Semiótica Social e Multimodalidade
Semiótica Social e Multimodalidade
Semiótica Social e Multimodalidade
A semitica um campo de estudos que h muito tem sido explorado. Assim, antes de introduzir a Semitica Social, retomam-se brevemente trs escolas de semitica que estenderam noes do campo da lingstica para outros modos comunicacionais para alm da linguagem verbal, o que se faz a partir de Kress e van Leeuven (1996). Nos anos 1930 e incio dos anos 1940, tem-se a Escola de Praga, que aplicou uma base lingstica ao trabalho dos Formalistas Russos. Nos anos 1960 e 1970, encontra-se a Escola de Paris, calcada nas idias de tericos como Saussure, Barthes e Metz, entre outros. A esta escola deve-se o desenvolvimento de conceitos at hoje ensinados dentro do que se chama semiologia, como os de significante e significado, signos arbitrrios e motivados. Alm dessas, tem-se a Semitica Social, qual os tericos utilizados neste estudo e conseqentemente o prprio estudo se afiliam. O incio dessa escola de semitica tem lugar na Austrlia, a partir dos trabalhos de M. A. K. Halliday (1978, dentre outros), que concebem a linguagem como semitica social, isto , como um recurso com o qual se constroem significados orientados para desempenhar funes em contextos sociais. Um estudo considerado seminal no campo da Semitica Social o realizado por Hodge e Kress (1988), que, ao levar em conta modos semiticos alm da linguagem verbal, abre caminho a trabalhos como o de Kress e van Leeuwen (1996). Hodge e Kress (1988) prope uma reconstruo da semitica tradicional, a partir de crticas relacionadas ao fato de esta negligenciar as funes e usos sociais dos sistemas
semiticos pelos produtores dos signos. Assim, uma das premissas da abordagem semitica proposta o reconhecimento de que, para se compreender os processos e estruturas da linguagem, indispensvel levar-se em conta a dimenso social e consider-la como ponto de partida para a anlise dos sistemas de significado. Nesse sentido, o trabalho , em grande medida, influenciado pela obra de Halliday, por seus ensinamentos a respeito das funes sociais da linguagem. A outra premissa que orienta a Semitica Social a de que no possvel fazer um estudo satisfatrio e compreender completamente um cdigo considerando-o em isolamento, o que conduz abordagem de modos semiticos alm da linguagem verbal. Desse modo, Hodge e Kress (1988: 261) define a semitica como o estudo geral da semiose, isto , dos processos e efeitos da produo e reproduo, recepo e circulao de significado em todas as formas, usadas por todos os tipos de agentes de comunicao1. A Semitica Social, por sua vez, debrua-se sobre a semiose humana, realizada em qualquer sistema semitico, como um fenmeno inerentemente social em suas fontes, funes, contextos e efeitos2 (HODGE e KRESS, 1988: 261). A partir dessa viso social da produo e da recepo dos significados e do reconhecimento da importncia do modo semitico visual na comunicao em sociedade a qual vem, cada vez mais, produzindo textos multimodais, ou seja, textos que so produzidos a partir de mais de um modo representacional e comunicacional , desenvolvida a gramtica do design visual (KRESS e VAN LEEUWEN, 1996). Tal gramtica, orientada para o estudo da comunicao visual nas culturas ocidentais, constitui uma resposta necessidade de se desenvolver mtodos de anlise textual que contemplassem as imagens como modo semitico, para que se pudesse descrever todos
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Minha traduo de: [] the general study of semiosis, that is, the processes and effects of the production and reproduction, reception and circulation of meaning in all forms, used by all kinds of agent of communication. Minha traduo de: [] as inherently social phenomenon in its sources, functions, contexts and effects.
os significados veiculados textualmente. Desse modo, o mtodo proposto faz jus mudana ocorrida na paisagem semitica nas ltimas dcadas nos pases ditos desenvolvidos, no sentido de priorizar o visual como modo de comunicao, o que abalou a hegemonia outrora conferida ao texto escrito, linguagem verbal (KRESS, LEITE-GARCA e VAN LEEUWEN, 1997). Tem incio, assim, a corrente de estudos qual Jewitt e Oyama (2001) se refere como semitica social da comunicao visual, cujos trabalhos tm como obra norteadora a gramtica do design visual.
O termo gramtica, devido ao seu uso tradicional, suscita a idia de um conjunto de regras (KRESS e VAN LEEUWEN, 1996). No entanto, na gramtica do design visual, tal termo adquire um significado distinto, indicando o propsito de se enfocar a forma como se d a combinao de pessoas, lugares e coisas em um todo significativo. Nas palavras de Kress, Leite-Garca e van Leeuwen (1997: 259), a nfase recai sobre a anlise da sintaxe visual, e no no seu lxico, como o fazem outras abordagens da semitica. O objetivo compilar as principais estruturas composicionais que tm se tornado convenes ao longo da histria da semitica visual e analisar como elas so usadas pelos produtores de imagem contemporneos para produzir sentido3 (KRESS e VAN LEEUWEN, 1996: 1). Desse modo, uma abordagem Semitica Social da comunicao visual, segundo Jewitt e Oyama (2001: 134), abrange a descrio dos recursos semiticos, o que pode ser dito e feito com imagens (e outros meios visuais de
Minha traduo de: [] the major compositional structures which have become established as conventions in the course of the history of visual semiotics, and to analyse how they are used to produce meaning by contemporary image-makers.
comunicao), alm de como as coisas que as pessoas dizem e fazem com imagens podem ser interpretadas4. De acordo com esse estudo, os semioticistas sociais podem ajudar tambm na expanso dos recursos semiticos, fornecendo novos recursos ou possibilitando novas formas de uso dos j existentes, gerando mais ferramentas para a produo e interpretao da comunicao visual. Outro diferencial da gramtica do design visual em relao a outras gramticas a rejeio do estudo das formas gramaticais de maneira desvinculada do significado. Na gramtica do design visual, tais formas so concebidas como recursos para codificar interpretaes da experincia e formas de (inter)ao social5 (KRESS e VAN LEEUWEN, 1996:1). Essa concepo funcional baseia-se nas idias de Halliday (1978, 1985, 1994), formuladas originalmente para a linguagem verbal. O propsito da gramtica do design visual focalizar o processo de produo sgnica, compreendido como uma ao social com determinado uso e contexto, em que o interesse do produtor do signo determina a forma de representao. Este expressa o significado pretendido por meio do modo semitico que disponibiliza a forma mais apropriada, o significante, e esse processo conduz a signos motivados. Assim, no processo de produo de um signo, os estratos significante e significado podem ser tratados como relativamente independentes um do outro (KRESS e VAN LEEUWEN, 1996). Esse aspecto determina outra diferena entre a Semitica Social e outras escolas da semitica, como a de Paris, j que, ao contrrio desta, aquela defende que a relao entre significante e significado no arbitrria, mas socialmente motivada e, portanto, atravessada por questes ideolgicas. A questo do social central para aquela vertente da semitica e , por conseguinte, uma premissa da gramtica do design
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Minha traduo de: [] involves the description of semiotic resources, what can be said and done with images (and other means of communication) and how the things people say and do with images can be interpreted. 5 Minha traduo de: [] resources for encoding interpretations of experience and forms of social (inter)action.
visual. Estas consideram todas as formas de produo de sentido como uma atividade social, situada no campo da poltica, em estruturas de poder, e, desse modo, sujeita a contestaes oriundas de diferentes interesses dos produtores de textos6 (KRESS, LEITE-GARCA e VAN LEEUWEN, 1997: 259). Assim, conforme Kress e van Leeuwen (1996), parte-se de uma base social para a abordagem da comunicao, pois se considera que os significados, sejam eles construdos a partir de qualquer modo semitico, so sociais, ou seja, esto relacionados aos interesses de seus produtores e, portanto, a ideologias e a questes de poder. Conseqentemente, as mensagens produzidas pelos indivduos refletiro as diferenas, incongruncias e embates que caracterizam a vida social7 (KRESS e VAN LEEUWEN, 1996:18). A Semitica Social tambm difere da semitica estruturalista da escola de Paris quanto ao uso do termo recurso, que, nesta ltima, dava lugar noo de cdigo. Os sistemas semiticos eram considerados cdigos, ou seja, conjuntos de regras para conectar signos e significados8 (JEWITT e OYAMA, 2001: 134). Jewitt e Oyama (2001) argumenta que, atualmente, apenas algumas formas de comunicao visual, como o cdigo de trnsito, funcionam base de prescries estritas; j outras, como desenhos infantis, por exemplo, baseiam-se na criatividade, em convenes e exemplos. Nesses desenhos, no operam tais cdigos. De acordo com Jewitt e Oyama (2001), o mesmo ocorre com a interpretao das imagens: h quem siga regras de interpretao, e h quem crie suas prprias interpretaes e conexes intertextuais. Desse modo, tm-se, em diferentes contextos, diferentes tipos de regras para o uso dos recursos visuais na produo e na interpretao.
