Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                

José Carlos Buzanello - Artigo - Direito de Resistência

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 20

DIREITO DE RESISTNCIA

Jos Carlos Buzanello1


Sumrio: Introduo; 1. Estatuto do direito de resistncia; 1.1. Conceito; 1.2. Classificao do direito de resistncia; 2. O direito de resistncia na Constituio; 3. Modo de exerccio do direito de resistncia; Consideraes finais. Referncias bibliogrficas.

Introduo
Este artigo prope organizar os conceitos, as espcies e os mtodos de ao poltica e jurdica do direito de resistncia e traar os lineamentos gerais do estatuto jurdico do direito de resistncia. Este e outros estudos, em consonncia com o objeto da minha tese de Doutorado em Direito (CPGD/ UFSC), visa consolidar uma nova conceituao e classificao do direito de resistncia no interior do sistema constitucional brasileiro. A resistncia parte do princpio de que est sujeita a uma teoria constitucional, que tem como questes de fundo a legitimidade constitucional do poder poltico quanto ao ttulo ou ao exerccio. As vrias posies polticas da resistncia operam na busca de fontes formais ou informais que legitimem o seu exerccio no Estado de Direito. A resistncia procura sua legitimidade moral na dignidade humana, solidificada como princpio jurdico, mas a sua justificao transcende a evocao dos princpios ticos, pois tem de ser juridicamente fundamentada, seja no jusnaturalismo ou no positivismo jurdico. Quanto justificao poltica, o direito de resistncia consubstancia-se desde a teoria liberal, a socialista, a anarquista e a humanista. Mas como nos adverte Norberto Bobbio, a eficcia da literatura sobre o direito de resistncia suscitada pela Revoluo Francesa perdeu consistncia no sculo XIX, em grande parte, por duas razes: ideolgica e institucional.2
1

Diretor da Escola de Direito da UNIGRANRIO (Duque de Caxias/RJ); Mestre em Direito (PUC/ RJ) e Doutor em Direito (UFSC). 2 BOBBIO, Norberto; BOVERO, Michelangelo (Org). Teoria geral da poltica: a filosofia poltica e as lies dos clssicos. Traduo de Daniela B. Versiani. Rio de Janeiro: Campus, 2000, p. 255.

Outro problema fundamental saber quando se pode invocar o direito de resistncia, ao se indagar: legtimo desobedecer s leis, e em que casos? Dentro de que limites? Por parte de quem? A resposta sempre complexa, pois est envolta em questionamentos polticos e jurdicos, tais como a origem do poder poltico; os fundamentos da autoridade; os fundamentos e a dissoluo do contrato social; as questes da autoridade e da obedincia.

1. Estatuto do direito de resistncia


O estatuto do direito de resistncia organiza um sistema de comandos jurdicos constitucionais, numa concatenao interior que liga normas e valores. A Constituio, ao reconhecer o direito de resistncia, age dentro de uma unidade de valor de defesa do sistema de direitos fundamentais e tambm da concordncia estrutural do direito de resistncia com a ordem constitucional, que se assenta na defesa do regime democrtico e dos direitos fundamentais. O estatuto liga-se Constituio porque ela que define as formas institucionais da vontade poltica e jurdica da nao. Assim, duas questes constitucionais se apresentam: o problema jurdico da resistncia e os seus limites constitucionais. O primeiro problema situa-se em ser um fenmeno de difcil aferio, sem forma externa, apresentando-se internamente com contedo fragmentrio e contraditrio e em possvel coliso com outros direitos primrios. O problema da sua delimitao tambm complexo pela dificuldade de esquematizao dos limites e das condies de ao. Independentemente disso tudo, a institucionalizao do direito de resistncia pelo Estado moderno, pela via constitucional, possibilitou a sua estabilidade terico-jurdica de institutos, normas jurdicas (regras e princpios), jurisprudncia, garantias fundamentais e doutrinas que formam os elementos conceituais que possibilitam a construo do seu estatuto jurdico. O estatuto da resistncia de natureza constitucional organiza um sistema de comandos jurdicos, numa concatenao interior que liga normas e valores. Assim, duas questes constitucionais se apresentam: em primeiro lugar, o problema da resistncia e em segundo, os limites constitucionais da 10

