fealdade, o desonre e o faa indigno de tomar assento entre os Semideuses. Segue-se um Coro esterilssimo, e que s fala por falar. Nada faz seno recitar um agregado de sentenas comuns pomposamente expressas. Entra Mgara no segundo Acto, declamando em versos belssimos, mas da natureza do ouropel, a sua m estrela. Nestas queixas entremete cousas bem estranhas. Tal , alm de muitos outros exemplos extraordinrios e monstruosos, a fbula de Anfitrio levantando ao som da sua lira os muros de Tebas. Tudo expressa com uma inchao alheia de todo o bom juzo; baste este exemplo para prova: Sa do centro da terra, amado esposo: rompei as sombras infernais e, se porventura achais o passo interdito fazei, para vos abrir caminho, o globo terrqueo em pedaos. Conduzi convosco luz do dia, quanto l se acha encarcerado na noite eterna. Trazei em vossa

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companhia a mesma morte, e tantos povos sepultados depois de tantas revolues de sculos nessa regio de trevas. Pode haver maior loucura? Vozes mais agigantadas? Crebro mais esquentado? No era muito melhor restringir-se imitao de Eurpedes, a uma simples deprecao, tal qual o entusiasmo da natureza adicta na conjuntura da aflio? Mas, muito do gosto de Sneca, antes forjar pensamentos frvolos e extravagantes, do que acomodar-se a discorrer singelamente. Mas, desta sua subtileza vem a tirar o fruto, que to falsos so os efeitos que produz no nimo, quanto os seus conceitos so ridculos e monstruosos. Nas cenas seguintes comea a haver tal qual aparncia dialogtica. Anfitrio consola a Mgara com a esperana de tornar Hrcules; mas, esta infeliz Princesa se mostra incrdula a que Hrcules, sepultado no centro da tenra, ache meios de abrir e aplainar caminho para tornar a ver a luz do dia. O bom velho, para meter-lhe nimo, lhe traz memria o largussimo catlogo das faanhas de Alcides, heri to incomparvel e to insigne que, dando costa um navio em que ele vinha embarcado, passou a vau todo o mar de Lbia. vista de Lico que vem chegando, fica interrompida esta breve prtica, ainda que Sneca d lugar a que Mgara recite aos circunstantes seis versos, que no significam mais, que Lico tirano usurpador do trono de Tebas. Lico, ele mesmo, faz um monlogo, em que por tal se pinta com expresses muito prprias e muito dignas de um Heri de tal carcter. Assenta em no haver direito para o ceptro, pertendendo ser a fora quem unicamente o d; que a segurana consiste nas armas; que qualquer outro meio uma debilssima coluna do trono; ainda assim, apesar de todas estas suas consideraes, quer sanear a sua intruso e tirania com as npcias de Mgara. Achando-se senhor de um to grande estado, parece-lhe impossvel que ela recuse o darlhe a mo de esposa, resoluto neste caso de vingar-se entregando morte a Mgara e seus filhos, e acabar de uma vez com toda a gerao de Alcides. Esta ideia pertence em prprio a Sneca, e muito bem imaginada, porque demais de achar-se o amor de Lico na verosimilhana, d uma bela oportunidade ao Poeta, e mais vivacidade e cor crueldade ao tirano, que em Eurpedes parece ter um motivo muito abjecto. Chega-se, enfim, Lico a Mgara junto do altar, para onde ela e seu sogro se haviam retirado. Ali lhe declara submissa e artificiosamente a sua inteno, e admirada a esposa de Hrcules da sua audcia, lhe responde com o mais vivo mais acre da indignao. Lico no se atreve a negar que ele, sim, havia violado as leis mais sagradas; no mesmo tempo, porm, emprende justificar a morte, que dera a Creonte pai de Mgara e a seus irmos; resposta indigna que d uma odiosa ideia de baixeza e cobardia do mesmo tirano. Conclui, enfim, o discurso dizendo que Mgara deve pr em esquecimento o passado e ceder ao vencedor; que este a escolhe e prefere no para cativa, mas para esposa a quem sincera e afectuosamente quer unir-se, e que, bem longe de picar-se dos seus desprezos, isso mesmo o move a fazer dela maior estimao e apreo. A resposta que lhe torna a viva de Hrcules a confirmao da sua execrao e do seu horror. Lico passa dos rendimentos aos ameaos, ela persiste em desprez-lo e insult-lo; ele passa a desfazer no nascimento e heroicidade de Alcides. Anfitrio toma a seu cargo a defensa destas duas imposturas. Esta contestao forte e bem lograda, mas a base em que se estriba, sendo fundada em factos cuja fbula faz ridculos, lhe tira todo o interesse. Verdade seja que Eurpedes foi o modelo que, nesta cena, seguiu e quis imitar Sneca; de um mau exemplar, porm, fez uma cpia pior. O certo que Hrcules no Trgico Latino igualmente muito bem atacado, que muito mal defendido. Irritado Lico chega ao mais excessivo da insolncia, ameaando a Mgara, que se no for bastante a ateno com que a solicita, o vir a ser muito a seu pesar a violncia, a quem dever satisfazer a sua paixo e deixar ao trono um sucessor de sangue mais esclarecido. Daqui somente se pode inferir que o autor deste Drama nada entendia, assim como em

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tudo o mais, no Captulo dos costumes e da decncia. Mgara, chegando aqui ao extremo da desesperao, atesta as sombras de Creonte, de dipo e de casa de Lbdaco ser ela a destinada a sacrificar um tal esposo como Lico. Este, passando de amante a furioso, manda cercar o altar de lenhos para ser neles consumido todo o resto da famlia de Hrcules. Anfitrio pede ser ele a primeira vtima, no esperando mais recurso do que em Hrcules, que ele chama e invoca com altos gritos. Acaba-se o Acto e o Coro canta, como seu ordinrio, uma Ode, belssima sim, mas que no tem aqui o seu prprio lugar. O terceiro Acto, em que Hrcules comea a deixar-se ver, tem tanto de ridculo, quanto de grande e de nobre a cena de Eurpedes que se quis imitar. Aparece pois Alcides acompanhado de Teseu, no j como heri e libertador da sua casa e famlia, mas como um declamador que, enfaticamente, vem ostentar faanhas incrveis, que nada dizem ao propsito. Repara, enfim, em sua casa cercada de soldadesca; chega-se e, por espadado e pela insgnia da clava, logo conhecido de Anfitrio. Quem h-de persuadir-se que fosse Eurpedes o exemplar que pertendeu imitar-se nesta cena? Se dele aparecem algumas pisadas, nestas palavras que profere Anfitrio: Creonte foi cruelissimamente morto; Lico est soberbamente reinante e a ponto de sacrificar vosso pai, vossa esposa e vossos filhos. Afectando Hrcules a mesma conciso, em lugar de mostrar-se surpreendido vista de um pattico espectculo, responde arrebatada e canonicamente: Que ele vai em busca do tirano para o matar, para que da sua parte leve novas a Pluto, de como j se acha outra vez sobre a face da terra. Parte dali como um raio, deixando com seu pai e sua esposa a Teseu que, para chegar ltima raia da extravagncia e loucura de estilo das novelas e cavalarias andantescas, a ambos consola com estas burlescas palavras Eu, que conheo Hrcules, vos afirmo que Lico ser sacrificado. Sacrificado? Est morrendo. Est morrendo? J est morto. O restante desta cena igualmente pueril, ridculo e insulso; e, verdadeiramente, chegando Hrcules, no se compadecendo das desgraas que perseguiram a triste famlia, partindo arrebatadamente, qual pode ser o colquio entre Anfitrio, Mgara e Teseu que possa satisfazer o nimo dos circunstantes? Nestes termos, tudo o que podem dizer h-de ser impertinente, mas pela matria passa a ser glido. Esquecem-se Anfitrio e Mgara facilmente do iminente perigo a que se tinham to prximos. Satisfeitos com a vinda de Hrcules, e sem lhes dever o menor cuidado a incerteza do sucesso contra o tirano, passam a informar-se de Teseu sobre a jornada de Hrcules ao inferno. Teseu prolixo relacionista, antes de entrar na narrao, afecta indiscretissimamente receio e horror, mas determinando-se, enfim, a satisfazer aquela to intempestiva curiosidade, faz uma descrio dos infernos mui prpria do Soco e improprssima do Coturno. Faz-lhe Anfitrio perguntas mui cmicas, e tais so as respostas que Teseu lhe torna. Depois de um largussimo circuito, descreve com uma imensa profuso o modo com que Hrcules amedrentou e aprisionou o Crbero, quando a Eurpedes havia sido bastante nesta parte como uma fbula conhecidssima dos antigos, muito poucas palavras. No reparou o Trgico Latino, que entrando aqui na declamao, vinha a deformar o lugar mais elegante do seu modelo. Para desvairar e adormecer os circunstantes, canta o Coro os louvores de Hrcules, alargando-se mais no trabalho de haver entrado e sado triunfante dos infernos. Aparece Hrcules, no quarto Acto, coberto do sangue de Lico e dos seus Satlites. O que primeiro lhe ocupa as atenes, oferecer sacrifcio aos Deuses por esta vitria. A todos dando-lhes, exceptuados os que devem a Juno a sua existncia, o nome de seus irmos os invoca. Para vtimas, pede manadas e rebanhos inteiros; para incenso, todos os aromas que produzem ndias e Arbias. Nem uma slaba sabe, ou pode Sneca pronunciar, que se acomode com a simplicidade e natureza. Depois de Teseu fazer pela

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mesma toada as suas invocaes, comea o sacrifcio: Hrcules, porm, surprendido de um horrvel vapor, se perturba de modo que tudo a seus olhos muda de figura. Parecelhe achar-se rodeado de sombras crassssimas, ter sua vista o leo celeste, aquele leo que ele domara e rendera nos bosques de Nemeia, e v-lo passear no Zodaco pelas casas dos signos do Outono e do Inverno, para ir devorar (astronmico e erudito desvairo!) o Touro, signo afecto Primavera. Esmorecido, Anfitrio inutilmente procura desalucinar seu filho, que cada vez tresvaria mais, deixando possuir-se de extravagantssimas fantasias, como querendo militar e regularmente levar o Cu escala. Ameaa a Juno de arrombar e deitar dentro as portas do mesmo Olimpo, se ela se obstina em t-las fechadas; ameaa a Jpiter de libertar Saturno; nomeia por seus colegas aos Gigantes, que ele quer capitanear. Enfim, esta a fanfarronada e o despropsito maior que jamais se ouviu nas casas dos orates. Que o anncio dos furores de Hrcules comeasse por uma loucura, assim o devia ser; mas loucura menos desatinada, loucura verosmil, mais decente, ou melhor ainda, no exp-lo deste modo aos olhos e censura do pblico, e escond-lo, como mais judiciosamente assim o havia feito Eurpedes. Continuam as extravagncias de Hrcules com tal excesso, que chegam enfim s mais funestas consequncias pois, reputando Mgara por Juno, e por filhos de Lico seus filhos, levado desta imaginao intenta sacrific-los. V-se ento aquela desgraada Princesa fugindo com seus filhos, desta para aquela parte, para evitar a morte e, no mesmo tempo, Hrcules aparecendo, desaparecendo e dando as mesmas voltas para os haver s mos. Aqui morre a esposa, ali os filhos e, cansado o Heri, cai em um profundo letargo como na tragdia Grega, e acaba o Acto. Cessando desta sorte a agitao do Teatro e o horror que devia causar ao auditrio uma cena to sanguinolenta, canta e chora o Coro aquelas to mal dadas motes cru expresses to alheias do juzo, que podem competir com a loucura e desvairos de Alcides. Confessamos, porm, que um espectculo to horroroso, e lamentvel, no podia deixar de fazer uma grande impresso, e mover o terror e a compaixo; mas, no mesmo tempo, somos de parecer que se deve usar moderadamente e, com cautela, de semelhantes situaes, porque no admitem meio, ou excitam lgrimas, ou provocam riso. Abre, enfim, os olhos Hrcules no quinto Acto, e as particularidades do modo com que acorda, so com pouco notvel diferena as mesmas de Eurpedes: isto , com muita naturalidade, e talvez com algumas belezas mais que no original. V o Heri os cadveres de sua esposa, e de seus filhos. Que dolorosa vista para o corao de um Pai! Vaga por uma e outra parte em busca do agressor de to indignas mortes. Enfim, d com seu Pai e com Teseu que, com os semblantes cobertos, amargamente choram. Aqui sobe de ponto o seu pasmo, e por mais que queira falar, no atina com palavra alguma. Ora faz perguntas ao aflito Pai, ora faz perguntas ao triste amigo. As respostas que se lhe do, parecem como proferidas pela boca da mesma dor, equvocas, e com termos interrompidos. Repara, enfim, em uma das suas frechas tinta no sangue dos desgraados filhos. Esta vista, e as lgrimas de Anfitrio e Teseu, o fazem vir no conhecimento de todo o facto. O seu arrependimento pode passar por um segundo furor. Implora os raios de Jpiter, quer substituir no Cucaso o lugar de Prometeu, quer ver-se entre os rochedos das errantes Ilhas Cineas, para ficar, quando choque uma com outra, feito pedaos e, enfim, continuando sempre com este esprito, isto , juntando a rasgos sublimes muitas frialdades e ridicularias, determina queimar-se vivo. Faz horribilssimas invocaes ao rebo, s Frias e a quanto h de mais pavoroso nos Infernos, quer queimar as suas frechas e a sua clava, e s mos de Juno, que to funestamente o haviam abusado e dirigido os seus golpes. Pede as suas armas para matar-se. Procuram Anfitrio e Teseu dissuadi-lo destes intentos, mas deliberado Hrcules a dar-se absolutamente a morte, no lhes d ouvidos.

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Todo entregue fria e desesperao, ameaa despovoar dos seus arvoredos o Parnaso e Citron, para construir a sua pira, de derribar, para os deitar sobre si, no somente os templos com os seus Deuses, mas toda Tebas, para assim jazerem em um digno tmulo as suas cinzas; que se ainda no bastante com os seus muros, fortificaes, torres e com as suas sete portas esta Cidade para oprimir as suas relquias, quebrar, para que elas fiquem bem sepultadas, em duas partes o eixo do mundo. Que delrios! Um crebro nimiamente esquentado pode s lembrar-se de tantas e semelhantes extravagncias. Desesperado Anfitrio de reduzir seu filho, toma para passar-se o peito uma daquelas frechas com que foram mortos seus netos. A esta vista, apela Teseu para todas as expresses que podem inspirar o horror e o medo, mas nada vale com Alcides. Anfitrio, suposto o nenhum efeito dos seus rogos e ameaos, vai j ultimamente a matar-se, se seu filho no desiste do que intenta; e, com efeito, consegue venc-lo, ainda que com muito custo e muito a pesar de Hrcules. No sabe este aonde v esconder-se da vista dos homens e da luz da rua, de que se tem por indigno. Finalmente, por fechar a Tragdia ao modo de crculo, no mesmo ponto em que comeara (isto , to ridiculamente no fim, como no princpio), Sneca faz invocar a Hrcules geograficamente pelos seus nomes, a todos os rios para a abluo do seu delito, e para ocult-lo a todas as partes do mundo, ainda as mais remotas, brbaras, e desconhecidas. Corta-lhe Teseu a palavra, oferecendo-lhe Atenas para seu asilo. Aceitando-o Hrcules, se termina o Drama. No nos detemos por ora em notar as belezas e os defeitos de uma e outra Tragdia, da Grega e da Latina; unicamente contentar-nos-emos observando com Castelvetro, Menagio e outros Crticos que em ambas elas falta a unidade de Aco, havendo, tanto em Eurpedes como em Sneca, duas Aces principais, uma vingando Hrcules com a morte de Lico tirano de Tebas, a opresso de Mgara e de seus filhos; e outra, matando-a e matando-os a efeitos do seu furor. Passemos, finalmente, a examinar a Tragdia Castelhana de D. Francisco Lopes de Zarate, impressa no ano de 1651. O ttulo que Zarate imps sua tragdia indica o seu pouco ou nenhum conhecimento das verdadeiras regras do Teatro. Ei-lo aqui: El Hrcules forente, y Oeta. Acima notamos de faltas de unidade e de duplicadas as aces principais das Tragdias de Eurpedes e de Sneca; Zarate pecou muito mais enormemente, triplicando estas aces no seu Drama, que inculca a morte de Lico, os furores de Hrcules e a sua morte no monte Oeta. Os dous Hrcules de Sneca, o Furioso e o Eteo, serviram de modelo a Zarate; mas cousa bem notvel que de duas aces to distintas, acontecidas em diversos lugares e tempos, se metesse o Poeta Espanhol a fazer uma mesma tragdia. Bem d a entender que ignorava que a unidade do Heri jamais conduz para a unidade da Aco, e que havendo mais de uma em um Drama, se segue que no haja uma s que no dependa da principal, como membro ou parte. Disse Aristteles judiciosamente no cap. VI da sua Potica, ser mais fcil a felicidade dos versos e do estilo, que o corpo de um Poema, do que na alma, que a sua estrutura. Esta verdade no pode ser mais palpvel do que na Tragdia referida. , sem dvida, de um estilo sentencioso, nobre e algumas vezes sublime, e eis aqui todas as suas belezas, todo o seu merecimento. Saindo daqui, no h regra que neste Drama se no ache atropelada. Reina na sua fbula, que de uma prodigiosssima grandeza e superabundante em incidentes, uma tal confuso, que nem com grande trabalho e aplicao pode perceber-se. Donde se infere muito bem a impossibilidade da observncia da exaco, das unidades, e de outros princpios a que se est faltando a cada passo. A vingana que Hrcules tomou de Lico, e o seu furor inspirado por Juno para matar sua Esposa e seus filhos, tudo teve por Cena a Cidade de Tebas na Becia,

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mas dos funestos efeitos dos cimes de Dejanira foi testemunha a Tesslia, pas que compreende o monte Oeta. Querer logo unir lugares to distantes, em que passaram acontecimentos to distintos e em pocas to notavelmente diferentes, o mesmo que atropelar a verosimilhana, e pecar contra as trs unidades de Aco, lugar e tempo. Zarate no se achava to destitudo de estudos e de engenho, para deixar de conhecer o defeito em que havia incorrido; pareceu-lhe, porm, que acorria a compor esta dificuldade, atribuindo a Tebas da Tesslia as particularidades da Tebas de Becia. Como seja, porm, to vulgar conduzir um erro para ser degrau de outro maior, confunde o Trgico Espanhol as mesmas duas Cidades, que nada entre si tinham de comum mais do que o nome, com a Tebas do Egipto, pondo na boca de Dejanira, respeitando a Tebas de Tesslia, estas palavras: Tebas ptria de Alcides Com muro de cien puertas adornada. De modo que sendo Hrcules nascido na Tebas de Becia, no s atribui Zarate aquela prerrogativa a Tebas de Tesslia mas ainda a esta as cem portas da Tebas do Egipto, circunstncia que nem podia convir a uma, nem a outra, porque quem ignora que a Tebas de Becia, a que ali se atribuem as cem portas, se chamava Heptapilon, por considerao das suas sete portas? Zarate, por paliar defeitos to crassos e conservar ao menos aparentemente as unidades de lugar e tempo, quando Hrcules determina partir para tornar a Tebas do monte Oeta, em que se gasta o mais da Cena, lhe faz dizer: A Tebas voy, no es grande la distancia. Mas que ridculo meio este para apoiar esta sua pretenso! No estranhamos querer aproximar os lugares, quando de outro modo fica sendo impossvel conservar a aparncia da unidade. Mas, para isto, tambm necessrio que os lugares no sejam to conhecidamente distantes do Auditrio, que este conhea se pertende alucin-lo. Zarate, sim, por este meio vem a conservar rigorosamente a unidade do lugar, dando somente (por servirmo-nos dos termos de Escalgero) uma convulso regra, sem fazer-lhe levantar escuma. Mas poder lisonjear-se de iludir aos circunstantes merecer assim a sua aprovao? Como poderia persuadir a quem soubesse que, sendo a de Becia a Tebas em que nasceu Hrcules, fosse a distncia que mediasse entre a mesma povoao e o monte Oeta, situado em Tesslia de to breves momentos? Como poderia persuadir a quem soubesse, que Hrcules dera a morte a Mgara e a seus filhos depois de haver sacrificado Lico sua justa vingana, factos todos acontecidos na Becia, que o mesmo Hrcules morreu na Tesslia, e que sendo isto aces sucedidas em to diversos lugares e remotos, em tempos to diferentes, concorrem os Actores em um mesmo dia, ao mesmo lugar? Como se persuadiu Zarate a que poderia violentar a imaginao dos circundantes de tal sorte, que lhes fizesse crer uma cousa cuja falsidade era manifesta, e eles a conheciam? J no falamos de querer dar a Tebas de Tesslia as cem portas da Tebas do Egipto; tambm no entramos no exame de ser ou no ser breve a distncia do monte Oeta a Tebas; no reparamos assim mesmo nos repetidos partes de que a cada passo est viciosamente abundando este Drama, no s porque at se nota este defeito, que tanto desfigura a verosimilhana nos Trgicos Gregos e Latinos, mas porque presentemente se est vendo praticado nos Franceses, Ingleses e Italianos. Desta anlise pode concluir-se, que a Tragdia Castelhana est repleta de defeitos e que, por consequncia, no nos podia ser til, pelo que unicamente nos contentmos

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com l-la, por no deixar de fazer diligncia alguma das que podiam de algum modo conduzir para a nossa instruo e para o maior acerto da nossa Tragdia. Tempo j de passarmos ao seu exame, e satisfazer ao pblico do que para a sua perfeio aproveitamos de Eurpedes e de Sneca, e dos fundamentos que nos moveram a mudar no s a fbula, mas ainda a mesma catstrofe. Demos o ttulo de Mgara ao nosso Drama por ser ela, segundo a constituio do nosso argumento, a pessoa principal. Quisemos antes que fosse Creonte Actor nesta representao, do que Anfitrio, e isto, alm de outras, pelas seguintes razes. Primeira: por este morrer na guerra feita por Hrcules ao Tirano Ergino, a fim de libertar a sua ptria do tributo que ele dela exibia, motivo porque o mesmo Creonte lhe deu para esposa sua mesma filha Mgara. Segunda: por parecer-nos que atentos nossos costumes, todo o Drama em que Hrcules deve accionar, Anfitrio no pode deixar de fazer um triste papel, porque cada vez que desse o nome de filho, quem deixaria de lembrar-se da cmica ocasio que abriu caminho ao nascimento daquele Heri. necessrio confessar que antes traduzimos do que imitamos o segundo Acto de Eurpedes, e isto por nos persuadirmos que no podamos imitar melhor a natureza e, consequentemente, fazer cousa mais avantajada. Quanto a Lico, servimo-nos do carcter caviloso que Sneca lhe d: imitamos do referido Autor o artifcio com que mesmo intruso pretende corar a sua ambio e tirania, e lhe atribumos os mesmos motivos para procurar a mo de Mgara. Se atendemos Histria, Hrcules o que mata Lico; ao contrrio, no nosso Drama, Mgara quem lhe tira a vida a punhaladas. Como podem no faltar rigoristas que condenem esta mudana e liberdade, alegando-nos no ser lcito conviciar e adulterar a verdade da Histria, passaremos a justificar-nos, no s com a doutrina terica de Aristteles, mas com a autoridade daqueles Trgicos que melhor se distinguiram na Trgica Poesia. Aristteles no cap. IX da sua Potica estabelece por princpio: No ser prprio do Poeta expressar as cousas como realmente sucederam, s sim como elas, ou necessria, ou verosimilmente poderiam, ou deveriam acontecer... Difere o Historiador do Poeta, em que o primeiro narra os factos como aconteceram; o segundo como eles podiam, ou deviam acontecer. O Historiador (diz Dacier) no senhor do seu assunto, nada mais refere do que sabe, nem outra alguma cousa se quer saber dele, contanto que se encoste fiel e religiosamente verdade. No assim o Poeta, que dono absoluto do que escreve; por isso, o plo dos eixos dos seus Poemas so necessidade e verosimilhana, isto , tudo o que narra, ou pode, ou devia acontecer assim como ele o diz. Se talvez nesta ou naquela ocasio deita mo da Histria, isto s no caso em que a Histria no vai contra os seus intentos, antes os favorece e adianta, tratando os factos do modo que ele os poderia fingir; no sendo assim, muda o Poeta todas aquelas espcies que no fazem a seu propsito. A Poesia (continua Aristteles) fala genericamente e a Histria particularmente. Uma cousa geral a que este, ou aquele homem de um tal ou qual carcter diria, ou executaria verosmil ou necessariamente. Este mesmo o fim da Poesia, ainda quando impem os nomes aos seus Actores. Uma Causa particular , por exemplo, o que Alcibades ou fez, ou suportou. De facto, a sujeitar-se um Poeta narrao dos factos do modo que eles se passaram, no poderia ter verdadeiramente (acrescenta Dacier) sua aco a necessria extenso: no teria aquele princpio, meio e fim requerido por Aristteles na mesma aco e, o que mais , ignorando o Poeta todos os motivos e causas dos incidentes que deviam concorrer para a sua construo (por estar sucedendo a cada passo uma infinidade de factos cujas causas se ignoram, principalmente se eles respeitam aos soberanos, matria dos argumentos privativos da Tragdia) no poderia por consequncia dar aquela dependncia e conexo adequada entre uns e outros, aos

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seus incidentes, sendo os primeiros causas e premissas dos seguintes. Como, pois, o Poeta tenha obrigao de explicar todas as causas dos incidentes de que se organiza a composio do seu argumento, logo muito muito que seja senhor livre da matria que trata, no se pertendendo que ele diga as cousas como so, s sim como podiam ou deviam ser, contanto que ele no perca de vista o verosmil ou o necessrio, nada mais se deve esperar ou pertender. Se Aristteles permite que, inventado um argumento, nos sirvamos de verdadeiros nomes, atribuindo a Aquiles, a Agammnon, a Ulisses, a Teseu & C. uma aco que eles nunca emprenderam, e menos executaram, com muito maior fundamento podem mudar-se tais ou quais circunstncias na vida das pessoas introduzidas nos Poemas porque, quando o Autor de uma Tragdia ou de um Poema pico impem os nomes aos seus Actores, no lhe vem ao pensamento faz-los falar verdadeiramente, s sim dentro dos termos, ou da necessidade, ou da verosimilhana, seguindo os lances em que eles se virem, ou segundo o carcter particular que se lhes houver assinado: isto , o Poeta lhes faz dizer ou obrar o que qualquer pessoa de semelhante humor ou carcter devia obrar, ou dizer em uma igual conjuntura, ou instigado da necessidade, ou ao menos da verosimilhana. A este modo, quando Homero descreve as aces de Aquiles, no era o seu desgnio escrever nica e particularmente de um homem que tinha aquele mesmo nome, seno fazer-nos uma viva representao do que a violncia e a clera podem inspirar a todos os homens de semelhante carcter; assim vem a ser na Ilada Aquiles uma pessoa universal, geral e alegrica. O mesmo pode dizer-se dos Heris na Tragdia porque, quando um Poeta Trgico deduz de uma verdadeira Histria o argumento do seu Drama, este argumento fica sendo como todos os outros, que nada tem de verdadeiro, geral, universal e alegrico. Quando o Trgico se serve de nomes verdadeiros, isto no obsta para que fique destruda a fico, fundamento igualmente que do pico, do Poema Dramtico. Uma das razes que apoia esta verdade vem a ser: que tudo que pode ser crvel. Quer o Poeta, atribuindo-a a um Heri conhecido, persuadir esta ou aquela aco verdadeira; com facilidade o circunstante se acomoda ento a crer, que no menos verdadeira a Aco, do que o nome do Heri a quem ela se atribui. Outra comodidade tm os Poetas na introduo dos verdadeiros nomes; vem a ser, darem-lhes ocasio de servir-se de factos verdadeiros e conhecidos das mesmas pessoas de que, oportuna e engenhosamente, pode acomodar-se a Fbula de que questo, extraindo deles episdios to convenientes e judiciosos, que s sirvam de maior elegncia e ornato do Drama; seno que faam a sua fingida aco muito mais verosmil, dando-lhe assim entrada nas verdades da Histria. Desta indstria se valeram optimamente Homero e muitos Poetas Trgicos da Grcia. Temendo Aristteles, que por haver preferido a sentena que acima deixmos transcrita, que empregando os Trgicos nomes j conhecidos se poderia argumentar que era uma necessidade indispensvel assinar, por Actores da Fbula da Tragdia, Heris verdadeiros, no se descuidou de advertir: Que no poucas vezes sucede contentar-se a Tragdia de um ou dous nomes conhecidos sendo os outros inventados. Com efeito, (anota aqui Dacier) um ou dous nomes conhecidos muito bem bastam para fazer lugar a todos os outros, e para que estes se no estranhem. No pra aqui a doutrina de Aristteles: passa a demonstrar pelo exemplo de gaton que vivia no tempo de upolis e de Aristfanes, que a liberdade de um Trgico se estende inveno dos nomes e dos factos. No referido Drama de gaton, intitulado a Flor, nenhum nome havia verdadeiro, e todas as partes da Fbula eram da inveno do Poeta, sem haver nela incidente tomado de um argumento j conhecido. , pois, o Poeta muito Senhor de variar e alterar os factos de um argumento, ainda realmente tomado em Fbulas recebidas e notrias, pelo que Aristteles diz que aquilo

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que conhecido, o de poucas pessoas; e Dacier acrescenta que, se para deleitar no houvesse outros argumentos mais do que os conhecidos, verdadeiramente no deleitariam mais do que a um nmero bem pequeno de circunstantes, isto , aqueles que se achassem mais bem instrudos, principalmente na Histria, de que so tirados os mesmos argumentos; quando, porm, vemos, pelo contrrio, que as boas Tragdias Gregas, Latinas, Francesas e Inglesas no atraem menos as atenes, no dizemos s dos eruditos, mas ainda das gentes mais destitudas de erudio, e que nem ao menos conhecem os nomes dos Actores. logo evidente (conclui afirmativamente Aristteles), que os Poetas devem ser mais senhores da construo do argumento, que da mesma composio dos versos. E, de facto, o primeiro cuidado de um Poeta abrir os alicerces da Fbula, que primeira vista se inclui geral e universal, e a vem depois a singularizar pela imposio dos nomes dos Actores; e se os Actores conhecidos lhe ministram este ou aquele troo de Histria, o Trgico procura acomod-lo a seu propsito, deduzindo dela algum episdio. O que a Tragdia e o Poema pico tm de principal, (prossegue Dacier) a Fbula ou composio das cousas; e, sendo isto inteiramente da inveno do Poeta, isto mesmo o que lhe d o jus de um tal nome, que propriamente significa inventor. Logo, bem pode dizer-se que mais senhor do argumento que da composio dos versos. Nestes, no pode mudar a medio prescrita pelas leis da Poesia; no argumento, pelo contrrio, tem ele uma inteira liberdade, contanto que tenha sempre presentes o verosmil e o necessrio. Jamais pode a verdade do facto destruir a natureza da Fbula. A uma razo to concludente ditada pela mesma natureza do argumento, pudera acrescentar outra Aristteles, que a nosso parecer solidssima, e vemiu a ser: que a verdade do ponto histrico, que se emprende tratar, de nenhum modo exclui o artifcio do Poeta cujo primeiro instituto dispor o seu argumento, e traar de modo o seu plano, que sempre fique sendo a Fbula a alma do Poema. Esta economia, esta justa laada de factos, que propriamente constituem o Drama, e isto mesmo o que no se faz menos difcil nos argumentos verdadeiros que nos fingidos. Ainda que depois das razes expendidas nos parea, suposta a sua fora e autoridade, no ser necessrio produzir outras de novo, ao mesmo tempo para remover todo o escrpulo nesta matria, transcreveremos a opinio do Abade dAubignac cuja obra pelo que diz respeito s regras e prtica do Teatro, passa por um livro clssico, e que por to judicioso no cede o lugar mais que Potica de Aristteles. Questiona-se (diz este ilustre Autor)1 at onde permitido ao Poeta mudar uma Histria que ele quer pr no Teatro? No faltam (continua o referido Abade) exemplos e resolues sobre este ponto igualmente antigos que modernos. Quanto a mim, sou de parecer que o Poeta no s pode alterar a histria nas circunstncias, mas ainda na aco principal, contanto que o Poema seja plausvel; porque como no se acomoda ao tempo, por no ser cronolgico, tambm no ser aderente verdade, como os professores da Epopeia, por ambos no serem Historiadores. Tomam da Histria o que mais faz ao seu intento, e dela mudam o que no lhes convm para organizar o seu Poema; e, verdadeiramente, que seria bem ridculo ir buscar ao Teatro lies de Histria. No representa a Cena os factos como foram, s sim como deveriam ou poderiam ser. Deve o Poeta rectificar no argumento tudo o que discrepar das regras da Arte, como o executa o Pintor, que copia um modelo defeituoso. O Historiador simplesmente deve referir o sucedido; se se mete a Juiz, transgressor das leis da sua profisso. A Epopeia, mediante grandes fices em que deixa como abismada a verdade, faz muito mais avultados os sucessos, e o Teatro tudo
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V. A Prtica do Teatro.

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deve repor no estado da verosimilhana e do deleite. Muita verdade seja, que se na Histria so admissveis todos os ornamentos da Poesia Dramtica, igualmente lhe deve o Poeta conservar todas as belezas da verdade; se, porm, o no pode conseguir, tem jurisdio de fazer ceder toda a severidade da Histria, ao projecto de fazer quanto mais possa brilhantes os seus Dramas. Para provar a opinio contrria muitos trazem estes versos de Horcio. Ou seguir deves a corrente fama, Ou fingir cousas, que entre si convenham. Se acaso torna Cena o honrado Aquiles, Seja irado, incansvel, surdo a rogos, Desprezador das leis, e que a Justia Toda espere das armas. Inflexvel Feroz seja Medeia, Ino chorosa, Seja prfido Ixon, Io errante, E das frias Orestes agitado.2 Horcio porm neste lugar nem por sombras fala do argumento, s sim dos costumes, advertindo-nos, como egregiamente assim o adnotou Vossio na sua Potica3 que seria absurdo dar aos Actores principais, costumes dissimilhantes a si mesmos, ou inteiramente diversos daqueles que tm na opinio geral da Histria. Por este princpio, pecaria quem, por exemplo, caracterizasse a Csar por um pusilnime, Aquiles por pacfico, Ulisses por um imprudente, e a este modo invertesse o carcter de outros muitos Heris contra a comum opinio da Histria. Eis aqui como alegaes falsas, aplicadas diametralmente ao contrrio dos sentidos dos mesmos Autores, abusam e alucinam o entendimento. No pertendemos dizer, porm, que uma Histria conhecida, ou por ser recente, ou por andar de todos os tempos na boca do vulgo, possa admitir muitas inovaes e mudanas sem grandes cautelas. Nestes casos, aconselhara ao Poeta (continua o Abade dAubignac) no deitar mo de argumentos que trazem consigo semelhante embarao, antes do que fazer um mau Poema, no violando a verdade da Histria a que o Poeta no est obrigado, ou a haver de tomar semelhante empresa de proceder com uma tal prudncia e destreza que por nenhum princpio escandalize, ou ofenda a opinio popular. Se se penetra bem o sentido de Aristteles (vai ainda continuando o dito Abade), facilmente se conhecer no ser ele contrrio a esta opinio, e que os mesmos antigos sempre a puseram em prtica. Para confirmao desta Verdade, observe-se que no foi tratado pelos Trgicos ponto de Histria, sem alguma variedade notvel. Vamos a prov-lo como exemplos. Os sucessos da morte de Polidoro so muito diferentes, confrontados Eurpedes e Virglio. Homero na sua Ilada diz que este Prncipe fora morto por Aquiles. Sobre as particularidades da morte de Caco, variam muito Virglio, Ovdio e Dante. squilo precipita mediante um raio a Prometeu vivo nos infernos, e lhe anunciado por Mercrio, que ali ser despedaado, e devorado por uma guia o seu corao, sem que este tormento haja de consumi-lo jamais, e com isto no tem correlao alguma a Fbula vulgarmente recebida. Em Sfocles, morrem Emon e Antgona; Eurpedes, porm, os ata com os vnculos do Himeneu, muito ao contrrio do que o mesmo trgico havia feito nas Fencias. No dipo de Sofcles, se mata Jocasta a si mesma ao rigor de um lao; e em Eurpedes, ainda tem vida ao tempo do combate de Etocles e Polinices, e tirando-se a si mesma com um punhal a vida, cai morta sobre o
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Na verso do M. R. P. Francisco Jos Freire. Potica, L. I, cap. 5.

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corpo de seus filhos. No dipo de Sneca, logo que o Heri daquela Tragdia se tira a si mesmo os olhos, se mata Jocasta que na Tebaida do mesmo Sneca sobrevive a seus filhos Etocles e Polinices. Entre os mesmos Poetas trgicos se acham em contradio Orestes e Electra, em muitas circunstncias de consequncia. Uns fazem Orestes ainda menino, quando morre Agammnon voltando da guerra de Tria a sua casa, s mos de sua mulher Clitemnestra. Outros, dizem que j esta havia sido morta por seu filho Orestes, quando Menelau seu tio chegou, tornando da mesma guerra sua casa; e j se v que no podem concordar duas sentenas entre si to repugnantes: porque ou era ao mesmo tempo Orestes menino e velho, ou Menelau no chegou Grcia seno passados muitos anos depois de Agammnon. Em uma palavra, os quatro trgicos que nos ficaram da Antiguidade, todos diferem em umas mesmas histrias que puseram no Teatro. Examinadas uma e outra Electra, a de Eurpedes, a de Sfocles e as Coforas de squilo, assaz fica demonstrada incontestavelmente esta verdade.4 Alm de que, a lio dos antigos prova superabundantemente serem os Poetas pouco escrupulosos da observncia da verdade da Histria. Historiadores h que fazem a apologia de Dido e de Medeia, afirmando haver sido a primeira casta, e a segunda inocente; que escrevem que Penlope foi repreensvel, violando a fidelidade conjugal durante a ausncia de Ulisses, que por este motivo a repudiou.5 Alguns Historiadores afirmam, que Clepatra no r de outra culpa mais do que ser apaixonadamente querida do maior homem do seu sculo.6 Virglio, porm, pouco reparo fez em fazer de Dido uma mulher fcil. Eurpedes e Sneca no recearam fazer Medeia uma atroz filicida. opinio comum deve Penlope a glria de passar por modelo de uma mulher casta 7, Cornlio Nepote, e outros contemporneos de Augusto e consequentemente suspeitosos de adulao, nos pintam Clepatra como uma prfida, uma prostituta. Sfocles no seu jax pretende que entrado nos seus furores este Prncipe, vendo-se julgado pelos Capites da Grcia inferior a Ulisses na contenda de qual era mais digno das armas de Aquiles, se matou pelas prprias mos. Ovdio, porm, faz unicamente meno da sua clera; outros dizem, que Pris foi homicida de jax, e outros que, pela opinio que corria de ser invulnervel este heri, foi por unia multido de troianos sufocado num atoleiro.8
Na Hcuba de Eurpedes, sacrificada em Trcia, e na Trade sobre o tmulo de Aquiles em Tria; Fedra se tira avida com um punhal no Hiplito de Sneca, e na mesma tragdia de Eurpedes com um lado. 5 Veja-se Lcofron, Isac Tzetzes, seu intrprete, Ariost., C. 34. Estan 27. Horcio. L. 2. sat.5 Ovdio Amor, L. 1, c.8. Proprcio, L. 3 Pausnias, L. 8. Gregrio Giraldo, Plutarco, e Herdoto. 6 Estescoro ap. Dion. Declam. II. Eurpedes na sua Helena, e a Electra; Aristides no seu discurso da Retrica. Filstrato na vida de Apolon, L.4 e 7. Lcofron na Alexandra, e Isac Tzetzes seu ilustrador. Plato L. 31. Herdoto L. 2. Iscrates nos ecom. de Helena; Homero na Ilada, e Ulisseia. Darete Historiador de Tria; Dites Historiador de Cndia; Duri Smio; Coluto Tebano; Trifiodoro; Quinto Esmrneo; Natal Conti na Mitologia L. 6 cap. 23. Jacob Mazoni Diffens. Di Dante, L. 3 cap. 7 se contrariam todos, sustentando uns que Helena fota levada a Tria: outros ser fabulosa esta opinio. 7 Natal Conti Mitol. L.8 cap. 24; Mazoni, L.3 cap 13. Dempster Antiq. Rom. L. 3 cap. paralip.; Francisco Fernandes Didasc. Cap. 46 seguem este parecer. 8 Sfocles na sua tragdia de jax; Q. Esmrneo L. 5; Ovid. Met. 13; Pausnias L. 1; Higino fab. 107.242; Joo Zeze, chil. 3 cap.76; Filostrato no Ajax; Horcio, sat.3, L .2 concordam em dizer que jax se matara a si mesmo. Dites, L. 4 e Q. Esmrneo, L. 1 asseveram que s mos de Aqui/es fora morta. Pentesleia e Darete que s de Neotlemo. Este Autor de que Pris fora morto por jax. Apolodoro , L. 3; Quint. Esmrneo, L. 10 e Dites, L.4 afirmam, que a rigor das frechas de Filoctetes perdera a vida. Conforme Dites L. 3 e Homero na Ilada, morreu, Sarpedo s mos de Ptrocolo, e conforme Darete s de Palamedes Este Autor diz que Pris matou Palamedes; e aquele, que foram Ulisses e Diomedes, que lhe deram a morte. Darete, Q. Esmrneo, L. 1, Higino fb. 113, Ovd. met. L .2 dizem que Heitor matara Protesilau; e Dites diz ao contrrio, que seria Eneias. Pudramos citar maior nmero de contrariedades entre os Historiadores e Poetas em pontos de grandssima consequncia; mas para no sermos mais
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Ao dito acrescentaremos ainda a autoridade do P. le Bossu, cujo magistrio nas leis da Poesia pica no haver quem no mundo literrio se atreva a controvert-lo. Este, sem a menor sombra de questo, grande Autor, para demonstrar ser o Poeta despoticamente dono muito sua fantasia do argumento do seu Poema, expressamente diz, que deve depois de composta a sua aco que h-de ter disposta geral, buscar j na Histria, j na Fbula, nomes conhecidos de pessoas a quem hajam acontecido, ou real ou verosimilmente, factos da natureza, com que ele pertende fazer aparecer os seus heris, referindo-os debaixo dos mesmos nomes, porque assim, verdadeiramente, a vir a fingir e inventar. Que logo deve comear a dispor a sua aco geral, porque o fim do Poeta, seja na composio da Tragdia, seja da Epopeia, deve respeitar, geral e particularmente falando, a instruo moral de todo o gnero de pessoas. Deve dirigi-la debaixo de nomes conhecidos, porque havendo aces conhecidas, e atribudas as estas pessoas, muito judiciosa e oportunamente se lhes podem acomodar para servir no grosso da Fbula, concorrendo para o ornato dos episdios, e para todas as mais vantagens possveis, segundo as regras da Arte. Deste modo, a aco fingida se faz muito mais verosmil, e pode confundir-se com a verdade histrica. para notar, diz ainda o Padre le Bossu, que para pintar os factos mais verosmeis, e persuadir a sua possibilidade como j sucedida, no determina Aristteles que a fbula se disponha debaixo de uma aco conhecida, bastando s que sejam os nomes conhecidos, porque quanto mais o so, tanto mais concorrem para a fazer crvel. Homero teceu a Fbula da Ilada e da Odisseia, sem lhe entrar no pensamento o que realmente haviam sido Aquiles e Ulisses. Fez a honra de dar estes nomes aos Heris que havia fantasiado. De facto, nas outras histrias e monumentos da guerra de Tria, se ho acha a dissenso entre Agammnon e Aquiles que Homnero tomou por base do argumento da Ilada; e no circunstncia menos notvel que, o mesmo intento e a mesma aco posta pelo Poeta em Aquiles no cerco de Tria, podia atribuir-se com igual verosimilhana debaixo do nome de Tideu, de Capaneu, ou de qualquer outro combatente, que concorreu ao cerco de Tebas. Ao Poeta (acrescenta o P. le Bossu no cap. 12) pertence inventar a matria do seu assunto); e se ele a deduz da Histria, isto no seno enquanto a Histria o acomoda e no prejudica o seu intento. Deve fingir e inventar tudo o que nela no encontra, e mudar tudo o que lhe seria inconveniente e lhe serviria de incmodo. O Poeta (Diz em outro lugar Do seu tratado do Poema pico), to senhor de mudar e alterar a Catstrofe do seu Drama que, havendo um facto que ainda que alis verdadeiro no tenha verosimilhana, o deve mudar, porque as Fbulas picas e Dramticas discrepam da Histria em preferir o verosmil falso ao real verdadeiro, quando nestes no se d verosimilhana. factvel que a razo, que induziu aqueles que pertendem que o Poeta nas suas composies no pode ter a liberdade de alterar a verdade da Histria, esta mxima de todos, ou quase todos, os que trataram das leis da Epopeia e da tragdia que no possam abrir-se os alicerces da Fbula, menos que na mesma verdade. , porm, necessrio reflectir nos dous plos essenciais da Fbula: um a verdade, que lhe serve de fundamento; outro a fico, ou vu alegrico da mesma verdade, e que lhe adquire o nome de Fbula. A verdade o ponto moral sobre que o Poeta quer instruir o pblico. A fico a aco, ou os termos de que se serve para cobrir esta instruo. Para ser efectiva esta verdade, e para que melhor se imprima nos nimos, preciso reduzi-la a aco, fazendo-a universal e geral. Explicaremos isto com um exemplo: quer-se persuadir dous irmos, ou dous parciais, que tm certos interesses em comum, a conservar-se em uma bela unio e harmonia. Este o objecto da Fbula. Para conseguir o
pro1ixos, contentar-nos-emos com os exemplos apontados, e inferiremos ser lcita a liberdade que tomamos de alterar, e mudar da nossa tragdia.