Minha traduo de: [] all forms of meaning making as a social activity, set in the field of politics; in structures of power; and subject therefore to the contestations arising out of the differing interests of the makers of texts. 7 Minha traduo de: [] the messages produced by individuals will reflect the differences, incongruities and clashes which characterize social life. 8 Minha traduo de: [] sets of rules for connecting signs and meanings.
Os recursos semiticos, segundo Jewitt e Oyama (2001), possuem um significado potencial, um conjunto limitado de significados provveis a serem ativados pelos produtores e observadores das imagens em determinado contexto social. Um aspecto central enfatizado pela abordagem Semitica Social diz respeito natureza dos recursos semiticos: eles so produtos de histrias culturais e recursos cognitivos que usamos para criar significados na produo e interpretao de mensagens visuais e de outros tipos9 (JEWITT e OYAMA, 2001: 136). Na gramtica do design visual, os significados potenciais desses recursos so mapeados em redes de sistemas (system networks) forma de diagramao tambm derivada do trabalho de Halliday. Tais redes, que fornecem as ferramentas para a descrio das prticas de produo de signos, sero devidamente apresentadas na seo 2.4 deste captulo. Jewitt e Oyama (2001) enfatiza ainda a natureza simblica das representaes e relaes promovidas pelos recursos semiticos: elas no so reais, e justamente o fato de o significado criado por determinado recurso poder falsear a realidade que faz deste um recurso semitico. A descrio e explicao de como, em domnios particulares, os recursos semiticos so usados , como j foi mencionado, uma das tarefas semiticas apontadas em Jewitt e Oyama (2001). Todavia, o referido trabalho esclarece que a abordagem Semitica Social da comunicao visual, no que concerne ao mtodo de anlise proposto na gramtica do design visual, deve ser vista como uma ferramenta na pesquisa crtica e que seus recursos devem ser usados na formulao de questes, aspecto apontado tambm por Kress e van Leeuwen (1996). Jewitt e Oyama (2001) acrescenta ainda que, na prtica, a Semitica Social visual deve ser aliada a outras teorias, como a teorias sociais, por exemplo, de forma a explicar os resultados das anlises descritivas exigncia que igualmente observada no presente trabalho. Feita
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Minha traduo de: [] products of cultural histories and the cognitive resources we use to create meaning in the production and interpretation of visual and other messages.
essa advertncia, Jewitt e Oyama (2001) defende a efetividade do mtodo no desvelamento de significados. Na seo seguinte, apresentam-se estudos que utilizaram o mtodo de anlise proposto por Kress e van Leeuwen (1996).
Em 1997, o j mencionado captulo de Kress, Leite-Garca e van Leeuwen na coletnea Discourse as Structure and Process, editada por van Dijk, retoma os pressupostos do mtodo proposto por Kress e van Leeuwen em 1996 para desenvolver modos de compreenso das caractersticas dos textos multimodais. O trabalho enfatiza sua afiliao Semitica Social, sua concepo da semiose humana, de toda e qualquer forma de construo de significados, como uma atividade social, que produz signos socialmente motivados. O foco do estudo so os modos semiticos verbal e visual, e, no caso deste ltimo, focaliza-se a sintaxe visual. Aps uma breve reviso de trabalhos que abordaram o visual a partir de diversas reas, Kress, Leite-Garca e van Leeuwen (1997) procede a uma explicao sucinta das categorias de anlise da semitica social do estado de coisas no mundo representado, da semitica social das relaes sociais entre observador e imagem e da semitica social do espao visual, as quais correspondem, respectivamente, s estruturas representacionais, aos significados interativos e composio, que sero apresentados na seo 2.4. Tais categorias so, em seguida, aplicadas anlise de uma pgina dupla da revista Veja, de modo a exemplificar e comprovar a sua aplicabilidade. O captulo de Kress e van Leeuwen na coletnea Approaches to Media Discourse, de 1998, editada por Bell e Garret, outro exemplo de trabalhos feitos a
partir de Kress e van Leeuwen (1996). Tal captulo parte de categorias propostas na gramtica do design visual para apresentar um modelo de descrio a ser usado na anlise do layout, o qual, segundo Kress e van Leeuwen (1998), vem se tornando o modo de estruturao de textos. O trabalho afirma que os modos semiticos podem se inter-relacionar de vrias formas em um texto: os significados expressos por meio de imagens e aqueles expressos verbalmente, por exemplo, podem se equivaler, se complementar ou mesmo se contradizer. Seria preciso, ento, desenvolver modos de anlise que possam descrever adequadamente a relao entre o verbal e o visual e possam analisar de forma adequada significados expressos visualmente10 (KRESS e VAN LEEUVEN, 1998: 187). Embora tais demandas venham sendo atendidas por trabalhos anteriores desenvolvidos pelos autores, o referido captulo busca estend-los e refin-los, focalizando especificamente a anlise do layout. Kress e van Leeuwen (1998), portanto, retoma os trs sistemas de significao relacionados a este: o valor informacional, a salincia e a moldura. Para fins de exemplificao e na anlise proposta no final do texto, utiliza-se a primeira pgina de diferentes jornais, de modo a demonstrar a relevncia da abordagem para os estudos crticos da mdia impressa e sua funo na sociedade contempornea11 (KRESS e VAN LEEUWEN, 1998: 186). Os resultados apontam, em termos gerais, que as primeiras pginas de diferentes jornais orientam seus leitores para o mundo12 (KRESS e VAN LEEUWEN, 1998: 216) e relacionam e conferem valores diferentes a gneros e eventos distintos, o que feito de forma particular por cada jornal. Alm disso, a anlise indica ser a mudana um aspecto caracterstico do layout da primeira pgina.
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Minha traduo de: [] develop modes of text analysis which can adequately describe the interplay between the verbal and the visual, and adequately analyse visually expressed meanings. 11 Minha traduo de: [] for critical studies of the press and its function in contemporary society. 12 Minha traduo de: [] orient their readers to the world.
