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Robert Southey Historia Do Brasil 1

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HISTORIA

BRAZIL

NOTA BENE As notas do Sr conego doutor J. G. Fernandes Pinheiro vo assignadas com as iniciaes do seu appellido F. P.

TARIZ.

I T P . DE M.UO AON E S O C , RUA D'ERrURTn,

1.

HISTORIA

DO BRAZIL
TRADUZIDA DO INGLEZ

R O B E R T O SOTHEY DMUIZ JOAQUIM DE OLIVEIRA E CASTRO


E ANNOTADA
PELO

CONEGO D r J . C. FERNANDES PINHEIRO

TOMO PRIMEIRO

RIO DE JANEIRO
LIVRARIA DE B. L. GARNIER
RUA DO OUVIDOR, 69

1Z, GARNIER IRMOS, EDITORES, RUA DES SA1NTS-PRES, 6

1862
Todos direos de propriedade reservados.

AO LEITOR

So os prlogos quasi sempre mentirosos, nem un prlogo que quero fazer mas uma simples advertncia. 0 trabalho que ora verto para o idioma nacional passa por ser a melhor historia do Brazil: mas no disputo preferencias, fale ella por si mesma. Em todo o caso um escripto importante para a historia ptria, e como tal mui digno certamente de ser trasladado para a nossa lingua. No receio pois haver commettido empreza ingrata. Na traduco a nica liberdade que me peimilti, foi a de resumir e at supprimir algumas notas, que me parecero menos importantes, ou especialmente calculadas para o leitor inglez.

AO LEITOR.

xWais uma observao, e terei concludo. Quem encontrar alguma couza que lhe offenda o sentimento religioso, far bem lembrando-se que o livro foi escripto por um protestante. No so doutrinas nem principios perigosos, so meras reflexes incidentes que faz o auctor. Como no obra destinada para crianas julguei intil por este respeito alterar o texto : que vai illustrado com algumas notas, devidas a um estudioso da nossa historia, rectificando alguns equvocos, ou omisses do auctor.
TRADUCTOR.

PREFACIO DO AUCTOR

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Comprehende esta obra alguma eouza mais do que o seu titulo promette. Relata a fundao e progresso das provncias hespanholas adjacentes, cujos negcios veremos nos ltimos tempos inseparavelmente entrelaados com os do Brazil. Pode pois considerar-se o assumpto como abrangendo todo o territrio entre o Prata e a Amazonas, e extendendose para o occidente at onde os Portuguezes levaro a sua colonizao ou conquista. A nica historia geral do Brazil que existe a America Portugueza de Sebastio da Rocha Pitla, obra magra e mal alinhavada, que so na falta de outra tem podido passar por valiosa- Da

PREFACIO DO AUCTOR.

guerra holandeza temos muitas narraes minuciosas e bem escriptas. Dados mais remotos cumpre ir colhel-os a livros, onde se acho mais semeados ao acaso do que deliberamente consignados. Para o perodo subsequente mais escassas se torno ainda as auctoridades; e pelo que toca maior parte do ultimo sculo, falecem quasi absolutamente documentos impressos. Umacolleco de manuscriptos, no menos copiosa do que interessante, e tal como na Inglaterra se no acharia outra, permitte-me supprir esta lacuna na historia. A colleco a que me refiro foi formada por meu tio e amigo, o reverendo Herbert Hill, durante uma residncia de mais de trinta annos em Portugal. Sem o auxilio que d^elle tive, v teria sido a empreza, e impossvel leval-a ao cabo.

HISTORIA DO BRAZIL

A historia do Brazil, menos bella do que a cia me ptria, menos brilhante do que a dos Portuguezes na sia, a nenhuma d'ells inferior quanto a importncia. Differem dos de oulras historias os seus materiaes; aqui no temos enredos de tortuosa poltica que desemmaranhar, -nem mysterios de iniqidade administrativa que elucidar, nem revolues que commemorar, nem de celebrar victorias, cuja fama viva ainda enlre ns muito depois de ja se lhesnosentirem os effcitos. Descoberto por acaso, e ao acaso abandonado por muito tempo, tem sido com a industria individual e commellimenlos particulares, que tem crescido este imprio, to vasto como ja , e to poderoso como um dia vir a ser. Percorrendo os seus annaes, mais freqentes

C,

HISTORIA DO B R A Z I L .

nos agitaro a indignao e a clera, do que esses sentimentos elevados, que o historiador prefere excitar. Tenho de falar de selvagens to deshumanos, que pouca sympathia nos podem inspirar os soffrimentos por que tivero de passar, e de colonos
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cujos triumphos pouca alegria nos podem causar, por que no menos cruis ero elles do que os ndios que guerreavo, e to avarcntos como barbaros, perpetrava o maior dos crimes pelo mais vi' dos motivos. Nem os poucos caracteres mais nobres que apparecem, alcanaro renome, que fosse alem dos limites da sua prpria religio, e do seu idioma. Com Tudo no deixa isto de ter suas vantagens: pois do ignbil guerrear e das emprezas d'estes homens obscuros, surgiro conseqncias mais amplas, c-provavelmente mais duradouras, do que as produzidas pelas conquistas de Alexandre ou Carlos Magno. A serie pois das suas aventuras; a descoberta de extensas regies; os hbitos e supersties de tribus no civilizadas; os esforos de missionrios, em quem a mais fria poltica dirigia zelo mais fantico; .o crescimento e a queda do extraordinrio domnio que elles estabelecero; e o progresso do Brazil desde os seus mesquinhos princpios at importncia que actualmente atlinge, tudo isto so tpicos de no vulgar interesse.

HISTORIA DO BRAZIL.

CAPITULO PRIMEIRO
Vicente Yanez Pinzon descobre a costa do Brazil c o rio Maranho. Viagem de Cabra). D-se ao paiz o nome de Sancta Cruz. Amrico Vespucio vae reconhecer a costa. Sua segunda viagem. Primeiro estabelecimento por lle fecondado. Toma o paiz o nome do Brazil.

A primeira pessoa que descobriu a costa do im: 1 V i Brazil, foi Vicente Yanez Pinzon , que acompanhara pfn.<l8 Colombo na sua primeira viagem, como comniandante e capito da Nina*: Sele annos depois obtivero eile e seu sobrinho rias, a commisso de irem descoberta de novos paizes. Ero os Pinzones homens abastados, cujas riquezas ainda havio engrossado com a viagem anterior; apparelhro sua custa quatro caravelas, e fazendo-se de velado porto de Paios em dezembro de 1499, ganharo Cabo Verde, d'onde governaro para sudoeste, sendo os primeiros hespanhoes que passaro a linha, e perOs Pinzones ro naturaes de Paios e excellentcs marinheiros. Herrera, I, 1, 10. 2 No cale a Pinzon esta gloria, e sim a Alonso d'Hojeda;, que em lins de juno de 1499, acompanhado d'Amerigo Vcspucci, e do piloto byscainho Juan.de Ia Cosa, descobriu uma terra alagada aos cinco iiros ao sul da linha equinocial, quejulga-se estar na embocadura do rio dos Pivanhas, ou d'Apody. F. V.

HISTORIA DO BRAZIL.

dro de vista a estrella do norte. Tendo soffrido calores insupportaveis e tormentas, que sua merc os impellio, avistaro terra a 26 de janeiro de 4500, em lat. 8 1/2 S., a que Vicente poz o nome de Cabo da Consolao... mas que hoje se chama de Saneio Agostinho. Desembarcando, gravaro os nomes dos navios,*e a data de anno e dia nas arvores e rochedos, e assim tomaro posse do paiz para a coroa de CasteJIa. N'aquelle dia nenhum indgena foi visto, mas na praia se descobriro pegadas. Tendo-se avistado durante a noule muitos fogos, sahiro de manh na mesma direco quarenta homens bem armados, para tractar com ogentio. Ao seu encontro se adeantro outros tantos indgenas, pouco mais ou menos, armados de arcos e lanas; fazer-lhes gestos amigveis, mostrar-lhes guizos, contas e espelhos, tudo foi em vo, s selvagens parecio resolvidos a repllir estes extrangeiros, e os Hespanhoes deixro-se intimidar ao seu aspecto. Antolhro-se-lhes elles mais altos do que os mais agigantados germanos, e sem se darem tempo de examinar mais de perto a estatura da gente do paiz, traclro de ganhar outra vez os botes. No dia seguinte no havia" ver indgenas : desembarcaro os Hespanhoes e convencerose d que ao seu medo havia sobrado fundamento, achando ou imaginando achar uma pegada de gigante, duas vezes mais comprida do que a teria

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deixado impressa o p d'um homem regular. Suppozero este povo uma tribu nmada, como os Scythas. D'aqui foro costeando no rumo do norte, at que chegaro a foz d'um rio mui grande; no havendo gua bastanle para os navios entrarem, mandaro a terra quatro oscalercs. N'um oulciro perlo da praia estava reunida uma partida de naturacs, e um dos hespanhoes, que estava bem armado, avanou para elles. Viero-lhe estes ao encontro suspeitando e ao mesmo tempo medilando maldade. O hespanhol fez quantos signaes de amizade pde imaginar, e atirou-lhes- uma campainha, em paga da qual arremessaro elles o que quer que fosse-, que similhava um pedao de ouro'; abaixou-se elle a apanhal-o, vislo o que, correro os selvagens, para aprizionar o branco. No era isto porem to fcil como a elles se figurara; apezar de nem ser alto, nem robusto, defendeu-se elle valorosamente com espada e escudo, at que os companheiros, voando a soccorrel-o, lograro salval-o, posto que com grande perda. Com suas lethaes frechas mataro os ndios oito, feriro muitos mais, e perseguiro-nos
' .Una barra de dos palmos doradi, diz Uerrera e outrotanto narra Gomara. No era possvel empregar melhor isca, mas no consta mie os indgenas do Brazil fizessem uso de ourn, nem d'elle tivessem conhecimento; menos provvel ainda c que a arte ic dourar Ihrs fosse-familiar.

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aos botes. No contentes com isto, attacro as embarcaes. Foi ento, que, achando-se nus, provaro o corte das espadas europeas. Mas nada os intimidava; aliravo-se como feras, desprezando as feridas, arrostando a morte; arremessro-se a nado atras dos boteis, depois d'estes haverem largado, e galhardamente tomaro um, matando-lhe o com- " mandante, e lanando fora a tripolao. Dos Hespanhoes mal ficaria um que no recebesse alguma ferida, e se as seitas tivessem sido hervadas, nenhum talvez houvesse conservado a existncia. dottanno Continuando a navegar ao correr da costa depois d'esle mao encontro, chegaro ao que chamaro um mar de gua doce, e alli enchero as pipas. Explicaro elles o phenomeno, suppondo que a impetuosa corrente de muilas guas, descendo das montes, adoava b Oceano; achavo-se ento, como depois descobriro, na foz do grande rio depois dicto Maranho1, Amazonas e Orelhana. Aqui encontraro
A origem do nome Maranho tem sido objecto de discusso. O P. Manoel Rodriguez suppoz que vinha das muitas maranhas ou embustes alli praclicadas por um celebre Lopo de Aguiar. Mais tarde foi el'e buscar a ctymologia s palavras mnra (amarga) e no, como quem dissesse que as guas d'aquelle mar no so amargas. 0 nome encontra-se na narrao mais antiga das viagens de Pinzon, e era pro vavelmente o de algum que fazia prtu da expedio, talvez do primeiro que provou aquellas guas, ou descobriu que ero d'um rio. * Vieira considera a palavra corno augmenlativo de mar. Por isso, diz eUe, os naturaes lhe chamo Par, e os Portuguezes Maranho, que tudo qmr dizer mar e mir grande (Sermes, t. III, \>. 409).
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1500.

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II

muitas ilhas, afortunadas e frteis, cujos habitantes 1.5 os recebero hospitaleiros e confiados, o que Pinzon retribuiu vilmenle, apoderando-se, por no achar outra mercadoria, de trinta d'estes homens inoffinsivos e levando-os d'onde os achara livres para vendel-os onde fossem escravos. Uma vez viro-se os seus navios no mesmo perigo que correra Colombo nas Cocas do Drago. A vinte legoas da confluncia do rio Meary, o conflicto da sua velocssima torrente com as guas, que sobem do* mar, oceasiona um estrondo, que se pode ouvir de mui grande distancia. E isto que os naturaes chamo pororoca. Quando ella afrouxa, precipita-se a mar ' para dentro, restituindo em menos de quinze minutos Ioda' a massa de gua que a vasante havia levado em cerca de nove horas; pelo espao de outras trs continua 0 fluxo com quasi inconcebvel rapidez. Apezar de impetuosa como a corrente, ha logaes do rio que ella no alcana: chamo-nos os Porluguezas esperas. Alli se acolhem as canoas que navego o Meary, esperando que passe o macareo, e raras vezes correm risco. No Araguari se p|^eadof observa o mesmo phenomeno com mais intensidade 1 ' s30 '^ 1, ainda. Devia ser perto da embocadura de algum d'estes rios que Pinzon se viu quasi perdido. Escapando com tudo d'alli, tornou a passar a linha, e continuando a derrota at chegaro Orinoco, fez-se na volta das ilhas, e navegou para casa, perdendo

1500.

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M"Una

HISTORIA DO BRAZIL. n a viagem dous dos seus trs navios. O rio da Guiana conserva ainda o seu nome ', e o curso que elle seguiu para chegar ao Cabo de Sancto Agostinho, chamou-se por meio sculo derrola de Pinzon, Convencera-se este navegante de que a terra por elle visitada no era uma ilha; suppunha porem que fosse a ndia alem do Ganges, e que elle tivesse velejado alem da grande cidade de Cathay. Interrogados estes viajantes sobre se linho visto o polo do sul, respondio que no havio avistado eslrella como a do norte, que o indicasse, mas sim outras consteilaes, e que uma nevoa, que crescia da linha do horizonte, lhes eslorvava muito a visla. Era opinio sua que no meio da terra havia uma grande elevao, antes de transporia a qual, no se poderia ver o polo do sul. Levaro para a palria amostras de canella e gengibre, no de boa qualidade, verdade, mas explicava-se isto com a cireumstancia de haverem estes produclos sido colhidos antes de inteiramente sazonados com a calor do sol; canafistpla, ainda no madura, mas considerada no inferior que se applicava contra a febre intermittente; gomma anima, que era ento reputada pre1 Lat. I o 50' N. o Oi.ipoc dos Francezes, mas deveria conservarse lhe o nome de Pinzon. Foi este o limite primordial entre Hespanhoes e Porluguezes; c Carlos V mandou levantar um marco alli ao lado. Depois do estabelecimento dos Francezes na Guiana so por tradio continuou este marco a ser conhecido; mas em 1729 descobriu-c um oficial de guarnio do Par. Derredo, I, 15. 14.

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cioso remdio contra constipaes e dores de cabea; 150 pedras, que se julgava serem topazios, sandalo, e um grande carregamento de pan brazil. Um sarigue apanhado vivo, com a sua cria, havia morrido a bordo, mas o corpo, que chegou bem conservado, ' D ^ L T causou a admirao de quantos o viro, sendo remet- U^SIL"
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tido para Sevilha, e d alli para Granada, onde o moslrro ao rei e rainha. "f '.".V' A costa descoberta por Pinzon ficava dentro dos limites portuguezes de demarcao, e antes que elle chegasse de volta Europa, ja d'ella havia tomado posse a nao a quem cabia em partilha. Mal havia Vasco da Gama voltado da sua viagem j/j?^ 1 , de descoberta ndia, quando aprestou logo el-rei D. Manoel segunda e muito mais poderosa frota, cujo commando confiou a Pedro Alvares Cabral. Fixou-se para a partida o dia de domingo 8 de maro. N'aquella manh celebrou-se missa no Rastelo, ha capeHa erecta pelo infante D. Henrique, dedicada a N.-S. de Belm, e doada a alguns frades do convento i:arros, de Thomar, que alli devio administrar aos navegantes os sacramentos da Egreja, especialmente em occasies como esta. Assistiu ao sancto sacrifcio o prprio rei, que, para honrar o chefe da expedio, o fez sentar comsigo debaixo do docel. Pregou o bispo de Ceuta um sermo, cujo thema principal foi o elogio de Cabral, por haver aceitado to grande e to pezado encargo. Concluindo, tomou o

Gomara,Hist. de a3 nd J, 8!; " a

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HISTORIA DO BHAZIL.

estandarte de sobre o altar, onde o havio collocado 4 durante o servio divino, e, benzendo-o, o entregou ao rei, que com as prprias mos o passou a Cabral, em cuja cabea poz um barrete, benzido pelo papa. Desfraldada a bandeira, seguiro todos para a praia em procisso, com cruzes aladas e relquia*. Cobriu-se o Tejo de embarcaes midas, que levavo uns para as naus, e trazio outros, ou sejunctavilo para vel-as: Assim, diz Barros, que foi segundo Iodas as probabilidades leslimunha ocular da scena, se vio todos com suas libres e bandeiras de cores diversas, que no parecia mar, mas um campo de flores, com a frol d'aquella mancebia juvenil que embarcava. E.o que mais levantava o espirito d'estas couzas, ero as trombetas, atabaques, sestros,'tambores, fraulas, pandeiros, e at gaitas, cuja ventura foi 'andar em os campos no apascentar dos gados, n'aquelle dia tomaro posse de ir sobre as guas salgadas do mar n'esta e outras armadas, que depois a seguiro, porque para viagem de lanlo tempo, tudo os homens buscavo para tirar a [trisleza do mar. D. Manoel acompanhou Cabral at beira
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i a-taithotla. j i.asianncua.

L.i, c. s. do no, e alli deu a beno do ceo e a sua prpria aos !.*" offieiaes, que em seguida lhe beijaro a mo, e embarcaro ao estampido d'uma salva real de toda a frota. 0 prprio Vasco da Gama no tivera mais solemne despedida; e couza extraordinria foi que esta segunda expedio desse casualmente a Portugal um

HISTORIA D O BRAZIL. . I.' imprio mais vasto e importante do que elle deveu 500 primeira. No pde a frota sahir o Tejo Vaquelle dia, por cabMiian. cado sobre a

achar ventos ponteiros, mas no seguinte fez-se de cj,a*j|<l0 vela. Navegou no rumo de Cabo Verde, onde fez aguada, e depois para fugir s calmarias que Dias e Gama havio encontrado, fez-se ao sudoeste na esperana de dobrar assim mais facilmente o Cabo da Boa Esperana. O continuo mao tempo porem a atirou ainda mais para o oeste. A 24 de abril, quando segundo os clculos dos pilotos, se devia estar a cerca de 660 legoas da ilha de.S. Nicolao, viu-se o Oceano alastrado de hervas marinhas; no dia seguinte apparecro algumas gaivotas, e de tarde avistou-se terra, n'uma quarta feira'. Era 23 <i-ai>r. i e
^ l(M).

Um monte elevado de frma redonda, que se encostava do lado do sul a uma serra menos alta, e ao sop se lhe exlendia uma praia baixa coberta de arvoredo. Como era semana saneia, poz Cabral ao morro mais alto o nome de Monte Paschoal, e ao paiz o de Terra da Vera Cruz. Ao melter do sol redro va?. de
r i 1 i Caminha

deitaro os navios ferro em dezanove braas de gua, ai-. bello ancoradouro, a cerca de seis milhas da terra. Ja a America se no podia oceultar por mais tempo ao mundo europeo; e se Colombo no houvesse assegurado intelligencia humana o triumpho da sua
Equivoca-se o auctor : a quarta-feira do octavaro da Pschoa do anno de 1500 cahiu a 22 e no a 25 d'abril. F. P.
1

HISTORIA D O BRAZIL. . d e s e r t a , aeao to elemen.es se eria assim devido aquelle successo. nr da aurora do dia quinta goPrimeir Ao romper aa <iuiui< - , feira, . " - ^ vernou a frota direita a terra, indo adeaflle os ,ad gena ' " navios de menor calado sempre a sondar, at que chegaro a meia legoa da praia; alli ancorou toda a esquadra em nove braas de gua defronte da foz d'um rio. Nicolao Coelho, o mesmo que commandara um dos galees de Vasco da Gama na sua celebre viagem, foi mandado a reconhecer a torrente. Ao entrara elle ja uns vinte selvagens se havio reunido sobre a margem, armados de arcos e settas, apercebidos para a defeza, mas sem inteno de procederem como inimigos, salvo vendo-se em perigo. Ero cr de cobre escuro, e estavo inteiramente nus. Coelho lh.es fez signal que depozessem as armas, ao que promptos obedecero. Seguiu-se uma entrevista amigvel; e os Portuguezes, que at ento havio achado que ou o arbico, ou alguma das lnguas dos negros, se falava onde quer que tinho chegado as suas descobertas, to pouco contavo encontrar um idioma ininlelligivel, que quando viro que de parte a parte ningum se entendia, imputaro isso a no se ouvirem dislinctamente as vozes, pelo estrondo que fazia o mar, rebentando nos cachojios da praia. Effectuou-se com tudo amigvel troca de presentes; Coelho offereceu uma carapua vermelha, um capuz de linho, que elle

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prprio levava, e um chapeo preto, recebendo a seu 1500 turno dous adornos de cabea feitos de pennas, e um enorme fio de continhas, que parecio prolas de inferior qualidade. No permiltiu o tempo mais delongas. Durante a noutc venlou rijo do sudeste, e Cabral, por conselho dos pilotos, levantou ferro, e seguiu para o norte ao longo da cosia, em busca d'um porto. Sessenta ou oitenta selvagens se havio ja reunido embocadura do rio, esperando segunda p Va7 p 14 visita. Transportas cerca de dez lguas, descobriu-s o Descoberta d o
porto depois

nico porto, que n'aquella parte da costa offerece c^ia abrigo a navios de alto bordo. Logo o commandante lhe poz o nome de Porto Seguro, que erradamente foi transferido para outro logar, quatro lguas ao sul, onde se edificou a cidade, chamando-se actualmente Cabralia o porto onde ancorou Cabral. Af2 fonso Lopez, um dos pilotos, teve ordem de ir sondar Casal " *" o ancoradouro, d'onde voltou com dous indgenas, apanhados n'una canoa a pescar. Um d'elles trazia arco e setlas. Muitos dos seus conterrneos estavo na praia, armados de egual forma, mas apezar d'e*ste acto de aggresso, nada fizero para, offender os Portuguezes. Ero os dous prizioneiros ambos moos bem feitos, cujas feies, comparadas com as dos negros, passaro por bellas. Como no trajavo o menor farrapo, podero os Portuguezes notar que no ero circumcisos, circumstancia que o comi. 2

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isoo.

mercio com as naes mahometanas dera occasio de observar. Trazia um d'elles no alto da cabea um mui bem trabalhado ornato de pennas amarellas, cada uma das quaes estava solidamente grudada ao cabello com um cimento branco, que se suppoz no ser cera, embora a ella se assimilhasse. Tinha o enfeite dous ps de comprimento, era grosso, redondo e felpudo como uma cabelleira, com que os, Portuguezes o compararo, e cobria ambas as orelhas. 0 cabello havia sido arrancado desde as orelhas at a coroa, deixando calva toda aquella parte da cabea. 0 lbio inferior estava furado1, passando de dentro para fora atravs daquella fenda um pedao de oo branco afiado na extremidade, de grossura regular, e da largura da palma da mo;
Esta espcie de boca supplementar causou muita impresso a Vancouvr, que a encontrou na Bahia da Restaurao, na costa Occidental da America. Faz-se, diz elle, uma mciso horizontal 340 de pollegada abaixo da parte superior do lbio de baixo, atravessando inteiramente a carne d'um canto da boca ao outro. AlaTga-se depois gradualmente este orifcio, para admittir um ornamento feito de madeira, que se ajusta bem gengiva do queixo inferior, projectando-se horizontalmente a sua superfcie externa. Estes orna tos so ovaes, e concavos d'ambos os lados, variando o seu tamanho de duas pollcgadas attrese 4/10 de comprimento sobre uma e meia de largura. Estes hediondos enfeites so polidos com muito cuidado, mas do a quem os traz um aspecto desnatural e repugnante, offerecendo um exemplo de desvario humano, que a razo se recusaria a acreditar, se os olhos o no vissem. Langsdorff acerescenta que este adorno labial tem a vantagem ou dosa vantagem de tornar impossveis os osculos.
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a parte que ficava dentro da boca entre os lbios e 1500 os dentes era da frma das rodinhas sobre que coslumo assentar as figuras d'um jogo de xadrez, redro va*. Fechava a noute ao chegarem estes selvagens comprtacapilania. Cabral, regulando sempre o seu proceder "avagent' pelo estado da sociedade que se havia encontrado no Congo, ou entre os mouros da costa oriental da frica, preparou-se para recebel-os com todo o cerimonial. Poz um grosso collar de ouro. Na falta de estrado para a sua cadeira de aparato, mandou extender debaixo d'ella um tapete, em que se assentaro os seus officiaes. Accendero-se velas, e depois admittiro-se os dous selvagens nus presena do capito. Esta ostentao no lhes arrancou o menor signal de obedincia. Nem saudaro a seu modo o commandante, nem tentaro falar, parecendo ao principio que, ou estavo por demais aterrados, para comprehenderem signaes, ou se havio preparado para a morte, e no responderio. Passado algum tempo fitou um d'elles os olhos no collar de ouro de Cabral, e apontou para elle e para a terra; observando um castial de prata, fez outro tanto. Os Portuguezes, interpretando medida de seus prprios desejos estes gestos, concluiro que os naturaes conheco os melaes preciosos, e que d'esta forma queria aquelle selvagem dar a entender que os havia no paiz. Nada d'isto era; as tribus da costa no conhecio por certo'o ouro e as do serto pio-

20 HISTORIA D O BRAZIL. 1500. vavelmenle lambem no; nem at agora se averiguou que exislo minas de prata no Brazil, embora haja motivos para crel-o. 0 collar de ouro e o castial de prata foro os objectos mais brilhantes que elles viro; talvez que at os reputassem sagrados, e com aquelles momos quizessem implorar d'elles a liberdade. Depois de desvancido um pouco o medo, mostrro-lhes um papagaio, que elles reconhecero como objecto familiar. Apresentou-se em seguida uma ovelha, mas este animal lhes era desconhecido, e vista d'uma gallinha dcro mostras de terror, custando muito o induzil-os a toinarem-na nas mos. Pozero-lhes deante po, peixe, conservas, doces, mel e papas, mas elles mostraro repugnncia a comer nada disto, e o que provavo immedialamente o cuspio. Vinho, de m vontade o chegaro aos lbios, e por nada o quizero beber; e dando-se-lhes gua, repetidas vezes com ella enxaguro a boca, sem a engolirem. No se supponha porem que elles se arreceassem de veneno, pois ja ento se havio desenganado, que as intenes dos aprezadores no ero malvolas. Um d'elles exlendeu a mo, como pedindo um rosrio de contas brancas; dero-lho, e elle pondo-o primeiramente ao pescoo com evidentes signaes de prazer, papou-o depois volla dos braos. Em seguida apontou para o colar de ouro como lambem pedendo-o, mas este gesto livero os

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Portuguezes por acertado no o entenderem. G ro- 15l)sario foi restiluido a seu dono, e os pobres selvagens, vendo que quando o extendio as mos para terra, ningum lhes comprehendia ou queria comprehender o desejo de serem postos em liberdade, eslirrose a final de barriga para o ar 'cm cima do tapete, para dormir. Cabral mandou pr-lhes debaixo da cabea almofadas que lhes servissem de travesseiros, o que elles no rejeitaro, mas o que trazia a cablleira de pen.nas, como a chamavo os Portuguezes, deu-se a perros para collocar-se de modo que a no desarranjasse. Os Europeos lanro-llics depois por cima um capote, por causa da decncia; tambm estiverqo por isso, e segundo todas as apparencias Ie dispozero-se satisfeitos a passar aquella noute. ?ci7az' . De manh entrou a armada no porto; c fundeadas todas as naus, reuniro-se os capites a bordo da de Cabral. Coelho e Barlholomeo Dias (o immortal descobridor d.o Cabo da Boa Esperana) foro marfdados a terija, e com elles os indgenas. A cada um.d'esles se havia dado uma camiza nova, uma carapua vermelha, um rosrio de osso, alguns guizos e uma campainha; tambm lhes tinho restiluido seus arcos
Azarara aflirma (t. II, p. 12), que todos os ndios bravos se deita sempre n'esta posio. Por muito que me custe o impugnar o teslimunho positivo d'um escriptor digno de credito, no posso deixar de reputar esta assero demasiado genrica. A indicada posio por certo a mais natural para quem dorme em rede, mas no assim para quem se deita em plles ou no cho.
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Desembarco os Port

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1500.

seitas, pelo que deixaro o navio soberbos dos seus thesouros, e alegres da sua boa fortuna. Pedro Vaz de Caminha acompanhou Coelho n'esta expedio a terra. Ia elle na armada como um dos secretrios da feitoria que Cabral devia estabelecer em Calicut. Mandou depois ao rei uma. cpmpteta narrao da descoberta, e esta narrao, curiosa a muitos respeitos, mas sobre tudo como principio authentico da historia da Brazil, Ia ficou esquecida nos archivos portuguezes, ate que mais de trs sculos depois do successo viu pela primeira vez a luz da imprensa. Outra pessoa ia no batei, animada de mui diferenles sentimentos.. Era um mancebo, por nome Affonso Bi beiro, criado de D. Joo Telles, que por algum^delicto de pena capital, mas qu talvez fosse acompanhado de circumstancias attenuantes, tinha sido embarcado na frota, para ser deixado em terra extranjia, onde ou perecesse, ou adquirisse conhecimentos, que podessem ser teis aos seus conterrneos. Era costume em todas as viagens de descoberta irem d'estes ihdividuos. Ao abicar em lerra o escaler junctro-se na praia obra de duzentos homens nus e armados de arcos e settas. Os dous selvagens-lhes fizero signa! que depozessem as armas, e se retirassem a alguma distancia; elles promptos largaro os arcos, mas apenas se retiraro a alguns passos da orla do mar.