resistncia. A Constituio pode preconizar uma resposta ao problema do direito de resistncia na medida em que reconhea esse acionamento automtico quando se frustrarem os controles internos do Estado. Esse reconhecimento poltico do Estado em admitir mais um mecanismo de autodefesa da sociedade vai demonstrar o grau de legitimidade do prprio sistema jurdico e tambm suas limitaes epistemolgicas. Uma vez aceito o direito de resistncia no modelo constitucional, tem-se um efeito duplo: controla-se a sua potncia nos marcos constitucionais, e os governantes sabem dos seus limites. Toda vez que a autoridade pblica desleixar sua funo ou a liberdade e a dignidade humana forem espezinhadas, cabe o direito da resistncia, assim considerado como implcito nas instituies jurdicas. Dessa forma, o direito de resistncia se converte num aglutinador das demandas de fato que se baseiam to-somente na existncia de conflitos sociais e polticos para oportunas solues constitucionais destinadas a manter a unidade do Estado e evitar sua completa ruptura poltico-jurdica. Dessa forma, os problemas constitucionais deixam de ser apenas problemas jurdicos para se perfilarem como problemas de poder. A afirmao de que a resistncia apenas uma questo poltica, alm de ser um discurso vazio, demonstra a fragilidade reducionista do argumento. Com efeito, privilegiar, em termos exclusivos, os fatos polticos obscurece irremediavelmente a importncia que deve ser conferida realidade constitucional e, da mesma forma, a resistncia apenas poltica se perde em pura retrica. H uma crescente capitulao do normativo perante o emprico, por fora da elevao das leis sociais e, principalmente, econmicas a instrumentos exclusivos da modelao do mundo.3 O problema constitucional do direito de resistncia est na garantia da autodefesa da sociedade, na garantia dos direitos fundamentais e no controle dos atos pblicos, bem como na manuteno do contrato constitucional por parte do governante. O direito de resistncia, entendido como garantia individual ou coletiva regida pelo direito constitucional, est a servio da proteo da liberdade, da democracia e tambm das transformaes sociais,4 na medida em que governantes e governados esto sujeitos ao
3 4

EHRHARDT SOARES. R. Direito pblico e sociedade tcnica. Lisboa: Ed. Lisboa, 1969, p. 30. Vd. NOVOA, Eduardo. O direito como obstculo transformao social . Porto Alegre: S. A. Fabris, 1988.

11

Direito e, sendo assim, ambas as partes s esto obrigadas enquanto cumprirem o contedo do contrato, conforme leciona John Locke. Esses valores constitucionais possuem uma tripla dimenso: a) fundamentadora, que constitui o ncleo bsico e informador de todo o sistema jurdico-poltico; b) orientadora, que indica metas que fazem ilegtima qualquer disposio normativa que persiga fins distintos; c) crtica, que serve de critrio de valorao para a interpretao de atos de conduta. Ela crtica se os critrios de valor no funcionarem a contento ou demonstrarem sua incapacidade em continuar a ser o alicerce da teorizao jurdica do Estado. Ao problema constitucional da resistncia, abrem-se duas perspectivas. A primeira projeta para o Direito Constitucional a necessidade de abrir as suas reas de interesse sobre os fatos sociais determinantes do processo poltico em geral, sendo assim o direito de resistncia assume especial relevncia como um instrumento privilegiado na interlocuo com a realidade social. O Direito e as principais correntes que participam da sua construo atendem realidade poltica e social, sobretudo a teoria da Constituio. A segunda perspectiva abraa a idia de que as prticas verificveis da resistncia constituem um elo essencial para o tratamento do direito constitucional. Nesse sentido, h uma abertura constitucional para o direito de resistncia em que estariam inclusos tambm outros direitos, na forma do art. 5, 2, CF. Mas esse preceito informa a fonte material de outros direitos, alm do direito de resistncia, que o cidado pode invocar por razes decorrentes do regime poltico democrtico e dos princpios constitucionais. Caso haja violao do Estado Democrtico de Direito ou ofensa aos direitos fundamentais, surge em tela a resistncia, como argumento jurdico e poltico, na tentativa imperiosa do retorno ordem democrtica. O direito de resistncia, portanto, pressupe mais do que a simples admisso formal no texto constitucional, mas uma relao justa entre o comando normativo e as prticas constitucionais. A abertura constitucional possibilita a ampliao de novos direitos e, dessa forma, o direito de resistncia serve como mais uma garantia constitucional ao Estado de Direito. Os princpios fundamentais adotados pela Constituio (art. 5, 2, CF) fazem parte da conscincia jurdica, com recepo plena nos textos constitucionais. A Constituio, em sentido jurdico, precisa ser complementada pelos elementos poltico-jurdicos, no 12

organizados na Constituio formal pelos princpios implcitos. O fato de no constar no texto constitucional no quer dizer que um elemento esteja excludo da realidade jurdica. Nesse sentido, o direito de resistncia susceptvel de ser compreendido juridicamente, com apelo ordem constitucional, por fora das regras e princpios que informam toda a regulao jurdica do Estado. O problema do direito de resistncia enquadra-se, pois, nesse contexto geral da ordem constitucional que opera com um sistema de princpios extensivamente a todo o sistema jurdico. O direito de resistncia, quando no positivado, busca sua justificao em outros princpios j dispostos constitucionalmente ou, ento, pode-se interpretar que tambm no se encontra expressamente afastado do ordenamento constitucional (clusula de proibio). O direito de resistncia, como uma categoria implcita constitucional, corresponde, na ordem constitucional, a uma consagrao formal de princpios que permite avaliar a extenso desse direito. Dessa forma, num plano rigorosamente lgico, nenhum governo pode garantir todas as modalidades de exerccio do direito de resistncia, mas somente algumas, se os elementos poltico-jurdicos atinentes ordem constitucional forem combinados com os princpios inscritos na Constituio. certo que se o Estado garantisse todas as modalidades de resistncia, isso seria contraditrio sob o ponto de vista de sua prpria sobrevivncia, como no caso da revoluo, mas certamente algumas modalidades so garantidas as de menor intensidade poltica, como a objeo de conscincia. Tanto que alguns autores entendem que a consagrao da resistncia na ordem jurdica contraditria e perde consistncia, conforme afirma Nelson Nery Costa: jamais um governo admite que seja opressivo, no apoiando de modo algum a resistncia que se possa oferecer sua atitude. A teoria da resistncia uma categoria jurdica que faz parte dos direitos da cidadania, que perde contedo quando positivado5. Esse processo traz uma contradio, pois usado o expediente poltico de resistncia para assegurar a legalidade que, em outros momentos, pode ser exatamente a negao da ordem legal. Machado Pauprio nos adverte para esse problema observando que mesmo que a lei reconhea, jamais o chama5

COSTA, Nelson Nery. Teoria e realidade da desobedincia civil. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 21.