O estudo de van Leeuwen (2000) realizado a partir da interface entre as abordagens de Kress e van Leeuwen (1996) e de van Leeuwen (1996). Afirmando serem estas mtodos complementares para a anlise de como pessoas so representadas13, o trabalho aplica algumas de suas categorias anlise de imagens, de modo a identificar estratgias de racismo visual. Van Leeuwen (2000) discute a concepo de Barthes14, segundo a qual as imagens, por um lado, simplesmente reproduzem a realidade, estando, portanto, assim como esta, sujeitas interpretao, e, por outro lado, reproduzem muitos objetos que trazem associaes com sua origem e com valores e idias a ela relacionados. Para van Leeuwen (2000), essa concepo vincula o significado ao objeto e o desassocia do ato de significao, no qual tem papel crucial o produtor da imagem, bem como facilita, por exemplo, a negao do racismo comunicado visualmente, uma vez que o atrela aos olhos do observador. Van Leeuwen (2000) afirma, ento, que preciso mostrar que nem sempre as imagens mostram o que , e, se elas fazem apenas aluses s coisas, preciso explicitar o que dito implicitamente. O autor parte de duas questes para analisar como as imagens representam pessoas: (1) como as pessoas so representadas? e (2) como as pessoas representadas relacionam-se ao observador? Para responder segunda questo, van Leeuwen (2000) se baseia no trabalho de Kress e van Leeeuwen (1996), propondo a anlise da distncia social, da relao social e da interao social entre o observador e as pessoas representadas. A primeira questo abordada luz de categorias propostas para a anlise dos modos de representao de atores sociais na linguagem verbal (VAN LEEUWEN, 1996), adaptadas para a anlise de imagens. Assim sendo, van Leeuwen (2000) afirma que, no modo semitico visual, pessoas podem ser includas ou excludas da representao; se
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Minha traduo de: [] complementary methods for analyzing how people are represented. BARTHES, R. Mythologies. St. Albans: Paladin, 1973. BARTHES, R. Image, music, text. London: Fontanan, 1977.
includas, podem ser representadas como envolvidas ou no em aes e, no primeiro caso, podem figurar como agentes ou pacientes. H tambm a possibilidade de as pessoas serem referidas de forma especfica ou genrica, caso em que pode haver categorizao cultural ou biolgica. Alm disso, as pessoas podem ser representadas individualmente ou em grupos e, nesse caso, pode haver homogeneizao ou diferenciao. Com base no que foi dito, o trabalho prope um inventrio de oito estratgias por meio das quais se realiza o racismo visual: excluso, distanciao simblica, desempoderamento simblico, objetificao simblica, representao como agentes de aes consideradas negativas, homogeneizao, conotao cultural negativa e estereotipao racial. O j mencionado captulo de Jewitt e Oyama (2001) na coletnea Handbook of Visual Analysis, editada por van Leeuwen e Jewitt, expe as possveis contribuies da Semitica Social da comunicao visual e sumariza o arcabouo descritivo proposto por Kress e van Leeuwen (1996). Para exemplificar como esse arcabouo pode ser usado como uma ferramenta na pesquisa crtica, o trabalho retoma estudos que o fizeram, como os de Jewitt
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promoo da sade sexual destinados a jovens ingleses, de modo a verificar a representao visual da heterossexualidade masculina. Dentre os resultados, destaca-se a constatao de que o material tem uma orientao fortemente heterossexual; simplifica a sexualidade masculina, representando o sexo para o homem como uma atividade fsica e como uma habilidade ou tcnica a ser adquirida; e polariza os papis de homens e mulheres, o que enfraquece a idia de compartilhamento, inclusive no que
JEWITT, C. Images of the man. Sociological Research Online, [S.l.], v. 2, n. 2, 1997. JEWITT, C. A social semiotic analysis of male heterosexuality in sexual health resources: the case of images. International Journal of Social Research Methodology: Theory & Practice, [S.l.], v. 1, n. 4, p. 263-280, 1999. 16 KRESS, G. et al. Multimodal teaching and learning: the rhetorics of the science classroom. London: Continuum, 2001.
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se refere responsabilidade pela sade sexual. Kress et al. (2001)25 analisa os significados composicionais e a modalidade em uma espcie de relatrio cientfico produzido por dois estudantes de onze anos, aps terem feito uma observao ao microscpio. A instruo da professora era a de que, na parte inferior da pgina, os alunos representassem visualmente o que viram e, na parte superior, relatassem verbalmente o que fizeram. A anlise dos textos aponta para o uso de recursos do gnero com interesses distintos por cada criana e para expresses de cientificidade emergindo de forma diferente. Para cada uma, a imagem e a linguagem verbal mediaram a experincia de forma distinta e realizaram aspectos distintos do significado. Caldas-Coulthard e van Leeuwen (2004) utiliza o aparato da Semitica Social para analisar os significados de gnero social construdos por brinquedos que representam seres humanos. O trabalho afirma serem brinquedos artefatos multimodais, podendo ser interpretados como textos e como objetos destinados ao uso. Como textos, eles situam-se em discursos diversos e codificam ideologias. O significado dos brinquedos emerge, ento, do sentido que lhes atribudo pelos seus produtores e da forma como so usados pelas crianas. Argumenta-se que, sendo um sistema semitico, os brinquedos possuem o potencial de produzir significados ideacionais, interpessoais e textuais. Caldas-Coulthard e van Leeuwen (2004) analisa, ento, o design de brinquedos para meninos e para meninas, as cores usadas em catlogos, alm dos significados ideacionais produzidos por meio de textos relacionados queles. Os resultados apontam a existncia de significados sexistas nas representaes de homens e mulheres em brinquedos destinados a meninos e a meninas.
No mbito brasileiro, tem havido um crescente interesse na utilizao da Semitica Social visual como teoria e mtodo de anlise produtivos para a investigao de questes sociais. Da perspectiva da Lingstica, cabe destacar Pimenta (2001), Biavati e Magalhes (2003), Heberle (2004), Felipe (2006) e Santana (2006) como trabalhos com uma abordagem Semitica Social da comunicao visual. Pimenta (2001) utiliza o referencial da Semitica Social e da Semitica do Discurso (KRESS e VAN LEEUWEN, 1996; KRESS, LEITE-GARCA e VAN LEEUWEN, 1997) para analisar a produo de signos pela escola, por professores e alunos, a partir do modo semitico arranjo espacial em uma sala de aula de lngua estrangeira. O trabalho atribui diferentes graus de modalidade e, conseqentemente, diferentes significados s escolhas feitas pelos alunos quanto ao posicionamento das carteiras. Identifica-se, assim, a existncia de um estilo feminino e de um estilo masculino na sala de aula. O primeiro, relacionado a um menor grau de modalizao, comunica significados de conformidade, obedincia, envolvimento, apoio e consenso; j o segundo, relacionado a um alto grau de modalizao, comunica significados apostos queles do estilo feminino. No mbito do grupo CORDIALL, Biavati e Magalhes (2003) analisa a representao da identidade do trabalhador e das relaes de trabalho em peas publicitrias de empresas publicadas na revista Veja no binio 1988-1989 e em 1999. Para tanto, o trabalho utiliza o referencial terico da Anlise Crtica do Discurso, as ferramentas da gramtica sistmico-funcional, bem como as categorias propostas por Kress e van Leeuwen (1996, 199917) para a anlise dos significados interativos nas imagens. A pesquisa aponta, entre outras coisas, para a transformao nas representaes acima mencionadas ao longo do perodo em que se situa o corpus.
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Kress e van Leeuwen (1999) um captulo da coletnea The discourse reader, editada por Jaworski e Coupland, em que se divulga o arcabouo descritivo da gramtica do design visual no que diz respeito aos significados interativos.