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Ento desembarcaro os dous indigenas, e Bibeiro 150com elles, ficando os outros Portuguezes no bote. Apenas se viro em terra mettro pernas 'estes selvagens, e atravessando um rio, em que a gua lhes dava pela barriga, embrenhro-se n'uma mouta de palmeiras, seguidos 3e muitos dos outros e de Bi-. . beiro tambm. 0 seu nico fim era pr em segurana os thesouros, pois voltaro immedjatamente, e com os companheiros ajudaro a encher as pipas que os Portuguezes tinho trazido para fazer aguada. Coelho e Dias ero prudentes demais para os deixarem enlrar no batei, mas estabelecero-se desde logo relaes amigveis : trabalhavo elles voluntariamente, mas pedinchavo tambm com grande perseverana. Braceletes, guizos e outras bugiarias (de que os navios de descobertas io sempre bem providos para traficarem na costa da frica) se distribuiro por elles, que com o maior pra*zer troeavo suas armas por um chapeo, um barrete, ou qualquer couzarf de que os marinheiros quizessem desfazer-se. Mas to azafamados e cobiosos se tornaro n'estas * barganhas, que muito soffria com isso o*servio da aguada. Deu-se-lhes pois a entender por signaes que se retirassem, percebido o que transpozero o rio, e desembarcando ento alguns marinheiros, enchero as pipas. Voltava ja o escaler para bordo, quando os selvagens lhe fizero signal ^ara que volvesse a terra, empurrando Bibeiro na direco do

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quem dizia que no havia de ficar na praia. Tinho-se dado a este aventureiro algumas carapuas vermelhas e uma bacia provavelmente de cobre, com que caplivasse os bons officios dos seus protectores. Ningum o havia despojado; sabido o que, lhe ordenou Bartholomeu Dias, que voltasse atraz, e d'estas couzas fizesse presente a quem primeiro o recebera ao saltar na praia, e cujo hospede havia sido durante a sua estada em terra. Aceitou o selvagem a offerla, e recebido no batei, volveu re az ?8i9 - Bibeiro armada. costumes dos E r a a m i 8 d e R i b e i r o u m v e l h o <l ue apparenteeivagens. m e n l e gozava de alguma considerao na sua tribu: estava todo coberto de gomma e de pennas, parecendo, diz Pedro Vaz, todo crivado de frchas, como S. Sebastio. Esta espcie de vestido inteiro era usada entre os Tupys : mas em algumas d'eslas hordas se observou uma usana, que nenhum escriptor subsequente consignou, sendo alias to extranha, que mal poderia ler deixado de ser notada, . se houvesse subsistido. Tinho os selvagens metade do corpo pintada de azul carregado, e a outra metade na sua cr natural. Outros o dividio em quadrados a guiza de taboleiro de xadrez. A moda pois, to caprichosa na vida selvagem como na civilizada, "egualmente varivel em ambas. Este systema d adorno, que se tornou obsoleto no Brazil, ainda hoje se encontra na Califrnia, na costa do noroeste da

loo.

m a r ) C omo

HISTORIA D O BRAZIL. 25 ,50 America. A pea de madeira, queo;> inens trazio Langsdorff na boca, foi comparada ao batoque d'uma garrafa ' de borracha ou de couro. Alguns trazio trs d'estes enfeites, uns no meio da abertura, e uns a cada canto. Entre elles foro vistas trs ou quatro mulheres moas ainda, uma das quaes tinha o corpo todo pintado de azul escuro. Os cabellos lhes cahio soltos pelas espadoas, mas o extranho do trajar no impediu que os Portuguezes as achassem engraadas. Dos homens alguns adornavo a cabea com pennas amarellas, outros com verdes. Cabral foi de tarde com os botes passear ao correr das praias da bahia, mas ningum deixou desembarcar, apezar do no se avistar um so indgena. Saltaro porem em terra n'uma ilha, agora chamada Coroa Vermelha, onde, por ser no meio da enseada, estavo seguros de quahpaer traio: alli uns se entregavao ao prazer de sentir terra firme debaixo dos *ps, outros se di*.n.,t'.z ~ _ i i _ , Pedro Vaz.

vertiao a pescar. i, 20. No dia seguinte, sendo domingo de Paschoa ', re- njs.se miss solveu Cabral ouvir missa na ilha. Preparou-se "da^ahia.3 pois um logar para a ceremonia. Eregiu-se e. armou-se um altar, a cujo lado se arvorou a bandeira da ordem de hristo, que em Belm recebera a beno do bispo de Ceuta. Fr. Henrique de Coim :

A primeira missa dita no Brazil no foi domingo de Paschoa, e sim no da Pasehoela, que se contava 26 d'abril. F. P.

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1500.; bra, que com sete minoristas ia para a primeira misso na ndia, foi quem officiou com assistncia dos capelles da frota, e de todos quantos sabio cantar. Acabada a missa, tirou Fr. Henrique os paramentos, e pregou d'uma cadeira elevada o evangelho do dia, e disserlando sobre a descoberta d'esle novo paiz, e deveres que os descobridores para com elle havio contrahido como christos, todos os seus ouvintes moveu a muita devoo. Entretanto reunio-se os naturaes na praia da terra firme, em numero egual ao da vspera. Durante o officio divino, miravo elles pasmados, que a visinhana da ilha" lhes permittia ouvir os cnticos, e distinguir os vestidos e gestos dos sacerdotes. No era o sermo talhado para tanto lhes captivr a atteno, pelo que em quanto pregava o frade, uns dentre elles toca vo cornos e bzios, outros dana vo, e ainda outrs. embarcavo em jangadas compostas d trs ou quatro troncos de arvore, sem se atreverem porem a afastar-se d praia. Terminado todo o officio divino, entraro os Portuguezes nos escaleres, e remaro para onde estavo os selvagens, indo adeante Bartholomeo Dias, com ' um pedao d'uma das jangadas, que, arrancado pelo vento e pelas ondas, havia ido dar ilha. Adeantando-se-lhe ao encontro, mettero-se estes gua,, at onde acharo p. Acenando-lhes elle que pozessem de parte os arcos e as settas, muitos voltaro

HISTORIA D O BRAZIL. . 27 immedialamente atraz e assim o fizero. Mas outros no obedecero, e quando um da companhia lhes dirigiu um comprido discurso, ordenando-lhes ao que parecia, que se retirassem, e em tom de quem fala com auctoridade, nenhum signal de medo ou obedincia s notou entre os recalcitrantes. Tinha aquelle o corpo, dos rins para baixo, pintado d'um vermilho brilhante: o peito e espadoas ero da mesma cr, sobre a qual se observou que a gua nenhuma co tinha, seno tomal-a mais viva em quanto molhada. Desembarcou um dos Portuguezes e metteu-se entre os ndios; offerecero-lhe este gua das suas cabaas, ea-cenro aos outros que viessem tambm a terra. Cabral porem vollou s naus para jantar, indo as trombetas e anafis a tocar nos bateis. Da praia acompanhavo os indgenas a musica, gritando, danando, e batendo palmas, soprando buzinas, atirando setlas para o ar, e erguendo os braos ao ceo em aco de graas pela chegada de taes hospedes. Alguns entraro no mar, seguindo os Portuguezes, at que a gua lhes deu pelos peitos; outros foro nas canoas visitar.a armada, acompanhados de muitos que atraz d'elles nadavo, homens e mulheres, movendo-se com tanta facilidade, como se fora aquelle o seu natural elemento. 2o22.az' Convocados a concelho os capites, resolveu-se mandar a Portugal com a nova da descoberta o navio

28 HISTORIA D O BRAZIL. 1500. transporte, para que o rei tomasse as providencias que o caso lhe sugerise. Discutiu-se- tambm se conviria apprehender dous indigenas, e remettl-os ao rei como amostra dos seus novos subditos, deixando em troca dous criminosos. Concordou-se porem que esta praclica, seguida pelos navios de descobertas, era a todos os respeitos perniciosa : exasperava o povo, que convinha conciliar, e nada bom d'eMa se. colhia. Se os pobres prizioneiros sobrevivio mudana repentina de habitbs de vida, ainda assim nenhumas informaes se podio tirar d'elles, cm quanto no aprendip novo idioma, accrcscendo que n'estas informaes no havia que fiarse, pois que as respostas ero sempre calculadas para agradarem s pessoas que fazio as perguntas. De tarde voliro os Portuguezes a lerra, e um certo Diogo Dias, que fora collector das rendas do rei em Sacavem, e era de gnio folgazSo e doudo por jogos athleticos, levando comsigo um gaiteiro, se foi a dar com os selvagens, e entrelaadas, as mos com elles se poz a danar ao soto d'aqella musica. Com grande admirao dos naturaes do paiz, deu elle a sua cambalhota, executando outras gentilezas de saltos mortaes. Mas no meio d'esta folia, sbito terror se apoderou dos indigenas, que todos deitaro a fugir. Alguns porem recobrando animo, voltaro a reunir-se aos Portuguezes, que seguindo ao longo-da praia e atravessando o rio, explora vo"

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0 terreno : mas entre elles lavrava'visivelmente a i50 desconfiana, e um nada os assustava e punha cm movimento, como um bando de. estorninhos, que 1 ottjro, para tomar o seu sustento. Os Portuguezes andavo mui allentos a no os offender; e procurando com a superioridade de homens civilizados atinar com os hbitos devida d'aquelle gentio, attribuiro as vantagens physicas. de que os ndios evidentemente gozavo, ao seu estado selvagem. Bem como os pssaros bravos, dizio elles, lem mais brilhante plumagem do que os domesticados, e os quadrpedes do mato possuem pello mais fino do que os que vivem entre homens, assim a agilidade d'estes selvagens, as bellas formas dos seus membros, e a limpeza e brilho de suas pelles, so provas de que no seu viver elles se assimelho aos animaes. E no se-tendo at ento descoberto espcie alguma de habitao, concluiu-se tambm que elles nere nhuma tinho, campando sempre ao ar. n%JC Com tudo n'aquella tarde mesmo descobriu Bibeiro, a quem outra vez tinho mandado para entre os ndios, na esperana de que estes, familiarizandose com elle, o deixassem ficar comsigo, uns ranchos grandes feitos de verdes ramos, que comparou s choupanas da sua provncia natal de Entre Douro e Minho. De novo recambiaro os selvagens este avenlureiro para os seus conterrneos, ainda que no com colra, pois que lhe dero arcos e seitas.

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)5oo. Esta vo elles sempre promptos a trocar suas armas e contas por chapeos, carapuas ou qualquer couza que s lhes offerecesse: da mesma frma se obtivero d'elles alguns cocares de pennas. Na segunda feira trriro-se mais dados os ndios, pelo que melhor os podero observar os Portuguezes; as sobrancelhas, as pestanas, e todo o cabello do alto da cabea d'uma orelha outra, em todos tinha sido arrancado, e uma linha preta de dous dedos de largura lhes passava atravs da calva de fonte a fonte. Conheceuse que a cr escarlate, de que se pinlavo, era produzida por uns grozinhos adherenlesa umasubSr lancia vegelal verde, similhante cascada castanha; estes gros, talvez cochonilhas, ero expremidos enlre os dedos. Diogo Dias, que com as suas cabriolas se tornara o favorito dos ndios, teve ordem de acompanhai os al s suas habitaes. Outro tanto fizero Bibeiro e mais dous criminosos, a quem se recommendou que passassem a noule com elles. Vencida boa legoa e meia de caminho, chegou*a comitiva a uma aldeia Composta de nove ou dez casas, cada uma do tamanho da almirahta, e todas feitas de paus e cobertas de palha. Nenhuma d'estas vivendas tinha divises internas; havia n'ellas muitos portes, de que pendio mcas ou redes, por baixo das quaes ardio fogueiras. Cada cabana, que tinha sua prtinha baixa em ambas as extremidades, poderia conter de trinta a quarenta pessoas. Offere-

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1500.

cro os ndios aos seus hospedes das provises que tinho, e que consistio em inhames e outros vegetaes. Tambm trocaro por guizos e outras frandulagens alguns papagaios e periquitos, bem como obras de pennas; no consentindo porem que nenhum* dos visitantes alli pernoutasse, obrigro-nos todos a voltar para bordo. No dia seguinte desembarcaro outra vez os Portuguezes; alguns foro lavar, outros cortar madeira, e os carpinteiros prepararo uma grande cruz de pau. At ento tinho os navios portuguezes, quando sahio a descobertas, levado pillares de pedra, com as armas de Portugal esculpidas, para que, plantando-os nos paizes que descobrissem, por este aclo tomassem posse da terra para a coroa de Portugal. Cabral no vinha provido d'esles marcos, por que o seu destino era seguir a derrota do Gama; de todas as terras que ficavo no rumo emque elle devia navegar, se havia ja tomado posse, nem se contava com novas descobertas. Para suppriresta falta, fez-se pois a cruz. Observavo os indigenas mui allentos o trabalho dos carpinteiros, admirando a sua ferramenta, elles, que no possuio instrumento melhor do que uma pedra aguada amarrada a um cabo de madeira. Fez-se nova tentativa para deixar algum dos criminosos entre os naturaes, mas foi debalde, Muitos ndios desejavo ir dormir a bordo das naus, mas a sos dous o consentiro. Comero elles o

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se lhes deu, assentro-se em cadeiras como virap fazer os Portuguezes, e foro deitar-se Tiiui satisfeitos moda dos seus hospedes. Passou-se a quarta feira cm dividir peles outros , a carga do navio de transporte. No dia seguinte entendeu Cabral dever dar aos selvagens um exemplo de respeito cruz, anles de a arvorar e deixar entre elles. N'este inlento foro elle e os que com elle desembarcaro todos ao logar onde ella estava encostada a uma arvore, e beijando-a de joelhos, dero a entender aos,. ndios, que fizessem o mesma, ao que promptos se prestaro. Com isto tanlo se enlevaro os Portuguezes, julgando-os uma raa to innocente, que no duvidaro mais, que elles abraario a lei de Christo, apenas os criminosos, que devio fazer de missionrios, pudessem falar-lhes a sua lngua. E este um povo bom e simples, dkio elles. Deu-lhe Deus corpos gentis e feies agradveis como a boa gente, nem trouxe sem causa a armada a esta costa. Suppozero tambm os Portuguezes que os indigenas nem cultivavo o solo, nem criavo animaes alguns domsticos, pois nenhuma espcie viro d'esles, pelo que entendero que os ndios viverio unicamentede inhames, gros e fructos, que a terra produzisse espontaneamente. Alguns selvagens poucos acompanharo o almirante a bordo, onde dormiro; entre elles estava um dos que havio sido levados fora para as naus no dia

7>'>

HISTORIA D O BRAZIL. 53 da chegada, e trazia vestida a camiza que se lhe


dera.
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29,31

Na sexta feira, I de maio, prompto tudo para a ceremonia, desembarcaro os Portuguezes e foro em procisso com o estandarte bento alado e cantando por lodo o caminho, arvorar a cruz1, n'um logar conspicuo, a dous tiros de besta ao sul do rio. Pregaro n'ella as armas de Portugal e a esphera, que era a diviza del-rei D. Manoel. Erigiu-se um altar ao sop da cruz, celebrando Fr, Henrique a missa, assistido de todo o clero da frota. Havio-se reunido alli uns sessenta indigenas, que ajoelharo quando viro os Portuguezes ajoelhar, erguero-se quando os viro erguer-se, e practicro todos os gestos,, que os viro practicar. Dieta a missa recebero Cabral e alguns dos seus officiaes o sacramento. Desrevestindo-se ento, e conservando unicamente a alva, subiu Fr. Henrique a um plpito, d'ondeprgou, como era costume n'aquelles tempos, sobre o evangelho do dia, e as vidas de S. Philippe e S. Thiago, que a Egreja commemora no Io do maio. Observou-se como bom agouro, que um dos ndios, homens ja de edade, arenzava os seus, apontando ja para o altar, ja para a cruz, como se fizesse uma practica religiosa.
Esta cruz, ou outra que a representa, ainda se mostra em Porte Seguro.
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HISTORIA D O RRAZIL. 1500. Tinha Coelho trazido a terra grande quantidade de cruzinhas de chumbo, restos d'um provimento d'ellas, que levara Vasco da Gama. Distribuiro-se estas pelos selvagens, amarrando-lhas Fr. Henrique ao pescoo, depois de ter feito cada um beijar a sua, e erguer as mos maneira de quem ora. Para lhes infundirem mais respeito a aquelle signai, beijaro os Portuguezes um por um a cruz grande. Uma nica mulher assistiu a esta ceremonia: deu-se-lhe um vestido para pr como avantal, o que ella realmente fez, mas to pouco conscia parecia do fim para que isto devia servir, que Pero Vaz na sua narrao assevera ao rei, que Ado antes do peccado no fora mais innocente do que esta gente. Quo fcil no seria pois, inferiu elle d'aquj, conPe az 5?53 - verlel-afecatholica. Cabral suppoz que a terra que descobrira devia ser uma ilha grande : a extenso de costa, que elle havia visto, seria de vinte e cinco legoas, circumstancia de que um dos pilotos concluiu que o paiz 1 an s s e r a T. i , ff. . ' P arf e do continente. A abundncia de gua, a evidente fertilidade do terreno, e o temperado do clima, tudo se mostrava favorvel para um estabelecimento, que Pero Vaz julgou muito conviria alli 1 fundar, como logar onde se refrescasse nas viagens para Calicut, mas principalmente para converter os indigenas. Foi Gaspar de Lemos despachado para Lisboa com novas da descoberta, e sabe-se que levou

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HISTORIA D O BRAZIL. 55 comsigo um dos selvagens. Tendo-se resolvido no 1500; arrebatar fora nenhum dos ndios, deve-se presumir que aquelle o acompanharia voluntrio. Tambm os indigenas, quando viro que os seus hospedes estavo para partir, no persistiro em repellir os dous criminosos que se queria deixar entre elles. A estes porem faleceu-lhes o animo, quando chegou o momento decizivo, e lamentavo a sua sorte com vozes to sentidas, que movero a compaixo d'estes N a v i g a o de pobres ndios, os mais mansos e dceis de todas as tri- ^ ^ o . busbrazileiras. Um d'elles com tudo viveu, para vol- ' ' tar a Portugal, e serviu mais tarde como interprete n'aquellas partes1. Da armada desertaro dous moos, escondende-se na praia, tentados pela perspectiva de liberdade e ociosidade da vida selvagem, de que apenas havio visto a superfcie. Mandou o rei de Portugal immediatamente v i a g e m dj
, . . Amrico.

apromptar trs naus, para explorar o paiz deso- vesoucco a berto por Cabral, e poz-lhes por capito Amrico Vespuccio, a quem para esse fim chamou de Sevilha*. Fez-se este de vela em meados de maio do anno seguinte, e depois de uma viagem de trs
Como veremos em seu logar, diz Barros; mas a obra em que isto devia ver-se, ou no chegou a ser escripta, ou perdeu-se. Bem mostra esta expresso, que o grande historiador havia colligido materiaes relativos ao Brazil, de que ja se no encontro vestgios. 4 Est hoje demonstrado que Amerigo Vespucci acompanhou as primeiras expedies na qualidade de piloto, ou cosmographo, e no na de commandante, como pretende Southey.
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isoi.

mezes, dentre os quaes quarenta e quatro dias de temporal desfeito, afferrou a terra na latitude de 5o S., quando ja Iodas as provises eslavo quasi consumidas, e exhaustas as foras. Mandro-se a terra botes, que voltaro com a nova, de no terem visto morador algum, mas de ser o paiz evidentemente muito povoado. No dia seguinte desembarcouse para haver lenha e agua^ e viveres, se fosse possvel. Ja ento no viso de prximo outeiro se havia reunido uma partida de indigenas. No houve per-, suadil-os a que se chegassem para onde eslavo os Portuguezes, que vista d'isto, abastecidos>de gua, porem de nada mais, voltaro de tarde s naus, deixando na praia campainhas e espelhos1. Apenas se tinho feito um pouco ao mar, descero aquelles a recolher os seus thesouros, e dos bateis lhes podero ainda ouvir os signaes de admirao. Na manh seguinte reuniro-se os ndios em maior numero, accendendo fogos por toda a parle, o que os Portuguezes tomaro por um convite para
Este instrumento tem-se tornado to indispensvel felicidade dum selvagem, que o ndio norte-americano, diz Adair, nunca deixa de trazer comsigo um cm todas as suas viagens, embora, nada mais leve seno as suas armas. A posse de espelhos tornou-se fatal aos Cherokis, quando em 1758 rebentaro entre elles as bexigas. Os que escaparo terrivel enfermidade, vendo-se marcados e desfigurados, pozero pela maior parte um termo violento aos seus dias. E tinho sido os espelhos, de que c;ida um anda sempre munido, miraiido-se n'elle a cada inslante, que lhes h?*-io revelado a sua fealdade.
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irem a terra; mas ao chegarem praia, continuaro ,501os selvagens a conservar-se de medrosos a certa distancia. Acenaro com tudo a alguns dos extrangeiros, que os seguissem s suas habitaes. Dous marinheiros se offerecro a correr o risco da aventura, esperando descobrir se o paiz produzia ouro e especiaria. Levaro comsigo algum meio circulante prprio para este trafico, e convencionado que as naus esperario por elles cinco dias, meltero-se entre os indigenas, que os internaro no serto. Cinco dias passaro sem que elles voltassem, e passou-se tambm o sexto. No septimo desembarcaro os Portuguezes. Tinho os selvagens d'esja vez, o que antes no havio feito, trazido com sigo as mulheres, que obrigro-se a adeantar-se, evidentemente como negociadoras, officio de que ellas se encarregavo com visvel repugnncia. Os Portuguezes, vendo-lhes o receio que tinho de approximar-se, julgaro melhor enviar-lhes ao encontro so um dos seus, e escolhero para isso um mancebo de grandes foras e agilidade, tornando os outros a metter-se nos boles. Cercro-no as mulheres, apalpando-o e exami- A m h r o p o p h a 1 4

gia dos

nando-o com grandes demonstraes de admirao e curiosidade. Desceu enlo do outeiro outra mulher, que pondo-se por traz do infeliz, com um pau, que trazia na mo, to violento golpe lhe descarregou na cabea, que o derribou. Logo as outras o tomaro pelos ps, e comsigo o levaro, em quanto os homens,

selva ens

s -

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oi.

correndo praia, despedio suas settas contra os bateis. Tinho estes encalhado num banco de areia, e intimidados pelo repentino do ataque, pensaro os Portuguezes antes na fuga do que na vingana, at qu lembrados a final de que o melhor meio de prover prpria segurana era ostentar o poder, descarregaro quatro espingardas contra os indigenas, que ento fugiro para os outeiros. Entretanto tambm para Ia tinho as mulheres arrastado o corpo, e cortando-o aos pedaos, e apresentando como escarneo os mutilados membros aos Portuguezes, vista d'estes e com grande algazarra, os devoraro, assados n'uma vasta fogueira. Ao mesmo tempo davo a entender por signaes que era isto o que havio feito com os outros dous brancos. Vendo to abominvel acena, quizero quarenta dos da tripolao desembarcar, e vingar os seus camaradas, mas para isso se lhes recusou licena', e com effeito, se no levavo armas defensivas, no era prudente deixal-os exporem-se s seitas dos selvagens. D'este ominoso logar partiu a armada, costeaudo at 8o de lat. S., sem avistar indigenas com quem fosse possivel entabolar relaes. Finalmente desceu
0 Naviprselor ou Navipraeceptor o prohibiu. Vespuccio cfellese queixa, dizendo : Et ita tam magnam ac tam gravem injuriam passi, cum malvolo animo et grandi opprobrio nostro, efficiente hoc Naviprseceptore nostro, impunitis illis abscessimus. Parece pois que havia na esquadra algum cuja auctoridade era superior de: Vespuccio. Grynseus, p. 156.
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praia um grande magote d'elles, dispostos a en- 1501 trar em communicaes amigveis, que effectivamente depressa se estabelecero; alli se deleve a frota cinco dias, levando depois trs ndios, por consentimento d'elles. Assim foro as naus seguindo a costa, demorando-se aqui e alli, segundo parecia melhor. Por toda a parle recebia o povo bem os Portuguezes, que assim podero vontade preencher o fim da expedio, o qual era examinar a natureza do paiz e as suas produces. Ero os ndios em extremo bem feitos, e terio sido uma raa assaz formosa, se to horrivelmente se no desfigurassem: mas os homens parecio considerar os rostos como feitos unicamente para cabide de ornatos. Beios, ventas, orelhas, faces tudo estava furado para pendurar objectos. Entre outros sobresahia um selvagem,-que tinha ha face sete buracos, todos to grandes, que por qualquer d'elles facilmente passaria o caroo d'um pecego, e as pedras que n'elles trazia pezavo dezaseis onas. 0 privilegio de assim se adornar era privativo do sexo nobre, no se permittindo s mulheres furar nada mais do que as orelhas. Mas tambm fazio d'esta permisso o mais amplo uso; um dedo passaria larga pelo orifcio, e d'elle penduravo ossos, que lhes descio at ao hombro. Este pezo constante alongava as orelhas de modo que com estes penduricalhos similhavo a Lery c,s 7 alguma distancia as d'um co d'agua. ' '"

HISTORIA DO BRAZIL." 1501. Muito se agradaro os Portuguezes da probidade e extrema innocencia d'estes ndios \ sem embargo do que, bem se deixou perceber que ero elles anthropophagos. Nas suas cabanas se vio penduradas peas de carne humana, que os Europeos erroneamente suppozero salgada, sendo na realidade secca e curada ao fumo, e quando os visitantes lhes manifestaro a sua sorpreza de haver quem malasse e comesse gente, no se mostraro elles menos maravilhados de que os Portuguezes a matassem e no a comessem. A carne humana, dizio elles, era boa, to boa, que lhes dava appetile para mais. Um. gabou-se de ter lido quinho nos corpos de trezentos inimigos. Mas era uma paixo mais forte do que a fome, a que dava a estes diablicos banquetes o seu melhor sainete. Bello era o paiz e abundante de quanto podia desejar o corao humano : a brilhante plumagem das aves deleitava os olhos dos Europeos; exhalavo as arvores inexprimiveis fragancias, distillando tantas gornmas e sumos, que se enlendeu, que, bem conhecidas todas as virtudes d'eslas plantas, nada impediria o homem de gozar de vigorosa sade at
1 Depois de lhes ter feito este/ elogio, accrescenta Vespuccio na mesma pagina, que na sua lubricidade e na sua fome no respeitavo elles parentesco algum, por mais sagrado que fosse. Ainda que isto fosse verdade, nenhuns meios teria elle de averigual-o. Mas pde-se sem hesitar asseverar que falso, pois at agora ainda se no encontrou o homem em tal estado de mais do que depravao.

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extrema velhice. Se o paraizo terrestre existe em 1502, alguma parte, no podia ser longe d'alli. No encontrando porem metaes preciosos, que ero objecto principal de suas esperanas, chegados a 32 de lat. S., concordaro os navegantes em deixar a costa e fazer-se na volta do mar. Estavo as naus ainda i3de^. apercebidas para seis mezes de viagem, e por conselhos de Vespuccio tomaro lenha e gua para este tempo, e singraro para o sul at 52, notando o capito cuidadosamente todas as constellaes d'este novo hemispherio. N'estas alturas encontraro mao . tempo, e tivero de correr em arvore secca com o Lebeccio, vento do S.O., at que tornaro a avistar terra. Nem podero achar porto, nem descobrir habitantes, parecendo-lhes a terra despovoada pelo muito e intolervel frio que alli fazia. Julgou-se ento conveniente regressar : demandaro pois a costa da frica, queimaro um navio em Serra Leoa, e a salvamento entraro em Lisboa com os outros dous, depois d'uma viagem dedezasris mezes, onze dos quaes navegados pela estrella do sul. Amrico Vespuccio usurpou a fama de Colombo, mas por quo pouco no antecipou a obra de Magalhes. Parece que a estao do anno foi a so couza que o impediu de entrar no mar do Sul1, antes que Vasco Nunes de Balboa o avistasse.Pelo menos teve elle essa inteno. Hsesit mihi cordi rursum peragrare eam orbis partem, quse spetatmeridiem; et huic operi
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HP maio. *

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1503. Na primavera do anno seguinte tornou Amrico a segu^va'- g^ir (je Lisboa com seis navios. O fim d'esta viagem v ' e era descobrir uma certa ilha chamada Melcha1, que primei estabeleci s e suppunha ficar ao poente de Calicut, e ser to
io Brazil. rr * . p j"

famoso mercado no commercio da ndia, como Ladiz no da Europa. Passaro Cabo Verde, e ento contra a opinio de Vespuccio e de toda a armada, teimou o almirante em velejar para Serra Leoa. Apenas chegaro vista de terra, cahiu rijo vendaval, que afastando-os da costa, os atirou trs graus alem da linha, onde descobriro uma ilha. Vespuccio a descreve como alta e admirvel, no excedendo duas. legoas em comprimento, nem uma em largura, e sem signal algum de ter sido jamais habitada. Abundavo alli a lenha e a gua, e as aves terrestres e marinhas*. A quatro legoas d'esta ilha bateu a capitania n'um cachopo. Acudiro as outras naus a soccorrel-a e o
jam navando tn expedito sunt liburnicai dux, ornamentis ac commeatibus ubertim communitie. Dum igitur profciscar in orientem, iter agens per mefidiem. Noto vehar vento quo cum devenero, plura abs me fiant in decus et gloriam Dei, necnon ptrias emolumentum, et mei nominis selernitatem, et in primis in senectutis mese, qusejam prope appetit, honorem et levamen. Am. Vesp. 114. 1 Devia ser Malacca. 1 A ilha de S. Matheus corresponde em latitude a esta descripco, mas fica muito mais longe da costa do Brazil. Ha perto da de Ferno de Noronha, uma ilha pequena, que tambm corresponde em latitude' mas que pelo contrario fica perto de mais da mesma costa. Esta insupervel difficuldade passou desapercebida para o aucor do Elogio Histrico, que afli ri na ter sido a ilha de Noronha.