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fim pretendido, deve primeiro gravar-se-lhe bem no pensamento a mxima geral: que a dissenso a runa de todas as famlias e sociedades. Este princpio o ponto moral, a verdade que serve de fundamento fbula que se emprende. Para reduzir em aco, e universalizar esta moralidade, discorre-se que certas pessoas se achavam juntas e unidas para conservao de uma herdade, em que todos tinham interesse comum. Por desgraa, vieram a desaver-se; esta dissenso os fez cair nas mos de um inimigo que os chegou s extremidades de uma total runa. Eis o primeiro plano da Fbula. Na aco presentada por esta narrao, concorrem quatro condies; vem a ser: universal, imitada, fingida e alegrica e moralmente verdadeira. Compreende pois o mesmo plano duas partes essenciais da construo das fbulas: isto , a verdade e a fico, o que a todas as fbulas comum. Os nomes dados aos Actores comeam a especificar a fbula. Esopo d-lhes nomes de brutos. Na Epopeia os individua Homero por Aquiles e Agammnon, e por outros nomes de Capites Cregos, e um Poeta trgico os denomina por exemplo Etocles e Polinices, Examine-se agora a nossa Tragdia e a inteno que na sua composio levamos por norte. O ponto moral e instrutivo que escolhemos para base da nossa fbula, que a Providncia apura algumas vezes as esperanas, e as foras do homem at cheg-lo a um quase desesperado extremo; mas, despois de parecer inevitvel a runa a que o chega, contra toda a aparncia e ainda probabilidade, o pem finalmente a salvo: que, quando triunfa mais audaz o criminoso e se mostra no mais alto e incontrastvel grau da felicidade, toda esta mquina se desfaz e troca em um instante, a efeitos da incorrupta justia celestial, e que se esta parece algumas vezes lenta ou duvidosa, nunca fica impunido o crime, e sem castigo o delinquente. Estabelecida, pois, uma vez esta verdade imoral, passamos a buscar na Histria antiga um acontecimento adequado a esta moralidade Mgara e seus filhos ameaados do golpe mais formidvel, fulminado por um intruso brbaro e Tirano, que no contente de haver usurpado o Trono a seu Pai, e ensanguentado as mos no inocente sangue de seus irmos, queria ainda passar com detestvel poltica a faz-la e a seus filhos vtimas da sua crueldade. A queda e morte deste Tirano, quando ele se cria senhor absoluto da Coroa, e assentado no ltimo e mais amplo fastgio da glria. Este facto nos pareceu o mais ajustado ao nosso desgnio, e conter perfeitamente em si o ponto moral que ns havamos proposto, pelo que o preferimos a muitos outros argumentos de que ao mesmo fim nos poderamos servir. Bem claro se est vendo ter a nossa fbula todos os predicados requisitos. universal, imitada, fingida e alegrica e moralmente verdadeira. No foi o nosso intento pintar as desgraas de Mgara e seus filhos, ou tirania e barbaridade de Lico; o que mais pertendemos oferecer e representar, foi tudo que pode dar-se de expresso, e obrar na crueldade e na ambio: o orgulho e arrogncia, quando j supunham cantar vitria, e superiores a todas as mudanas e revezes de fortuna, e em uma absoluta independncia da justia suprema, inteiramente abatidos e aniquilados; e, pelo contrrio, triunfantes e vitoriosos a inocncia e a virtude, quando se achavam mais oprimidas, e na mais crtica e fatal conjuntura. Bem manifesto fica, pois, ser, como verdadeiramente , a nossa fbula universal alegrica e moralmente verdadeira. Ao pblico a quem privativamente pertence julgar-se fiel, e religiosamente havemos, ou no, seguido as pisadas que nos abriram os primeiros Mestres do Teatro. Os rigoristas, que no querem consentir que o Poeta altere a verdade histrica, opem a esta liberdade o haver dito Aristteles: no ser lcito mudar as fbulas recebidas e conhecidas. Ingenuamente produzimos esta objeco, porque no nosso propsito encobrir as armas que contra ns se podem mover. Com toda aquela submisso que devemos a uma to distinta autoridade, respondemos ser muito verdade que o Poeta no deve ter a liberdade de inovar e inverter as fbulas notoriamente

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recebidas. Isto, porm, se entende, quando desta observncia contrai o Poema um muito particular e belssimo ornamento. No pode escusar, por exemplo, quem tomar por argumento o castigo de Clitemnestra e Erfile de fazer morrer estas duas matronas s mos de seus filhos, porque todos aqueles desastres acontecidos entre parentes, assim como so mais terrveis, so igualmente mais patticos e dignos de compaixo, quanto a natureza estreita mais os vnculos das pessoas opressoras e oprimidas. Nestas aces, pois, to prprias da Tragdia, no pode deixar de ser mui estranha qualquer mudana. Nas aces atrozes no tem liberdade o Poeta para mudar uma contextura de fbula, de que resultam tantas belezas, e um pattico tal, que comove a compaixo e a temor; s pode, para servir-se delas com maior acerto, escolher o caminho mais conveniente para no violentar a natureza. Nas fbulas, que nos produzem aces to prprias ao Teatro, est, como acabamos de dizer, o Poeta inibido para fazer nelas a menor mudana; e isto, diz Dacier, ainda quando haja uma verdade histrica, que destrua a atrocidade, ou horroroso de semelhante facto: pois, nestes termos, no tem obrigao alguma o Poeta de sujeitar-se a todas as circunstncias da opinio histrica, contanto que ele no altere o grosso da fbula, no mais pode dispor a matria e conduzir a aco muito a seu beneplcito. Daqui se colhe claramente que no devem tratar-se do modo que se acham nos historiadores os argumentos; o que no somente seria trabalho servil, mas ainda ofensivo aos preceitos do Teatro. necessrio servir-se dos assuntos histricos, ou tirados da fbula, inventando novas circunstncias, novos incidentes, novas catstrofes, novas situaes, como chamam os Franceses quela grande contenda de afectos que perturba os ouvintes, e resulta das combinaes dos caracteres e choque das paixes; e, enfim, buscando no entendimento aqueles meios mais convenientes para a consecuo deste fim. Pode concluir-se, que todas as vezes que se no acharem lances nesta espcie, como por exemplo um amigo que mata seu amigo, um irmo que tira a vida a seu irmo, um filho que d morte a seu Pai, um Pai, uma Me, que fazem morrer um filho s suas mos, casos em que os vnculos do sangue e da amizade tanto conduzem para inspirar o terror e a compaixo, o Poeta muito senhor da sua liberdade, e pode muito a seu arbtrio mudar a catstrofe, fazendo-a mais pattica e brilhante, para deste modo interessar, mover e perturbar mais vivamente o auditrio; liberdade que no tem nas outras aces que acabamos de especificar principalmente, como fica dito no grosso ou substancial delas, por ser impossvel poder dar-se matria mais a propsito de mover as paixes, de concitar a perturbao, de influir aqueles (chamemos-lhe assim) estremecimentos da alma que convidam mais fervorosamente nossas atenes e fazem rebentar as lgrimas dos olhos, ainda queles que no so de gnio muito compassivo e, por consequncia, atinar neste modo com o verdadeiro fito para que olha a Tragdia. Uma das questes mais ardentemente ventiladas entre os crticos vem a ser: de qual de dous meios devemos servir-nos, se de ensanguentar o Teatro? Se de informar mediante a narrao ao auditrio de feridas mortais, ou quaisquer outros fatais acidentes? O texto de Aristteles nada tem de claro para absolver este quesito, o que tem sido ocasio de cada um o interpretar como muito melhor lhe parece, pretendendo que seja a sua exposio a mesma evidncia. Sem produzir resoluo alguma positiva se metem Robertello, Picolomini e Castelvetro a comentar este texto do Filsofo. Jason de Noris, Riccoboni, Bartolomeu Ricci, e outros muitos inclinam-se ao uso dos Romanos nas suas Tragdias, e esto pela primeira parte da questo proposta. Entre esta variedade de pareceres, muito lcito a cada um abraar a opinio que julga mais acomodada ao seu propsito. O certo que, se o fim da Tragdia excitar o terror e a compaixo, isto se conseguir muito mais facilmente fazendo manifestos na Cena, e no l pelo meio da narrao, os factos que podem inspirar mais vivamente os dous referidos efeitos.

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Diferente emoo causa em nossos coraes ver um acontecimento funesto, do que sermos informados dele por notcia. Isto mesmo a outra luz considerado, sucessos h que narrados perdem muito da sua energia, da sua beleza e dos seus interesses. Quando se nos refere a morte de um homem, sim, sentimos no nimo alguma impresso mas leve. Se fomos, porm, testemunhas da mesma fatalidade, e vemos descarregar o golpe, ento sentimos alterados os sentidos, detida e como gelada a circulao do sangue, e um como arrepiamento em todas as partes do nosso corpo. Aristteles quer na Tragdia por cousa necessria, ou como necessria, o que horroroso. Quanto a cousa mais notvel, tanto se faz mais digna de memria; e quanto mais trgica e mais atrozmente representada, tanto mais de notar, e tanto melhor se consegue o fim de inspirar horror e dar instruo. Ainda que haja outros modos para mover a perturbao no auditrio, certo que o terror e a compaixo se excitam com muito maior veemncia, quando vemos ocularmente no Teatro a aco Trgica, principalmente quando sucedem mortes e desastres grandes. Agora passaremos a expender, ainda que eles sejam menos fortes, os outros modos que apontamos. Primeiro, representar em pblico a causa horrorosa como j efectuada; segundo, a sua narrao; terceiro, ouvi-la estar efeituando fora de Cena. De tudo isto nos deixou exemplos a Antiguidade. Lanando mo dos Dramas, que participam dos trs modos que acabamos de apontar, vejamos os outros que dizem respeito ao nosso ponto. No jax de Sfocles, fincando aquele desgraado Prncipe em terra a guarnio da espada, com a ponta no peito se debrua impetuosamente sobre ela. Sabemos muito bem a pretenso de muitos crticos, que sustentam executar-se esta aco, como diz o Padre Brumoy 9, fora da cena a um canto do Teatro. Isto, porm, um subterfgio de que querem deitar mo os partidistas da opinio que impugna a representao sanguinolenta no Teatro. O contrrio consta do original de que se v passar este facto vista do auditrio. Se nos dizem que no sucede isto assim, logo era necessrio que o mesmo auditrio fosse informado daquele fatal excesso por narrao. Esta no aparece naquele Drama: logo Ajax mata-se vista dos circunstantes. E que, muito que jax se mate vista neles, se nAs Suplicantes de Eurpedes palpavelmente estamos vendo Evadne, mulher de Capaneu, arremessar-se fogueira j acesa para queimar o cadver de seu marido? Que dificuldade se meteria de permeio para representar-se na cena mortes visivelmente, se squilo no seu Prometeu no escrupuliza em representar, porque se cumpram as ordens de Jpiter, o monstruoso e cruel modo com que preso aquele semideus sobre um penhasco, no s passando-se-lhe o peito com grandes cravos de diamante, mas ainda circunstanciando com tanta miudeza aquele cruel suplcio que este espectculo devia inspirar um sumo horror? Porventura poder horrorizar mais ver dar uma punhalada, do que do Ciclope de Eurpedes, Ulisses e seus companheiros metendo vista de todo o auditrio uma estaca tostada no olho de Polifemo? Na Medeia de Sneca no se v contra o preceito Horaciano aquela Me desumana assassinar vista do povo atrocissimamente a seus desgraados filhos? No dipo do mesmo Poeta, no somente se tira dipo no teatro os olhos a si mesmo, seno que tambm ali se d Jocasta a morte. Mas deixemos j exemplos, e vejamos se pelo raciocnio e pelas doutrinas dos Autores clssicos podemos dar alguma maior fora ao nosso partido. A autoridade de Sneca, dizem 0)5 contrrios, tem nulidades insanveis para poder servir de prova, porque era to desregrada a sua imaginao que no houve lei teatral que ele no atropelasse. Concedemos, mas perguntamos o que prova isto contra ns? O porque os antigos evitavam representar a morte dos heris dos seus Dramas no Teatro, era por evitar o inverosmil de que tantas pessoas, que formavam o Coro,
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V. no Teatro dos Gregos as reflexes ao jax.

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estivessem vendo com uma bem notvel fleuma assassinar um Prncipe, sem dar-lhe socorro. Por outra parte, os Trgicos que nos servem de modelo e que fugiram de ensanguentar o Teatro por evitar os horrveis espectculos da efuso de sangue, estes mesmos no faziam comparecer na cena os seus Heris j feridos e meio mortos? O Hiplito de Eurpedes no vem todo coberto de sangue, e dilacerado acabar de exalar os ltimos hlitos da respirao na Cena? O dipo de Sfocles, depois de haver-se arrancado os olhos, no aparece no Tablado todo ensanguentado a lastimar-se das suas infelicidades e misrias, enternecendo e fazendo interessar na compaixo do seu destino o auditrio? Perguntaremos agora qual mais horroroso: ver dar uma punhalada, de que repentinamente cai morto aquele que a recebe, que de ser testemunha das ltimas agonias de um moribundo? Parece-nos que ningum vacilar na resposta; vamos continuando o nosso exame. Porventura pequeno o nmero dos Dramas Gregos em que se mostram os cadveres de Heris assassinados? Na Electra de Eurpedes no faz Orestes, depois de haver morto Egisto, conduzir ao Teatro o seu corpo para que nele desafogue aquela Princesa as suas iras? A Alceste de Eurpedes depois de uma aflio das mais penosas e excessivas, no morre no Teatro? Depois de se ouvirem os gritos que o Agammnon de squilo d quando a assassinam dentro do seu Palcio, no se vem abertas as portas deste, o cadver daquele Heri todo coberto de feridas e de sangue ainda fumegando? Na Antgona de Sfocles no aparecem no Tablado os cadveres de Eurdice e de Hmon, este filho e aquela esposa de Creonte? Nas Tarqunias, abrasado Hrcules pelo veneno difundido na veste fatal tinta no sangue do Centauro Nesso, que Dejanira lhe enviara como filtro, no ocupa o mesmo Heri nesta situao a Cena, fazendo uma pattica descrio dos males que est padecendo? Na Hcuba de Eurpedes no se trazem ao Teatro os cadveres de seu filho Polidoro e dos filhos de Polimnestor, a quem aquela desgraada Rainha por suas mos arrancara a vida em vingana da morte a que, por ordem do referido Polimnestor, fora sacrificado seu filho, o mesmo Polidoro? No se v, na mesma Tragdia, este cruel e avarento Rei de Trcia aparecer na Cena com os olhos ainda gotejando de sangue, que a desesperada e infeliz Hcuba, junta com as suas domsticas, lhe tirara com agulhas e outros instrumentos de trabalho mulheril? Nas Fencias do mesmo Poeta, no se expem vista dos circunstantes os cadveres de Jocasta e de seus filhos Etocles e Polinices? Na Medeia, no se esto vendo no carro daquela Princesa banhados em sangue, e despojados da vida, os corpos dos filhos que ela teve de Jaso? Na Andrmaca, no trazido ao Teatro o cadver de Pirro? De todos estes exemplos, bem claro se deixa ver, que no era a horribilidade do rigor dos golpes, das nsias da agonia e da execuo da morte, o verdadeiro motivo de no quererem os antigos ensanguentar o Teatro, mas sim diferentes causas, que mais do que a outra alguma, devemos atribuir contextura dos seus Dramas, e talvez a uma certa convenincia particular. Quanto a ns, menos nausearia vendo dar uma punhalada e cair logo ali morto o que a recebeu, do que a vista de um homem todo tinto em sangue, e lutando entre a vida e a morte com os derradeiros paroxismos, ou, o que ainda mais tedioso, a de um cadver transportado de propsito ao Teatro. Que mais horror pode causar ver dar uma punhalada, do que ouvir os gritos lamentveis e os tristes gemidos de uma pessoa que assassinam fora da Cena; como, por exemplo, na Electra de Sfocles e no Agammnon de squilo? D-se o caso que desgoste e horrorize mais no Teatro uma punhalada, do que ver dar uma taa de veneno, como tantos modernos assim o tm praticado? Facilmente nos acomodamos com a opinio que, dificultando-se a representao de um facto, ou diminuindo esta a f,

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credulidade e emoo que o Poeta quer inspirar, seja mais acertado ocult-lo vista do espectador e informar do sucedido por meio da narrao, porque esta encobre mais do que o espectculo os defeitos da inverosimilhana e, consequentemente causa mais impresso, e mais facilmente nos delude. Esta a razo porque seria ridculo querer fazer visvel no Teatro as transformaes da Progne em andorinha, de Filomela em rouxinol, de Temeu em gavio, de Cadmo em serpente e de Hcuba em cadela. Esta mesma razo, porque muito melhor do que representar fazer a narrao de uma batalha; porque muito melhor narrar no s que enternecida Diana do fatal destino de Ifignia a arrebatou das aras em que devia ser sacrificada, substituindo por vtima uma Cora; mas outros muitos factos dificlimos, por no dizer impossveis, de bem se representarem ou que alis se fariam de um modo to ridculo que, rompendo-se e destruindo-se o vu da iluso, em lugar de dispor os circunstantes compaixo, os provocaria a riso. Tambm nos declaramos pelo partido de dever interpretar-se a mxima de no ensanguentar o Teatro somente de aces contrrias justia e humanidade como, por exemplo, no se desconhecendo, matar fleumaticamente o Pai ao filho, ou o filho ao Pai, no mais que por satisfazer brutalmente a sua ambio, ou as suas iras: Nero sufocando e abrindo o ventre a sua Me para explorar o receptculo em que antes de nascer estivera nove meses recluso; Orestes matando tambm sua Me s por obedecer cegamente a um Orculo; Tiestes comendo seus filhos; Progne gizando tis, ou tilo seu filho, para o dar a comer a Tereu seu marido, e vingar-se assim do estupro que este cometera com Filomela sua irm, e Atreu fazendo vista do espectador prato dos filhos de Tiestes. Outros espectculos por igualmente brbaros, pavorosos e hediondos, se fazem inadmissveis no Teatro. Tais so os objectos que muito de ordinrio nos ministra a Tragdia Inglesa, j enchendo o Teatro de cadveres j fazendo comparecer na Cena patbulos, aspas, rodas e os outros instrumentos da mais cruel e horrenda carnificina. Enforcar, crucificar, empalar, degolar, dar tormentos so espectculos que violentam a natureza e somente causam horror. De mais, quando Horcio deu por conselho No despedace a brbara Medeia Em presena do povo os tenros filhos, Nem de entranhas humanas faa pasto Na Cena o Bruto Atreu.10 No pertendeu este famoso Legislador da Arte Potica estabelecer como lei inviolvel que no devia ensanguentar-se o Teatro, s sim de no ser lcito expor aos olhos do povo acontecimentos simplesmente horrveis. Se o ensanguentar o Teatro fora contrrio prtica dos antigos, ao uso comummente recebido, e boa e mais cordata razo, porque no o estabeleceu Horcio buscando outros exemplos, seno os mais atrozes, e aqueles com que a natureza humana tem a maior antipatia? Para que passa imediatamente a tratar daqueles factos, que pela dificuldade, ou por inverosimilhana da sua representao, devem s fazer-se notrios pela narrativa? Ditame assaz prudente, porque os nossos nimos repugnam s aces violentas, e das inverosmeis no podem surtir outro efeito mais do que a incredulidade e o riso. Alm destas, vrias cousas h tambm que no devem representar-se ao vivo, j por desonestas, como os actos carnais, j por nauseantes, como o parir. Em uma palavra: confessamos ingenuamente que nos parece indisputvel que, com mais veemncia se excita o terror e a compaixo quando no Teatro ocularmente se v a aco trgica, do que quando se narra; e julgaramos que isto procederia dos nossos rgos, que por
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Na verso do M. R. P. Francisco Jos Freire.

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menos delicados seriam mais difceis a agitar e comover, se Horcio no confirmasse esta nossa opinio, dizendo assim: As cousas no Teatro ou se recitam Como passadas, ou se representam; E certo, que o que vem pelos ouvidos, Mais frouxamente os nimos comove; Que o que vem pelos olhos, testemunhas Sempre fiis que fazem com que o povo Julgue e aprenda per si. A Tragdia o que ? Conforme a opinio de Aristteles a imitao de uma aco que, sem o socorro da narrao, mediante a compaixo e o terror, acaba de purgar em ns estas e outras semelhantes paixes. No muito natural e verosmil que um homem que, ou violentamente se acha ultrajado, ou v seu pai, seu amigo, sua mulher, sua amante maltratados de um tirano, se livre de susto, ferindo de repente o opressor da sua honra, e subtraindo-se a si, ou aos seus, do perigo ou descrdito de que se acha ou ameaado, ou oprimido? No muito ordinrio que, nos movimentos e mpetos da clera manchemos um punhal no sangue daquele que julgamos ter-nos ofendido, e olhamos como inimigo? Pode, em algum tempo, deixar de parecer ridculo ver nos Horcios de Mons. Corneille o vencedor dos Curicios para matar sua irm que, em vez de dar-lhe os parabns do seu vencimento, o increpava de haver morto a seu futuro esposo, e evitar, porm, a efuso de sangue na presena do pblico, esperar que ela saia da cena e, indo em seu seguimento detrs do Teatro, a cosa a punhaladas? No era mais natural tomar vingana logo que foi provocada a sua indignao, ainda que fosse vista do espectador mais afeminado, e no dar lugar a que, passados os primeiros impulsos da ira, entrassem a fazer o seu efeito a natureza, a razo e a humanidade? No ridculo que Corneille, para salvar o ensanguentar-se o Teatro, d ao seu Heri o tempo da reflexo e do raciocnio, e depois lhe faa cometer uma aco que parece um vil assassinato feito de sangue frio? Muito melhor se portou Gresset na Tragdia de Eduardo III. Nela se v a ir a toda a pressa o generoso Arondel ao crcere em que se achava recluso seu amigo Vorcestre, em vsperas de sair para um patbulo pelas cavilaes de Volfax. Este, que estava atento prtica que tinham os dois amigos, vendo que Vorcestre dava um escrito a Arondel para pr-se na presena delRei, aonde no s se justificava, mas ainda descobria a origem da traio em que o mesmo Volfax era capitalmente culpado, ao mandar este aos Satlites que prendessem Arondel, para assim sepultar no silncio um segredo de cuja publicao devia ser consequncia a sua runa; Arondel, nesta conjuntura, antes que nele fizessem apreenso, apunhala e mata a Volfax. Este belssimo rasgo est to dentro da esfera da natureza que, a primeira vez que a referida Tragdia se ps no Teatro em Paris, comoveu de tal modo ao pblico que foi necessrio parar algum tanto com a representao, para dar tempo que serenassem os aplausos e o rumor que, no com pequena glria do Poeta, se suscitou universalmente em todo auditrio. Temos at aqui mostrado com raciocnios e exemplos que nunca houve lei que proibisse o ensanguentar o Teatro excepto nos casos atrozes e contrrios natureza. Que muitas vezes o praticaram os antigos, que a razo no oposta a este uso e que a verosimilhana o no exclui como imprprio. Concluiremos, finalmente, este ponto corroborando a nossa opinio com a autoridade de muitos e grandes mestres de quem ela no deixou de ser patrocinada.

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Joaquim Camerario 11, nas suas reflexes sobre o jax de Sfocles, examinando se os factos narrados fazem mais impresso que representados ao vivo, faz este argumento: mais exprime a aco da espada de jax quando se quer matar, do que o tempo em que a dita aco se executa. Neste lugar obrou o Poeta com razo pouco usada; isto , que jax se matasse vista do povo, cuja novidade necessariamente havia comover com admirao os nimos dos espectadores. Bartolomeu Rici12 de parecer que, quanto mais o autor de uma Tragdia mover os ouvintes compaixo, quanto mais cruel e atroz fizer a sua fbula, tanto mais conseguir o aplauso do povo, e tanto mais justa ser a ateno que lhe derem. Sneca, executando isto assim, o faz to perfeitamente que obriga o ouvinte a que rompa em estranhos aplausos apesar das lgrimas que chora. Martinho del Rio13 diz que, contra o preceito de Horcio, Hrcules mata os filhos vista do auditrio, porque to grande furor, quanto exagerou no acto antecedente, devia crescer e adquirir maior fora, e no podia exprimir-se com aquela energia e veemncia que convm pelo meio de uma simples narrao. To grande atrocidade houve, pois, de ser vista em aco, e no bastava ser referida ao auditrio; e, por esta razo, no pecou o autor contra o decoro. Teodoro Marclio14 diz mais, asseverando que Sfocles executara no proscnio a morte de jax para melhor atemorizar o nimo dos espectadores. Paulo Beni15 afirma no haver dvida alguma em que Aristteles admite as mortes em pblico, mas que isto se h-de entender daquelas mortes cuja execuo no muito brbara e cruel no) modo com que se efectua: que assim as mortes com veneno, espada e punhal se podero oferecer vista do auditrio sem violar o decoro; que Horcio crimina somente que se faam visveis certas mortes atrozes pela sua barbaridade; e que, quando probe que a brbara Medeia despedace os tenros filhos em presena do povo, no pertende estabelecer como lei que nunca se deva ensanguentar o Teatro, mas sim que os casos atrozes se devem apartar da vista do auditrio e informar das suas circunstncias por via de narrao. Teodoro Goulston 16, Alexandre Paccio Florentino17 e, enfim, para no fazermos um catlogo fastidioso, quase todos os comentadores de Aristteles antigos e uma grande parte dos modernos, sustentam que a opinio do Filsofo no sofre a menor dvida, e que ele segue, positiva e absolutamente, que se podem representar vista do espectador, e visivelmente, mortes, suplcios, feridas e outras atrocidades deste gnero.

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Diz mais a espada que o tempo do suicdio. Neste lugar, com efeito, procedeu o poeta com razo pouco usada: que jax se matasse perante o povo, menos novidade que comoveria necessariamente de forma admirvel os nimos dos espectadores. 12 Da Imitao, L. 1. Quanto mais um escritor de uma tragdia provocar a misericrdia do auditrio, quanto mais cruel e mais atroz fizer a sua obra, tanto maior aplauso, por causa disso, conseguir para si e tanto mais justa ser a graa que obter. E Sneca, ao pr em execuo essa norma, faz valer essa arte com tanta perfeio que provoca no seu auditrio admirveis aplausos, apesar do seu choro. 13 Em Senec. part. 3. fol. 79. Contra o preceito de Horcio, Hrcules mata os filhos perante o pblico, porque to grande fria quanto o que descreveu no acto supremo precedente, o que deve adquirir maior fora, sem nenhuma recordao, no pode exprimir-se com tal energia. A atrocidade foi observada e no narrada ao auditrio.. Portanto, o decoro foi preservado. 14 Sfocles exibiu publicamente, a morte de jax no proscnio, a fim de tornar mais temerosos os espectadores. 15 In Arist. Poet. part. 63. p. 77. 16 Ariost. De Poet. verso latina. Assim fazem representar as coisas abertamente e visivelmente, mortes, suplcios, feridas e atrocidades do mesmo gnero. 17 Mortes realizadas em pblico.

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Udeno Nisiely18 explica o lugar de Aristteles no mesmo sentido e, para corroborar o parecer que se pode ensanguentar o Teatro, opinio que ele positivamente segue, acarreta muitas autoridades a seu favor, e vrios exemplos extrados das tragdias Gregas e Latinas, e conclui dizendo: O exemplo das sobreditas Tragdias que acabamos de examinar ser bastante, e assaz evidente, para provar que os mais famosos e mais ilustres Tragedigrafos no escrupulizaram de ensanguentar o Teatro. Pedro Corneille19 assevera que, se a regra de no ensanguentar o Teatro deve ser observaria risca, esta regra no existia no tempo de Aristteles que nos ensina que para mover e abalar veementemente o corao do homem, preciso expor visivelmente, e a seus olhos, desgraas grandes, mortes e feridas. D. Incio de Luzn20 pertende que Aristteles chama perturbao, ou paixo (Pathos), quela aco em que as mortes, temidas, tormentos e outras cousas deste gnero se executam em pblico, e vista de todo o auditrio. Minturno, Riccoboni, Robortello, Magio, Victorio e outros, continua o mesmo Luzn, so de opinio contrria; porm, o texto de Aristteles me parece muito claro; e sumamente forado e violento o sentido que lhe querem dar aqueles autores, tanto mais que a razo de admitir as mortes pblica e manifestamente sobre o Teatro evidentssima; porque, a servir-se da narrao para as expor, mover-se-o mui tibiamente os nimos e, por mais que se esforce o Poeta, sempre ser fria e lnguida a aco. Quanto maior efeito far, pelo contrrio, quanto mais eficaz e fortemente mover os nossos nimos a vista de um caso
Proginnasmi Poetici tom. 3 Progin. 118. Traduz assim o lugar de Aristteles. Executam em pblico mortes, derramamento de sangue, ferimentos e outras coisas do gnero. E continua dizendo: Lessempio delle sopra esaminate Tragedie sara bastevole, e molto evidente a conoscere, e a vedere luso delle uccisioni sul palco essere stato seguito da sovrani, e incomparabili Tragediografi. 19 Exame da tragdia dos Horcios: Si cest une rgle de ne point ensanglanter le Thtre, elle nest pas du temps dAristote, qui nous apprend, que pour moouvoir puissamment, il faut de grands dplaisirs, des blessures, & des morts en spectacle. E no Discurso sobre a Tragdia diz assim: La maxime de ne point ensanglanter la scne ne doit sentendre que des actions hors de la Justice ou de lhumanit: Mde egorgeant publiquement ses enfants, revolteroit la nature, & ne produiroit que de lhorreur; mais la mort dun sclrat, en offrant avec terreur le chatement du crime, satisfait le spectateur. 20 Poetica fol. 355.. Llama Aristoteles turbacion, passion (Pathos) una accion, por la qual las muertes, heridas, tormentos, y otras cosas deste genero se executan en publico la vista de todo el auditorio... Minturno, Riccobuno, Robortello, Magio, Victorio y otros son de opinin contraria. Pero el texto de Aristteles claro, y el sentido que le quieren dar estos autores mui violento, e forzado. Adems que la razon de admitir las muertes publicas, y manifestas en el Theatro es evidente: porque al servirse de relaciones mover mui tibiamente los animos, y por ms que se esfuerze el Poeta, siempre ser fria, y desabrida la Tragedia. AI contrario har mas efecto y mover mas la vista vista, de un caso atroz, que quantas palavras puede el ingenio escoger, e aunar para pintarlo bem. El mismo Horacio, que los contrarios alegan en su favor, aprob esta razon en aquellos versos: Segnius irritant animos demissa per aurem, Quam quae sunt oculis subjceta fidelibus, & quae Ipse sibi spectator. (Traduzindo: As coisas que penetram pelos ouvidos irritam os nimos mais lentamente do que as que so submetidas aos olhos fiis e que arrastam a si o prprio espectador). En los Tragicos antiguos, y modernos se hallan exemplos por una, y otra opinion: pues en algumas Tragedias 1as muertes se executan en publico, en otras un Mensajero, uno de los Actores hace relacion del caso. Y aun me acuerdo haver Iedo, que los antiguos para Ia execucion de taIes muertes en publico se servian de malhechores condenados muerte por los Magistrados de justicia, y com aquellos miserabiles offrecian a los ojos del auditorio el horribile espectaculo de muertes, y quexas verdaderas, y de sangre humana realmente vertida. Pero y 1a Moral de nuestra Religion, y la Christiana mansedumbre, n puede sofrir tan cruel vista, y n es justo que donde todo es fingido sean las muertes verdaderas, bastando para el fin de la Tragedia que se imiten, y finjan estas muertes con la mayor naturalidad, y verisimilitud que sea possible.
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atroz, do que as palavras mais enrgicas e naturais, que poder escolher o engenho mais perspicaz para pint-lo ao vivo. O mesmo Horcio, que os contrrios alegam a seu favor, confirma este argumento, confessando que o que vem pelos ouvidos comove mais frouxamente os nimos que o que vem pelos olhos. Nos Trgicos antigos e modernos, prossegue ainda Luzn, se acham exemplos a favor de uma e outra opinio, pois em algumas Tragdias se executam as mortes em pblico, e em outras se narra o facto com todas as suas circunstncias. Eu me lembro ter lido que os antigos, para a execuo de semelhantes mortes em pblico, se serviam de malfeitores e criminosos j condenados morte pelos Ministros de justia, e com aqueles infelices ofereciam aos olhos do auditrio o horrvel espectculo de mortes verdadeiras, de gemidos agonizantes e de sangue humano realmente vertido. O Moral, porm, da nossa Religio, e a mansido Crist no pode tolerar to horroroso espectculo, e no justo que, aonde tudo fico sejam as mortes verdadeiras, bastando para o fim da Tragdia que, com maior naturalidade e verosimilhana que for possvel, se imitem e se finjam tambm as mortes. Quem h-de crer que uma mesma palavra, cuja interpretao no tem nada de equvoca, seria causa de se dividirem os Mestres da Potica e de querer cada um, com razes e autoridades, corroborar a sua opinio? Quanto a ns, parece-nos que os autores que sustentam se no deve ensanguentar o Teatro, no tm fundamento slido para apoiar a sua hiptese; que a palavra que causa a dvida escura somente para aqueles que a no querem entender, ou lhe querem dar uma explicao anloga ao seu intento. Os autores, que temos a nosso favor, traduzem todos: Mortes in aperto, os contrrios: Mortes evidentes, exploratas, indubitatas; isto , mortes cujos sinais so to evidentes que no permitem a menor dvida. Esta explicao, quanto a ns, sofstica, e no sabemos qual seja a razo com que se pertende estabelecem um preceito que, no s contrrio natureza, ao fim da Tragdia e prtica dos antigos, mas ainda acrescentaremos contrrio opinio do mesmo Aristteles. Horcio no se atreveu a estabelecer esta regra seno nos casos atrozes, nas mortes cuja execuo demasiadamente brbara, nas aces que, executadas fora do Teatro, causariam recitadas maior impresso no nimo dos espectadores. certo que as cousas que se passam em aco, comovem com mais veemncia e fazem maior efeito. 1. Porque nos fiamos mais dos nossos olhos que de narrao alheia. 2. Porque os olhos circunstanciam com mais individuao, e que a imaginao se satisfaz e se deixa diludir mais facilmente. Julgamos ter respondido com argumentos bastantemente slidos e fortes aos Censores, que por nimiamente escrupulosos quiserem arguir-nos de haver faltado a alguma das regras do Teatro: e assim prosseguiremos o discurso, e continuaremos a expender outras doutrinas no menos interessantes e de igual utilidade. Introduzimos na nossa Tragdia os Coros, e expenderemos aqui os motivos que para isso tivemos. Mediante os Coros fica sendo a Tragdia muito mais regular e adquire uma mais elegante variedade. Fazem-na mais regular por serem como so naturalmente consequncia da boa escolha da aco representada e do lugar da cena, passando a assinar o fundamento da maior parte das regras Teatrais. Do-lhe outra mais elegante variedade pela relao que dizem medula das cousas e a respeito da representao. Os antigos escolhiam sempre para lugar da cena o trio de um Templo, o vestbulo de um palcio, uma Praa pblica, ou quaisquer outros lugares igualmente patentes. necessrio, porm, adirem-se facilmente os circunstantes a que se acham presentes aco. E como podero persuadir-se a isto, se ela acontecer em um gabinete, ou em uma sala de conselho? Como pode um lugar como destinado aos mistrios da mais alta poltica, fechado e interdito por todas as partes sem devassado verosimilmente pelos olhos e assistncia de tantos mil espectadores? De mais que, para uma aco

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poder aparecer com propriedade no Teatro, deve ser esclarecida, passar outrossim entre as primeiras pessoas do estado, e ser de uma tal natureza que nela se d um povo por interessado; do que se segue, que deve chamar e atrair um prodigioso nmero de testemunhas que nela tm e hajam de tomam parte. Destas testemunhas, pois, que se forma o Coro. Parece no ser natural que esta gente interessada na aco, e que impacientemente espera o seu xito, assista sempre no teatro a p quedo sem dizer cousa alguma. Pede, pois, a razo que sobre o que esto vendo acontecer, e o que lhes fica que esperar ou temer, falem uns e outros. Quando os principais actores cessam de obrar, ou despejam o Teatro, que fica o Coro tendo o lugar e liberdade de discorrer. Este o assunto do canto do Coro, cuja necessidade uma resulta da acertada escolha que se fez da aco teatral e do lugar da cena. Assim como se no poderiam, com razo, introduzir os Coros em uma sala de conselho, ou em um gabinete, assim mesmo se no podem suprimir em uma praa pblica. Desta sorte, a aco, o lugar da cena e o Coro um terno, que ao modo do das Graas se est dando reciprocamente as mos para a conservao da sua verosimilhana recproca, a qual deixa de ter existncia logo que entre elas h separao. Ligam os Coros o fim de um acto com o princpio do subsequente, o que de uma maior importncia do que se imagina, vindo a contribuir esta liga admiravelmente para ser, sem interpolao, sustentada a unidade de aco. Deixmos expendido que os Coros fazem o Teatro mais regular e mais ornado de variedade; agora passaremos a mostrar do modo que cooperam para maior Pompa e esplendor do espectculo. Se, por um momento, se representa o efeito que havia de surtir no Teatro este grande nmero de actores de diferentes sexos e idades de que se compunham os Coros, as suas danas, o seu canto, a pompa dos seus trajes, no viria tudo isto a contribuir maravilhosamente para o mais lustre do espectculo? O grande nmero de pessoas interessadas na aco reala tambm muito mais a sua importncia, fazendo-a muito maior e muito mais brilhante. Estima-se muito interessar-se o povo em uma aco, estima-se fazerem-se narraes fiis, j dos seus receios, j dos seus favores; muito diferentes so, porm, os impulsos que nos seus nimos sentem os ouvintes, quando vem o mesmo povo representado pelos seus chefes, e so testemunhas dos seus diversos movimentos, como no dipo de Sfocles. Os Coros, qualificando e elevando mediante os seus obsquios e os seus aplausos, a dignidade dos primeiros actores, ao mesmo tempo os fazem avultar muito mais aos olhos do pblico. Observe-se em Eurpedes na sua Tragdia de Ifignia em ulide com que magnificncia anuncia o Coro a chegada de Clitemnestra e de Ifignia: As prosperidades mais distintas so destinadas somente para os Grandes. Vede Ifignia, a filha de Agammnon; vede a filha de Tndaro, Clitemnestra nossa Rainha: ambas procedem de sangue clarssimo e, a seu alto nascimento, corresponde a sua prspera fortuna. So os Deuses poderosos que enchem de bens os miserveis mortais. Filhas de Calcis, esperemos aqui para nos pormos na presena de uma to ilustre Rainha, quando ela acabar de falar com seu amado esposo. Faamos os possveis esforos por lhe significarmos com toda a sinceridade nossos afectos e nossas veneraes: recebamo-la em nossos braos, e ajudemos a descer a Princesa sua filha menina e temerosa. Um Coro similhante no , de algum modo, uma Corte numerosa e brilhante como que a chegar ao campo dos Gregos se encontra Clitemnestra? No d o Coro uma ideia magnfica daquela Princesa, do seu alto nascimento, da sua prspera fortuna? O objecto e o fim dos Poemas Dramticos verdadeiramente que no outro mais do que a instruo popular. No deve o espectador acabar de ver um espectculo sem levar alguma mxima importante que nele haja feito maior impresso; e parece que para este fim foram em outros tempos institudos os Coros, e foi uma das principais razes para ficarem sendo mantidos no

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Teatro. No se afoita o Poeta a gravar a cena de um grande cmulo de mximas, porque no se daria cousa mais oposta verdade e natureza do Dilogo. No h, porm, impedimento algum para deixar de espraiar no Coro a doutrina moral mais sublime: ela mesma era a que quase sempre constitua o Coro das Tragdias antigas. ...Proteja os bons, somente Amizades, aplaque os irritados, E estimem os que a pecar concebem medo; De parca mesa louve as iguarias, E a saudvel justia; cante a doce Segurana da paz, guarde os segredos, E rogue aos sumos Deuses, que a fortuna Torne a seguir os bons, dos maus se aparte. No se entenda carecer de dificuldade aquela delicadeza com que preciso instruir o espectador de tudo o que lhe mais importante, e fazer com que os actores principais se expliquem na sua face, cada um segundo os seus diversos fins. Os monlogos so quase sempre viciosos pela pouca verosimilhana que h em nos fazermos a ns mesmos prolixos arrezoados. No so menos ridculos os confidentes, e abatem a majestade da Tragdia com uma familiaridade absolutamente contrria e alheia de um Poema que se nutre incessantemente de fices, e aonde deve passar tudo com a maior sublimidade e magnificncia. Os Coros dos antigos, presentes sempre para receber todas as impresses que os incidentes e discursos da cena deviam excitar e produzir, e destinados a atender e a fazer perguntas, ora louvam, ora detestam; do conselhos, perguntam o que, se lhe fosse permitido falar, perguntaria o auditrio e, em uma palavra, cumprem em tudo com o instituto de fiis e zelosos amigos, mas, ao que nos parece, de um modo o mais digno da soberania do Teatro. No ignoramos que se nos opor que muitas matrias, que alis formam as cenas mais elegantes e mais patticas, deviam dizer-se em segredo; o que no fica tendo lugar, desde que pblico o lugar da cena, dizendo-se aquilo mesmo na presena de uma multido de testemunhas. Respondemos que as Tragdias dos antigos caam sempre sobre aces grandes, expostas aos olhos de todo o mundo, no ficando jamais os Coros na indiferena, antes tomando o partido de alguma das principais pessoas. Que inconveniente se d logo em que aquelas pessoas, de quem parcial o Coro, se abram manifestamente sua vista? Um Poeta engenhoso jamais deixar de adaptar verosimilmente os Coros com o argumento da sua Tragdia. O efeito mais considervel dos Coros o pattico que deles procede, pois a Tragdia extrai as mximas mais belas do Moral, autoriza-se com as cerimnias mais augustas da Religio dos antigos, ostenta tudo o que a Poesia tem de mais enrgico e nobre para atrair e ganhar os nimos e os coraes; e acumula a tudo isto quanto mais pode servir para encanto dos sentidos, somente para conseguir o seu principal fim, que de inspirar o horror do vcio, e entreter, e conservar os povos na observncia das suas mais justas e necessrias obrigaes. A perfeio consiste em se servir de tudo isto, e at mesmo das paixes, para imprimir veementissimamente nos nimos o objecto a que se dirigem todos os desvelos do Drama trgico, e ainda do cmico; e a este fim concorrem notavelmente os Coros. De mais, necessrio que, entre acto e acto, haja entremeios, para que a aco no fique interrompida; isto, porm, deve ser de modo que por nenhum princpio venha a servir de esfriar o circunstante e que, pelo contrrio, o inflame e fortifique nas paixes que a cena comeou a excitar. Perguntamos agora quem pode melhor conseguir este fim do que os Coros, pois persuadimo-nos que ningum

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duvidar que eles possam, com o seu canto, ministrar aos nimos as ideias mais adequadas aos incidentes que vogam na cena, e dar uma nova fora aos afectos e paixes a que os discursos dos actores haviam dado princpio? Alm de que, os Coros conduzem para fomentar e adiantar as paixes, oferecendo ao espectador, alm dos principais actores, um to grande nmero de desgraados, ora flutuando entre o temor e a desesperao, ora inteiramente perseguidos pela fortuna adversa. Os pintores reconheceram muito bem este segredo da arte. Quando fazem um quadro, com que querem produzir esta comoo nos nimos, no representam nica e simplesmente a aco, passam ainda a exprimir nos semblantes dos assistentes as diferentes paixes, que desejam suscitar nos que chegarem a ver aquela pintura; e, muitas vezes, chegam a mostrar interessadas na sua aco at as cousas menos sensveis. Este exemplo deveriam seguir os Poetas. Posta Ifignia no Teatro h-de-se achar rodeada de pessoas penetradas da sua infelicidade. Permita-se-nos ainda uma breve digresso a respeito dos Coros para nos justificarmos, face a face, com alguns amigos nossos de quem veneramos a erudio e estimamos a amizade, sobre um ponto em que no concordamos, porque deste exame resultar talvez alguma instruo para aqueles que se quiserem aplicar ao estudo das verdadeiras regras do Teatro. O Coro (esta a sua objeco) deve sempre ser fixo e estvel, sem lhe ser permitido desde que toma posse do Teatro deix-lo, e acrescentam no achar-se entre os Gregos que nos servem de modelo, e em cuja prtica fundou Aristteles os elementos da Tragdia, exemplo em contrrio. -nos de uma indispensvel necessidade a resposta a esta objeco, porque se como se diz, defeito fazer sair o Coro do Teatro, se acha incursa nesta censura a nossa Tragdia. Achamos, porm, a nosso favor, as doutrinas e sentenas dos mesmos mestres com que se procura meter-nos temor na proposio expendida. Passemos a examin-lo: Primeiramente, no achmos este preceito em algum dos lugares da Potica de Aristteles. Segundamente, Horcio tratando na sua Potica das funes do Coro, no impe esta regra, nem d a entender, por modo algum, que tomada pelo Coro a posse do Teatro, ali deva persistir at o fim do Drama, no lhe sendo antes disso permitido retirar-se.21 Em terceiro lugar, a ser esta pretendida mxima preceito inviolvel, os dous legisladores dos Gregos e Latinos, Aristteles e Horcio no se haveriam esquecido de fazer meno dela, tendo ambos tanto cuidado de especificar com to escrupulosa miudeza os encargos do Coro no Teatro. Passemos agora pelos olhos as Tragdias Gregas a ver se achamos a prtica concorde ou discorde com o nosso parecer. Nas Coforas de squilo, quando entrando Egisto no Acto IV no aposento dos dous Estrangeiros, que haviam trazido a falsa notcia da morte de Orestes, atacado pelo mesmo Orestes, que um dos referidos dous estrangeiros, aos gritos de Egisto (diz o Padre Brumoy no seu Teatro dos Gregos) as donzelas de que se compunha o Coro, j como aterradas e espavoridas se apartam tanto, ou quanto do lugar que at ento haviam ocupado, ou j porque no parecessem, se persistissem a p quedo, cmplices daquele atentado. No Filoctetes de Sfocles, quando Filoctetes no quarto Acto abraa o partido de seguir Neoptlemo, e lhe diz: O que de
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O nico Mestre de Potica, que conhecemos haver estabelecido em parte este preceito, Antnio Minturno na sua Poet. L.3 e L. 4. dizendo: Os preceitos acerca do coro so os seguintes: desde que entrava, nunca mais se afastava dos olhos dos que o observavam. Mas que prova esta autoridade, se era permitido fazer sair parte do Coro depois de se haver apossado do Teatro, que razo h fundamental para o no fazer sair todo da cena? De trinta Mestres da Potica, que temos lido de propsito por falarem difusamente a respeito do Coro, Minturno o nico em que achmos estabelecida similhante regra, e ainda, corno se v pelo lugar que copiamos, somente a estabeleceu em parte.