O artigo Revistas para mulheres no sculo 21: ainda uma prtica discursiva de consolidao ou de renovao de idias (HEBERLE, 2004) analisa revistas femininas, de modo a identificar possveis contradies e examinar as representaes e identidades construdas. Para tanto, parte-se de estudos sobre revistas femininas e utiliza-se o suporte terico da Anlise Crtica do Discurso, da Lingstica SistmicoFuncional, alm de se fazer uso do mtodo de anlise visual de Kress e van Leeuwen (1996). O trabalho aborda a questo da interatividade com as leitoras, discute a presena de aspectos globais e locais na representao das mulheres e retoma vrios estudos sobre esse tipo de publicao em diversos pases. Finalmente, Heberle (2004) faz uma anlise textual e multimodal de dois artigos sobre a modelo brasileira Gisele Bndchen veiculados em publicaes de diferentes pases. O estudo aponta para uma representao semitica desta modelo como smbolo de feminilidade em ambas as publicaes. Felipe (2006) analisa a representao e a negociao discursivas da identidade social masculina em um grupo focal do qual participam jovens de uma comunidade de Belo Horizonte desfavorecida economicamente. No nvel textual, o trabalho analisa (1) as escolhas lexicais dos participantes para a representao da identidade masculina, o que feito a partir do referencial da Lingstica SistmicoFuncional; (2) os significados de gnero social construdos pelo olhar e pelos gestos dos participantes, o que feito a partir da Semitica Social visual; e (3) o arranjo dos participantes no discurso. Os resultados dessa anlise, por sua vez, so interpretados luz de estudos sobre identidade e gnero social, de modo mostrar como se constroem identidades de gnero, inscritas em sistemas ideolgicos e relaes de poder o que, conseqentemente, insere o trabalho no campo da Anlise Crtica do Discurso. Dentre
outros resultados, a pesquisa aponta para novas configuraes de masculinidade(s), embora o padro hegemnico ainda seja fortemente buscado. Santana (2006) investiga representaes do gnero social feminino em peas publicitrias veiculadas pela revista Veja que tenham mulheres como participantes representados. Para a anlise do visual, utiliza-se a teoria da multimodalidade; o modo semitico verbal abordado a partir do referencial da Lingstica Sistmico-Funcional; e tais anlises so interpretadas luz de teorias que versam sobre a questo do gnero social. Dentre os resultados dessa pesquisa, destaca-se a constatao de que as propagandas analisadas associam a imagem da mulher a esteretipos relacionados ao seu poder de seduo, proporcionados pela beleza e pela feminilidade. Constata-se, assim, que as peas publicitrias tm a capacidade de reafirmar percepes do senso comum, ao mesmo tempo em que vendem o produto anunciado. Essa breve reviso de trabalhos que aplicam o mtodo de anlise do visual de Kress e van Leeuwen (1996) confirma a eficcia desse mtodo como ferramenta na pesquisa crtica, aspecto apontado no somente na introduo da gramtica do design visual, como tambm em Jewitt e Oyama (2001). A seguir, procede-se, ento, apresentao do arcabouo descritivo proposto nesta gramtica e utilizado na presente pesquisa.
Conforme exposto anteriormente, a abordagem Semitica Social da comunicao visual proposta por Kress e van Leeuwen (1996) funcional, na medida em que assume que o visual serve para determinados propsitos, realiza trabalhos
semiticos especficos, assim como todos os outros modos semiticos. Kress e van Leeuwen (1996), portanto, adapta as metafunes de Halliday para a anlise de imagens e composies visuais, baseando-se no modelo inicial de Semitica Social de Hodge e Kress (1988). Entende-se que o visual representa aspectos do mundo experiencial fora de seu sistema de signos particular18 (KRESS e VAN LEEUWEN, 1996: 40) e estabelece uma relao social entre os produtores das imagens, os observadores e os itens representados. Concomitantemente realizao das funes j citadas, ao modo semitico visual atribuda a capacidade de compor textos coerentes e relevantes para a situao. Tais tarefas so desempenhadas por todos os modos semiticos e dizem respeito, respectivamente, s trs metafunes da linguagem: a ideacional, a interpessoal e a textual (HALLIDAY, 1985, 1994; HALLIDAY e MATTHIESSEN, 2004). A metafuno ideacional, em relao qual se analisam a chamada mais saliente e a chamada relativa imagem das capas que compem o corpus desta pesquisa, subdivide-se nos componentes experiencial e lgico, os quais passa-se a apresentar resumidamente19. O componente experiencial diz respeito representao da experincia por meio do sistema da transitividade, que organiza fluxos de eventos em termos de processos, aos quais se relacionam determinados tipos de participantes e que podem envolver circunstncias. Halliday e Matthiessen (2004) define trs tipos de processos principais: os processos materiais, os mentais e os relacionais.
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Minha traduo de: [...] aspects of the experiential world outside its particular system of signs. Para uma explorao detalhada da metafuno ideacional, ver Halliday (1985, 1994) e Halliday e Matthiessen (2004). H vasta literatura aplicando tal teoria, incluindo trabalhos de pesquisadores do CORDIALL dentre vrios outros.
Os processos materiais representam aes e eventos no mundo externo e envolvem sempre um Ator20, o participante que realiza a ao, e comumente uma Meta, o participante a quem a ao se dirige. Outros participantes nos processos materiais so, por exemplo, os Recebedores aqueles para quem se d algo e os Clientes aqueles para quem se faz algo. Os processos mentais representam a experincia interna. Nesse caso, os participantes so o Experienciador, aquele que sente, pensa, deseja ou percebe21 (HALLIDAY e MATTHIESSEN, 2004: 201), e o Fenmeno, aquilo que sentido, pensado, desejado ou percebido22 (HALLIDAY e MATTHIESSEN, 2004: 203). Uma importante caracterstica da maioria dos processos mentais a sua capacidade de projetar oraes. Os processos relacionais podem ser identificativos, caso em que determinado participante o Valor identificado por meio de outro a Caracterstica; ou atributivos, caso em que classifica-se um participante x o Portador em relao a um Atributo. Tanto os processos relacionais identificativos quanto os atributivos podem ser intensivos, possessivos ou circunstanciais, sendo que, nos dois ltimos casos, a relao de posse e a circunstncia podem ser expressas por meio do processo ou por meio do participante. No limite entre os processos materiais e mentais, identificam-se os processos comportamentais, que representam as manifestaes externas de trabalhos internos23 (HALLIDAY e MATTHIESSEN, 2004: 171). Geralmente, esse tipo de processo envolve apenas um participante, o Comportante, mas pode haver tambm uma Extenso do processo ou um segundo participante que no estende o processo, denominado Fenmeno, assim como um dos participantes nos processos mentais. Entre os processos mentais e relacionais, identificam-se os processos verbais, que representam
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Seguindo o padro adotado em Halliday (1985, dentre outros), no presente trabalho, utiliza-se a inicial maiscula para a terminologia usada para definir os participantes em diferentes processos. 21 Minha traduo de: [] feels, thinks, wants or perceives [] 22 Minha traduo de: [] that which is felt, thought, wanted or perceived [] 23 Minha traduo de: [] the outer manifestations of inner workings []
a realizao de eventos internos na forma de linguagem. Tais processos geralmente envolvem um Dizente, o participante que os realiza; um Receptor, o participante a quem a ao verbal se dirige; e uma Verbiagem, a representao do tipo de comportamento verbal realizado. Outro participante presente em determinados processos verbais o Alvo, aquele sobre o qual a ao verbal recai. Assim como a maior parte dos processos mentais, os processos verbais tm a habilidade de projetar. Por fim, entre os processos relacionais e materiais, encontram-se os processos existenciais, que indicam existncia. O nico participante envolvido nesse tipo de processo chamado de Existente. Por sua vez, o componente lgico da metafuno ideacional relaciona-se expresso de relaes entre grupos ou oraes, formando unidades complexas (HALLIDAY e MATTHIESSEN, 2004). De acordo com a gramtica sistmico-funcional, um grupo pode ser considerado um complexo de palavras (word complex), ou seja, uma combinao de palavras construda com base em uma relao lgica particular24 (HALLIDAY e MATTHIESSEN, 2004: 310). As principais classes de grupo, segundo Halliday e Matthiessen (2004), so os grupos nominais, os grupos verbais e os grupos adverbiais, que correspondem, respectivamente, aos complexos de nominais (que podem ser compostos, por exemplo, por substantivos, artigos, pronomes, numerais e adjetivos, para usar a terminologia da Gramtica Tradicional), de verbos e de advrbios.25 J os complexos oracionais so conjuntos de oraes conectadas por meio de determinado tipo de relao lgico-semntica (HALLIDAY e MATTHIESSEN, 2004). Segundo Halliday e Matthiessen (2004), h dois sistemas bsicos determinando a forma de interconexo de oraes: (i) a taxis ou grau de interdependncia e (ii) a relao
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Minha traduo de: []a combination of words built up on the basis of a particular logical relation. Ver Halliday e Matthiessen (2004: 486-523) para a exposio das relaes nos complexos grupais e sintagmticos.
lgico-semntica. Os graus de interdependncia so a parataxe, relao em que os elementos tm o mesmo status; e a hipotaxe, relao em que um elemento dominante, e o outro, dependente. Consoante a gramtica sistmico-funcional, chamam-se de oraes primrias a orao iniciante na relao parattica e a orao dominante na relao hipottica. No que diz respeito relao lgico-semntica, os tipos bsicos desta so (i) a expanso e (ii) a projeo. No caso da primeira, a orao primria expandida por meio de elaborao, extenso ou intensificao. J em caso de projeo, a orao primria projeta a orao secundria como uma locuo ou como uma idia.26 Ao adaptar as metafunes ideacional, interpessoal e textual para a descrio do modo semitico visual, Kress e van Leeuwen (1996) passa a falar de estruturas representacionais, de significados interativos e da composio, os quais so apresentados nas sees que seguem.