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almirante ordenou a Amrico, que deixando o seu proprio; navio, que com nove homens a bordo o eslava ajudando a safar-se, fosse com outro mais pequeno ilha em busca dum porto, onde se recolhesse a armada, e que ento se lhe entregaria outra vez o commando da sua nau. Tornou Vespuccio metade da sua tripolao e no tardou a descobrir um porto excellente, onde se deixou ficar oito dias, esperando debalde a frota. A final, quando ja a sua gente se havia despedido de toda a esperana, avistaro uma embarcao e sahiro-Ihe ao encontro. As novas, que tivero, foi que a almiranta, nau de trezentas toneladas, na qual consistia toda a fora da expedio, estava inteiramente perdida, com tudo quanto levava, excepto a gente. Sabido isto, voltaro ilha, mettro lenha e gua, malro as aves que quizero, e, seguindo as suas instruces, singraro para a costa deSancta Cruz, como ella ento se chamava. Depois d'uma derrola de trezentas legoas, corridas em dezasete dias, chegaro terra firme1, onde encontraro um porto, que chamaro de Todos osSnclos8, e no qual ficaro mais de dous mezes, esperando sempre pelo resto da frota. Perdida de tornar a vela toda a esperana, foro costeando du notvel que Vespuccio, depois de ter previamente descoberto to prodigiosa extenso de terra, continue a chainal-a ilha. s Parece ser a Bahia, ainda que a sua descoberta se attribue mais tarde a Ghristovo Jaques.
1

44

HISTORIA DO BRAZIL.

soi.

zentase sessenta legoas para o S., tomando ento outra vez terra em 18 lat. S. e 35 long. O. do meridiano de Lisboa. Alli permanecero por cinco mezes, vivendo em bons lermos com os indigenas, com os quaes alguns dos Portuguezes penetraro 1504. quarenta legoas pelo serto, e levantaro um forte,
-1
. , i

28 de jun.

onde deixaro vinte e quatro homens, que se havio salvado da nau almiranta. Dero-lhes doze arcabuzes alem d'outras armas, e manlimento para seis mezes, e carregados de pau Brazil' voltaro a salvamento a Lisboa, onde foro recebidos com grande alegria, como gente que havia muito se reputava perdida. De nenhum dos outros navios se tornou mais a saber. Vespuccio diz que elles sev perdero por presumpVe Nar t.' S osa t o l e i m a d almirante, pelo que pede a Deus lhe ,n p!T"s' d condigna recompensa1.
' ' A primeira vez que esta palavra se acha empregada, segundo Muratori, no anno de 1128 n'um tractado entre os povos de Bolonha e Feirara, no qual figura n'uma resenha.de mercadorias a grana de Brazile. Parece que esta madeira vinha ento das ilhas Malaias, e cia um dos artigos do commercio do Mar Vermelho. Os Tupis chamo a arvore Araboutan e com lavadura da sua cinza sabem dar uma cr vermelha mui durvel. a Morrer afogado no lhe parece pois castigo bastante. quasi fora de duvida que este almirante, de quem elle fala com tanta aspereza, era Gonalo Coelho. Sahiu en 1503 para Sancta Cruz-com seis navios, dos quaes se perdero quatro, por falta de conhecimento da costa. Os outros voltaro carregados de pau brazil, macacos e papagaios, nicos artigos do commercio d'este paiz que ja ento se conhecio. E a isto que se reduz o que diz Damio de Ges (1, 65). Concordando ella, como se ve, na data, no numero de navios que sahiro, e no

HISTORIA DO RP.AZIL. 45 Deve-se pois ao commandante d'esta expedio a


, . . . l i * ' T

1504
ma

Pa'z

honra do primeiro estabelecimento no novo paiz "> descoberto. No consla porem que a isto se prestasse enlo maior alteno. Nenhum ouro se encontrara, nem a terra produzia artigos de commercio, que podessem parecer dignos da considerao d'um go- , verno, cujos cofres regurgilavo do produclo do trafico das especiarias e das riquezas das minas africanas. Mas o carregamento de pau brazil, que Vespuccio trouxera, lenlou alguns aventureiros particulares, que se conlenlavo de lucros pacficos, a ir alli buscar a preciosa madeira, e este commercio to conhecido se lornou, que lodo o paiz tomou o nome de Brazil', apezar do outro mais sancto, que
dos que se perdero, no hesito em identificar a sua narrao com a segunda viagem de Amrico Vespuccio ao Brazil. Antnio Galvo faz meno da viagem de Vespuccio, mas no da de Coelho, o que confirma ainda esta opinio. Bocha Pitta fala de ambas, mas em pontos duvidosos no vale nada a sua auctoridade Simo de Vasconcellos (Chron. da Comp. de Jesus do Estado do Brazil, 1.1, das Not. antecedentes, 19), engana-se muito na relao que faz : diz que Coelho voltou com quatro navios, tendo cuidadosamente examinado a costa, e collocado marcos por toda a sua extenso, eque no voltou seno depois da morte de D. Manoel. 0 auctor do Ms. Elogio Histrico chama o commandante II Maggi, nome to imaginrio, como a inteno que elle lhe altribue de ter procurado a morte de Vespuccio. 1 Esta alterao d'um nome to solemnemente imposto, atnafmou Barros mais que de costume, e mais do que era razovel. Attribue-a elle directamente a obra do demnio, e conjura todos os seus leitores pela Cruz de Christo, ja que outros meios lhe falecem para vingar-se do diabo, que chamem a terra Saneia Cruz, sob pena de pela mesma cruz

46 1504.

HISTORIA DO BRAZIL.

Cabral lhe dera. Tambm se levaro ao reino maserem accusados no diadejuizo. Alem disto accrescenta que e um nome que soa melhor do que. o de Brazil, que sem considerao foi dado pelo vulgo, no auetorzado a pr nomes aos senhorios da coroa, 15 2 ' Tambm Simo Vasconcellos lastima a mudana. Com tudo Saneia . Cruz um nome to commum, e o de Brazil e seus derivados so fe" lizmente to doces, que tanto por amor da geographia como da euphonia, antes nos devemos alegrar com a troca. O nome pegou talvez'mais facilmente, por ja tf terem os geographos antes posto em voga, parecendo com tudo to perplexos sobre o modo de dispor d'elle,-como do famoso titulo de Preste Joo.-Hervas (T. 1, p. 109) (az meno d'um mappa da bibliotheca de S. Marcos em Veneza, feito em 1439 por Andr Blanco, no qual se indica na extremidade do Atlntico uma ilha com o nome de Ilha do Brazil; outra chamada Ilha da Antilha; c uma terceira, na posio do Cabo de Sancto Agostinho na Florida, com a extranha cognomenao de Isl de Ia mano de Satanaxio. Esta ilha do Brazil, suppe-na o auctor do mappa uma das Terceiras. D. Christobal Cladera, na sua resposta memria de Otlo sobre descoberta da America, descreve cinco mappas desenhados por Juan Ortis em Valena, mostrando com bons argumentos, que no podio ter sido feitos antes de 1496 nem depois de 1509. A quarta d'estas cartas contem as costas da Hespanha, Frana, Hollanda, Gr Bretanha, e em 52 N. uma ilha dividida por um grande rio, e chamada Brazil. IVaqui infere Cladera que o mappa foi feito depois da descoberta do Brazil por Cabral, mas muito pouco depois, alias no teria sido este paiz to erroneamente collocado. Comludo se era realmente o Brazil que se queria indicar, seria possvel fazel-o to erradamente? E ter-se-lhe naquella epocha dado este nome? Entre vrios povos vivia uma tradio relativa a uma ilha encantada, chamada Brazil. Era pois natural- que apenas apparecesse um paiz a que se podesse applicar, sefixassen'elle este nome, que at ento andava vago e incerto, e d'aqui provavelmente veio o ter elle prevalecido sobre a denominao oicial, e at sanetificada pela saneo religiosa.

HISTORIA D O BRAZIL. 47 cacos e papagaios para as senhoras \ A estes nego- 1504cianles muito convinha ter agentes entre os indigenas, nem fallario aventureiros, que voluntrios fossem residir entre selvagens amigos, em paiz farto e delicioso, onde nenhum jugo sentirio. No foro estes os nicos colonos. Portugal to- Envio-
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criminosos ' . n o Brazil.

mara posse do Brazil, e estava resolvido a conser- para servir val-o. Era systema do governo portuguez tirar dos criminosos algum proveito para o estado: systema excellente, sendo bem regulado, e que n'esle reino se originou evidentemenle da exiguidade do territrio e da falta de populao, para execuo de seus ambiciosos planos. At ento tinho sido degradados para as fronteiras da frica e mais recentemente lambem para a ndia. Assim collocados no ha duvida que servio ao estado, mas no ero sem pezadas desvantagens estes servios. Os crimes ordinrios que com esta pena se castigavo, ero os de sangue derramado e de violncia, e os instinctos ferozes que levavo a perpelrao d'estes delictos, no se havio provavelmente de corrigir, postos os delinNo sei aonde Herrera foi achar que Joshu tinha por armas trs papagaios verdes, 6, 3, 11. Boccacio no seu conto da Penna do Papagaio, que se mostrava como-tendo sido da aza do anjo Gabriel, o por elle deixada cahir no camarim da Virgem por occasio da Annunciao, diz que a impostura podia achar fcil credito, por que as delicadezas do Egypto, que depois a havio invadido, para ruina do paiz, ainda no tinho penetrado na Toscana, nem o povo havia sequer ouvido falar em papagaios! Parece pois que no tempo do escriptor ero vulgares estas aves na Itlia. Dia 6, nov. 10.
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HISTORIA DO BRAZIL.

1504. quentes em situaes cm que podio entregar-se a elles impunemente, considerando-se como meritorios os actos sanguinrios. E ampliou-se este systema immediatamente ao Brazil, sendo dous criminosos os primeiros europeos que se deixaro nas suas praias. Para a frica ou para a ndia mandava-se o degradado fazer servio militar com os seus patrcios, que no o havio de olhar como infamado, pois que com elle tinho de associar-se. Ser degradado para o Brazil, era' pena mais pezada; alli no se enriquecia com os azares da guerra, nem havia esperana de voltar palria honrado por algum servio assignalado. A certo respeito io estes degradados melhor aquinhoados, pois que em colnias novas lem os homens ordinrios mais valor do que em outra parte, mas tornavo-se peores subditos. 0 seu numero estava em proporo maior para o dos bons colonos, e assim mais provvel era que medrassem em iniqidade, do que os reformasse o bom exemplo, que communicassem o mal, do que aprendessem o bem. As suas relaes com os selvagens no produziro seno inales : todos se tornaro peores; os anlhropophagos adquiriro novos meios de destruio, os Europeos novas practicas de barbaridade. Estes perdero esse horror humano aos
' E praga esta, que sempre tem perseguido o Brfzil e as mais conquistas d'este reino, diz Balthazar Telles. Chron. da Comp., 5, 9, V 2.

HISTORIA DO BRAZIL.

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154

banquetes sanguinrios, que, malvados como ero, havio sentido ao principio: aquelles esse respeito e venerao d'uma raa superior, sentimentos que em bem de todos tanto se podio ter cultivado.

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1508.

HISTORIA DO BRAZIL.

CAPITULO II
Viagem de Pinzon e Solis. Descoberta do Rio da Prata. Os Franceses no Brazil. Historia do Caramuru. Divide-se o Brazil em capitanias. S. Vicente. Os Goyanezes. Sancto Amaro e Tamaraca. Parahyba. Os Gayatacazes- Espirito Saneio. Os Papanazes. Porto Seguro. Os Tupiniquins. Capitania dos Ilheos. Bahia. Revoluo no Recncavo. So expulsados d'alli os colonos. Pernambuco. Os Calietes. Os Tomayares. Cerco de Iguaracu._ Expedio de Ayres da Cunha ao Maranho.

1508. Pouco depois d sua ultima viagem voltou Amep ' fnSon rico Vespuccio ao servio del-rei de Castella, que e Solis. julgou a propsito tomar posse da costa por este grande navegante reconhecida debaixo da bandeira de Portugal. N'este intento fez sahir os dous pilotos reaes Vicente Yanez Pinzon e Juan Diaz de Solis, tomando-se precaues laes para evitar entre elles a discrdia, que bem deixo ver quanto esta se receava. 0 rumo, que havio de seguir, devia decidil-o Solis*, a quem a este respeito cumpria com tudo consultar Pinzon e os melhores pilotos e marinheiros da expedio. Devio os navios chegar fala todos os dias de manh e de tarde, ou pelo menos de tarde sem falta1, segundo o costume. Era Solis,"
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A razo era por que a ambio de fazerem xlescobertas por si mes-

HISTORIA DO BRAZIL.

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que devia levar o pharol, e antes da partida havio 1508. de concordar ambos nos signaes perante um tabellio. Em terra devolvia-se a Pinzon o commando. No devio demorar-se em porto algum, em quanto no tivessem levado a descoberta o mais longe que se julgasse conveniente; e na volta traficario e formario estabelecimentos onde melhor parecesse. Accrescentou-se a clusula que no locario em ilha ou terra firme, que pertencesse ao rei de PorHerrcra. tugal1. 1,7, . Dobraro o cabo de Sancto Agostinho, o mesmo que Pinzon descobrira primeiro; e.foro costeando para o sul at 40, tomando posse das terras e levantando cruzes onde quer que desembarca vo. Bebentro as previstas dissenes, e ambos voltaro sem nada mais terem feito. Em conseqncia d'este mao proceder abriu-se devassa, para saber-se de quem viera a falta, e o resultado foi ir Solis para o aljubc lIuiTcr;'. da corte, e Pinzon ser galardoado. 1,7, 9. Queixou-se o rei de Portugal d'esta viagem, como nescobciia de violao dos seus limites. Parecio as duas po- ' V r a m'
mos levava as vezes os capites subalternos a fugirem aos trabalhos da expedio, separando-se voluntariamente da frota. Exemplos d'islo encontro-se freqentes na historia das descobertas martimas. ' Ningum devia traficar com os ndios em quanto o Veedor e Escri\o no acabassem de o fazer para o rei : depois todos poderio abrir o seu mercado, mas metade de lucro havia de ser para o fisco. As caixas que a cada um se permittia levar, no devio exceder cinco palmos cin comprimento etres em aUura. Herrcra, 1,7, I.

52

HISTORIA DO BRAZIL.

508

tencias, entre as quaes Alexandre VI to generosamente repartira todas as partes do mundo no descobertas ainda, estar de acordo sobre valer esta linha de demarcao contra todos, excepto conlra ellas. At agora colhera Portugal o melhor quinho d'esta diviso; e o fito principal, a que visava Castella, era haver parte nos prodigiosos beneicios do commercio de especiarias. A' esperana, que originariamente guiara Colombo, de chegar ndia pelo lado do occidente, jamais se renunciara. Tambm Vespuccio cria, que n'esta direco se acharia caminho, e se o bom tempo houvesse continuado mais um pouco, quando elle navegava pela primeira vez por conta de D. Manoel, mais do que provvel que o estreito de Magalhes recordasse hoje o seu nome. Estava agora descoberto o mar do Sul; crescera pois com isto o desejo de achar passagem por alli, e em 1515 o rei de Castella, apressando a partida, para que os Portuguezes no tivessem tempo de tolher-lhe a viagem, mandou Solis a outra expedio. Beconhecia-se agora que era este na sua arte o mais hbil de quantos vivio. Descobriu elle o que a principio tomou por um mar de gua doce 1 : era o rio hoje dicto da Prata, embora o descobridor lhe desse ento o seu prprio nome, que se devera ter conservado. Convidaro-no
1 Tal parecem os indigenas havel-o reputado, chamando-o Parana&uau, o Grande Rio similhante ao mar. Argentina. Ms.

HISTORIA DO RRAZIL.

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lOS.

os naturaes a ir a terra, o que fez com a tripolao d'uma lancha, premeditando agarrar um e leval-o a Hespanha. A teno dos selvagens era peor do que a d'elle, e foi melhor executada. Tinho emboscado uma partida, que de improvizo cahiu sobre a tripolao, apoderou-se do batei, fel-o pedaos n'um instante, e a golpes de maa no deixou um vivo. Tomaro ento s costas os cadveres, levando-os para um sitio fora do alcance dos Hespanhoes, mas sua vista, e alli, desmembrados e assados, os devoraro1. Passou-se esta trgica scena na margem do norte, entre Monlevideo e Maldonado, perto d'um riacho, que ainda hoje tem o nome de Solis. Perdido assim o commandante, regressaro as naus ao Cabo de Sancto Agostinho, carregaro pau Brazil, e voltaro a Hespanha. Exigiu D. Manoel immediatamenle, que lhe reslituissem os carregamentos d'estes navios, entregandose-lhe as ti ipolaes para serem punidas como contrabandistas \ Beplicou-se que a paragem, onde havio carregado, ficava dentro da demarcao de
Aos Timbs imputa isto o ms. Argentina* Azara (t. 2, p. 6) e Funes (t. 1, p. 3) dizem que foro Charruas; mas absolulamenle impossvel determinar que horda de selvagens possua ento esta parte da costa. * Diz Damio de Ges, que um piloto portuguez, por nome Jam Dias Solis, que por crimes fugira da ptria, persuadira alguns mercadores castelhanos, que seria boa especulao aparelhar dous navios, para uma viagem mercantil a Sancta Cruz do Brazil. Fel-a elle e voltou em 1517. Queixou-se D. Manoel a Carlos V, que com muito
1

HISTORIA DO BRAZIL. 1508. Caslella, e que sete Castilhanos, que os Portuguezev tinho aprisionado n'aquella costa, traficavo lambem dentro dos seus prprios limites, pelo que indevidamente ero retidos. Terminou a pendncia com krreru -2, 2, 8. a. troca d'estes prizioneiros por onze Portuguezes, que havio sido prezos em Sevilha. No foro com tudo inteiramente destitudas de resultado estas continuas reclamaes. Quando trs annos depois tocou Magalhes no Bio de Janeiro, nada quiz comprar aos indigenas, seno provises, para no dar motivos de queixa. Por um machado offereceu-se um escravo, que j os selvagens havio aprendido este trafico, e oito ou nove aves se dero por um rei de paus, ou knera. qualquer dos seus pintados companheiros. Principiaro bem cedo os Francezes a reclamar o seu quinho nos thesouros das descobertas. 0 seu systema comezinho de o obterem, era capturando os galees, que voltavo da ndia; e muitas vezes a mais execrvel crueldade acompanhava estes actos
rigor mandou punir os delinqentes como quebrantadores da paz dos dous reinos. Chr. dei rey D. Manoel, 4, 20. . To pouca atteno merecero aos chronistas portuguezes as cousas do Brazil, que no posso remedial-o, que no desconfie referir-se isto. viagem de Solis. Nascera este em Nebrissa, segundo Pedro Mrtir (2, 10), que o chama Astur Ovetensis, por outra Juan Diaz de Solis. Significando isto um Asturiano de Oviedo, envolve uma contradico, se o antigo traductor no cahiu num erro que por falta de original no posso' averiguar. Estes Solises e Pinzones, diz Antnio Galvo (p. 47), for> grandes descobridores n'aqupllas partes, at que n'ellas perdero nal as vidas e as fazendas..

HISTORIA DO BRAZIL.

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de pirataria. Debalde repetio os reis portuguezes 1508 queixas sobre queixas : demasiado fraco, e demasiado no Brazil remoto para apoiar as suas reclamaes, no obtinha Portugal outra satisfaco, seno a que por suas mos podia tomar. As expedies frattcezas para. o Brazil ero de caracter mais honrado. Sempre aquella nao, que jamais reconheceu outro direito que no fosse o do mais forte, nem soffreu que qualquer opinio ou qualquer principio lhe contrariasse a ambio ou os interesses, tem tractado a auctoridade pontifcia com respeito ou desprezo, segundo melhor convinha os seus immediatos intenlos. Descuidarase a Frana de pedir a sua parte do mundo por descobrir, quando o repartiu Alexandre II, a quem lanto custaria traar duas linhas como uma; e como nenhuma vantagem tirava da partilha, -recusou admittir-lhe a validade. No tardou que navios francezes fossem ao Brazil busca de madeira, papagaios e macacos. Descobriro dous d'estes barcos mercantes uma magnfica bahia. das mais bellas do mundo, e em que seprezumia no haver ainda entrado navegante. Infelizmente para elles entrou alli logo depois uma frota portugueza s ordens de Christovo Jaques, que a chamou Bahia de Todos os Sanctos1, ecosteando todas as suas praias, e explo Provavelmente segundo b costume dos navegantes portuguezes, e no por julgal-a similhante no paraizo., como diz Vasconcellos. Des-

56 HISTORIA DO DRAZIL. 1508. rando todos os seus saccos, n'um d'estes encontrou os Francezes, que sem demora passou a capturar como entrelopos. Besistiro elles, mas o Portuguez os meltu no fundo, cascos, tripolaes e carga. Concluido isto, foi estabelecer uma feitoria mais para o norte na terra firme perto do banco de Itamaraca. Aventuras < i e 0 primeiro1, que na Bahia se estabeleceu, foi
Diogo Alvar

<.arresm0.?

Diogo Alvares, natural de Vianna, mancebo e fidalgo, que com o espirito emprehendedor, que ento caracterizava os seus conterrneos, embarcara, buscando fortuna em terras exlranhas. Naufragara elle nos baixios do banco da Bahia, que os naturaes chamo Mairagiquiig. Parte da gente se perdera, e o resto so escapara quella morte, para soffrer oulra, mais horrvel : os selvagens os comero. Viu Diogo, que outra esperana lhe no restava de salvar a vida, seno tornando-se para estes selvagens o mais ulil,
confio, como disse n'uma nota anterior, que foi Vespuccio o primeiro que entrou ifcsta enseada e lhe poz nome. i Herrera (5, 8, 8) preciza a data. Um navio da expedio de Simo de Alcaova voltou ao Brazil, depois de se ter a tripolao levantado e assassinado o capito, e entrou com grande, falta de mantimentos na Bahia, onde, dizo auctor, foi soccorrido por um Portuguez, que tendo alli naufragado, vivia havia vinte e cinco annos entre os ndios. Foi isto em 1535. Herrera diz que com elle estavo mais oito inculcando evidentemente, que tinha elle alguna auctoridade no paiz. Deve isto ter sido depois da morte de Coutinho. Disputo os escrptores portuguezes se Diogo Alvares ia para a ndia ou no quando naufragou. Se esta data exacta, no ia; pois das trs frotas d'aquclle anno nenhuma soffreu perda no rererido logar.

HISTORIA DO BRAZIL.

V
lb08.

que podesse. Trabalhou pois em salvar cousas do casco naufragado, e com ellas lhes grangeou as boas graas. Entre outros objectos teve a felicidade de trazer para terra alguns barris de plvora e um mosquele, que elle na primeira occasio que teve, poz em estado de servir, depois que seus senhores voltaro aldeia, e um dia, que se lhe offereceu favorvel opportunidade, na presena d'elles matou uma ave. Mulheres e crianas clamaro : Caramuru! Caramuru' I que queria dizer homem de fogo, e dissero que elle as exterminaria todas, mas Diogo declarou aos homens, com cuja admirao se misturava menos medo, que iria com elles guerra, e lhes mataria os inimigos. Pelo nome de Caramuru foi desde ento conhecido: Marcharo estes ndios contra os Tapuyas; adiante d'elles voou a fama*do terrvel engenho, e os inimigos fugiro. De escravo tornou-se Caramuru soberano. Os chefes dos selvagens se reputavo felizes, acceilando-lhes elle as filhas para mulheres. Fixou Diogo a sua residncia no logar onde depois se ergueu Villa Velha, e bem depressa
Jaboato (Preamb, 52) o nico que d palavra dillerente explicao ; diz elle, que significa moreia, espcie de cobra grande do mar, que se encontra nas cavernas dos,rochedos n'aquellas paragens, e especialmente no Rio Vermelho, onde affirma que Diogo Alvares naufragara. PTuma dYstas cavernas foi elle encontrado pelos selvagens, exclamando a filha do cacique : Caramaru Guazu. isto menos provvel do que terem-lhe dado os ndios, achando-o prestanle nas suas guerras, um nome no gosto Tupis.
1

58 1508.
viu

HISTORIA DO BRAZIL. crescer em torno de si to numerosa progenie

como a d'um antigo patriarcha. As melhores familias da Bahia vo entroncar n'elle a sua origem. vae
I Vi t i n i r i ! r\

A final veio enseada u m navio francez, e Diogo


*

Franca.

n0

qUiz perder o ensejo de tornar a ver o seu paiz natal. Carregou pois de pau Brazil aquella embarcao, e n^lla se metteu com a sua mulher favorita Paraguau (o Bio Grande)- No podero as outras soffrer este abandono, embora devesse ser temporrio, e algumas d'ellas a nado se atiraro atraz do navio, na esperana de serem recolhidas, seguindo uma to longe, que ao voltar praia, faltando-lhe as foras, se afogou. Foro os dous esposos recebidos com grandes honras na corte de Frana. Baptizourse Paraguau com o nome de atharina, que era o da rainha de Portugal1, sendo padrinhos o soberano e a soberana de Frana. Celebrou-se em seguida o consrcio. De boa Vontade voltara Diogo a Portugal, mas no lh'o querio consentir os Francezes. As honras que lhe-havio feito no devio ser gratuitas, e premedita vo elles empregalo em seus prprios domnios. Por mo de Pedro Fernandes Sardinha (mancebo ento, que acabava de cursar os seus estudos em Pariz, e que depois foi o primeiro bispo do Brazil) mandou elle porm a D. Joo III as
E no por ser o de Catharina de Medicis, como a maior parte dos Portuguezes erradamente dizem. Jaboato ( 35) claramente o prova.
1

HISTORIA DO RRAZIL

59

informaes, que a no deixavo levar pessoalmente, e exhortou o rei a colonizar a deleitavel provncia, onde elle prprio to extranhamente havia vivido. Passado algum tempo, conveio comum abastado mercador em tornar a leval-o, e deixar-lhe a artilharia e munies de dous navios, com copia de cousas uleis para o trafico com os indigenas, e elle lhe carregaria ambos os barcos de pau Brazil. Cumpriu-se lealmente o tracto, e Diogo, restituido Ya ^ ir de da aos seus domnios, fortificou a sua pequena ca- ^gmfe.
. , Brito Freyre.

pitai 1 .

155-158.

Mas o governo portuguez todo absorvido pelos ne- progressos gocios da ndia, pouco pensava n'um paiz em que Iodos os beneficios-que se colhessem deverio provir da agricultura, e no do commercio cornos naturaes; e commercio era o que elle buscava com a mesma anci com que os Hespanhoes buscavo o ouro.
Depois da luminosa dissertao do Sr. Varnhagen denominada 0 Caramuru perante a historia bem averiguado ficou que as romanescas aventuras de Diogo Alvares Correia no passam de uma lenda popular, fundada em um facto verdico. Admiltido o naufrgio, e subsequente presena de Diogo Alvares entre Tupinambs, e os relevantes servios por elle prestados ao primeiro donalorio da Bahia Francisco Pereira Coitinho contesta o Sr. Varnhagen com muito boas razes a sua ida Fiana no tempo d'Henrique II, e baptismo da Paraguau, tendo por madrinha a rainha Catharina de Medicis, e a doao por esta feita dos seus dominios a D. Joo III, que nessa epocha reinava em Portugal. Para mais cabal conhecimento d'este ponto remittimos o leitor para supra mencionada dissertao inserta no tomo X da Revista trimensal do Instituto histrico e geographico do Brazil. F IV
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60

HISTORIA DO BRAZIL.

Deixou-se o Brazil aberto como terreno maninho1, e todo o cuidado que lhe prestou a corte foi ja por meio de representaes feitas pelo embaixador em Pariz, e a que nunca se attendia, ja tractando-os como inimigos, quando os encontrava, evitar que os Francezes alli traficassem. Os particulares porem, entregues a si mesmos, se estabelecio pelos portos e ilhas ao longo da costa, e villas e aldeias io surgindo. Divkie-seo Por cerca de trinta annos ainda depois da sua Brazil em

508

capitanias, descoberta foi assim descuidado o paiz; durantee>te tempo adquiriu elle importncia bastante para merecer alguma considerao corte, que, para favorecer-lhe a colonizao, adoptou o plano que to bom effeito surtira na Madeira e nos Aores, o de dividil-o em capitanias hereditrias, conccdendo-as com alada no crime e no eivei e jurisdicoJo ampla, que de facto se tornava illimitada, a pessoas, que quizessem aventurar na empreza meios sufficientes. Pareceu este systema o mais fcil e o menos dispendioso ao governo. A differena entre ilhas desertas e um continente povoado, no se mettera em conta. Os capites de ilhas facilmente podio colonizar terras, onde nenhuma opposio enconlravo,
Vieyra nas suas Cartas menciona uma tradio popular de que D. Manoel, receando damno do commercio da ndia, mandara arrancar no Brazil todas as plantas de especiaria, escapando apenas o gengibre por estar debaixo da terra. Parece porem no se haver considerado a impossibilidade de executar similhante ordem em todo um continente.
1

. HISTORIA D O BRAZIL. 61 e sem difficuldade se soccorrio mutuamente quando 1508o pedia o caso; se lhes falhavo os.meios, fcil lhes era conlrahir emprstimos at em Portugal, que to perto ficavo aquellas partes, que quasi se olhavo como dentro do reino. Mas quando D. Joo dividiu a costa do Brazil em grandes capitanias, cada uma de cincoenta legoas pouco mais ou menos de extenso beira mar, grandes tribus selvagens occupavo o paiz; Portugalficavalonge, e os estabelecimentos to Manoel Seve distantes enlre si, que um no poderia soccorrer o raddeFjao5o'
(Jcliarros.

outro. . v. I\ 0 primeiro que d'uma d'estas capitanias tomou capitania r i - . . . . i o / S- Vicente.

conta, foi Martim Affonso de Souza (cujo nome oc* corre freqente na historia da ndia porlugueza, de que mais tarde foi governador), o varo famoso nos fastos da Egreja calholica por ter levado ao oriente S. Francisco Xavier. Elle e o irmo Pero Lopes de Souza, obtida para cada um a sua capitania, ajunctro considervel armamento, com que foro explorar o paiz, e fundar em pessoa os seus estabelecimentos. Principiou Martim Affonso por examinar a costa algures perto do Bio de Janeiro, a que deu o nome por lel-o descoberto no primeiro dia d'aquelle mz1; e proseguindo para o sul at ao Prata, foi
* No foi Martim Affonso de Souza, e sim Gonalo Coelho, commandante da primeira exquadrilha exploradora (1501) que poz o imprprio nome de Rio de Janeiro magestosa bahia que os Tamoyos denominavam de Ganabara, ou Nitlieray. F. P.

HISTORIA DO BRAZIL. 1508. nomeando os logares que de caminho explorava, Bio"dfjan. p 6 i 0S dias1 em que fazia as descobertas2. Bem explorada a costa, escolheu para sede do seu estabelecimento uma d'estas ilhas, que como Goa esto separadas da terra firme por um brao de mar. A sua lat. 24 1/2 S., e seu nome indgena (maibe, assim chamada d'uma arvore que alli crescia em grande abundncia. Quando os ndios dos logares circumvisinhos o viro alli principiar a edificar, confederro-se para expulsar os invasores, pedindo auxilio a Tebyri, chefe que dominava nas plancies de Piratininga, e que entre a sua tribu era o mais poderoso. Succedeu que um Portuguez naufrago, por nome Joo Bamalho, vivia havia muitos
62

Correspondem-se estes nomes por sua ordem e provvel ijitervallo de tempo Rio de Janeiro no 1, Ilha Grande dos Magos a 6, Ilha de S. Sebastio a 20, S. Vicente a 22. Flumen Genabara, a simitudine locas sic appellatum; diz .Nic> Barre. Serve-se Thuanus das mesmas palavras, escrevendo, creio eu, com estas cartas deante dos olhos. D. Lery d a verdadeira razo do nome, dizendo que os selvagens a chamavo Guanabara: No me maravilharia achar aquella primeira etymologia fundada n'esta corrupo brazileira, allegada em prova de terem sido os Francezes os primeiros descobridores do logar. Vasconcellos diz que os indigenas o chamavo Nithero; Vida do P. Anchiela, 1. 2, c. 1, 2. Um marco posto por Martim Affonso na ilha de Cardozo, defronte da Je Cananea, foi descoberto em 1767 pelo coronel Aff. Bothelo de Sampaio c Souza, que levantava a planta do logar, para erigir um forte. Fr. Gaspar da Madre de Deos, cap. 1, 52. 2 Ao mesmo Gonalo Coelho deve-se attribuir a serie de denominaes mencionadas pelo auctor. F. P.