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obrigaes vos no devo? Dai-me os braos, basta. Retirem-se, (isto falando ao Coro) no quero ser incmodo antes de tempo: na viagem mal poderei deixar de ser muito importuno. Estas palavras diz o mesmo Padre Brumoy, ainda que equvocas, me do alguns ares de poder persuadir-me que o Coro toma a dianteira para dali partir para a praia. Tornar a voltar o Coro, continua o mesmo autor, no s d maior beleza e elegncia cena subsequente, mas inculca maior interesse. Quando Filoctetes diz nesta cena: Que nada tem mais do que os rochedos a quem comunique as suas lstimas, parece supor a ausncia do Coro; e natural de crer que Ulisses, inquieto da tardana de Neoptlemo torna depois a mandar o Coro para apressar a partida e ver se tem ocorrido algum novo embarao. Como estes exemplos, porm, no so absolutamente convincentes, nos faz mister exibir outros mais positivos, que no deixem o menor resqucio de dvida. Abramos Eurpedes no terceiro acto da sua Ifignia em ulide, e acharemos a Clitemnestra s na cena sem assistncia do Coro. Isto tanto verdade, que aparecendo Agammnon lhe diz: Ah Senhora, quanto oportunamente venho achar-vos fora de Palcio e sem testemunhas! O Coro no torna a entrar no Teatro, seno depois que vem acompanhando a Ifignia, chamada por sua me. No terceiro acto da Ifignia em Tauride, quando esta Princesa deixa o Teatro para ir escrever uma carta a seu irmo, seguida do Coro depois que este carpe a Orestes, e d os emboras e parabns a Plades; porque, se no sasse, seria ridcula a sua assistncia cena subsequente sem a ouvir, e sem reconhecer a Orestes e, enfim, sem antecipar o mtuo reconhecimento do irmo com a irm, que no vem a aclarar-se seno depois de passado largo tempo. logo muito natural que nos persuadamos a que o Coro se retira para que Plades e Orestes, livre e reciprocamente, possam comunicar-se as suas ltimas vontades antes da morte de um e da partida de outro. Se este raciocnio ainda no bastante, vejamos Ifignia no quarto acto do mesmo Drama despedir o Coro que vinha em seu seguimento, no s debaixo do especioso pretexto de advertir aos Ministros do sacrifcio e dispor tudo o que fosse para ele necessrio, mas para efectivamente poder entregar, com mais liberdade a um dos Gregos, a carta que trazia na mo. Eis aqui as palavras de Ifignia: Amadas companheiras, retirai-vos para o Templo, ide cuidar do aparato para o sacrifcio e para os sacrificantes. A sada do Coro sem sombra de equivocao, e a sua entrada de novo no Teatro disposta com um tal artifcio que inteiramente precipita a luz do segredo, donde provm o reconhecerem-se irmos aqueles dous actores. No terceiro acto da Alceste de Eurpedes, quando Admeto conduz o corpo da sua esposa fogueira, seguido do Coro que despeja o Teatro de tal modo, que o quarto Acto comea pela narrao feita por um oficial do Palcio das extravagncias de Hrcules, hspede do mesmo Admeto, nos excessos de um festim sem o Coro tornar a ter entrada no Teatro mais que com Admeto, na quarta cena do mesmo acto concluda a funo dos funerais. No jax furioso de Sfocles, quando o Enviado de Teucro no terceiro acto, desesperado de saber que apesar das ordens daquele Prncipe, que dispunha at sua volta a recluso de seu irmo jax, de que dependia a conservao da sua vida, este desgraado Prncipe havia sado da sua tenda, chama Tecmessa escrava e esposa de jax, e lhe revela a orculo de Calcas. Esta notcia, enchendo de horror a Tecmessa, expede parte dos Salaminos que formavam o Coro em busca de Teucro, e parte de jax. A mesma Tecmessa sai dali sem encaminhar-se a lugar algum determinado, de modo que fica o Teatro despovoado, e nele entra por outra parte o desgraado e furibundo jax, exemplo concludente de poder o Coro largar o Teatro depois de metido de posse dele. Ainda podemos reforar a nossa opinio com outro exemplo. No segundo Acto do

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Rhesos de Eurpedes se retiram Rhesos e Hector. As sentinelas que formam o Coro, vendo ser passado o termo da sua guarda, se dividem em dois semicoros, um para ir tratar do seu descanso, e outro para chamar a guarda que h-de substitu-lo, de modo que o Teatro vem a ficar s, para assim dar entrada a Ulisses e Diomedes. Fora um nunca acabar, se houvssemos de citar os muitos exemplos com que podamos corroborar este ponto; por escusarmos, porm, prolixidade nos contentamos com os que deixamos expendidos; quanto mais que, ainda quando no achssemos nesta prtica mais do que um exemplo, sendo singular, era muito bastante para nos autorizar o fazlo. O certo (e nisto concordamos com os eruditos Assertores da opinio que acabamos de combater) que o Coro jamais deve desocupar o Teatro sem haver para isso causa muito urgente; e nos persuadimos que seria suma esterilidade, e grandssima falta de engenho, que de fazer entrar e sair o Coro da cena s para livrar o Poeta de embarao. Parece-nos que no incorreremos nesta censura; pois, nas duas vezes que na nossa Tragdia o Coro desocupa o Teatro, concorrem para isso os motivos mais instantes e mais fortes. Na primeira ordena-lhe o tirano que acompanhe a Mgara no palcio de Hrcules, para que a persuada a condescender a seus intentos e lhe faa compreender que os seus repdios sero causa de ele extinguir, sem piedade, toda a descendncia de Alcides; e, para que o mesmo Coro se interesse em resolver Mgara a dar-lhe a mo de esposa, ele o ameaa de lhe fazer largar a vida no meio dos mais cruis tormentos, se s suas instncias se no determina a filha de Creonte. No quarto acto, irritado o tirano da constncia com que Mgara no cessava de implorar contra ele o favor do Cu e, por outra parte, amedrentado pela tempestade que Tebas naquela noite experimentou, e pelas notcias que lhe chegaram de haver aparecido Hrcules na Cidade, de achar-se assim mesmo prximo a ela Teseu com as suas tropas, e de haverem passado alguns Tebanos para l do Ismeno, onde Teseu se acampara; era aqui muito natural que despedisse da sua presena o Coro para mais livremente desafogar com o seu Ministro, e comunicar-lhe os desgnios que excogitara para a sua defensa. De mais, que ns julgamos ser mais decente e verosmil esta inculpvel sada do Coro, do que alis fazlo no mesmo tempo confidente das insdias e maquinaes, que uns Actores urdem para vingar-se, e dos meios com que os outros pertendem atalhar to grande dano. Que verosimilhana tem o aparato para ou depor ou assassinar um Prncipe, como na Electra, e no haver entre tantos cmplices um vassalo fiel, que descubra a conjurao? Estes os fundamentos para defender a sada do Coro do teatro depois de apossado dele: se ainda assim houver quem nos convena de erro, no duvidamos cantar a palindia, e ainda ter por glria a ingnua confisso das nossas faltas. Dividimos a nossa Tragdia em cinco actos, no j por entender com alguns, que assim o tem por infalvel, que isto uma lei imutvel, pois ingenuamente confessamos ser trabalhoso inquirir a razo e difcil descobri-la, porque Horcio na sua Potica deu o preceito: Se algum Drama deseja ser pedido, E a Teatro tornar, no sejam menos Nem mais de cinco os actos. Antes, porm, que passemos adiante, temos por muito arrazoado de explicar o que deve entender-se por acto, e individuar o princpio, porque neles se dividem os Dramas. A origem da palavra Acto22 Latina, que neste idioma se diz Actus; e quer dizer a mesma cousa que o drama dos Gregos. Estas duas palavras vm de dous verbos: um
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Veja-se a Dissertao do Abade de Vatry inserta na coleco da Academia das Belas Letras de Paris tom. 7 e 8.

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Grego, fazer, e outro Latino, Ago, que ambos significam obrar. Imps-se este nome aos Poetas Teatrais para assim dar a entender que neles tudo passa em aco, diferindo da Epopeia aonde reina a narrao. A palavra drama genrica, e prpria de todos os Poemas Teatrais ou Dialogticos; mas, a acepo que tem o termo Latino Actus entre ns no significa mais do que uma das partes do Poema Dramtico. Podem definir-se os Actos por partes de uma Tragdia, ou de uma Comdia, separadas uma de outra por um intermdio, de que resulta a concluso do mesmo Acto, interrupo que produz um vcuo no Drama, que os Gregos enchiam com o canto do Coro e os Franceses com sinfonia. A diviso da Tragdia em cinco Actos, dizem os assertores desta opinio, insiste em trs fundamentos: na experincia, no exemplo que nos deixaram os trgicos antigos, e nos preceitos e observaes dos Crticos mais qualificados. O Abade dAubignac mostra os princpios porque a experincia ditou similhante diviso. 1. Por se haver reconhecido, diz ele, que o Drama pede uma certa extenso. 2. Que devendo ser dividida em muitas partes, ou Actos, se determinou a extenso da Tragdia pela sua natureza e pela aplicao do auditrio, acomodando-se necessidade que tem o concurso de recrear-se, e procurando poder ser compreendida da sua ateno, que muito se h-de pertender captar de modo que, ao sair do espectculo, se d por satisfeito: e como certo que a alma, constituda em uma certa agitao e empregada a seu beneplcito em uma representao, no se d por satisfeita se no se sente saciada do gosto de ver e ouvir, preciso que o mesmo divertimento tenha uma conveniente durao. Por muito agradvel que seja um espectculo, se leva muito tempo, no deixa de ser enfadonho. Uma Tragdia peca neste defeito quando a imaginao no pode compreend-la, e a memria tem trabalho em agregar e reter as suas espcies. Ao contrrio, se reputa por muito breve, se a todas as suas partes falta aquela extenso que precisa para as distinguir, e se esta simetria se no deixa perceber. Quanto natureza da Tragdia, de notar que este Poema imitao de uma aco grave e pattica que precisa ser bem especificada, circunstanciada, e patente a todas as luzes, muito mais naquelas partes que no Teatro podem obrar mais efeito, dignidade e soberania muito prpria do coturno, de que viria a carecer se fosse demasiadamente breve. Deve senhorear e agitar os nimos nos assistentes, produzindo incessantemente neles ora estas, ora aquelas paixes, at finalmente o reduzir a um certo gnero de melancolia, no que consiste um dos mais belos ornatos da Tragdia. Para conseguir este fim, necessrio ir dispondo os mesmos nimos: porque, a princpio, no pode o corao humano dentro de poucos momentos, em que os espritos vacilam entre mil estranhas ideias, que necessrio ir extirpando para eles poderem estabelecer-se e adquirir a sua necessria consistncia, ou conhecimento da aco representada, sentir as mesmas comoes que pelo progresso do Drama adiante. necessrio, pois, desterrar dos coraes a indiferena dando-lhes frequentes assaltos, antes que eles indo-se mais e mais aclarando entrem a interessar-se. Verdade seja, que muitas paixes vista de certos objectos per si se excitam de um jacto. Um insulto repentinamente irrita a nossa indignao. Os gemidos e queixas de um desgraado instantaneamente nos acham enternecidos e piedosos. O horror e o medo nos assaltam de improviso. certo, porm, que estes efeitos mais natural e prontamente os produzem aqueles factos realmente acontecidos, do que os figurados: pelo que a cena no pode prometer-se em todas as ocasies uma eficcia to nervosa; e ainda quando da sua diligncia venha a surtir este bom efeito, bem certo que para isso a arte depende de mais tempo do que a natureza, e que a fico obra mais lentamente do que a verdade. Ningum ignora ser a Poesia imitao da natureza, at nas suas mais admirveis operaes, que ela pode excitar, e muitas vezes excita o horror e medo, e outros afectos, sem dar tempo a cair e reflectir a

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alma na sua alucinao; isto, porm, sucede quando o circunstante se acha j abalado e disposto insensivelmente, como por degraus, a estas moes interiores. A ateno do espectador necessita de algum tal ou qual descanso, e necessrio aviv-la, j pela variedade, j por qualquer outro conveniente meio. Quem poder pertender obrigar um auditrio inteiro a que, sem dar-lhe instante de sossego, assista com seriedade e pacincia a toda a representao de uma Tragdia se, quando um acto de mais prolixa extenso, no o pode suportar? De mais, uma aco sempre complicada com muitas circunstncias, que um Poeta judiciosamente deve escolher, no sendo menos da sua obrigao omitir outras, j por necessidade, j por decoro. Muitas destas particularidades dizem respeito aos principais Actores, e no podem cmoda e decentemente ocupar a cena, seno nos intervalos dos actos; porque, se algum Actor sempre assistisse no Teatro, como poderiam entender os circunstantes que os outros Actores que saram e que no poucas vezes precisam de um largo termo para darem expediente s suas funes, empregaram mais tempo que o que realmente passou durante os discursos ou aces do Actor, ou Actores que tiveram sempre presentes? Estas aces ou discursos lhes dariam uma medida de tempo, cousa que se deve evitar, para que a impacincia prevalea at alucinar a prpria imaginao, impedindo que o circunstante se perceba do defeito da verosimilhana, e dele se d por ofendido. Conclumos, pois, como mxima constante, e regra certa do Teatro, deverem distribuirse em muitos Actos as Tragdias. Isto assentado, no fica em p mais do que a questo do nmero dos Actos em que elas devem ser divididas. Horcio, os mais Poetas Latinos, e muitos legisladores da Potica, como Ascnio sob. a 4. in Verr., Jlio Csar Scaligero na sua Potica L.1 c. 9., Lelio Bisciola, Hor. Subseciv. tom. 2. L. 6 cap. XI, Pedro Nanni sobr. a Poet. de Horcio, querem, e decidem, que estes Actos sejam cinco, mas as razes que para isso apontam, no podem reputar-se por absolutamente convincentes. Que a Tragdia deva dividir-se em muitos Actos, ponto indisputvel, porque a sua direco assim o pede indispensavelmente, ou para dar mais descanso ateno do espectador, ou para recre-lo mais com variedade. Com todas estas obrigaes pode cumprir o Trgico sem a precisa dependncia de distribuir o seu Drama em cinco Actos. A infinita diferena que se d nos argumentos que ho-de tratar-se, pedem outras proporcionadas diferenas no modo com que se delineam e se executam. Podem ocorrer incidentes, que ora precisem de mais, ora de menos intermdios para melhor se dirigir o Drama que, por consequncia, nestes termos pode distinguir-se em mais ou menos Actos. De mais, uma Tragdia no poder fazer-se to plausvel, e to variada por trs, ou por cinco intermdios, do que por quatro. Dizem os patrocinadores da opinio dos cinco Actos que, independentemente de alguma outra razo, tem mostrado a experincia no poder agradar uma Tragdia, se precisamente no tiver esta diviso. Para isto ser bem demonstrado, seria necessrio alegar com uma Tragdia perfeita em todas as suas demais partes que tivesse sido desaprovada por no ser dividida em cinco Actos. O exemplo dos Gregos e Latinos, a prtica geral dos melhores Poetas modernos, Franceses e Ingleses, ao intento no pode servir de prova. Seja muito verdade que, em todas as Tragdias que nos ficaram dos Gregos, se acha a aco de quando em quando interrompida no Teatro, e ocupado fora da cena os Actores, ou guardando o silncio do lugar ao canto do Coro, do que resultam os intermdios, ou verdadeiros Actos; contudo, porm, no fica bem provado que houvesse sempre quatro intermdios, nem tambm cinco Actos. Frustraneamente se folheariam as autorizadas Tragdias Gregas, e se elas, nas edies mais novas e mais correctas, se acham divididas em cinco Actos, aos Editores e Comentadores, e no aos originais, que esta distribuio deve ser atribuda. Entre os antigos, que nos citaram alguns lugares de Comdias ou Tragdias Gregas, nenhum se acha que alegue o Acto de donde os extraiu, como consta de Ateneu, que

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est citando a cada passo infinitos Poetas cmicos, o que pode ser prova de que os Gregos no atendiam a esta diviso da Tragdia em um certo nmero de Actos. Para esta prova contribui tambm a doutrina de Aristteles, que quanto a esta parte nada deixa prefixo na sua Potica. A ele ter que dizer quanto a esta diviso, no perderia esta ocasio, que to naturalmente se lhe oferecia, quando tratou das partes de quantidade da Tragdia, aonde definindo-as, no falou mais do que na sua distribuio e no lugar que ocupam. No falamos aqui de squilo por achar-se ainda muito informe no seu tempo a Tragdia. Quanto a Sfocles e Eurpedes no encontramos neles mais do que uma apaixonada aderncia ao verosmil, um grande empenho em surprender e agradar ao seu auditrio. Incessantemente fazem estudo de o alucinar, e o fazer esquecer que tudo que lhe pem diante dos olhos fingimento, emprendendo persuadir-lhe estar realmente acontecendo a aco a que assuste. Este todo o artifcio dos referidos Trgicos; nem parea que eles hajam observado outra alguma regra no nmero e proporo dos seus Actos, que no poucas vezes se constituem no mais do que uma cena, e em outras assaz passa de longo. Para prova disto veja-se em muitos Dramas persistir os Actores no Teatro durante o intervalo de um a outro Acto, ora cantam o Coro em outras ocasies que nos intermdios, ora se unirem com ele os representantes. Diremos mais, tomando a dico Acto na acepo j referida: os Dramas Gregos continham algumas vezes seis, e outras sete Actos. Quanto aos Romanos, pelo que respeita questo que por ora ventilamos, nada dizemos, pelas suas melhores Tragdias no haverem passado aos nossos tempos, e porque das de Sneca se pode inferir a pouca inteligncia que tinha das regras do Teatro, julgamos que ningum duvidar que seria muito melhor que, no podendo um Poeta dar ao seu Drama a extenso dos cinco Actos, o inclusse ou abreviasse em trs ou quatro do que dilat-lo prolongando-o impertinentemente at cinco, embaraando-se com incidentes e episdios importunos e heterogneos, porque a regra essencial consiste em obviar todos os defeitos, e no em dividir religiosamente uma Tragdia em cinco Actos. Acrescentamos mais que se no pode assentar quem foi o introdutor desta lei, pois se no descobre, como j dissemos, fundamento slido para os Actos serem nem mais, nem menos que cinco, como diz Elio Donato, ou quem quer que , no comentrio de Terncio, e no discurso da Tragdia e Comdia. Para evitar, porm, a censura de algum crtico nimiamente escrupuloso, sobre dizermos que a Tragdia se poderia dividir em trs, ou quatro Actos23 se couber neles a justa grandeza da aco, observaremos que muitos Autores de boa nota sustentam esta mesma opinio. Lambino advertiu em Ccero, e em outros autores de distinta fama, que o terceiro Acto era o perfeito, e que no faziam caso do quarto e quinto. Mazzoni, Gonalves de Salas e o Padre Donato, inclinando-se opinio dos Actos serem trs, copiam todos uma autoridade24 do mesmo Ccero tirada da ltima Epstola do livro I a seu irmo Quinto. Porm, do mesmo autor lemos outro lugar, em que falando da Verres faz meno do quarto Acto25: do que vimos a colher que Ccero no tem por perfeito o terceiro ou
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Jlio Csar della Scalla, que na sua Potica tratou difusamente dos preceitos e funes do Coro, confirma o nosso parecer, e no Iiv. 3. cap. 97 fala nestes termos: Tambm quanto razo do coro, se de certo modo se presta a ateno, facilmente se percebe que as fbulas no foram divididas em cinco Actos, como agora, se na verdade verdadeiro o que dizem, que, entre os actos, os coros so inseridos pelo flautista. Na verdad, no Prometeu de squilo v-se o coro duas ou trs vezes, a no ser que se receba tambm Io e o Oceano em vez do Coro. Por tal razo, o coro aparece a por cinco vezes, como do mesmo modo Agammnon); e na Hcuba de Eurpedes, e no Filoctetes, na Electra, no dipo em Colono de Sfocles, e no dipo de Sneca. Sfocles nas Tarqunias ps seis coros. No jax so apenas quatro. Mas Eurpedes, no Hipolito coroado, parece ter introduzido oito coros. No se distingue facilmente outros tantos na Alceste, na Ifignia entre os Tauros; seis com Clareza nas Troianas. 24 Como este terceiro ano, assim o terceiro acto parece / o mais perfeito e mais elegante. 25 Como esse, no quarto acto, seria de m qualidade.

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quarto Acto, seno aquele que mais se chega ao fim da fbula. Os Espanhis e Italianos formam os seus Dramas de trs Actos, os Franceses e Ingleses de cinco: do que inferimos, que cada um pode seguir o que melhor convier sua fbula, porque no h regra fundada em razo que obrigue o Poeta a usar de um nmero certo de Actos, e muito menos de cenas, como frivolamente querem alguns autores, pertendendo que em cada um dos Actos as cenas no excedam de dez. Esta regra muito pouco importante, pois basta que o Poeta regule a grandeza dos Actos e o nmero das cenas, de modo que o material da fbula no fique monstruoso; o que importa que raras vezes esteja o Teatro com um s Actor, e nunca sem algum: antes ho-de seguir-se sucessivamente a outros at o fim de cada Acto, em que o Coro deve entrar a cantar. Observada esta regra, consegue-se o fim de ir sempre continuando igual, e sem alguma interrupo, o fio da fbula, e de ter o auditrio sempre atento e suspenso, pois no se lhe d lugar para se distrair em outros pensamentos e perder de vista o assunto da representao, o que sucederia sendo as cenas soltas, porque ento sempre por algum breve tempo fica s o tablado. Como todo o nosso empenho neste Tragdia, que oferecemos ao pblico, foi pintar as paixes com as cores mais vivas e naturais quanto coube nas limitadas foras do nosso engenho, escolhemos o verso solto como o mais proporcionado para este fim. Julgamos que no h quem ignore que o consoante, jogo pueril inventado sem a aprovao do bom gosto, um fruto que resultou da inundao dos Brbaros que, invadindo e assolando o Imprio Romano, foram ao mesmo tempo o flagelo das artes e das cincias; e certo que, ao mesmo passo que os Brbaros mais penetravam na Europa, foi o consoante ganhando mais terreno e fazendo progressos proporcionados introduo do gosto Gtico nas artes e cincias. Julgando, pois, aqueles Brbaros faltos de uma lngua digna da Poesia e destitudos de artifcio, que a pudesse sustentar com aquele esplendor com que os Gregos e Romanos fizeram eternas as suas Musas, que a dificuldade da Rima era capaz de suprir as antigas e essenciais belezas da Poesia, a introduziram. Mas quo grosseiramente se enganaram, pois consistem as qualidades do Poeta em um divino entusiasmo, um talento harmnico, um natural e um gnio feliz, e a essncia da verdadeira Poesia na vivacidade das imagens, na energia das expresses, na nobreza das figuras na fora dos pensamentos, no colorido das paixes. Prove-nos, agora, algum sectrio da rima, que dela tudo isto est dependente. Como pode ser natural, ou verosmil, que para melhor exprimir os impulsos do furor, da vingana, do dio, do amor, e de outras mais paixes, mendiguemos o socorro da duplex monotonia que resulta dos mesmos consoantes? Confessemos, pois, sem a rima uma ftil imitao do som, um ornato gtico, uma espcie de joguete produzido pela repetio da ltima ou ltimas slabas; um como eco que no tem foras para mais que para agradar-nos por um rapidssimo instante, pelo que apenas agrada quando logo torna a desgostar. Confessemos ser condenado o consoante pelo juzo mais so, e que dele se no depende para distinguirmos a prosa do verso. Que nos versos mimados estamos achando a cada passo por causa da rima as cousas mais ridculas e desatinadas, os rpios mais heterogneos e fora de propsito com que se pertende encher a quantidade dos ps, termos inslitos e deslocados, invenes insofrveis, escuridades imensas, e todas as outras monstruosidades inseparveis da intruso do consoante. Se dele provm alguma graa, algum deleite, isto s nos Poemas breves, e de poucos momentos, como no Madrigal, no Epigrama e na Cano, porque nos dilatados, como por exemplo, na Epopeia, na Tragdia, na Comdia, vem a fazer-se intolervel e fastidioso. Desde o sculo precedente est clamando o bom gosto pela abolio do consoante, como diametralmente oposto ao adiantamento dos seus progressos, e que como sempre foi promete sempre ser a Cila e Carbdis da versificao. Desde que o Trissino

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introduziu o verso solto nas Itlias, e que os Ingleses o adoptaram no tem cessado de gritar o bom gosto que o consoante d leis ao estilo, que obriga os Poetas a deter a torrente do seu entusiasmo, que refreia a vivacidade mais generosa e levantada nos pensamentos, que, fcil e frequentemente faz dar costas ao assunto principal, para usurpar tiranicamente as atenes, empregando-as no invento de uma palavra, ou mais propriamente de um som que se corresponda com outro que, obediente aos impulsos do gnio, per si mesmo primeiramente se havia apresentado. Que, em uma palavra, necessrio fazem sempre dois versos por um, sendo sempre quase impossvel que um bom verso deixe de acompanhar-se com um mau: que esta violenta lei no pode deixar de fazer mais sensvel o trabalho da arte, a qual para chegar perfeio deve disfararse ao natural com um to destro artifcio, que possa ser apreendida pela mesma natureza. certo que o Poeta, libertado da opresso da rima, teria mais tempo, liberdade e facilidade para aperfeioar as suas expresses, corrigir e melhorar os seus planos. No se acharia no cruel aperto para mudar um verso defectuoso, de mudar tudo o que tem de mais elegante e precioso no seu Poema, substituindo-o com cousas humildes e vulgares. Todos os afectos humanos conseguiriam ser exprimidos mais simples, mais prpria e mais nobremente. As paixes teriam uma pintura mais genuna e mais brilhante, e os pensamentos mais energia e clareza. As graas mais risonhas e engraadas guiariam o pincel, para que no houvesse afecto e pensamento que no fosse colorado com aquela propriedade e elegncia que arrebatam os sentidos e as potncias da alma. Se, apesar de um to penoso grilho, Cames atroou o mundo literrio com um Poema que jamais deixar de ser a admirao de todos os sculos, quanto mais perfeitas e elegantes seriam as suas pinturas, quanto mais claramente expressados os seus pensamentos, quanto mais vivo e natural o seu colorido se, sacudindo o pesadssimo jugo da rima, se houvesse entregue todo fora do seu estro e ao entusiasmo do seu engenho! Cames tinha em si a alma de Homero e de Virglio: se declinou s vezes da igualdade e pureza do estilo destes dois mestres da Epopeia, isto procedeu, sem dvida, da diversa perfeio de instrumento de que usaram todos trs. Querendo invectivar os Poetas modernos, que tem dado na mania de fazer versos Latinos, fez Depreaux um Dilogo com assaz galantaria. Introduz ele, entre outras faccias, um Poeta com Ravisio Textor, ambos empenhados em procurar para acabar este verso: Latona proles Divina Jovisque Um adjectivo, que seja um p baquio, e diga respeito a Jpiter. O Poeta d-se a tratos para ach-lo, e Ravisio buscando-lho nos seus eptetos lhe ministra primeiro Magni, e logo Omnipotentis, mas nenhum destes acomoda ao Poeta. Ultimamente lhe aponta o empreiteiro dos eptetos Bicornis, que lhe enchia o verso ao Justo, e este o que abraa o autor do verso dando palmadas, e no se saciando de dizer: Latona proles divina jovisque bicornis. Apolo, porm, testemunha de um to grande e to bem aproveitado trabalho, e juiz do desempenho, arge, e condena um epteto to enorme, que expressava o pai dos Deuses com dois cornos, mas o Poeta, satisfeito e vanglorioso do seu descobrimento, no cede: insta Apolo; no se deixa convencer o Poeta, e lhe responde haver usado daquele adjectivo somente para acabar o verso, e que melhor escolha no podia haver. Quantas vezes sucede o mesmo com o consoante? O Poeta deve ach-lo, por muito e muito que lhe custe e por mais que haja de sacrificar-lhe, algumas belezas mais essenciais para o

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seu argumento. Aparea o consoante, diz o Poeta, que ele s por si ressarcir e substituir esses ornamentos, e no somente ele bem como as posturas nos rostos das mulheres, que encobrem muitos defeitos; mas ainda ser um escudo impenetrvel que o defenda dos golpes da censura. Confessem-no todos aqueles que praticam o estudo potico, quantas vezes no puderam pintar uma imagem com aquelas cores que pede a liberdade potica, porque a rima prendeu os pensamentos e o discurso em um certo espao limitado; quantas vezes se acharam precisados a sacrificar violncia da rima os termos mais prprios, naturais, e talvez os nicos para expressarem a fora do seu pensamento, porque no tinham a consonncia necessria. Os poetas mais fceis em rimar no usam a cada passo de certos rodeios de expresses e de vozes sem significao, a fim de armarem ao consoante. Nenhum destes inconvenientes tm os versos soltos, tendo, ao contrrio, todas as qualidades de que, para ser perfeito, depende um Poema. No negamos que a dura lei do consoante haja sido produtora de belezas admirveis, mas de ordinrio tambm no somente casual ocasio, mas precisa causa de absurdos infinitos. Os Poemas de maior extenso o podem assim testemunhar. Nos versos, independentemente da rima, no o seu maior custo buscar termos prprios ao assunto que se trata, seno enriquec-los de expresses, figuras, imagens, harmonia, fogo potico, e de todas as outras belas condies inseparveis da slida e mais venusta Poesia; e como isto deve ser nos versos soltos com maior rigor e exaco do que nos rimados, daqui se infere bem entre uns e outros, quais devam ser os preferidos. logo menos verdade que, os versos em que se pedem observadas religiosissimamente estas regras hajam de fazer-se com mais facilidade que os rimados. No citamos para corroborar a nossa opinio a autoridade de Salvini em um dos seus Discursos Acadmicos, de Maffey no seu Teatro Italiano, de Pope no seu Ensaio sobre a crtica, do tradutor do canto primeiro da Ilada em Italiano, de Honorato de Urf na sua Pastoral intitulada Silvanira, de Mons. de Longue na sua traduo livre do Argenis de Barclay, e nos seus Raciocnios arriscados sobre a Poesia Francesa, do Abade Trublet no Dirio dos Sbios no mez de Fevereiro de 1737, de Mons. Prevost dExiles no seu Pr e contra. Alexandre Piccolomini, Giraldi, Anbal Caro, e quase todos os Dramticos modernos de Itlia tm por inverosmeis os consoantes. O certo que o verso solto, como no tem a quem se torne para causar deleite seno beleza verdadeira, faz quanto pode para ser intrnseco o seu valor; no se lhe sofre nem uma leve mancha, e uma s palavra que no signifique introduzida para encher o verso. No verso rimado, pelo contrrio, costuma-se disfarar muito em razo da dificuldade do consoante. Mas o verso destitudo da rima, dizem os seus apaixonados, no se distingue da prosa. Errado conceito! Proposio falsa! Clarissimamente se deixa perceber dos versos uma harmonia propriamente sua sem a menor dependncia do Consoante isto , a sua medida e a sua cadncia. Um verso s de per si harmonioso e, para ser por tal reconhecido, no necessrio ouvir-se outro de que, segundo as leis do consoante, pelo seu eco correspondido. Logo, tanta parte tem o consoante na beleza real do metro, como a tem, no sentido de um pensamento proferido em voz alta junto a um rochedo ou concavidade, o eco que repete os seus ltimos acentos. Por outra parte, infalvel distinguir, pronta e facilmente ao ouvido, um verso que a prosa casualmente deixou escapar. Quem deixar, por exemplo, de conhecer este, com que Jacinto Freire de Andrada conclui a vida de D. Joo de Castro: Acabando valido morreu pobre? A cadncia Potica se deixa discernir singularmente entre todos os estilos, e dar-se-

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sempre uma infinita diferena entre a prosa e o verso solto. Jamais aquela poder competi-lo na nobreza, na harmonia e na fora das expresses, nas figuras, nas imagens, no fogo e vivacidade e, enfim, em todos os mais predicados competentes Poesia. A harmonia (diz Mons. dOlivet uma espcie de modulao, que no s resulta do valor Silbico, mas ainda da qualidade e colocao das palavras, A boa cadncia do nmero oratrio, como do gnero Potico, no outra cousa mais do que um tecido de slabas, urdidas com uma judiciosa escolha e dispostas com uma tal ordem, que os rgos tanto do que fala, como do que ouve, fiquem recproca e suavemente lisonjeados de uma espcie de modulao, que nada consente na frase de duro, ou de frouxo, nada lhe permite de demasiadamente curto, ou dilatado. Tudo isto belissimamente se executa independente do consoante, que no mais, como tantas vezes o temos repetido, do que repetio de um nico e curtssimo som, com quem toda a precedente harmonia no tem o menor parentesco, porque o verso em si mesmo tem toda a harmonia precisa para a sua perfeio. Se quer supor-se que a mistura das longas e breves constitua nos versos Gregos e Latinos uma harmonia particular, que atenta ela os escusava do consoante, esta mesma complicao, que denominaremos valor silbico, de cuja vria disposio resultava numa plausvel modulao ou cadncia, se acha igualmente na nossa lngua. Finalmente, a slida Poesia l tem um ar propriamente seu, uma fora de estilo, uma vivacidade de expresses, uma nobreza, uma elegncia, e tantos outros similhantes e admirveis atributos, que encantam e se distinguem ainda quando ela toma argumentos estreis e difceis de ser tratados em verso. Estes os fundamentos porque escolhemos o verso solto; se a todos no parecerem slidos, ser porque, alucinados pela paixo ou pelo costume, buscam s na Poesia o deleite dos ouvidos, se de um som material pode resultar, ou no, a satisfao do entendimento. Aristteles quer que, para ser bem feita, a Tragdia agrade sem o socorro dos comediantes e sem o aparato da representao, e que assim como se no deve, para que se deleite, gravar a ateno do espectador, assim tambm se devem aplainar todas as dificuldades ao leitor, para que se no desgoste, e perceba sem trabalho a ideia do autor, e at as menores circunstncias do Drama. Ser-nos-ia, pois, de parecer, como assim o executmos, que o Poeta cuidasse muito em sinalar margem aquelas aces, que por midas no merecem ser explicadas nos versos, e diminuiriam a sua beleza e majestade; facilmente no Teatro supre o comediante estas miudezas, mas o leitor ver-se-ia obrigado a adivinhar, e muitas vezes adivinharia mal, se o Poeta o no instrusse por este meio de certas particularidades extrnsecas na verdade, mas contudo necessrias, ou para maior fora, ou para maior delicadeza do conceito. Confessamos ingenuamente no ser esta a prtica dos antigos, mas preciso confessar tambm que, pelo no terem assim praticado, se encontram a cada passo nos seus Poemas mil escuridades que s os Mestres da arte podem desenvolver, e ainda no sabemos se o conseguiram to felizmente como querem persuadi-lo. Se nos sujeitssemos ao mtodo dos antigos, no teramos dividido nosso Drama em Actos e cenas, porque este no era o seu costume; o certo , porm, que desta falta de diviso no sabemos com individuao quantos Actos tm os seus Dramas, nem se no fim de um Acto os Actores, que se achavam no Teatro, saem da cena para dar lugar ao canto do Coro, ou se ficam nela imveis, e sem aco enquanto ele canta, porque nem eles, nem os seus intrpretes tiveram o cuidado de particip-lo aos vindouros em uma nota marginal. Ns, os modernos, temos ainda outra razo mais forte e essencial para no desprezarmos este pequeno socorro pois, como a impresso entrega os nossos Dramas nas mos de todos aqueles que os querem representar e como no podemos advertir-lhes certas particularidades que devem observar, se os no ajudssemos com aquelas notas, quantas vezes nos interpretariam em sentido contrrio; em que embarao se no achariam no quinto Acto dos Dramas que

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tem o xito feliz, e em que juntamos (o que no faziam os antigos) todos os Actores no Teatro, sem saber a quem dirigir o discurso, dizendo a um o que se dedica a outro, principalmente quando o mesmo Actor fala a trs ou quatro pessoas, logo uma depois da outra. Querendo isentar-se destes avisos marginais, seria preciso usar os parte para exprimir estas miudezas em verso, o que, sem dvida, mil vezes mais intolervel que o mtodo que apontamos e seguimos, e que nos d o nico e verdadeiro meio para que conforme o preceito de Aristteles faamos, que um Drama conserve a mesma perfeio tanto na leitura, como na representao, facilitando imaginao do leitor, tudo quanto no Teatro se representou vista do espectador. Como somente escrevemos a benefcio do pblico, e julgamos que se poder colher alguma utilidade das reflexes que temos feito sobre o melhor acerto da representao, arte pouco menos que inteiramente desconhecida no nosso Teatro, esta a razo porque as juntamos s observaes, que neste discurso oferecemos a respeito da Tragdia. As companhias dos Comediantes so poucos numerosas, e assim se acham os mesmos Actores na preciso de representar promiscuamente a Comdia ou Tragdia, ao mesmo tempo que passa quase por axioma ser impossvel dar-se um representante, que faa distintamente o papel de Trgico e de Cmico. Os nossos representantes, como acabamos de dizer, pelo seu pequeno nmero, to depressa passam do coturno para o soco, e contraram por este modo um gosto misto de representao, que os impossibilita para poderem sair-se bem de um e outro ministrio. De mais no conhecemos no nosso Teatro seno dous Actores mais suportveis, um para representar de Soberano, outro de Pai: todo o resto da companhia insofrvel. Um que chora incessantemente tem uma voz asprrima e articulada sempre em um mesmo tom, sem conhecer as diversas modulaes que, por exemplo, devem fazer transio de uma situao enternecida para outra furiosa, de uma de desprezo para outra de temor. Falta-lhe a decncia, faltam-lhe os gestos, em uma palavra, quase inteiramente lhe falta o conhecimento do Teatro. Bater com os ps a expresso da sua clera, correr como um louco o indcio da sua desesperao. Os seus braos no parecem pertencer quele corpo, to pouca correlao se acha entre o seu movimento, com os discursos que acaba de proferir a sua lngua. Outro Actor agrava o desar da sua pequena estatura com uma voz rouca e desengraada, com um gesto afectado, com umas impacincias fora de tempo, com um ar comum, com pouca ou nenhuma inteligncia do que est representando, com uma pronncia adulterada e defeituosa. Rasga os seus vestidos para mostrar-se apaixonado, e to excessivo na sua declamao, que degenera em extravagncia. Se estes so os mais tolerveis, bem se v que os mais no merecem fazer-se meno deles. Um Actor deve representar igualmente aos ouvidos, do que aos olhos, todas as paixes prprias de alterar, j na boa, j na adversa fortuna os nimos humanos. Para bem as representar no s necessrio ter uma ideia delas, mas a aptido de vesti-las das cores, que mais propriamente as distinguem. Estas cores, ou sinais, so de dois modos, que dizem respeito aos dois primeiros sentidos. Com os gestos e certos movimentos no aspecto se fala aos olhos, e aos ouvidos com as diversas toadas e inflexes de voz, que no consistem somente em levant-la ou deprimi-la, mas principalmente em umas certas modulaes expressivas e afectuosas que dem aos sentidos de quem ouve a ideia do que se passa no nimo de quem fala. No passam de seis as paixes que os olhos possam exprimir com fora e veemncia, e que figuradas no semblante sejam capazes de fazer-nos passar pelos diferentes graus de aflio, de prazer, ou de pasmo, que podem fortemente abalar o corao. Tais efeitos produzem a alegria, a tristeza, o temor, o desprezo, a clera e a admirao. No pequeno o nmero de outras paixes auxiliares que, ainda que no

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possam expressar-se no seu prprio carcter, no deixam de poder representar-se muito bem, incorporadas com duas ou trs das suas capitais. Por tais podem reputar-se o cime, a vingana, o amor e a compaixo. Para exprimirmos o cime necessrio darse uma combinao de temor, desprezo; e clera. A vingana depende das duas derradeiras. O amor s pode manifestar-se pelos efeitos da alegria acompanhada de admirao; com seus tais quais visos de temor. A compaixo, finalmente, se indica complicando-se temor e tristeza. O nico segredo para bem expressar uma paixo no semblante, conceb-la bem, mediante uma forte e viva imaginao. Quem se deixar penetrar e possuir da fora de uma ideia de tristeza, em poucos tempos sentir apoderarse de seus olhos uma espcie de quebranto que prprio de melancolia: os olhos perdero insensivelmente a natural viveza, e todos os rgos do corpo abatidos por uma repentina sonolncia, que parece simpatia, ficaro quase desanimados como se padecessem um verdadeiro desmaio. Se nesta disposio, que puramente pode reputarse como passiva, fizer algum esforo para falar com impacincia, achar que nisso intenta um impossvel. Busque muito embora as expresses mais fogosas e mais arrebatadas. Jamais poder concordar com elas o tom da sua voz lnguido e flbil, porque se tem comunicado a alterao dos seus msculos aos rgos da sua voz. Antes que esta haja de proporcionar-se s suas expresses, necessrio que ela deixe preocupar-se das ideias da raiva e da indignao, que reforando as suas desanimadas fibras, e influindo-lhe clera e furor, imediatamente lhe faro cintilar nos olhos os sinais destas paixes. Nestes termos, no s corresponder a sua voz ao seu aspecto, mas todos os seus movimentos faro uma viva pintura da sua paixo. De lnguido e mole que estava, passar a ser um fogo impetuoso, excitando nos nimos dos espectadores efeitos nada vulgares. Para que um Comediante chegue a distinguir-se e possa sobressair a todos, seria necessrio que estudasse em acostumar a sua imaginao a receber igualmente em si toda a sorte de imagens, e familiarizar-se nas expresses das diversas paixes que dominam a nossa natureza. Que quando recita, a impresso de tristeza com que a fora da prpria imaginao lhe comove e abala o corao, comunicando-se aos olhos, ao semblante e s vozes, se mostrasse melanclico e triste. Que aonde o Poeta supusesse alguma esperana, os seus olhos se alegrassem de repente, e que no tom da sua voz e na mudana das suas aces se principiasse a descobrir uma nova fora e um novo alento. Que em outros lugares se demorasse alguns momentos, e revestindo-se de um ar pensativo para facilitar estas passagens de umas para outras paixes, disponha o nimo dos seus ouvintes igualmente que o seu, para todas as revolues que capaz de experimentar o corao humano, porque sentindo-as sucessivamente, infalivelmente as far sentir ao auditrio. No s devem os representantes cuidar em que o tom da voz e o ar do semblante expressem com energia o afecto de que se supem possudos, mas ainda que o gesto lhes seja de tal sorte correspondente, que se leia em cada um respectivamente o efeito que naturalmente deve causar-lhe ou estado actual da cena, e as circunstncias do lance em que se acham, observando, porm, o conservar sem discrepncia o carcter que se lhe atribui. O valoroso deve ouvir e receber os golpes da desgraa com tranquilidade, o tmido com ar turbado, o intrpido com impacincia, e da mesma sorte os mais, conforme o interesse que tiverem, e proporo do afecto que os dominar; o contrrio seria imprprio, e destruiria a verosimilhana e a iluso Teatral. Logo que o Actor apareceu na cena j no tem liberdade prpria, porque tudo hde ser dependente das suas palavras e do interesse de que se acha ocupado. H-de entrar no tablado com passo seguro, igual e moderado, porm sem afectao. Se a aco que vem contar pede que entre apressado, h-de faz-lo sem descompor-se, e conservando,

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quanto for possvel, o ar majestoso que pede a Tragdia. Enquanto estiver na cena esteja direito sem afectao, e sem que parea hirto. Observe que a sua postura quando se mover, ou ficar parado, seja agradvel e airosa. Que os seus gestos no sejam descompostos, demasiados, violentos ou simtricos. Que para exprimir as paixes deve conhecer o gesto particular que as distingue e caracteriza. Que um homem sufocado de ira acciona diferentemente que o que experimenta em si os efeitos de uma paixo branda e suave. Que se deve atender no modo de accionar quem fala e a quem se fala: se Dama, se superior, se igual, se inferior. No mover dos braos no os dobre, no os estenda, no os levante demasiado. Estend-los ambos igualmente, ou levant-los mesma altura, no s desagradvel, mas ainda ridculo. Mover um depois do outro como a compasso, no conhecer a natureza. Figurar materialmente com as mos e com o corpo quanto articula a lngua, seria de pantomimo. As palavras so o retrato das ideias, e as aces ajudam propriedade do retrato, e assim devem estas concordar com aquelas, ou para nos explicarmos melhor a ideia, a palavra e o gesto devem conservar uma unio perfeita, o no discrepar entre si. O Poeta, diz o Pinciano 26, com o conceito declara as cousas, e com as palavras explica o conceito: o Actor com o movimento e a aco deve declarar e manifestar a palavra do Poeta, e dar-lhe fora. H tambm um certo movimento de cabea que explica muito. O melanclico, o pensativo, o aflito, o envergonhado a inclinam; o insolente, o altivo, o irado, o inocentemente acusado a trazem direita. Enfim, no h membro no corpo que se no sinta dos afectos da alma, Observe-se ainda que, nos casos atrozes a voz deve ser impetuosa, nos tristes lastimosa, nos medianos temperada, nos grandes majestosa e, nos de temor perturbada, e sumida nos de ternura suave e afectuosa, nos de respeito submissa, nos de piedade branda, nos de clera interrompida, e nos comuns regular. Para se no equivocar na escolha de um e outro tom de voz, a prtica pode s dar a instruo precisa, aplicando-se o Actor quando recita a observar at donde chega a sua voz sem frouxido ou aspereza, sem parecer trmula ou confusa; porque assim saber at que grau se estende o metal da sua voz e a fora da sua respirao. Que modulaes deve observar para evitar estes defeitos, e conseguir aquela flexibilidade de garganta que vence ou modera semelhantes imperfeies da natureza, que facilita a boa e distinta pronncia, e lhe faz adquirir aquele grau de fora ou brandura, de complexidade ou contraco, de aspereza ou suavidade, mais prprias das palavras ou afecto que pertende representar, pois certo, que a naturalidade e a exaco da pronncia, j quando se levanta a voz, j quando se modera, j quando se comprime, no s facilita o exprimir oportunamente, e sem confuso, qualquer afecto, mas serve principalmente, e com especialidade, para na ocorrncia de muitos e distintos afectos, entre si se ache logo a expresso mais expedita e proporcionada para no desfigurar e escurecer a verdadeira pintura da natureza que se requer em semelhantes lances. Muito mais nos pudramos alargar nesta matria; como, porm, de mais de ser este ponto alheio do nosso argumento principal, as nossas reflexes poderiam ser mais dilatadas da que em benefcio da brevidade desejamos, as omitimos. O que deixamos dito, julgamos por muito suficiente para dar aos Actores do nosso Teatro uma ideia do que devem observar para maior crdito do seu ministrio e maior satisfao do pblico. Damos fim a este Discurso j demasiadamente dilatado para prlogo. No emprenderemos responder, nem prevenir as objeces com que o rigorismo pode contrariar-nos. Os prudentes se gloriam das crticas, desprezam as stiras, reconhecem os seus erros para se emendar, e em outra ocasio desempenhar-se melhor .
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Epist. 13 da sua Filosofia Antiga.