Segundo Kress e van Leeuwen (1996), a sintaxe do visual cria significados. Isso quer dizer que, dentro do cdigo semitico das imagens, possvel representar o mesmo aspecto do mundo de forma diferente, de acordo com a escolha de determinada configurao, de certa estrutura visual. De acordo com Jewitt e Oyama (2001), essa escolha sintomtica dos discursos que regulam as representaes construdas. Entendem-se discursos na perspectiva de van Leeuwen (2005), que, com base no trabalho de Foucault, os define como conhecimentos socialmente construdos de algum aspecto da realidade27 (VAN LEEUWEN, 2005:94). Desse modo, como aponta Kress e
26 27
Para uma explanao detalhada dos complexos oracionais, ver Halliday e Matthiessen (2004: 363-485). Minha traduo de: [...] socially constructed knowledges of some aspect of reality.
van Leeuwen (1996), tais representaes no so acidentais, mas esto vinculadas aos interesses das instituies que produzem e veiculam as imagens, ou seja, envolvem questes ideolgicas. Para a anlise das imagens, a gramtica do design visual introduz o termo participantes representados. Isso porque este, alm de incluir a questo do engajamento, ressalta o fato de existirem dois tipos de participantes em todo ato semitico: os participantes interativos e os participantes representados. Os primeiros so aqueles que se comunicam por meio dos textos o produtor da imagem ou do texto verbal e o observador ou leitor ; enquanto os segundos so aqueles que so retratados na imagem ou no texto verbal, quer sejam coisas, lugares ou pessoas. As estruturas representacionais, de acordo com Kress e van Leeuwen (1996), subdividem-se em estruturas narrativas e conceituais. As primeiras apresentam aes e eventos, enquanto as segundas representam participantes em termos de sua essncia: de sua classe, estrutura ou significado. O que caracteriza uma proposio narrativa visual a presena de um vetor, de um trao que indique direcionalidade. De acordo com o tipo de vetor e com o nmero de participantes envolvidos no evento, possvel distinguir seis tipos de processos narrativos: os processos de ao, os processos reacionais, os processos de fala e mentais, os processos de converso e o simbolismo geomtrico. Nos processos de ao, o Ator o participante de quem parte o vetor ou, em certos casos, ele prprio o vetor. Ele geralmente o participante mais proeminente nas figuras, seja pelo seu tamanho, posicionamento, contraste com o segundo plano, cor, foco e/ou salincia psicolgica. Esta se refere ao fato de determinados participantes atrarem a ateno do observador, como o caso da figura humana ou, mais precisamente, de seu rosto (KRESS e VAN LEEUWEN, 1996).
Nas proposies narrativas visuais em que h apenas um participante envolvido, de modo que a ao no dirigida a nenhum outro participante, a estrutura chamada de no-transacional. J no caso de haver dois participantes, aquele a quem se dirige o vetor ser a Meta, e a estrutura chamada de transacional. Segundo Kress e van Leeuwen (1996), as estruturas transacionais podem ser bidirecionais; nestas, cada um dos participantes desempenha ora o papel de Ator, ora o papel de Meta. Neste ltimo caso, os participantes so chamados de Inter-atores (Interactors). Quando a direo do olhar de participantes representados forma um vetor, tem-se um processo reacional, e, nesse caso, esse participante chamado de Reator (Reacter) e deve ser humano ou humanizado. Assim como no caso das aes, as reaes podem ser transacionais ou no-transacionais. As reaes transacionais se do quando possvel observar o alvo do olhar, o que configura a existncia de um segundo participante, o Fenmeno, que pode ser tanto outro participante quanto uma outra proposio visual. Outro tipo de vetor pode ser encontrado nos bales que representam falas ou pensamentos de personagens: so os processos de fala e mentais. Tais processos conectam um participante animado, o Dizente no caso dos processos verbais e o Experienciador no caso dos processos mentais, a determinado contedo: ao que falado, o Enunciado (Utterance), ou pensado, o Fenmeno. Quando se tem uma cadeia de processos transacionais, surge um outro tipo de participante, o Transmissor (Relay). Este desempenha o papel de Ator em relao a um participante e de Meta em relao a outro. O Transmissor no apenas retransmite, mas tambm modifica a mensagem que recebe. Nos casos em que se tem uma representao cclica, todos os participantes so Transmissores. Tais processos so chamados, em Kress e van Leeuwen (1996), de processos de converso.
Alm dos tipos de processos mencionados, Kress e van Leeuwen (1996) conceitua ainda um ltimo tipo de representao, o simbolismo geomtrico, realizado, por exemplo, por meio de vetores em forma de hlices. O trabalho citado menciona tambm o fato de as estruturas narrativas poderem incluir participantes secundrios, os quais no se relacionam aos participantes principais por meio de vetores: so as Circunstncias. Estas podem ser de trs tipos: Locativas, as quais situam participantes em relao a um cenrio; de Meios, indicando ferramentas usadas para a realizao de processos de ao; ou de Acompanhamento, que ocorrem quando um participante simplesmente acompanha outro, de forma que no se identifica um vetor que os relacione. A FIG. 1 resume as distines possveis no que diz respeito s estruturas narrativas.
Bidirecional Transacional No-projetivos Processos Agentivos Projetivos Ao No-transacional Unidirecional
Estruturas narrativas
No-agentivos: Converso
Processo verbal
FIGURA 1 - Estruturas narrativas na comunicao visual Fonte: KRESS e VAN LEEUWEN, 1996: 7328
28
As estruturas conceituais, que representam os participantes em termos de sua essncia, podem ser construdas por meio de trs tipos de processos: os processos classificacionais, os processos analticos e os processos simblicos. Os primeiros relacionam os participantes em termos de uma taxonomia. Nesse caso, deve haver pelo menos um participante Superordenado (Superordinate) em relao a outros, que sero os Subordinados (Subordinates). Cabe enfatizar que, embora nos estudos verbais seja consagrada a traduo desses termos como hipernimo e hipnimo, neste trabalho, decidiu-se por no adot-la, dada a existncia, no caso em questo, de um terceiro elemento, o Interordinate, que no encontraria correspondente em tal traduo e que explicado a seguir. As taxonomias podem ser fechadas ou abertas. Tem-se uma taxonomia fechada quando possvel identificar o Superordenado somente por meio do texto que acompanha a imagem ou por meio de inferncia, a partir das similaridades dos Subordinados. Alm disso, um trao distintivo das taxonomias fechadas o fato de a equivalncia entre os Subordinados se realizar na imagem por meio de uma composio simtrica; e, para conferir um carter estvel classificao, os participantes so apresentados de forma objetiva e descontextualizada. J no caso das taxonomias abertas, os Superordenados so explicitamente indicados. Elas ocorrem, por exemplo, em diagramas de rvore e, geralmente, so multiniveladas, de modo que um participante intermedirio, o Interordenado (Interordinate), Subordinado em relao a determinados participantes e Superordenado em relao a outros, e os participantes no mesmo nvel so apresentados como pertencentes mesma classe. Kress e van Leeuwen (1996) menciona tambm os diagramas classificacionais, que representam a relao entre os participantes representados em termos de um sistema.