HISTORIA DO BRAZIL.

65
1508.

annos debaixo da proteco d'este regulo, que lhe dera uma'de suas filhas. Bamalho logo viu que os novos vindos devio ser seus conterrneos, talvez alguma armada, que indo para a ndia, alli fosse dar pela fora do temporal. Persuadiu o seu protector a soccorrel-os em vez ie atacal-os^ e indo ter com Martim Affonso :. :e este e os Goyanazes*concluiu um tractado de alliana. Em muitas circumstancias essenciaes se distin*

os
Goyanazes.

guia de seus selvagens visinhos esl tribu. Observava ella uma practica luctuosa, que lh era peculiar: quando morria algum enforcava-se um certo numero dos seus amigos ou parentes, pessoas do mesmo sexo, e quanto era possvel da edade do falecido, para que no outro mundo tivesse companhia adequada. Se no se- offerecio bastantes victimas voluntrias, fora se preenchia o numero. Por morte d'um chefe, sacrificavo-se os seus vassallos e no os seus parentes. No. observavo porem os Goyanazes outro rito algum cruel. Vivio em cavernas subterrneas, onde tinho fogo a arder de dia e de noite: no era pois para se esconderem que elles preferio estas incommodas habitaes Dormio em cima de pelles e camas de folhas e no ein redes. Nem cultivavo a terra, nem criavo animaes, fiando-se inteiramente na pesca, na caa e nas fructas silvestres para seu sustento. Os Carijslhes entendio a lingua, que era diversa da dos Tamoyos,

04

HISTORIA DO RRAZIL.

1 & O 8 . e com ambos esta vo elles em guerra. Era uma raa toSuSta! simples, fcil em acreditar tudo, e pois que tractava
L. 1, c. 65. r 7 ,

sempre bem os Portuguezes onde quer que os encontrava, podemos com razo presumir que os primeiros colonos se no portrio mal com ella. CoGaspar da * * .

W & T nhceu-seque no fora bem escolhido o-primeiro logar"para assento da cidade, e os colonos mudrose para a visinha ilha de S. Vicente, d'onde veio o
Animes do R d i

Mssc. " uome capitania. Fez Martim Affonso uma mallograda expedio Kot d0 2 "! ": 60? para o sul pelo serto dentro em busca de minas, c. c". i, ei! voltando com a perda de oitenta Europeos. A todos i>iantno-se as- os outros respeitos foi afortunada a sua colnia. Aqui
primeiras
f

annasde se plantaro as primeiras cannas de assucar , aqui se creou o primeiro gado e d'aqui se provro de uma e outras cousas as demais capitanias. Se a honra de haver introduzido a canna no Brazil reverte ao fundador da colnia, ningum o diz; se houvera sido uma batalha ou uma carnificina teria sido consignada para memria eterna. Quem assim beneficia a humanidade, deificado n'uma edade de selvageria; n'outra.deiIlustrao recebe o devido tribute de louvor; mas em todos os graus intermedirios de barbaria e semi-barbaria passo desapercebidas estos
* Tinho sido trazidas da Madeira. Diz Jaboato ( 48) que ellas se acharo aqui, e so aqui, no Brazil. o nico escriptor que d a canna como indgena n'este paiz : mal se pde crer porem que ella se encontrasse tanto ao sul.

HISTORIA D O BRAZIL. 65 aces. Chamado por ekrei depois d'algunr*tempo, 150Rteve Martim Affonso de ir ndia; mas quando voltou a Portugal, de Ia se mostrou solicito pela prosperidade da sua capitania, mandando-lhe colonos e soccorros, e em estadoflorescentea transmittiu por morte, a seu filho. Trigo e cevado diminuto consumo tinho, onde tanto agradava o sustento do paiz; o pouco gro f que se colhia era para golodices e hstias. Fabri- Noticia. cava-se aqui marmelada, que se mandava para as outras capitanias.* Encontro-se aqui ostras de to desmarcado tamanho, que suas conchas servem de .pratos, euma vez, quando um bispo da Bahia visitou esta provncia, em uma d'ellas lhe lavaro os pes, como n'uma bacia. Toda a costa mui abundante de crustceos e testaceos, que os indigenas em certas, estaes vinho do. interior a recolher: construio seus ranchos em algum logar enxuto entre as fio- restas de mangues, vivendo unicamente de peixes por lodo o tempo da pesca, cujo producto, sec- * cando-o, comsigo levavo. Tanto havia durado esta practica, que das conchas se havio formado ostreiras, sobre os quaes, accumulando-se a terra, tinho - , nascido e crescido arvores at perfeita madureza. ^ ' Eslas eminncias, chamadas ostreiraSj teem fornecido toda a cal que desde a sua fundao at ao dia . de hoje se tem empregado na capitania. Em algumas d'ellas se transformo as ostras em pedras calcrias,
i.
5

66 HISTORIA DO BRAZIL. I>08. n'outras no mudo de frma : freqentemente se encontro alli instrumentos vasos de barro quebrados dos ndios e ossos dos mortos, pois os que Gaspar da perecio durante a estao da pesca ero atirados i',g29,30s' para estes montes e cobertos de ostras. Foi Pero Lopes de Souza menos afortunado que St. Amaro e Itamaraca. seu irmo. Preferiu elle ter em duas datas as suas cincoenta legoas de costa. Uma, que tomou o nome de Saneio Amaro, confinava com San Vicente, acercando-se tanto do estabelecimento principal, que entre as duas villas no mediavo mais de trs legoas, de modo que se no pertencessem a dous irmos, mal se terio dado uns com os outros os respectivos colonos. Em quanto assim eslivero as cousaspara todos foi de vantagem a visinhana; rnas Jogo que a propriedade passou a outros possuidores, entre os quaes se no davo os mesmos laos, tornouse isto causa de interminveis litgios. Itamaraca, l;. 1'illa. 2, io. a outra data, ficava entre Pernambuco e Parahyba, muitos graus mais perto d linha. Aqui teve Pero Lopes alguns duros conflictos com os Pitiguares, que \otidas. sitiaro na sua cidade; mas a final logrou repellilMss. i, e. , 6i. os da visinhana. Pouco depois pereceu n'um nauB. Telles. C.
r r

c. 3,1,5. fragio. Paraba. Companheiro de Pero Lopes, com quem naufragara no Bio da Prata, tinha sido um fidalgo, por nome Pedro Ges, mas nem isto nem o desastroso fim do amigo ofizeraperder o animo. Gostou do Bra-

HISTORIA DO BRAZIL.

j7
1508

zil e pediu uma capitania quando el-rei d'ellasestava dispondo com mo to prdiga. Parece que no" gozava elle de grande influencia na corte, pois que lhe restringiro a concesso a trinta legoas de costa, entre as capitanias de S. Vicente e do Espirito Saneio, e se o espao d'uma a outra no se extendesse tanto, com o que fosse, se contentaria. Empregou Pedro Ges toda a sua fazenda n'esta empreza, e ainda um certo,Martim Ferreira, que alli pretendia fundar engenhos de assucar por conta de ambos, adeanlou muitas mil coroas. Fez-se a expedio de vela para o rio Parahyba do Sul, onde Ges se fortificou, e poz sua capitania o nome de S. Thom, vivendo dous annos em paz com os Goyalacazes. Bebentou ento a guerra, que durou cinco annos com grande perda para elle : fez-se a paz, que os selvagens no tardaro a romper, pois que nenhum motivo ha para suppor que n'este caso fossem aggressores os Portuguezes, to interessados na guarda do tractado. Fracos e inteiramente desanimados estavo os colonos : comearo a clamar que se abandonasse o estabelecimento, e Ges teve de ceder a seus clamores. Do Espirito Sancto se obtivero navios para conduzil-os, e extinguiu-se o nome da capii'

Noticias.

tania. MS. I, u. Era a*tribu, que expelliu Ges, provavelmente do os 1 mesmo tronco dos Goyanazes , e como elles no de1

Tomal-os-ia pelos mesmos, se.em outra oceasio se no releris-

66 HISTORIA DO BRAZIL. 1508. n'outras no mudo de frma : freqentemente se encontro alli instrumentos vasos de barro quebrados dos ndios e ossos dos mortos, pois os que Gaspar d a perecio durante a estao da pesca ero atirados i,29,30.' para estes montes e cobertos de ostras. st. A m a r o e Foi Pero Lopes de Souza menos afortunado que
Itamaraca. .

seu irmo. Preferiu elle ter em duas datas as suas cincoenta legoas de costa. Uma, que tomou o nome de Saneio Amaro, confinava com San Vicente, acercando-se tanto do estabelecimento principal, que entre as duas villas no mediavo mais de trs legoas, de modo que se no pertencessem a dous irmos, mal se terio dado uns com os outros os respectivos colonos. Em quanto assim estivero as cousas para todos foi de vantagem a visinhana; rnas Jogo que a propriedade passou a outros possuidores, entre os quaes se no davo os mesmos laos, tornouse isto causa de interminveis litgios. Itamaraca,
ti. Pitta. '

2, 106. a outra data, ficava entre Pernambuco e Parahyba, muitos graus mais perto da linha. Aqui teve Pero Lopes alguns duros conflictos com os Pitiguares, que Noticias. sitiaro na sua cidade; mas a final logrou repellili, c. u, 6i. os da visinhana. Pouco depois pereceu n'um nauB. Telles. C. .
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(.3,1,5. fragio. Paraba. Companheiro de Pero Lopes, com quem naufragara no Bio da Prata, tinha sido um fidalgo, por nome Pedro Ges, mas nem isto nem o desastroso fim do amigo ofizeraperder o animo. Gostou do Bra-

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zil e pediu uma capitania quando el-rei d'ella,s estava dispondo com mo to prdiga. Parece que no" gozava elle de grande influencia na corte, pois que lhe restringiro a concesso a trinta legoas de costa, entre as capitanias de S. Vicente e do Espirito Saneio, e se o espao d'uma a outra no se extendesse tanto, com o que fosse, se contentaria. Empregou Pedro Ges toda a sua fazenda n'esta empreza, e ainda um certo Martim Ferreira, que alli pretendia fundar engenhos de assucar por conta de ambos, adeantou muitas mil coroas. Fez-se a expedio d vela para o rio Parahyba do Sul, onde Ges se fortificou, e poz sua capitania o nome de S. Thom, vivendo dous annos em paz com os Goyalacazes. Bebentou ento a guerra, que durou cinco annos com grande perda para elle : fez-se a paz, que os selvagens no tardaro a romper, pois que nenhum motivo ha para suppor que n'este caso fossem aggressores os Portuguezes, to interessados na guarda do tractado. Fracos e inteiramente desanimados estavo os colonos : comearo a clamar que se abandonasse o estabelecimento, e Ges teve de ceder a seus clamores. Do Espirito Sancto se obtivero navios para conduzil-os, e extinguiu-se o nome da capi,

Noticias.

tania. Era a "tribu, que expelliu Ges, provavelmente do mesmo tronco dos Goyanazes1, e como elles no de* Tomal-os-ia pelos mesmos, se.em outra oceasio se no refeiis-

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'> * * os

70 HISTORIA DO RRAZIL. 1508. de folhas. Se um d'elles matava outro, era entregue aos parentes do morto, e na presena dos de ambas as partes immediatameite estrangulado e enterrado. Todos fazio clamorosas lamentaes no acto da execuo; e depois banqueteavo-se e bebio junctos por muitos dias, at que da inimizade no restava vestgio. Ainda que a morte tivesse sido ccidental, o castigo era o mesmo., Se o delinqente se evadia, era ofilho,afilha,ou o parente mais chegado era sangue, em seu logar, mas o substituto em logar de perder Mss. M'6. vida, ficava sendo escravo do herdeiro do morto. PonoSeguro. A visinha capitania de Porto Seguro foi dada a Pedro do Campo Tourinho, natural de Vianna da Foz do Lima, de famlia nobre, e intrpido navegante. Vendeu quanto em Portugal possua, para aventural-o n'esta empreza, e embarcou com mulher e famlia e grande numero de bons colonos, como B. Teiies c. os chamo, e como sem duvida merecem ser chamaC3,l,6.' .

dos, se elle todos os recrutou na sua prpria provncia, o que provvel. Tomaro terra no porto onde 1531. suppunho que Cabral tomara posse do Brazil, e alli se fortificaro num logar, que guarda o nome de Porto Seguro, e que ainda a capital da capitania'. s T U iniuins OpPozro os Tupiniquins ao principio alguma resistncia. Senhoreavo o paiz desde o rio Camam at ao Circara, n'uma extenso de quasi cinco graus;
* Este primeiro volume foi escripto em J 810.

HISTORIA DO BRAZIL.

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1531

e n'esta e nas duas capitanias confi-nantes tivero os primeiros colonos de disputar-lhes o terreno. No tardou porem que se fizesse a paz e os Tupiniquins lealmente a guardaro. Andavo s vezes em guerra com os Tupinaes, mas, oriundas do mesmo tronco, no se olhavo estas tribus como inimigas naturaes e perptuas, e considerados como meras circumstancias accidentaes, no deixavo estes conflictos apoz si o dio; a final n'uma so se fundiro as duas naes. De todos os indigenas brazileiros passo estes por terem sido os mais mansos e fieis, infatigaveis e valentes. Aos dos Tupinambs se assimilhavo os seus hbitos e linguagem^ mas havia tanto que elles se tinho separado, que do tronco commum nenhuma memria restava, e inimizade de morte os dividia. Ero os Tupinambs os mais poderosos ; apertados por elles d'um lado, do outro pelos terrveis Aymors, e aproveitando menos com a amizade dos Portuguezes do que soffrendo da sua tyrannia, pouco a pouco foro abandonando as suas terras. Jamais faltaro homens que erguessem a voz conlra o cruel proceder dos seus patrcios; mas to geral era a culpa, que nacional se tornou o delicto. No cabe a Tourinho esta pecha; possua elle influencia bastante sobre os indigenas para reunil-os em aldeias, e bem se deixa ver d'aqui que os tractava bem prudentemente. Estabelecero-se engenhos de assucar com to feliz resultado que pro-

72

HISTORIA DO RRAZIL.

duzio quantidade no pequena, que exportar para a me ptria. No se pde alli criar gado bovino por causa d'umaherva, que se diz lhe fazia hemofroidas, de que morria '; comtudo cavallos, jumentos e cabras nada soffrio d'isto. A doena no era provaa Mss!i l. velmente impulada verdadeira causa. Deve a capitania das Ilhas * o seu inappicaVel llheos. nome ao Rio dos llheos, assim chamado por que na foz lhe fico Ires ilhas. Foi Jorge de Figueiredo Corra, escrivo da fazenda dei rei D. Joo III, o seu primeiro donatrio. 0 officio, que servia, lhe tolhia ir em pessoa tomar posse da su concesso, pelo que mandou por si um cavalleiro castelhano, de nome Francisco Bomero. Fundeou este no porto de Tinhar e principiou a sua nova villa no morro de S. Paulo, d'onde comtudo depois julgou avizado removel-a para a sua aclual situao. Chamou-se primeiramente de S. Jorge, em honra do senhor da terra; mas a mesma imprpria denominao, que havia sido dada capitania, no tardou a applicar-se sua capital. Fceis foro os Tupiniquins em fazer
Stedman (y.ol. 1, 336) menciona o duncane, como o chamo os negros de Surinam. E um arbusto de folha&igrandes e verdes, que nasce em logares baixos e panlanosos e d morte instantnea a todo o animal que o come. As ovelhas c os novilhos so apaixonados pelas suas folhas, mas a maior parte dos animaes, diz (lie, sabem instinctivamente do seu sustento distinguir o veneno. 2 Nunca se chamou esla capitania das Ilhas, e sim de S. Jorge dos lllteos.
1

1531.

HISTORIA D O BRAZIU 73 a paz com os novos colonos, e sendo de todas as tribusbrazileiras a mais tractavel, com elles vivero em termos amigveis, e bem depressa prosperou o novo estabelecimento. 0 filho do originrio donatrio da capitania a vendeu a Lucas Giraldes, que em meIhoral-a dispendeu avultado cabedal, com que tanto

,531

- '

Noticias.

a fez florescer/que no tardaro a ver-se alli traba- Msf7-Sim-de lhar oito ou nove engenhos de assucar. " ' '' 3< ?33, u Toda a costa, desde o caudaloso rio de S. Francisco 1531 at a Ponto do Padro da Bahia, foi doada a Fran- 1540. cisco Pereira Coutinho, fidalgo que se distinguira no servio da ndia, e mais tarde se accresentou concesso a prpria bahiacom todas as suas enseadas. Fixou elle o seu estabelecimento sobre a bahia no sitio agora dicto Vil Ia Velha, onde foi a residncia do Caramvr. Com duas filhas d'este se casaro dous dos seus companheiros, que ero de boa casa, e como por amor se affeioro os ndios aos Portuguezes, Noticias. tudo foi bem. Sm.deW
' U U 1, g 04.

E a bahia de Todos os Sanctos, onde mais tarde se erigiu a capital do Brazil, inquestionavelmente um dos melhores portos do mundo. Aqui como no Bio de Janeiro, sobre a mesma costa, parece o mar ter entrado pela terra dentro; ou, o que mais provvel, algum lago grande, rompendo a sua barreira, se abriu caminho para o oceano. A entrada, que mede quasi trs legoas de largo, olha para o sul, tendo o continente direita, ea comprida ilha de Itaparica

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1531

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esquerda. Quem por ella penetra ve-se n'uma enseada que para o norte e poente se alarga na extenso d'um grau, e que insinuando-se em todas as direces, por toda a parte forma seios, onde as ondas J d et *i 5,2l. dormem tranquillas e profundas. Muitos rios naveS. de Vasc. C. u * 1 j MI i c. i, g 28. gaveis alli vao desaguar, e mais de cem ilhas salpicao
1 v

Lindley.

9- este novo mediterrneo. Revol ues Guardavo os indigenas memria de trs revono recncavo, lues n'este recncavo, como se denomina a bahia com todos os seus golfos e sacos. At onde lembrana de homem podia remontar entre selvagens, pssuio-no os Tapuyas; mas sendo esta parte do Brazil a todos os respeitos um dos logares formosos debaixo do ceo, era tambm um paiz por demais apetecido', para ser gozado em paz, onde a lei do mais forte era o nico direito. Expelliro-nos poisosTupinaes, que por muitos annos na posse do terreno se manlivero, soffrendo sempre pelo lado do interior a guerra dos antigos senhores do solo. A final viero da outra margem do rio de S. Francisco os Tupinambs, que da mesma forma expulsaro os Tupinaes,.os quaes arremessando-se sobre os Tapuyas, de novo os levaro adeante de si. Ero estes ltimos conquista dores os que senhoreavo o paiz ao chegarem os Portuguezes : mas tinho brigado entre si. Os que habitavo entre os rios S. Francisco e Beal, vivio em mortal inimizade com os queficavo mais perto da bahia, e os d'um lado d'esta com os do outro; hosti-

p 23

HISTORIA DO BRAZIL.
1 r r r

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lizavo-se por mar e por terra e de parte a parte de-

voravo os prizioneiros. Bebentou novo conflicto entre os que habitavo do lado oriental "da bahia : foi causa a que em edades barbaras, hericas ou semi-barbaras tanta matria tem fornecido historia e poesia. A filha d'um cacique fora roubada contra vontade do auctor de seus dias; recusou o roubador restituil-a, e no sendo assaz poderoso para compellil-o, retirou-se o pe com toda a sua horda para a ilha de Itaparica. A elle se reuniro as tribus do rio Paraguau, e entre os dous bandos se travou guerra de morte. Das freqentes emboscadas e conflictos, de que foi theatro, tira o seu nome a ilha do Medo. Multiplicaro se, espalhando-se por toda a costa dos Ilheos, os emigrados, e com todo o seu rancor se perpetuou a guerra. Tal era na Bahia o estado das couzas entre os Tupi- Expulso nambs, quando Coutinho alli fundou o seu estabelecimento. Tinha o fidalgo servido na ndia, que no era eschola onde se aprendesse a humanidade, nem a prudncia poltica. O filho d'um dos chefes indgenas foi morto pelos Portuguezes; no nos transmiltiu a historia a narrao das circumstancias d'esteacto, mas sabe-se que foi injusto. Caro pagou Coutinho o seu crime. Aquelles ferozes selvagens, ento as mais terrveis de todas as tribus brazileiras, queimro-lhe os engenhos de assucar, destruiro-

Noticias. Ms 2 c ^M

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153

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'

lhe as plantaes, malro-lhe um filho bastardo, cortro-lhe o abastecimento de viveres e at a gua, de modo que todas as provises lhe havio de vir dos Ilheos, e apoz uma guerra de mais de sete annos, obrigro-rno a elle e aos destroos da sua colnia, a abandonar o recncavo. Seguiu Caramuru a sorte
.

JaboatSo.

dos seus compatriotas, com os quaes se retirou para a. visinha capitania dos Ilheos. Idos elles, principiaro os Tupinambs a sentir a falta d'esses artigos que eslavo ja acostumados a obler do trafico, e que de objectos de luxo havio deixado converterem-se em necessidades. Entabulro-se negociaes, compozero-se as couzas, e Coutinho embarcou para voltar n'uma caravela, e o Caramuru em outra. Dentro da barra naufragaro nos baixios de Itaparica; todos saltaro para terra, e todos alli foro traioeiramente trucidados. So Caramuru e a tripo-* lao do seu navio foro poupados, prova de quo assizadamente elle se houvera sempre para com os indigenas. Voltou para a sua antiga residncia na bahia1. A mulher e filhos de Coutinho no perecero com elle; provavelmente tinho ficado nos Ilheos, mas todos os despojos da ndia e patrimnio antigo M^i^tg. eslavo exhauridos, e elles, vendo-se na misria, tic. yfs'34: v e r o de procurar asylo no hospital.
Marcgrave d Quirimme como nome da capitania da Bahia neste tempo. E provavelmente a mesma designao de Caramuru dada pelos selvagens ao domicilio d'este, em memria sua.
1

s -

104

HISTORIA D O BRAZIL. 7 Por estes mesmos tempos se formou outra capir 1531lania, a de Pernambuco. Um navio de Marselha alli havia estabelecido previamente uma feitoria, deixando n'ella setenta homens, pensando manter a possesso. Mas o navio foi aprezado na volta, e sabendo-se assim em Lisboa do oceorrido iminediata- cSrt|0fiici mente se tomaro medidas, para rehaVer o logar. Q Hi^tovgeneai. donatrio Duarte Coelho Pereira o pediu em recom- ' vP pensa dos seus servios na ndia. Concedeu-se-lhe a linha de costa entre os rios S. Francisco e Jura: foi elle prprio com mulher e filhos e muitos dos seus parentes principiar a colnia, desembarcando . no porto de Pernambuco. A entrada por um comprido recife, o que o nome indigena implica. O/J, que lindasituao para se fundar uma villa I exclamou Duarte Coelho ao vel-a, e d'aqui se chamou a cidade Olindal. Possuio a costa os Cahets, tribu notvel pelo osCaheii. uso que fazio de. canoas, formadas d'uma espcie de palia comprida e forte entranada com a madeira*. Fazio-nas grandes bastante para levarem dez ou doze pessoas. Diz-se que ero mais brulaes do
Cremos antes, com o Sr. Varnhagen, que foi este nome derivado d'alguma povoao de Portugal de grata recordao para o donatrio. F. P. s Ero de uma palha comprida, como a das esteiras de taboa que ha em Santarm; a qual ajunetavo em molhos, mui apertada com umas varas muito fortes e rijas, e brandas para apertar? Noticias Mss. i, 19.
1

i53i.

78 HISTORIA D O RRAZ1L. q Ue a s o u t r a s tribus, pois que entre elles pouca affeio natural se percebia. Conta-se o exemplo de um, que sendo escravo dos Portuguezes, atirou a filha ainda criana ao rio, por que chorava. Este facto nico so provaria brutalidade individual, mas refere-se como exemplo do insensvel caracter ge-

INoticias.

MSS. 1,19. nenco. A esta gente, diz Bocha Pitta, teve Duarte Coelho de arrancar s pollegadas, o que lhe fora concedido s legoas. Os selvagens a atacaro, sitiando-o na sua nova villa. Capilaneavo-nos os Francezes que commerciavo para aquella costa. Grande era a sua multido e se o cabo portuguez fosse menos experimentado na guerra, ou menos hbil nos estratagemas, exterminada teria sido provavelmente a sua colnia. Foi elle ferido duranle o assedio, morta muita da sua gente, e a praa reduzida ultima extremidade; mas a final rechaou o inimigo, e feita osTohajar&. uma alliana com os Tobayars, teve fora e animo bastante para aproveitar a victoria. Foro estes ltimos ndios a primeira tribu brazileira que se ligou com os Portuguezes. Um dos seus caciques, Tabyra, possuia grandes talentos militares, e era o flagello das hordas inimigas : introduzia se pessoalmente entre ellas, para lhes espionar os acampamentos, e escutar-lhes os projectos. Devio [pois estas tribus ser do mesmo tronco e fallar a mesma lingua. Dispunha emboscadas, dava assaltos de noite, e trazia os

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153L

inimigos em continuo sobresalto. Por fim reuniro elles todas as suas foras, e vindo sobre Tabyra, o. cercaro. Fez este uma sortida : uma setta lhe vasou um olho; arrancou-a elle e com ella o globo. Yoltando-se para os seus, disse que para bater os inimigos lhe era de sobra o outro, e de facto completamente os derrotou apezar da superioridade do numero. Outro d'estes Tobayars era Itagybe, o Brao de ferro, que se distinguiu combatendo pela mesma parcialidade; e Piragybe, o Brao de peixe {se com esta inimaginvel 'significao se traduziu bem o nome), taes servios prestou aos Portuguezes, que com a ordem de Christo e uma penso lhos galarr

S. Vasc.C.C.

doaro. *. >o>%. Alguns annos de paz se seguiro e d e prosperidade, Bebentou ento outra g u e r r a , provocada, como de costume, pelo m a o proceder dos colonos. esta a p r i m e i r a entre Portuguezes e indigenas d e

que a historia nos transmittiu algumas particularidades, e estas so curiosas. Befere-as Hans-Stade, o primeiro que escreveu uma relao dos successos do Brazil. Era Hans, cujas ulteriores aventuras formaro iiansstade. uma parte interessante d'esta historia, filho d'um bom homem de Homberg, no territrio de Hesse. Projeclara elle fazer fortuna na ndia, e n'esse intento embarcou na Hollanda n'uma frota mercante, que ia a Setbal buscar sal; mas a chegar a Portugal

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15. ero partidas ja as naus da ndia, pelo que aceitou o posto de artilheiro a bordo d'um navio, que seguia para o Brazil n'uma viagem mercante, conduzindo degradados para Pernambuco. Ia de conserva um barco mais pequeno: bem providos ambos de petrechos bellicos: levavo ordem de atacar toda a embarcao franceza que achassem traficando n'aquellas paragens. Em oitenta e oito dias dobraro as 'de jan. o Cabo de Sancto Agostinho, em princpios de 1548, e entraro no porto de Pernambuco1. Alli entregou o capito a Coelho os seus criminosos, para ir traficar onde melhor lhe conviesse. Succedu porem que exaclamenle por este tempo se levantaro os ndios contra os Portuguezes, dispondo-se ja a sitiar o estabelecimento de Iguarau, que no ficava mui distante. Esperando ser elle prprio atacado, no podia Coelho dar-lhe soccorro, pelo que pediu que estes navios o prestassem, e effeclivamente foi Hans com quarenta homens mandado em auxilio dos cercados. ce,co Estava Iguarau edificada nas matas sobre uma de Ipuara^u. angra, que se metlia obra de duas legoas pela terra dentro : a sua guarnio, incluindo este reforo,
Hans chama a cidade Marnos, e o commandante Artus Coelho. Talvez tomasse o nome de Duarte por este, que lhe devia ser mais familiar; ou ento teria Duarte algum irmo assim chamado. Marim era o nome.. d'uma aldeia indgena no logar onde mais tarde se edificou Olinda, que ainda por algum tempo se ficou chamando da mesma forma. B. Freire, 526. Jaboalo, 125.
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1548.

consistia em noventa Europeos. e trinta escravos, uns dos quaes negros e outros indigenas. Avaliavase a fora que os investia em oito mil, numero provavelmente exagerado. Alem da palissada, que os Portuguezes tinho adoptado dos ndios, nenhuma fortificao mais havia, rguro os sitiantes dous grosseiros baluartes de arvores, a que se acolhio de noite com receio d'algum ataque repentino. Cavaro poos, em que de dia eslavo a coberto dos tiros, e cPonde sahio de improvizo por differenles vezes, esperando, tomar de sorpreza a praa. Quando vio as peas apontadas contra si, a lira vo-se. ao cho. De vez em quando approximavo-se da palissada, arremessando por sobre ella os seus dardos ao acaso, contando que na queda algum feririo; atiravo contra as casas seitas incendiadas cm algodo encerado, e nunca se acercavo, que no fosse ameaando em altos gritos devorar os seus inimigos. No tardou que os Portuguezes sentissem falta de mantimento, pois era coslume tirar da terra todos os dias, ou pelo menos um dia sim outro no, a mandioca, de que fazio o po, e agora bloqueados como se vio, no podio sahir a fazer este servio necessrio. Mandro-se dous botes em busca de victualhas ilha de Itamaraca, que fica enIrada da enseada, e onde havia outro estabelecimento, e Hans foi da parlida. N'um logar, oiide o golfo se aperta, havio os selvagens tentado obstruir a navegao, atravessando alli

82 HISTORIA DO RRAZIL. 1548 grandes arvores : este obstculo removero-no os Portuguezes viva fora, mas em quanto assim se demoravo, vasava a mar, que antes de elles chegarem a Itamaraca os deixou em secco. Em logar de atacal-os erguero os selvagens um monte de lenha secca entre os botes e a praia, e pondo-lhe fogo, lanaro na chamma uma espcie de pimenta que alli nasce abundante e produz um fumo pungente, com que pensavo suffocar ou d'outra qualquer frma vexar os contrrios. Um sopro de vento do lado opposto inutilizaria o artificio, mas nem isso foi precizo por que a lenha no ardeu, e enchendo a mar, pondo-os outra vez a nado, seguiro os Portuguezes para Itamaraca, onde os suppriro do que carecio. Entretanto havio os selvagens cortado quasi de lado a lado duas arvores gigantescas, que crescio ao p da angra, onde ella era mais estreila, amarrando-as comfibrascompridas e ligneasd'uma planta que chamo sip. Quando, approximando-se percebero os dos boles este obstculo, chamaro pelos de dentro do forte, que viessem soccorrel-os, pois o logarficavaao alcance da voz, embora o arvoredo o occultasse vista; sabio os selvagens o que isto queria dizer, e apenas ouviro gritar, principiaro a fazer o mesmo, abafando as vozes aos inimigos. 0 mais que podero fazer os Portuguezes, foi tentarem uns confundir a atteno dos ndios, em quanto os

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remadores com todas as suas foras se valio dos 1548remos. Favoreceu-os a fortuna : uma das arvores baqueou em sentido oblquo sobre a margem, a outra cahiu atraz d'um dos bateis, e esmigalhou-o 1 na queda . Durava o cerco havia ja um mez; os selvagens viro mallograda a esperana de reduzir a pr&a pela fome, e exhausta a sua perseverana, fizera o a paz e retirro-se. No perdero os Portuguezes um so homem nem muitos os sitiantes. Depois d'esla fcil guerra continuou a colnia a pro- H Stade sprar durante o resto da vida de Duarte Coelho. P. i* 7ii. Joo de Barros, o grande historiador, obteve a Eipedi0 lte -capitania do Maranho. No ero muilos os seus Tunha6
. ii..,. ao Maranho.

meios, e para augmentar o capital, dividiu a sua concesso com Ferno Alvares de Andrada pae do clironista, e com Ayres da Cunha. Formaro elles um plano de conquista e colonizao, e em escala muito maior do que nenhum dos outros at ento feitos' para a America portugueza foi o seu armamento. Alistro-se novecentos homens, dos quaes cento e trinta de cavallo, e esquipro-se dez navios. Tomou Ayres da Cunha o commando e dous filhos de Barros acompanharo. Toda a frota foi naufragar n'uns baixios, que se suppoz ficarem na embocadura do immenso rio, mas que realmente lhe demoro mais de cem legoas ao sul, perto da ilha
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Os Payagus ainda uso deste estratagema. Leltres dif., p. 8,

266.