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MGARA TRAGDIA Composta por Miguel Tibrio Pedegache Brando Ivo e Domingos dos Reis Quita, em 1761 ARGUMENTO Pela morte de Etocles e Polinices, vago o Trono de Tebas, veio a cair o Ceptro na mo de Creonte, que j depois da morte de Laio o havia empunhado. De unnime consentimento de todo o Povo foi elevado segunda vez ao Slio. Para melhor o segurar, desposou sua Filha Mgara com Hrcules. Este Heri, submetido pela ciosa paixo de Juno a Euristeu, Rei de Micenas, depois de muitas e arriscadssimas aventuras, desceu aos Infernos para tirar deles a Teseu, que por uma temeridade ali se achava encarcerado. Como por este motivo no aparecesse largo tempo, correu a falsa voz de ser falecido. Lico, descendente de um Prncipe do mesmo nome que reinara em Tebas, aonde fora assassinado, urdiu, fazendo-se cabea de alguns descontentes, uma conspirao para depor, como deps, do Trono a Creonte, que reduziu a uma afrontosa captura, carregando-o de ferros, e dando a morte aos Irmos de Mgara. A presumida Viva de Hrcules, vendo-se com seus Filhos sujeita discrio de um Tirano, buscou por asilo o Altar de Jpiter, que o mesmo Hrcules em outro tempo erigira no vestbulo do seu Palcio. Neste Altar, que entre os Gregos era um inviolvel Sagrado, no cessava a aflitssima Rainha de implorar a favor de seus Filhos o auxlio dos Deuses, penetrada sempre do susto e terror que lhe infundiam os excessos e crueldades do Tirano, de cuja impiedade temia ser com seus mesmos Filhos desgraada Vtima. No havia objecto que deixasse de lastimar esta infeliz Princesa. Ela ignorava o destino de Creonte, que no podia deixar de presumir funesto; ela havia presenciado a morte de seus Irmos; a larga ausncia de Hrcules lho persuadia morto; a indiferena, que no havia merecido aos Tebanos, lhe causava um no vulgar sentimento; via-se destituda dos meios para a sua conservao, e padecia um inexplicvel tormento em ver-se entre tantos males acompanhada de seus tenros Filhos. Ainda aqui no parava a sua desgraa, porque Lico, que no havia podido subjugar inteiramente aos Tebanos para ocupar o Trono que usurpava, fora pretendia que Mgara lhe desse a mo de Esposa. Cuidou muito em suavizar com todas as cores do artifcio uma to horrvel e odiosa proposio. Como tal a ouviu e acremente rejeitou Mgara. Lico nem por isso se irritou, dissimulando assim o seu nimo fraudulento. Para serenar de algum modo a paixo da Rainha, lhe restituiu a companhia de seu Pai, a fim que este a persuadisse a dar assenso sua pretenso, franqueando-lhe a assistncia no Pao de Hrcules, que at ento estivera fechado, para que a lembrana das passadas grandezas a movesse a contrair segundas npcias. Creonte e Mgara, bem longe de atender aos intentos do Tirano, mutuamente se animavam a morrer; e porque Creonte se achava desarmado, Mgara lhe deu um punhal, declarando-lhe que reservava outro para matar-se, logo que se visse destituda da esperana de conservar a vida a seus Filhos. Irritado Lico da resistncia de Mgara, a ameaava, se ela dentro de um breve termo no condescendia com os seus desejos, de puni-la com uma morte atrocssima. Nestes termos, Creonte e Mgara inteiramente deliberados a executar seu premeditado desgnio, ornaram os

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pequenos Filhos de Hrcules de insgnias funerais, como Vtimas j destinadas morte. No instante, porm, que parecia o mais desesperado, apareceu Hrcules de improviso. Mgara lhe referiu a catstrofe a que toda a sua Famlia se achava reduzida, as dissenses de Tebas, as revolues suscitadas por Lico, a morte de seus Irmos, e toda a srie de desgraas, que ela, seu Pai, seus Filhos e seus Irmos haviam padecido. Hrcules ainda que ignorava o miservel estado da sua Casa, suspenso pelo pressgio de uma ave de mau agouro que lhe vaticinava algum sinistro acontecimento, havia entrado ocultamente em Tebas. Cheio de indignao e impacincia, arrancou da cabea de seus Filhos as vendas e insgnias da morte, e entrou logo a cuidar na sua vingana. Mas, no podendo deixar de atender s persuasivas lgrimas da cara Esposa e aos prudentes conselhos de Creonte, atravessou o Ismeno a ajuntar-se com Teseu, que o esperava na frente de algumas tropas de gente escolhida. Entretanto, Lico sabendo que Hrcules havia escapado de muitas ciladas que lhe havia urdido para ser assassinado, e que naquela noite estivera em Tebas; que Teseu parava armado da outra parte do Ismeno, e que os Tebanos se resolviam a abraar o partido de Hrcules, entrou a aparelhar-se para defender-se. Juno, porm, sempre implacvel contra Hrcules levantou uma furiosa tempestade. Agitadas as ondas do Ismeno, foi a pique, e se fez em pedaos a embarcao que transportava Hrcules. Com os fragmentos do mesmo batel saram na praia com a sua clava a pele do Leo, que Hrcules trazia. Lico, no podendo sossegar, por no aparecer o cadver de Alcides, ordenou aos seus parciais que se fizessem todas as possveis diligncias para achar o corpo de Hrcules, e que se dispusessem para a batalha, caso de Teseu intentar o ataque de Tebas, e persuadido de Hrcules haver perecido violncia da tempestade, entrou a fazer as maiores instncias com Mgara para se efectuarem, ou por fora, ou por vontade, os seus pretendidos desposrios; alis se deliberava a sacrificar inteiramente uma Famlia, que sem averso e remorso no podia ver diante de si, porque nunca o deixaria lograr-se tranquilamente da Coroa, que tanto lhe havia custado a cingir. Mgara e Creonte, que ignoravam o naufrgio de Hrcules, no s trataram a Lico com sumo desprezo, seno que o ameaaram com a vinda de seu vingador, que no podia j tardar em desagrav-los de tantas opresses e injrias. Cheio Lico de impacincia, lhes mostrou as insgnias que o Ismeno deitara nas suas ribeiras, e lhes anunciou, com as mais violentas expresses que pode excogitar a sua paixo, a morte de Hrcules; e vendo que, nem por isso, dobrava a inflexvel constncia de Mgara, que antes, ao contrrio, mais se reforava no seu propsito, deu ordem aos Soldados para que, sua vista e de seu Pai, tirassem cruelmente a vida aos tenros penhores do tlamo de Hrcules. Mgara, que at este ponto no havia degenerado de uma inteira e real grandeza de nimo, digna verdadeiramente do herosmo, no podendo ver uma cena to mpia, se deitou aos ps do Tirano, e abraando-o pelos joelhos implorava a sua clemncia. No quis Lico ouvir semelhantes instncias, vangloriando-se de haver triunfado, quando j vinha fora de tempo, da sua altivez, e j mandava executar quanto antes o suplcio daqueles inocentes meninos. Hrcules, que havia escapado do naufrgio passando a nado o Ismeno, tornou a atravess-lo na frente das suas tropas, com que entrou a bloquear Tebas, cujas portas lhe foram logo abertas pelo partido da sua faco. Lico, que no esperava este fatal contratempo, se ps com toda a brevidade na defensiva; desfavorecida, porm, da fortuna, e castigada do Cu a sua tirania, ficou desbaratado. Na desesperao em que se viu, fez apreenso na Famlia de Hrcules, constituindo-se rbitro da sua subsistncia, e fez-lhe saber por Creonte que, se no depunha as armas e recusava entregar-se em seu poder, que seriam sacrifcio da sua vingana sua Esposa e seus Filhos. Hrcules j vitorioso correu a seu Palcio a libertar a sua Famlia; achou-a, porm, em poder do Tirano, que no obstante o estar vencido, no cessava de repetir instantemente os seus

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ameaos. No acabava Hrcules de determinar-se, por mais que Mgara se oferecia espontaneamente morte pela liberdade e redeno da Ptria. Lico apertava mais e mais com as suas instncias que, se no fossem ouvidas, seriam vingadas com o sangue da Esposa e dos Filhos de Hrcules. Este vacilava no partido que devia tomar, o concurso do Povo se achava em uma extrema consternao, vendo os vivas da vitria interrompidos de um to crtico acidente. Finalmente, Mgara desatou o n desta dificuldade, porque animada da vista de seu Esposo, e atenta a conservar a vida de seus amados Filhos com aquele mesmo punhal, que ela prevenira para matar-se por suas mos, para subtrair-se s violncias do Tirano, ao mesmo tempo em que este ala o brao para sacrific-la ao rigor dos fios de uma espada, ela lhe passa o peito a punhaladas. Cai morto o Tirano, fogem os seus parciais, tem termo o perigo e a tranquilidade se estabelece. ACTORES CREONTE, Rei de Tebas MGARA, Filha de Creonte e Esposa de Alcides ALCIDES, TERMACO, Filhos de Mgara CREONCIDES, e de Alcides DEICONTE, LICO, usurpador do Trono de Tebas FORBAS, Ministro de Lico ORMI DAS, Tebano rebelado Coro de Sacerdotes de Jpiter Soldados A CENA REPRESENTA O VESTBULO DO PALCIO DE HRCULES, E NO FUNDO SE V O ALTAR QUE ELE HAVIA CONSAGRADO A JPITER.

ACTO I CENA I MGARA, PROSTRADA COM SEUS FILHOS AO P DO ALTAR DE JPITER, QUE EST CERCADO DE SACERDOTES Sagrado asilo da infeliz Esposa, Eternos Filhos do famoso Alcides, Que um Tirano odioso, um Monstro infame Preservou at'qui de seus furores! Triste Palcio de meu caro Esposo! Altar, que consagrou sua piedade Ao sumo Jove, como se previsse,

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Que da sua Famlia perseguida, Este seria o nico refgio Contra os injustos brbaros desgnios De um Tirano sequioso de seu sangue! Defendeu as Relquias desgraadas Da clara estirpe de Hrcules... Oh Deuses! Desfaleo... A de mim! ... Cus! At quando As iras de um Cruel vereis expostas Estas vtimas tenras e inocentes? At quando as vereis sofrer os golpes De um fero usurpador, que as mos atrozes Impiamente banhou no Rgio Sangue De todos meus Irmos, que injustamente Se apoderou do Trono de Creonte? Depois de to sacrlegos delitos, Temer Lico de correr furioso Ao cume da impiedade? Brevemente Atrevido far nestes lugares Entrar a infame turba dos soldados, Sem temer profanar o Altar de Jove. Armados os cruis de agudas lanas No sangue destes tristes inocentes Tingiro sem piedade os duros ferros.27 Ah meus Filhos! Meus Filhos! Que destino! A inexorvel morte vos rodeia; O Cu vos desampara; Quem salvar-vos Pode de um tal abismo de desgraas? Ai de mim! Vossa me j moribunda Em vo mover com lgrimas quisera Um cruel corao, que se endurece s vozes e aos gemidos dos aflitos. No, no ser possvel que se abrande, Nem da sua soberba esperar devo Mais do que afrontas, mais que abatimentos. Coro No te vs entregar desesperada Ao verdugo da dor que a alma te refere. Desgraada Rainha! No exponhas Uma vida aos Tebanos to preciosa, To necessria a teus amados Filhos. Dos justos Deuses o socorro espera. No queiras irrit-los duvidando Da sua proteco. No desesperes. No perigo maior do precipcio Muitos se salvam. Quando inevitvel Se julga a queda, Jpiter piedoso,
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Mgara se levanta com seus Filhos.

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Por seguros e incgnitos caminhos Dos abismos de nossos infortnios, Nos conduz maior felicidade. Muitas vezes s quer experimentar-nos. Mgara Que mais posso esperar dos Cus irados? Lico triunfa, e j na sepultura Junto com meus Irmos, meu Pai descansa. Bem depressa estes mseros meninos A Vtima sero dos interesses Do fero usurpador, que nos oprime. Coro muito incerta a morte de Creonte, Se Lico o no tem j sacrificado, que teme seguir a infame empresa, E da f dos Tebanos desconfia. Nem pode ser possvel que se atreva A violar o sagrado deste asilo; E se o santo temor dos justos Deuses A sacrlega mo lhe no suspende, Suspend-la faro seus interesses, Temendo ver revoltos os Tebanos. No h da morte de Hrcules certeza; Tua tribulao s a acredita. Pode ser, pode ser que em breve tempo Alcides castigar venha o Tirano, Que impiamente abusou da sua ausncia. Mgara Ah Ministro de Jove! Como intentas Consolar-me com falsas esperanas? No, Hrcules no vive... No meus Filhos! j no vereis um Pai que em todo o Mundo Foi terrvel flagelo dos Tiranos, Um heri que imortal fez o seu Nome. Nunca mais vos vereis naqueles braos, Que domaram os monstros mais ferozes... Ah, Mgara infeliz! Porque recordas Suas faanhas to esclarecidas, Se Alcides j no goza a luz do Mundo? Coro Porque duplicas teus e nossos males, Julgando-te dos Cus desamparada?

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Se Jpiter movido com teu pranto Pode este grande Heri restituir-nos. Ele o protege, e no ser sensvel Um Deus to justo aos rogos de seu Filho? Mgara Ah! Que nenhum mortal duas vezes pode As pavorosas margens ver da estige De Teseu o desgnio temerrio Ao Reino de Pluto levou Alcides Para o salvar das mos do Deus irado. Em vo esperaremos jamais v-lo, Pois Caronte fugir no deixa a presa Que uma vez lhe caiu nas mos avaras, No duvideis, , Filhos, mais que certo: J no tendes de um pai o doce abrigo. Coa certeza fatal da sua morte Quebrou o torpe crime os grilhes duros; Da prpria cinza os monstros renasceram, E no seio infeliz da ingrata Tebas A rebelio derrama seu veneno) O infame Lico prfido a fomenta, E no sangue de meus Irmos banhado, De Creonte infeliz o trono usurpa, Que a seus vis interesses sacrifica, E como poderemos persuadir-nos, Que o rebelde da morte o preservasse? Enquanto este Rei sbio e respeitvel Gozasse a vida, Lico no podia A Coroa firmar na altiva fronte. Oh vs de Cadmo indignos descendentes! Cidade de Ansio! Em qual abismo Cegamente vos tendes despenhado? Vs debaixo tremeis das Leis injustas De um fero usurpador que vos oprime; E no vos atreveis, Povos cobardes A defender os Filhos de um Heri, Que vos encheu de tantos benefcios Coro Este sangue, oh Princesa, enfraquecido A derramar por ti prontos estamos; Mas das nossas mos dbeis, desarmadas Que podes esperar? Fraco socorro. Mgara Companheiros fiis do meu destino,

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No quero que esse amor vos custe a vida, Pois em nossa defesa interessar-vos Seria expor-vos a total runa. Mas julgai se no devo lamentar-me No triste desamparo em que nos vemos; Privada de esperana e sem auxlio, Eu s defendo a meus amados Filhos; Eu s da morte os passos lhe detenho, Como a ave, que os filhos indefesos Debaixo abriga das amantes asas. Valei-me, oh, Cus! Ah tenros inocentes! Quem dissera, naquele fausto dia Que vossa Me vos deu luz do Mundo, Que em lugar de gozar entre as delcias Da vossa infncia os inocentes brincos, A ver sem desmaiar vos costumasse Da feia morte o plido semblante Ai de mim! Pai dos Deuses, como podes Ver morrer sem socorro estes Meninos? O sangue que lhes corre pelas veias de teu filho: o sangue esclarecido. nosso asilo teu Altar sagrado; Poders consentir que as mos impuras De um Tirano o profanem sem castigo? Estes rfos depois da longa ausncia Do valeroso Pai, em tuas aras, Oh Jove, incenso queimam cuidadosos: Os puros Sacrifcios que te ofrecem Suas mos inocentes, agradveis Devem ser a teus olhos compassivos. E eu, desgraada Me, a todo o instante Com pranto amargo banho teus Altares. Que delito, que culpa cometeram Esta Me, estes filhos oprimidos, Que a seus rogos te faa inexorvel? Para mim teu auxlio no imploro; Por voluntria Vtima me ofreo. Acaba, sim, meus dias desgraados Entre os golpes dos males mais horrveis, Mas longe afasta destes inocentes O verdugo fatal que os ameaa, Castiga o Monstro infame que os persegue, E ao Trono, que lhes rouba, os restitui. Coro O estado desta msera famlia No pode ser mais triste e deplorvel: Sem amparo, socorro, sem amigos; Jove, tu s seu nico recurso,

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Poders, justo Deus, desampar-la? Mgara S lamento o destino de meus filhos. Outra consolao j me no fica. Esposo, Pai, irmos, Trono, grandezas, Enfim tudo perdi, e nada sinto, Seno a sorte destes inocentes.28 Sim, meus amados filhos, vosso estado, A desgraa cruel que vos persegue, Insensvel me faz para os mais golpes. Sim, de tudo me esqueo, e s me lembro Da misria fatal em que vos vejo. Vs me sereis Pai, irmos e Trono; Mas s porque a desgraa inexorvel Em minhas tristes lgrimas se farte, Um Tirano cruel quer dos meus braos Arrebatar-vos, meus queridos filhos, Para sacrificar a seus temores Vossa inocente vicia... Esta lembrana O corao me arranca e despedaa... Um Tirano orgulhoso h-de atrever-se Em meus filhos a pr as mos atrozes, Despedaar-lhes sem piedade os membros, E satisfeito ver correr seu sangue T exalar os ltimos suspiros... E eu desgraada Me os dei ao Mundo Para ver espectculo to triste... Primeiro sobre mim ceve o Tirano Seu furor duros golpes descarregue, Destrua a dbil vida que me alenta. A morte pode s romper os laos, Com que vos uno filhos a meu peito... Primeiro deste corpo separada Ser minha alma, que sofrer eu possa... Mas ai de mim! Oh Cus! Que estrondo este? 29 Correi filhos, correi ao vosso asilo: Abraai este Altar. Socorro, oh Jove. meu perseguidor, o Tirano; Que novas, que fatais calam idades Sua horrvel presena me anunciam! CENA II MGARA, SEUS FILHOS, LICO, FORBAS e CORO
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Mgara abraa seus filhos. Ouve-se rudo

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Lico Princesa, que te assusta? Que te espanta? E que tribulao te causa o ver-me? Sempre me hs-de tratar como inimigo? Dize-me, se eu no fora, que socorro Podias esperar? Dize, seria No ausente Alcides, por quem em vo suspiras? Ou no inconstante squito de um Povo Submisso s minhas leis? Ou no asilo Que buscaste, julgando que te havia Salvar das minhas iras e amparar-te? Tu bem sabes que posso, sem viol-lo, Sem ofender os Deuses e seu Culto Fazer-vos todos expirar nas chamas, Cercando o mesmo Altar de voraz fogo. Julgas que executado o no teria, Se a crueldade o peito me movesse? Este procedimento, que te atreves A chamar criminoso, sem respeito Justificar poder facilmente. Princesa, se teu Pai depus do Slio, Ele o tinha usurpado, pois o Trono A mim s justamente pertencia; Lico, de quem descende a minha origem, Legtimo Senhor era do Slio; Seus direitos a mim se transmitiram. A desgraa imprevista que o Destino No decurso dos tempos vai mostrando, A Mos alheias fez passar o Ceptro. Agora torna s minhas, e tu deves Respeitosa observar as Leis que imponho. Criminar-me no deves, no Princesa. Tudo se faz legtimo a quem torna posse do que havia j perdido. E qual foi o direito de Creonte Para ao Trono subir? Julgas que fosse A impiedade, a soberba, a tirania, Com que oprimiu os mseros Tebanos? Foram as sedies, que urdiu astuto Para cingir a Croa na cabea Depois da morte do piedoso Laio? Ou o dio, que sagaz entranhar soube No peito de Etocles e Polinices, Para sobre seus grandes infortnios Ao Trono se elevar, a que aspirava? Julgas que fosse a brbara impiedade, Com que mandou lanar fora de Tebas O cadver cio triste Polinices Proibindo lhe dessem sepultura?

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Seria por ter feito cruelmente Antgona infeliz sepultar viva Por transgredir o brbaro Decreto? Seria... Mgara Ah! Para que manchar a glria De to bom Rei com crimes afrontosos? Pela morte de Laio foi em Tebas De uma unnime voz Rei aclamado: Cedeu o Trono s para salv-la; Pois, quando devastava a atroz Esfinge Este Reino, meu Pai, que tu criminas, Foi o primeiro que props o Ceptro, E de Jocasta a mo para que sbio Decifrasse o fatal escuro enigma. Em seu dano venceu dipo o Monstro, E cingiu o diadema. Porventura Contra este infeliz Prncipe, Creonte Teceu conspiraes? Armou o brao? O Povo sublevou? E quando os filhos De dipo incestuoso e desterrado Disputam o Trono em crua guerra, Quanto no forcejou para aplac-los? No pode uni-los, ambos se mataram. A meu Pau pertencia o vago Trono, Por justa sucesso, com mais justia, Que a outro algum Varo da Rgia estirpe; De novo foi eleito pelo Povo A ti mesmo, que msero vagavas, Nos Pases estranhos abatido, A favorvel mo no deu piedoso? No te chamou a Tebas, onde as honras Devidas a teu claro nascimento Te fez restituir? Ento podia Julgar que no seu seio alimentava A serpente feroz, que em algum tempo Havia devorar enfurecida Toda a sua feliz posteridade! Podia ento julgar, que tu serias De seus netos o brbaro flagelo... Ah meus filhos! Ah meus amados filhos! Refgio em vo buscamos. A esperana, Este doce sustento dos aflitos, J de todo perdemos. Lico surdo Aos gritos da Justia e da inocncia, Crimes inventa aos vossos ascendentes, Para em to nobre sangue castig-los... Vai, brbaro Tirano, no me espanta

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O teu rancor, a tua crueldade: No corao, aonde o crime reina, No mais a Virtude que um vo nome. Lico Modera as iras, o furor serena. Reino, ditosos vivem os Tebanos; No busco outros, so estes meus direitos, Depois da ausncia de Hrcules o Trono Vago ficou. Creonte, enfraquecido Com o peso dos anos, no podia Reger activo as rdeas do governo. Tebas ameaada um Rei queria Capaz de a defender; em mim descansa, E teus filhos ainda em tenra idade Sem experincia aprendero de Lico Os ditames da glria e do governo... Princesa, necessrio descobrir-te Os ocultos segredos de meu peito. Ampararnos devemos mutuamente; O Amor da Ptria, nossos inimigos, A razo, nossos prprios interesses, A uma unio precisa nos obriga. O diadema, o tlamo te ofreo. Ambos aceita, e ingrata no recuses O Himeneu que benigno te proponho, Que me far, gostoso e sossegado, A teus filhos servir de Pai e exemplo. Mgara A tua audcia, o teu atrevimento Entorpeceu-me a voz, e suspendeu-me Atalhar teu discurso temerrio. Cruel, no me conheces? J te esqueces Que sou Mgara, de Hrcules Esposa, E de Creonte Filha? Justos Deuses? Porque a vida me tendes conservado? Para verme ultrajada desta afronta... Tu me ofreces um Trono que usurpaste? Tu me ofreces a mo no sangue tinta De meu Pai, meus irmos? Como atrevido Esperar podes, que de Jove a nora A seus filhos daria por padrasto Um brbaro Tirano? Sombra amada Do forte Alcides, do infeliz Creonte! Nunca entre os Manes dos Elsios campos Ocultareis o rosto envergonhado. Mgara no se esquece do que deve

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A um como Esposa, a outro como filha. Lico Princesa, no me ultrajes, no me irrites. Porque me acusas de aumentar teus males Quando desde que reino, o meu cuidado Foi sempre alivilos? Algum dia Recusei-te o que pude conceder-te? No te fiz persuadir no teu retiro, Que viesses gozar em minha Corte Todas as honras que te so devidas? Acusas-me de brbaro e Tirano? Quanto mal me conheces, oh Rainha! Se contra teus irmos fui obrigado A usar de meu poder, minha justia, Indignos se fizeram da clemncia. Quantos meios, traidores, no buscaram Para me derribar do prprio Trono Aonde a minha espada, o meu direito, E dos Povos a escolha me elevaram? E para te provar que a crueldade Nenhuma das aces me determina, Compadecido conservei a vida A Creonte... Mgara A Creonte?... Oh Cus!... Que dizes?... Vive Creonte?... O afecto no enganes De uma amorosa filha... Dize, quando De v-lo gozarei, e de abra-lo?... Verei meu Pai!... Que jbilo!... possvel?... No me enganes... Que crceres encerram Este Pai, desta filha to amado? Senhor, no te dilates. Sim, ordena Que a meus saudosos olhos aparea. Lico J preveni teus rogos obsequioso, Tornars brevemente a ver Creonte. Desvanecer benfico pertendo Os odiosos, errados pensamentos, Que contra mim formaste. Porm, quando, Senhora, os meios busco de agradar-te, Desvanecer-me posso, de que aceites O feliz Himeneu que te proponho? Mgara

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Vai, Tirano? No teu ofrecimento Leio, descubro a tua cobardia. O salvares a vida de Creonte Se deve ao teu temor, no clemncia. Se me ofreces o Trono, que pertendes Sossegar os Tebanos rebelados. Mais depressa os opostos elementos Se vero confundidos, que Mgara A to infame lao se sujeite. Lico Se da tua desgraa no nascesse Este cego furor que te transporta, Castigara uma audcia que me ultraja; Porm no mudarei o meu projecto. Tu Creonte vers; sua prudncia Te far conhecer teus interesses. Mas lembra-te que a vida de Creonte, A tua, a de teus filhos, s dependem Da pronta obedincia. Eu te permito Do palcio de Alcides hoje a entrada. Esta vista a lembrana renovando Da tua antiga glria, talvez possa Mudar teus indiscretos pensamentos.30 Vs, Velhos imprudentes e atrevidos, Segui todos Mgara, e vivamente Fazei-lhe comprender que os seus repdios, Logo faro banhar minha vingana Em torrentes de sangue. Sem piedade A descendncia extinguirei de Alcides, E a vs mesmos farei largar a vida No meio dos mais speros tormentos.31 CENA III LICO e FORBAS Lico Amigo, no te admires, e no creias Que um peito como o meu vencer se deixe De Amor efeminado. S o Trono da sua paixo o nico empenho. E pouco importar que o vulgo errado Do meu ardor herico faa um crime
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Vo-se Mgara, Creonte, e seus Netos. Vo-se os Sacerdotes.

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Para ultrajar meu nome e minha fama. Sempre a ambio foi alma dos Heris, Dos Deuses como parte ela procede; O signo luminoso, que designa Os que dentre os Mortais os mais dignos Para empunhar o Ceptro. Inda que o Povo vontade de quem reger o sabe Bem facilmente sujeitar se deixe, A prevenir os anos me ensinaram Todo o perigo que o futuro esconde. No Lico to fcil que se julgue Seguro sobre o Trono sem receios. Eu leio no semblante dos Tebanos Quanto encerram nos nimos fingidos. A cobia, o temor, os interesses Os faz s minhas Leis viver sujeitos, E qualquer esperana que os anime, Os far sacudir infiis o jugo. De um Himeneu, Amigo, necessito, Que engane o Povo inquieto e vacilante, E que de usurpador me afaste o nome; De um til Himeneu, que em dote traga O amor que inda conservam os Tebanos A Creonte, a Mgara e a seus Filhos. Forbas O absoluto poder tudo sujeita: O grande se lhe humilha, o fraco o incensa, S a teu forte brao o Trono deves. Valeroso os Tebanos subjugaste. Seu amor, seu dio que te importa? Queres um Trono, ou merecer Altares? V circundar-te a turba aduladora, Que ao veloz carro arrasta maniatada A fortuna inconstante: estes te seguem. Doma os outros. Com honras o vaidoso, Pelo temor o fraco se cativa. Uns Cidados cobardes, desarmados, Que tremem do teu Nome, temer podes? Do Himeneu de Mgara necessitas? No receias te d a mo de Esposa, Para com um punhal te abrir o peito? No receias que de Hrcules os Filhos Algum dia se vinguem no teu sangue? Pois no ser Mgara tua Esposa, Se diante dos Deuses lhe no juras Seus Filhos conservar. E se este o preo For do seu Himeneu, hs-de aceit-lo?

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Lico Desposarei Mgara a todo o preo: Tudo prometerei sim, mas no instante Que se vir de Himeneu a tocha acesa, Vers correr o sangue de seus Filhos. Prometer e faltar astucioso E virtude nos Reis, arte de todos, E seguir esta mxima pertendo... Os Ministros de Jpiter j tornam. Vamos, Amigo, consultar os meios, Que a meus intentos busco favorveis, E o meu feliz Destino completando, Este Povo sosseguem turbulento. Deixemos estes velhos imprudentes Hoje exalar os ltimos suspiros Da sua liberdade, e do indiscreto Amor em que ardem por seus Reis antigos. Coro Oh Jove! Tem piedade Da nossa infeliz sorte; Dissipa a tempestade Que nos vai submergir. Somos fracos cordeiros Sem resistncia entregues A lobos carniceiros, Cujo furor o pranto No pode reprimir. Corifeu Estrofe 1 Pacficos ouvis nossos gemidos, Oh Deuses testemunhas De tantas crueldades, tantos crimes. Antstrofe 1 Nas suas sombras a morte nos envolve; Triunfa a impiedade: Aonde esto, Jpiter, teus raios? Coro Oh Jove! Tem piedade

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Da nossa infeliz sorte &c. Corifeu Estrofe II Profana teus Altares destrudos A soberba implacavel Teus justiosos raios desprezando. Antstrofe II Enquanto ns gememos abatidos, Os prfidos recolhem Em paz o horrvel fruto dos seus crimes. Coro Oh Jove! Tem piedade Da nossa infeliz sorte &c. Um Sacerdote Vingador irado e justo, Vem mudar nosso destino. Outro Do teu Tribunal Augusto Sai a vida, sai a morte. Ambos Reprime a cruel violncia De um sacrlego execrando. Tu s da triste inocncia O piedoso defensor. O Primeiro Dos soberbos os furores Destris, corno o fogo a cera. O Segundo Como o orvalho as tenras plantas, Tu animas os humildes.

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Ambos Reprime a cruel violncia De um sacrlego execrando Tu s da triste inocncia O piedoso defensor. Corifeu Estrofe III Ao som da tua voz os Cus se movem Os ventos se enfurecem, O rochedo se abala, as ondas bramam. Antstrofe III Ao som da tua voz cintila o raio, Confundem-se os abismos Assustada e em silncio a Terra treme. Coro Oh Jove! Tem piedade Da nossa infeliz sorte &c.

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ACTO II CENA I CREONTE COM CADEIAS, SOLDADOS E CORO Creonte Onde me conduzis, feros Ministros? Para o suplcio encaminhais meus passos? Oh Cus! Depois de to fatais desgraas Me olhais propcios? Prfidos Tebanos? Que esperais para dar-me o duro golpe? Julgais vs que podeis intimidar-me Que no gelado inverno de meus anos Possa assustar-me o horror da sepultura? para os infelices doce a morte. Destes ferros indignos carregado Rodeado de Soldados revestido Do oprbrio consagrado ao crime infame, Que mais posso temer? Feri sem susto: Vosso Rei o delito vos perdoa Que temor que piedade vos suspende? Desfaleceis ingratos? No temestes, Vassalos infiis, roubar-me o Ceptro, De que me achastes duas vezes digno, Para nas mos o pordes de um Tirano? E receais cobardes, dar-me a morte! Feri, feri, que a vida me pesada. Vi perecer, a todos os meus Filhos; Sem dvida Mgara a mesma sorte Desgraada sofreu, e do rebelde Que elevastes traidores, ao meu Trono, J tero sido vtimas meus netos. Acabai de quebrar a deplorvel, Dbil cadeia que a minha alma prende: O que primeiro derramar meu sangue Meu benfeitor ser. CENA II CREONTE, FORBAS, SOLDADOS e CORO Forbas Senhor, que dizes? Porque chamas a morte? O teu Destino

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A estado mais feliz hoje te eleva, E compassivo Lido, enfim, pertende Dar-te evidentes provas de amizade: Ele a buscar-te vem, aqui o espera. Creonte De um Tirano a piedade, os benefcios So sempre suspeitosos. Ah Mgara! Ah meus amados netos! Ter Lico Derramado impiamente o vosso sangue? Inda meus olhos gozaro de ver-vos A ventura, o feliz contentamento! Forbas Consola-te, Senhor, inda Mgara Goza da companhia de seus Filhos. Creonte Minha Filha! Meus netos inda vivem? Justos Deuses! Sejais engrandecidos. J das desgraas, j de desamparo, Em que vs me deixastes, me no queixo; J morrerei em paz. Forbas O amor materno A lastimosa infncia de seus Filhos Enterneceu o corao de Lico; Como piedoso Pai ele os protege. Creonte Que Pai, oh Jove! E consenti-lo podes? Forbas Hoje sua piedade a mais se estende, Tua famlia quer restituir-te. Ele aqui vem, no vs, no vs soberbo Irritar o seu nimo benigno. Creonte Oh Deuses, suspendei-me! A seu aspecto Todo em furor o sangue se me agita.

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CENA III CREONTE, LICO, FORBAS, SOLDADOS E CORO Creonte Para mais insultar um desgraado , cruel, que do crcere me tiras? Dize, que intentas? Lico Darte a liberdade. Pertendo que me vejam os Tebanos Coas prprias mos os vergonhosos ferros Amigo desatar. Creonte Estas cadeias S para ti so vis e vergonhosas. Lico O rigor, que do tempo as circunstncias A usar contra ti me constrangeram, Creonte, me perdoa. Vem agora Esquecer-te no seio da amizade Dos motivos que tens para queixar-te. Associar-te pertendo hoje a meu Trono, E restituir-te doce companhia De tua amada Filha e de teus Netos. Creonte A clemncia, que ostentas generoso, Que h-de custar-me, Lico? Lico A obedincia; Escuta-me, Creonte, ouve-me atento... As inteis disputas evitemos, Dos direitos que ao Trono me elevaram. Sempre os Deuses castigam os delitos; Se o meu Poder e minhas Leis subsistem, porque o Cu legtimas as julga. E quanto mais que as nobres cicatrizes,

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Que esta fronte guerreira e altiva ostenta, S devem ser cobertas co Diadema. A minha espada mo cingiu na fronte, O meu valor no Trono me sustenta; Mas, lembrandome os grandes benefcios Que liberal comigo despendeste, Nos tempos infelices que eu vagava Perseguido, e de Tebas desterrado, Quero contigo repartir o Ceptro; E para unirmos nossos interesses, Quero dar a Mgara a mo de Esposo; Hoje se acenda de Himeneu a tocha. Dize, Creonte: aprovas meus intentos?... Emudeces?... Responde. Creonte Desarmado Como hei-de responder? D-me uma espada E vers se te dou pronta resposta... Atrevido vassalo! J te esqueces, Que de teu prprio Rei Mgara Filha? Que do Filho de Jove foi Esposa? esta aquela F sagrada e pura, Que submisso juraste nos Altares? Responde, ingrato: esta a f que deves Aos desgraados Netos de Creonte? J te entendo, Tirano: se a impiedade Na aparncia de amigo dissimulas, que temes, Cruel, tua runa; No assusta um Tirano, quando treme. Lico Ofendes-me, imprudente? Tu ignoras, Que com uma palavra abater posso O soberbo, o atrevido que me ultraja? Creonte Pronuncia a Sentena, que sem susto Me vers receber o duro golpe; Na morte s desmaia o criminoso. Lico No queiras da piedade, que refreia As minhas iras, reprimir o curso; No queiras com orgulho presumido,

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Creonte, desprezar meus benefcios. Creonte S nimos cobardes, vis, sem honra Dos Tiranos aceitam benefcios. Como te atreves a dizer que intentas Dar hoje minha Filha a mo de Esposo? Que falas com teu Rei, lembra-te, Lico. Se consente no vnculo, Mgara, Antes que dessa infmia ela me manche, Eu mesmo lhe darei da morte o golpe. No, Tirano, esta afronta no receio: No me assustas; Mgara minha Filha. Vai, traidor. A desgraa abater pode Um peito que a Virtude no conhece; Porm, um corao ilustre e grande, Ainda que ultrajado do Destino, Tem por amparo e por asilo a morte. Em vo julgas poder intimidar-me A mesma execuo do duro golpe, Bem longe de afrouxar a minha audcia, Cada vez mais a acende, mais a irrita. Goza, traidor, do Ceptro que usurpaste; Submete s tuas Leis, se podes, Tebas; Minhas desgraas, minha vida acaba, Mas deixa-me morrer, sem que a meus olhos Ofreas um cobarde, um vil Tirano. Lico Deixei desafogar as tuas iras, Por ver onde chegava a tua audcia. Inimigo soberbo e temerrio, Atrevido te faz minha bondade. Tu me ofendes e ultrajas, porque julgas, Que no vinga as afrontas a demncia. Nessa abatida sorte, no ostentes Um perigoso orgulho, que presumes Do valor, da Virtude herico impulso. Consulta os teus precisos interesses, E no deixes guiar-te da soberba. Ol! Chamai Mgara. V, Creonte, Que para o Trono tem tua Famlia Inda o caminho aberto. A vossa perda H-de ser infalvel, se o recusas. Prontamente decide. Mas pondera, Que a mais vil morte punir o erro De um conselho imprudente. Adeus; atende, Que esta bondade, que se irrita e cansa,

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D para resolver-te um s momento. Creonte No esperes vencer minha constncia. No, por mais que me oprimas e me ultrajes No hs-de constranger, mpia fortuna, Creonte a cometer aces infames. CENA IV MGARA, CREONTE e CORO Mgara Feliz momento! Instantes venturosos! Amado, ilustre Pai, como possvel, Que a ver-te estes saudosos olhos tornem? Corno possvel? Creonte Deuses! J propcios De atender a meus rogos vos dignastes! Vem a meus braos, minha amada Filha, Depois de tantos males e infortnios Me permitido ver o doce objecto De tantos votos, lgrimas e suspiros Mas tu choras, Filha, nos meus braos? Mgara So da alegria as lgrimas efeitos. Minha felicidade to imensa, Que eu mesma acredit-la apenas posso. Ide apressados a buscar meus Filhos, Que a mo de seu Av a beijar venham. Ah suspirado Pai! Depois de tantas Tribulaes, de lgrimas, gemidos, Que por ti derramei! Ah quanto doce Este feliz instante! Creonte Ah minha Filha! Bem caro nos far hoje o Tirano Pagar estes instantes de alegria.