13

do direito de resistncia garantido pela fora coativa do governo. Assim, a faculdade de resistir opresso no pode apoiar-se na fora do governo.6 Em regra, todo direito necessita de prvia limitao, inclusive o direito de resistncia. Da mesma forma, a Constituio brasileira estabelece os seus limites, formais e materiais, seja no processo de reforma constitucional ou nos controles das aes polticas e judiciais. O limite imodificvel assenta-se no seu art. 60, 4, cuja clusula ptrea faz referncia legitimadora a toda constituio. Essas tcnicas de controle nada mais so do que limites com vistas a sua prpria garantia constitucional que induzem rigidez e supremacia constitucional. A garantia constitucional da imodificabilidade diz respeito aos princpios, no s modalidades concretas em que esto expressos.7 A licitude do direito de resistncia se manifesta dentro do aparelho de Estado, na preservao dos valores constitucionais inscritos na ordem democrtica, como no enfrentamento das aes criminosas tipificadas nos crimes de responsabilidade (art. 85, CF; Lei 1.079/50), como no desrespeito aos poderes estatais entre si, na improbidade administrativa e na ofensa aos direitos fundamentais, e tambm tipificados como crimes constitucionais (art. 5, XLIV), na ao de grupos armados contra a ordem democrtica. Apesar de o exerccio da resistncia revestir formas jurdicas, sempre se apresenta com um carter marcantemente poltico, j que no pode divorciar-se das finalidades do homem. Algumas equivocadas posies polticas acontecem com o direito de resistncia, como o de alguns grupos anarquistas que, em nome do indivduo, proclamam o mais ilimitado direito de resistncia como garantia contra injustias originrias do Estado, atribuindo a esse direito um valor supra-constitucional,8 fora dos padres do Estado de Direito. Outras posies polticas mais sensatas conciliam a necessidade do Estado com a liberdade dos cidados, limitando o direito de resistir atravs da distino entre injustias suportveis e insuportveis e reparveis e irreparveis, negando o direito de resistncia contra as primeiras (suportveis e reparveis) e admitindo-o em relao s segundas (insuportveis e irreparveis).
6 7

PAUPRIO, Arthur Machado. Direito poltico de resistncia. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 222. ZAGREBELSKI, Gustavo. Manuale di diritto costituzionale. Vol I. Torino: UTET, 1988 (reimpresso 1993), p. 103. 8 Vd. BACHOF, Otto. Normas constitucionais inconstitucionais? Traduo de J. da Costa. Lisboa: Almedina, 1994; CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1995, p. 284.

14

Nesse caso, os limites do Estado so alargados por fora das circunstncias, mas de qualquer forma cabe o direito de resistncia. No diferente a concluso de Hobbes, de que todos os direitos foram transferidos dos cidados para o soberano para possibilitar a convivncia comum; contudo, se aquele ameaa de morte os sditos, estes tm o direito de resistir, pois foram aviltados no seu primeiro direito, razo da existncia do Estado. No h inconveniente poltico e jurdico em se aceitar o direito de resistncia nos marcos constitucionais, desde que o estatuto jurdico da resistncia aponte os seus limites, que so os pressupostos ticos, jurdicos e polticos e, da mesma forma, os governos tambm tenham clara sua noo de limites fixados na Constituio. Desse modo, condicionados a determinados limites, evitam-se os abusos decorrentes da ao governamental, como os abusos da resistncia, que nunca podem ser piores do que os abusos da tirania, seno luta-se contra um mal para se cair em outro pior.

1.1. Conceito
Os conceitos de direito de resistncia so variados, tanto que um direito atpico, que escapa aos arqutipos conhecidos do ordenamento jurdico e que no h necessidade da outorga do Estado, pois um Direito que no consta da respectiva tipologia ou, de outra forma, um direito fundamental que no se encontra constitucionalmente registrado atravs da sua especificao.9 Esse direito de resistncia, ainda que atpico, pertence teoria constitucional e, assim sendo, no se pode desvalorizar o fenmeno da resistncia porque no se coaduna com os arqutipos jurdicos. Bobbio conceitua e nos adverte sobre sua complexidade jurdica. Juridicamente, o direito de resistncia um direito secundrio, do mesmo modo como so normas secundrias as que servem para proteger as normas primrias.10 O direito de resistncia, como direito secundrio, supe que seu exerccio est em favor do gozo de um direito primrio como a vida, a dignidade humana, a propriedade. Ele somente se justifica no caso do descumprimento de algum direito primrio, tanto que opera quase sem9 GOUVEIA, Jorge B. Os direitos fundamentais atpicos. Madrid: Aequitas Ed. Notcias, 1995, p. 40. 10 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Traduo de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro:

Campus, 1992, p. 95.