HISTORIA D.0 RRAZIL. 1548. e m q Ue s e salvaro os sobreviventes, e que ora, graas a este erro, conhecida pelo nome de Maranho1. Fizero paz com os Tapuyas, que ento a habitavo, e em quanto alli aguardavo soccorro, mandaro ao circumvisinho labyrintho de ilhas, canaes e rios traficar mantimenlos, do que se collige que alguns dos seus effeitos devem ler sido salvos. Foi Ayres da 'Cunha um dos que perecero. Longo tempo vivero em grande jniseria os que escaparo, antes que podessem mandar novas da sua situao ao estabelecimento mais visinho. Barros mandoulhes auxilio, apenas soube do desastre, mas chegou tarde esse soccorro. A gente abandonara a ilha, e ambos os filhos do historiador tinho sido mortos pelos Pitaguars no Bio Pequeno. Portou-se o pae como de varo to grande era de esperar; pagou Iodas as dividas que deixara Ayres da Cunha e os que com elle perecero; e pela artilharia e petrechos a i, ""i. se constituiu devedor coroa de cerca de seiscentos
Noticias.

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r e i s < {ie assaf s MSS'seve6ri10' i P l niuitos annos lhe foro per- a de ros. doados por D. Sebastio, acto de generosidade to Ant. awao. tardia, que de generoso mal lhe cabe o nome. r.s 76 D'esla expedio ficou um homem entre os selvagens. Era ferreiro, de todas as profisses a mais til em similhante situao, e das peas dos cascos
1 Nenhuma duvida pde haver de que fosse esta a origem do nome, embora meio sculo depois d'este acontecimento se chamasse a ilha das Vaccas.

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naufragados arrojadas praia, extrahiu elle ferro 15iSbastante, para a si prprio se tornar grande personagem, e obter para mulheres as filhas de muitos caciques visinhos. "Do seu nome chamaro os ndios aos Portuguezes PerosK suppondo ser esta a desi- nerredo. jgnaao genrica; e daqui veio a tabula de ter existido sim. Estado uma tribu guerreira enlre os rios Mouy e Itapicur, ^ " S a n 6 descendente dos que sobrevivero a este grande nau- all,noIiado' fragio, e que alem de ter barbas como os avs, com vida ' | Vf os seus nomes os fazio lembrar. ^HTt
A's vezes quer parecer-me, que outra fosse a origem do nome, e <pie os indigenas quizessem chamar perros aos seus inimigos.
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1525

HISTORIA DO RRAZIL.

CAPITULO III
Viagem de Sebastio Cabot. D nome ao rio da Prata, e demora-se alli cinco annos.' Obtm D. Pedro de Mendoza concesso da conquista. Fundao de Buenos Ayres. Guerra com os Quirandis. Fome.' Buenos Ayres queimada pelos selvagens. Funda-se Buena Esperanza. Os Timbus. Embarca Mendoza para a Hespanha e morre em viagem. Sobe Ayolas o Paraguay. Os Carijs. Tomo-lhes os. Hespanhoes a aldeia, a que. pem ribtrie Assumpo. Os Agacs. Sabe Ayolas em busca dos Carcarisos, povo que se dizia possuir ouro e prata. Espera-o Yrala o mais que pde, e volta depois Assumpo. Mao proceder de Francisco Ruyz. Buena Esperanza sitiada e abandonada. Envo-se reforos sob o commando de Cabrera. Marcha Yrala em busca de Ayolas. Averigua-se a morte do commandnnle. Os Payagus. Abandono os Hespanhoes Buenos Ayres, concentrando todas as suas foras em Assumpo.

1525.
Viagem de C tiSo

Entretanto havio os Hespanhoes tomado posse do


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c aM.

& de rio descoberto por Juan Diaz de Solis. Para outro fim se organizara a expedio que isto effectuou. Dos navios que com Magalhes havio dado vela, um voltara carregado de especiarias das Moluccas; e vista da preciosa mercadoria, esquecerose os perigos e as difficuldades de obtel-a. Besolvro alguns mercadores de Sevilha commetter a empreza por este novo caminho, e persuadiro a tomar o commando da frota Sebastio Cabot, que, lendo deixado a Inglaterra, era ento primeiro piloto1 do
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ran

Amrico Vespuccio tinha provavelmente morrido.

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&1 1525

rei de Hespanha. A vintena dos lucros da viagem havia de ser applicada _ao resgate dos captivos, um dos modos de caridade mais vulgares e benficos em paizes expostos aos ataques de piratas. Devia demandar Tarsis e Ophir, Bathaia e Cipango de Marco Polo. Fez-se elle de vela debaixo das mais desfavorveis circumstancias nos primeiros dias de abril de 1525, levando quatro navios. Ja os deputados ou a commisso dos mercadores aventureiros estavo descontentes d*elle, e tel-o-io substitudo por;outro, se podessem fazel-o sem retardar a expedio. Muitos dos de bordo estavo egualmente dispostos a rebaixar os seus talentos e contrariar as suas medidas. Diz-se que pela sua imprevidencia principiaro a faltar os viveres, antes de se chegar ao Brazil; mas as habilitaes martimas de Cabot ja anteriormente havio sido experimentadas e reconhecidas, e impossvel que victualhas embarcadas para uma viagem das Moluccas, se consumissem, por imprevidencia, antes de os navios alcanarem a costa do Brazil. porem summamente provvel, que os que as meltro nos navios, tivessem especial cuidado em fazer com que escasseassem, ou que aquelles da tripolao que no querio ir at ao estreito, as destrussem deliberadamente. Tocou Cabot n'um logar da costa chamado Ilha l
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Puerto de Patos a chama Funes (1, 6) que a colloca na lat.

88 - HISTORIA D O RRZIL. 1525. dos Paios, onde refrescou; e pagando a boa vontade' manifestada pelos indigenas com a usada villania d'um antigo descobridor, comsigo levou quatro d'elles fora. Continuando a crescer o descontentamento da gente, mandou elle, na esperana de rebalel-o, lanar n'uma ilha deserta trs dos princi- pes da frota. No bastou porem este acto de crueldade para restabelecer a subordinao, e chegado ao rio da Prata, ou de Solis, como ento se chamava, teve de abandonar toda a idia de seguir para o mar do Sul. Nem elle tinha viveres sufficientes para tentar a empreza, nem a sua gente o teria acompanhado. Comeou esta porem a obedecer-lhe de boa mente ao que parece, apenas elle transigiu sobre tal ponto. sobe cabot o No era Cabot homem para voltar sem nada haver
Prata.
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feito. Entrou no rio e por elle subiu trinta legoas at que chegou a uma ilha pequena, que chamou de San Gabriel. Alli lanou ferro, e seguindo por mais sete legoas com os botes, descobriu para os navios estao segura num confluente, a que poz nome de San Salvador, e hoje o Bio de San Joo. Pra alli se levaro os navios, desarregando-os, por no ter a embocadUra fuhdo bastante para d'outra forma lhes dar entrada. La encontrou um dos companheiros de Solis, por nome Francisco Puerto, que
de 27, ponto a que, segundo elle, se extendio as fronteiras dos Guaranis, ento senhores de quasi toda a costa.

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os selvagens havio poupado. Ergueu um forte, 152guarneceu-o com a gente preciza, e com o resto dos boteis seguiu avante n'uma caravela raza, pensando F,mes. , i. que apezar de frustrado o objecto principal da sua expedio, poderia d'ella fazer resultar algum proveito, explorando a torrente. Chegando ao Uruguay ordenou a Joo Alvares Bamon, que a subisse n'uma das suas embarcaes. No quarto dia foi este dar n'um baixo perto de duas ilhas grandes, perdendo o navio. Elle e parle da sua gente tentaro voltar por terra, mas os Charruas lho impediro: os oulros
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'

Argentina.

salvaro-se no bote. Trinta legoas mais acima chegou Cabot foz do Carcaranha, assim chamado d'um cacique visinho; mostrro-se tractaveis os indigenas, e elle levantou alli um forte, a que deu a invocao de Santo Spirito, mas que tomou o seu prprio nome. Continuou a subir at que foi dar confluncia do Paraguay e Paran. Sendo esle o maior, por elle tomou at ao lago de Saneia Anna, mas achando que a navegao sobre ser por demais difficil levava direita ao Brazil, voltou e subiu trinta e Ires legoas pelo Paraguay1, onde a final encontrou o primeiro povo agrcola. Mas se esta gente cultivava as suas terras, tampem sabia
Paraguay, diz Techo, significa Rio Coroado, assim chamado por que os indigenas de ambas as margens trazio coroas de pennas. Parece antes ser a mesma palavra que Paraguau, o Rio Grande. As lnguas guarani e tupy so'radicalmente as mesmas, e do Par ao Paran se designa com o mesmo termo a idia de rio.

Ms

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defendel-as. Da propriedade nascera o patriotismo; possuio alguma couza, por combater, e to bem o fizero, que deixando vinte e cinco mortos e trs Herrera. prizineiros, tivero os Hespanhoes de retroceder. viagem de Em quanto Cabot tomava posse da terra, para que D i e g o Gama. n g o fosse inteiramente intil a sua expedio, vinho ja de Hespanha em viagem outros navios, destinados para este mesmo servio, sob o commando de Diego Garcia1. Vinha de piloto Bodrigo de rea, que se compromettra a fazer para alli segunda viagem, em que instrusse outros pilotos na navegao das paragens que por ventura descobrisse. Uma das instrucs era fazer tudo o possvel por achar Juan de Carlagena e o sacerdote francez que Magalhes deixara em terra. D'um galeo de cem toneladas, Herrera 3,io,i. P*1?3?8 de v m * e e c i nco > e u m bergantim, com 0 madeiramento para outro, se compunha a frota. Passou ella os perigosos baixios que chamo Abrolhos *, palavra que por si mesma est dizendo com quanta vigilncia cumpre evital-os. Escapando a este risco, chegou bahia de San Vicente, onde um Portuguez, que tinha o grau de bacharel, a abasteceu de carne, peixe e outros gneros, que o paiz offerecia,
* Charlevoix faz d'elle um Portuguez mandado pelo capito general do Brazil a reconhecer o paiz, e tcmar posse d'elle para o rei de Portugal. Nem o Brazil teve capito general, seno muitos annos depois, nem por este tempo se fundou alli nenhuma das suas capitanias. 4 Abre os olhos. Los bajos que llaman de Abre ei ojo, diz Herr rera.
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dando-lhe demais um genro seu, que servisse de 152S interprete no Bio Solis. Tocou depois a frota na ilhados Patos, onde os indigenas, queixando-se do mao procedimento de Cabot, so pagaro o mal com o bem. Afinal entrou no rio, e armado o outro bergantim, para elle se passou a expedio.. No tardaro a apparecer noticias dos Hespanhoes. A gente de Cabot, que alli ficara com dous navios, suppoz, ao avistar o bergantim, que os trs indivduos que o commandante mandara lanar n'uma ilha deserta, vinho agora contra elle, e tomando armas preparro-se para a defeza. Mas Garcia ainda reconheceu a tempo Anto de Grajeda, que alli commandava, e tudo .se passou em boa amizade. Acaba vo de chegar novas de Cabot, que muito longe rio acima estava pelejando com os ndios, a quem ja matara uns trezentos. Ero estes os Agacs, ento nao formidvel. Tinho-lhe elles dado batalha fluvial com trezentas canoas, e embora derrotados, havio levado comsigo trs prizineiros, dous dos quaes Juan Fuster (provavelmente um Alleno) e Heitor de Acuna foro mais tarde remidos. Mandou Funes- * Garcia o seu navio para traz, sob pretexto, que no ' era prprio para explorar o rio, mas o motivo real foi ter elle secretamente fretado ao seu amigo, o Portuguez de S. Vicente, este barco de cem toneladas para levar a Portugal oitocentos escravos! D'alli seguiu com sessenta homens em dous ber-

92 HISTORIA D O BRAZIL. 1525. gantins at ao segundo forle, cujo commandante, Gregorio Caro, intimou que lho entregasse, pois que a elle e no a Cabot, pertencia aquclla descoberta. Bespondeu Caro que tinha o forte pelo rei de Caslella e por Sebastio Cabot, mas que estava s ordens d'elle Garcia, a quem pedia, que, se, seguindo mais para cima, encontrasse Cabot morto (o que se principiava ento a recear), resgatasse quaesquer prizineiros tomados pelos ndios, que havia de ser embolado do que com isto dispendesse. Tambm lhe pediu que na volta o levasse com sigo, a elle e sua gente. Garcia porem, subindo mais cem legoas, encontrou Cabot, que tractava com os Guaranis sobre o Henera legar onde depois se fundou a cidade da Assumpo, punes!' i,' 9. e ambos voltaro para o forte de cima. romao rio o Troxero comsigo um pouco de ouro, e maior ,10 Prafaeda poro de prata \ que por ser a primeira vista na America, fez que d'ella se chamasse o rio, supplantada a memria de Solis por esta errnea designao. Mandou Cabot Hespanha amostras d'este melai, dos indigenas, e de tudo quanto achara, pedindo ao rei que lhe enviasse reforos, e lhe concedesse o estabelecer-se alli. Foi favoravelmente acolhida a sua supplica, e os mercadores que havio apromptado
No ero estes thesouros produco do paiz; tornro-se porem fatal engodo para mais que um desgraado aventureiro, tantam enim annis ille vano suo inanique nomine de se expectalionem excitaral, diz Peramas. Prol. ad Sex Sacerd.
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HISTORIA D O RRAZIL. 93 a primeira expedio, foro convidados a carregar 1525com parte das despezas de segunda; a isto porem se recusaro mais dispostos a perder o cabedal, de que ja se havio despedido, do que a arriscar o que tinho seguro.. Besolveu pois a corte tomar sobre si o commeltimenlo. N'estas couzas so sempre mais morosos os governos do que os particulares, e semanas e mezes se passo antes que se enviem soccor^ ros* a colonos novos, que a toda a hora os esto esperando, e morrendo a mingoa em quanto espero. Cabot tractara bem os Guaranis, a tribu mais 0sGuaranis visinha dos seus estabelecimentos. Ficavo-lhe as Hespanhoes. aldeias d'estes selvagens dispersas em torno dos seus fortes, e dous annos viveu com elles em termos amigveis. A gente de Garcia no se achava debaixo da mesma disciplina to necessria e offendeu os indi"genas. Ero os Guaranis nao orgulhosa: chamavo escravos os que no falavo com elles a mesma lngua, e fazio-lhes perpetua guerra, no dand jamais quartel na peleja. 0 ouro e prata que d'ells obtivera Cabot, ero despojos trazidos do Peru, aonde havjo penetrado no reinado de Guaynacapa, pae do ultimo Inca. Disfarou este povo, como tinha de costume, o seu resentimenlo, at podel-o demonstrar ,cficazmente. Concenlrro em segredo as suas foras, e cahindo sobre o forte ao romper da alva, pozero-lhe fogo. Da mesma frma destruiro S. Salvador, e Cabot, canado de aguardar reforos, e jul-

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1525. gando que seria em'vo tentar manter o paiz contra to resoluto inimigo ", evacuou-o, depois de o ter possudo por cinco annos 2 .
Conta Ruy Dias de Gazman (Argentina Ms.) que Cabot mandou quatro Hespanhoes, sob o commando d'um chamado Csar, de Santespirito ao Peru. Chegaro elles quele paiz, dero ao Inca uma embaixada do rei de Hespanha, e foro por elle bem recebidos, sendo ' despedidos com presentes. Ao voltarem a Santespirito, tinha ja partido Cabot, visto o que, pareceu-lhes melhor volver ao Peru, do que licar entre selvagens; mas sua segunda chegada aquelle reino, encontraro alli Pizarro e Atabalipa prizioneiro. Ruy Dias diz ter esta narrao de Gohzlo Saens Garzon, um dos conquistadores do Peru, homem ja velho e ento estabelecido em Tucuman, que em Lima vira Csar. Se a historia fosse verdica, mal se concebe que os differentes historiadores d'aquella conquista a omitissem. 0 prprio nome de Csar mais uma razo para duvidar. * Techo diz que elle deixou uma guarnio em Sanlespirito, e passa, depois a contar a historia de Lcia Miranda, Sebastio Hurtado seu marido, e Manzora, chefe dos Timbus. Este cacique, diz a historia, enamorou-se de Lcia, e para possuil-a, resolveu exterminar todos os* Hespanhoes. Apoderou-se pois do forte a traio, matando todos, que alli achou, excepto quatro mulheres, e outros tantos rapazes, mas elle mesmo cahiu. Succedeu-lhe seu irmo Siripus, que a seu turno se apaixonou por Lcia, sobre a qual porem no houve persuaso, que prevalecesse. Passado algum tempo voltou o marido, que estava ausente quando fora sorprehendido o forte; vendo os estragos presumiu a causa, e foi entregar-se aos Timbus, para que o levassem aonde estava a esposa. Quiz Siripus mandar matal-o, mas a instncias de Lcia deixou-lhe a vida, jurando porem que se ella o reconhecesse por marido, ambos morrerio. Sorprehendidos os dous ju netos, foi Lcia queimada, e Sebastio, como o sane t seu patrono, amarrado a uma arvore e crivado de settas. A prosa Ai gentina talvez a primeira auc- ' toridade em que este conto se apoia. No ha qui na historia americana aneedota que' mais vezes fosse repetida do que esta, to contraria aos hbitos dos ndios, que em si mesma traz a melhor refutao.
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Com Cabot voltou Europa um Portuguez por 1525nome Gonalo da Costa. De elle houve a corte de Portugal informaes sobre o rio da Prata, e preparou um armamento de quatrocentos homens, no contados os colonos voluntrios para aquellas partes. Procurou-se conservar em segredo o fim da expedio, propalando que ella se proponha expulsar do Brazil os Francezes. Suspeitando porem a corte de Hespanha o verdadeiro destino, contra elle protestou, pelo que se abandonou o projecto. +, 10, e. No tardou muito que D. Pedro de Mendoza, cavai- Expedio de
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leiro de Guadix e da casa real, projectasse um estabele- dozacimento em maior escala. Enriquecera elle no saque c' *st 2 de Roma. Tantas vezes lem sido malgastas as riquezas mal adquiridas, que no ha lingua em que esla verdade no passasse a provrbio; no o havio saciado os*despojos da cidade eterna, e sonhando com outros Mexicos eCuscos, obteve uma concesso de todo o paiz do rio da Prata at ao estreito, para seu governo, com auctorzao de passar atravs do continente para o Mar do Sul. Obrigou-se a levar em duas viagens, e dentro de dous annos, sua prpria custa, mil homens, cem cavallos e egoas, e provises para um anno, concedendo-lhe o rei o titulo de adeantado, e um -' soldo de mil ducados por toda a vida, com dous mil mais tirados do producto da conquista, como ajuda de custo. Devia levantar trs fortalezas, e ser alcaide perpetuo da primeira; seus herdeiros depois d'elle

96 HISTORIA D O RRAZIL. 1525. devio ser primeiros alguazis do logar onde fixasse a sua residncia, e passados trs annos ser-lhe-ia licito transferir a tarefa de completar a colonizao e a conquista, quer ao seu herdeiro, quer a outro, que lhe aprouvesse, e com elle os privilgios annexos, se denlro de dous annos approvasse o rei a escolha. 0 que era resgate (Tum rei prizioneiro pertencia de direito coroa; ms, para mais animar a empreza, cerceou-se esta prerogativa em beneficio d'elle e dos seus soldados, que a devio compartir, deduzido primeiramente o quinto real, e depois um sexto; se porem o rei em questo fosse morto em batalha, metade dos despojos pcriencerio coroa. Fizera-se esta lei em saudosa recordao do resgate de Atabalipa. Havia Mendoza de levar comsigo um physico, um boticrio, um cirurgio, e com especialidade oito religiosos. Quem nada tem que perder, arrisca fcil a existenciam; masque um homem como este fosse aventurar riquezas, que contentario o mais desesperado jogador da sua vida, um dos muitos indcios de quo geral e irresislivelmente o contagioso espirilo aventureiro prevalecia n'aquella epocha. 1534. Compromettera-se Mendoza a levar quinhentos homens na primeira viagem; tal era porem a sua reputao, e tal o. ardor de ver o rio da prata, que mais volunlarios se apresentaro do que lhe era possvel acceitar, vendo-se obrigado a apressar a partida

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para fugir enorme, despeza, que similhante hoste lhe fazia. Consistiu em onze navios e oitocentos homens ' a fora com que se fez de vela. To brilhante armamento jamais largara das praias da Europa com proa na America; mas os que assistiro partida observaro, diz-se, que cumpriria rezar por estes aventureiros o officio dos defunctos. Apoz prospera viagem chegou a expedio ao Rio de Janeiro, onde se deteve quinze dias, durante os quaes uma corftraco dos nervos tornou paralytico o adeanlado, que nomeou Joo Osrio para command*ar em seu logar. Arranjadas assim as couzas seguiu a frota para o seu destino, e ancorando juncto da ilha deS. Gabriel denlro do Prata, lanou D. PeSJunidel diz 14 navios, 2,500 Hespanhoes e 150 Allemes e Ilollandezes. Funes o teguiu s cegas n'esta estatstica, no advertindo que Schmidel, sobrei excessivamente inexaclo em todas as couzas, escrevia de memria, passados ja muitos annos; que Herrera tinha mo os documentos mais authenlicos, sendo um dos historiadores mais fidedignos; c que absurdo supporque Mendoza, que contrctara levar 1000 homens sua custa em duas viagens, so n'uma conduzisse 2,050! Nenhuma outra parte das ndias Hespanliolas se pde gloriar de contar tantos fidalgos entre os seus primeiros conquistadores como o Paraguay. Io n'esta expedio de Mendoza trinta e dous morgados : era um dos aventureiros irmo de Sancta Thereza. Se era o mesmo, que na infncia tomara parte nos sentimentos romnticos d'esta to enthusiastic e to interessante senhora, e com ella formava planos de se retirar a uma ermida, ou ir entre os infiis buscar a palma do martjrio, quanto melhor lhe no fora que o Senhor o houvesse chamado, em quanto o corao estava cheio de to virtuosos propsitos, d que ter vindo a ser testimunho e scio dos soffrimentos, e provavelmente tambm dos crimes d'esta miserrima jornada! i. 7
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98 HISTORIA DO RRAZIL. 1534. dro de Mendoza os fundamentos d'uma cidade, que Buenos^et pela salubridade do clima chamou Nuestra Sefora de Buenos Ayres. Pouco tardou que alguns officiaes invejosos lhe no inspirassem cimes de Osrio; e prestando fracos ouvidos a accusaes prfidas, ordenou-lhes que, cahindo sobre elle o matassem, e arrastado o cadver at praa publica, alli o proclamassem traidor1. Perpetrou-se o assassinio, e assimficoua expedio privada d'um soldado honrado, generoso e bom, como os historiadores o descrevem. Ainda a experincia no ensinara aos Hespanhoes, que em paiz de selvagens deve um numero crescido de colonos perecer mingoa, se d'outra parle lhes no vem o susjento, em quanto por si mesmos o no podem colher da terra. Ero os Quirandis* que possuio o terreno todo volta d'este novo estabelecimento, uma tribu nmada, que onde no achava gua, matava a.sede comendo uma raiz chamada cardos, ou chupando o sangue dos animaes que matava. Cerca de trezentos d'estes ndios havio.armado Guerra com . . , , ., , , os as suas portteis habitaes a quatro legoas do logar
Quirandies. it-j >

escolhido por Mendoza para a sua villa. Agradrolhes os novos hospedes, e por espao de quinze dias trouxero peixe e carne ao acampamento; no dcimo sexto no apparecro, e alguns Hespanhoes, que
1 Schmidel diz que os dous ero irmos. Cunhados seria possvel, mas o caso ja bastante feio, independentemente d'esta circumslancia aggravante.

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Mendoza mandou a saber d'elles, e a trazer viveres,' voltaro feridos e com as mos vazias. Vendo isto, ordenou o adeantado a seu irmo D. Diogo, que tomando trezentos infantes e trinla cavallos, fosse assaltar a aldeia, e matar ou aprizionar Ioda a horda. Havio os Quirandis feito retirar mulheres e crianas, e reunido um corpo de alliados, estavo promptos para a defeza. Ero-lhes armas arcos, settas e tardes,,tridentes de pontas de pedra de meio comprimento de lana. Contra a cavallaria servio-se d'uma comprida correia com um seixo redondo em cadi extremidade. Com isto costumavo laar a caa : atiravo-no com mira cerleira s pernas do animal, volta das quaes enroscando-se a correia o fazia cahir 1 . Em Iodas as guerras anteriores com os ndios havia sido a cavallaria a fora principal, e s vezes a salvao dos Hespanhoes; este excellente modo de ataque iriulilizou^a porem completamente. No podio defender-se os cavalleiros; o commandante e seis fidalgos foro derrubados e mortos, e todo o troo
savo os Peruvianos d'um arma similhante, mas de trs pernas, segundo Herrera, que diz que elles a inventaro contra a cavallaria (5, 8, 4 . Em outro logar (5. 2, 10) torna a falar n'clla, dando-lhe o mesmo nome, Ayllos, mas descrevendo-a de modo diverso, como lanas ou varas compridas, com certas cordas a ellas atadas, para apanhar homens como n'uma rede ou lao. Qvalle (3, 7) diz que a que usavo os Pampas tinha a bola de pedra so n'uma ponta, c na outra uma de couro, ou qualquer outra substancia leve, pela qual segurava o ndio a correia, fazendo-a gjrara volto da cabea para fazer a pontaria. A bola de pedra perfeitamente redonda c polida.
1

100 HISTORIA D O RRAZIL. 1534. ( er i a sido exterminado, se o resto no fugisse com tempo, protegido pela infantaria. Cerca de vinte pees foro mortos a tardes. No era porem possvel ' que este povo, bravo como era, resistisse a armas europeas e a soldados como os Hespanhoes: a final cedero, deixando mortos muitos dos seus irmos, mas nem um so prizioneiro. Na tomada aldeia acharo os conquistadores abundncia de farinha, peixe, pelles de loutra, redes de pescar e o que chamo manteiga de peixe, que era provavelmente azeite coalhado. Ficaro cem homens para pescar com as redes aprehendidas, e o resto voltou para o acampamento. lomeem Mao capito era Mendoza para similhanle" expedi"Ruenos Ayres.

o. Imprevidente descanava sobre os indgenas do cuidado de abastecer-se de viveres, e imprudente foi desavir-se com elles sem necessidade. Seis onas de po linho sido a rao diria logo depois da sua chegada : agora foi precizo reduzil-a a Ires onas de farinha e um peixe de trs em trs dias. Demarcou-se a cidade, para cuja defeza se principiou a erguer um muro de barro da altura d'uma lana e. de trs ps de espessura. A conslruco era ma, e o que n'um dia se levantava, cahia no outro; ainda os soldados no havio aprendido esta parle do seu officio. Edificou-se dentro do recinto uma casa forte para o adeantado. Entretanto principiaro a fallarlhes as foras mingoa de alimento. Baios, cobras,

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lagartos e reptis de lodo o tamanho comivel no tardaro a extinguir-se por todas aquellas cercanias. Trs homens furtaro um cavallo e comer-no. Foro postos a tqrmcnlo para confessarem o facto, e depois enforcados;ficarona forca os cadveres e no dia seguinte tinha desapparecido toda a carne da barriga para baixo. Um comeu o cadver de seu irmo; outros assassinavo os seus camaradas de rancho para, dando-os por doentes, receberem, cm quanto podessem oecullar o caso, a rao que lhes tocava1. Enorme foi a morlalidade. Mendoza, vendo que todos pereceno se alli permanecessem, mandou Jorge Luchsan, um dos seus aventureiros allemes ouflamengos,pelo rio acima com quatro bergan-, - lins em busca de comestveis. Onde quer que chegavo os Hespanhoes, fugio deante d'elles os indigenas, queimando o que comsigo no podio levar. Metade da genle morreu de fome, e todos terio perecido, se no tivessem dado com uma tribu; que lhes deu o milho strictamente necessrio para a volta.
Funes imputa esta crueldade a Francisco Ruiz de Galan, logar tenente de Mendoza. De Schmidel (c. 7),-que refere a circumstancia n'um de seus curiosos impressos, e de Herrera se ve que foi um aclo do prprio Mendoza. 0 Deo de Cordova imputa tambm a Francisco Ruiz uma decizo perfeitamente acorde coth os costumes depravados d'estes aventureiros,... obligando en rigor de justicia una muger que se prostiluyese un marinero, 6 le reslituyese ei pez que bajo estepficto le habia dado. Le-se a historia na Argentina potica (p. 14 da Colleco de Barria).
1

Herrera. 5, 9, 10. -Schmidcl. C. 1-9.