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CENA V MGARA, CREONTE, OS FILHOS DE HRCULES e CORO Mgara Vinde, Filhos amados, apressai-vos. Abraai vosso Av. Abraai, Filhos, Beijai aquelas mos, que encaminharam Com vigilante amor da vossa infncia Os incertos e mal formados passos. Creonte No sei, como a alegria no sufoca, No suspende desta alma os movimentos! Doces relquias do famoso Alcides, Ai de mim! Tristes, desgraados rfos, J no vereis um Pai que foi espanto De todos os mortais. Tenros Meninos, Vtimas da ambio, a dura morte, Os oprbrios vos cercam, quando as honras Rodear vos deixam. Dos meus braos No, no vos separeis. Deixai que eu verta Sobre vs estas lgrimas que choro. Perdestes vosso Pai, perdestes tudo. Mgara Ai de mim! Estes tenros infelices No podem costumar-se a larga ausncia De to amado Pai. A cada instante Aonde est? Que faz? Tristes perguntam. Se torna logo? Ao mnimo rudo Vo correndo enganados na esperana De seu Pai abraar, que em vo desejam. Creonte No nos lembremos, Filha, dos motivos Que aumentam nossa mgoa e nos afligem. Manda ao Palcio retirar teus Filhos, Para comunicar-te em liberdade O golpe que de novo te ameaa; E to preciosa vista no perturbe Tua ateno. Mgara

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Amados Filhos, ide,32 Vossa Me no far longa demora; Viver sem vs no pode um s momento. CENA VI MGARA, CREONTE e CORO Creonte Lico pertende ao Trono associar-nos, E teus filhos salvar, se agradecida A dar-lhe a Mo de Esposa te sujeitas; Mas se este oferecimento lhe recusas, A todos logo morte nos entrega. Mgara No h que duvidar, meu Pai, morramos. Sim deve preferir-se a dura morte A uma vida comprada com oprbrio. Creonte Torna a meus braos, adorada filha. A Virtude falou por tua boca. Meu sangue em teu discurso reconheo. Com teu valor, com tua heroicidade Hoje mais vivo o meu amor renasce. Mgara Sim, morramos; porm, no esperemos Uma morte sem honra e vergonhosa. Morrer s cruis ordens do Tirano morrer como escravos. Sim, morramos, Mas livres. Cai o touro nos Altares Do Sacrificador aos duros golpes; O criminoso morre no suplcio, Mas um corao forte independente Deve determinar o seu Destino. No, no h-de o Tirano gloriar-se De injusto derramar o nosso sangue Para mais confundir as suas iras. Eu pertendo (Ai de mim! Que horror me gela!) Dar-te um socorro de que eu mesma tremo, Mas a honra me impe esta lei dura.
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Mgara conduz seus Filhos at o vestbulo do Palcio, e o Sacerdote Magno os acompanha, e torna.

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Tu desarmado ests; toma este ferro,33 Para mim outro guardo acautelada, Acabe a nossa vida aos nossos golpes. Mas antes desta aco executarmos, Ao Povo vamos entregar meus filhos. Sem dvida movidos os Tebanos De honra estimulados, e vingana, Ho-de enfim defend-los. O Tirano Se ver constrangido a respeit-los. Creonte Esse punhal me d, varonil filha; Com que gosto o recebo! Aqui vem Lico J saber o que temos resolvido, A teu valor herico a glria deixo, Filha, de confundi-lo e de responder-lhe. CENA VII LICO, CREONTE, MGARA e CORO Lico Enfim, bela Mgara, enfim Creonte, Ambos pela prudncia aconselhados Resolveis consentir em meus intentos? Gostoso associarei hoje a meu Trono Um Prncipe, um Heri, a quem respeito, Uma Princesa que de Tebas glria; Os tenros filhos do famoso Alcides Aprendero seguindo meus exemplos, Aos Deuses imitar, de quem descendem... Mas que?... Que significa esta arrogncia, Este desprezo, que me estais mostrando? A desobedecer-me porventura Vos atreveis, ingratos? Mgara Ah Tirano, Pudeste persuadir-te que Mgara, Pudeste persuadir-te que Creonte Temerosos haviam de infamar-se? Mas de um traidor cobarde nada espanta Pela sua vileza a todos julga; Se a to torpe Himeneu me sujeitasse,
33

D-lhe um punhal.

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Seria para o nmero das filhas De Dnao completar. Seria infame Para escolher lugar, em que segura Cravasse o ferro em teu cobarde peito. Lico To grande afronta, prfidos, soberbos, Dissimular no podem minhas iras; Eu saberei vingar-me e castigar-vos; E j que me insultais, minha demncia No sofrer mais ver-se escarnecida, O que sofre as afrontas sem vingar-se, Os ultrajes merece mais indignos. Creonte No Destino cruel que nos persegue, Poderemos temer a dura morte? Teme-a o culpado, o desgraado a chama, O inocente sem sustos a recebe. Mgara Lembrem-te os crimes clebres de Tebas, Como foram dos Deuses castigados. Semelhante Destino te anuncio Aos de to desumanos criminosos, E menos cruis, menos mpios eram, Que tu, Monstro feroz, te tens mostrado. Hrcules pode ser que ainda viva; Se vive, temer deves o Destino De Gerionte, de Caco, de Tirrenes, De Bergionte, Diomedes e de Albionte. O msero destino enfim te lembre De Laomedonte, e de Augias. E se Alcides Assim castigar soube uma perfdia, Julga tu com que golpes, e violncia No h-de castigar-te a ti, que excedes Todos estes cruis facinorosos, E que ultrajas seus filhos, sua Esposa. Lico Assim abusais ambos da indulgncia, Com que tenho sofrido a vossa audcia? No sou; serei, se me quereis, Tirano. Com a vinda de Alcides ameaas? Dize: to imprudente me julgaste, Que h muito a no tivesse prevenido?

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J na Grcia propus um grande prmio A quem trouxer de Alcides a cabea; Se aparece, no h-de achar asilo. Muitos disputaro a honra, a glria De lhe tirar a vida... Mas pertendo Usar convosco ainda de piedade, E dar-vos tempo para consultardes Melhor os vossos teis interesses. Ou obedece s minhas Leis, Creonte, Ou vai perder a vida no suplcio; Mgara vem a dar-me a mo de Esposa, Ou vai o ltimo Adeus dar a teus filhos.34 Mgara J tenho resolvido; eu vou dar, Lico, Em meus filhos os ltimos abraos. Creonte Dispem que a morte no nos intimida; S cruel no instante em que se passa. CENA VIII MGARA, CREONTE e CORO Mgara J, desgraado Pai, que no podemos Os direitos unir da Natureza Com as obrigaes que dita a honra, Vamos cobrir meus filhos infelices Com os ornatos fnebres da morte; Talvez que o Povo fique enternecido, Vendo aqueles meninos coroados, Como inocentes vtimas da morte. Se a esperana perdemos de salv-los, s nossas prprias mos morramos livres. E sirvamos de exemplo heroicidade. Coro Cobramo-nos de luto, Os cabelos cortemos, E conformes rasguemos Estes ornatos vos.
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Vai-se Lico.

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Estrofe 1 Corifeu Porque delito os inocentes filhos Do valeroso Alcides To grandes desventuras mereceram? Inda apenas seus olhos principiam A ver a luz do Mundo, E podeis consentir, supremos Deuses, Que o seu destino seja Como a flor, que no prado V nascer e murchar o mesmo dia? Coro Cubramo-nos de luto, &c. Um Sacerdote Do Tirano aos golpes duros Cairemos sem defesa, Como os frutos j maduros, Que derriba a tempestade. Coro Cus! Se tu nos desamparas, Quem nos h-de defender, Quando em tuas Santas Aras Nos vem mesmo acometer? Outro Sacerdote No consintas, Cu piedoso, Que o Tirano nos abata, Como o lamo frondoso, Que o vento arranca da terra. Coro Cus! Se tu nos desamparas, &c. Os Dous Sacerdotes Faam as celestes chamas Em p nossos inimigos,

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Assim como o fogo as ramas A leves cinzas reduz. Coro Cus! Se tu nos desamparas, &c. Antstrofe 1 Corifeu Como do pai a glria te no move, Jove, em favor dos filhos? Onde voltas os olhos, que no vejas Admirado de seu valor o Mundo? Despedaar serpentes Foi triunfo no bero conseguido. Em que remotos climas No tem seu brao forte Levantado padres sua fama? Coro Cobramo-nos de luto, &c.

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ACTO III ESTE ACTO SE PASSA NO FIM DO DIA, DE SORTE QUE QUANDO ACABA J TOTALMENTE NOITE. CENA I MGARA, CREONTE, OS FILHOS DE HRCULES VESTIDOS DE LUTO E ORNADOS COMO VTIMAS e CORO Mgara J o Altar est pronto, e o Sacerdote? Aqui esto as vtimas. Ah filhos, Que funesta unio! A dura morte Nos junta nestes hrridos lugares, E de meus ternos braos vos separa... Sim, pela ltima vez vos vem meus olhos. Cruel Destino! Que eu vos desse ao Mundo, E amorosa a meus peitos vos criasse, Para vos ver, meus filhos, destinados Aos oprbrios de um brbaro Tirano! So estas as gloriosas esperanas, Que tanto ao vosso Pai lisonjeavam? Termaco infeliz! Que adverso fado! Teu valeroso Pai te prometia De Euristeu o Palcio, o Ceptro de Argos, E a pele de Leo, de que se ornava. A ti, meu Creoncides, pertendia Armar o brao da nodosa clava, E cingir-te de Tebas o Diadema. A ti, tenro Deiconte, destinava O Senhorio da famosa Oecalia Pelo seu forte brao conquistada. Vosso Pai cuidadoso, tristes rfos, Em seus vastos desgnios intentava A Coroa cingir na fronte a todos, Enquanto vossa Me se desvelava Em vos buscar Esposas de vs dignas. Transportava-me em jbilo secreto, Segurando nas firmes alianas Entre Lacedemnia, Atenas, Tebas, Vossa felicidade e vossa glria. Projectos vos! Desvaneceu-se tudo Como vista do Sol a espessa sombra. Ah filhos infelices! O destino As inflexveis Parcas por Esposas Hoje vos d, e a mim por nupcial banho

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As dolorosas lgrimas que verto. Vosso Av desgraado vos ofrece Em lugar do banquete a sepultura... A qual de vs abraarei primeiro? Qual banharei primeiro com meu pranto?... Caro Esposo! Se l na escura Estige Os gemidos se escutam dos viventes, Meus lastimosos ecos ouve atento: Pluto mesmo, esse Deus inexorvel, De me ouvir ficaria enternecido. Tua famlia, Pai, Esposa e filhos De um golpe vo cair na sepultura. Fez o teu Himeneu feliz chamar-me, E aqui venho morrer de oprbrios cheia. A socorrer-nos vem, ou mostra ao menos A tua Sombra Augusta; ela s basta Para abater os mpios assassinos, Que em nosso sangue tingiram os ferros. Creonte Vs, Deuses, a quem temos ofrecido Tantos votos inteis, tanto pranto, possvel que o zelo, que o desvelo, Com que ns procuramos imitar-vos, Irritem inda mais as vossas iras? possvel, que os rogos e os gemidos, Que submissos s vossas leis opomos, Vos achem sempre surdos e inflexveis? Coro Os Decretos do Cu respeita humilde, Oh Rei! Benignos ouvem sempre os Deuses Os gritos da inocncia perseguida. Mgara Amados filhos! Prmio venturoso Dos mais ardentes votos! Doce objecto De cuidados to ternos e extremosos! Puro sangue de Jpiter supremo! Minha doce esperana, cuja infncia Cheia de tanto jbilo educava! Imagem de um Esposo, que saudosa T as mesmas lembranas idolatro! A sanguinosa morte vos espera, Eu vos verei em vo (Me desgraada!) A mim as tenras mos erguer aflitos, Socorro contra os mpios implorando,

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Que em vs o mortal golpe descarregam... Endurecidos Deuses! Se piedade Minha horrvel desgraa vos no move, Fartai, cruis, fartai as vossas iras Na minha desventura e no meu pranto. Coro So ao Discurso Humano impenetrveis Os juzos dos Deuses, e devemos Adorar reverentes seus castigos. Creonte Vinde, infelices, a meus braos vinde, Vtimas inocentes, que banhar-vos Com minhas tristes lgrimas pertendo... Recebei neste os ltimos abraos. Mgara Vs, Cidade, Palcio, Altar, Lugares, Testemunhas fiis da minha glria, Adeus: ficai cobertos de meu sangue, Que pela ltima vez vos v Mgara. Creonte Oh impiedade! Que esperais, Deuses, Para mostrardes o poder supremo? Triunfa o crime? Profana-se a Justia? No esquecimento dorme o vosso culto? Para no Trono Lico assegurar-se, Reparo algum no h, que no destrua A Tirania, leis que no corrompa, Sangue que no derrame. s suas iras Nada sagrado, nada respeitvel. Usurpador, do Trono me despoja, De Mgara, que ultraja, insulta os filhos; E por subir ao cume de seus crimes, A todos faz morrer no cadafalso. Mgara Vinde, Filhos, correi para meus braos. Quem para aqui os passos encaminha? E sem dvida algum Ministro horrvel Do prfido Tirano. Cus, piedade!... Mas que vejo? possvel, justos Deuses? No se enganam meus olhos?... Algum sonho

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Lisonjeiro os sentidos me alucina?... Ah meu Pai! Ah Ministro dos Altares! No o meu Esposo?... Sim, ele. A busc-lo corramos apressados. Vinde filhos, deixai o vosso asilo: Vosso Pai aqui vem. Ide abra-lo. Aos vestidos paternos segurai-vos. o libertador, a divindade, Que dos braos da morte vos arranca. CENA II HRCULES, CREONTE, MGARA, SEUS FILHOS e CORO Hrcules Salve, Palcio, que fiel encerras O tesouro a meus olhos mais precioso. Salve, paternos Lares... Cus, que vejo! Meus filhos como vtimas ornados!... De Cidados cercada a cara Esposa!... Creonte aflito em lgrimas banhado!... Que isto? Que desgraa vos sucede?... Mgara Vem a meus braos, adorado Esposo, Vem dissipar os meus mortais temores; Amado Esposo, vem, que a tempo chegas De resgatar a msera famlia. Hrcules Que dizes? Que infortnios me anuncias? Senhor, este desastre me declara. Creonte Ns amos morrer... Mgara Sim, a impiedade (Perdoa, amado Pai, se te interrompo) Sim, a impiedade morte condenava Tua Esposa, Creonte e nossos filhos. Hrcules

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Que estranho, horrvel caso! Cus, que escuto! Mgara Meus Irmos infelices j no vivem. Hrcules Com as armas nas mos no Marcial campo Deram as vidas? Mgara No; o cruel Lico Seu sangue derramou. Hrcules Melhor te explica: Venceuos Lico fora de seu brao? Mgara No, sua ambio a Tirania Todos sacrificou, e socorrido De uma conspirao que urdiu astuto, Se apoderou de Tebas. Hrcules Esta afronta S me respeita a mim, a mim me ultraja, E a vingana a meu brao s pertence; Porm tu, nossos filhos e Creonte, Que recear podeis? Mgara O Tirano Todos sacrificava sem piedade. Hrcules Que brbaro projecto! Que receava O temerrio Lico de meus filhos? As suas dbeis mos, a tenra infncia No seguravam sua cobardia? De uma fraca Mulher, e de Creonte Com o peso dos anos abatido, Que podia temer esse cobarde?

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Mgara Temia que meu pranto e meus clamores, Contra ele rebelassem os Tebanos; Que do infeliz Creonte os infortnios O corao do Povo enternecessem: Temia que meus filhos algum dia No seu prfido sangue se vingassem. Hrcules Vs cobertos com fnebres vestidos? Mgara Os lgubres ornatos so da morte: Espervamos ser sacrificados. Hrcules Cus! Deveis morrer aos duros golpes De um Tirano cruel? Severa Juno! Oh desgraado Alcides! Creonte Os ingratos Tebanos, vis escravos de um rebelde, Como desconhecidos afastavam Os olhos infiis dos nossos males; E perdidas de todo as esperanas Nos julgvamos, j desanimados, Que no verias mais a luz do dia. Hrcules Acreditar pudestes vs, que Alcides Depois de superar tantas fadigas, Vencedor no sasse desta empresa? Creonte De Euristeu os frequentes mensageiros A tua morte todos confirmavam. Hrcules Mas constranger-vos pode esta notcia A deixar o Palcio, os Santos Lares?

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Mgara Dele fomos lanados com violncia, Creonte em duros ferros maniatado. Hrcules Que impiedade! O traidor, o infame Lico, (Oh Cus!) teve valor de encher de ultrajes Um ancio, um Rei to respeitvel? Mgara Porventura a violncia, a injustia Conhecem a piedade? Hrcules A minha ausncia Dissipou os afectos dos amigos? Creonte Amigos nunca tm os desgraados. Hrcules Os ingratos Tebanos j perderam A lembrana de tantos benefcios? Mgara At aqueles mesmos, que a virtude Fazia confessar agradecidos, Levados pela turba dos ingratos De ns se separaram. A desgraa Sempre a amizade esfria, sempre acaba. Hrcules Ah prfidos Tebanos!... No me ofendam Mais a vista estas fnebres coroas! Com que satisfao, filhos amados, Eu das vossas cabeas as arranco!... Deixai que as justas lgrimas enxugue... Largai os meus vestidos... Largai, Filhos; Vosso Pai no pertende abandonar-vos... Mgara

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J cessam meus temores... Caro Esposo, s o Deus tutelar que vem salvar-nos. O cruel Lico no se contentava Com usurpar o Trono de teus filhos, Com derramar de meus Irmos o sangue, E carregar meu Pai de indignos ferros; Atrevido queria constranger-me A dar-lhe a mo de Esposa, ou sem piedade Entregar-nos morte... Hrcules Temerrio! Com os golpes mais feros da vingana Deixarei este dia sinalado... No satisfaz bastante as minhas iras Despedaar o brbaro rebelde, Ver seus membros servir aos ces de pasto; Sim, sim, hei-de envolver neste castigo Os ingratos, os prfidos Tebanos, Como traidores cmplices de um crime, Que cobardes sofrero. Palpitantes Se vero seus cadveres flutuando Nas correntes do Ismeno ensanguentadas. A um Pai pertence castigar o ultraje Feito a seus filhos. Um Esposo deve As afrontas vingar da ilustre Esposa. Todos os meus triunfos e faanhas Desprezarei por menos gloriosos, Ver-se- manchada a glria, com que Alcides Vitorioso aterrou de Lerno a Hidra, Com que o leo dos bosques de Nemeia Fez rugir em seus braos sufocado. Ver-se- manchada a glria, com que Alcides A Crbero mostrou luz do dia Arrastrado por speras cadeias, Se meu furor no farto na vingana. Creonte Escuta, amado Alcides, os conselhos De um velho a quem os anos instruram. Teu herico valor menos consulta: O valor, a prudncia no exclui. Detm-te; no te exponhas s, meu filho, multido infame dos rebeldes, A quem a dissoluta liberdade, A sedio, os prmios e ameaos Tem ligado vontade do Tirano;

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E se eles na Cidade entrar te vissem, Contra ti se uniriam depressa armados. Hrcules Que importa, que me vissem os rebeldes: Qual deles sem tremer poder ver-me? Creonte Tu te perdes, meu filho! V que Lico Vigilante e receoso nos observa. Considera que ests nestes lugares Cercado de inimigos, sem Soldados, No perigo de seres descoberto. Hrcules No quero mais socorro que o meu brao. Coro Ah! Reflecte, Senhor, que o traidor Lico Vai com ouro nas mos por toda a parte, A comprar contra ti os assassinos. Hrcules Desprezo os meios vis de que se servem Os Tiranos, os nimos cobardes. Mgara No encontrars mais que vis escravos, Amigos sem lealdade. O cruel Lico A todos tem comprado e corrompido, E se algum resta, no silncio geme. Hrcules A violncia que ao jugo de um Tirano Arrastra os Povos, voraz incndio Que debaixo do Trono arde escondido. Os passos favorveis vingana No detenhamos. Triunfa o valeroso, Enquanto incerto o tmido vacila. Coro

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Mas como poders ferir seguro Um Rei, a quem despertam mil suspeitas, E a quem circundam guardas numerosas? Hrcules Amigos, no podeis aconselhar-me, Que o valor se enfraquece na velhice. Alcides hasta s para vingar-se. Creonte Tua nobre constncia no crimino; Mas deve aconselhar-nos a prudncia. Hrcules Sempre os audazes a fortuna guia. Demasiado os prudentes se alucinam: O perigo maior se lhes figura. Os intrpidos menos consideram, Foge a iluso, coroa-os a vitria: No instante, no conflito mais terrvel O seu valor herico resplandece. Mgara No ds novo motivo a meus temores. O teu valor intrpido despreza Os perigos maiores. Mas, Esposo! O valor contra a multido que pode? Esta Cidade est de espias cheia, E sabe j sem dvida o Tirano, Que a Tebas tens chegado. O Universo Com ilustres faanhas admiraste? Foste afrontar a morte nos abismos Para morrer s mos dos vis rebeldes? Hrcules Serena, amada Esposa, os teus receios, Euristeu mesmo a minha vinda ignora. Um funesto pressgio, um mau agouro, Que alguma desventura anunciavam, Me fez ocultamente entrar em Tebas; E parece que o Cu guiou meus passos, E me escondeu aos olhos inimigos. Porm, j que esta noite o infame Lico Sacrificar pertendo s minhas iras, Que me importa o perigo que me segue...

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Mas qu? No vos alenta a minha vista?... O rosto vos desmaia o frio susto?... Os vossos olhos lgrimas derramam?... Que temeis? Tendes Hrcules ao lado, E tremeis assustados? Mgara Caro Esposo! Julgas que cedo a pnicos temores, Que a fraqueza do sexo me aconselha? Se meus pressentimentos no respeitas, Tem piedade de mim e de teus filhos. Pondera o inevitvel precipcio, A que vs cegamente despenhar-te. No, a prudncia nunca foi fraqueza, Nem do valor a preveno defeito. A cautela a desgraa sempre evita, Vence os perigos, doma as tempestades. Contra a traio, que pode o valeroso? Idolatrado Esposo! Se no peito Aquele antigo amor ainda conservas, Teme, teme os perigos que te cercam. Hrcules Alcides no conhece o medo. Mgara Esposo, nica consolao das minhas mgoas! Pelo nosso Himeneu, por nossos filhos, E pelo nosso amor, muda de intento, A teus ps tua Esposa to suplica. Hrcules Vem a meus braos, adorada Esposa... J a vossos conselhos me sujeito, Rendido a vossos rogos me reprimo: Adeus. Eu vou atravessar o Ismeno, Juntar-me com Teseu, que ali me espera, Na frente de Soldados escolhidos... Ah brbaro Tirano! Estes instantes, Que constrangido respirar te deixo, Te ho-de custar a morte mais violenta. Creonte, Esposa, Adeus, Filhos, Adeus. Mgara

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Detm-te, Alcides. j nos desamparas? Tens de um perigo apenas escapado, E vs de novo expor-te? Hrcules Nada temas, Da desgraa esquecei-vos. A alegria Serene vossas lgrimas e sustos. Adeus. Eu vou juntarme aos meus amigos. Ide para o Palcio, que depressa Tornarei a vingar vossas afrontas. Virei a castigar os vis rebeldes, Que do Trono a Creonte despojaram, E que da minha ausncia se valeram Para ultrajar-me a mim, Esposa e filhos. Como Pai vingana correr devo, E um Pai, ou seja humilde ou nobre seja, Inflamado em ternura e valor, corre A socorrer seus filhos nos perigos. Adeus, que a dar os golpes da vingana Vs me vereis tornar em breve tempo. Mgara Adeus. Mas v que a dilao mais breve O instante me h-de parecer da morte. Hrcules Creonte, Esposa, Adeus, Filhos, Adeus. Coro Sumo Senhor dos Deuses, J dos nossos gemidos Teus paternos ouvidos O eco penetrou. Tua vista piedosa A mesma vida anima, Que a morte sanguinosa Com a fouce cortou. Estrofe 1 Corifeu Vejo o mpio cruel que nos persegue, Por terra j prostrado,

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Forcejar oprimido na cilada, Que as suas mos teceram. Coro Sumo Senhor dos Deuses, &c. Antstrofe 1 Corifeu J Nmesis com passos apressados Vibrando ardentes fachas, Traz nas mos o castigo justo e duro, Que segue o torpe crime. Um Sacerdote Sempre a paz do mpio foge, Sempre a busca, mas em vo. Outro Sacerdote Jamais o sossego habita Seu prfido corao. Ambos A mo forte e vingadora Sobre si v sempre armada, O remorso a toda a hora O atribula e faz tremer. Coro Que improvisa tempestade!35 Os relmpagos fuzilam, Os bravos ventos sibilam, E retumbam os troves. Estrofe II Corifeu Que novo crime, oh Jove, cometemos? Quando a tua piedade Humildes espervamos, acendes
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Ouvem-se os troves, vem-se os relmpagos.

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Da fatal ira os raios. Um Sacerdote Dos montes se despenham As rpidas torrentes. Outro sacerdote As tmidas enchentes Vem Tebas submergir. Coro Piedade, sumo Jove! O raio vingador Volta contra o Tirano, Da inocncia opressor. Antstrofe II Corifeu s s nossas desgraas insensvel? s surdo a nossos rogos? Vs do livro dos vivos sem piedade Riscar o nosso nome? Coro Piedade, sumo Jove! &c.

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ACTO IV NESTE ENTREACTO, QUE SE PASSA DE NOITE, SE DEVE REPRESENTAR AOS OLHOS DO ESPECTADOR UMA TEMPESTADE HORRVEL COM RELMPAGOS, TROVES &C. CENA I LICO, FOR BAS, CORO e SOLDADOS Lico Sacerdotes indignos e imprudentes, A quem conservo a vida por desprezo, Chegou o dia em que da vossa sorte Determino dispor a meu arbtrio. Castigarei os rogos e os clamores, Com que Tebas encheis de horror e espanto, Pedindo contra mim aos Cus vingana. Vossa vista me ofende, retirai-vos,36 E Mgara, seus Filhos e Creonte, Logo minha presena prontos venham. Vs, Guardas, retirai-vos.37 CENA II LICO e FORBAS Lico Fiel Amigo Agora poderei com liberdade Depositar no teu prudente seio Toda a tribulao que me horroriza. Que tormentosa noite! Os Elementos Pareciam querer enfurecidos Disputar entre si nossa runa. As correntes do Ismeno pertenderam Devorar estes muros. Enfim, Tebas Me pareceu que trmula queria Nas entranhas da Terra submergirse. Confesso-te, foi esta a vez primeira, Que em meu peito senti o frio susto, E que temi os Deuses vingadores! Em vo sei que fatais pressentimentos
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Vo-se os Sacerdotes. Vo-se os Guardas.

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De um funesto temor gelam meu sangue?... Tu mil vezes, Amigo, asseveravas Que, se tornasse a aparecer Alcides, No podia escapar aos assassinos, Que tnhamos dispostos em segredo Para melhor servir nossos intentos? E, contudo, escapou vigilncia De todas as espias. Dentro em Tebas Esta noite foi visto. A sua vinda Me intimida, me inquieta e me atribula. Tambm me avisam, que dalm do Ismeno Na frente de Soldados escolhidos Se acha Teseu; que muitos rebelados Com ele j se uniram. Ao momento Em que h-de decidir-se a minha sorte, Temos chegado, Amigo! Pois, se Alcides Pode escapar s mos dos assassinos, De to rduas viglias e fadigas Tenho perdido o fruto. Tudo, Forbas, Para irmos ataclos dispuseste, E Tebas defender, se pertenderem Com repentino assalto acomet-la? Forbas Entrega-te sem susto feliz sorte, Que tem os teus intentos protegido. A prudncia, Senhor, te guia em tudo. J deixei tuas ordens observadas, E de Tebas as portas se fiaram De valentes e intrpidos guerreiros, Em cuja f, Senhor, descansar podes. Dimas, Cresfonte, Alcidamas, Paresias, Idas, Tideu, Astrate. O forte Ormidas Com uma tropa de amigos escolhidos, Do Ismeno guarda vigilante as margens, E deve com avisos informar-nos Dos movimentos menos importantes. De novo hoje propus to alto prmio quele que a cabea der de Alcides, Que contra este inimigo vers logo Voltar-se o golpe que ele te prepara. Se ainda est em Tebas, eu te afirmo Cair certamente na cilada, Pois no pode escapar a meu desvelo... Mas que nos quer Ormidas? Seu semblante Algum fausto sucesso vaticina. CENA III

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LICO, FORBAS, ORMIDAS E UM SOLDADO COM A CLAVA DE HRCULES, E A PELE DE LEO DE QUE SE ORNAVA Ormidas Senhor, o Cu propcio que despende To liberal contigo os benefcios, Hoje acaba de encher os teus desejos. Entre algumas relquias lastimosas De embarcaes que a negra tempestade Sobre a praia lanou despedaadas, Esta pele encontrmos, esta Clava, Que todos conhecemos ser de Alcides. No foi seu corpo ainda descoberto Entre alguns mortos que o Ismeno arroja. Ou as ondas no fundo o submergiram, Ou foi pela corrente arrebatado, E fez o acaso com ocultas foras, O que nossos desvelos no puderam. Lico s vezes prudncia o acaso excede. Contudo, Amigos, no nos descuidemos, Atentos vigiai a segurana Desta cidade. E tu, fiel Ormidas, Torna logo a teu posto. Tudo observa, A menor circunstncia no desprezes, E no poupes viglias, nem cuidados, Promessas, prmios. Sim, despende tudo Para o cadver descobrir de Alcides. Bem sabeis quanto a minha segurana Depende desta prova incontestvel; No ignora is o quanto necessria Para apagar a mnima esperana, Que ainda aos olhos luz dos descontentes. Vai-te, fiel Ormidas, no descanses,38 E tu, Amigo, pe-te ali de parte, Espera as minhas ordens. CENA IV LICO e FOR BAS Lico

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Vai-se Ormidas.

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Enfim, Forbas, A fortuna sujeita a meus desgnios Quis, pelo golpe o mais inesperado, Desvanecer o obstculo que tanto Minha felicidade perturbava. S para completar os meus desejos Me falta conseguir que hoje Mgara Me d a mo de Esposa. No pertendo Que seu peito feroz por mim se inflame, Pertendo s que seja minha Esposa. Que importa, que castigos aos Cus clame, E que a soberba brame enfurecida? Gema arrastrada, maniatada gema Ao carro da fortuna que me exalta. Forbas Que podes recear? Tu vs o Povo Submisso s tuas Leis. De seus clamores Os gritos gloriosos e incessantes Voam por ti ao Tribunal dos Deuses. Vive seguro e deixa que Mgara As suas iras exale no seu pranto. Tu do seu Himeneu no necessitas. Antes deves tem-lo acautelado, Como os teus mais ferozes inimigos. Lico No te alucines, Forbas, no te enganes. A preocupao errada e cega Do esplendor do sangue e nascimento, Vive impressa no peito dos Tebanos; E talvez que nos mesmos que se mostram Mais unidos a mim, e mais afectos. Cr-me, fiel Amigo, que a lembrana Do valoroso Alcides, a ascendncia De tantos Reis famosos, a vaidade De descender dos Deuses, os gemidos De uma afligida me desesperada Destruiriam, Forbas, certamente, O meu poder ainda vacilante. Este Himeneu, que tanto desaprovas, Sujeita a meus intentos Me e Filhos. Com este n sagrado de Mgara Uma escrava farei de meus projectos. Conheo o Povo; prdigo despende Seu amor e seu dio. Se o irrita O poder, a grandeza que me exalta, O Himeneu de Mgara h-de abrand-lo.

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preciso afagar aquele Tigre Para melhor at-lo nas cadeias; Sim, agradar-lhe quanto mais se oprime. Prudente quero persuadir Mgara Com doces termos, cheios de brandura. Mas, se a meus rogos ela se no rende, Falarei como Rei; e se obstinada Se ope a meus desejos, sem piedade Hei-de sacrificar uma Famlia Odiosa e soberba que me ultraja, E que, enquanto subsiste, me no deixa Gozar de uma Coroa com sossego, Que me custou to speras fadigas... Mas aqui vem Mgara. Vai, Amigo,39 A ver se se executam minhas Ordens, E informar-me depois virs de tudo. CENA V LICO, MGARA, CREONTE, OS FILHOS DE HRCULES, CORO e SOLDADOS Mgara Ficai, Filhos! Ficai no vosso asilo, Eu tos entrego, oh Jove! Tu mos guarda. Lico Nunca foi Lico injusto e inexorvel. Os primeiros impulsos da vossa ira Vos eram perdoveis. Eu confesso Que foi o meu furor demasiado. Mas j basta de sermos inimigos. Sim, da minha clemncia aproveitai-vos, No deixeis dominar-vos de um orgulho, Que h-de servir-vos de total runa. Um valor imprudente s deslustra. To grande obstinao imprudncia, Pois vossa vida expondo, assim expondes As que vos so to doces e preciosas. Reflecti no perigo que vos cerca. Salva, Mgara, teus amados Filhos, Salva, Creonte, teus amados Netos. Inda tempo, Princesa, nos Altares J brilha de Himeneu o sacro lume, Meus passos segue.
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Entram os Soldados de Lico.

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Mgara Em vo, em vo o esperas! J co a morte me tens ameaado Mil vezes, sem poder intimidar-me. Sabe, cruel, que a morte mais violenta Menos horror me inspira que um infame Himeneu, que te atreves a propor-me. Vai, brbaro Tirano, desta afronta Sei o motivo. Meus direitos temes, Temes teus crimes. Queres que juntando A usurpados, legtimos direitos, Te segure no Trono vacilante. Creonte Que podes contra mim, Tirano! Dize. Podes sacrificar-me a teus furores? Que importa que um cruel me tire a vida, Ou os anos ma levem ? Para a morte, Da vida cada instante um certo passo. Lico Sempre, sempre ostentais a mesma audcia, Sem que vossa soberba dome o tempo. Creonte Co tempo no se esquecem as injrias. Mgara Jamais esqueceremos os ultrajes Que nos tens feito. A Tirania tudo Submeteu a teu jugo. Em desamparo De todo nos deixou o ingrato Povo. Mas no creias, que possa sujeitar-nos A misria total em que nos vemos. A mudana do tempo e da fortuna No abate, reala a heroicidade. Lico Ceda a piedade a to feroz orgulho! Que no tenho tentado? Que mais posso Para vos persuadir, para aplacar-vos? Mas j que os meus esforos so inteis, Eu vos entrego, ingratos, desgraa,

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Ao destino fatal que vos persegue. Sou vosso Rei, deveis obedecer-me. Em vs s vejo escravos imprudentes, Na misria e soberba flutuando, Debaixo da mo forte e vingativa, De um Senhor irritado e poderoso. Mgara Acaba, acaba o horror, com que te vemos: Ao teu rancor te entrega, feroz Tigre; Sacrifica estas vtimas, Tirano; A teus enormes crimes acrescenta A morte de meu Pai, a minha morte; Mas s nossas, cruel, ajunta a tua. Tu vers logo um vingador armado Castigar os teus brbaros delitos. Tu connosco entrars na sepultura. Morre entre a turba vil de teus sequazes, Morre infamado, e aos Sculos futuros Teu nome servir de horror e espanto. Lico Vai, cruel inimiga, audaz soberba; Vai, que esse vingador com que ameaas, No me pode assustar. Pluto irado O tornou a mostrar luz do dia, Para que Tebas fosse testemunha Da vingana e do seu justo castigo. Ol guardas, chamai esse Soldado...40 Vede, vede, atrevidos; aqui tendes As insgnias de Alcides, que se acharam Sobre as margens do Ismeno entre os despojos De um terrvel naufrgio. Estas relquias A sua morte mostram infalvel, E se no aparece o seu cadver, E que os Supremos Deuses irritados O fizeram servir no centro frio Aos martimos monstros de alimento; E para ser nos Sculos futuros Seu castigo aos sacrlegos de exemplo, Das honras funerais privar o querem. Creonte morto Alcides, Cus! O consentistes?

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Aparece O Soldado com os despojos de Alcides.

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Mgara O sangue se me gela... Oh Deuses! ... Morro.41 Coro Que famlia infeliz! Que horrvel transe! Lico De seus olhos separa essas relquias.42 Mgara Suspende oh Cus!...43 Ah brbaro pertendes44 Privar-me do bem nico que pode Em to grande desgraa consolar-me?... Este pequeno alvio me no roubes! No, deixa-me, ai de mim!, antes que expire, Beijar estas relquias que escaparam Aos Deuses inumanos.45 Lico Obedece.46 Vai mostrar nos mais pblicos lugares Esses despojos, para que os Tebanos De todo as esperanas desvaneam.47 Mgara Inda o Sol, mpios Deuses, me alumia! Inda vive Mgara!... Amado Esposo, Para que em tudo eu fosse desgraada, Me privaram os fados inimigos De tributar-te as honras do sepulcro!... Ai de mim!... No terei o triste alvio De lavar teu cadver, e piedosa No leito funeral deposit-lo... No, no me permitido, amado Esposo, Ajuntar cuidadosa as tuas cinzas, E encerr-las no espao de uma breve, Para como um Tesouro conserv-las!...
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Cai desmaiada nos braos de Creonte. Ao Soldado. 43 Fala Mgara com o Soldado impedindo-lhe os passos, e com Lico quando diz: Ah brbaro pertendes &c. 44 Torna a si, e impedindo os passos ao Soldado. 45 Beija os despojos de Hrcules. 46 Ao Soldado. 47 Vai-se o Soldado.

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Alcides adorado, escuta, escuta Os dolorosos ais, que aflita exalo! E vs, cruis, endurecidos Deuses! J que perdi de todo as esperanas, Que minha triste vida dilatavam, Ouvi meus juramentos e meus votos. A este monstro um dio imortal juro, Juro de castigar a sua audcia: Um punhal cravarei no infame peito, E s minha vingana satisfeita Ficar, se eu puder no duro instante Em que o Tirano junte moribundo O tormento da vida ao horror da morte A fatal luta ver de seus martrios. Lico J no posso sofrer tantos ultrajes, As minhas iras no tero limites. Treme, se tu s Me; chora teus Filhos. Quero, soberba, quero que a teus olhos Um depois de outro expire lacerado; Eu mesmo nos teus braos sem piedade Lhes arrancarei a vida. A vossa quero, Ingratos, conservar por algum tempo Para aumentar os vossos infortnios, Para punir melhor a vossa audcia; E para que implacveis vos persigam Os remorsos cruis da sua morte. Guardas, obedecei, tirailhe a vida. Creonte Suspendei; contra mim voltai o ferro.48 Coro Socorro, Justos Cus! Senhor, piedade! Mgara Soldados, Sacerdotes, ah Tebanos, Vinde em nome de Jpiter, valei-me! Ah! Deixareis morrer s mos mpias De vosso Benfeitor os tenros Filhos? Vereis correr de vossos Reis o sangue, De Jove o puro sangue sem socorro? No vos lembrais dos grandes benefcios,
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Lanando-se no meio dos Soldados.

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Que a Hrcules deveis? Este famoso, Este famoso Heri, do Mundo glria, Porventura, Tebanos, algum dia Vos fez gemer debaixo do seu jugo? No dispendia, no vos entregava Liberal os despojos das vitrias? Com seu valor vs reis poderosos, Felices com seus altos benefcios... Mas qu?... Ficais imveis e em silncio? No socorreis seus Filhos infelices? Ah cobardes! O medo do Tirano Gela vossos espritos rebeldes. Oh Soberano Jpiter! Teus Templos Ao mais vil dos Mortais servem de Asilo, S ns (que horror!) nos vemos perseguidos Em teus mesmos Altares. Lico Imprudentes, Em vo pedis dos Homens o socorro! Em vo dos Deuses implorais o auxlio! Tebas s minhas Leis vive sujeita: Do meu brao depende o seu destino. Obedecei, Soldados, sem piedade O sangue derramai dessas crianas. Mgara Ai de mim! Suspendei! Salvai-me os Filhos! Despedaai, despedaai, Soldados, Esta Me infeliz, vossa Rainha; O seio, que os nutriu, rasgai furiosos, E o ventre que os gerou!...49 Minha constncia Experimenta, oh Lico, nos tormentos, Mas a morte suspende de meus Filhos. Lico No espereis piedade, no, soberbos. Vejam correr seu sangue os vossos olhos. Creonte Manda que eu sofra os mais cruis suplcios: Lico, s esta graa me concede. J que mandas matar estes meninos, Arranca-nos primeiro a triste vida;
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A Lico.

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Evita aos nossos olhos lagrimosos O horrvel espectculo de v-los Expirar, implorando em vo aflitos De sua Me, de seu Av o nome. Lico Mover-me no esperes. Mgara mpios Deuses! A que estado me vejo reduzida? Que afronta para Alcides, e que oprbrio, Que abatimento para sua Esposa. Arrastra-me a desgraa de meus Filhos!50 Senhor, nossas desgraas v piedoso: A teus ps v Mgara! Vinde, Filhos, Prostrai-vos !... Abraai estes joelhos!... V, Senhor, o ser Me a quanto obriga. Lico Minha vingana enfim completa vejo, Pois em vo humilhaste o teu orgulho. Dai-lhe o golpe mortal, e de seu sangue Seu Av, sua Me fiquem manchados... Mas que escuto? Que estrondo! Que alarido De multido revolta os ares fere?... Que caso estranho vens anunciar, Forbas? CENA VI LICO, MGARA, CREONTE, OS FILHOS DE HRCULES, FORBAS COM A ESPADA NA MO, ACOMPANHADO DE SOLDADOS e CORO Forbas Corre, que de armas e inimigos Se vem cobrir os campos, estes muros Com apressada marcha demandando; A presena de Alcides os esfora. Da tormenta escapou. Passou felice Apesar do naufrgio o Ismeno a nado. Tebas as portas abre: vem-se as Praas Cheias j de rebeldes. Teus Soldados
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Ajoelha.

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Cobardes desfalecem. Tu s podes, Senhor, com tua voz, tua presena Animar teu partido vacilante. Lico Mostrar-nos vamos a seus olhos, Forbas; Meu valor lhes dar um novo esforo. Desgraado daquele, que cobarde Se negar ao furor dos inimigos.51 Prfidos! Concebeis novos alentos? No julgueis escapar s minhas iras. Inda que a sorte se me mostre adversa, Sempre acharei o instante favorvel Para sacrificarvos.52 CENA VII MGARA, CREONTE, OS FILHOS DE HRCULES e CORO Mgara Vamos, Filhos! Os Deuses nos ouviram, nos protegem. O feliz ou fatal sucesso vamos Do combate esperar, amados Filhos. Creonte Inda que enfraquecido pela idade, Corro a pr-me na frente dos Tebanos, Que fiis a meu lado se juntarem; Corro a buscar a morte no combate, Ou com o meu exemplo excitar todos, A sacudir o jugo de um Tirano, Que os Deuses tanto tempo consentiram. Coro Da aflita inocncia Justo Defensor, Castiga a soberba De um mpio traidor: O fogo o abrase Do raio fatal, Se escapa da espada Ao golpe mortal.
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A Mgara e a Creonte. Vai-se com Forbas e os Soldados.

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Estrofe 1 Corifeu Firme amparo da Terra, alma do Mundo, Chegou enfim o dia da vingana. Fere, fere o Tirano, Que o teu poder despreza, E se julgas, senhor, do seu destino, Que outro Deus no conhece, Mais do que o seu orgulho e a sua espada. Coro Da aflita inocncia, &c. Antstrofe 1 Corifeu Aonde fugir das tuas iras, Inda que altivo Regio dos raios Veloz se remontasse, Qual guia destemida S da tua vingana um leve sopro No ar o desfaria Como a fria do vento o denso fumo. Um Sacerdote Os Mortais mais poderosos Contra ti juntos e armados, Que podem contra os irados Impulsos do teu poder? Outro sacerdote Quando cegos pertenderam Os habitantes da Terra Contra os Cus promover guerra, Logo os soubeste abater. Ambos Da tua vingana aos golpes Quem h que possa escapar? Basta irado te mostrar, Tudo se desfaz em p.

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O Primeiro Assim como o Sol ardente Dissolve no monte a neve, Assim num instante breve Lhes dissipas o furor. O Segundo Assim como foge a sombra Dos raios da luz brilhante, Assim o mpio arrogante Foge do teu resplandor. Ambos Da tua vingana aos golpes, &c.

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ACTO V NESTE ENTREACTO, E AT ENTRADA DE LICO SOBRE O TEATRO, SE OUVE O ESTRONDO DAS ARMAS E DOS COMBATENTES. CENA I MGARA, SEUS FILHOS e CORO Mgara Deuses, que sempre em vo tenho implorado, Valei-me. S de vs os infelices Socorros esperam. Cus! A qual excesso De desgraas me vejo reduzida? Qual infortnio ao meu semelhante? Errante entre as mudanas da fortuna Num instante a lugares diferentes A desesperao me arrastra aflita. Como dissiparei, oh Cus piedosos! A nuvem de desgraas que me envolve? A violenta dor de minhas mgoas J de todo abateu minha constncia. Amados Filhos meus, vossa presena O corao me fere e despedaa. Todos os cruis males j padeo, Que os meus mortais temores me anunciam... Sim, meus Filhos, parece que vos vejo Lacerar a meus olhos sem piedade. Pelas mos inumanas dos algozes. E porque mais se aumentem minhas mgoas, Meu assustado amor inda representa Aos tristes olhos cena mais horrvel, Do que pode inventar a Tirania. Justos Cus! Ai de mim! Morrer me sinto... Ah meus Filhos! O meu amor se aumenta, Quando mais vossa perda se avizinha! Coro Os Decretos dos Deuses muitas vezes Nosso esprito enganam e confundem. Eles os Mortais guiam, e seus passos Dirigem por incgnitos caminhos. No desfaleas, infeliz Rainha. No precipcio os Deuses nos amparam; Do a vida na mesma sepultura.