15

pre de forma sinnima a direito de defesa. Desta forma, os elementos balizadores do conceito operacional do direito de resistncia se estabelecem em duas variveis, uma poltica e outra jurdica, respectivamente: a) o direito de resistncia a capacidade de as pessoas ou os grupos sociais se recusarem a cumprir determinada obrigao jurdica, fundada em razes jurdicas, polticas ou morais; b) o direito de resistncia uma realidade constitucional em que so qualificados gestos que indicam enfrentamento, por ao ou omisso, do ato injusto das normas jurdicas, do governante, do regime poltico e tambm de terceiros. A estrutura conceitual usa o critrio poltico, de natureza genrica, e o jurdico, de natureza restrita, mas se, de forma restrita, o direito de resitncia fosse conceituado apenas numa perspectiva jurdica afastar-se-ia por completo sua dinmica poltica e vice-versa. Da mesma forma, no se pode reduzir a resistncia permanente reao da sociedade contra o Estado, pois ela pode apresentar-se com certa aproximao com o Estado, haja vista a modalidade de objeo de conscincia militar, ou o Estado contra rgo do Estado, como vimos recentemente no conflito federativo entre a Unio Federal e os governadores de estado. Essa construo conceitual do direito de resistncia necessita de uma aproximao com outros conceitos e institutos jurdicos extrados da prpria ordem constitucional. Os critrios polticos e jurdicos so constitucionais, mas tentar clarificar esses critrios implica a interrogao em que perspectiva analisada. No quer dizer que esses conceitos operacionais sejam absolutos e que no permitam suscitar dvidas, principalmente nas modalidades de resistncia em que no fica clara a sua admissibilidade constitucional (direito revoluo). A determinao material dos conceitos enfatiza critrios que possibilitam formular aspectos gerais (polticos) e especficos (jurdicos) que permitem aduzir que: a) ambas admitem a ampliao terica do fenmeno da resistncia, independentemente do ordenamento jurdico; b) os elementos conceituais se apresentam formalmente dependentes dos demais direitos e garantias constitucionais, pois no possuem autonomia especfica relativamente ao ordenamento jurdico; c) quando reconhecido o direito de resistncia, do ponto de vista material, significa um reforo das garantias fundamentais que no permitem a dissoluo da sociedade (John Locke); d) quan16

do a resistncia for institucionalizada sua efetividade fica reforada, assegurando, desse modo, no s sua substncia como tambm sua defesa contra modificaes ilegtimas que visem dissoluo do Estado, temor maior de Thomas Hobbes.

1.2. Classificao do direito de resistncia


H variadas concepes quanto classificao do direito de resistncia. A classificao que construmos est de acordo com sua unidade temtica, dentro dessa nova sistemtica conceitual. A matriz classificatria est assentada no gnero (direito de resistncia) e nas espcies: 1) objeo de conscincia; 2) greve poltica; 3) desobedincia civil; 4) direito revoluo; 5) princpio da autodeterminao dos povos. Essa classificao no exaustiva, pois muitas vezes os elementos de anlise habitam uma rea de difcil identificao entre gnero e espcie. 1.2.1. Objeo de conscincia A objeo de conscincia a recusa ao cumprimento dos deveres incompatveis com as convices morais, polticas e filosficas, numa pretenso de direito individual em dispensar-se da obrigao jurdica imposta pelo Estado a todos. A objeo de conscincia se caracteriza por um teor de conscincia razovel, de pouca publicidade e de nenhuma agitao, objetivando, no mximo, um tratamento alternativo ou alteraes na lei. O reconhecimento jurdico da objeo de conscincia se d pela via constitucional, regulamentado em parte por lei especial e, ainda, por deciso judicial. Assente como direito fundamental na Constituio de 1988, o instituto jurdico da objeo de conscincia se d em duas perspectivas: uma, como escusa genrica de conscincia (art. 5, VIII, CF) e outra, como escusa restritiva ao servio militar (art. 143, 1, CF). Pelo sistema constitucional, o preceito especial combina com o preceito genrico, no caso, a objeo de conscincia ao servio militar.