102 HISTORIA D O RRAZIL. 153J. u m a so derrota no desacorooara os Quirandis;. e e quSmada conseguiro persuadir os Bartens, Zechuruas e
pelos selva-

Timbus a fazerem causa commum com elles, e com uma fora, que os sitiados no.seu susto oraro em 22,000 homens, embora no chegasse provavelmente nem a um tero, viero de repente investir a cidade. No ero menos engenhosamente adaptadas ao seu actual propsito as armas de que se servio do que as que to efficazes havio provado contra a cavallaria. Atiravo elles settas, diz-se, que, incendiando-se na ponta ao partirem do arco, ardio at ao fim com inextinguivel fogo, ateando-o em tudo que tocavo. Com estes foguetes diablicos queimaro os ranchos de palha dos colonos, consumindo-os todOs Foi a casa de pedra do adeanlado o nico edifcio que escapou destruio. Ao mesmo tempo e i:>50. com as mesmas armas atacaro os navios, queimando quatro; os outros Ires ainda em tempo podero pr-se a distancia segura, repellindo com a sua anilharia os selvagens. Trinta Hespanhoes pouco mais ou menos morrero no combate. iunda-st Deixando, para reparar o estabelecimento, parle u e , e ?anza.* " da sua desfalcada fora nos navios, com provises suflicientes para curtir fome durante um anno, subiu o adeanlado o rio com o resto no bergantim e nas embarcaes menores. Mas, achando-se inteiramente incapaz de carregar com as fadigas do commando, delegou a sua aucloridade em Joo de Ayolas; de
a*

.gens.

'

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facto estava elle ento morrendo da mais ascorosa e 1556terrvel molstia, com que jamais os vicios dos ho- Argentina. mens infeccionro a natureza humana. Cerca de ' ' oitenta e quatro legoas rio acima chegaro a uma ilha dos Timbus, que os recebero bem. Mendoza presenteou-lhes o cacique, Ichera Wasui, com uma camiza, uma carapua vermelha, um machado, e mais algumas bagatelas, recebendo em'troca peixe e caa bastante para salvar a vida aos seus. Vivia esta tribu exclusivamente da pesca e da caa. Usava de canoas compridas. Os homens andavo nus e com pedras enfeitavo ambas as ventas. Trazio as mulheres saia de algodo at ao joelho, e talhavo na cara lanhos debelleza. Alli levantaro s Hespanhoes os seus labernaculos, e chamaro o logar Buena Esperanza. Um Gonalo Bomero 2, que fora dos companheiros de Cabot e tinha vivido entre os selvagens, veio reunir-se a elles. Contou, que mais acima havia grandes e ricos estabelecimentos, e resolveu-se que Ayolas fosse com os bergantins em busca d'elles.
' Esta palavra Wasu, grande, prova que a tribu era do mesmo tronco dos Tupinambs. 2 Talvez um dos trs que foro feitos prizineiros no Paraguay (vid. supra). Ruy Dias (Arg., Ms.), diz que do captiveiro d'estes homens resultou grande bem, pois foro entregues muitos annos depois, quando ja conhecio a fundo a lingua c o paiz. D elle aos outros dous os nomes de Joo de Fuster e Heitor de A eu na : ambos estes obtivero commendas na Assumpo.

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1350 Vol en

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Entretanto voltara Mendoza, agora completamente doza " estropiado., a Buenos Ayres, onde encontrou morta
. . . .

Hespanha.

grande parte da sua gente, e os que ainda vjvio a luctar com a fome e toda a casla de misria. A,chegada de Gonalo Mendoza, que logo no principio.da escassez de viveres, fora mandado costa do Brazil diligenciar provises, veio minorar-lhes os soffrimentos. Destrudo o estabelecimento de Cabot, emigrara parte da sua gente para o Brazil, onde n'uma bahia chamada Ygua,. vinte e quatro legoas distante deS. Vicente, principiaro a fazer plantaes, continuando a viver por dous annos em lermos amigveis com os indigenas visinhos e com os PortuguezeSi. Suscitro-se entro questes e, segundo a verso castilhana (nica que temos), resolvero-os Portuguezes cahir sobre elles, e expulsarem-nos do paiz : d'isto tivero avizo surprehendro os futuros invasores, saquearo a cidade de S. Vicente, e encorporando-se-lhes alguns Portuguezes descontentes daquella nascente colnia, seguiro em dous navios para a ilha da Saneia Catharina. Alli comearo estes aventureiros novo estabelecimento; mas tal era o seu espirito inquieto e vagabundo, que Gonalo de Mendoza ao chegar alli facilmente os persuadiu a abandonar as casas que acabavo de construir, e os campos que ja principiavo a darjhes commoda subsistncia, embarcando-se todos com elle para o Bio da Prata a tomarem o se;i quinho no metal, que

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promettia o nome. Levaro considervel copia de mantimenlos e io ben armados e municionados. Acompanhro-nos alguns ndios brazileiros com suas famlias; e elles prprios, familiarizados como estavo com a lingua e hbitos dos indigenas, foro de relevanlissima utilidade aos outros aventureiros Com quem se ligaro. A' vista de to opportuno soccorro rendeu Mendoza graas a Deus, derramando lagrimas de alegria. Aguardou ainda um pouco na esperana de ouvir boas novas de Ayolas, e a final mandou Joo de Salazar com segundo destacamento em busca d'elle. Peorava de dia em dia a sua sade, e esvaio-se-llie as esperanas; tinha elle perdido o irmo n'esta expedio e gaslo mais de quarenta mil ducados da sua fazenda, nem ero grandes as probabilidades de forluito reembolso. Tudo isto o moveu a voltar Hespanha, deixando Francisco Buyz a commandar em Buenos Ayres, e nomeando Ayolas governador, caso voltasse, e-Salazar na .falta d'elle. As instruces ero, que apenas chegasse um d'esles, examinasse as provises restantes, no abonando rao a quem por si mesmo podesse manler-se, nem a mulher que se no empregasse na lavagem de roupas, ou. em qualquer outro servio necessrio : que mettesse os navios no fundo, ou d'elles dispozesse de qualquer outra frma, atravessando, se o julgasse conveniente, o continente at ao Peru, onde, em nome do adean-

100 1536.

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t ac [ 0 solicitaria a amizade de Pizarro e Almagro, se os encontrasse; e que se este ultimo estivesse disposto a dar-lhe cento e cincoenta mil ducados pela cesso do seu governo, como dera a Pedro de Alvarado, os acceitasse, ou mesmo cem mil que fossem, salvo se se chegasse a conhecer evidentemente mais vantajoso no fechar o negocio com similhante offerta. Quo arraigada no devia estar a sua fe nos despojos, depois de quatro annos de continuas decepes e misrias!.... Alem disto recommendava ao seu successor, que, se aprouvesse a Deus deparar-lhe alguma jia, ou pedra preciosa, no deixasse de remetter-lh'a a elle Mendoza, como algum allivio nas suas atribulaes. Tambm lhe ordenava que no caminho dfb Peru, quer sobre o Paraguay, quer alhures, fun-

schmidei 14 ^asse u m estabelecimento, por onde podessem vir 6H5,rrM8. novas suas. Deixadas estas prescripes, embarcou Mendoza, sonhando ainda com ouro e jias. Na viagem tanta fome passaro, que elle se viu obrigado a matar uma cadella favorita, que em todos os seus trabalhos o acompanhara. Comia elle este triste prato, quando Ru a de Jusm an. perdeu os sentidos:.... principiou a delirar e em
Argentina. . ,.

Ms. dous dias estava morto. sobeAyoias o Entretanto subiu Ayolas ' o rio com quatrocentos
Paraguay.

homens em demanda do Paraguay, e dos paizes ricos


* Ruy Dias (Argentina, Ms.) diz que elle como Cabot, entrou primeiramente no Paran, subindo-o at encalhar nos mesmos baixos.

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de que ouvira falar, onde o milho e as maes crescio em abundncia, e raizes de que os naturaes fazio vinho; onde peixe e carne andava a rodo, e as ovelhas ero do tamanho de mulas. No caminho encontraro margem do rio uma serpente digna de ter feito parar segundo exercito; media quarenta, e cinco ps de comprida, era da grossura dum homem, e negra a pelle e mosqueada de vermelho e amarello escuro. Foi morta a bala. Declararo os indigenas que nunca havio visto outra maior, e que estas cobras ero muito perigosas, pois-na gua os nlaavo, levando-os ao fundo e devorando-os. Cortro-na elles em pedaos, e cozida ou assada a comero, mas no estavo ento os Hespanhoes to esfomeados, que tomassem parte no banquete. Antes de chegar ao Paraguay perdeu Ayolas um dos seus navios, e sendo impossvel receber a gente d'elle a bordo dos outros, tevesta de caminhar por terra, soffrendo tanto de atravessar pntanos, paues e lagoas, que se uma tribu amiga lhes no houvesse fornecido viveres, todos terio perecido. Assim ja pacificamente, ja abrindo caminho fora de armas, e soffrendo todas as misrias da fadiga e da fome, avanou a expedio quasi trezentas legoas rio acima, at que chegou nao chamada dos Carijs1, que, apeDiz Herrera (5, 10, 15) que este o povo que em outras partes das ndias se chamavo Caraibas. Mas provvel que os ilheos,applicassem este nome indiscriminadamente a todas as tribus anthropoplagas.
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zar de lo ferozes como os seus visinhos, ero a certos respeitos menos selvagens. Cultivavo o milho, planlavo batala doce, e uma raiz1, que tinha o gosto da castanha, e de que fazio uma bebida alcoholica, bem como do mel, fervendoo. E aqui encontraro os Hespanhoes os porcos, as abestruzes e os carneiros do (amanho do mulas, de que havio ouvido falar. Os habitantes ero baixos de estatura, porem refeitos^ Irazio nos lbios uma pedra comprida. Devoravo todos os prizineiros, excepto uma nica mulher, e se esta recusava prostituir-se comiao-na tambm. Tinho os Carijs uma aldeia chamada Lamper, sobre a margem oriental do rio, quatro legoas acima do logar onde o ramo principal do Pilcomayo desgua no Paraguay. Cercavo-na duas palissadadas da altura, a que podia chegar um homem com a espada. Os postes ero da grossura da barriga d'um homem, collocados a doze.pasos uns dos outros. difficil imaginar de que proveito elles poderio ser assim affastados entre si: talvez a ibrlificao no tivesse sido concluida. Tinho aberto poos, guarnecidos de
Mandioca. Schmidel conta (c. 44) que montado n^ma d'estas armidas, como elle as chama,~fez quarenta legoas. No podemos acreditar isto, pois que no tem poi' si melhor auetoridade.; emquanto que Garcilaso diz que a carga do huanacu ou lhama grande regula de trs a quatro arrobas. Ja ele animal se no encontra no Paraguay. Parece que a civilizao dos Peruvianos se ia extendendo pelo centro da America do Sul alem das suas conquistas, quando chegaro os Hespanhoes; resultando assim mais mal do que bem da queda dos Iucas.
2 1

HISTORIA D O BRAZIL. 109 estacas agudas no fundo, e cobertos,, para servirem 1536 ' de ratoeiras aos invasadores a quem se propunho resistir. Ao avanar conIra a aldeia, achou Avolas o ini- Tomoo.
'
J

llcsDannoes ;<

inigo formado em linha de batalha. Mandro-lhc adoonomee os ndios dizer, que tornasse a embarcar, e volvesse A s s u n f p o * ao seu prprio paiz o mais depressa possvel, que para isso lhe dario os viveres precizos, e tudo de que carecesse. Mas os Hespanhoes no tinho vindo como visitas; qualro annos havio vivido miseravelmente de peixe e carne, e encontrando finalmente terras cultivadas, eslavo resolvidos a tomar posse d'ellas. Assim o explicaro aos Carijs, asseverando-lhes que vinho como amigos. No quizero os indigenas saber de lal amizade; mas ao disparem-se as espingardas, aterrados de verem os- seus cahir sem um golpe, e lo horrivelmente feridos sem saberem como," fugiro ., precipitadamente, ficando na-fuga muilosd'elles pilhados nas prprias ratoeiras que havio armado ao inimigo. Apezar d'isto defendero a sua aldeia, matando dezaseis Hespanhoes; mas ao terceiro dia pediro paz por que as mulheres e as crianas eslavo com elles. Promettro obedecer em tudo aos conquistadores, mimosero Ayolas com seis veados e sete raparigas, e a cada soldado dero duas mulheres. Feita a paz n'estes lermos, pozro os Hespanhoes aldeia o nome de Assumpo, em honra da Virgem, e memria do dia em que a tomaro. ^s-ti';

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HISTORIA DO RRAZIL.

1556.

O primeiro servio em que foro empregados os Carijs, foi na construco d'um forte de madeira,

lerra e pedras, para segurana da sua prpria sujeio. Depois offerecero-se a ajudar os Hespanhoes contra os Agacs, modo indirecto de pedir a estes mesmos auxilio contra um inimigo antigo. Ero os Agacs nao de pescadores e caadores, que pintaos Agacs. vo o corpo com uma cr azul indelvel, extrahida d'uma raiz. Ficavo os seus estabelecimentos mais trinta legoas rio abaixo; pelejavo melhor por gua do que por terra, e tinho vexado os Hespanhoes na sua passagem, matando-lhes quinze. Dando pois voluntariamente rdeas ao prprio resenlimento, e conjunctamente ao dos seus novos subditos, desceu Ayolas o rio, e atacou-os repentinamente antes de amanhecer. Segundo o seu costume, no deixaro os Carijs viva alma. Tomaro quinhentas canoas, e queimaro todos os estabelecimentos a que podero chegar. Alguns da tribu estavo casualmente ausen- / tes, escapando assim mortandade : ao voltarem? passado um mez,; pozero-se debaixo da proteco dos Hespanhoes, o que Ayolas concedeu, no lhe permitlindo as leis das conquistas dcciaral-os escravos, seno depois de por trs vezes se terem rebellado, como se dizia. Os Cueremagbs, a tribu mais visinha d'esta, trazio uma penna de papagaio atra^sFvi}' vessada no nariz. Seis mezes se demorou Ayolas na Assumpo.

HISTORIA D O BRAZIL. III Informro-no os Carijs, que alem das fronteiras


J

153tiSaheAjolas

do territrio d'elles, que se extendia a oitenta legoas ea^0sos pelo Paraguay acima, principiavo as terras dos Payagus, povo que possua a atgarroba, caroba, accia ou arvore dos Gafanhotos, de que fazio uma farinha, que comio com peixe, e lambem um licor doce como mosto. Passado este paiz, ficava o dos Carcarisos, nao mais rica, que elle resolveu ir visitar, e, deixando cem homens na Assumpo, seguiu rio acima com o reslo. Os Payagus no oppozero resistncia; sabindo do que succedera. aos visinhos, adoptro poltica mais prudenle. Perguntou-lhes Ayolas pelos Carcarisos, ao que respondero que tinho ouvido falar d'elles; que habitavo muito mais terra adentro, n'uma provncia onde abundavo o ouro e a prata; que era um povo to instrudo como os extrangeiros que por elles pergunavo, e que havia alli copia de provises de todo o gnero. Era isto, accrescentro elles, o que ouvio dizer, que ver, ainda d'aquella nao no tinho visto ningum. Pediu Ayolas guias, que mostrassem o caminho, e facilmente se lhe dero. Desmantelou trs dos seus navios, e deixando nos outros dous cincoenta Hespanhoes sob o commando de Domingo Martin ez de Yrala, ordenou-lhes que n'aquelle porto, que chmou Caandelaria, o esperassem quatro mezes,, findos os quaes sem elle voltar, descerio Assumpo. Depois, levando comsigo trezentos ndios, que

112 1536.
climidel.

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HISTORIA DO BRAZIL.

trouxera para carregarem os viveres e bagagens, encetcu a sua "marcha para o poente com cerca.de
. .

25, ai. volta 'Traia i

duzentos homens. Passaro os. quatro meies e mais dous aguardou de estopa empregou elle as camizas da sua gente. Mas ao maritimenlo no ha achar couza que o substitua : vivio os Payagus do supprimenlo casual de seus rios e florestas, mas tendou de repartil-o com cincoenta Hespanhoes, facilmente se deixa suppor que no tardasse isto a escassear. Aturou Yrala esta misria em quanto p^de e depois voltou Assumpo a reparar as embarcaes e refazer-se de provises, volvendo immediatamenle Candelria. No apparecera Ayolas, nem d'elle se sabio novas; no querio os Payagus fornecer viclualhas, nem os Hespanhoes as podio haver fora como fario enfre um povo agrcola. Outra vez pois se viu Yrala , obrigado a regressar Assumpo. Alli o aguardava inesperada calamidade. Tinho os gafanhotos devorado as plantaes de milho, e nenhum mantimenlo se podia haver alem do que pela guerra se extQrquia

;. .' Yrala debalde. Pedio os navios calafelo, e na falia

Herrera. ti, 3, 17.

s tribus visinhas, cujos campos tinho escapado a esla visitao assoladora. . N'este comenos sahira Juan deSalazaremproctira de Ayola, como Mendoza lhe ordenara. Tocou primeiramente na ilha da Buena Esperanza, onde os Timbus conlinuavo a viver em p amigvel com os

1537. ^uFmRuJoz

HISTORIA DO BRAZIL.

H5
1S57

colonos hespanhoes, a quem havio ensinado o seu systema de pesca, de modo que ja estes provio melhor apropria subsistncia. Salazar seguiu viagem, mas tal era a difficuldade de achar que comer, que volvendo atraz antes de chegar Assumpo, regressou a Buenos Ayres. Besolveu ento Francisco Buyz, que Mendoza alli deixara commandando, sahir , elle prprio com maiores foras mesma busca, e emprehendeu a expedio com duzentos homens embarcados em seis navios, miservel rao de seis onas de milho por dia,. Apoz severos soffrimen|ps chegaro Assumpo, onde Yrala e os Carijs estavo vivendo de rapina; e to escassa era esta que estirados pelos caminhos se vio os cadveres dos que havio morrido de fome. No era isto estao para duzentos aventureiros esfaimados. Dispozero-se a regressar, mas Yrala pediu a Francisco Buyz, que achando-se depodres .incapazes de servio os seus prprios bateis, lhe deixasse um dos d'elles, em que tornasse a ir Candelria, esperando sempre encontrar o seu commandante. Respondeu Ruyz que o faria, se Yrala se lhe reconhecesse subordinado. Revelava isto premedilao de usurpar o governo. Tinha Yrala em seu poder o aclo pelo qual Ayolas lhe conferira o commando durante a sua ausncia, mas sendo as suas foras inferiores s destes recemchegados, prudentemente se absteve de produzil-o. Se d'outra forma tivesse procedido, assevera-se que
i. 8

114 HISTORIA DO RRAZIL. 1537. Francisco Buyz o teria morto, pois que os descobridores hespanhoes em to pouco estimavo as vidas uns dos outros como as dos ndios. Evitou o perigo, dizendo, que, se o oulro apresentasse algum documento de Ayolas, que o revestisse da auctoridade, lhe prestaria obedincia. Parece que isto se julgou razovel; foi-lhe dado o navio, e Ruyz voltou Buena 6?Ti8. Esperanza. imprudncia ^ l desfez este homem a amizade que por tanto de F.Ruyz. l e m p 0 subsistira entre colonos e naturaes. Com auxilio d'um padre ed'um secretario, ignora-se o mo. tivo, traioeira e perversamente poz a tormentos e - fez morrer alguns dos Timbus; depois, deixaodo uma guarnio de cento e vinte homens n'um fortim, chamado CorpusChrisli, partiro os malvados,, escapando vingana que recahiu sobre os seus conterrneos. Um cacique dos Timbus, que vivera em grande intimidade com os Hespanhoes, aconselhou-o que no deixasse ficar um so, pois que todos . iao ser mortos ou expulsos da ilha. 0 conselho so deu em resultado prometter elle vpllar depressa, mas foi um meio de illudir a guarnio- Alguns dias depois veio um irmo d'este cacique pedir alguns homens para o escoltarem a elle e sua famlia, que desejava vir e estabelecer-se entre os Europeos. Seis homens ero o que pedia, mas o commandante, usando' de mais cautela do que deveria suppor-se, mandou cincoenta arcabuzeiros, bem armados, e com recom-

HISTORIA D O BRAZIL. 115 mendao de no se descuidarem. Foro estes mui )557 bem acolhidos com grande cordialidade apparenle, mas apenas se havio assentado para comer, cahiro sobre elles os Timbus, rebentando em grande numero dos visinhos ranchos, onde eslavo escondidos, e to bem havia sido o plano concebido, lo habilmente foi executado, que dos cincoenta apenas escapou um. Immediatamente foro os vencedores pr cerco ao forte, assaltando-o de dia e de noute por duas semanas. No dcimo quinto dia pegou fogo nas habitaes. Fez o capito uma sortida e cahiu n'uma emboscada, sendo cercado e morto por uma partida armada de compridas lanas, cujos ferros ero as espadas tiradas aos que perecio. Ainda em bem para Cerca o os Hespanhoes, que no tinho os sitiantes provises abaBuendft
/.<, ,. 11 , speranza.

suticientes para continuarem o bloqueio, vendo-se por isso obrigados a retirarem-se para se proverem de outras. Entretanto Francisco Buyz, prevendo as conseqncias do seu errado proceder, enviara dous bergantins, em que todos embarcaro para Buenos 6He5reii8 S Ayres, abandonando a estao. 2728 e! ' Quando a Sevilha chegou o navio a cujo bordo E^S,,.,^ morrera Mendoza, ja dous estavo de verga d'alto rednSai
, " dcCalirera.

promptos a fazerem-se de vela com reforos para elle, nos lermos do seu contracto, e segundo as providencias que dera para seu cumprimento. Esles navios mandou-os o rei sahir debaixo do commando de Alonzo Cabrera, permittindo-lhes seguir at ao

110 HISTORIA D O RRAZIL. t537. estreito em viagem mercantil, se por ventura achassem abandonados os estabelecimentos do Prata. Tambm enviou um galeo carregado de armas e munies. As primeiras ordens da corte havio sido, que em caso de no ter o adeanlado nomeado suecessor, escolhessem os soldados um, mas ao saber-se que elle designara Ayolas, confirmou-se esta nomeao. Foro n'esta expedio seis Franciscanos, e levavo o perdo d'el-rei aos Hespanhoes, que tendo comido carne humana no delrio da fome, havio fugido para os selvagens com receio do castigo: menor mal jierreM. p are ceu perdoar-lhes do que deixal-os privados de, toda a communho christ. Chegou um d'estes navios, chamado a Maranonav a Buenos Ayres quinze 1538. dias depois da,evacuao de Buena Esperanza : o outro, com duzentos homens a bordo, entrara na ilha de Saneia Calharina, na costa do Brazil, para onde se mandou uma caravela a saber d'elle, e carregar de arroz, mandioca, farinha, milho', e quaesquer outros gneros que a terra offerecesse. Na volta naufragou esta embarcao ja dentro do rio, salvando-se de toda a tripolao apenas seis,"agarrados com o mastro. Um d'esles seis foi Hulderico Schmidel, aventureiro allemo, que acompanhara Mendoza schmidei. e escreveu a historia d'estas transaces.
29, n u 30. - A

Sahiro os Franciscanos a pregar entre os indgenas, e Cabrera com Francisco Buyz e o corpo principal dos Hespanhoes seguiu para a Assumpo.

HISTORIA DO BRAZIL.

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Nenhuma nova havia ainda de Ayolas, e poucas du- 1538vidas podio restar sobre a sua morte; cumpria regular a questo da successo, e Yrala, animado por Cabrera, que, esperando obter parte n'elles, lhe prestava o seu apoio contra Francisco Buyz, apresentou os seus poders. Mas quando Cabrera viu que o novo governador no estava disposto a soffrer um egual, instigou os officiaes da coroa a exigirem que * se fizessem mais diligencias para saber de Ayolas. No carecia Yrala de quem n'isto o esporeasse; e com ' ' ^ J ^ 1 8 nove navios e quatrocentos homens, a maior fora deAyoas, que at ento linha penetrado tanto terra adentro, de novo seguiu para a Candelria. Alli nada se sabia; continuaro os Hespanhoes a subir o rio at que n'uma canoa encontraro seis ndios, que por signaes lhes dero a entender que os companheiros estavo no serto, morando n'uma casa forte, que havio construido, e cavando ouro e prata. A esta boa nova, partiro duzentos, a reunir-se quells, levando por guias estes selvagens. Apoz um dia de marcha'tornro-se mos os caminhos, pois comeavo as inundaes; era precizo avanar com gua pela barriga e s vezes pelos peitos, sendo freqente no apparecer um palmo de terra secca, onde repouzar de noute. A final principiando a exhaurirem-se-lhes foras e mantimento, renunciaro a desesperada tentativa, em que gastaro um mez at volverem aos
Herrera.

bergantins.

6 7 5

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.538 Dous dias depois da sua volta chegou um ndio, "?%? que deu a primeira noticia positiva da sorte de Ayolas dC Ay0,aS e da sua gente. Pertencia o selvagem, segundo dizia, tribu dos Chans, que amigavelmente havio recebido os Hespanhoes, informando-os de que os Chemeneose Carcaraes 1 , que residio ainda mais para o serto, fazio Uso de melaes preciosos. Seguiro os Europeos para o paiz indicado; Ia chegaro, viro as suas riquezas, mas encontrando resistncia, retrocedero, pensando voltar com maiores foras. Deulhes o cacique dos Chans ento muito ouro e prata, e para o levarem ndios, dos quaes o narrador era um. Chegaro Candelria, onde Yrala os devia esperar, mas o prazo era vencido havia muito, e elles vinho de todo exhaustos e attenuados da longa marcha por um paiz deserto. Os Payagus lhes jlero os emboras da sua chegada, convidando-os, visto no estarem alli os bergantins, a serem seus hospedes at que voltasse Yrala. Firo-se os Hespanhoes d'este gentio, e Herrera ^TiS,. attrahidos a um pntano, alli foro mortos al ao 6,7, E
Schmidel imnlel. 2.-.
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ultimo, com todos os seus ndios, sendo este o nico os i>ayagui. que escapara. Nem podia Yrala pr causa das inundaes tirar ento vingana, nem ero os Payagus fceis de attingir em tempo algum. Esta nao, que ainda por dous sculos devia ser a praga do Paraguay, dividia1

Provavelmente o m e s m o q u e Carcarisos.

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se em duas Iribus, Sarigues e Tacambus": infestava a primeira o rio acima da Assumpo, por muito mais de duzentas legoas at ao Lago de Xarayes, em quanto a-segunda levava as suas depredaes a maior distancia ainda pelo rio abaixo at ao Paran. No houve jamais piratas d'agua doce to atrevidos e damninhos como estes selvagens quasi amphibios. A's vezes approximavo-se do navio na escurido, e viravo-no de modo que fosse encalhar, pois no havia no rio escolho nem banco de areia, que elle no eonhecessem. Outros nadavo desapercebidos at ao barco, com a cabea so fora d'agua, e num instante o abordavo por todos os lados. Levavo assuas canoas ordinariamente trs pessoas, ero extremamenle leves, ede mui formoso trabalho. Quando perseguidos e alcanados, voltavo-nas, e d'ellas se servio na gua como de pavezes, contra as armas dos inimigos; apenas passado o perigo, endireitavonas d'um toque, e seguio avante. No ero menos insidiosos por lerra do que por gua. Armavo ciladas aos caadores, attrahindo-os como grito imitado do animal que estes buscavo, fosse ave ou quadrpede ; quando se tractava de partidas mais numerosas, enganavo-nas, offerecen#do-se para seus. guias, dando-lhes manlimento e fructas> e levando-as assim at s terem em seu poder, para cahirem ento sobre ellas. de improvizo. Ainda durante o sculo passado se no podia navegar o Paraguay sem immenso risco

120 HISTORIA D O BRAZIL. da parte d'estes selvagens. Moravo com preferencia nas ilhas, bahias e angras, e alli escondidos por traz das arvores, esperavo a sua preza. Suas mulheres so bellas, porem de baixa estatura, e de ps to extremamente pequenos, que teem sido comparados aos das Chinezas. Suppe-se que provenha isto do seu peculiar gnero de vida, passando tanto tempo L. 6?srt. IP. em estreitas canoas e jamais viajando d'utra frma. Buenos-Ayrcs Durante a inundao impossvel era' castigar os
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abandonada.

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, -

. Payagus pelo assassinato de Ayolas e dos seus companheiros, nem Yrala podia fazer outra cousa seno voltar. Algum tempo depois cahiro dous d'aquella tribu prizineiros dos Carijs: pol-os elle a tormenlcs at que, culpados ou no, confessaro o faclo, e ento, com a verdadeira barbaridade d'um descobridor, assou-os vivos! Mas no ero menos emprehendedores que cruis estes conquistadores; o ouro e praia recolhido por Ayolas, embora d'estes thesouros so ouvissem falar, excitou-lhes a cobia, c resolvidos a seguir-lhe os passos, e proseguir nas suas descobertas at ao corao do serto, entendero dever abandonar -l Buenos Ayres, concentrando na Assumpo toRefere Ruy Dias (Arg., Ms.) um exemplo ridculo da misria a que alli estavo reduzidos os colonos. Pela sua fraqueza e grande mortalidade que tinha havido, cahiu sobre elles una furiosa plaga de tigres, onzas y leones, ...de tal manera que para salir a hazer sus riecesidades era necesario que saliese nmero de gente, para resguardo de los que salian ellas.
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das as suas foras/. Assim se fez pois, sendo Yrala o commandante, em virtude dos poderes que lhe conferira Ayolas, e do titulo mais valioso da escolha dos soldados, que para todos, diz Hulderico Schmidel, ellese mostrara sempre justo e benevolo, mas especialmente para estes. Ha razes para acreditar que
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Sxhmidel.

toda a sua justia e benevolncia se cifrava n'elles. A' chamada respondero seiscentos homens... nem um quarto dos que havio deixado a Hespanha, pela conquista do Prata.
* Teve esta fora considervel augmento com a tripolaco d'um navio genovez de Varasa, fortaleza, segundo Ruy Dias, entre Gnova c Saona. Dirigia-se este barco para Limapelo estreito, com mercadorias no valor de 50,000 ducados, e chegara ja ao Mar do Sul, quando o mao tempo o obrigou a retrocedei:. Tendo o capito ouvido que os Hespanhoes havio formado um estabelecimento no Prata, entrou alli. Perto de Buenos Ayres encalhou n'um baixo e perdeu-se com a maior parte do carregamento. Toda a tripolaco se rconiu aos Hespanhoes.