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Mgara Ai de mim!... Cus!... Meu Pai no aparece? Sua longa demora me intimida... Todos me desamparam neste instante?... Tristes pressentimentos, que a desgraa Sempre produz e que o temor aumenta, Deixai-me respirar. Meus infortnios Bastantemente o corao me oprimem... Mas oh Cus! Os clamores, o alarido Se aumenta de improviso e se avizinham! Ai de mim! Ai de mim! Como assustado O corao no peito me palpita? Coro Oh Soberano Jpiter, ampara A tantos desgraados que a fortuna Juntos persegue. Quem nos teus Altares Tributar incenso reverente, Se tu vs sem piedade os infelices? E se o crime sacrlego e orgulhoso Sem castigo triunfa da inocncia? Mgara Em toda a parte soa o estrondo horrvel Dos feros combatentes, dos gemidos, Que exalam os aflitos destroados... Ouo os senti dos ais dos moribundos; Ai de mim!... Coro Quem ser o desgraado, Que dentre aquele bando fugitivo Para aqui se encaminha? No me engano, Oh Deuses! Creonte. CENA II MGARA, SEUS FILHOS, CREONTE e CORO Mgara Oh Cus! Valei-me. Como ensanguentado e sem alentos Te vejo, amado Pai? Que me anuncias? vivo Alcides? Somos vitoriosos?

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Creonte Deixa-me respirar, oh Filha amada! Mgara Aonde est? Triunfa meu Esposo? Creonte Arma-te, minha Filha, de constncia! Mgara Oh destino cruel! morto Alcides! Creonte Teu corao alenta; no desmaies. De todo ignoro de Hrcules a sorte; Mas j pelos feroces inimigos Suas tropas esto desbaratadas. Chegou nossa desgraa ao maior auge. Triunfa o crime: os Cus o consentiram. Oh Deuses! Eu submeto aos vossos golpes Esta Fronte humilhada. Mgara Que desgraas, Inda quereis, oh Deuses, que eu padea? Coro Como possvel, que do infame Lico Fosse Hrcules vencido? Creonte Os sitiadores Ora triunfantes, ora rechaados, Pelo esforo ajudados dos amigos, Que a meu lado fiis se declararam, Entraram na Cidade enfurecidos. Ali o seu valor se anima e dobra A vista dos perigos que os rodeiam. Sobre monte de corpos destroados Os inimigos rompem valerosos. No meio deles aparece Alcides,

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Qual raio no furor da tempestade; A toda a parte leva o espanto e susto; De fileira em fileira a morte voa; Cresce o tumulto, a raiva, o alarido. Qual o sangue derrama de um parente, Qual de seu prprio irmo o peito fere. Sobre o Pai moribundo o Filho expira. Em torrentes de sangue denegrido Nada Tebas. Um Sacerdote do Coro Que horror! Outro Sacerdote do Coto Que atrocidade! Mgara Defendei, justos Deuses, meu Esposo. Creonte Cada qual resoluto e irado busca Por entre o inimigo abrir caminho. J cheios de temor os vis rebeldes, Sem resistncia o campo nos deixavam. Mas reunindo-os o soberbo Lico, Lhes d com o seu exemplo um novo esforo. O tropel dos Soldados furiosos Densas nuvens de p ao Cu levanta, Que a luz do Sol eclipsa, e no deixam Distinguir vencedores, nem vencidos. Os nossos defensores, como absortos, Desordenados vagam confundidos. Mas o bravo Teseu esfora, anima As Falanges que tmidas desmaiam. De furor agitado o forte Alcides Com a espada na mo se lana, e voa Por entre a multido dos inimigos; Os mais o seguem. Muda-se a fortuna, Ele firma a vitria vacilante; Desbaratados os rebeldes fogem. Lico pertende em vo deter o curso Desta furiosa e rpida torrente. Em vo a sua voz chama ao combate As tropas fugitivas, impaciente, Como desesperado se separa Dos seus, que na fugida o atropelam.

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Torna ao combate irado, e s intenta Os golpes rebater dos inimigos. De o ver o Vencedor fica assombrado, Mas os nossos o cercam de improviso. Ia pagar coa morte a sua audcia, Quando de um terror pnico assaltados Os nossos defensores se perturbam. De fileira em fileira o susto corre. Os tmidos Soldados vacilantes voz dos generais no obedecem; Fogem, lanam por terra os estendartes; Correm precipitados, sem acordo. Ao ar lanando gritos espantosos, Se confundem, se encontram, se atropelam. Transportados e cegos na fugida Se vo precipitar no fundo Ismeno. Mgara Pode mais arrastrar-nos a fortuna? Um dos Sacerdotes do Coro Querem nossa runa os justos Deuses! Outro Sacerdote do Coro Quem pode penetrar os seus decretos? Creonte Tudo era confuso; e em toda a parte Confundidos despojos se pisavam, Soldados, Sacerdotes expirando, Querem fugir, a multido ondeia, E de uma a outra parte rechaada, Sem poder sustentar-se, muitas vezes. O fluxo destas ondas confundidas Impetuoso me arrastra; moribundo Por terra me lanou desanimado. A desesperao, vosso perigo Alentam minhas foras abatidas; Ensanguentado corro entre os Soldados. Animar com meus gritos intentava A turba fugitiva e temorosa. Acudo a toda a parte: em vo me esforo! Um furioso tropel aqui me lana Incerto, desarmado, sem alento. Vinde, segui meus passos, vinde todos Animar, incitar com vossos gritos

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A tropa vacilante. Mgara Oh Jove! Oh Deuses! Patrocinai meus Filhos, amparai-nos. Vossa piedade, vossos benefcios Medi por to horrveis infortnios... Oh Cus! Vede este bando que, correndo, Para ns encaminha o veloz passo. Caro Pai! Tristes Filhos! Vir ele De Lico saciar as cruis iras? Ai de mim! Cus valei-me! o Tirano. CENA III MGARA, SEUS FILHOS, CREONTE, LICO, FORBAS COM A ESPADA NA MO, SOLDADOS e CORO Lico Inconstante fortuna! Estou vencido, E quando vitorioso me julgava, Me vi desamparado. Os meus Soldados Uns rebelados, fracos outros fogem. Vencem meus inimigos, e eu me vejo Na desesperao mais espantosa. Os prfidos se entregam alegria? Mas dela gozaram mui breve tempo. Quero que o meu tormento todos sintam. Um infeliz seus males diminui, Quando v gemer outros infelices. Alcides poders tirar-me a vida, Mas tu maior desgraa temer deves. Eu a satisfao terei de ver-te Inda mais desgraado do que Lico. Creonte Tirano! Quando a morte te rodeia, Teu corao feroz inda conserva O maligno rancor que o inficiona, E determina completar seus crimes. Lico Imprudentes! Banhai-vos na alegria! Mas os vossos intentos arrogantes

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Vereis aos olhos de Hrcules punidos. Mgara Como vive e triunfa o meu Esposo, Darei gostosa a vida! Lico Bem depressa Mudareis, oh soberbos, de projectos! Vs sois do meu poder uns vis escravos: Absoluto Senhor da vossa sorte Eu saberei dispor a meu arbtrio... Alcides treme! Se feliz te julgas, Farei que o teu valor desmaie e trema. Mgara Escuta-me, cruel. No vs furioso Entregar-te runa que te espera. Agora, que te vejo desgraado, De todos os teus crimes j me esqueo; Se me lembro dos males que tens feito, para perdoar-te. Reconhece Teus delitos; depem o teu orgulho, Teu arrependimento e teus remorsos; A tua submisso as armas sejam, Que do teu vencedor as iras domem. Lico No, esses vis efeitos da fraqueza Meu corao altivo no conhece. Lico pedir a vida! ... Eu humilharme! No; sem me sujeitar a tanta infmia Mudar saber Lico o seu destino. Creonte, busca Alcides: vai dizer-lhe Que sacrifico sua Esposa e Filhos, Se obediente no depe as armas. E tu, prfido, se amas tua Filha? Todas as foras pe em persuadi-lo; Ou vive flutuando nos remorsos De ter da sua morte sido a causa. Creonte Queres que ordens to mpias execute? Pondera, que bem longe de aplacares Alcides, suas iras mais irritas.

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Mgara Ah prfido! Ah tirano! No mereces Nenhuma compaixo. Creonte O teu estrago Aceleras, cruel. Eu te obedeo, Mas cr que vou buscar tua runa.53 CENA IV HRCULES, LICO, FORBAS COM A ESPADA NA MO, MGARA COM SEUS FILHOS, CREONTE, CORO, SOLDADOS DE HRCULES e SOLDADOS DE LICO Lico Amigos, imitai o meu exemplo.54 Hrcules Onde de mim se esconde este cobarde?... Lico Aqui me tens, Alcides: olha e treme...55 Se as armas no depes, se no te entregas, Aqui vers morrer tua Famlia. Hrcules Justos Cus! possvel que eu me veja Constrangido a deter minha vingana? Supremo Jove! Tu me socorreste Em lance menos rduo e formidvel, Quando os dous mpios filhos de Neptuno Vendome desarmado pertenderam A passagem do Reno embaraar-me; Tu com a morte a audcia lhes puniste. Oh Jove! Teu socorro agora imploro;
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Ao sair da Cena Creonte se encontra com Alcides. Lico e Forbas se lanam a Mgara, e seus Filhos, e pegando-lhes pelo brao lhes pem a espada na garganta. Os seus Soldados os cercam, Hrcules est no outro lado, e os Sacerdotes no meio do Teatro, e ao p do Altar de Jove. 55 Hrcules recua com assombro.

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Agora mais que nunca o necessito. Que esperas, que no feres com teus raios Um Tirano, um cruel facinoroso? Lico Em vs imprecaes se cansa o fraco. Alcides, obedece, ou a teus olhos Vers despedaar Esposa e Filhos. Obedece. No creias que salv-los Possam de minhas mos os mesmos Deuses. Mgara O perigo fatal em que me vejo No suspenda teus golpes, caro Esposo, Fere custa da minha vida, fere Este Monstro cruel, este Tirano. Hrcules Que confuso! Creonte Que horror! Coro Socorro, oh Deuses! Lico No vaciles! Resolve. As armas rende, ou sers parricida. Escolhe, Alcides. Mgara No te enterneas; acomete, Esposo, Mata o Monstro feroz. Lico Morrei, ingratos. Coro Cus! Suspende. Mgara

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O golpe descarrega. Hrcules Que lance! Creonte Que conflito! Coro Que impiedade! Mgara Alentai minhas foras, justos Deuses. Lico Inda ests vacilante? No resolves? Hrcules Ah, cruel!56 Lico Morrei todos. Mgara Morre, infame,57 Morre, como um cobarde. Lico Morro.58 Mgara Sirva De exemplo a tua morte aos criminosos.59 Mgara
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Faz um arremesso. Cravando-lhe no peito um punhal. 58 Cai morto atrs do Altar de Jpiter. 59 Os Soldados de Alcides investem aos de Lico, e os pem em fugida.

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Vinde, Filhos; rendei graas aos Deuses, Amado esposo, vem, voa a meus braos.60 Hrcules Mgara!... Que valor!... Que heroicidade! Creonte De quanta glria minha, amada Filha, Hoje te coroaste! Os justos Deuses To herico projecto te inspiraram, Eles o brao dbil te moveram. Hrcules Ilustre, amada Esposa, amados Filhos, Vosso perigo encheu de horror e susto O corao paterno, e desmaiava Meu valor. Cara Esposa, a tua glria Te faz de mim mais digna e mais amada. Que varonil aco! Eu mesmo invejo O teu valor intrpido... Ah, Mgara, Minhas faanhas todas tu excedes. Oh Poderosos e Supremos Deuses! Vossa justia adoro e reconheo. Sacerdote Povos, que me escutais, com este exemplo Aprendei, como os Deuses sobre mpios O golpe da justia descarregam, Como os crimes castigam justiosos; Pois quando mais audaz triunfa o crime, Mais sobre ele se acende o fatal raio. Se algumas vezes lenta, ou duvidosa, A justia dos Deuses nos parece, No menos segura. Quando tarda, para que os culpados se arrependam. Feliz o que no meio de seus erros Ouve o brado, que o chama e que o repreende! Vamos todos ao Templo Sacrifcios Aos Deuses oferecer que rios salvaram.

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Com Seus Filhos pela mo.

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Hermone
TRAGDIA ACTORES Hermone, Rainha de Epiro, e Esposa de Pirro Criceia, Princesa Troiana Arcnoe, Irm de Criceia Escravas de Pirro Idamante, suposto Filho de Criceia e verdadeiro Filho da Rainha Licas, General das Armas Fesistra, Confidente de Hermone Arbante, Servo de Pirro Coro das Damas da Rainha

ACTO I CENA I CRICEIA e ARCNOE Arcnoe No te entregues dor que te atribula, To sem acordo, to desesperada; Bem conheo, que um peito penetrado Do tormento fatal que te magoa, No pode reprimir a justa queixa; Mas no queiras, chorando morto a Pirro, Estalar oprimida de agonia. Criceia Minha fiel Irm, ah tu no sabes O terrvel motivo dos pesares, Que este oprimido corao combatem! No a perda s do amante Pirro, Que me obriga a gemer cheia de angstias, Inda pode ferir-me a desventura Com golpe mais mortal. Arcnoe Pois que destino

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Te lanou nesse abismo de tormentos? Agora, que em silncio sepultado Descansa Epiro das recentes mgoas, O sono de teus olhos afugentas Com suspiros e lgrimas ardentes; E depois devagar de fala em fala, Fazendo retumbar os altos tectos Co doloroso som de teus gemidos, Sais do Palcio, inda antes do que a Aurora De dissipar acabe as negras sombras? Onde me guias? Onde te encaminhas? Criceia A banhar este tmulo de pranto. Arcnoe No encerra este tmulo o soberbo, O infeliz Polimene, a quem teu filho Com valeroso brao deu a morte? Criceia As cruis mos do brbaro Idamante, Com violento golpe e inesperado, O lanaram na fria sepultura. Arcnoe Pois tanta mgoa, tanta piedade Te deve deste Prncipe a desgraa, Que no s lhe consagras compassiva As lgrimas, suspiros e soluos, Mas de brbaro o prprio filho acusas Como Juiz severo e inexorvel? No te lisonjeavas na esperana De o ver inda algum dia sobre o Trono? Criceia Vs esperanas! Foram meus projectos Qual flor, que antes de abrir dissipa o ferro. Arcnoe Que escuro enigma! Pois com este golpe No abriu Idamante para o Trono O seguro caminho, que cerrado De Polimene a vida lhe teria?

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Criceia Polimene infeliz! Amado Filho! Recebe o triste pranto, com que deixo Este funesto mrmore banhado. Ai de mim! Polimene, que destino! Quando devia ver-te sobre o Trono Cheio de pompas empunhar o Ceptro, Te vejo neste tmulo encerrado De um punhal traspassado, envolto em sangue! Que eu suportasse a mgoa de afastar-te No instante, em que te dei luz do dia, Das maternas carcias de meus braos, E do doce sustento de meus peitos, Para neles criar um Monstro horrvel, Que feroz te arrancou a doce vida! Ah fortuna cruel! Que amargo fruto Colhi das esperanas lisonjeiras, Com que to largo tempo me enganaste! Arcnoe Tua dor, teus discursos to estranhos De confuso e espanto me tm cheia; Este escuro mistrio me declara, Que eu no posso alcanar. De teus segredos No fui sempre fiel depositria? No te lembras, Criceia, que dos prprios Progenitores vida recebemos? Conta-me teus secretos infortnios, Tua dor desafoga. Criceia Polimene Nestas tristes entranhas foi gerado. Arcnoe Que dizes? Tu deliras? Polimene Da Rainha no o altivo filho? Criceia No, o cruel, o brbaro Idamante o terrvel filho de Hermone. Arcnoe

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Acaba, desenvolve este segredo, A minha confuso mais no aumentes. Criceia Sim, adorada Irm, atenta, escuta Minhas adversidades. No ignoras Que a terna mo do puro amor de Pirro Me desatou da escravido os ferros, E rodeada de honras e de glrias Me guiou a seu tlamo ditoso; Que o seu corao rgio suspirando, Encantado com minha formosura, Todos os seus ocultos movimentos Pela minha vontade regulava, E sabes que Idamante e Polimene Viram no mesmo dia a 1uz do Mundo. Oh quanto eu fora mais feliz, se os Deuses Naquele Instante a vida me acabaram! Para satisfazer a meus desejos, E seu amor de novo confirmar-me, O amante Pirro quis que Polimene, Precioso penhor da sua ternura, Herdeiro fosse do paterno Ceptro; E apenas estes dous tenros Infantes O repouso do bero conheceram, Trocou da escura noite socorrido, Meu filho pelo filho da Rainha. Arcnoe Que sucesso to raro! Eu pasmo e tremo. Criceia Conserva-se incorrupto este segredo H j mais do decurso de trs lustros. A Rainha educando Polimene Como seu filho, lhe inspirou altiva Contra Idamante um entranhvel dio. Sabes que os dous Irmos iguais na idade, Disputando entre si sobre qual fosse Mais destro a conduzir o veloz carro, Ou a lanar o Disco; Polimene No sofrendo a vantagem com que excede Aos Atletas mais hbeis Idamante, Lhe diz que o filho de uma vil escrava

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Cobarde e afeminado no digno De disputar-lhe a glria. A tais afrontas Indignado Idamante se alucina, E abrasado em furor com duro ferro De meu filho infeliz traspassa o peito. Em Delfos morre Pirro. Num s dia Vejo acabar grandezas e esperanas Sem socorro abatida, sem abrigo Debaixo gemerei do cruel jugo Da soberba Hermone que irritada Por vingar seus cimes implacveis Arrastrar-me far cheia de oprbrios De nova escravido as vis cadeias Venturosos aqueles, que descansam Entre as cinzas de Tria sepultados! Arcnoe A tua dor justa; mas no temas, Serena tuas lgrimas e sustos, Que a estado mais feliz do que esperavas Hoje te guia a prspera fortuna. Da sorte no te queixes; toda a Grcia Por teu filho Idamante reconhece Ele a digna e nica relquia Do ilustre sangue do valente Aquiles. Hoje que Epiro chora morto a Pirro Com mpia atrocidade, e Polimene Neste funesto tmulo encerrado, A Idamante pertence o vago Trono. Este Prncipe amvel tem sabido Benfico ganhar o amor do Povo, E Licas, que os Exrcitos comanda, Ama Idamante, como prprio filho. Brevemente o vers subir ao Slio, E tu de sua Me gozando as honras, Cercada das grandezas do Diadema Suplicante a teus ps vers Epiro. Criceia Viver jamais em prspera fortuna Em vo esperarei; de toda a parte Me arremessa a desgraa duros golpes. A soberba Hermone mais irada, Do que a feroz Tigre embravecida, Busca o sangue vingar de Polimene. Enfim desesperada, com a morte Ameaa Idamante; e como ignora Que o furor, que lhe inspira o amor materno,

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A conduz ao terrvel precipcio De punir o agressor no prprio filho! Mas de que serve meu intil pranto? De Polimene a perda sem remdio. Sim, Irm, a seguir me determino Teu prudente conselho: rebatamos Os infortnios que iminentes vejo. Fique a dor co segredo sepultada. Firmar quero um destino venturoso, Ou terminar as mgoas com a morte. Mas que tropel este, que pressinto? Uma femenil turba se encaminha A este lugar... Oh Cus! Hermone, a minha inimiga; j no posso A seus furiosos olhos esconder-me, A seu aspecto irado gelo e tremo!

CENA II A RAINHA ACOMPANHADA DO CORO e AS MESMAS Rainha Companheiras fiis de minhas mgoas, Cercai este sepulcro, apresentai-lhe As fnebres ofrendas... mas que vejo! Neste lugar Criceia me aparece! Como te atreves a mover os passos Ao redor deste tmulo? Inimiga, No te basta no sangue saciar-te, De que tintos esto os pavimentos Do Palcio de Pirro, derramado Pelas mos execrandas de teu filho? A meus olhos te esconde indigna origem De meus males, de minhas desventuras. Tu, despojo de Tria, vil escrava, A turbar a feliz tranquilidade Da Rainha de Epiro te atreveste? De um louco e cego amor alucinando Meu esposo, com mgicos encantos Tu me arrancaste de seu peito amante, E a seu duro desprezo me entregaste. Por ti indignamente corrompidas Vi da f conjugal as Leis Sagradas. Enfim depois de teres sido a causa De tantos males to abominveis, Geraste nas entranhas a serpente, Que enfurecida devorou meu filho.

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Criceia Ponderas, que este peito atormentado Dos repetidos golpes da desgraa, Desejaria em vnculo amoroso A um perseguidor de Tria unir-se? Ser-meia agradvel a vantagem De dar ao Mundo escravos de Hermone? Fruto infeliz do triste cativeiro! Sem ultrajar-me podes, Rainha, Desafogar a dor que te transporta. mui violento o golpe que te fere. Ah! Eu tambm sou me, e bem conheo Quanto penoso chorar um filho, Que esconde o frio, lgubre sepulcro. Hermone Ah Monstro de perfdia! Donde nascem As lgrimas, que soltas? Teu orgulho Nesse fingido pranto dissimulas. Tua ambio conheo; sim, infame, O teu prfido filho constrangeste A cometer o brbaro delito; A esperana de o veres sobre o Trono, De associar-te s honras do Diadema Inspirar-lhe te fez a atroz empresa. Criceia a minha fraqueza e desamparo Que anima contra mim as tuas iras? Oh Rainha! As desgraas no aumentes De uma infeliz, que viu a cara Ptria Em turbilhes de chamas confundida, Que entre indignas cadeias manietada Foi conduzida Grcia, e atravessado Viu Pramo seu pai com dura lana; Que arrastrar viu Heitor banhado em sangue, E Polxena vtima inocente Sacrificada ao inumano Aquiles. So da minha inocncia testemunhas Os Deuses imortais de teus insultos Modera a impiedade, advertir podes Que de um filho de Pirro Me Criceia, E Princesa da Frgia, inda que escrava.

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Hermone s uma vil cativa, que s deves A meus ps humilhada respeitar-me; Vai, da minha presena te separa. Meu respeito ultrajado a tua audcia Saber castigar; vai, insolente, Teus projectos vers desvanecidos. Com teu prfido filho brevemente Irs as negras margens ver do Estgio. Manes de Polimene, que Justia Estais clamando nos Elsios campos, Aplacai vossas iras; sem demora A dar o golpe corro da vingana. A perda tingirei deste sepulcro Com o sangue da vtima, que irados Em castigo pedis do seu delito; A minha prpria mo o duro ferro Lhe cravar no peito sem piedade. CENA III A RAINHA e O CORO Corifeu Meu fiel corao se compadece Do lastimoso estado em que te vejo. Desgraada Rainha, a desventura Te roubou num s dia Esposo e Filho. Que mais pode oprimir o inquo fado Uma extremosa Me, Esposa amante, Mas das iras mitiga a chama ardente, Que o corao aflito te devora. a moderao segura guia; Sempre de precipcio em precipcio Nos conduz o furor desatinado. Hermone Filho amado, que a eterna noite habitas, Recebe o Sacrifcio doloroso Das lgrimas, que a dura mgoa arranca De um triste corao, que se alimenta S de angstias, suspiros e soluos. Palcio deplorvel! Oh famlia Aborrecida dos Mortais e Deuses! Que destino cruel! Que infausto dia Todo cheio de horrores e amarguras!

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No bastava ver tintas as paredes Com o sangue do filho desgraado, Seno tambm chorar o caro Esposo Assassinado s mos do mpio Orestes! Ah brbaro destino! Polimene... Ai de mim! Polimene j no vive. Agora, que da triste Me viva Consolao extrema ser devias, Os Deuses te roubaram. Justos Deuses! Vs me tendes a vida conservado Para meus olhos serem testemunhas Do lamentvel fim de Polimene. Infeliz Me Esposa deplorvel, Em qual abismo os fados te lanaram! Caro filho, que cheia de ternura Alimentei a meus amantes peitos, Que eu eduquei com jbilo e cuidado, Esperando, meu filho, que me fosses Na cansada velhice doce arrimo; Que as tuas mos na minha fatal hora Os olhos me cerrassem, e piedoso As minhas frias cinzas recolhesses No breve espao de uma urna de ouro. Ai de mim! Polimene, amado Filho, Eu no vivo seno para oferecer-te O sacrifcio amargo de meu pranto. Corifeu Ah Princesa! Suspende alguns instantes O doloroso curso a teus lamentos, Ao Decreto dos Deuses te submete. O comum alimento dos humanos So as atribulaes, os infortnios, E s quem melhor sabe suport-los, que pode fugir-lhes aos duros golpes. O corao conforta. Mas, Senhora, Se Fesistra esperavas, chegado. CENA IV FESISTRA, o CORO e a RAINHA Fesistra Senhora, tuas Ordens em segredo Entreguei a fiis executores, Epiro te obedece em toda a parte.

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J se busca Idamante, brevemente Ser entre cadeias manietado. Rainha Reconheo na pronta obedincia Que so meus interesses teu cuidado. O prfido assassino com a morte Pagar minhas lgrimas e dores. Fesistra Da Rgia comitiva neste instante Disperso um Guarda chega, que confirma Do desgraado Pirro a triste histria, E exactamente acaba de explicar-me O fundamento do fatal desastre. Rainha Com que motivo o furioso Orestes Profanando o Sagrado Altar de Apolo A vida lhe arrancou no prprio Templo? Fesistra J trs vezes em Delfos tinha Pirro Visto raiar a luz da roxa Aurora, Dispondo um sumptuoso sacrifcio. O receoso Povo entra em suspeita Que ele reconhecer queria o Templo Para os tesouros lhe roubar astuto, Fundado na voz falsa, que corria, De que Pirro intentava ao mesmo Apolo Satisfao pedir, como culpado Da injusta morte de seu pai Aquiles. O Senado se ajunta, que em segredo De guardas rodear o Templo manda. J Pirro com magnfico aparato Princpio ao sacrifcio dava, quando Orestes com destreza entra no Templo, E espalhando um murmrio surdamente, Logo as suspeitas em certezas muda. De improviso o revolto Povo armado Gritando o descuidado Pirro assalta, Ele empunhando a espada activo e pronto, Com valor algum tempo se defende; Mas no podendo resistir aos golpes

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Da multido furiosa que o cercava, Junto ao Altar caiu ensanguentado. Rainha Ah que o brbaro soube astucioso Ocasio buscar para a vingana! Peleu me tinha destinado Esposa Do mpio Orestes, depois a recompensa Fui de um famoso vencedor de Tria. A Pirro, Orestes roga suspirando Que o disposto Himeneu lhe no perturbe; Mas o Filho de Aquiles lhe responde, Que um perverso, das Frias o ludbrio, De sua prpria Me algoz infame, No era digno Esposo de Hermone Esta afronta terrvel ficou sempre No corao do prfido gravada. Ah Esposo infeliz! Quanto funesto Te foi meu Himeneu! Assassinado s mos cruis de brbaros traidores, E talvez insepulto, sendo pasto De brutos carniceiros. Fesistra No, Princesa, Das honras funerais no foi privado. Com fiel zelo e piedade Arbante Os Religiosos ltimos Ofcios Lhe tributou, e j fica disposto A conduzir com fnebre aparato O sagrado depsito das cinzas; E o prprio mensageiro me assevera, Que antes que o Sol nas ondas se sepulte Ver Epiro a lutuosa pompa. Rainha Enfim ao menos, justos Cus! A triste Consolao terei, de que meus olhos Banhem de pranto as mseras relquias, Que aos feros assassinos escaparam. Como, oh Deuses! Sofreis que sem castigo To enormes delitos se cometam? Mas j que a morte do infeliz Esposo Vingar no posso, vingarei do Filho O inocente sangue derramado.

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Nobres Filhas de Epiro, que piedosas Vossas lgrimas dais a meus pesares, Lgubres Nnias alternai, enquanto A criminosa Vtima disponho. Tu me segue, Fesistra, um s descuido No haja na precisa vigilncia. Coro Estrofe I A negra Libitina Com as mos sanguinosas Em trevas lutuosas Epiro sepultou. Antstrofe I Como lrio mimoso, Que abate a fouce dura, Te lanou Polimene Na fria sepultura Da morte a mo feroz. A terna Me aflita Corre com brao armado Clamando alta vingana. Teu sangue derramado Chora o mesmo agressor. Estrofe II J na mo de Nmesis As faixas vejo ardentes, Enroscadas serpentes J ouo sibilar. Antstrofe II Pelas escuras margens Do medonho Cocito A triste errante Sombra Em vo com dbil grito Chama a barca fatal. O esprito roubado Em anos to viosos Leva, leva Caronte Aos campos venturosos Do repouso e da paz.

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ACTO II CENA I IDAMANTE e o CORO Corifeu Aqui vem Idamante, vede, como O tem desfigurado o seu delito; O horror e os remorsos lhe confundem Do rosto as graas. Msero mancebo, Que piedade me faz o teu destino! Idamante Oh terra! Oh luz do dia! A que remotas Regies fugirei, que me no siga A minha iniquidade detestvel! Indomvel furor, que me fizeste No sangue de um Irmo tingir o ferro. Sou dos Homens o mais abominvel! Que brado injurioso minha glria Vai espalhar a fama pelo Mundo! Oh felices aqueles, que cobertos De cs e rugas tm dos longos anos Colhido o tardo fruto da prudncia! Que, sabem reprimindo as paixes cegas, Desviar-se do horrvel precipcio, Em que me despenhou a ira insana! Compassivas Donzelas, no perturbe A vista odiosa deste criminoso Vossas fnebres, pias Cerimnias, Que vm s misturar com vosso pranto Dolorosos gemidos; eu vos rogo, Que sereneis co as libaes piedosas De vossas ternas lgrimas os Manes Do desgraado Irmo. Sobre esta campa Corra o sangue das Vtimas mais puras. Corifeu Ah como sem tremer de horror te atreves A expor-te a nossos olhos lacrimosos? No sabes, que no podem os Profanos Assistir a solenes sacrifcios? Idamante

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Ah! No vos conjureis com impiedade Contra este desgraado, que procura Ser Vtima do fnebre Holocausto: Dignai-vos... CENA II CRICEIA, ARCNOE e os MESMOS Criceia Foge, salva-te, Idamante. Idamante Cara Me, que cuidado te acelera? Que perigo, ou temor te sobressalta? Criceia Nossa runa, (Arcnoe observa atenta, Se aparece algum brbaro inimigo) Nossa runa, Filho, est iminente, Se a reparar-lhe o golpe no acodes. De espias a Cidade est cercada, Corre a Licas, ajunta os teus amigos, Dos oprbrios, da morte te defende. Idamante E qual dos Gregos contra ns conspira? Criceia A Rainha clamando aos Cus vingana Arde em furor, em raiva, e em nosso sangue As cruis iras saciar procura. Idamante A Rainha? Respeito os seus furores, Reverente a seu brao me submeto; Mas como a inocente Me envolve No Castigo do Filho delinquente?

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Criceia Ela me julga cmplice do crime, Que tu s cometeste; e revolvendo Os passados sucessos, o motivo De seus malignos zelos, imprudente Confunde tudo. A brbara me acusa Como motora do terrvel golpe. Idamante Ah deplorvel Me! A qual estado Te reduziu a minha atrocidade! Criceia No vaciles, oh Filho! Um s instante No te dilates: corre aos teus amigos, Anima teu partido, da Tirana Dissipa as cruis iras. Idamante Onde pode Achar socorro um fratricida infame? Qual dos Deuses ser, ou qual dos Homens To indulgente, que ampararme queira Sem horror de meu brbaro delito? Criceia No te entregues a frvolos receios, A minha vida salva, salva a tua. A fortuna te estende a mo propcia, rbitro podes ser do teu destino. Em partidos o Povo se divide, Uns da Rainha a impiedade seguem, Outros em teu favor j se declaram; Licas te oferece o brao poderoso, E um secreto murmrio principia A chamar Idamante para o Trono. Idamante

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Que falsas esperanas te alucinam? Ponderas que veria em paz a Grcia De uma Troiana o Filho desgraado O Diadema cingir na fronte impura Coberta da vergonha do delito? Criceia E receias que a Grcia no respeite Um ramo florecente, nico resto Da clara estirpe do valente Aquiles? Sai da tribulao, em que te lana O horror de teu crime; na fortuna Animoso confia, activo segue O caminho do Trono que te espera. Idamante Com iluses do Slio no me aflijas Projecto mais ilustre e mais glorioso J empreendido tenho; sem demora Para Delfos os passos encaminho, Ou acabar s mos dos vis algozes, Ou vingando do Pai a injusta morte, Expiar o delito que me infama. Sombra triste do Irmo, em paz aceita Meus remorsos mortais e meus gemidos. Adeus, amada Me! Do lamentvel Filho recebe os ltimos abraos. Criceia Onde vs cegamente despenhar-te? Em que abismo me deixas flutuando? Que frenesi mortal te irrita, Filho, Contra teu prprio sangue? ldamante J que os Deuses Querem o sangue deste miservel Eu vou morrer; porm menos culpado. Criceia

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Ingrato, e tens valor para deixar-me Em to fatal perigo, entregue s iras De uma fera irritada sem socorro? Tal, como a pomba tmida entre as garras Do gavio faminto? Como podes Consentir que as mos cinjam de cadeias, Que encaminharam teus primeiros passos! Que rasgue o duro ferro os ternos peitos, Que a tenra infncia tua alimentaram! Idamante Quem viu consternao mais espantosa! Que obstculo se ope a meu desgnio! No, no, a desventura em vo pertende Arrancarme das mos da herica palma. Em vo pertendes os passos desviar-me Do caminho da glria; nobre empresa Parto sem dilao, o Cu me chama A sacudir da fronte a negra infmia. Com o sangue de Orestes de meus erros Corro a lavar as manchas vergonhosas. Senhora, em Licas tens seguro asilo Contra a sorte cruel, que te persegue, A seu abrigo podes acolher-te; Ele por em firme segurana A infeliz Me do desgraado Amigo. Adeus, Senhora, adeus. Criceia Suspende, Filho! Idamante Vou a recuperar a minha glria; Nem vero mais meus olhos os lugares, Que testemunhas so do meu delito. CENA III CRICEIA, ARCNOE e o CORO Criceia

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Ai de mim! Que farei? Que desamparo! No encontro recurso, a desventura Me lana de um abismo em outro abismo. Em to fatal consternao no vejo Mais que runa e morte inevitvel Ah desgraado Pris, que infortnios cara e triste Ptria no causaste! Foi uma cruel Fria, e no Helena, Que tu levaste a Tria, infeliz Tria! Helena foi, que te entregou s chamas Dos Gregos vingadores; que as cadeias Me cingiu do afrontoso cativeiro. Foi ela enfim, que me entregou s iras Da soberba, da brbara Hermone, E me faz suportar banhada em pranto Tantas tribulaes, tantas afrontas... Ah cara Irm, refgio em vo buscamos. A Prfida rainha sem piedade Me vai sacrificar a seus furores... mpia fortuna, como te glorias De perseguir os tristes desgraados? Mas para que meus novos males choro? No vi a triste lion abrasada, No vi atravessar com duro ferro O miservel Pai, e a toda a sua Numerosa famlia dar a morte? No fui eu arrastrada, como escrava, Aos navios dos Gregos inumanos? Ah seja a morte, seja meu refgio. doce a sepultura aos desgraados, Enfim perdida a nica esperana, Que poderia agora consolar-me, De que me serve a vida, que s hei-de Alimentar com lgrimas e dores? O presente destino e o passado Fazem que j me seja insuportvel, Arcnoe Irm, no desesperes, a ventura Tem difceis, tem speros caminhos; Confia no Destino, que a desgraa Chegada ao maior auge, muitas vezes Produz revolues inesperadas. Criceia Que mais esperar posso da fortuna,

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Que to inexorvel me persegue? O Cu irado j me desampara, A morte sobre mim levanta o ferro. Arcrnoe Contra o golpe fatal que te ameaa, O seguro refgio tens de Licas; Este Heri respeitado em toda a Grcia, Que por tantas faanhas se tem feito A delcia do Povo e dos Soldados, Refrear de Himeneu pode as iras, E elevar Idamante ao Rgio Trono. Vamos, Criceia, Licas nos espera, Na sua proteco descansar podes. Vem de novo com lgrimas e rogos Mover seu corao compadecido. Mas eu vejo a Rainha. Criceia Oh Cus! Aonde Me esconderei a seu aspecto odioso? Arcnoe Podemos sem ser vistas retirar-nos Do tmulo encobertas: vem, Criceia.

CENA IV A RAINHA e o CORO Rainha O cruel assassino vigilante s minhas iras esconder-se sabe, Mas em vo buscar seguro asilo; Em vo entre os mortais, ou entre os Deuses, Ningum o salvar da justa morte, Que esta Me vingadora lhe destina. Corifeu

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Abranda o corao endurecido, Reprime as iras, d lugar, Senhora, Aos doces sentimentos da piedade. Rainha Qu, falais de piedade? Os interesses Protegeis do traidor? Caras amigas, Se quereis que fiis vos acredite, Falai-me de justia e de vingana. Uma Pessoa do Coro Senhora, para ns encaminhar-se Vejo Licas com passos apressados. Rainha Como? Licas? Sem dvida que a vida Do criminoso amigo vem pedir-me; Mover-me a compaixo em vo pertende.

CENA V LICAS e os MESMOS Licas Filha de Menelau, o triste estudo, A que os supremos Cus te reduziram, digno de piedade, lamentvel. Meu corao sensvel a teus males A ofrecer-te o msero socorro Vem de uma compaixo fiel e pura. Mas, Senhora, modera a impacincia, O furor, de que deixas dominar-te. Que projecto meditas sanguinoso Que desesperao desordenaria Te confunde, te acende o nobre peito De uma fatal vingana perigosa? Rainha

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Aos desgnios dos Reis, como aos dos Deuses Os olhos fechar devem fiis vassalos, E submetendo-se ao poder do Ceptro:, Devem, sem impugn-los, obedientes Respeitar seus Decretos absolutos. Licas Senhora, o dom precioso da prudncia, Que a distintos mortais o Cu concede, a base mais slida e segura, Que os Estados sustenta, os Reis conserva; E de um fiel vassalo a indispensvel Obrigao , sem o vu impuro Da infame adulao, aos Soberanos A verdade mostrar-lhes; e debaixo Desta lei inviolvel venho expor-te Os sentimentos ntimos do Povo. Chora Epiro Idamante, como digno De mais ditosa sorte. Que injustia! Dizem os Epirotas impacientes. Em que tem Idamante delinquido? Em castigar a audcia de um soberbo, Que depois de o ferir com mil afrontas, Furioso arrancar a espada intenta? Qu? Sofreremos que a Rainha injusta Sacie as cruis iras sem piedade No sangue esclarecido, que nos resta Do valeroso Aquiles? Idamante Merece mais o Trono que o suplcio. Estas razes pondera, v, Senhora, Que se o Povo uma vez sacode o jugo, um tigre feroz, que se no doma Sem as iras fartar em sangue humano. Rainha Poder sem horror o indigno Povo Abraar do agressor abominvel Os mpios interesses? Um Tirano, Que ao inocente Irmo arranca a vida Para usurpar-lhe o Ceptro. No confundas Com o zelo do pblico o teu zelo. , Licas, a amizade, e no o Povo, Que a proteger te move generoso O traidor insolente; solta, solta O vergonhoso lao, que te liga

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Indignamente a um amigo infame. Um to vil e execrando criminoso No digno do amparo e sociedade De um Heri, cujo brao tantas vezes Tem da Ptria a Justia sustentado, Castigando orgulhosos inimigos. Licas Demasiadamente de Idamante O delito exageras, Rainha! Mas concedo que tenha delinquido. Sobre os maiores crimes a delinquncia Levanta o Trono; sim, nem sempre deve Seguir a culpa o rgido suplcio. Da juvenil idade so os erros Desculp\veis e dignos de indulgncia. O proceder severo e rigoroso dos Monarcas fraco fundamento: Confunde com a glria os interesses, A piedade as mos ligue da vingana. Rainha A que excessos de horror de atrocidade No chegaria a brbara perfdia Se o castigo lhe no servir de freio? Confiada no asilo da clemncia Julgar leve culpa o negro crime De banhar-se no sangue dos humanos. Destemidos viro os agressores Despedaar furiosos, sem piedade Entre os braos das Mes os caros filhos. Que Me da natureza to alheia Ver um mpio derramar-lhe o sangue De um filho amado e nico, de um filho! Que a materna ternura no exprima No pranto e na vingana? No, meus olhos No vero sem castigo o fratricida. Ah morra, morra o prfido, de exemplo Aos criminosos sirva seu suplcio. Licas dor grande perder um filho amado! No h para os mortais mais duro golpe!

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Mas se os Deuses assim o determinam, A mgoa suportar em paz se deve. No se viu Agammnon constrangido, Por observar dos Deuses o Decreto, A conduzir a vtima inocente Da cara filha ao duro Sacrifcio, Tristemente arrancada dentre os braos Da aflita Me em lgrimas banhada? Rainha Sim, o filho de Atreu o duro ferro Ensanguentou na msera Ifignia; Mas vingou resoluta Climnestr Com pronta morte a inocente filha. Licas E que horrores, que casos espantosos No produziu a brbara vingana Viram-se mais que mortes sobre mortes, Atrocidades sobre atrocidades! Rainha DeI los castigar os Deuses nuiandam Licas dos Reis e dos Deuses a clemncia. Rainha Em vo pertendes, Licas, aplacar-me Satisfeita verei correr o sangue Do cruel assassino de meu filho. Que jbilos esta alma no sentira, Se as minhas iras saciar pudesse Vingando, como o filho, o caro Esposo! Licas Enfim eu me retiro: fica entregue A cegueira fatal de teus furores, j que teu corao, como um rochedo, s vozes da verdade incontrastvel Do projecto imprudente no desiste;

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Segue os mpios conselhos dos indignos Cidados lisonjeiros, que te cercam. Talvez que a indignao, que te endurece, Te precipite em males sem remdio; Talvez colhas s lgrimas, que fruto So do arrependimento tardo e intil. CENA VI FESISTRA, a RAINHA, o CORO e GUARDAS Rainha Fesistra, que cuidado te acelera? Vens algum importante aviso darme? Fesistra Sim, descansa, Senhora, que Idamante J nas prises suporta os duros ferros. Rainha Da tua actividade, do teu zelo Ser o justo prmio sem limite. Fesistra Junto ao Templo de Ttis, das espias Foi com sagacidade acometido; Mas o mpio previsto a espada arranca, E no meio das lanas se arremessa, Como um feroz leo entre cordeiros. A uma, e outra parte ao mesmo tempo Na sua destra mo o ferro brilha. No descarrega em vo algum dos golpes. Teus soldados se esforam, e disputam A glria de vencer; mas animoso No combate Idamante o valor dobra. Um lhe cai a seus ps banhado em sangue; Outro foge ferido e desarmado; Mas ou acaso fosse, ou desalento, Tropeando Idamante cai por terra. Os contrrios com sbita destreza Sobre ele de tropel se arrojam todos,

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Das armas o despojam, de cadeias Com apertados laos logo o cingem; Ele, bramando frvido e raivoso, Forceja por quebrar os duros ferros. Rainha De delito em delito o mpio corre; Mas um pronto castigo livre a terra Deixar deste Monstro sanguinoso. Fesistira Encerrado num crcere seguro O deixei entre guardas vigilantes. Rainha Vamos dispor os ltimos preparos Do justo Sacrifcio, vem Fesistra. Coro Estrofe I Desgraada estirpe De Aquiles famoso, Que golpe furioso Te vai extinguir? Antstrofe l Um Deus vingador Severo castiga A mo inimiga De Tria infeliz. Ao p dos Altares Pramo ferido, O sangue esparzido Da filha inocente. Estrofe II

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O raio de Jove Vibrando veloz Vem de Pirrro atroz Os crimes punir. Antstrofe II Sobre este sepulcro O ferro arrogante Far de Idamante O sangue correr. Vero nossos olhos O Prncipe digno De um alto destino To triste acabar.