O estudo ressalta que tais classificaes no precisam necessariamente corresponder realidade: o fato de o produtor da imagem agrupar participantes de modo a classific-los significa que ele os considera como tal e pretende que os observadores faam a mesma leitura. Alm disso, o trabalho aponta a possibilidade de a representao visual obscurecer os limites entre o dinmico e o esttico, o que pode ser visto, por exemplo, no caso das estruturas classificacionais, que representam os participantes de forma esttica, quando a linguagem verbal que as acompanha pode suscitar uma representao ativa. No caso dos processos analticos, a relao entre participantes representada segundo uma estrutura de parte e todo, sendo um deles o Portador (o todo) e o(s) outro(s) o(s) Atributo(s) Possessivo(s) (as partes). Kress e van Leeuwen (1996) ressalta que, pelo fato de uma anlise sempre implicar seleo, de acordo com os interesses do analista, h a possibilidade de o mesmo Portador ser analisado em termos de Atributos distintos. Nesse tipo de processo, apresentam-se somente os traos essenciais dos Atributos Possessivos, que geralmente so nomeados. Desse modo, em tais representaes, a profundidade, as cores e o segundo plano, por exemplo, so minimamente explorados ou mesmo nulos. Conforme aponta Kress e van Leeuwen (1996), as representaes analticas so definidas em termos negativos: caracterizam-se pela ausncia dos traos caractersticos das outras formas de representao. Os processos analticos so, assim, a opo de representao no-marcada: segundo a teoria, realizam um isso visual. Kress e van Leeuwen (1996) afirma que mesmo certas fotografias de pessoas podem ser analticas, especialmente quando essas pessoas posam para a foto. Outras representaes que podem ser consideradas desse tipo so mapas e diagramas, fotografias areas e cientficas e trabalhos de arte abstrata.
Os processos analticos se dividem em alguns tipos que, por sua vez, so detalhados em subtipos. Para os fins do trabalho ora proposto, no sero apresentadas as subcategorias desse tipo de processo. Desse modo, os processos analticos sero classificados de acordo com os tipos principais nas imagens em que estes se aplicarem (cf. KRESS e VAN LEEUWEN, 1996: 89-108, para uma visualizao completa das estruturas analticas). Kress e van Leeuwen (1996) categoriza ainda um terceiro tipo de processo conceitual: os processos simblicos. Nestes, participantes so representados em termos do que significam ou so, e, neste ponto, a gramtica do design visual baseia-se na iconografia (JEWITT e OYAMA, 2001: 144). Tais processos se subdividem em atributivos ou sugestivos. Nos primeiros, h dois participantes: o Portador, o participante cujo significado ou identidade estabelecido na relao, e o Atributo Simblico, o participante que representa o prprio significado ou identidade29 (KRESS e VAN LEEUWEN, 1996: 108). Como caractersticas dos Atributos Simblicos, a gramtica do design visual define a salincia, que pode ser realizada de formas diversas, como por meio de um tamanho exagerado ou de um posicionamento em primeiro plano; a presena de um gesto cuja funo to-somente a de apont-los para o observador; o seu aparente no-pertencimento ao conjunto da imagem e/ou sua associao a valores simblicos. Participantes humanos envolvidos nesse tipo de processo, segundo a teoria, geralmente posam para o observador, de modo que sua postura no constitui uma estrutura narrativa. J no caso dos processos sugestivos, h apenas um participante, o Portador, sendo que o significado simblico deste estabelecido por meio da mistura de cores, da suavidade do foco ou da acentuao da luminosidade, o que faz com que apenas o
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Minha traduo de: [...] the participant whose meaning or identity is established in the relation [...] the participant which represents the meaning or identity itself [...]
contorno ou a silhueta dos participantes seja apresentada. O valor simblico aferido ao Portador determinado pelo modo como se d o obscurecimento dos detalhes. Desse modo, enquanto nos processos atributivos a identidade ou o significado do Portador a ele atribudo, no caso dos processos sugestivos, tal identidade ou significado apresentado como um trao intrnseco ao Portador, como sua essncia. Na FIG. 2, resumem-se os principais tipos de estruturas conceituais.
Classificacionais Estruturas Conceituais Analticos Simblicos
FIGURA 2 - Estruturas conceituais nas imagens Fonte: Adaptada de KRESS e VAN LEEUWEN, 1996: 56
Concluindo a categorizao dos significados representacionais, Kress e van Leeuwen (1996) ressalta que as imagens podem apresentar uma estrutura complexa, envolvendo mais de um processo e, portanto, mais de um nvel estrutural. Jewitt e Oyama (2001) aponta outros dois aspectos no abordados por Kress e van Leeuwen (1996) e que, segundo aquele trabalho, situam-se no mbito dos significados representacionais, quais sejam, o cenrio das imagens e a aparncia visual dos participantes representados naquelas. Entende-se, no entanto, que a questo do cenrio contemplada, ao menos no que diz respeito s estruturas narrativas, quando se definem as Circunstncias Locativas.
Para se compreender os significados interativos, faz-se necessrio conhecer o modo como eles se realizam nas imagens. A gramtica do design visual aponta trs recursos usados para estabelecer tais significados: o sistema do olhar, o enquadramento e a perspectiva. Consoante Kress e van Leeuwen (1996), se os participantes representados nas imagens olham diretamente para o observador, forma-se um vetor que liga o olhar daqueles a este. Assim, d-se o contato: os participantes representados dirigem-se ao observador, convidando-o interao, e, ao mesmo tempo, efetua-se uma demanda por parte do produtor, que busca agir sobre o observador da imagem. Como resultado desse tipo de configurao, uma relao imaginria estabelecida entre os participantes representados e interativos, e a identificao do tipo de relao pretendida pode ser feita a partir da expresso facial e dos gestos dos primeiros. Alternativamente, possvel representar os participantes nas imagens como no olhando diretamente o observador, caso em que aqueles deixam de ser os atores do ato de olhar para se tornarem objeto do olhar daqueles que os observam. Aqui no h demanda, mas oferta: os participantes representados so apresentados como itens de informao, objetos de contemplao30 para os observadores (KRESS e VAN LEEUWEN, 1996: 124). A distncia entre os participantes interativos e os participantes representados pode codificar uma relao imaginria de maior ou menor distncia social entre esses. Kress e van Leeuwen (1996) distingue, assim, vrios tipos de enquadramento, dos quais, para fins da anlise aqui proposta, so utilizados apenas trs: plano fechado (close shot), plano mdio (medium shot) e plano aberto (long shot). O primeiro inclui, aproximadamente, a cabea e os ombros do participante representado; o segundo inclui sua imagem at o joelho; e o terceiro corresponde a uma representao ainda mais
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ampla que esta, incluindo, por exemplo, todo o corpo do participante. Tais enquadramentos realizam um contnuo e, conforme a escolha mais prxima de um ou de outro extremo deste, representam-se os participantes como mais ntimos, amigos de quem os observa, ou como mais distantes e estranhos. Alm dos dois recursos mencionados acima, a perspectiva, o ngulo ou ponto de vista a partir do qual os participantes representados so retratados, indica uma atitude mais ou menos subjetiva por parte do produtor da imagem em relao queles, segundo Kress e van Leeuwen (1996). Ressalte-se que subjetivo, aqui, no quer dizer individual, j que tais atitudes so determinadas socialmente. As imagens subjetivas so aquelas que so retratadas a partir de um ponto de vista escolhido pelo produtor e imposto tanto aos participantes representados quanto aos observadores. J as imagens objetivas so produzidas a partir de ngulos de viso privilegiados, que neutralizam a perspectiva, as distores resultantes de sua explorao e a atitude subjetiva que ela envolve, quais sejam, o ngulo frontal e o ngulo perpendicular superior. Esses ngulos, segundo a gramtica do design visual, apresentam diferenas quanto objetividade que codificam: enquanto o ngulo frontal relaciona-se ao, o ngulo superior relaciona-se ao conhecimento. Kress e van Leeuwen (1996) acrescenta o corte transversal e a viso de raio X, usados geralmente em diagramas, como recursos que produzem representaes objetivas. Tem-se, assim, que as imagens objetivas mostram o participante representado da forma como ele , ao passo que as imagens subjetivas mostram-no como ele visto a partir de determinado ponto de vista. Estas ltimas, por sua vez, tambm codificam diferentes significados conforme a utilizao de um ngulo mais ou menos frontal ou mais ou menos superior. As imagens podem ser representadas a partir de um ngulo frontal, em que o plano frontal do fotgrafo o mesmo dos participantes representados, ou a partir de um
ngulo oblquo, em que os planos frontais no coincidem. A obliqidade , entretanto, uma questo de gradao, e a escolha por um ngulo mais ou menos oblquo determina uma relao de afastamento ou envolvimento dos produtores da imagem e conseqentemente dos observadores em relao aos participantes representados. No caso do ngulo frontal, estes so retratados como fazendo parte do nosso mundo; enquanto, no caso do ngulo oblquo, isso no ocorre. Concluindo a categorizao dos recursos visuais que realizam significados interativos, Kress e van Leeuwen (1996) define a escolha do ngulo vertical, que codifica relaes de poder entre os participantes representados e interativos. Se aqueles so representados a partir de um ngulo elevado, o produtor da imagem e o observador exercem poder sobre eles. Se, ao contrrio, os participantes representados so retratados a partir de um ngulo baixo, so eles que detm o poder. E, finalmente, se a imagem est no nvel do olhar, a relao de poder representada como igualitria. Nesse caso, tambm possvel falar de graus de elevao. A FIG. 3 resume os recursos que realizam os significados interativos nas imagens.