H^rr^ 6 7,5-

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Arg. M*.

122 1530.

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CAPITULO IV
Expedio de Diego de Ordas. Sahe Gonalo Pizarro en busca do El Dorado. Viagem de Orellana. Tentativa de Luiz de Mello para estabelecer-se no Maranho.

1530. Estava o Maranho, que to fatal fura a Joo de de^Sgfde Barros, destinado a ser por muitos annos theatro de aventuras e desgraas, Ja um aventureiro alli vira mallogradas as esperanas antes da desastrosa expedio. Fora este Diego de Ordas, o mesmo que na historia do Mxico deixou memorvel nome, por ter subido a montanha ardente de Popocatepec. Mas nem a gloria que assim ganhara, nem o seu quinho nos despojos d'aquelle paiz, o havio saciado : pois da natureza da ambio e junctamente o seu castigo, no descanar jamais. Bequereu a commisso de conquistar e colonizar o paiz do Cabo de Ia Vela para o nascente, n'uma extenso de duzentas legoas, o que se lhe concedeu, sob condio de procurar explorar a cosia at ao Maranho, sem ultrapassar comtudo os limites do rei de Portugal. Deu-se-lhe o titulo de governador com um soldo de 725,000 maravedis, dos quaes havia de pagar um alcaide mr, um

HISTORIA D O BRAZIL. 123 physico, um cirurgio, um boticrio, trinta pees e dez escudeiros. Foi alem d'isto nomeado adeanlado e capito general por toda a vida, dando-se-Ihe mais a vara dealguazil mr tambm vitalicio. Permittiusc-lhe erigir quatro fortalezas, onde lhe parecesse acertado, que serio levantadas sua custa, mas cujo commando seria d'elle e dos seus herdeiros, com os vencimentos ordinrios. Egualmente se lhe asseguraro mil ducados annuaes durante a vida, como ajuda de custo para as suas despezas, e a vintena dos direitos reaes nas suas conquistas, comtant " que no passasse d'outros mil ducados. Concedeu-selhe o privilegio de conservar as suas possesses na Nova Hespanha, embora n'ellas no residisse. Darse-lhe-io vinte e cinco egoas e outros tantos cvallos da candelria real na Jamaica, e poderia tomar cincoenta escravos e 300,000 maravedis, para prover-se de artilharia e munies, permittindo-se-lhe mais estabelecer um hospital, e acceitar as esmolas que para essa fundao lhe dessem. To vantajosos termos mal se terio concedido, a no ter sido a alia reputao que Ordas ja adquirira. Levantro-se para esta jornada quatrocentos homens. Sahiu Ordas de Sevilha.em principios de 4 531, e em Teneriffe se lhe reuniro ires irmos Silvas com duzentos infantes; so os Hespanhoes das Canrias uma raa acliva e aventureira, que teem fornecido s colnias os melhores habitantes. D'alli seguiu

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4,10,9.' 1531. .

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M.

para o Maranho, onde tomou uma canoa com quatro indigenas. Trazio estes comsigo duas pedras, que aos Hespanhoes parecero esmeraldas, sendo uma do tamanho da mo d'um homem; e as informaes foro que a alguns dias de jornada pelo rio acima havia uma rocha inteira d'eslas pedras. Tinho tambm dous bolos de farinha, similhantes a.sabo, e como amassados com balsamo, que dizio ser apanhados dos ramos das arvores de incenso, de que havia uma floresta a cerca de quarenta legoas pelo rio acima. Tentou Ordas subil-o, mas achou a navegao por demais difficil, e depois de se ter visto em risco imminente entre os baixos e corredeiras, e perdido um dos seus navios, resolveu procurar fortuna em outra parte. Foi primeiramente a Peri, onde quiz intrometter-se nas conquistas ja feitas por ouIrem. Depois, tendo recebido de Madrid uma severa reprimenda com ordem de escolher as suas duzenlas legoas a partir ou do Cabo de Ia Vela para o Maranho, ou d'esle pra aquelle, entrou no Orinoco, ento chamado Viapari, d'um cacique cujo territrio ficava sobre as suas margens. D'csta tentativa no se sahiu melhor do que da precedente; teimou comtudo em invernar no rio, at que perdida afinal 1532. grande parte da sua gente em naufrgios e outros desastres, abandonou a empreza, fez-se de vela para
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Herrera.

4, io, 9-i. a Hespanha, e morreu em viagem ou pouco depois %sTt. ^ a chegada.

HISTORIA D O RRAZIL. 125 Teve esta expedio logar uns poucos de annos 1532 antes da de Ayres da Cunha, e dos filhos de Joo de Barros; alguns annos depois navegava-se o Maranho das montanhas de Quito at ao Oceano. Segurada, como elle imaginava, a auctoridade da 1541. sua famlia no Peru, pela execuo do seu antigo ^o^io*5
1 . . . . 1 . o . TV , Pizarro em Dorado.

amigo, camarada e bemfeitor, entregou Pizarro o busca < i o EI governo de Quito a seu irmo GonaloJ homem ainda mais sanguinrio e infame do que elle. Ao nascente d'aquella cidade dizia-se que ficava um paiz mui rico, em que abundava a canella. Apenas investido no seu governo, dispoz-se Gonalo a tomar posse d'es1a terra de especiaria, e ir depois conquistar o El Dorado, anticipando Belalcazar, que fora Hespanha solicitar a concesso d'aquellas partes. Para similhante empreza no faltavo aventureiros. Partiu elle pois com cerca de duzentos infantes, cem cavallos, quatro mil ndios, para servirem de bestas de carga ao exercito, e obra de quatro mil porcos e carneiros da ndia. Entrou primeiramente na provncia dos Quixos, ultimo povo que os Incas havio subjugado. Resistiro elles aos Hespanhoes, mas sentindo a prpria inferioridade, fugiro de monle, levando comsigo mulheres e crianas, que nem uma mais se.viu. Em quanto alli fazia alto o exercito, occorreu violento terremoto, que derribou as habitaes dos indigenas, abrindo a terra em muitas partes. Era isto apenas o

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preldio do que elle havia de soffrer dos elementos. Seguiro-se terrveis tempestades de raios e troves, acompanhas de chuva tal, que um rio, alem do qual costumavo os Hespanhoes ir procurar provises, deixou de ser vadeavel, principiando a fazor sentirse a fome. Abandonando a final esta estao, atravessaro um ramo das Cordilheiras, onde muitos dos ndios lhes morrero gelados : alli deixaro os viveres e o gado em p para, movendo-se mais depressa, salvarem as prprias vidas. Era despovoado o paiz, a que descero. Foro abrindo caminho por entre as matas, at que chegaro ao valle de Zumaque, que fica nas fraldas d'um volco, a trinta legoas de Quito. Alli acharo habitaes e mantenimento, e alli se reuniu a elles Francisco de Orellana, cavaileiro natural de Truxillo, com trinta cavallos. Partira este de Quito atras d'elles, soffrendo ainda mais na marcha, pois achou ja o paiz devastado pelos que io adeante. Nomeou-o Gonalo seu tenente general, e deixando o grosso da sua gente em Zumaque, com setenta pees avanou para o nascente, a reconhecer o paiz da especiaria. podrode Achou as arvores de especia, cujo produclo pareCieza. C. 40. cendo-se com a canella do Oriente em gosto, era comtudo.de inferior qualidade. Abundavo alli, dando as cultivadas melhor especiaria do que as que crescio bravas. D'ellqs tiravo os naturaes um artigo considervel de trafico, trocando por viveres o que

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colhio, e pelos poucos vestidos de que usavo. Era elle um pobre povo inoffensivo, que com pouco se contentava. A sua pobreza foi para Gonalo uma decepo, que ao mesmo tempo o indignou. Inquiriu-os elle sobre se eslas arvores crescio em outro algum paiz, ao que respondero que no, o que sabio por virem alli outras tribus em busca do produclo. Mas quando lhes perguntou que paizes ficavo alem, e elles nenhuma razo lhe podero dar do El Dorado, desse ureo reino, alvo de seus desejos,... ento com a alma d'um verdadeiro Pizarro, nome que jamais se pronunciar sem horror,.,., pol-os a tormentos para extorquir-lhes uma confisso do que ignoravo, nem podio ter motivos de oceultar. Queimou alguns em vida, e outros tambm em vida os atirou a seus ces, molossos cervaes ensinados de propsito a nutrirem-se de carne humana! . De noute cresceu tanto e to repentinamente um rio, sobre cujas margens se alojara, que a muito custo pde com os seus companheiros escapar inundao. Voltou enlo a Zumaque. Durante dous mezes que alli se detivero os Hespanhoes, choveu sem cessar1, de modo que nunca estavo enxutos,
Cresce n'aquellas chuvosas regies uma arvore cuja madeira branca to secca, que immediatamcnte depois de cortada arde con.o um archote, at de todo .consumir-se. Enteramente nos dia Ia vida hallar esta madera, diz Pedro de Cieza. Deve esta arvore ser o Es' pinillo ou Gandubay de Azara. 0 P. Manoel Rodriguez diz que esta terra insalubre no foi habitada
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apodrecendo-lhes no corpo a roupa. Os naturaes, ja familiarizados com este inconveniente, andavo nus, o que em clima to quente lhes no era penoso. No tardou Gonalo a sentir os mos effeitos da sua crueldade. Correra a noticia de tribu em tribu, e quando elle perguntava pelos paizes ricos que buscava, os pobres indigenas, no se atrevendo a contradizer-lhe a esperana, illudio-no, e dizio-lhe que seguisse avante. Chegaro a final os Hespanhoes margem d'um rio profundo e largo, ao longo da qual foro marchando. ]N'um logar viro precipitarse a corrente d'uma allura d'alguns centenares de ps, e quarenta legoas mais abaixo contrahir-se entre dous precipcios n'uma largura de vinte ps apenas. Io os rochedos topetar com as nuvens: duzentas braas de elevao lhes calcularo os Europeos. Mas ja por cincoenta legoas havio seguido o curso do rio, sem acharem logar onde atravessal-o, at que resolvero lanar-lhe uma ponte de rocha a rocha. Os naturaes, que da outra margem tentaro embargar-lhes o intento, depressa foro postos em fuga. Infinita difficuldade houve em atravessar a primeira trave; conseguido isto foi comparativamente fcil o resto. Um soldado ourou ao contemplar o abysmo debaixo dos ps, c n'elle se precipitou. Mas, se grandes havio sido os seus soffrimenlos
por livre escolha, mas povoada por tribus, que alli buscaro refugio contra a oppresso dos Incas.

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na regio montanhosa e nas florestas, maiores os aguardavo aqui. Tinho de vadear pntanos, passar lagoas, lagos e savanas inundadas, sobre apanharem outra vez excessivas chuvas. Estavo quasi exhaustas as suas provises, e principiavo os Hespanhoes a devorar os seus ces de guerra. Besolveu-se construir um bergantim, que levasse os doentes, e os passasse a todos d'uma margem para a outra, quando a opposla parecesse mais practicavel, ou mais abundante o paiz. Por causa da chuva ti vero de construir choas, onde fazer, carvo; forjaro quanto ferro levavo comsigo, incluindo os freios e eslribos dos cavallos, que se matavo como acipipes para os doentes; colhero resina, que lhes servisse de alcaIro, e em logar de estopa empregaro os prprios vestidos ja podres. Era isto obra de grande trabalho e difficuldade para os soldados, que concludo e deitado gua o navio, julgaro terminadas as suas misrias. Mas ainda as tribulaes continuaro a ser grandes. Ainda lhes era mister romper caminho por entre o emmaranhado mato dos morros, e as cannas das terras baixas, e atravessar campos inundados, tendo muitas vezes homens e cavallos de nadar, emquanto os do bergantim lanav ferro, para que a corrente os no levasse mais depressa do que podio segui!-os-pela margem os companheiros. Com a costumada tyrannia, levava Gonalo comsigo prizineiros todos os ca-

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ciques que podia colher mo, quer suas tribus tivessem fugido deanle 'd'elle, quer o houvessem acolhido com amizade, com a nica differenade que aquelles, de quem receava se evadissem, os punha a ferros. Em parte por medo, e em parte para desviarem de seus prprios territrios similhantes hospedes, affirmavo estes prizineiros, que na frente ficavo regies ricas e fertilissimas, informao em que pelo mesmo fundamento todos os indigenas coneordavq. Dizio a Gonalo que chegaria a esla regio, seguindo sempre o curso do rio at que outro maior viesse reunir-se-lhe. Um dia -estes caciques, que havia muito espreitavo a oceasio propicia, atiraro-se gua acorrentados como estavo, e ganhando a margem opposta, illudiro todas as pesquizas. Achava-se ento a expedio, no dizer dos ndios, a oitenta legoas da junco dos dous rios, eera Herrera. extrema a fome que reinava. Ja mais de mil Peruzrate.' vianos havio perecido. Como o melhor meio de sahir 2 3 c 2-3 do aperto, ordenou, Gonalo a Orellana, que, tomahdo EiAMarafion y cincoenta homens, descesse no bergantim at ao frtil
Amuzons

L. 4, c. 1-4. G rci laS

L. 2, c. io. paiz de que falavo os naturaes," e carregando alli y vidana' de provises, yollasse o mais depressa possvel em ,,eG Pi ro c r -soccorro do exercito. . Engrossada com as guas que muitos rios lhe Irazio do lado do meio dia, deslizava-se rpida a corrente. No segundo dia deu o navio contra um Ironco, que lhe metteu uma prancha dentro : foi precizo

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13115it

alai-o para terra e concertal-o. Era pelo Coca que nvegaVo*,. e em trs dias entraro no Napo; avaliando os Hespanhoes em mais de cem as inculcadas oitenta legoas dos ndios. Inhabitado era o paiz que havio percorrido, nem signaes enconlrro de cultura ou de populao. Que fazer? Voltar conlra quella corrente to forte era quasi impossvel com imilhanle embarcao, e fracos como eslavo os-homens por falta de alimento sufficiente; e se alli gardavo o exercito" ja exten.uados de fonie, que tinho de esperar, seno a morte? Seria perderem-s sem proveito para os companheiros. Orellana ponderou isto aos seus; o argumento era forte e concludente. Demais linha elle concebido a aventurosa esperana de seguir aquelle grande rio atravs do continente, e voltando Hespanha, requerer Ia a conquista dos paizes que atravessasse. O dominicano. Fr. Gaspar de Carvajal, e Herman Sanchez de Vargas, jovem fidalgo de Badajoz, oppozro-se ao projecto, representando-lhe a misria em que se veria o exer- . cito", quando, chegando ao ajustado ponto de reunio,' visse falhar-lhe a ultima esperana. Orellana mandou por este ultimo em terra entre os dous rios n'uma regio deserta, onde aguardasse o exercito, o segundo todas as. probabilidades1 perecesse de fome
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Comtudo ainda o exercito veio achal-o vivo, tendo-se sustentado d hervas.

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estavo os Hespanhoes famintos de mais. Fel-os Oreilana desembarcar, collocando-se em linha de balalha ; atacaro elles os ndios como quem esfomeado se bate por comer, e'pondo-os immediatamente em debandada, acharo prompto fornecimento. Em quanto saboreavo os fructos da victoria, meltrose os ndios nas suas canoas e approximro-se, inais para satisfazer a curiosidade do que o resenlimento. Falou-lhes Orellana n'um idioma indgena; q"ue entendero em parte, e at alguns, cobrando aliimo, se chegaro; deu-lhes elle algumas bugiarias europeas, e perguntando pelo cacique, veio este sem hesitar, agradou-se muito dos presentes que lhe coubro, e offereceu-se para supprir tudo que d'elle dependesse. Pediro-se comesliveis, e logo tivro paves, perdizes, peixe e outras couzas em grande abundncia. N* dia seguinte apparecro treze caciques a ver os estrangeiros : estavo vistosamente ornados de plumas e ouro, trazendo ao peito chapas d'este metal. Becebeu-os Orellana cortezmente, intimou-os a reconhecerem a soberania da coroa de Castella, aproveitou-se como de costume da sua ignorncia para affirmar que consentio, e divertiu-os com a ceremonia de tomar-lhes posse do paiz em nome do Imperador. A relao que Orellana e Fr. Gaspar fizro da sua viagem, a alguns respeitos palpavelmente falsa, como se vae ver. O seu fim era exagerar as riquezas

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das provncias que havio descoberto. No -pro.vavel que estas tribus possussem ouro algum, poisque nenhuma das do Maranho estava assaz adeantada para d'elle fazer uso. Em toda a parte onde os ndios americanos se servio d'este metal, encontrro-se habitaes fixas, hbitos de vida sedentria, governo regular, sacerdotes reunidos em corporao, e uma religio ceremoniada. Tribus nmadas apanharo um gro de ouro, como fario com uma pedra decor, e o traro pelo seu brilho; mas ho de deixar de ser errantes para d'elle fazerem chapas ou utenslios. Um d'estes caciques, segundo contou o frade, declarou que havia no serto uma nao rica e poderosa, e que mais rio abaixo se encontraria outro paiz rico habitado por Amazonas. Sete Hespanhoes alli morrero em conseqncia da fome que havio curtido 0 capito, a quem no faltava nenhuma das qualidades exigidas por to desesperada empreza, entendeu que achando-se em termos to amigveis com os naturaes, era este o logar azado para construir melhor bergantim do que o frgil barco em que vinho e que seria incapaz de servio ao entrar no mar. Dous homens, que nunca antes havio tentado o officio de ferreiro, encarregro-se das obras de ferro; um terceiro emprehendeu fazer carvo, e de algumas botas, que felizmente havio escapado cassarola, engenhou-se um folie. Mettro todos mo obra, sendo Orellana o pri-

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meiro, que a nenhum trabalho se poupava. Em vinte dias fizero dous mil pregos1, e pozero-se logo a caminho, no julgando prudente canar a hospitalidade dos seus- novos amigos. Desarrazoada havia sido a demora, pois que pregos se podio haver feito conjunetamenle com o bergantim, e n'este meio tempo consumiro-se as novas provises. Vinte legoas mais abaixo desguava do norte na torrente grande um rio mais pequeno : descia elle rpido e no logar da junco de modo tal revolvia as guas, que os Hespanhoes se tivero por perdidos. D'alli seguiro, segundo o seu calculo, por mais duzenIas legoas, luctando com muitas difficuldades e perigos, atravs d'um paiz inhabitado. Afinaltornaro a avistar habitaes. Mandou Orellana vinte homens a terra com ordem de no assustarem os naturaes; encontraro um povo dqcil, que admirou os estrangeiros, dandolhes tartarugas e papagaios para sustento : d'ambos os lados do rio encontraro os Hespanhoes a mesma boa vontade. agora bem povoado o paiz por onde avanavo. No dia seguinte sahiro-lhes ao encontro canoas, cuja tripolaco lhes deu tartarugas, perdizes e peixes, agradando-se tanto os ndios do que reeb Foi isto perder ferro e tempo, pois que tornos de pau terio servido melhor para o effeito. Nem se sabe d'onde veio o ferro, pois que Gonalo -Pizarro' ja tivera tanta difficuldade- em achar o precizo para o primeiro navio. Talvez desfizessem os arcabuzes, como para o mesmo fim practicou o remanescente do exercito de Soto. Garcilaso, 1. 6, c. 4. .

136 HISTORIA D O RRAZIL. 1541. r g 0 e m troca, que convidaro o commandante a ir a terra ver o seu chefe Apari. Assim o fez Orellana, dirigindo a este cacique e aos seus subdilos um discurso sobre a religio christ e o rei de Hespanha, practica que por todos foi escutada com muita atteno, segundo elle disse. Ponderou-lhe Apari que se io ver as Amazonas, que elle chamava Cunhaapuyars, ou poderosos caudilhos', vissem bem quo poucos ero contra nao to numerosa. Pediu ento Orellana que se convocassem todos os caciques " T T ^ a provncia e reunidos vinte, repetiu-lhes os tpicos acima, concluindo por dizer, que sendo todos filhos do sol, todos devio ser amigos. Ficaro elles encantados com o reconhecimento d'esla fraternidade, e mais ainda com verem os Hespanhoes erigir uma cruz, e practicar a ceremonia de tomar posse do paiz. E aqui, achando a povo hospitaleiro, e abundante o mantimento, construiu Orellana o seu novo bergantim. Havia.entre a tripolaco um esculptor de madeira, que agora n'esta occupao mais rude, mas tambm mais til, se tornou singularmente prestimoso. Calafelou-seo navio com algodo, fornecendo os indigenas o pez, e em trinta e cinco dias cahiu gua. A c u n ae n Estavo n'islo empregados os Hespanhoes, quando
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^ A m a s o n a s . chegaro quatro ndios, vestidos e enfeitados, e de


Parece esta palavra ter sido mal traduzida, e abonar alguma couza a historia das Amazonas, pois cunha em lingua tupy significa mulher. Poderosas mulheres pois provaveln entr o fentido.
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alta estatura; descia-lhes o cabello at cinctura. 1541Devio pois pertencer tribu a que depois se poz o nome de Encabellados, pelo comprimento de cabel- los, que tanto homens como mulheres deixavo crescer livremente, s vezes al abaixo do joelho. Dirigindo-se a Orellana com muita reverencia depozero mantimento deanle d'elle, dizendo que vinho enviados por um poderoso chefe, a saber quem ero estes estrangeiros, e para onde io. Fez-lhes este o mesmo devoto sermo sobre a religio chrjst, supremacia do papa, e poder do rei de Castella despedindo-os depois com presentes. Passara-se a primavera antes da partida dos- Hespanhoes. Fr. Gaspar e outro padre, que ia na expedio, confessaro toda a gente, pregro-lhe, e exhortro-na a arrostar valentemente todas as difficuldades at ao fim. A 24 de abril embarcaro todos de novo; pelo espao de oitenta legoas ero as margens povoadas de tribus tractaveis; d'alli para baixo tomava o rio por entre montanhas desertas, onde se dero por felizes com terem hervas e milho torrado de que se alimeUtassem, pois que nem sequer apparecia um logar em que se podesse pescai4. A 6 de maio chegaro a um sitio que parecia ter sido habilado anteriormenle, e alli izerolto para matar algum peixe. 0 esculplor viu em cima d'uma arvore juncto ao rio um yguana, animal grande da famlia dos lagartos : fez-lhe pontaria com uma besta e a garrucha cahiu na gua.

138 HISTORIA D O RRAZIL. 1541. Agranhou-se logo depois um peixe grande, que .a tinha ja no buxo. Passados mais seis dias, eslavo na populosa provncia de Machiparo, que confinava com as terras d'um cacique chamado Aomagu. Aqui tomou Orellana o nome da tribu pelo do seu chefe, pois que os Omagus n'aquellas partes1 estavo ento estabelev cidos, e provavelmente cahiu no erro opposto a respeito da designao anterior, dizendo-se mais adeante que Machipara2 o nome do cacique. Uma manh viro os Hespanhoes vir uma frota de canoas a ata-;
Erradamente suppe Gondamine, que elles, fugindo do reino da Nova Granada deante dos Hespanhoes, alli se havio acoutado. Ainda a conquista de reino no tivera logar, sendo pelo contrario ainda tradio entre os Omagus de Quito, que o seu bero fora o Maranho, fugindo vista dognavio de Orellana muitas tribus, umas para as terras baixas dos rios, outras para o Rio Negro na direco de Orinoco.e do novo reino de Granada. (Hervas, citando uma carta de Velasco, 1.1, p. 266.) " " Tambm erra Condamine quando diz quca lingua d'esta nao nenhuma similhana tinha nem com a peruviana nem com a brazileira. E radicalmente a mesma que a dos Guaranis e Tupis. (Hervas, t. 1, p. 30, 121.) Confirma Acima a auetoridade de Hervas, chamando esta tribun'uma nota marginal: Nacion descendiente de los Quixos. El Maranony Amazonas, 1. 2 ; c. 10. Ua-.se de differentes modos a origem do nome d'estes selvagens. Acufia diz : Omagus, imprprio nombre, que les pusieran, quitndoles ei nativo, por su habitacion, que es Ia parte de afuera, que esso quier dezir guas. (El Maranon y Amazonas'',' 1. 2, c. 10.)-Gondamine diz que significa cabeas-.chatas iti linguado" Peru. 2 Na subsequente viagem de Orsua se menciona a provncia de Machifaro.
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cal-os : trazio os ndios escudos feitos das pelles do camo, doboi marinho ou da anta, e entre rufos de tambor e gritos de guerra ameaayo devorar os estrangeiros, Collocro estes bem perto os seus dous navios, para que melhor se defendessem, mas quando qujzero fazer uso da plvora, achro-na humida ; no lhes restavo pois seno as bestas em que confiar, e fazendo- d'ellas o melhor uso que podero, continuaro a descer o rio, pelejando sempre. Pouco depois chegaro a uma aldeia de ndios, cujos habitantes estavo em grande massa reunjdos beira do rio; desembarcou metade dos Hespanhoes,ficandoo resto a bordo para sustentar o combate fluvial. Levaro elles os ndios adeante de si at aldeia, mas vendo que era uma povoao mui grande, e mui numerosos os selvagens, voltou o commandante do destacamento para onde estava Orellana, a dar a sua parle. Enviou-se um reforo de treze homens, e tomada ento a aldeia, volvio os vencedores carregados de provises, quando foro atacados por uns dous mil ndios, dos quaes so apoz um renhido combate de duas horas podero livrar-se, recolhendo-se aos bergantins. Dezoito da partida foro feridos, entre s quaes Pedro d'Ampudia, que morreu. No havia nem cirurgio nem remdios para elles, pelo que so recitar psalmos sobreas feridas se podia, tractamenlo que nada tinha de desusado, e tanto mais racional do que os methodos ento em voga, que no admira,

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que em geral d'elle se colhessem melhores resultados '. Apenas embarcados os despojos, largaro os Hespanhoes rio abaixo. Todo o paiz estava ja ento alvorotado contra elles. Milhares de ndios cobrio as duas margens, c no podendo alcanar os estrangeiros, com gritos e vozes animavo os das canoas. Toda a note durou perseguio, affrouxando porem pela manh; ento os aventureiros, rendidos s fadigas da vspera, desembarcaro para uma ilha deserta, onde repouzassem e apromptassem a comida, 0 que no podio fazer sobre nenhuma das margens, ambas povoadas e ambas hostis. Apparecro outra vez as canoas, e Orellana vendo que os ndios saltavo em terra para atacal-o, a toda a pressa se recolheu aos navios. Alli mesmo todos os esforos lhe foro
Sanjurge, soldado da expedio de- Hernando Soto, effecluara grandes curas com auxilio de leo, l e psalmos, mas tendo-se perdido todo o leo durante a retirada, abandonou elle a clinica, como d nenhum prestimo sem aquella droga. A final porem foi elle mesmo ferido, e como havia jurado no se sujeitar crueza do cirurgio, tomou lardo em vez de leo, desfiou um casaco velho para supprir a l, e poz-se a recitar os psalmos. Em quatro dias estava curado, visto o que declarou que toda a virtude estava nas palabras da Escriptura, e pediu perdo por ter deixado perecer tantos, persuadido de que leo el suja ero essenciaes ao curativo. Garcilaso,\. 5, p. 2, c. 5. Refere este auctor perluxamente o caso na sua interessantssima historia da expedio de Soto. Herrera, que o repete (7, 7, 5), tem a mesma fe que este psalmista, e conclue dizendo : Era este hombre casto, buen Christiano, temeroso de Dios, gran ayudador de todos, y curioso en otras tales virtudes.
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HISTORIA D O DRAZIL. 141 precizos para se salvar. Era como se toda a fora (ia provncia se houvesse colligado contra elle, com todasas suas canoas. Ahi yinho avanando sempre, rufando seus rudes tambores, tocando buzinas e trombetas com tremendos clamores de guerra. Vioi f h 7% . .

t5i.

se entre elles qualro conjuradores, besunlados os corpos, com cerlo unguento,'a cuspir cinzas para os Hespanhoes, e alirando gua na direco d'estes, conto quem asperge gua benta com o hyssope. Todo o empenho d'elles era abordar os bergantins; mas ja os Hespanhoes tinho seccado algumq plvora, e um dosarcabuzeiros, por nome Cales, mirando certeiro o chefe dos ndios, metteu-lhe uma bala no peito. Junctou-se em torno d'este o seu povo, e emquanto assim eslavo entrelidos, ja os bergantins io longe. Por dous dias c outras tanlas noutes continuou comtudo ainda a caa, at que se transpozero os limites teiritoriaes d'este poderoso cacique Machiparo. Quando Orellana viu que ningum mais o perseguia, resolveu desembarcar e descanar. Saltaro pois os Hespanhoes em terra, expulsaro duma aldeia pequena os seus habitantes, e alli se detivero por trs

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Herrera. 6,9,2.