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ACTO III CENA I IDAMANTE COROADO COMO VTIMA, CINGIDO DE CADEIAS, RODEADO DE GUARDAS E SACRIFICADORES, DOS QUAIS UM TRAZ O FERRO PARA O SACRIFCIO, a RAINHA e o CORO Corifeu Eis aqui Idamante... Que desastre! Entre os fatais Ministros revestido Com os ornatos fnebres da morte, Como culpvel vtima ligado! Ah Regio de Epiro! Geme, chora A desgraa de um msero mancebo, Um florescente Heri, com quem fenece Toda a tua esperana e tua glria! Idamante O vergonhoso crime, com que deixo O meu nome manchado e minha glria, a nica angstia que combate Meu corao em to fatal instante. Infeliz Pai! Oh quanto injusto foste Em me deixar no seio rio repouso! Porque Idamante no levaste ao lado? Derramaria o sangue em tua defesa, Como tu entre as lanas morreria Dos cruis assassinos conjurados, Porm cheio de glria, no ria infmia, Que me conduz cingido das cadeias Ao suplcio afrontoso. Sombra triste Do sepultado Irmo, que pela minha Atrocidade Vagas entre as trevas Nas pavorosas margens do Cocito, De voluntria vtima recebe O sangue miservel. Oh Rainha Justamente indignada no dilates A um desgraado o doce bem da morte. Aqui tens a teus ps o delinquente, Com duro ferro o peito lhe traspassa. Rainha Levanta-te, malvado. Como sabem

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Debaixo de palavras simuladas Esconder estes mpios o veneno De um corao perverso e corrompido! No, a tua virtude artificiosa No te pode salvar de minhas iras. Miservel, confunde-te: v esta Sepultura, que a tua crueldade Me faz banhar de inconsolvel pranto. Que razes podero justificarte? O inevitvel e improviso golpe, Com que te vai punir esta mo justa, Te ajuntar ao nmero dos mpios, Que pagam com a vida seus delitos. Que infernal Divindade, do Diadema Te inspirou a ambio abominvel, E te moveu os passos para o Trono Pelo meio de um crime to infame? Idamante Rainha infeliz, bela Hermone, Mais no oprimas este desgraado, Imputandolhe horrveis, novos crimes, De que eu no tive nem o pensamento. Mais terrveis me so estas afrontas, Do que o ferro fatal, que vejo pronto Para rasgarme o peito e darme a morte. Idamante a vileza no conhece. grande o meu delito, eu o confesso, Pois manchei estas mos no triste sangue Do miserando Irmo; porm, meu crime No teve outro desgnio mais que aquele, Que a cega indignao pde inspirar-me De vingar as injrias, com que altivo Me ultrajou Polimene indignamente. Os mesmos Cus e a Terra bem conhecem, Que meu corao puro como o dia! Sabem, que no sei mais que honrar os Deuses, Cultivar os amigos inocentes, Cuja virtude os nimos detesta, Corrompidos e sem horror da culpa. assim que Idamante conhecido Entre os ilustres Gregos. No seria O mais louco dos Homens, se intentasse Suceder por traio to execranda A um Pai to glorioso, cujo nome Se escuta com espanto no Universo? No, to vis sentimentos no me ocupam;

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O esplendor da Coroa no me cega. Bem sabe a Grcia, que eu no aspirava Mais que quela que cinge nos combates Do vencedor a fronte gloriosa. Contente de viver exercitando As nobres artes, que a formar ensinam Os guerreiros Heris, s me bastava A fortuna de ser Filho de Pirro. O viver afastado dos perigos, Que ao Trono esto ligados, me foi sempre Um mais precioso bem, que o mesmo Trono. Jpiter formidvel aos perjuros, Ah! Se eu te atesto em vo, sobre mim lana Os incendiados, furibundos raios. Eu padea uma morte, se possvel, Mais afrontosa que esta, que me cerca, Negue-me a Terra e Mar a sepultura, E dos ces pasto sejam estes membros. Rainha Pode a virtude mais ingenuamente Explicar-se, do que este fraudulento? Mas no h-de o cruel lisonjear-se De que pode enganar-me e enternecer-me. Com seus vos juramentos. Que piedade Devo ter de um perverso, um assassino, Que sem horror do crime cruelmente Meu Filho traspassou com ferro duro? Ah! Triunfe, triunfe o amor materno, Vingue-se o Filho, morra o delinquente Corifeu Que terror! Outra pessoa do Coro Que espectculo! Outra Que angstia! A Rainha na aco de descarregar o golpe.

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Manes de Polimene o mpio sangue Desta agradvel Vtima... Ah que eu tremo! Que fora oculta o brao me desarma! Que horror a meu pesar me deixa imvel! O alento foge, o corao palpita, O sangue se me gela. Oh Cus, que sinto! Deuses, se castigar mandais os crimes, Para que me arrancais das mos o ferro, Quanto tmido nosso sexo e dbil! Ah! Verei gloriar-se este assassino) De arrancar a meu Filho a cara vida Sem suportar a pena do atentado? No, de escapar rgida vingana No h-de o agressor cruel jactar-se, Ol, Sacro Ministro, que costumas Intrpido tingir as Santas Aras Com o sangue das Vtimas humanas, O golpe descarrega, fere, fere.

CENA II LICAS, COM AS ARMAS NA MO, SEGUIDO DE SOLDADOS Licas Ah! suspende, Ministro, o inquo golpe. Rainha Vil Protector do crime, que pertendes? Licas Salvar meu Soberano da impiedade. Rainha Oh Deuses! Sem castigo...

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Licas Ol, Soldados, Resgatar vosso rei vindes da morte; Se houver algum rebelde, que se atreva A opor-se a to legtimo desgnio, Expire atravessado em vossas lanas. Senhor, d-me essas mos, que desatar-te Quero os indignos ferros, que te oprimem. Nada temas, que Licas te defende Como leal vassalo e fiel amigo. Rainha Justos Cus, e triunfa o delinquente! Ai de mim! Que faro meus vos esforos Entre esta multido de gente armada? Ah contra a vossa msera Rainha Vos rebelais, Traidores? Idamante Caro Licas, Tua amizade pura reconheo; Quem pode socorrer na adversidade Mais generoso um infeliz amigo? Mas da morte privar um desgraado dilatar o curso a seus tormentos. Deixa, que a descansar na sepultura V o triste Idamante, deixa, Licas; Pois manchado da infmia do meu crime, Gozar de que me serve a luz do dia? Licas Vem, Senhor, vem cingir na ilustre fronte O Diadema em lugar da mortal venda.

Rainha Rebeldes, que intentais? Quereis o Ceptro Pr nas mos criminosas e execrandas De um Tirano., que a sua atrocidade

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A saciar no sangue principia De um inocente Irmo? O Filho indigno De uma escrava Troiana? No vos lembra Quem foi o fero Heitor, e quem foi Pris? No temeis que este Monstro desumano Os Povos oprimindo com violncia Sobre vs desafie a fatal ira Dos Deuses irritados? mpios vedes Sem respeito infringidas as Leis Santas, E profanais as Aras da Justia Para elevares o agressor ao Trono? Licas So os Monarcas ddivas dos Deuses, Pertence a eles s punir seus crimes. O Rei ou seja injusto, ou justo seja, Fiis sbbitos devem respeit-lo. Idamante de Pirro nico filho, E Sucessor legtimo do Slio, Sua Augusta Pessoa j sagrada, Contra ele no pode algum humano Conspirar sem o crime de rebelde. Vem, Senhor, receber as Rgias honras. Ida matute Ah magnnimo amigo! No te exponhas inconstncia de um Povo vacilante, Que talvez fomentando-nos esteja A runa total, e de imprevista Rebelio as vtimas sejamos. Ah! No queiras unir-te a meu destino, Foge da minha inqua sorte, foge, Deixa que morra s o desgraado, O msero Idamante. Goza, Licas, Dos felices auspcios, com que os Deuses Ilustram os teus dias venturosos. Tuas virtudes, raras e sem mancha, So dignas de uma vida dilatada. To ingrato no sou, que sacrifique O mais amado, o mais constante amigo, Que desde a minha infncia interessado, Como amoroso Pai na minha glria, Me tem sacrificado generoso Os mais tenros cuidados e desvelos. Deixa que eu s acabe no suplcio.

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A miservel Me te recomendo, Da sua triste vida tem cuidado. Ah! Vai a socorr-la, v se podes Na mgoa de perder-me consol-la, E fazer que inocente no suporte A pena s devida ao triste filho. Adeus, Licas, Adeus, fiel amigo. Licas Morrer no ver Licas Idamante, Sem que em sua defesa acabe a vida. Epiro, que me v, e me respeita Como reparo slido da Ptria, De inerte e de cobarde me acusar, Se eu extinguir deixasse a clara estirpe Dos mais famosos, bravos vencedores Da soberba Dardania. Ver Licas Um Sucessor legtimo do Slio Ser vtima da brbara vingana De uma Rainha altiva e implacvel? Confundir-me no heide entre os indignos Cidados, que fomentam seus furores. Vem, Senhor, sobe ao Trono, em mim confia. Teus sequazes fiis e poderosos, Impacientes te esperam, e constante Sempre conhecers em mim o zelo De verdadeiro Pai e fiel vassalo. Morrer Licas junto de Idamante. Idamante Ah magnnimo Heri, ah caro amigo! A minha gratido, teus benefcios Pedem que eu te obedea. Vamos, Licas, Os meus passos dirige, e meu destino. Mas da glria sigamos o caminho, Vamos vingar do Pai o triste sangue, Ou morrer combatendo. Licas O mesmo brao, Que te pode arrancar das mos da morte, Poder destruir teus inimigos, E pode sobre o Trono sustentar-te.

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CENA III A RAINHA e o CORO Rainha Vero meus olhos empunhar o Ceptro, Ao prfido Idamante, o filho indigno Da soberba Criceia? A vil escrava Verei gozar das honras do Diadema? Viverei sem Vingana, suportando Seu afrontoso jugo? A ilustre filha Do grande Menelau? Cruel fortuna, A gemer em to vil abatimento Me constranges depois de tantos males? Ah Cidados rebeldes! Povo ingrato! Podeis ver Hermone reduzida A sofrer os ultrajes de uma escrava, A prostrar-se a seus ps para render-lhe Humilde vassalagem? Que ignomnia! Ah! Com que audcia a prfida soberba Me no dir: Aprende agora, altiva, A suportar insultos e desprezos! Oh Deuses! Ai de mim! Morrer me sinto Na desesperao, que me devora. Corifeu No temas que se ofenda indignamente O devido respeito ilustre filha De um poderoso Rei, cuja aliana preciosa a tantas Monarquias. Tu no s uma escrava arrebatada Dentre os incndios da arruinada Tria, s da opulenta Esparta uma Princesa. De Criceia os ultrajes no receies; Quem se pode atrever contra o decoro De uma ilustre Rainha descendente Dos mais esclarecidos Reis da Grcia? Como temes o msero Idamante, Um corao punido e atormentado Pelo fatal verdugo dos remorsos, Que entre os duros tormentos do suplcio Tem mais horror do crime, que da morte? Com que humildade digna de demncia No te oferecia o peito ao duro golpe? Que filho mais submisso e respeitoso,

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De uma indignada Me aos ps se prostra Para o castigo receber dos erros? Rainha a arte comum dos malvados, Que vista do suplcio confundidos, Por ver se podem reparar o golpe, Se cobrem com o escudo da virtude, E se servem das vozes da inocncia.

CENA IV FESISTRA, os MESMOS e GUARDAS Fesistra Em vo embaraar o passo a Licas Intentei Oh Rainha! Teus soldados Sofreram valerosos os primeiros, E violentos golpes, mas vencidos Pela multido forte dos rebeldes, Destroados o campo abandonaram. Rainha Ah meu caro Fesistra! Tu no sabes, Em que novas desgraas os Destinos Esta infeliz Rainha sepultaram. Tudo enfim j perdi, j me no resta Mais que gemer em msera fortuna. Meus olhos sempre em lgrimas banhados Vero do filho o sangue sem vingana, E o cruel assassino sobre o Trono Gloriar-se da sua impiedade. A suportar o Povo me constrange O jugo de um Tirano e de uma escrava. Oh Cus! A que infortnios, a que oprbrios Me reservais depois de tantos males! Fesistra No te entregues s mgoas, que inda podes Triunfar dos traidores inimigos,

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A exaltao do prfido Idamante Faz tomar teu partido novas foras. Os grandes impacientes e indignados, No toleram que o filho criminoso De uma escrava Troiana o ceptro empunhe. Dos guerreiros a Licas submetidos J muitos seu projecto desaprovam Os teus sequazes juram de vingar-te, E de banhar o Trono com o sangue Do Sucessor indigno. Vem, Senhora, Teu partido animar, antes que Licas Subornar possa o vacilante Povo, A que com voz unnime aclamado Seja o traidor nos pblicos lugares. Rainha Ah Fesistra! Este esprito agitado De mil pressentimentos, mil angstias J da tribulao vencer se deixa. No sei que novos males, que infortnios O aflito corao me vaticina. Sim, o agressor me irrita e me enternece, A sua exaltao, o seu delito, Sua aparente, ou pura ingenuidade Me aflige, me enfurece, me suspende; Mas devo eu ser sensvel?... Fesistra vingana Tudo, Senhora, tudo sacrifica. Que v piedade, que temor intil Numa tenta justia te demora? Cuida no pronto, no fatal suplcio. Consentirs que um monstro sobre o Trono J banhado no sangue de teu filho Te dite as Leis? No temes que o Tirano Para firmar a sua segurana Astucioso procure dar-te a morte? Rainha De que me serve o Trono e a triste vida, Se o caro filho os Deuses me roubaram?... Mas oh Cus! ... Morrer quero satisfeita, Vendo banhar o Slio com o sangue

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Do agressor execrando. Sim, Fesistra, Da vingana sigamos os impulsos. Sombra amada, que vagas implacvel Nas margens do sombrio e turvo Letes! De uma afligida Me a voz escuta, Como um Deus tutelar, Filho, te invoco, O traidor, o atrocssimo Idamante Impiamente te fez na flor dos anos A medonha morada ver da morte, E enquanto em tristes lgrimas banhada Flutuo num abismo de tormentos, O temerrio corre sem castigo A empunhar nas mos, tintas no teu sangue, O Ceptro, que te usurpa, Sombra amada! A seus atrozes olhos aparece, E como vingador irado e justo Castiga com a morte este assassino, Que feroz te arrancou a doce vida. Ah fiis companheiras de meus males, Esperando ficai neste sepulcro Do meu Esposo as mseras relquias; Pois quero que piedosas ajuntando As vossas tristes lgrimas s minhas, Lhe tributemos as funestas honras. Depositar no mesmo monumento Quero as cinzas do Pai com as do Filho. Coro Estrofe 1 Defensor da Virtude, Jpiter Soberano Desarma o brao insano Do indmito furor. Os ventos indignados No fundo abismo prendes, Tu nos ares suspendes O raio destruidor. Antstrofe 1 Oh quanto s respeitvel Virtude dos Cus filha, Ditoso o que se humilha Ao p de teus Altares. A teu divino aspecto Tremeu a morte irada,

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Caiu da mo alada O sanguinoso ferro. Epodon Generosa amizade, Que aos golpes ofrecida, Vens para dares vida A prpria vida expor.

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ACTO IV CENA I CRICEIA, ARCNOE e o CORO Criceia Vs, Senhoras, sabeis que Polimene Me foi to caro, como o prprio filho, Que seu triste destino de meus olhos Tem arrancado doloroso pranto. Quanto me doce ver-vos empregadas Em lamentar a sua desventura! Consenti que ajuntando meus gemidos Aos vossos tristes ais, sacrifiquemos s suas preciosas, frias cinzas Enternecidas lgrimas piedosas. Ah lamentvel Princpe! No posso, Como devo, chorar tua desgraa! A glria, que me ocupa, no permite Que a dor tenha lugar dentro no peito; Mas deixa que segura participe Das honras e poderes do Diadema, Que para aplacar tua errante Sombra Ornarei este tmulo de flores, Te ofrecerei as vtimas mais puras Em solenes pomposos Sacrifcios. Corifeu Criceia, donde vem que Polimene Seja tua ternura to precioso? Que apesar da alegria, que te cerca, No te esqueces do seu triste destino? As lgrimas de dor, que intempestivas Nos olhos te rebentam, a piedade, Que s suas honras fnebres consagras, Admirada me tm, me tm confusa, E no sei que segredo misterioso Me deixam perceber. Criceia Pois to alheia Da natural piedade me supondes, Que no seja sensvel desgraa

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De um to amvel e infeliz mancebo? Sou acaso algum monstro inexorvel, Como a cruel serpente vingativa Da implacvel Rainha? Mais humanos So da minha alma os ternos sentimentos. De Polimene a negra desventura Me interessa, me deve acerbas dores; Ele filho de Pirro, e juntamente Com Idamante viu no mesmo dia A luz do Mundo. vista dos meus olhos Em gentileza iguais ambos cresceram. Eu de um secreto jbilo me enchia, Vendo-os alguma vez interessados Nos pueris inocentes passatempos: Suas nascentes graas acenderam No meu materno amor a mesma chama. Arcnoe Basta, irm, mais no tragas lembrana Os motivos da dor, o pensamento Emprega na fortuna, que te espera, De prazer o magoado rosto banha, Vem ver subir ao Trono triunfante O perseguido filho, vem, Criceia. Corifeu Ah louca! Pode ser que as esperanas, Em que vmente tua glria fundas, Vejas trocadas em funesta pompa.

CENA II A RAINHA, FESISTRA, o CORO e GUARDAS Fesistra Teu corao altivo desconheo. Que mudana improvisa! J, Senhora, No s aquela intrpida Rainha, Que do terrvel ferro armando o brao, Jurava destruir seus inimigos. Entregue confuso de um vo remorso Vagas irresoluta, enquanto o incndio Vai levantando chamas invencveis,

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Ora clamando ao justo Cu vingana, Abrasada em furor, estrago e morte Prometes ao traidor e a seus sequazes; Ora de dor e sustos penetrada, Espavorida gemes. Determinas, E o que ordenas, destris no mesmo instante. Rainha Ah! Vai, Fesistra, mais me no consultes, Corra o sangue dos nossos inimigos. O cruel agressor a pena sinta, Que merece o seu brbaro atentado. Ai de mim desgraada! Oh quanto invejo Do caro esposo e Filho a triste sorte!

Fesistra J dispostas as armas em segredo Os Conjurados tm, e a senha dada. No instante, em que cingido do Diadema, Cheio de pompas, sobre o Rgio carro Idamante gozar as populares Aclamaes, com repentino assalto A forte multido dos teus sequazes Tingir em seu sangue as duras lanos. Vingada ficars, antes que o dia Entre as sombras da noite a luz esconda. CENA III A RAINHA e o CORO Rainha O Mundo j no tem felicidades Para a triste Hermione, o cruel fado Me feriu com os golpes mais sensveis. Corifeu Ah Senhora! Serena o peito irado. A vingana espantosa, que fulminas, No faz mais que aumentar os teus tormentos.

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Rainha Amigas, companheiras, a meus males Outro alvio no busco mais que a morte. A satisfao triste s espero De banhar em meu pranto inconsolvel As frias cinzas do infeliz Esposo. Oh quanto o Cu irado me dilata Este to suspirado e amargo instante! Ai de mim! Ai que angstias me combatem Que contrrias paixes ao mesmo tempo Ocupam a minha alma atribulada! Do caro filho o inocente sangue Vingana clama, e a ferir me excita. Um poderoso brao forcejando Em vo quer apagar a ardente chama, Que me acende o furor, e me parece Que nas entranhas uma voz me grita, E me diz: O projecto sanguinoso, Que indignada me ditas, num abismo Te vai precipitar o mais horrvel. Corifeu No pode sufocar a paixo cega Os sentimentos de um ilustre peito; a voz da piedade, que te fala. Rainha No, piedade no , o mpio morra. Os fortes movimentos que me abalam, So a meu corao desconhecidos. CENA IV IDAMANTE SEGUIDO DE NUMEROSAS GUARDAS e os MESMOS Rainha Cruel, porque to feramente armado Vens mostrar-te a meus olhos? Que pertendes? Tirar-me a vida, misturar meu sangue Com o sangue do filho miservel? Fere, tigre faminto, que gostoso Da morte me ser o duro golpe.

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Idamante O atribulado corao serena, Dissipa os sustos que te sobressaltam, Estas agudas armas, que receias, Fiel guarda sero do teu decoro. No temas que vingar busque as injrias, Que justamente tenho suportado. Sabe Idamante mal sofrer oprbrios; Porm, a indignao com que me ultrajas, No faz mais que aumentar o meu esprito. Eu o Diadema vou cingir na fronte; Mas repartir contigo venho o trono. O meu maior cuidado ser sempre Intacta conservar-te a Dignidade, Serenar os teus dias tormentosos. E permite que beije em f, Senhora, De minha respeitosa vassalagem A mo, que o duro ferro... Rainha Temerrio, Com tuas mos profanas no me toques. Idamante Que pertinaz e que implacvel dio! Modera as fortes iras; castigado J bastante me tm os meus remorsos... Mas os olhos, Senhora, aos Cus levantas? E apesar do furor, que te endurece, Banhas em pranto o rosto suspirando?... Sinto estalar o corao no peito Das tuas tristes lgrimas ferido. Ah! Que exprimir no posso os movimentos, De que est meu esprito agitado! No me so da amorosa Me mais caros Os afagos, que as iras de Hermone. Rainha Oh Deuses! Idamante

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Se esta triste vida pode O destino mudar, que te persegue, Aqui tens esta espada, fere, mata, Que tranquilo verei correr o sangue, Por terminar os males que te oprimem. Que duro peito no ser sensvel cruel sorte!... Rainha Deixa-me, assassino. Idamante No te irrites, Senhora, melhor julga De um corao sincero que te fala. Os meus desgnios venho descobrir-te: Com a fronte cingida do Diadema, Armado o peito de pesadas armas, Na frente de soldados valerosos Ir pertendo vingar o sangue amado Do miserando Pai, do teu Esposo. So estas, Hermone, as Leis primeiras, Que ditar sobre o Trono determino. CENA V CRICEIA e os MESMOS Criceia Vem, Idamante, vem subir ao Trono, Cheio o Povo de jbilo te espera. Vem, que j dos festivos Sacrifcios. Entre nuvens de fumo a chama brilha, E as Vtimas de flores adornadas J cercam os Altares. No te exponhas indignao de teus perseguidores, Foge aos oprbrios, vem gozar as honras. Arrastra os inimigos maniatados Ao carro da fortuna, que te exalta. Rainha Endurecidos Deuses! possvel

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Que depois de desgraas to funestas Hermone se veja reduzida A suportar to brbaras afrontas? Para quando guardais os vossos raios, Se agora no vingais minhas ofensas? Idamante Nada temas, Senhora, que Idamante Teu defensor ser. Os meus vassalos Vers a teus Decretos submetidos; No obter nenhum a minha graa, Sem que a teus ps se prostre respeitoso. Os tesouros sero do Poder Rgio Pelas mos de Hermone dispendidos. Criceia Que imprudente projecto! Rainha Em vo pertendes Com razes simuladas aplacar-me Vai, segue da Me prfida os conselhos. Desprezo os benefcios de um rebelde. O temor de teu crime e minhas iras, que te faz submisso e respeitoso. Temes que minhas lgrimas conjurem Para vingar-me o Povo vacilante. Idamante Nada teme Idamante. Cr, Senhora, Que ternura e respeito s me movem. Criceja Oh Deuses! Que proferes, Idamante? Que errados passos moves para o Trono? Queres alimentar teus inimigos, E meter-lhes nas mos a agudo espada, Que h-de arrancar-te a vida cruelmente? Ah cego! Aonde vais precipitar-te? Cuida em firmar a sua segurana,

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Tudo a teus interesses sacrifica. Rainha Ah prfida orgulhosa! J oculta A sequiosa ambio conter no podes; A tua vil cobia lisonjeia Nas esperanas vs que te alucinam, Entrega-te aos prazeres, hoje ao lado Do criminoso Filho ao Trono sobe. Determina, se podes, meu despenho, E enquanto o justo Cu, horrveis Monstros, Tolera vossos crimes sem castigo, Talvez que bem depressa o pranto, o sangue Da vossa glria o prprio lugar banhe. CENA VI CRICEIA, IDAMANTE e o CORO Criceia Tua bondade, Filho, em vo pertende Desarmar seus furores implacveis. No far teu respeito perigoso Mais que aumentar-lhe a brbara fereza. Idamante Seu mortal dio tenho merecido. Ai de mim! Eu desculpo as suas iras. Detestar o culpado Hermone deve Da lamentvel sorte, que a maltrata.

Crceia Tu culpado no s no seu Destino. Seu desprezo arrogante no mereces; Sem motivo a Tirana te persegue. Castigar deves seus cruis desgnios, As terrveis ciladas, que a soberba Tem impiamente contra ti armado.

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Idamante Polimene, Senhora, era seu Filho, Devia respeit-lo; sim, devia Moderado sofrer os seus ultrajes, E no tirar-lhe a vida. Que castigo O meu delito enorme no merece? Criceia Lamenta embora a sua infeliz sorte, Chora o sangue do triste Polimene; Quantas lgrimas sua desventura Tambm me tem custado? Mas adverte Que o objecto principal de teus cuidados Deve ser o Diadema, que na fronte Hoje te cinge a prspera fortuna. E no podes no Trono segurar-te, Se da Rainha o orgulho no refreias, Se em paz queres gozar a tua glria, Pe-na em remoto e spero desterro, Ou manda, que a soberba vida acabe Encerrada num crcere medonho. Idamante No, Senhora, que eu siga no esperes To malignos, to hrridos conselhos. Quero antes perseguido da desgraa A sorte experimentar mais abatida, Do que subir (que horror para Idamante) Ao trono por degraus em sangue tintos. Permite, cara Me, que te declare Os ternos sentimentos de minha alma. Para mim, Hermone enfurecida To respeitvel como Criceia; O seu dio implacvel, suas iras Nunca vingana podero mover-me. To infame serei, que ainda oprima Uma queixosa Me! Depois de ter-lhe To dolorosas mgoas motivado! Ah! Perdoa, Senhora, no pertendo Mais que enxugar-lhe o pranto, que a seus olhos Fez derramar a minha crueldade. Humilhado a seus ps a minha Corte Veja a ilustre Hermone, reja, mande, Como Idamante seja obedecida.

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Criceia Ah brbara fortuna! Filho ingrato, este o justo prmio da ternura, Com que sempre eduquei a tua infncia, Do zelo, com que tenho procurado Salvar-te das mos mpias da inimiga, Pronto a banhar o ferro no teu sangue E franquear-te o caminho para o Trono? Sofrers que a Rainha inexorvel Das honras goze, que me so devidas? Que Epiro lhe obedea, que me veja Confundida entre a turba dos vassalos? Que a cruel seu orgulho lisonjeie, Fazendo-me a seus ps prostrar submissa? No te lembra que tua Me Criceia? E que darlhe no Trono lugar deves? Que seus conselhos justos e saudveis Por seguro caminho guiar podem A tua idade pouco experimentada? Nas mos te ponho o Ceptro, de seu peso Aliviar-te em grande parte. Quem te ser mais firme confidente, E mais fiel que o corao materno? Em quem seguro podes, caro Filho, Descansar das fadigas do governo? Idamante Vamos, Senhora, Licas nos espera, E sustentar o Ceptro determino Pela sua prudncia regulado. No te assustes com vs desconfianas, No julgues que eu consinta, que no sejas Como Me de Idamante respeitada. Coro Estrofe 1 Como no abrandas Hermone, o peito Ao terno respeito Do triste agressor. Antstrofe 1

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Sequiosa ambio, Por alta ventura A virtude pura Queres corromper. Porm a grande alma S de glria acesa Constante despreza Conselhos cruis. Estrofe II De novo a vingana Se esfora indignado, E nova cilada Armado j tem. Antstrofe II Oh Divina Ttis, Sai dos fundos mares, Que ante teus Altares Nos vamos prostrar. De teu Filho o sangue Impiamente corre, Epiro socorre, Deusa tutelar.

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ACTO V CENA I A RAINHA e o CORO Rainha Fiis amigas, vossa companhia doce refrigrio s minhas mgoas, J este corao em tantos males Estalado teria, se piedosas Nas minhas aflies me no tivsseis Com to grande desvelo consolado; Mas ah! Caras amigas, socorrei-me, Socorrei-me... Aumentar-se a cada instante Sinto a tribulao, as amarguras. Dissipai, Deuses, meus mortais terrores. Eu tremo, como se um profundo abismo Abrir visse debaixo de meus passos. Corifeu Ah! Minha Soberana, de Idamante O miservel sangue derramado No te far sair da sepultura O caro filho nem serenar pode A tua dor; o teu amargo pranto No far mais que o pensamento encher-te De pavorosas fnebres imagens. Rainha A sua submisso, o terno zelo, Com que por minha sorte se interessa, Me admira e me confunde; que virtude Brilha na sua boca respeitosa. Pode tanto fingir-se a ingenuidade! Corifeu Com prudncia discorres; no, Senhora, O corao, aonde o engano reina, No pode ter to doces sentimentos.

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Rainha Mas o sangue do Filho derramado Em vo clamando ficar vingana? CENA II FESISTRA, os MESMOS e GUARDAS Fesistra J nas vozes do Povo de Hermone O triunfante nome aos ares voa. Rainha J morto Idamante? Fesistra J nos braos De Licas deu os ltimos suspiros. Corifeu Oh desgraada estirpe de Peleu! Fes istra Sobre um carro triunfal, cheio de pompa, Ornada do Diadema, a fronte altiva, Entre uma multido de armada gente Seguro a receber se encaminhava As aclamaes pblicas; o Povo De toda a parte aos bandos concorria: Quando por entre a turba numerosa De mo destra uma seta despedida Quase invisvel lhe traspassa o peito. Idamante a cabea balanando, Deixa o brao cair, que o Ceptro empunha, Derrama negro sangue pela boca, E cai aos ps dos cavalos moribundo. Ao estrondo da queda se espantaram Desenfreados os fogosos brutos, E co as pesadas rodas atropelam

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O ensanguentado, palpitante corpo. Rainha De terror cheio o corao palpita. Fesjstra Uns imveis pasmados emudecem, E gritam outros: Hermone viva. Licas espavorido em vo o chama, Confuso o lacerado amigo abraa, E fica sobre o plido cadver Derramando gemidos e soluos. Corifeu Incompreensveis Deuses! Que Destino Os dous filhos de Pirro experimentaram? Um dia os viu nascer, e no sepulcro Quase os tem visto entrar um mesmo dia! CENA III CRICEIA, ARCNOE e os MESMOS Criceia Que mais pertendes, implacvel fera, Para satisfao da impiedade? A minha vida? Manda dar-me a morte, De sacrificar acaba no meu sangue Tuas famintas iras. Rainha Ol, Guardas, Afastai este monstro de meus olhos, Puni esta soberba intolervel, Com vossas lanas traspassai-lhe o peito. Criceia

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Sim, oferecer me venho ao duro golpe; Mas um segredo quero descobrir-te, Que vingar meu sangue, que suplcio Tormentoso ser de teus furores. Rainha Que procura inventar a tua indstria Mais horroroso para atormentarme? Ide, soldados, arrancai-lhe a vida. Criceia Farta, Tirano, a fera atrocidade; Porm, fica gemendo entre os remorsos De ter ao prprio filho dado a morte. Rainha Que remorsos! Que filho! Justos Deuses! CENA IV RAINHA, ARCNOE e FESISTRA Arcnoe Deplorvel Rainha, tem piedade Desta infeliz Princesa, que o destino Entregou s prises do cativeiro: sua desventura a dor evita De ver triste Irm dar morte crua, nica companheira de seus males. Rainha Deixa-me em paz. Criceia Oh Deuses! Ai que morro. A rcnoe

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Cruis soldados, suspendei o golpe. CENA V RAINHA, FESISTRA e o CORO Rainha Oh Cus! Que confuso! Fesistra Senhora, deixa De mais atormentar-te; porventura Tens dado luz do Mundo mais que um filho? Rainha No. Fesistra Pois que sustos vos teu peito afligem, Se o traidor filho da soberba escrava Lhe arrancou cruelmente a doce vida? Rainha Uma queixosa voz, que me atormenta, Ouo gritar no fundo de meu peito. Corifeu A suportar em paz um novo golpe, Senhora, o corao aflito anima. Eu j diviso Arbante coroado De verdenegros lutuosos ramos, Que num triste silncio submergido Conduz do teu Esposo as frias cinzas. Rainha Ah que a dor se renova! Mas quem pode

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O pranto reprimir, as amarguras vista de espectculo to triste! CENA LTIMA ARBANTE ACOMPANHADO DE UMA LUTUOSA POMPA, COM UMA URNA NAS MOS e os MESMOS Arbante Deplorvel Rainha, se o Destino Do desgraado esposo te notrio, Sabe que o breve espao desta urna Encerra as suas mseras relquias. Rainha Ai de mim desgraada! Sim, Arbante, Bem notrios me so meus infortnios. D-me, servo piedoso, este sagrado, E triste monumento. Deixa,... Deixa Que o abrace, que o beije ternamente; E que de minhas lgrimas o banhe. Ah Esposo infeliz! Ah doce Esposo! Que ainda que infiel sempre reinaste Na minha alma ofendida. Urna funesta, A meus chorosos olhos no ofreces Mais do que um seco p, uma v sombra. Ali caro Esposo! Quanto diferente Foi a admirvel pompa da partida! Sobre um brilhante carro precedido De instrumentos sonoros, todo cheio De glria e majestade te ausentaste! E agora te recebo reduzido A umas frias e ligeiras cinzas. Ai de mim! De meus olhos separado, Longe do teu Palcio o mpio Orestes A vida te arrancou infamemente, Sem que pudesse a tua amante Esposa As honras do sepulcro tributar-te. Eu a consolao teria ao menos De cerrar, como ao filho desgraado, Com a minha amorosa mo teus olhos, J cobertos de tristes negras sombras, E de ouvir os teus ltimos suspiros. Oh fatal dia! Em que a terrvel morte, Como desenfreada tempestade, Que abate e despedaa um denso bosque,

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Arruinou a minha infeliz casa. Ai de mim! Ai de mim! Tristes relquias, Recebei-me no seio desta urna. Amado Esposo, Filho desgraado, Sofrei que esta infeliz, que vos suspira, Participe da vossa sepultura, Assim como dos vossos infortnios Participado tem; a meus desejos No h mais precioso bem que a morte. Corifeu Desgraada Rainha, a dor modera; A Lei irrevogvel dos Destinos Nenhum mortal isenta do sepulcro. Arbante As dolorosas lgrimas que soltas, Tm, Senhora, legtimo motivo, Pois te pde privar a dura morte Do mais amvel, do mais digno Esposo; Mas ao menos o pranto evitar podes, Que derramar te vejo pelo Filho. Rainha Como! Chorar no devo o caro Filho, Que na perda do Esposo s podia Ser a consolao desta Me triste? Se estes magoados e infelices olhos O vem naquele tmulo encerrado? Arbante Os funestos sucessos, que afligido Tm a casa de Pirro, no ignoro; Sei que o bravo Idamante ardendo em ira A Polimene deu violenta morte. Rainha Pois julgas que no o triste Filho Digno das ternas lgrimas, que verto?

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Arbante Chorar no te pertence a Polimene. Rainha Arbante, tu deliras? Arbante Ah! Senhora, Serena o corao atormentado, Que o prodgio, que vou anunciar-te, Diminuir o peso de teus inales. Sabe, excelsa Rainha, que teu Filho Polimene no , Idamante. Rainha Tu pertendes, Arbante, contundir-me, Ou vens escarnecer de minhas mgoas? Arbante No, minha Soberana, em vo no falo, A tua dor mitiga co a alegria De recobrar um Filho, que do bero Usurpado te foi, e que julgavas J entre as trevas hrridas da morte. Rainha Que escuto, oh Cus! Tomai, caras amigas. Tomai este depsito, que absorta O sangue gelar sinto. Arbante Atenta, escuta As sagradas palavras, que expirando, Afirmadas com Santo Juramento, Pirro depositou em meu peito. Cair ensanguentado e moribundo

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Aos repetidos golpes dos contrrios Vi o meu infeliz Senhor por terra. A socorr-lo prontamente corro, Com alta voz o chamo, ele os turbados Olhos abre, que logo a cerrar torna, E gemendo a mo trmula me estende. Fiel Arbante, me diz, o Cu me arranca Uma inocente vida, tem cuidado De aplacar o meu sangue e minha Sombra. Dize msera Esposa... E suspendendo Um pouco a voz, que mal articulava Como quem recordar quer altas cousas, Depois de um ai profundo, oh Cus! exclama Com que gesto severo o bravo Aquiles Me no repreenderia, se eu entrasse Nas Elsias moradas, usurpando A um Sucessor legtimo o Diadema, Para deixar o Filho da Troiana Sobre um Trono da Grcia! Ah! Em que absurdo Me fez cair de amor a paixo cega. Rainha Cada palavra, que lhe escuto, Deuses, um punhal, que o peito me traspassa. Arbante Estas ltimas vozes grava Arbante No fiel corao, prossegue Pirro, E em toda a Grcia sejam publicadas. minha Esposa dize, que Idamante das suas entranhas o precioso, O verdadeiro fruto, e Polimene de Criceia o Filho. Rainha Polimene Da escrava o Filho... Oh Cus! Como possvel! Arbante verdade, Senhora, tudo Pirro Revelou combatido dos remorsos. Instigado dos rogos de Criceia,

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E de um ardente amor alucinado, Com sua prpria mo tirou do bero (Apenas tinham visto a luz do dia) O Sucessor legtimo do Slio, Em seu lugar deixando Polimene, Para que ele do Creptro fosse herdeiro. Rainha Ah Fesistra! Aqui tens desenvolvido O segredo da escrava, a minha sorte. Fesistra Que inesperado, que espantoso caso! Corifeu Como os cegos Mortais se precipitam Em abismos de males e de horrores! Arbante Mas, Senhora, que pasmo te emudece De gero dos e pranto acompanhado? A desesperao, as amarguras Perturbam teu semblante, Deuses! Quando Serenar tuas mgoas esperava, Restituindo a teus amantes braos Um Filho, que julgavas j perdido, Te vejo flutuar em novas dores O corao aflito. Rainha Viu o Mundo Monstro mais infeliz e mais horrvel! Ah Criceia cruel! Ah vil escrava! No bastava roubar-me o doce Esposo, Seno tambm roubarme o caro Filho? Minha desgraa os Fados completaram. Vejo do Esposo as cinzas encerradas Nesta urna funesta, finalmente

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Dei a morte a quem tinha dado a vida. Arbante Que espantoso sucesso me referes? Deste a morte a Idamante? Que desgraa! Rainha Ai de mim! Sim, Arbante, oh Deuses... morto! Arbante Que multido de males imprevistos! Fesistra A dor 1he priva o uso dos sentidos. Corifeu Oh Cus! Que astro maligno tecer pode Esta fatal cadeia de infortnios; Que negra, que inimiga Divindade Lanou sobre esta msera Rainha Um peso to enorme de desgraas As mais pasmosas, que tem visto o Mundo, Rainha Ai de mim! Ai de mim! Que nuve espessa Me turbou de improviso a luz dos olhos, Justos Deuses... Arbante... Companheiras... Mas vs derrama is lgrimas piedosas, E no vos atreveis a socorrer-me? Vs fugis desta brbara homicida? Ah Fi1ho deplorvel! Arma o brao, Castiga esta Me mpia: fere, rasga As entranhas cruis que te geraram. Ca, prticos, muros, altas torres, Sepultai me debaixo das runas. O sangue derramei do Filho amado, E inda o Sol me alumia, inda respiro! Oh desesperao! Injustos Deuses,

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Que culpa cometi para fazer-me O dio dos Mortais, o horror do Mundo? Onde irei arrastrar os meus remorsos, At que, pouco e pouco, me consumam A insuportvel vida, que me resta? Corifeu Que duro corao negar se pode Aos ternos sentimentos de piedade? Que dor me causam, msera Rainha, Os espantosos males que te cercam. Rainha Fiis amigas, inda compassivas Vos dignais de chorar o meu Destino Depois de tanto horror? Inda benignas No desamparais esta criminosa, Este Monstro execrando, e este objecto Da indignao dos Deuses e dos Homens? Ai de mim! Ai de mim! Supremos Deuses, J que vs minhas iras confundistes, Desarmandome o brao levantado, Porque na boca destes Simulacros No fizestes soar a voz eterna, Como horrvel trovo, para avisar-me, Para o fatal segredo descobrir-me, Origem de meu crime abominvel, E de meus espantosos infortnios? Ah Cidados! Ah Povos! Se piedade Tendes desta Rainha desgraada, Porque um punhal me no cravais no peito, Ou me no sepultais nos Mares fundos?... Adeus, triste Palcio, adeus, lugares Todos cheios de horror, tintos de sangue. Soberano esplendor da Majestade, Em pavorosas sombras envolvido, Adeus, que eu vou chorar minhas desgraas Na solido de um msero desterro, Nas mais desertas e profundas brenhas, Aonde mais no veja a luz do dia. Corifeu Qual dos Mortais feliz chamar-se pode, Se a fortuna dos Reis est sujeita

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A mudanas to tristes e espantosas?

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Castro
TRAGDIA ACTORES O Prncipe D. Pedro Dona Ins de Castro El-Rei D. Afonso IV Coelho conselheiro Pacheco conselheiro Um Embaixador de Espanha Almeida, Confidente de D. Pedro Leonor, Aia de Dona Ins A CENA NO JARDIM DA QUINTA DAS LGRIMAS. ACTO I CENA I PRNCIPE e INS Ins Prncipe, divertir em vo procuras A tristeza mortal, que me acompanha Deste ameno jardim as verdes plantas, Que to alegres j meus olhos viram, Medonhas me parecem cada sombra Um assassino armado me figura; Se agita os ramos o ligeiro vento, Imvel fico, esmorecida tremo; Quando te vejo, um novo sobressalto O corao me anima; mas no posso Dissipar os temores que me cercam. Prncipe Formosa Ins, o nimo serena; Em fantsticos sustos no consumas Os instantes a nosso amor devidos. Descansa no solcito desvelo De um corao, que nesses olhos arde, Que sempre vigilante tem buscado Destruir os obstculos contrrios 238

A teu feliz repouso, a teus desejos. Ins De teu constante amor no desconfio, Que benigno me ampara e cuidadoso; Mas a desgraa temo, que invejosa J comea a turbar minha ventura; Pois ignorando Afonso que nos liga Do Sagrado Consrcio o santo lao, Nova aliana firma com Castela; E para ser o vnculo mais forte Da jurada amizade, determinam Que tu ds a Beatriz a mo de Esposo. A Princesa com pompa majestosa Para nossas Fronteiras se encaminha. Apesar de importantes embaraos ElRei da Corte sai, talvez irado De ouvir as tuas frvolas escusas, E j pisando as margens do Mondego, Do Embaixador de Espanha vem seguido. O soberbo Coelho, o audaz Pacheco, Seus cruis Conselheiros o acompanham, Que no rigor das Leis endurecidos No conhecem brandura, nem piedade. Prncipe Confesso que a chegada repentina De meu Pai a Coimbra, acompanhado Do Conde Embaixador, me traz confuso; Porm, como tem sido impenetrvel O segredo de nossos Desposrios, Julgar que de novo forcejando, Com slidas razes possa arrancar-me Da paixo amorosa em que me obstino. Mas quanto so errados seus projectos! De meu constante Amor as puras chamas No lhes seriam menos invencveis, Que o lao indissolvel que me liga. Descansa, bela Ins, nada receies. Ins Prncipe amado, descansar no posso Nos sustos que me afligem.

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Prncipe A quem temes, Se meu Amor e brao te defendem? Ins Temo a soberba Espanha, o cego Povo, E temo de teu Pai severo e justo O grande corao, e de meus filhos Receio o lamentvel desamparo. Prncipe Reprime, bela Castro, o terno pranto, Que suportar no posso a dura mgoa De ver teu rosto em lgrimas banhado. Julgas que eu possa do menor perigo Ver os teus belos dias ameaados, Sem que para salvar-te exponha a vida? Primeiro me vers, amada Esposa O sangue derramar em tua defesa, Do que sofrer que a mo mais respeitvel Para ofenderte intente levantarse. Sai da tribulao de vos receios, Em paz o fruto goza da ternura, Que o extremoso corao me inflama, Enquanto sobre o trono que me espera, Tranquilo possessor, a bela fronte Esta mo te no cinge co Diadema. Ins Senhor, quisera o Cu que no tivesse Tronos o teu Amor para ofrecer-me, E que tua alma s o prmio fosse De meus desvelos e de meus suspiros. Tu verias ento como elevada Na glria de ser tua, no temia Da contrria fortuna os duros golpes; Meus tristes olhos no derramariam Mais que as suaves lgrimas que exala Um corao ferido de ternura. S ento me julgara venturosa. Quanto, Prncipe amado, a sorte invejo Dos humildes Pastores inocentes, Que no centro das selvas, onde habita

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O prazer e o sossego, alegres gozam Das douras de seus castos amores. A ventura os iguala, Amor os une, Sem que a mo da Poltica orgulhosa Curto limite ponha a seus desejos.