17

1.2.2. Greve poltica A greve o exerccio de um poder de fato dos trabalhadores com o fim de realizar uma absteno coletiva do trabalho subordinado.11 A greve no somente uma prova de fora no confronto, mas tambm um fator de identidade, um elemento que permite aos trabalhadores se reconhecerem como classe em oposio a uma outra (choque de classe). sempre uma ao coletiva, que exige um grau de organizao e de ao poltica e jurdica. Trata-se, portanto, de uma medida excepcional de resistncia, da mesma forma que as outras modalidades de resistncia lcita, como a legtima defesa, a defesa possessria e o estado de necessidade.12 A Constituio (art. 9, CF) autoriza os trabalhadores a decretarem greves trabalhistas, objetivando a melhoria das condies de trabalho, ou greves polticas, com a finalidade de conseguir mudanas junto esfera do poder poltico. Na tica da autodefesa, que conferida pela ordem jurdica, os trabalhadores, mediante ao direta, respondem a favor de seus interesses, salariais ou no e, pela greve, foram a modificao do contrato de trabalho.13 1.2.3. Desobedincia civil 14 A desobedincia civil deve ser entendida como um mecanismo indireto de participao da sociedade, j que no conta com suficientes canais participativos junto s esferas do Estado, que precisaria deles para poder presentear-se como ente poltico legtimo. O problema da desobedincia civil tem um contedo simblico que geralmente se orienta para a deslegitimao da autoridade pblica ou de uma lei, como a perturbao do funcionamento de uma instituio, a fim de atingir as pessoas situadas em seus centros de deciso.
11 MAZZONI, Giuliano. Relaes coletivas de trabalho. So Paulo: RT, 1972, p. 223. 12 Vd. VIANA, Mrcio Tlio. Direito de resistncia: possibilidades de autodefesa do empregado. 13 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito do Trabalho na Constituio de 1988. So Paulo: Sa14 Vd. THOREAU, Henry. Desobedecendo: a desobedincia civil e outros escritos. 2. ed. Traduo

So Paulo: LTR, 1996. raiva, 1889, p. 293.

de Jos Augusto Drumond. Rio de Janeiro: Rocco, 1986; WOLKMER, Antonio Carlos. Desobedincia civil nas sociedades democrticas. Revista Seqncia. Florianpolis: UFSC/CPGD, N 20, 1990, p. 20-39.

18

A desobedincia civil apresenta-se com as seguintes caractersticas marcantes: a) uma forma particularizada de resistncia e qualifica-se na ao pblica, simblica e tico-normativa; b) manifesta-se de forma coletiva e pela ao no-violenta; c) quer demonstrar a injustia da lei ou do ato governamental mediante aes de grupos de presso junto aos rgos de deciso do Estado; d) visa reforma jurdica e poltica do Estado, no sendo mais do que uma contribuio ao sistema poltico ou uma proposta para o aperfeioamento jurdico. Prope apenas a negao de uma parte da ordem jurdica, ao pedir a reforma ou a revogao de um ato oficial mediante aes de mobilizao pblica dos grupos de presso junto aos rgos de deciso do Estado. A desobedincia civil na perspectiva constitucional brasileira decorre da clusula constitucional aberta, que admite outros direitos e garantias, e dos princpios do regime adotado (art. 5, 2, CF) e liga-se especialmente aos princpios da proporcionalidade e da solidariedade, que permitem protestos contra atos que violem esses princpios da ordem poltica. Dessa forma, a desobedincia civil se classifica em duas perspectivas: direta e indireta. A desobedincia direta ocorre quando as leis do Estado so desafiadas abertamente, como ocorreu com as grandes campanhas pblicas de natureza ativa, coletiva e pacfica contra a discriminao racial nos Estados Unidos e na frica do Sul, motivadas, respectivamente, por Martin Luther King e Nelson Mandela, ou a campanha das Diretas J, no Brasil. A desobedincia indireta ocorre quando as estratgias do Estado so desafiadas atravs de ataques a leis isoladas, que podem permitir a seguinte varivel: legal, porm ilegtima. executada com o fim imediato de mostrar publicamente a injustia da lei e com o fim mediato de induzir o legislador a revog-la. Um exemplo evidente a ocupao do solo rural pelos sem-terra (MST), que constitui atos isolados que desafiam a lei de proteo propriedade privada e tem em mira chamar a ateno para o problema social da reforma agrria. 1.2.4. Autodeterminao dos povos O princpio poltico da autodeterminao dos povos assegura s naes a livre organizao poltica e a soberania, isto , o direito do povo esco19

lher a forma de governo e o governo de sua preferncia. Essa perspectiva abraa a liberdade dos povos em formar um novo Estado, mediante a luta pela soberania, por no mais querer estar submetido soberania de outro Estado contra sua vontade. Os primeiros enunciados da autodeterminao foram feitos nas revolues francesa e norte-americana, sendo, muitas vezes, confundidos com o direito de resistncia, como o caso da Declarao de Independncia dos Estados Unidos da Amrica. A Constituio brasileira descreve a autodeterminao dos povos como princpio poltico de direito internacional (art. 4, III, CF). 1.2.5. Direito revoluo15 O povo tem o direito revoluo para esmagar as tiranias que espezinham suas liberdades, nem que ela seja exercida com extrema violncia. Negar-lhe esse direito seria desconhecer o direito dignidade humana. O povo defende pela fora seus direitos fundamentais agredidos, pois se encontra na condio-limite de sobrevivncia poltica. No se fabricam revolues, pois um processo histrico prprio em movimento, no qual os pressupostos emocionais e de racionalidade se prendem uns aos outros, sendo o presente compreendido luz do passado e do futuro. A idia da revoluo de origem liberal torna-se com o tempo uma bandeira socialista, e at hoje pujante. Os liberais desenvolveram teorias de que os mecanismos institucionais jurdicos do Estado eram suficientes para fazer frente a qualquer situao de anomalia poltica. Com a experincia histrica, joga-se por terra a crena ilusria, de natureza liberal, de que o sistema jurdico era auto-suficiente. J os socialistas, sem falar nos anarquistas, desenvolveram a crena no desaparecimento do Estado, e sem o Estado no h direito de resistncia. Na teoria da revoluo comunista, graas ao advento das obras de Marx e Engels os socialistas, indicam que a superao do estado de natureza hobbesiano torna-se a necessidade de no instituir o Estado (sociedade poltica), mas sim destru-lo. O Manifesto
15 Vd. MARINHO, Josaphat. Direito de revoluo. Salvador: Tipografia da Bahia, 1953; VILANOVA,

Lourival. Teoria jurdica da revoluo. In: As tendncia atuais do direito pblico. (Estudo em Homenagem ao Prof. Afonso Arinos de Melo Franco). Rio de Janeiro: Forense, 1976.