Contato
Subjetividade
ngulo frontal
Envolvimento
Atitude Objetividade
FIGURA 3 - Significados interativos nas imagens Fonte: Adaptada de KRESS e VAN LEEUWEN, 1996: 154
2.4.2.1 Modalidade
Segundo Kress e van Leeuwen (1996), um outro aspecto importante da comunicao a modalidade, que diz respeito ao grau de veracidade de determinada mensagem. O termo modalidade advm dos estudos lingsticos, rea em que empregado para a anlise de proposies realizadas verbalmente. Esse conceito, no entanto, passvel de ser aplicado anlise do visual, uma vez que uma imagem pode ser vista como reproduzindo ou no a realidade. Para a Semitica Social, a verdade e a realidade so um construto da semiose31 (KRESS e VAN LEEUWEN, 1996: 159) e, portanto, esto atreladas a contextos especficos e a determinados grupos sociais, aos seus valores e crenas. Alm
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disso, a concepo de realidade depende das tecnologias de representao e reproduo. O relativismo inerente noo de realidade determina a existncia de diferentes padres de modalidade para diferentes contextos e grupos sociais. Kress e van Leeuwen (1996) distingue quatro desses padres, de acordo com os diferentes princpios de realidade existentes. Para a modalidade naturalstica, o padro dominante, o grau de realidade funo da correspondncia entre a visualizao de determinado objeto a olho nu e sua representao visual. Quando da produo da gramtica do design visual, o parmetro para se julgar o realismo visual e a modalidade naturalstica eram as fotografias modernas de 35mm (KRESS e VAN LEEUWEN, 1996). Cabe ressaltar que as imagens do corpus deste trabalho sero analisadas com base nesse padro. No caso da modalidade sensorial, representaes consideradas hiper-reais para o naturalismo fotogrfico so a opo que apresenta uma modalidade alta. Aqui, uma imagem ter um maior valor de realidade quanto maior for sua capacidade de representar as qualidades sensoriais do objeto em questo. J para a modalidade tecnolgica ou cientfica, o real definido com base naquilo que mtodos cientficos, como a contagem, o peso e a medida, podem indicar a respeito de um objeto. Nesse caso, o princpio dominante a eficcia da representao visual. Finalmente, tem-se a modalidade abstrata, para a qual o grau de realidade tanto maior quanto maior for a abstrao do individual para o geral e do concreto para a essncia do objeto. De acordo com Kress e van Leeuwen (1996), a modalidade um conceito interpessoal: atua no sentido de alinhar ou distanciar os receptores de certas representaes e, dessa forma, realiza e produz afinidade social. Ela pertence, portanto, aos significados interativos. A modalidade codificada na prpria mensagem, por meio de marcadores cujo estabelecimento e cuja escolha so determinados pelo interesse de grupos sociais, o que os caracteriza como signos motivados.
Kress e van Leeuwen (1996) define seis marcadores de modalidade, que, analisados em conjunto, permitem a avaliao da modalidade das representaes visuais. Tais marcadores so (i) a cor, a contextualizao, (ii) a representao, (iii) a profundidade, (iv) a iluminao e (v) o brilho. A cor analisada em relao a trs escalas: a escala da saturao define um contnuo entre a saturao plena e a ausncia de cor; a escala da diferenciao representa um contnuo entre uma paleta variada de cores e a monocromia; e a escala da modulao corresponde ao contnuo entre a explorao de cores amplamente moduladas (vrias matizes de vermelho, por exemplo) e o uso de um nico tom de cor. A cada ponto nessas escalas atribudo um valor de modalidade, e o ponto de modalidade naturalstica mais alta no se encontra em nenhum dos extremos do contnuo, mas em um ponto intermedirio. A contextualizao diz respeito a um contnuo entre a ausncia e a explorao maximamente articulada e detalhada do segundo plano. De acordo com Kress e van Leeuwen (1996), a modalidade diminuda pela ausncia de segundo plano, e a descontextualizao faz com que os participantes sejam representados como genricos, como exemplos tpicos. Mas a modalidade naturalstica mais alta no corresponde ao uso de um segundo plano maximamente articulado: nesse tipo de modalidade, o primeiro plano mais articulado que o segundo. No caso da representao, tem-se um contnuo entre a abstrao e a representao mximas de detalhes pictricos. Kress e van Leeuwen (1996) ressalta que, da perspectiva do naturalismo fotogrfico, a explorao exagerada de detalhes torna-se hiper-real, diminuindo a modalidade. Quanto profundidade, trata-se de um contnuo entre a ausncia e a explorao mxima da profundidade. A gramtica do design visual define a perspectiva central como possuindo a modalidade mais alta do ponto de vista do naturalismo padro. A iluminao diz respeito a um contnuo entre a ausncia e a
representao mais ampla do jogo de luz e sombra32 (KRESS e VAN LEEUWEN, 1996: 167). Nas imagens naturalsticas, uma fonte de iluminao particular parece incidir sobre os participantes representados. Por fim, Kress e van Leeuwen (1996) define o brilho como um contnuo entre o uso de apenas dois graus de brilho e a explorao mxima de diferentes graus deste. A explorao de uma variedade de contrastes e de valores de brilho para alm da capacidade da fotografia pode resultar em uma representao surreal e, portanto, com uma baixa modalidade.