CENA II ALMEIDA E OS DITOS Almeida Senhor, chegou El-Rei, e j entrando Vem primeira sala do Palcio. Apressa os passos, corre a receb-lo. Ins Ai de mim! Socorrei-me, Cus piedosos! Prncipe Sossega, Ins amada, no te assustes, A teu quarto segura te retira. Segue, fiel Almeida, a aflita Esposa. Sim, vai no sobressalto perigoso Com teus sbios conselhos confort-la.

CENA III PRNCIPE E EL-REI Prncipe Neste instante, Senhor, fui avisado Da tua inesperada e feliz vinda, E a toda a pressa, j me encaminhava A beijar respeitoso a Mo Augusta. Rei

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Aquele filho, Prncipe, que sabe Respeitar a seu Pai, no fica imvel Aos paternos mandados, obediente A vontade submete a seus preceitos. Tu a meus rogos surdo, tu remisso s inviolveis, soberanas ordens, E luz da razo cego no respeitas Mais que a louca paixo, que te domina. Prncipe Desculpa como Pai, Senhor, meus erros. Rei Prncipe, como Rei atento devo Regular meus Estados, a Justia Equilibrando com balana recta, Desde o dia fatal que o Cu benigno Depositou em minhas mos o Ceptro, Ainda no props a meus cuidados Mais altos, importantes interesses felicidade pblica; e tu deves Mais prudente cuidar, mais advertido, No precioso sossego deste Povo, Que o indiscreto Amor, que te alucina, Vai lanar num abismo de discrdias. Beatriz j partiu, e em breve tempo A veremos gostosa entrar na Corte, Que para receb-la se prepara Com magnficas pompas e com festas. Hoje pertendo, Filho, se publiquem Com aplauso festivo os Desposrios; E para que feliz solenidade O decoro no falte majestoso, Vm os Grandes da Corte, Conselheiros, E o mesmo Embaixador comigo trago. Resolve, no vaciles, hoje quero Que to grave negcio se conclua.

Prncipe Hoje, Senhor! Rei

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Sim, Filho, perigosa Nos pode ser a dilao mais breve. O mesmo Sol, que o curso j declina, H-de ver meus projectos completados. E que esperas? Que os olhos da Princesa As tuas repugnncias examinem? E que ultrajada com desprezos duros A Espanha volte enfim desesperada? Que as estrangeiras Cortes nos criminem Esta desordem, como facto indigno? Esperas que Castela a toda a Europa Se queixe de lhe havermos sem justia Do tratado solene a f violado? Estas mesmas razes o seu Ministro J em particular me representa, E no presumas que esta Monarquia Possa sofrer em paz to grande injria. Conheo o seu orgulha, no duvides Que para despicar-se tome as armas. E prevenir devemos os perigos, Antes que se levante a tempestade. Prncipe Em vo, Senhor, te espantam teus furores. No tirar de nos mover a guerra Mais que a vergonha de ficar vencida. Os ameaos de Espanha no receies; Inda suas cidades desoladas Esto nossos triunfos publicando; Inda lembrada est que o nosso brao A libertou das armas Agarenas. Rei No deve um Rei cegar-se da vanglria, Desprezando a equidade, porque a sorte De vencedor o nome lhe tem dado. Nem sempre na campanha se orna a fronte De triunfantes louros, a fortuna Muda s vezes a glria em triste infmia, No porque eu de indigno terror cheio Da belicosa Espanha as iras tema; Mas se no campo armado for preciso Disputarlhe a razo, justifiquemos Antes nossos legtimos direitos, E no demos sua inimizade Um vo pretexto. Dos cansados Povos

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Devemos ter piedade, que triunfando Tambm as Monarquias se enfraquecem. O Monarca guerreiro compra a glria Cos gemidos, co sangue dos vassalos. Assim para evitar a guerra odiosa, E para segurar a nova aliana, Vem jurar os felices Desposrios. No te dilates, vem, amado Filho, Minha Real palavra desempenha, Firma do Estado os grandes interesses. Sim, entre os braos deste Pai que te amua, Obedincia promete resoluto. Prncipe Ah! Perdoa, Senhor... Rei Que! Tu repugnas? Prncipe Ali! Perdoa, Senhor, que a teus preceitos Obedecer no posso. Se me ordenas Que a vida exponha contra o ferro e fogo Em defesa da Ptria, ou para o Ceptro Te conservar, Senhor, na Mo Augusta, Determina, sers obedecido; Correr me vers pronto a dar o sangue Entre as agudas armas do inimigo; Mas que este corao que tenho dado, Outro jugo suporte, outras cadeias, A minha f, Amor o no consente. Rei Um corao cobarde, que se deixa Dominar de paixes afeminadas, De cingir o Diadema no digno. Tu, que me deves suceder no Trono, E mover do Governo as longas rdeas, Como sers, os Povos regulando, Rgido defensor das Leis Sagradas, Se no pisas cos ps os vos prazeres? Vence gloriosamente a paixo cega,

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Que os sentidos assim te desordena. Por instantes aqui chegar espero O Conde Embaixador; e adverte, Filho, Que muito nos importa que a seus olhos Escondas teus delrios vergonhosos. Prncipe Ah, Senhor, o respeito mais sagrado No pode reprimir... Ah! No me atrevo A dizer-te o que sente o peito aflito; Conheo que s meu Pai, meu Soberano, Esta lembrana a lngua me entorpece; Mas, Senhor, no oprimas, no constranjas Um corao cercado de agonias; E se prudente queres que no cheguem A maior auge os males, que receias, O Embaixador me afasta da presena, E prevenido manda a toda a pressa Que de Beatriz a vinda se suspenda. Rei Ingrato Filho, j que te no movem Conselhos saudveis, brandos rogos De um Pai enternecido, sem demora Os absolutos Decretos executa De um justioso Rei, e se rebelde s soberanas ordens te mostrares, Saberei castigar o teu delito No como Pai, mas como Rei severo. Prncipe Este ingrato castiga, este rebelde, Que achars cada vez mais criminoso. Rei Retira-te, imprudente, de hoje em diante Objecto me sers de horror e de ira, Como at agora o foste de ternura.

CENA IV

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Rei Grande Deus! Cujo brao Omnipotente Doma o furor das ondas e dos ventos, Com teu poder acode, humanas foras A refrear no bastam deste Tigre As cegas iras, as paixes violentas. Contra mim, contra ti se volta irado! Mas aqui vem Coelho. Vem amigo, Que j de descuidado te acusava. Pacheco aonde est?

CENA V COELHO e EL-REI Coelho Senhor, Pacheco O Conde Embaixador fica esperando, Para, segundo as ordens que nos destes, Ser tua presena conduzido. Rei Em vo, fiel Coelho, trabalhamos, Pois cada vez o Prncipe mais firme Na cega pertincia de seus erros, Como um louco furioso no conhece Soberanos preceitos, nem paternos. Coelho Pois tu sabes, Senhor, que da lisonja Sou irreconcilivel inimigo. Sempre sem, artifcios a teus olhos Mostrei a luz da cndida verdade, Assim, Senhor, se admoestaes no bastam, Nem slidas razes, obre a violncia.

Rei

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Receio que a violncia nos despenhe Em perigo maior, em maior dano. Coelho Antes que cresa o mal e tome foras, O motivo lhe corta nas razes. Descontente murmura o Povo, e clama: O Reino pende sobre o precipcio, E salv-lo no podes, seno mandas Logo tirar do Mundo a causa oposta. a vida de Castro quem nos traa A runa, que vemos iminente. Com o sangue de Castro comprar deves O pblico sossego, o teu repouso. Rei Com o sangue de Castro! Ua inocente H-de ser pelas mos da tirania A vtima de humanos interesses? Verei a minha glria deslustrada No Inverno j de meus cansados anos Com a mancha ,afrontosa da crueldade? No, amigo, mais pio me aconselha. Vejamos se podemos dar remdio A nosso mal sem aumentar o dano. Coe1ho Senhor, para atalhar um grande incndio Derribam-se os vizinhos edifcios, Que inda ilesos se vem de voraz chama; E o que parece duplicar o estrago, sbia preveno. No te suspenda Uma intil piedade e perigosa. Adverte, Senhor, que um Rei prudente Deve conservao do Estado tudo Sacrificar. E quanto pela Ptria Entregaram seus filhos ao suplcio? Esta severa Lei faz muitas vezes Condenar com justia os inocentes. Rei

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No, Coelho, por meios mais suaves Espero serenar a tempestade, Que to medonha e feia vem soprando. Afastarei dos olhos de meu Filho A ocasio da sua pertincia: Em perptua clausura logo seja Dona Ins encerrada. Coelho Em vo pertendes Do Prncipe apagar o Amor ardente, Enquanto nas mais leves esperanas Alimenta o fogo em que se inflama. V, Senhor, que se erramos o caminho, Nos vamos despenhar em fundo abismo. Mas aqui vem Pacheco com o Conde. CENA VI O EMBAIXADOR, PACHECO e os MESMOS Embaixador Rei poderoso, agora um mensageiro Acaba de informar-me que a Princesa J vem entrando pelos teus Domnios; E do meu Soberano, que a injuriosa Repugnncia do Prncipe j sabe, Alto aviso me traz em que me ordena, Que vigilante busque que o decoro (Apesar de contrrias consequncias) De Beatriz e do Slio fique ileso. Rei Sbio Conde, descansa, que eu respeito Mais que o poder de Espanha a f de amigo. Hoje de todo desatar pertendo A cadeia que o Prncipe tem preso, E vers brevemente de seus olhos Desterrar Castro, que as prises lhe tece. Embaixador

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Tua rara prudncia de conselho, Senhor, no necessita. Com acerto O meio procuraste mais seguro Para extinguir de todo a paixo cega; Porm, se me permites que, segundo Teu parecer, meu pensamento exponha, No s da vista Castro lhe separes; Mas tambm de teu Reino, assim lhe cortas De todo as lisonjeiras esperanas, Que podero opor-se a teus intentos. Pacheco Senhor, o Embaixador sbio discorre. Rei Sim, Conde, teu projecto aprovo e sigo. Embaixador Pois ordena, Senhor, o seu desterro, Que eu farei que no centro de Castela Seja em Real Mosteiro clausurada. Rei J tenho resolvido, sem demora Vamos executar to bom desgnio.

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ACTO II CENA I PRNCIPE e ALMEIDA Prncipe Que espantosa desgraa me referes! El-Rei desterrar manda de meus olhos, E deste Reino a triste, infeliz Castro? Resoluo cruel! Oh Pai injusto! Almeida Da tua amada Castro infalvel, Senhor, a desventura; exterminada Brevemente , a vers nestes Domnios. Prncipe No sei, como respira o peito aflito. Entre os golpes da dor que me traspassa! possvel que El-Rei, sem horror possa Castigar to severo uma inocente! possvel, oh Cu? Almeida O Cu quisera Que tal desastre fosse duvidoso; Mas teu Augusto Pai na teno firme, Pelos dous Conselheiros instigado, E pelo Embaixador, da triste Castro O perptuo desterro determina. Prncipe Os brbaros Ministros, o mpio Conde, De meu Pai a fatal teno fomentam?

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Almeida Assim Senhor... Prncipe Audazes inimigos, Que debaixo do escudo soberano Me feris no mais ntimo do peito; Mas apesar do abrigo mais supremo Gemereis nos estragos da vingana, Que minha indignao promete e jura. Almeida, que farei? Tu me aconselha. Como posso salvar a cara Esposa? Como de to confuso labirinto Sairei? Que amargura intolervel! E poderei sofrer, sem que as entranhas Me despedace a dor, que a bela Castro Arranquem dentre meus amantes braos Em lgrimas banhada, inutilmente Meu Amor implorando em seu socorro? Ah! No, primeiro todos os furores Vero de um corao desesperado. Tu me aconselha, amigo, que no pode J discorrer minha alma atribulada. Almeida Difcil o remdio me parece. Prncipe Que mortal aflio! Irei prostrar-me Submisso aos ps de EI-Rei, e declarar-lhe O santo n que prende nossas almas? Almeida Senhor, se a Castro adoras, se depende Tua vida de seus amveis dias, O segredo importante no descubras. Prncipe Que dizes? Pois receias se conjurem

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Contra seu inocente e amado sangue? Almeida Um terrvel aspecto no ignoras, Que a fortuna presente est mostrando, E, Senhor, no duvides que a sua morte Seja para aplac-la o sacrifcio. Os cruis Conselheiros murmurando J deixam perceber, que nas entranhas Esta tenso maldita tem gerado. Prncipe Ferozes monstros mais que lees bravos! Que infames interesses vos inspiram Uma to execranda atrocidade? Oh bela Castro, Esposa desgraada! Acode, grande Deus, que os Homens correm Aos ltimos extremos da crueldade. A Castro dei a mo, assim o mandas, E devo contra os Homens defend-la. Almeida Eu vejo para ns encaminhar-se, Senhor, o Embaixador. Prncipe A sua vista Todo em furor o corao me acende. CENA II O EMBAIXADOR e o PRNCIPE Embaixador Permite-me, Senhor, te felicite Do glorioso lao, com que firma Espanha e Portugal eterna aliana. Cuja amizade j respeita e teme O bravo Mauritano, o Galo forte.

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Prncipe Sim, Conde, sei que a tua actividade, Com preveno e astcia facilmente Tem os grandes obstculos destrudo. J foi por teu conselho desterrada Para o centro de Espanha a triste Castro? Embaixador Se teu Augusto Pai assim o ordena, Quem pode revogar os seus Decretos? Prncipe Pois , advirta Espanha, que se agora Do doce bem me priva da sua vista, E me faz suportar a dor violenta De a ver partir de mgoa traspassada,, Tempo vir, em que me veja em campo Vingar as suas lgrimas e angstias. Com as armas na mo, de entre seus muros Irei co prprio sangue resgat-la. Embaixador A forte Espanha, Prncipe, respeita O teu valor herico, mas no teme Arrogncias, nem bravos ameaos. Prncipe Mais adiante no passo, s declaro Que meu constante amor bela Castro Tem o Tlamo e Slio prometido, E saibam que s ela h-de ocup-lo. Depressa esta resposta decisiva Co a Princesa Beatriz manda a Castela. Embaixador Sim, de teus enganos ofensivos Aviso darei logo; mas no creias

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Que Espanha sofra em paz to grande afronta. Brevemente a vers tomar as armas, E sustentar no campo a sua glria. Prncipe Indignada conduza seus guerreiros A combater, e aprender de novo A ceder a vitria derrotada. Embaixador Em soberbos discursos desafoga O vo furor, que da razo te priva. De teu fero valor desvanecido, Julgas que tudo deve submeter-se A teu jugo, e tremer a teus ameaos; Mas a vaidosa, juvenil idade Com triunfos fantsticos te engana. Prncipe Orgulhoso desprezas justas iras? Cuidas talvez que minha tolerncia De ouvir tantos insultos j cansada A punir tua audcia no se atreva? Embaixador Como Conde, Senhor, tenho a ventura De no ser teu vassalo, Espanhol sou, E como Embaixador, nestes Domnios Soberano, a quem deva submeter-me, No temo, no conheo. Prncipe Pois aprende O meu brao a temer como inimigo.

CENA III

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EL-REI e os MESMOS Rei Temerrio, que intentas? Em que abismo Te submergem teus loucos desatinos? Desprezando os direitos mais sagrados, As leis atropelando, vais correndo, Como indomvel desbocado bruto, De delito em delito? Prncipe Pois se queres Que cessem j meus crimes vergonhosos, Desiste do projecto, que meditas, Ou quando no vers com minha morte Todo o excesso, todos os efeitos, Que a desesperao feroz inspira. Rei Indigno Filho, j que sem piedade De meus pesados e infelices anos, J que sem respeitar as Leis supremas Quebrantas a sagrada imunidade Devida aos Soberanos, com jactncia De tua vergonhosa pertincia, A conhecer comea, quanto pode Um terno Pai mudado em Rei severo. J daqui como preso te retira Ao Castelo da prxima Cidade, Que h-de ser o teu crcere seguro, Enquanto persistires em teus erros. Prncipe Senhor, s tuas ordens submetido, priso me recolho, mas primeiro Correrei a sofrer infame morte, Que a Beatriz dar a mo. Oh triste Castro!

CENA IV EL-REI e EMBAIXADOR

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Rei Conde, como prudente e sbio deves Desculpar os excessos temerrios De um mancebo indiscreto, que os sentidos Tem da violenta perturbados Embaixador Ofendido, Senhor, indignamente Vs o Monarca em mim, que represento; Mas a satisfao honrosa e pronta, Que ds a seus agravos, me persuado Que ser bem aceita recompensa. Mas furioso o Prncipe, exalando Contra Espanha ameaos, desafia, Jura que resgatar fora de armas, De entre nossos reparos ir Castro. Enfim declara j desesperado, Que lhe tem prometido a mo e o Trono, E que apesar de tudo ho-de cumprir-se As promnessas de seu amor constante; E me ordena, que logo minha Corte Mande Beatriz com este desengano. Rei Ah louco Filho! Conde, nada temas; Descansa em meu cuidado; bem depressa Ir Ins levar essa resposta. Para apagar do Prncipe os furores Farei de novo todos os esforos. Embaixador Teu corao magnnimo mostrado Tem, quanto pode um verdadeiro amigo; Mas permite, Senhor, que me retire, Para que logo ao Rei, a que leal sirvo, Do presente sucesso aviso mande, E de novo tambm certificar-lhe Tua firme amizade, e f constante. Rei

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O fiel zelo, com que a teu Rei serves, De mais sublime apreo te faz digno. CENA V COELHO, PACH ECO e EL-REI Rei Amigos, nossos males se duplicam. No bastou toda a minha vigilncia Para atalhar risco meditado. Verificados vi os meus receios. Por infeliz acaso conduzido O Conde com o Prncipe se encontra; Fui avisado, corro prevenido A evitar o perigo, mas foi tarde. J tinha dado livre desafogo Com mil indecorosas arrogncias sua pertincia, a seus furores; E depois de afirmar- lhe que s Castro Havia ser a Esposa, que a seu lado Veria Portugal subir ao Trono, Depois de mil ultrajes injuriosos Contra o Embaixador a espada arranca. Coelho Que desatino! Pacheco Atroz temeridade! Coelho E que satisfao dars a Espanha, Que a desagrave de to grande afronta? Rei Na presena do mesmo Embaixador Ao vizinho Castelo o mandei preso. Castro em desterro seja logo posta,

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E veremos se veno com violncia O que vencer no posso com brandura, Pacheco Com acerto recorres violncia; Mas para rebater a mo armada, Que evidente runa nos promete, De Dona Ins no basta o extermnio. Cansas-te em vo, se a vida lhe no tiras. Rei Vossos conselhos mpios me horrorizam. Seguiremos com brbara fereza O medonho caminho da injustia? Com que motivo condenar podemos Uma infeliz Mulher, talvez forada A submeter-se ao jugo de meu Filho? Coelho Pois, Senhor, de outra sorte irremediveis So os males, que vai sobre este Povo Lanar uma Mulher. Rei Em nosso dano A desditosa Ins no tem mais culpa, Que agradar a D. Pedro: mas roubada A seus olhos a bela luz, que o cega, Facilmente seus erros detestando A riscar do peito e da lembrana, Pela distncia longa desunido. Pacheco Desunido, Senhor? O firme lao, Que o namorado corao lhe prende S a morte que pode desat-lo.

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Rei Acaba de explicar-te: que me dizes? Pacheco O Prncipe em segredo desposado Com Castro vive em Santo Ajuntamento Rei possvel, oh Cus! E que certeza Tendes desse sucesso to estranho? Coelho Agora de informar-nos acabamos, Que a voz do vulgo assim o certifica. Rei Que crdito merece o vulgo errante? Uma voz popular, talvez fundada Em suas obstinadas repugnncias Pacheco Senhor, no desprezemos este aviso, A sua obstinao, os seus furores, Co rudo do vulgo combinados Nos do de tacto certo claro indcio. Rei Impossvel o caso me parece. Coelho E se o caso, Senhor, se verifica? Rei

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Ento, fiis amigos, sem governo Nos vamos engolfar em bravos Mares. Coelho Pois o seguro porto, em que salvar-nos Pudemos do naufrgio, tens patente: Se a ele no recorres, nos perdemos. Rei Deus venha a socorrer-nos, que eu no posso A to grande crueza resolver-me. Pacheco Cruel, Senhor, sers, se no cuidares Em atalhar a pblica desgraa. Esperas ver gemer o triste Povo Com o aoute de nova, injusta guerra? Julgas que Espanha altiva e indignada Nossas Fronteiras a inundar no corra De numerosos esquadres armados Para vingar afrontas to pesadas? Ainda nossos campos tinge o sangue, Q Lie derrammos com total destroo Do brbaro terrvel Mauritano; Inda choram as mseras vivas Dos infelices rfos rodeadas; As Mes inconsolveis inda gritam Pelos amados e perdidos filhos. Enfim, Senhor, o Reino, que oprimido To longo tempo co furor das armas, Inda desfalecido principia A erguer a cabea entre as misrias, Em que tantas fadigas o lanaram, Queres expor de novo, quando podes Co preo de uma vida salvar tantas? Coelho V que por toda a parte o mal nos cerca, Pondera nas discrdias intestinas, Em que infalivelmente cair vamos. Os Grandes podero sofrer que o Trono Ocupe uma Mulher que, inda que ilustre,

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vassala, Senhor, e no Princesa? As Damas Portuguesas afrontadas, Seu esplendor preclaro disputando, Lhe negaro as honras de Rainha. E que civis desordens, que contendas Ao sossego do Pblico contrrias, Deste odioso consrcio no se esperam? Em to graves razes, Senhor, fundados, No com peito cruel te aconselhamos. O Povo tais perigos antevendo, morte a triste Castro sentencia, A preveno o pede e justifica, O que julgas atroz procedimento; E se em nossa teno te no confias, Alguns Sbios e Grandes te acompanham, Que prudentes e rectos julgar podem. A conselho os convoca, e presidindo Ao supremo congresso, atento escuta Seus importantes e sinceros votos. Assim em nossos ombros descarregas O peso que tomar em teus recusas. Rei Venturoso o que vive sossegado Em humilde fortuna, que do Ceptro No suporta o penoso, o fatal jugo. Que dura obrigao! Enfim me arrastram A julgar como ru de infame crime (No tribunal severo da justia) Uma fraca Mulher, cujo delito Punir as justas Leis nunca mandaram? Mas eu defenderei sua inocncia. Sim, amigos, convosco me conformo Neste prudente meio. Exactamente Ide averiguar, se tem D. Pedro Celebrado legtimo consrcio, E se verdade, o intricado ponto Em conselho de Estado se decida. Pacheco Senhor, Ins com os filhos vem buscar-te, O peito cerra a lgrimas e a rogos. Imvel na constncia, no te deixes Vencer de tua natural clemncia, Que em tal conflito vcio e no virtude.

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Rei Que espectculo digno de piedade! Coelho V, Senhor, que nos perdes.

CENA VI LEONOR, INS, SEUS FILHOS e os MESMOS Ins Rei piedoso, Esta infeliz, que cheia de amargura Vs prostrada a teus ps em pranto solta, a causa dos erros de teu Filho. Estes tenros Infantes so teus Netos, Que vm com mudos e inocentes rogos Aplacar tuas iras. Chegai, filhos, Beijar de vosso Av a Mo Augusta; E j que a vossa idade inda no pode, Exprimir da alma os ternos sentimentos, Implorai em favor de um Pai aflito, E desta Me cercada de agonias Com os chorosos olhos a clemncia, Que seu benigno aspecto vos promete. Ah, Senhor, sobre mim volta os castigos, Se inda meu triste pranto desarmado No tem as justas iras de teu peito. Eu s a culpa tenho, eu s padea; Porm o meu Senhor, o meu Esposo Das rigorosas penas alivia. Se desobediente a teus preceitos Da Princesa Beatriz a mo despreza, por no quebrantar as Leis Divinas, Pois j ligado a esta infeliz vive Em secreto e legtimo consrcio.

Rei

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Filho imprudente, desumano Filho, A que tribulaes, a que violncias Teus loucos desatinos me entregaram! Pacheco Senhor, no necessitas de mais prova. Ins No oprimas, Senhor, perdoa a um Filho, Que da tua ternura doce objecto; Perdoa ao caro Filho, cuja glria Em amar-te e servir-te s consiste. Por esta Mo, que beijo, to suplico; Por estes inocentes, que nas veias Lhes circula teu sangue esclarecido, Em cujo amvel gesto e gentil rosto Ests vendo teu Filho retratado. E j que de minha alma atribulada O doloroso estado te descubro, Com o sinal mais leve de clemncia As minhas aflies mortais consola. De teu peito magnnimo a brandura Nunca negou piedade aos desgraados; A perseguida e msera inocncia Em ti sempre acha defensor seguro. Mas ai de mim, Senhor! Tu emudeces? No merecem as minhas duras mgoas A demncia, que aos mseros no negas? Como cheio de horror voltas o rosto Para no ver o pranto, que derramo! Ah no, Senhor, no cerres os ouvidos Aos ternos rogos desta Mulher fraca. V que venho chamar-te em meu socorro Com ais e com gemidos, no afastes De minhas tristes lgrimas teus olhos... Ah! Que eu vejo, Senhor, que o teu silncio Minha fatal sentena est ditando! Rei Dura consternao! Ins Amados Filhos,

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So verdadeiros meus pressentimentos. Vs perdeis vossa Me; sim, tristes Filhos, Vosso preclaro Av a gritos surdo, Insensvel a mgoas e a lamentos dura, e pronta morte me condena. Vs perdeis vossa Me, tenros meninos, Sem que possa das mos dos cruis verdugos Vosso Pai valeroso defender-me. Rei Aflita Ins, no julgues que impiedade Insensvel me faz a teus clamores; Mais que teu corao atormentado Geme em silncio o meu dentro no peito. Mas como pode consolar teus males Quem do mesmo remdio necessita? Coelho No vaciles, Senhor. Pacheco Apressa os passos, Ao desgnio recorre meditado. Rei Deus imenso, que se os mortais no guias, Como cegos sem tino se desenham, Vem ,assistir-me, vem alumiar-me. Ins Senhor, deixas-me entregue a meus temores, s minhas aflies sem deferir-me?

CENA VII INS, SEUS FILHOS e LEONOR Ins

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Minha runa certa. Cus, valei-me! Eu morro, vivei vs, vivei meus Filhos, Benigno o Cu complete vossos dias, Sem conhecer a msera desgraa, Em que me vedes acabar a vida, Eu morro, Filhos meus, e vs perdeis A ternura, os afagos, as delcias Com que esta Me vos tinha to mimosos; Mas vs ficais gozando do desvelo De um terno Pai, que menos vos no ama, Esta lembrana a minha dor mitiga. Mas ai de mim, que digo! Combatido, Dos repetidos golpes da violncia Ou o vereis morrer, ou j cansado Vos dar constrangido uma Madrasta, Que talvez invejosa e desabrida No saber sofrer sem arrogncia Da vossa infncia o mnimo descuido, Que infeliz Me! Que Filhos desgraados! Leonor Senhora, para que com dor e sustos Buscas a morte, que temer no deves? Confia na piedade e s Justia Do magnnimo Afonso, que em suspiros E reprimindo as lgrimas nos olhos, Te mostrava a brandura de seu peito. Ins Cruenta morte tudo me anuncia Sim, caros Filhos, os cruis puseram Vosso Pai em priso, para seguros No tenro peito o ferro me cravarem. Ah Prncipe afligido, de que angstia No sers penetrado quando entrares Neste triste Palcio? Quando vires Estas paredes tintas em meu sangue? Estes penhores teus, em cuja vista Te recreavas cheio de alegria, Em desamparo, em msera orfandade? Uni-vos, Filhos meus, aos tristes peitos, Que de doce sustento vos serviram, Recebei os meus ltimos abraos. Sim, Filhos, os algozes arrancando Vm contra mim as brbaras espadas...

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Filho do Eterno, vem a socorrer-me, Que eu vou prostrada ao p de teus Altares Implorar teu amparo; s teu brao Salvar me pode deste precipcio. Vinde, inocentes e infelices rfos.

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ACTO III CENA I INS e LEONOR Ins Sim, Leonor, a minha desventura, De meus filhos o triste desamparo, As aflies do perseguido Esposo A prostrar-me de novo aos ps me levam Do implacvel Afonso, mola esperando Que meus rogos e lgrimas ardentes Seu corao severo mover possam. Porm com que iluses a dura sorte Minha dor lisonjeia! Onde me arrastram As mortais delirantes agonias! O cruel Povo pede a minha morte, Os duros Conselheiros a persuadem, De recto e justioso El-Rei ostenta, E julgar que ofende a s justia, Se com minha inocncia for piedoso. Leonor Senhora, no desmaies, no te entregues Sem esperana a sustos e receios; Segue animosa, segue o justo intento. O benigno Monarca, inda que austero, Sabe unir a justia co a demncia. No te demores, vai de novo expor-lhe Com lacrimosas splicas teus males. Ins Inevitvel minha morte. Ai de mim! Os Tiranos inflexveis Meus tristes verdes anos no respeitam, Nem a pueril idade de meus Filhos. Eu morro, Esposo, e teu amor ardente quem o duro golpe descarrega. Sim, adorado Prncipe, a ventura, Que me deu tua mo, me custa a vida; Mas no julgues que eu possa aborrecer-te, Por me ser esta glria to funesta.

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Vive, amado Senhor, Esposo, vive, E de tua saudade a dor consola Com a vista de teus queridos Filhos, J que enfim te reduz a impiedade A chorar uma Esposa, cuja vida S teus vastos cuidados ocupava, E a ver crescer debaixo de teus olhos Os caros Filhos na mimosa infncia Privados do materno, doce abrigo, Vs reis, infelices inocentes, As delcias, o Amor desta Me triste, Quanto me fere a mgoa de deixar-vos! Leonor Ah, Senhora, teus ais e teus gemidos Puderam abrandar as mesmas feras. Ah! Que no posso dar a tuas mgoas Mais que do pranto o msero socorro! Porm no desesperes, e no queiras Acabar s de angstias oprimida. Ins Oh quanto Almeida tarda! Que notcias Trar do meu Senhor; de que agonias No estar seu peito penetrado! Leonor Olha que o tempo voa, e proveitoso Pode ser a teus males; no vaciles A comover de novo Rei clemente: Vai, no Poder Celeste confiada, Cujo invencvel brao em seu socorro Acham os inocentes sempre armado. Ins Aos ps do irado Rei meu peito aflito Em vo soltar lgrimas e rogos; Mas faamos os ltimos esforos Para aplacar lees enfurecidos, Que mais com meus gemidos embravecem. Vamos, a dor me arrastra. Deus imenso, Que j nos fundos Mares submergidos,

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Quando te agrada, salvas os humanos; Se a teus olhos sou digna de piedade, Se de minha aflio te compadeces, Manda que a meus gemidos e a meu pranto A indignao, as iras se dissipem. D fora a meus clamores, com que possa Abrandar coraes endurecidos. O Cu, a Terra, as negras tempestades Submetidas esto a teus Decretos. Mas ai, eu vejo Almeida, que apressado Para ns se encaminha cuidadoso. CENA II ALMEIDA e os DITOS Ins Fiel Almeida, minhas amarguras Vem suavizar co as suspiradas novas Do meu caro Senhor. Como tolera Da violenta priso as duras mgoas? Lamenta a sua doce, infeliz Castro? Suspira pelos seus queridos Filhos? AImeida Os cuidados, os graves pensamentos, Que seu aflito corao combatem, Por minha voz, Senhora, te relata. Ins Solta do peito a voz depositria Da ternura do meu constante Esposo. Almeida De nsias mortais o Prncipe ferido Suspira e brama j desesperado. Ora subido na mais alta torre, Neste Palcio emprega os tristes olhos Em lgrimas banhados; ora errando De lugar em lugar espavorido, Entre soluos chama Esposa e Filhos.

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Ins Ah Prncipe infeliz! Almeida Enfim, Senhora, De novo e duro golpe traspassado, Assustado me chama, e diz: Almeida, Tu s mitigar podes os meus males, Tu s podes salvar das mos da morte A perseguida Ins; voa a dizer-lhe, Que nossos implacveis inimigos, Contra sua inocncia conjurados, Com mil falsos pretextos corromperam O corao de um Rei clemente e justo, E crua morte os mpios a condenam, Que j de seu fatal, cruel destino Em Conselho de Estado se decide. Ins Que escuto, oh Cus! Leonor Que Esposos desgraados! Almeida Continua, os suspiros reprimindo: E dize-lhe, que j que dos verdugos A sua vida defender no posso, Que a toda a pressa fuja, que se esconda Dos feros olhos dos irados monstros; Enquanto o Cu piedoso no serena Nossas angstias, nossos infortnios; Enquanto as mos ligadas me no solta, Para punir os brbaros traidores, Que fuja dura morte, sem que os passos O amor de nossos Filhos lhe suspenda; Que a meu terno cuidado os deixe entregues, Que venham suavizar as minhas mgoas, Suportando comigo a priso dura.

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Ins Tristes Meninos, afligido Esposo! Almeida Enfim, Senhora, o Prncipe te ordena, Que fujas sem demora, que me sigas, E cauteloso j dispus os meios Para a seguro asilo conduzir-te. Alguns leais amigos valerosos Prontos esto a te servir de guarda. A partir te resolve, no vaciles. Ins Ah, meus Filhos, adeus! Ai, caro Esposo! Eu vou fugindo s mos da tirania Acabar entre os golpes da saudade. Almeida Senhora, em mortais prantos e agonias No te demores, vai aparelhar-te. Disfara o traje, parte resoluta. J vai o Sol os raios escondendo, E pelas sombras da vizinha noite: Poderemos seguros retirar-nos. Bem sabes que no fundo desta Quinta H uma oculta porta, onde teremos Livre sada ao campo solitrio. Ali acautelados nos esperam Armados cavaleiros. Ins Sim, Almeida, Ai de mim! A partir eu vou dispor-me E despedirme dos amados Filhos. Ah cruis coraes, a que tormentos Entregais esta triste desgraada! No me demoro, Almeida, aqui me espera.

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CENA III ALMEIDA Que inquo fado, que inimiga estrela Turbar veio o sossego venturoso, Em que seus ternos coraes viviam! Da mais doce alegria de repente Os fez passar o Cu s amarguras. Dos comuns infortnios e misrias Os Prncipes da Terra no se isentam, Nem a Virtude, de aalto prmio digna, Dos golpes da desgraa inexorvel; Mas trovejando o rbitro Superno, s vezes lana o raio furibundo Sobre aqueles mortais a quem mais ama, O mesmo amor, que aos dous caros Esposos Tanto prazer e glria prometia, Agora se alimenta com seu pranto, Mas aqui vem El-Rei. Ai de mim! Onde Poderei a seus olhos esconder-me.

CENA IV REI e ALMEIDA Rei Almeida. AImeida Oh Cus, que nova desventura! Senhor, que ordenas? Rei Desejoso vinha De encontrar-me contigo, e me parece Que a Providncia aqui guiou meus passos Cercado de severos Conselheiros No ouo mais que as vozes horrorosas, Que me pedem da triste Castro o sangue. Enfim, amigo Almeida, convencido Pelos votos do rgido Conselho, Pelos gritos do Povo violentado

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Firmei gemendo a fatal sentena. Almeida E pudestes, Senhor... Rei Quanto me treme Cheio de horror o corao no peito. Meus olhos esto vendo Ins chorosa Rodeada de meus pequenos Netos, Clamando ao Cu vingana, e nas entranhas A inocncia me grita condenada. Almeida Pois, Senhor, novo campo tua glria Tens patente a teus olhos; exercita A natural clemncia, que vilento Teu corao magnnimo reprime, A triste Castro digna de piedade: E se mat-la mandas a teu Filho Tiras a vida com o mesmo golpe. Ah, Senhor, tu no sabes os tormentos, Que o corao do Prncipe devoram. Com o peso das mgoas abatido Em profundo e mortal silncio geme, Ou de improviso os olhos agitando, Acesos em furor e rasos de gua, Levanta o brao, como se no peito Um agudo punhal cravar quisesse. Rei Brevemente ver...mas aqui chega O Conde Embaixador.

CENA V EMBAIXADOR e os MESMOS

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Embaixador Monarca convicto, A desventura da inocente Castro O corao me move, me enternece E sua vida venho suplicar-te. Eu sei que a teu pesar, e constrangido Pela unnime voz dos Conselheiros, A terrvel sentena confirmaste, E que de terror cheio s desejas Seguir os movimentos da piedade Pois, Senhor, no reprimas, submetido cegueira fatal de teus vassalos, De tua alma os benvolos impulsos. Senhor, a nobre Espanha no duvida De tua rectido, sabe que atento Guardas a f jurada a teus aliados, E julgo que bastante satisfeita Em tudo ficar, quando informada For da razo legtima que impede Da Princesa o consrcio. Indissolvel O lao que o Prncipe tem preso, E quer-lo romper, sacrificando A triste vida da inocente Esposa, rigor inaudito, que no cabe Nesse teu corao clemente e justo, Aqueles, que zelosos te persuadem A to dura fereza, ou se alimentam Da horrvel crueldade, ou preocupados De fanticos erros te aconselham. Rei Sim, magnnimo Conde, prevenindo A generosidade de teu peito, J da priso mandei sair meu Filho, E determino que apesar dos votos Dos rgidos, tenazes Conselheiros, E clamores do Povo alvoroado, Em paz a Esposa goze, que o Supremo Motor lhe destinou, cujos segredos So aos fracos mortais impenetrveis. Almeidai Oh grande Rei!

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Embaixador Senhor, em todo o Orbe Aclamado sers por novo Tito. Rei Viva ditosa, Ins, se os Cus o querem, Ao trono suba com caro Esposo. Culpe-me embora o Mundo de clemente, Mas no de rigoroso e inexorvel. Embaixador Hoje novo esplendor glria juntas, Com que teu nome j no Mundo brilha; Mas permite, Senhor, que sem demora Parta a encontrar Beatriz para inform-la Dos acontecimentos to estranhos, Que legitimamente embaraaram Nossos desgnios. Rei Sim, ilustre Conde, Tua resoluo prudente segue; E quando a luz brilhar da nova Aurora Tambm seguir teus passes determino.

CENA VI ALMEIDA e REI Almeida Enfim, piedoso Rei, j resoluto A conservar a vida triste Castro Soltar o amado Prncipe mandaste! Rei Sim, Almeida, mas vamos sem demora Revogar a sentena, pois receio

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Que os duros Conselheiros implacveis Da dilao mais breve se aproveitem. Almeida Sim vai, Senhor, acode a toda a pressa, A aflita Castro do perigo salva.

CENA VII PRNCIPE e os MESMOS Prncipe Senhor, a beijar venho a mo piedosa Que a priso me desata leve pena Da minha ingratido e de meus crimes. Mas para que me ds a liberdade, Quando tens condenado dura morte A desditosa Ins. Ah, Senhor! Queres Que a meus olhos os mpios assassinos A cara Esposa irados despedacem? Rei Filho, descansa, a venturosa Castro Vai sossegar nas mgoas e temores, E vai anunciar- lhe que indulgente A vida lhe conservo, e daqui parto A intimar ao Povo, que absoluto A sentena derrogo pronunciada Apesar das razes e dos clamores, Que seu sangue me pedem. Prncipe Rei benigno. Oh magnnimo Pai! Com que alegria Esta clemente Mo a beijar torno! Esta Mo, que tira de um abismo. E do prazer ao Trono me levanta. Como as sombras co a luz da madrugada Se dissiparam minhas amarguras. Caros filhos, eu vou, amada Esposa,

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A teus chorosos olhos vou mostrar-me. Que jbilo, que alegre sobressalto No sentir teu peito, quando vires Este Esposo, que ver j no esperas, Que vai restituir-te a doce vida, E firmar para sempre a tua glria. Mas ai de mim... que escuto... que soluos, E que gemidos ferem meus ouvidos.

CENA VIII LEONOR e os MESMOS Leonor \/alei-me, justos Cus, que dor, que angstia. Prncipe Ah, Leonor, tu em lgrimas banhada! Que medonho sucesso me anuncias? Leonor Ai de mim! Rei Que agonia te perturba? Prncipe Dize, que dor motiva teus clamores? Leonor Como o direi! morta a bela Castro. Prncipe Oh Cus! A bela Castro, a minha Esposa?

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Leonor Ai de mim! Sim, morta a tua Esposa. Rei Oh Mulher desgraada! Prncipe Deus imenso! Dize, Leonor, talvez acometida Foi de algum acidente, motivado Pela fora de suas amarguras? Leonor No, Prncipe, dous brbaros algozes A vida lhe arrancaram sem piedade. Prncipe Oh Esposa infeliz! Ai doce Esposa! Que peitos carniceiros se atreveram A manchar as mos mpias no teu sangue, Sem temer que debaixo de seus passos Se abrisse a Terra, e fossem submergidos? Ah prfidos! Ah monstros de impiedade! Leonor A desgraada Ins j resoluta A salvar-se da morte na fugida, De suas fiis Damas rodeada, Banhada em triste pranto, de seus filhos Com saudosa dor se despedia. Ora a um, ora a outro despendendo Os maternos, ternssimos afagos, Os ais dolorosos, que podiam A piedade mover as mesmas penhas, Feriam nossos peitos, que a ternura Em chuveiros de lgrimas soltavam. Os mseros Meninos os lamentos

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Com inocente choro acompanhando As mgoas duplicavam da Me triste. Os ecos dos gemidos lastimosos Soavam pelas salas do Palcio. Prncipe Ai de mim! Leonor Quando dous cruis verdugos As portas violentando de seu quarto, Com as espadas nuas se apresentam; A to horrvel vista, a triste Castro Lana cheia de espanto um grande grito, Com que as altas abbedas, gemeram. Foge pelo Palcio; os caros Filhos A seus vestidos apegados correm. Em vo piedade pede, e chama o Esposo. Uma chorando, aos ps mpios se lana, Outra gritando, ao Cu socorro implora; Mas os cruis a seguem fervorosos, E lhe cravam no peito os duros ferros. Prncipe Que impiedade! Almeida Que horror! Rei Ah cruis Monstros! Leonor Que amarga dor! Ao referi-lo tremo. Em borbulhes rebenta o vivo sangue, O pavimento alaga, e salpicados Ficam os ternos, mseros Infantes. Com voz truncada diz: Prncipe, Esposo.

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Desfalecida cai, e levantando Para os Cus as mos trmulas, expira. Torna-se o rosto plido, e de sombras Os seus formosos olhos se cobriam. Prncipe Que desesperao, que aguda espada Me fere o peito, o corao me arranca! E quais foram, Leonor, as mos infames, Que to , atroz delito cometeram? Leonor So Coelho e Pacheco os assassinos. Prncipe Ah traidores, ah brbaros verdugos! Rei Como a desgraa passos acelera! CENA LTIMA ABRE-SE UMA PORTA NO FUNDO DO TEATRO DA GALERIA DO PALCIO, POR ONDE SAEM OS DOUS MATADORES EMBAINHANDO AS ESPADAS TINTAS DE SANGUE, E APARECE DONA INS MORTA. COELHO, PACHECO, REI, ALMEIDA e LEONOR Rei Indignos Conselheiros... Almeida Cus, que vejo! Rei

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Indignos Conselheiros, apressados Para servir de algozes, e remissos Para distribuir os justos prmios, E as graas, que por vossas mos despendo. Coelho Senhor... Almeida Que atrocidade! Leonor Que destino! Rei Desumanos, pudestes os furores No peito conservar? No vos caram Das cruis mos as brbaras espadas vista dos lamentos e clamores Daquela miservel Mulher fraca? Pacheco De cruis nos acusas, quando rectos Tua justa sentena executmos? Rei Minha justa sentena... com que esforos No impugnei as hrridas propostas Com que minha piedade convenceste? Vs a pronunciastes, violentando Com mil falsas razes, com mil enganos Minha trmula mo para firm-la. Oh cega e v cobia, que desejas A coroa cingir, reger Imprios! O Trono cativeiro, em que os Reis vivem Com douradas cadeias maniatados. Da Monarquia escravos, a vontade

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Tem menos livre que um humilde servo. Assassinos infames, retirai-vos, Ide, que s encheis de horror meus olhos! Almeida Ao Prncipe, Senhor, acudir vamos Antes que em maior dano o precipite A desesperao. Rei Vamos, Almeida.

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****************************************************************** Transcrio de Jos Barbosa Machado a partir das edies de 1781 (Obras de Domingos dos Reis Quita, Lisboa, Tipografia Rollandiana) e de 1831 (Obras de Domingos dos Reis Quita, Lisboa, Tipografia Rollandiana), comparada com a edio de 1766 (Obras Poticas, Lisboa, Oficina de Miguel Manescal da Costa). Projecto Vercial, 2003 http://www.ipn.pt/literatura ******************************************************************

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