20

fornece uma doutrina pela qual a histria poderia sofrer transformao social pela ao poltica e, para isso, conclama os proletrios do mundo a se unirem num ataque ao Estado capitalista.

2. O direito de resistncia na Constituio


O problema do direito de resistncia, no sistema constitucional brasileiro, est colocado em dois aspectos: um, suscitado pela referncia explcita e outro, pela implcita. De um lado, o reconhecimento do direito de resistncia operou-se pela via explcita em apenas algumas espcies: objeo de conscincia (art. 5, VIII c/c art. 143, 1, CF); greve poltica (art. 9, CF); princpio da autodeterminao dos povos (art. 4, III, CF). De outro lado, a construo constitucional elucida, de forma implcita, a materialidade da resistncia. A materialidade se combina com os elementos constitucionais formais, como: os princpios da dignidade da pessoa humana e do pluralismo poltico, erguidos como fundamentos do Estado Democrtico (art. 1, III, V, CF); a abertura e a integrao para dentro do ordenamento constitucional de outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princpios por ela adotados (art. 5, 2, CF). Nesse sentido, h uma abertura constitucional para o direito de resistncia em que estariam inclusos tambm outros direitos, na forma do art. 5, 2, CF. A abertura constitucional possibilita a ampliao de novos direitos16, e dessa forma o direito de resistncia serve como mais uma garantia constitucional ao Estado de Direito. Os princpios fundamentais adotados pela Constituio (art. 5, 2, CF) fazem parte da conscincia jurdica, com recepo plena nos textos constitucionais. A Constituio, em sentido jurdico, precisa ser complementada pelos elementos poltico-jurdicos no-organizados na Constituio formal pelos princpios implcitos. O fato de no constar no texto constitucional no quer dizer que um elemento esteja excludo da realidade jurdica. O problema constitucional do direito de resistncia est na garantia da autodefesa da sociedade, na garantia dos direitos fundamentais e no
16 OLIVEIRA JUNIOR, Jos Alcebades de. Teoria jurdica e novos direitos. Rio de Janeiro: Lumens

Juris, 2000, pg. 86.

21

controle dos atos pblicos, bem como na manuteno do pacto constitucional por parte do governante. Os elementos fundamentais que indicam a presena do direito de resistncia no Direito Constitucional se referem necessariamente aos valores da dignidade humana e ao regime democrtico. Os valores constitucionais compem um contexto axiolgico para a interpretao de todo o ordenamento jurdico, para orientar a hermenutica constitucional e o critrio de medir a legitimidade das diversas manifestaes do sistema de legalidade.17 Esses valores constitucionais possuem uma tripla dimenso: a) fundamentadora, que constitui o ncleo informador de todo o sistema jurdico-poltico; b) orientadora, que indica metas que fazem ilegtima qualquer disposio normativa que persiga fins distintos; c) crtica, que serve de critrio de valorao para a interpretao de atos de conduta.

2.1. Resistncia explcita


O texto constitucional brasileiro assegura material e formalmente a resistncia. A resistncia constitucional apresenta-se sob o aspecto formal (direitos polticos e civis consignados na Constituio) e sob o aspecto material (os direitos materialmente constitucionais, como os princpios implcitos). A resistncia constitucional apresenta-se em duas condies: uma, reconhecendo a resistncia como fato emprico, o que desse modo protege os fatos sociais, como os movimentos sociais organizados que praticam a desobedincia civil, que est inclusa no art. 5, 2, CF; a outra, submetendo-o efetividade normativa das espcies constitucionais, como a objeo de conscincia (art. 5, VIII c/c art. 143, 1, CF), a greve poltica (art. 9, CF) e o princpio da autodeterminao dos povos (art. 4, III, CF) como fator integrador da ordem poltico-jurdica. Essas espcies de resistncia que se expressam positivamente no inibem outras possibilidades de resistncias, no que diz respeito matria de ordem constitucional.

17 PREZ LUO, Antonio Enrique. Derechos humanos, Estado de derecho y Constitucion. 4. ed.

Madrid: Tecnos, 1988, p. 288-289.