Segundo
Kress
van
Leeuwen
(1996),
alm
dos
significados
representacionais e interativos, preciso observar tambm um terceiro elemento imagtico: o modo como os elementos que realizam tais significados se unem para formar um todo significativo. Os trs sistemas por meio dos quais as composies integram os significados representacionais e interativos so, de acordo com a teoria, o valor informacional, a salincia e a moldura, e o emprego desses princpios da composio pode ser observado no somente em imagens isoladas, mas tambm em textos compostos ou multimodais. Nesse caso, a integrao entre diferentes cdigos semiticos realizada por um cdigo maior, o qual, por meio de suas regras e significados, confere unidade semitica e coerncia ao texto multimodal. Quando se est lidando com textos cujos elementos esto espacialmente presentes, como o caso dos textos que sero abordados neste trabalho, o cdigo integracional em atuao o cdigo da composio espacial. Alm deste, h tambm o ritmo, o cdigo da
32
Minha traduo de: [] the fullest representation of the play of light and shade []
composio temporal, que atua em textos que exploram a dimenso temporal, como a fala, a msica e dana, por exemplo, e que no sero aqui explorados. Quanto ao valor informacional, as imagens e as composies visuais geralmente posicionam seus elementos seguindo o eixo horizontal, de forma a dispor alguns deles esquerda e outros direita. Quando tal disposio ocorre, os elementos posicionados esquerda so apresentados como Dados, como ponto de partida da mensagem, algo que os leitores presumivelmente j conhecem ou sabem, que parte de sua cultura ou da cultura do veculo que porta tais informaes. Dessa forma, segundo Kress e van Leeuwen (1996), o sintagma Dado pode revelar fatos sociais: pode dizer o que visto como estabilizado e Dado, qual o sistema classificacional cultural em relao a determinado trao e se esse sistema progressista ou reacionrio33 (KRESS e VAN LEEUWEN, 1996: 197). J os elementos posicionados direita so apresentados como Novos, como algo ainda desconhecido ou problemtico e que, portanto, merece ateno especial do observador. Em certos casos, o Novo o lugar onde se reproduz um paradigma, certas classificaes culturais, onde valores da cultura so instanciados, reafirmados e naturalizados. No entanto, o carter desse espao conflituoso, pois esse o lugar onde pode se dar tambm a contestao desses valores e a produo de (novos) significados sociais (KRESS e VAN LEEUWEN, 1996: 196). Kress e van Leeuwen (1996) ressalta tambm que a simples necessidade de se reafirmar um paradigma aponta para a sua fragilidade. A estrutura Dado-Novo pode ser considerada ideolgica, uma vez que o valor informacional conferido aos elementos nos textos pode no corresponder concepo que os observadores tm destes. Em outras palavras, o que dado para um
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Minha traduo de: [] what is regarded as established and Given; what the cultural classification system is with respect to a certain feature; and whether the system is progressive or reactionary.
determinado grupo social pode no o ser para outro, e isso pode determinar configuraes diferentes para layouts de diferentes revistas, por exemplo, de acordo com o pblico-alvo de cada uma. Tal estrutura se aplica no somente a uma pgina como unidade convencional, mas tambm a duas pginas adjacentes por exemplo, um anncio e um texto verbal em duas pginas contguas de revistas , que, juntas, passam a constituir uma unidade de significao (cf. KRESS, LEITE-GARCA e VAN LEEUWEN, 1997). As imagens e composies visuais podem tambm se orientar ao longo de um eixo vertical, de modo que alguns elementos so posicionados na parte superior e outros na parte inferior do espao textual. Os elementos colocados na parte superior so apresentados como o Ideal o que pode ser, como a essncia da informao; ao passo que aqueles posicionados na parte inferior so apresentados como o Real o que , trazendo informaes mais especficas e prticas. A parte superior a mais saliente, de modo que os elementos ali posicionados se sobrepem queles pertencentes parte inferior. Desse modo, explica Kress e van Leeuwen (1996), a relao entre essas duas partes mais de contraste do que de conexo, ao contrrio do que ocorre na relao entre Dado e Novo. Essa estrutura, como no caso da anterior, geralmente orientada ideologicamente, e, em muitas imagens e composies visuais, ambas so usadas concomitantemente. Kress e van Leeuwen (1996) enfatiza que, apesar de a disposio dos elementos visuais ser provavelmente inconsciente, ela apresenta regularidade, a qual codifica significados. As composies visuais podem se orientar ao longo do centro e margens do espao textual, embora esse tipo de configurao seja relativamente incomum. Quando isso ocorre e h o posicionamento de um elemento no centro e de outros em seu entorno, o elemento central chamado de Centro e representa o ncleo da informao.
Os elementos posicionados nas margens, apresentados como dependentes, subordinados ao Centro, so denominados Margens. Em alguns casos, pode haver tambm vrias camadas de Margens, sendo as mais externas consideradas mais marginais em relao s mais internas. A dimenso e salincia do Centro tambm so fatores que determinam tal marginalidade, e Kress e van Leeuwen (1996) ressalta que, mesmo nos casos em que o Centro vazio, ele existe e governa seu entorno. Margens idnticas ou similares, posicionadas simetricamente, resultam em uma configurao em que no se distinguem Dado e Novo, Ideal e Real. Em outros casos, porm, possvel ter-se uma combinao entre Centro e Margem, Dado e Novo e/ou Ideal e Real. Quando essas trs dimenses so combinadas, tem-se a configurao de cruz, ilustrada na FIG. 4, a qual, segundo Kress e van Leeuwen (1996), representa um smbolo espacial essencial na cultura ocidental.
Centro
FIGURA 4 - As dimenses do espao visual Fonte: KRESS e VAN LEEUWEN, 1996: 208
O trptico horizontal uma forma comum de se combinar Centro e Margem com Dado e Novo. Nesse caso, a composio precisa ser polarizada: h uma esquerda
Dada, uma direita Nova, e o elemento central age como um Mediador, ligando os outros dois elementos. Da mesma forma, possvel encontrar trpticos verticais, em que h um elemento central Mediador entre o Ideal e o Real. No entanto, pode haver tambm trpticos simtricos, com uma estrutura Margem-Centro-Margem. Os trpticos, segundo a teoria, podem ser usados tambm em diagramas e em trabalhos artsticos. Segundo a gramtica do design visual, os cdigos integracionais tm uma funo fundamentalmente textual: eles organizam os elementos que compem o texto em um todo coerente. No entanto, alm de determinar o posicionamento dos elementos e seus respectivos valores informacionais, a composio tambm confere diferentes graus de salincia a esses elementos. Esta pode atribuir maior importncia a determinado elemento, independentemente do posicionamento deste. No caso de textos espacialmente integrados, so regras visuais que determinam a salincia. Esta resultado de vrios fatores inter-relacionados, como tamanho, foco, contraste de tom e de cor, posicionamento no campo visual, perspectiva e fatores culturais, como o aparecimento de uma figura humana ou de um smbolo cultural forte34 (KRESS e VAN LEEUWEN, 1996: 212). Ao se determinar o peso dos elementos de uma composio, possvel encontrar seu ponto de equilbrio, o lugar onde se encontra a mensagem central independente se este , de fato, o espao central do texto. Quanto moldura, elementos ou grupos de elementos podem ser conectados ou separados uns dos outros. Esta , tambm, uma questo de gradao, uma vez que a moldura pode ser mais ou menos acentuada, o que determinar a representao dos elementos como unidades de informao mais ou menos individuais e diferenciadas. Quando no se exploram os recursos que realizam a moldura, Kress e van Leeuwen
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Minha traduo de: [] the appearance of a human figure or a potent cultural symbol.
(1996) identifica nfase na conexo, no agrupamento dos elementos da composio em sua representao. De acordo com a gramtica do design visual, h vrias formas de se realizar a moldura, sendo a presena de linhas, de contorno, de descontinuidades de cor e de espaos vazios entre os elementos algumas delas. Por outro lado, a presena de vetores pode reforar a conexo, e estes podem ser realizados por elementos da composio ou por elementos grficos abstratos. Alm disso, possvel estabelecer conexo entre elementos por meio do uso das mesmas cores e formas em mais de um deles. A FIG. 5 sintetiza os recursos que realizam os significados composicinais.
Circular Trptico Centralizado Valor Informacional Polarizado Significado da Composio Salincia Mxima salincia Centro-Margem Elemento mediador polarizado Dado-Novo Polarizao no-horizontal Ideal-Real Polarizao no-vertical Mnima salinica Moldura Mxima desconexo
Mxima conexo
Apresentado o referencial terico-metodolgico que nortear o presente estudo, passa-se, ento, descrio do corpus e exposio dos procedimentos metodolgicos adotados na realizao da pesquisa.