22

2.2. Resistncia implcita


A essncia da resistncia implcita est na materialidade dos princpios do regime democrtico e combina com os elementos constitucionais formais, como os princpios da dignidade da pessoa humana e do pluralismo poltico, erguidos como fundamentos do Estado Democrtico (art. 1, III, V, CF) e com a abertura e a integrao do ordenamento constitucional de outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princpios por ela adotados e tratados (art. 5, 2, CF); e, por fim, pela constitucionalizao das espcies de direito de resistncia (greve e a objeo de conscincia). Dessa forma, a resistncia implcita se sustenta pela exegese do art. 5, 2, que traz colao os direitos fundamentais, entre eles os individuais, que, segundo Jos Afonso da Silva, combinam trs grupos: 1) direitos individuais expressos, aqueles explicitamente enunciados no art. 5, 2, CF; 2) direitos individuais implcitos, aqueles que esto subentendidos nas regras de garantias, como o direito identidade pessoal, certos desdobramentos do direito vida, o direito atuao geral (art. 5, II); 3) direitos individuais decorrentes do regime e de tratados internacionais subscritos pelo Brasil, aqueles que no so nem explcita nem implicitamente adotados, como o direito de resistncia, entre outros de difcil caracterizao a priori.18

2.3. Resistncia lcita e ilcita


O direito de resistncia quase sempre um direito constitucional, mas transcende-o, em alguns casos, para tornar-se direito cvel e penal. A licitude ou a ilicitude do direito de resistncia depende de como essa se apresenta para o ordenamento jurdico infraconstitucional na lei civil e na lei penal, respectivamente, no Cdigo Civil Brasileiro (Lei no 3.071/16) e no Cdigo Penal Brasileiro (Decreto-Lei no 2.848/40). A resistncia se apresenta no ordenamento jurdico como lcita ou ilcita, dependendo de como se v o fenmeno da resistncia.

18 SILVA, Jos Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. So Paulo: Revista dos Tribu-

nais, 1989, p. 174.

23

Assim, nem todos os atos do governo autorizam a resistncia; contudo, quando a tirania se torna intolervel a resistncia torna-se legtima, e quase um dever. Nessa hiptese, equipara-se a resistncia legtima defesa que, se em direito penal ilide a responsabilidade do homicida, em direito constitucional justifica a resistncia em nome da ordem constitucional e democrtica. A resistncia lcita assenta-se na legtima defesa civil ou penal (art. 25, CPB e art. 160, CCB) e no estado de necessidade (art. 24, CPB; art. 160,II, CCB). A licitude da resistncia est assegurada dentro de certos limites e segundo certas regras que pressupem uma agresso injusta, caracterizando uma reao dirigida contra o agressor. Assim, a resistncia lcita tem o sentido de: a) ato ou efeito de resistir; b) qualidade de resistente; c) defesa em favor de direitos e contra-ataque; d) defesa contra constrangimento ou ordem ilegal ou injusta. A resistncia ilcita assenta-se em tipos penais, que so: os crimes constitucionais (art. 5, XLIV, CF), o crime de resistncia (art. 329, CPB) e o crime de desobedincia (art. 330, CPB). A defesa do direito de resistncia em nenhuma hiptese pode ser interpretada como escudo de proteo de atividades ilcitas, nem como argumento para afastamento da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos. Os crimes constitucionais foram criados na Constituio de 1988, verbis art. 5, XLIV constitui crime inafianvel e imprescritvel a ao de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrtico. Dessa forma, o direito de resistncia, dentro dos marcos constitucionais, estabelece os limites da ao poltica, que deve estar em conformidade com os princpios democrticos, constituindo crime apenas a ao armada contra a ordem constitucional. A Constituio estabelece as restries para configurar o crime constitucional: a) sujeito ativo: ao armada de grupos civis ou militares; b) objeto: contra a ordem constitucional e o Estado democrtico; c) sujeito passivo: o Estado democrtico.

24

3. Modo de exerccio do direito de resistncia


A resistncia no s uma categoria jurdica que engloba os atos de transgresso jurdica, mas pode-se apresentar como instrumento de defesa da ordem democrtica e constitucional. As manifestaes possveis de exerccio da resistncia so sempre polticas ou jurdicas. A problemtica dos direitos de tutela jurisdicional e de acesso justia se apresenta em dimenses de constante complexidade. A resistncia sempre que possvel pode e deve requerer a proteo judiciria, sem prejuzo de outras construes jurdicas que informam a justificao menos jurdica e mais poltica. Obviamente, existem modalidades de resistncia que no cabem nas formas jurdicas e na respectiva formalizao. As modalidades de resistncia que possuem alta intensidade poltica, como o direito de revoluo, obviamente passam longe das formas jurdicas, visto que pretendem negar ou quebrar a ordem jurdica. A resistncia de menor intensidade poltica, como a objeo de conscincia, formalizada em peties que acrescem a possibilidade da soluo da demanda. Como se garante juridicamente a resistncia implcita? Essas garantias constitucionais visam sanar e corrigir inconstitucionalidades ou ilegalidades e abusos de poder. O remdio mais demandado o direito de petio ou representao ao poder pblico para a defesa de direitos ou contra ilegalidades ou abusos de poder (art. 5, XXXIV, CF). Desta forma, cabe ao cidado invocar o poder pblico sobre uma questo ou situao, como a petio autoridade competente para instaurar inqurito administrativo contra funcionrio que cometeu irregularidade ou abuso de autoridade. Essa petio no prejudica o imprescindvel habeas corpus, caso algum sofra ou se ache ameaado de violncia ou coao em sua liberdade de locomoo, por ilegalidade ou abuso de poder (art. 5, LXVIII, CF). Junto a esses direitos est o mandado de segurana para proteger direito lquido e certo, quando o responsvel pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pblica ou agente de pessoa jurdica no exerccio de atribuies do Poder Pblico (art. 5, LXIX, CF; Lei no 1.533/51). Tais aes que instrumentalizam o direito de resistncia necessitam de fundamentao jurdica para que se criem, modifiquem ou extingam os atos jurdicos ou po-

25

lticos, medidas governamentais e atitudes de determinados indivduos em conformidade com o Estado de Direito. No caso das modalidades de resistncia, como a greve poltica, objeo de conscincia, desobedincia civil, recomenda-se a formalizao do protesto em petio ao poder pblico para as devidas providncias, como o pedido de interrupo da via pblica para a realizao de uma assemblia ou uma passeata. Agindo assim, legitima-se o instituto da resistncia, pois combina interesses dos resistentes com o direito de terceiros, que, em obra, nada tm a ver com os propsitos do movimento demandado. Seguese aps a distribuio da petio administrativa, no caso de indeferimento ou do retardamento por mais de trinta dias do pedido de objeo de conscincia a via judiciria (art. 282, CPC) do mandado de segurana individual.

Consideraes finais
A Constituio, cujos procedimentos tm por objetivo assegurar o exerccio do poder social e poltico, deve fazer certas previses sobre o dissenso, ao prescrever o direito de resistncia no texto constitucional. preciso que o direito de resistncia no esteja apenas no mundo dos fatos ou da dependncia da hermenutica jurdica, mas previsto e garantido na Constituio, alm de construir uma unidade terica do fenmeno da resistncia, independentemente das espcies e da extenso que tomarem assento constitucional. Desta forma, defendemos a incluso do direito de resistncia por meio de emenda constitucional para decidir os conflitos dentro do sistema jurdico (judicializao do poltico) para melhorar o desenvolvimento da soluo dos conflitos polticos, principalmente, por: tornar um recurso educativo de cidadania que faa lembrar de forma permanente ao governante esse fatdico direito, quando o Estado se colocar contra a sociedade; dar mais solidez, extenso ou efetividade no apenas soluo demandada pelas foras sociais e polticas, mas tambm maior rigidez formal e jurdica e clarear a diferena entre um ato poltico de resistncia e um ato penal de resistncia, como tambm entre resistncia legtima e resistncia ilegtima. O direito de resistncia, por fim somente se justifica no caso de descumprimento de algum direito primrio, tanto que opera quase sempre 26

de forma similar a direito de defesa, pois aquele que resiste a uma ordem injusta defende-se. tambm um direito para se ter direito, isto , um direito secundrio que supe que seu exerccio est em favor do gozo de um direito primrio, como a vida, a justia, a dignidade humana, a propriedade.

Referncias bibliogrficas
BACHOF, Otto. Normas constitucionais inconstitucionais? Traduo de J. da Costa. Lisboa: Almedina, 1994 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Traduo de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992. _______. BOVERO, Michelangelo (org). Teoria geral da poltica: a filosofia poltica e as lies dos clssicos. Traduo de D. Versiani. Rio de Janeiro: Campus, 2000. CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1995. COSTA, Nelson Nery. Teoria e realidade da desobedincia civil. Rio de Janeiro: Forense, 1990. EHRHARDT SOARES, R. Direito pblico e sociedade tcnica. Lisboa: Ed. Lisboa, 1969. GOUVEIA, Jorge Bacelar. Os direitos fundamentais atpicos. Lisboa: Aequitas Editorial Notcias, 1995. MARINHO, Josaphat. Direito de revoluo. Salvador: Tipografia da Bahia, 1953. MAZZONI, Giuliano. Relaes coletivas de trabalho. So Paulo: RT, 1972. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito do Trabalho na Constituio de 1988. So Paulo: Saraiva, 1889. NOVOA, Eduardo. O direito como obstculo transformao social. Porto Alegre: S. A. Fabris, 1988. OLIVEIRA JNIOR, Jos Alcebades de. Teoria jurdica e novos direitos. Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2000. PAUPRIO, Arthur Machado. Direito poltico de resistncia. Rio de Janeiro: Forense, 1978.

27

PREZ LUO, Antonio Enrique. Derechos humanos, Estado de derecho y Constitucion. 4. ed. Madrid: Tecnos, 1988. SILVA, Jos Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1989. THOREAU, Henry. Desobedecendo: a desobedincia civil e outros escritos. 2. ed. Traduo de Jos Augusto Drumond. Rio de Janeiro: Rocco, 1986. WOLKMER, Antonio Carlos. Desobedincia civil nas sociedades democrticas. Revista Seqncia. Florianpolis: UFSC/CPGD, N 20, 1990, p. 20-39. VIANA, Mrcio Tlio. Direito de resistncia: possibilidades de autodefesa do empregado. So Paulo: LTR, 1996. VILANOVA, Lourival. Teoria jurdica da revoluo. In: As tendncia atuais do direito pblico. (Estudo em Homenagem ao Prof. Afonso Arinos de Melo Franco). Rio de Janeiro: Forense, 1976. ZAGREBELSKI, Gustavo. Manuale di diritto costituzionale. V. I. Torino: UTET, 1988 (reimpresso 1993).

28

Você também pode gostar