A distancia das fronteiras de Apari at este logar, orro-na elles em trezentas e quarenta legoas, das quaes duzenlas despovoadas., Parlio d'esla aldeia muitos caminhos, o que indicava uma forma de governo mais formidaVel, do que os Hespanhoes pode-

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isil.

rio arrostar, pelo que lhes no pareceu prudente demorarem-se mais; embarcando pois boa proviso d fructas, e biscoto feito de milho e de mandioca, despojos do logar, largaro outra vez no domingo depois da Ascenso. Duas legoas mais adnt vinha ao rio reunir-se outro de considervel magnitude, a que pozero nome Bi de Ia Trinidad, pelas trs ilhas que tinha na boca. Estava bem povoado o paiz, e aburidav as fructas; mas lantas canoas sahiro a recebel-os, que os Hespanhoes se no atrevero a deixar o meio do alveo. No dia seguinte, "vendo um estabelecimento pequeno deliciosamente situado, venturro-se a ir a terra, e facilmente foraro a praa; alli acharo grande copia de.viveres e n'uma espcie d casa de recreio algumas jarras e cntaros de excellente barro, alem d'outros vazos, vidrados e muito bem pintados. Encontraro lambem ouroe prata*, dizendo os ndios que havia no paiz grande copia d'estas couzas. Egualmente se vio alli dous idolos tecidos de ramos de palmeira de extranho feitio; ero de gigantesco tamanho, e a volto dasparles mais grossas dos braos e pernas passvo largos crculos de frma afunilada como a guarda d'uma lana. Partio d'aqulie sitio duas estradas reaes. Pr cada uma d'ellas caminhou Orellana meia legoa, mas vendo que* cada vez se alargavo mais, no julgou, prudente passar a noute em. terra achando-se n'um paiz similhante. Nem elle nem a

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sua gente devio pensar agora em enriquecer, mas em salvar as vidas, e descobrir o que, volvendo, podessem conquistar. Mais de cem legoas velejaro elles ainda por esta populosa regio, guardandosempre o meio da correnle, para se conservarem a distancia segura da terra. Depois entraro nos domnios d'outro cacique, chamado Paguana, onde foro recebidos como amigos; ferlil era o paiz, o povo parecido com os Peruvianos. No domingo do Espirito Sancto passaro por uma grande povoao, com muitas ruas, que todas io dar ao rio; por ellas sahiro os habitantes, mettendose nas canoas, a atacar os bergantins, mas promplos se retiraro ao sentirem os effeitos das armas de fogo e das bestas. 0 dia seguinte levou os Hespanhoes ao derradeiro logar no territrio de Paguana, entrando elles ento n'um paiz pertencente a um povo guerreiro, cujo nome no podero saber. A' tarde do domingo daTrindade assaltaro um estabelecimento, onde os habitantes se servio de grandes pavezes, como armas defensivas. Pouco abaixo d'aqui vinha do sul um rio desembocar na torrente principal; ero suas guas, dissero elles, negras como tinta de escrever, e formavo ainda por mais de vinte legoas uma linha escura, sem se mesclarem com as outras. Passaro por muitas povoaezihhas, assaltando uma em busca de manlimento: estava cercada d'uma muralhade madeira, cuja porta tivero de forar.

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No podia isto ser seno a palissada do costume. Ja ia to largo o rio, que d'uma margem se no via para a outra. Em outro logar acharo vrios vestidos de pennas,*dizendo-lhes um ndio, que aprezro, que servio estes trajos para as solemnidades, e que era aquelle o paiz das Amazonas. Por onde quer,que passavo, gritava-lhes de terra o povo, como desar fiando-os. A 7 de junho entraro sem opposio n'uma aldeia, no se vendo alli seno mulheres; provro-se bem de peixes, e Orellana, cedendo imporlunidade dos soldados, consentiu em passar a noute em terra, por ser vspera do Corpo de Deus. Ao escurecer voltaro dos campos os habitantes, da aldeia, e, achando similhanles hospedes, tentaro expulsal-os. Os Hespanhoes depressa os pozero em fuga, mas Orellana insistiu prudentemente no reembarque e immediata partida. Para Ia d'este morava povo mais afavel; chegaro depois a uma grande povoao, onde viro sete pelourinhos com cabeas humanas espeladas em lanas; parlio d'alli cslradas caladas com fileiras de arvores plantadas de um e outro lado. No dia seguinte chegaro a outro logar simhante, onde a mingoa de provises os obrigou a saltar em terra : perce. bendo-lhes o desgnio, pozero-se os naturaes de emboscada, e furiosos os acomettro. Morto porem o seu chefe com um tiro de besta, levaro os Hespanhoes comsigo grande copia de tartarugas, patos,

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papagaios e milho. Com este opportuno supprimento segujro para uma ilha, onde comessem e refrescassem. Uma mulher de agradvel presena, que d'alli levaro, disse-lhes que havia muitos homens como elles no interior, e que um dos caciques indigenas tinha duas mulheres brancas, que havia trazido ' d'unia terra, que ficava mais rio abaixo. Ero estas mulheres provavelmente restos do naufrgio da expedio de Ayres da Cunha. Durante os quatro dias seguintes, que tanto lhes duraro os viveres, no tentaro os Hespanhoes desembarque algum, tendo passado por um estabelecimento, do qual dizia a mulher partia o caminho para onde estavo os homens brancos. No logar seguinte, em que forragero, acharo milho e cevada, de que os naturaes preparavo uma espcie de cerveja; tambm viro o que chamaro laverna d'este licor, bom panno de algodo, e um oratrio, em que estavo penduradas armas e duas coberturas de cabea variegadas, similhahtes a mitras episcopaes no feitio. Dormiro n'um outeiro da margem opposta, sendo inquietados por ndios em canoas. A 22 de junho avistaro muitas povoaes grandes do lado esquerdo, mas to forte era a corrente, ;que os Hespanhoes a no podero cruzar. Desde, ento nunca deixaro de ver aldeias habitadas por pescadores. Ao voltarem um angulo do rio, alongou-se deante d'elles a perder de vista o paiz coberto de
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muitos estabelecimentos, cujo povo, avizado da chegada d'elles, se havia reunido evidentemente com intenes hostis. Mostrou-lhes Orellana vrios dixes, de que se burlaro, mas elleteimoU em approximarse para haver provises por bem ou por mal.. Partiu de terra uma nuvem de settas, de que ficaro feridos cinco Hespanhoes, sendo Fr. Gaspar um d'elles. ' Desembarcaro comtudo, seguindo-se renhida peleja, em que os ndios se no mostraro acobardados com a mortandade que entre elles se fazia. Fr. Gaspar affirmou que dez ou doze Amazonas1 combalio frente d'este povo, ujeito nao d'ellas, e que to desesperadamenie. batalhava, por qe todo aquelle, que fugisse do conflicto, leria sido morto por estes tyrannos femininos. Descreveu elle estas mulheres como altssimas, e de robustos membros, brancas de pelle, cabellos compridos, lizos e passados volta da cabea; o nico artigo de vesturio era um cincto, e de armas lhes servio arcos e seitas. Mortas sete o u oito d'entre ellas, fugiro .os ndios. Um trombeta, que os Hespanhoesfizeroprizioneiro, deu-lhes muitas informaes a respeito do serto; de todos os lados porem rebentavo partidas taes, que Orellana se deu pressa em embarear, sem fazer preza alguma. Tinho estos aventureiros viajado ja, se-.
divertido ver como esta historia se engrandeceu, onde so por tradio era conhecida. Nas Noticias do Brazil diz-se que Orellana se bateu com um poderoso exercito de mulheres, i, c. 4. ''
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gundo o seu calculo, mil e quatrocentas legoas. 1541 A alguma distancia d'este perigoso passo encontraro outra povoao grande, onde, no vendo selvagem algum, insistiu a soldadesca com seu commandante, para que desembarcasse. Disse lhes elle, que se o povo no apparecia, estaria seguramente de emboscada, e assim foi. Apenas os bergantins chegaro assaz perto, surdiro os indgenas, disparando uma multido de frechas. Em bem foi para os navios lerem sido pavezados ao deixarem o piz de Machiparo, ou muito terio soffrido agora : assim mesmo perdeu Fr. Gaspar um. olho- e fortuna fora para a sua reputao de veracidade, se ambos os houvera perdido antes de ler visto as suas Amazonas brancas. Sobre a margem meridional ja as cidades ou aldeias em parte nenhuma distavo mais de meia legoa uma da outra, nem menos povoado era o interior do paiz, segundo asseveraro aos Hespanhoes. Tendo entrado n'esta provncia no dia de S. Joo, deu-lhe Orellana o nome do sancto. Calculou-lhe a extenso em cento e cincoenla legoas de borda rio, habitada, observando-a com especial solicitude, como paiz, que um dia esperava fazer seu : ero terras altas, com muitas savanas, e florestas de sobreiros carvalhos de varias espcies. No meio do rio ficavo numerosas ilhas, em que pensou saltar, reputando-as inhabiladas; de repente porem largaro d'alli algumas duzenlas canoas, cada uma com seus trinta ou qua-

148 HISTORIA D O BRAZIL. 1541. renta homens, alguns dos quaes levantaro discordante ruido de tambores, trombetas, rabecas, de Ires cordas, e uns instrumentos que parecio gaitas ou rgos de boca, em quanto todos atacavo os bergantins. Apezar de rechaarem esles inimigos, virose to apertados os Hespanhoes, que em nenhumas d'estas ilhas podero tomar mantimento. O terreno d'eljas parecia elevado, frtil e delicioso, e a maior medir cincoenta legoas de largura. Assim que as canoas desistiro da caa, desembarcou Orellana n'um bosque de carvalhos, onde por meio d'um vocabulrio , que compozera, interrogou um prizioneiro. D'elle soube que era este paiz sujeito a mulheres, que vivio moda das Amazonas dos antigos, e possuio ouro e praia em abundncia. Havia nos seus domnios cinco templos do sol, todos cobertos de chapas de ouro; de pedra ero suas casas, e muradas suas cidades. Herrera observa com razo, que no era possvel que Orellana na sua viagem compozesse um vocabulriol, com auxilio do qual se entendesse uma exposio como esta. A verdade , qe tendo, como Raleigh, achado um paiz que julgou digno de onquistar-se e colonizar-se, inventou a seu respeito as falsidades que melhor poderio tentar aventureiros
Condamine preparou um vocabulrio, antes de emprehender a viagem pelo rio abaixo. Escreveu todas as perguntas que lhe poderia ser precizo dirigir, mas esqueceu-se de pr tambm as respostas. P. 111.
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a acompanhal-0 na prjectada empreza. Umas poucas de mulheres tinho sido vistas a combater com arco e settas, couza comezinha na America; os seus templos do sol, trouxera-os elle do Peru, e affirmava existirem aqui, por que aqui esperava e contava encontrai-os;.... a cobia ea credulidade o fazio mentiroso. Aqui pensaro agora os, Hespanhoes enlrar outra vez em paiz deslmbitado, mas de repente lhes apparecro do lado esquerdo grandes e vistosos estabelecimentos em terrenos elevados. No quiz Orellana approximar-se, desejoso de evitar o perigo, quando o perigo era evitavel. Mettro-se os naturaes nas suas canoas, e viero at ao meio do rio, para verem os bergantins, no para os atacarem. O prizioneiro declarou que por mais de cem legoas se xtendia esta provncia, vassalla d'um cacique chamado Caripuna, que possua muita prata. A final chegaro a uma aldeia, em que se julgaro assaz fortes para obterem provises. Defendro-se os habitantes, matando Antnio de Carranza. No tardou a descobrirse que usa vo de settas envenenadas. Dero os Hespanhoes fundo sombra d'uma floresta, levantando barricadas, que os protegessem contra to terrveis armas : alli lhes pareceu que ja se percebia a \ mar'.
Fr. Gaspar disse, que um pssaro, que os havia seguido por mais de mil legoas, gritando sempre huis, huis, casas, tndas as vezes que se
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Com mais um dia de viagem chegaro a umas ilhas deshabiladas, onde com infiniia alegria conhecero que no se havio illudido, sendo allj ja fora de duvida os signaes do fluxo e refluxo, D'um ramo pequeno do rio sahiro duas flotilhas de canoas, que intrepidamente os assaltaro : de grande prestimo foro ento as barricadas, a favor das quaes foi repellido o inimigo, no porem sem que Gaspar de Soria recebesse uma ligeira ferida de setla, morrendo dentro de vinte e quatro horas,, to activo era o veneno. Pertencia esta terra sobre a margem direita a um cacique chamado Chipayo. Segunda vez voltaro as canoas carga, mas um Biscainho, por nome Perucho, lhes derribou o chefe com tiro certeiro, o que, como de costume, poz termo aco. iierrera. Cruzaro ento os Hespanhoes o rio para o lado do
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norte, por ser demasiado povoado o do sul. Er esta outra margem deserta, mas bem se deixava ver que no serto no faltario habitantes. Alli descancro trs dias, mandando Orellana um troo da sua gente uma legoa pela terra dentro, a explorar o paiz : as informaes foro, que tinho apparecido muitos indigenas, a caar, segundo parecia, que a regio era boa e frtil.
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approximavo de habitaes, aqui gritou huy, huy (que o bom frade se i esqueceu de explicar a que era) e desappareceu. Cuenta otras cosas maravlosas, diz Herrera, que parece ter tido deante dos olhos a narrao do dominicano.

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A partir daquelle logar ero as terras baixas, no se atrevendo os Hespanhoes a desembarcar seno em alguma das ilhas ermas, por entre as quaes velejaro duzenlas legoas, segundo o seu calculo, subindo a mar com muita fora. Um dia, ao irem saltar n'uma d'ellas, bateu o bergantim mais pequeno contra o tronco d'uma arvore, que lhe arrombou uma prancha, e adernou. Apezar d'islo desembarcaro em busca de viveres, masalacados em grande fora pelos habitantes ti vero de retirar-se, e ao chegarem aos navios, viro que a vasante lhes deixara em secco o nico que lhes restava em estado navegvel. Dividiu logo Orellana a sua gente em duas partidas, uma que pelejasse, em quanto a outra, mettendo-se gua, endireitava o bergantim velho, pondo-lhe nova prancha. Tudo isto se fez em trs horas, findas as quaes canados de combater os deixaro os ndios em paz. Embarcaro ento as provises, que tinho podido conquistar, efizero-seao meio do rio, para passarem a noute em segurana. No dia seguinte encontraro um ermo, onde Orellana fez alto, para reparar as embarcaes ambas. Levou isto dezoito dias, por ter sido precizo fazer pregos : durante este tempo muito os acossou a fome, sendo-lhes delicioso manjar uma anta morta, que sacaro do rio. Ao approximaremse do mar, outra vez se detivero quinze dias em preparativos para a viagem martima; de hervas fizSro cordas, e velas das mantas em que dormio,

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sstentando-se de ostras em todo este tempo. A 8 de agosto tornaro a dar vela, ancorando com pedras quando enchia a mar, que s vezes subia com lanla valentia, que fazia garrar estas mal amanhadas ncoras. Felizmente ero alli os naturaes' de gnio mais brando do que os que ultimamente tinho trclado : d'esles houvero raizes e milho, e tendo aprovisionado os navios com o que podero, preparro-s para atravessar o oceano n'estes frgeis baleis, com miservel aparelho e mantimento insufficiente, _sem piloto, bssola, nem conhecimento da costa. Foi a 26 de agoslo que s Hespanhoes sahir barra fora, passando entre duas ilhas, que uma da outra distava quatro legoas. A extenso da viagem do logar onde havio embarcado, at entrarem no mar, computro-na em mil e oitocenlas legoas. At alli fora-lhes sempre favorvel o tempo, nem agora lhes falhou. Singraro para o norte ao longo da cosia, mantendo-se d'ella apenas na distancia que exigia a prpria segurana. De noute perdero-se os dous bergantins de vista : o maior foi cahir no golfo de Peri, d'onde nem a toda a fora dos remos pde mais sahir por sete dias, nutrindo-se a genle d'uma espcie de ameixa chamada hogos, nico alimento que pde encontrar. A final, arrastados por essas tremendas correntes que Colombo chamou Bocas dei Dragon, foro os Hespanhoes dar ilha de Cubagua a 11 de septembro, sem saberem onde eslavo.

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Dous dias antes chegara ao mesmo logar o bergantim 1541. velho. Alli foro recebidos com os emboras que suasmaravilhosas aventuras bem merecio, e Orellana largou para Hespanha a dar ao rei conta das suas Herrera. 6 descobertas. -9'6 Foi admittida a desculpa que elle deu por ter Emprehen<ie abandonado o seu commandante. Solicitou a con- conquista d o
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cesso da conquista dos paizes que explorara, offerecendo-se para levar comsigo sua custa cem cavallos, duzentos pees, oito religiosos, e materiaes para construir bergantins : foi acceita a offerta. Deu-se o nome de Nueva Andaluea provncia que elle devia governar, ficando as ilhas ftfra da sua jurisdico; havia de converter os ilheos, podendo traficar com elles, querendo, mas no conquistar, nem fundar estabelecimento algum entre elles. Tambm se lhe recommendou que no violasse o territrio portuguez. Tendo tudo promeltido, levantou elle fundos e aventureiros para a expedio, aehando at . uma mulher que o acompanhasse, e em maio de 4544 sahiu de San Lucar com quatro navios e quatrocentos'homens1.
Tem-se se feito a Orellana uma aceusao grave : Gonalo Pizarro embarcara no bergantim um grande thesouro em ouro e esmeraldas, que elle se apropriou para seu uso particular. isto muito pouco provvel. Nem ouro nem pedras preciosas havia Gonalo encontrado na sua expedio, e para que fim poderia elle tel-as trazido comsigo do ? Peru Pizarro e Orellana nenhuma meno faz d'esta imputao, que certo no *eria omittido; se fora bem-fundda. opinio d'este escriptor, que so o
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Mas a roda da fortuna de Orellana havia voltado. Ficou trs mezes em Teneriffe, e doUs em Cabo Verde, onde deixou noventa e oito homens mortos e cincoenta por invlidos. Seguindo com trs navios, achou ventos ponteiros, que o detivero at que a bordo se acabou a gua; e se no tivessem sido as grandes chuvas, todos terio perecido. N'este aperto voltou um navio atraz com setenta homens e onze cavallos a bordo, e nunca mais d'elle se soube. Os dous restantes entraro a final no rio. Proeurro-se viveres em algumas ilhas perto da foz, e alli quiz a gente desembarcar para refrescar-se a si e aos cavallos, mas Orellana o no consentiu, dizendo que o paiz era muito povoado. Cerca de cem legoas mais acima, fez alto a expedio, para construir um bergantim; ero escassas as provises, e morrero mais cincoenta e sete homens, que no estavo, como os seus camaradas anteriores, affeitos ao clima, nem habituados s provaes do Novo Mundo. Desfez-se Um navio, para haver materiaes, e trinta legoas mais adeante, tornou-se o outro innavegavel, pelo que foi egualmente desfeito, servindo as suas tabdas para se construir um saveiro. Foi isto servio para trinla pessoas em sete semanas. Entretanto procurou Orellana achar o brao prindesero do bergantim pde impedir seu segundo tio Gonzalo de conquistar o mais rico imprio que jamais se descobrira na America. (Varones ilustres dei Nuevo Mundo. Vida de G. Pizarro,. c 2.)

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cipal do rio, que havia sido fcil seguir, descendo ao impulso da corrente, mas que elle agora debalde% procurou durante trinta dias entre um labyrintho d canaes. Voltando da sua infructifera explorao, sentiu-se doente, e disse sua gente que voltava para a Ponta de San Joo, onde mais fcil acharia a corrente principal, e onde o irio procurar, concluda a obra. E partiu. A gente, que havia tractado bem os indigenas, e por tanto nunca sentira falta de provises, deitou a final a embarcao gua. Um cacique a acompanhou com seis canoas at as ilhas de Caritan e Marribiuque, consignando-a ento aos cuidados do cacique d'este ultimo logar, qu lhe serviu de guia ainda por trinta legoas. Alli julgaro os Hespanhoes ter achado trs canaes principaes, mas os calafates tinho desempenhado mal o seu officio, e o saveiro fazia gua : os remadores no podio mais, e as velas estavo quasi incapazes de servir. Todas estas causas, reunidas os induziro a voltar. A quarenta legoas da foz.do rio encontraro uma provncia, que os naturaes chamavo Cornao, e os Europeos suppozero terra firme; formavo-na extensas savanas, costadas por um rio. Com muita affabilidade os recebero os habitantes, mimoseando-os com peixe, patos, aves, milho, farinha de mandioca, batatas e inflames. Cem dos da partida resolvero-se a ficar alli entre os selvagens. Provavelmente contav com a mofto de

156 HISTORIA DO BRAZIL. 1544. Orellana, alias no lrio procedido to independentemente em logar de obedecer s suas ordens. M o r t e 0 resto dos Hespanhoes, sahindo barra fora, foro
dfi Orfillsns

costeando para o norte, at ilha de Margarida, onde encontraro o bergantim, e da boca d sua viuva subro da morte de Orellana. Tendo buscado em vo a corrente principal, e sentindo crescera enfermidade, resolvera elle abandonar a expedio e regressar Europa. Em quanto procurava provises para a viagem, havio-lhe os ndios morto dezasete homens; o pezar e a-doena lhe pozero termo vida ainda dentro do rio. A viuva e os outros sobre7,%?" viventsfizero-seento de vela para Margarida. Tal foi a sorte de Orellana, que como descobridor excedeu todos os seus conterrneos; como conquistador foi infeliz, tanto melhor para elle agora. Nem queimou ndios vivos, nem os atirou aos ces de guerra; e talvez que hora da morte rendesse elle graas a Deus, que nunca lhe havia dado poder para commetter estas atrocidades, de que no creio se possa absolver conquistador algum. 0 grande rio que elle explorou, do seu nome se chamou algum dia, e ainda com elle se encontra em mappas antigos. Por esse nome o distinguirei, pois que ode Amazonas se funda n'uma fico, e o outro, que tambm lhe do de Maranho, causaria alguma confuso, pertencendo conjunctamente a uma provncia e ilha onde es l situada a respectiva capital, as

HISTORIA D O BRAZIL. 157 quaes ambas mais de uma vez terei de mencionar no 154i correr d'esta historia. Tudo isto serio razes bastantes para preferir o nome de Orellana, ainda que no fosse uma satisfaco render justia memria d'um homem, restituindo-lhe a sua bem merecida honra'. Pouco depois do mallogro d'esta expedio, en- Tentativa de
Luiz de Mello

trou Luiz de Mello da Silva no rio, tendo sido impei- da siwa. lido para o norte, ao sahir de Pernambuco. Apanhou um dos indigenas, agradando-lhe muito quanto viu do paiz, e quanto d'este prizioneiro pde tirar. Ao chegar ilha de Saneia Margarida,, achou os destroos da partida de Orellana. No tinho os prprios soffrimentos abatido tanto esta gente, que deixasse de ella de aconselharo capito portuguez a repetio d'uma tentativa que to desgraada fora. Chegado a Portugal, requereu elle auetorizao para fundar alli um estabelecimento; cedeu Joo de Barros dos seus direitos capitania; prestou o rei ajuda a Luiz de Mello, cujos meios privados terio sido insuf.ficientes,e com trs naus e duas caravelas, fez-se <sle de vela1. Perdeu-se a expedio nos baixios
Apezar d'isto mudei na traduco o nome de Orellana para o de Amazonas, por ser o nico por que hoje conhecido o rio. (Nota do traduetor.) * Rocha Pitta (2, 40-42) colloca esta expedio antes da de Ayres * <la Cunha. Diz elle tambm que os fill os de Joo de Barros voltaro a Portugal. No aponta datas, e, como de costume, to pouco cuidado lhe d a exactido dos lados como a ordem dos tempos.
1

158 HISTORIA D O BRAZIL. - como se havia perdido a de Ayres da Cunha. Es*capou uma das caravelas, que recolheu o commandante, salvando-lhe a vida. Voltou elle a Lisboa, foi ndia, " enriqueceu alli, e apoz vinte e cinco annos de rude servio, embarcou para a me ptria com a resoluo de mais uma vez aventurar-s a si e a sua fazenda na tentativa de fundar a capitania do Mara1573. n ho. Mas do navio San Francisco, em que elle ia, M i B" '' *' n u n c l m a i s se souberao novas, depois da sua parda ^ : da ndia. M,5ii

HISTORIA DO RRAZIL.

159
1540.

CAPITULO V
Succede Cabeza de Vaca a Mendoza no Prata. Marcha de Sancta Catharina por terra. Partindo da Assumpo sobe o Paraguay e mette-se ao serto na direco do Peru, em busca de ouro. VoltSo os Hespanhoes por falta de mantimento,, amotino-se contra elle, e mandon o prezo para a Hespanha.

Depois dos desastres de D. Pedro de Mendoza pa- 154o. receria que nenhum aventureiro teria mais o arrojo csabmdde de arriscar a fazenda em similhante empreza : foi Vaca<]0azaMen~ comtudo o logar vago de adeantado requerido por lvaro Nunez Cabeza de Vaca, de todos aquelle de quem menos se devia presumir, que fosse expor-se aos perigos de similhante expedio, como quem por dfez annos havia sido escravo entre as ferozes Iribus da Florida. Concedeu-se-lhe o posto na supposio de que era perdido Ayolas, a quem comtudo passaria o governo, segundo a nomeao de Mendoza, se por ventura ainda apparecesse, caso em que Cabeza de Vaca seria o segundo no commando. Obrigou-se este a gastar de sua casa oito mil ducados^nos preparativos, e a 2 de novembro de 1540 fez-se de vela com duas naus e uma caravela, levando quatro-

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15

HISTORIA DO BRAZIL.

centos soldados, todos com armas dobradas'. Principiou o maior dos navios a fazer gua, arruinandose muitas provises, e vendo-se a gente obrigada a dar s bombas dia c noute at chegar a Cabo Verde; alli se descarregou o barco, e o mestre, que era o melhor mergulhador de toda a Hespanha, tapou o rombo. Observou-se, como couza quasi milagrosa, Comenta d^vac^cT que da armada ningum morreu, apezar de demorar7,er2,T' se ella vinte e cinco dias n'aquellas ilhas. saiva u m Passada a linha, examinou-se o estado da aguada; os^vL. achou-se que de cem pipas resta vo trs, para dar de beber a quatrocentos homens e trinta cavallos, visto o que mandou o adeanlado proejar aterra mais prxima. Trs dias se seguiu o novo rumo. Umsoldado, que embarcara adoentado, trouxera comsigo um grillo, que com sua voz o divertisse; mas com no pequena magoa do dono, guardara o insecto durante a viagem o mais absoluto silencio. Agora na quarta manh principiou o grillo de repente a levantar zumbido agudo, aventando a terra, como immediatamente se suppoz. To descuidada era. a vigia que se fazia, que quando assim admoestados olharo os marinheiros o mar, viro a distancia d'um
Todos los que se ofrecieron ir en Ia jornada llevaron Ias armas dobladas. Coment., c. 1. Fazia parte das instruces, qu ningun Governador echasse cavq.Ho yegua. Herrera, 7 , 2 , 8. A razo foi talvez para que os soldados que monta vo guas, no ficassem temporariamente privados dos servios de suns cavalgaduras e obrigados a andar a p.
1

'*

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tiro de besta uns rochedos, nos quaes infallivelmente *541se terio perdido, se no fora o animal. Tivero apenas tempo de deitar ferro. D'alli foro seguindo acosta, cantando o grillo todas as noutes, como se estivera' em terra, at que chegaro ilha de Sancta Catharina, onde desembarcaro. De quarenta e seis cavai- Har w los, vinte tinho morrido na viagem. comenums. Tomou Cabeza de Vaca posse d'esta ilha e da costa ResoWe do Brazil desde Canauca, que fica a cincoenta le- marteraa.por goas mais ao norte em 25 de lat. sul, para a coroa de Castella. Sabendo dos naturaes que a algumas legoas d'alli estavo dous Franciscanos 1 , mandou-os buscar. Ero Fr. Bernaldo de Armentos e Fr. Alonso Lebron, homens que pouco aptos se mostraro para o servio que havio emprehendido; a partida que estava com elles tinha provocado os ndios, queimando-lhes algumas casas, e o adeantado restabeleceu a paz entre todos. Mandou a Buenos Ayres a caravela, que lhe trouxesse noticias do estado dos estabelecimentos; mas a estao era desfavorvel, e no podendo entrar no rio, voltou o barco. Succedeu porem chegarem ilha nove Hespanhoes n'umbote; segundo contaro vinho de Buenos Ayres, fugindo aos mos tractos4, e por elles se soube da morte de
* Provavelmente dos que havio ido com Alonso Cabrera. A explicao que de si dero parece ter sido falsa, pois que Buenos Ayres tinha sido abandonada : tambm de Yrala fizero queixas, que se torno suspeitas na boca de Cabeza de Vaca.
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i.

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i5i:

Ayolas. Estas novas determinaro Cabeza de Taa a marchar por terra para a Assumpo. Mandou adeante o feitor Pedro Dorantes a explorar o caminho, e esperou quatorze semanas at que este voltou; ento poz-se em marcha, contra o parecer d'alguns dos seus officiaes, que instavo por que se fosse nos navios at Buenos Ayres. Mas elle julgou que seria mais rpida a jornada por terra, e alem d'islo desejava conhecer o paiz; o que de facto era indo-se pra um estabelecimento hespanhol o mais avizado. Os frades, que elle quiz tornar a mandar para a sua misso, preferiro acompanhal-o, e administrar na Assumpo os seus servios espirituaes. Deixou pois cenlo e quarenta homens debaixo de Pedro Estopinan Cabeza de Vaca, que fossem nos navios, e para si. tomou duzentos e cincoenta besteiros e arcbuzeiros, e vinte e seis cavallos. Immediatamenteapoz a sabida atravessou o rio Ytabucu, tomando posse da

Comentrios. p r v j n c i a #

i8deout. Ningum mais qualificado para commandar"em cbrad* tal marcha do que esle adantado, pela triste expeVaca a sua . . .
x

marcha, nencia que na Honda adquirira destas viagens e da indle ds ndios. Levou cmsigO dezaseis quintaes de ferro em barra, distribudos pelos soldados em pores de quatro arraleis para cada um; onde quer que fazio alto, armava-se uma forja, em que se fabricavo machados, facas, cunhas, faleixas, etc, para escambo. Excel lente precauo havia sido a sua

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qrando mandou Porantes adeante a explorar o ca- 15H* minho, pois pelo relatrio do feitor sabia agora ^^[Jjjjjjj, quanto tempo gastaria at chegar a paiz habitado. ArgMgtina . JJe,zanove dias marcharo os Hespanhoes por jlo-, restas e montanhas, tendo muitas vezes de desbastar o caminho por onde.passassem; finalmente, quando as provises acabavo deexhaurir-se, chegaro primeira aldeia. Ero senhores d'esta parte do serto 0s Guaranis. os Guaranis, uma das Iribus mais numerosas e adeantadas. Cultivavo a mandioca e o milho, que lhes davo duas colheitas por anno; criavo aves e patos, c tinho papagaios em casa; mas, como as tribus com elles aparentadas, ero anlhropophagos, sendo esta abominvel practica, similhana do trafico de escravos, primeiramente a. conseqncia, e depois a causa das guerras. Houve-se Cabeza d Vaca para elles com prudente benevolncia; os presentes que pelos caeiques distribuiu, e o generoso preo que pagou pelos gneros alimenticios, valero-lhe melhor traptaniento e mais abundante fornecimento, do que tria devido ao respeitvel aspecto do seu exercito, se so n'elle houvesse confiado. Ao I o de dezembro chegou a expedio ao Yguau, ou gua Grande, e em dous dias mais ao Tibagy, que corre por um leito de rocha sobre lages quadradas to regular.es, como se artificialmente tivesse sido calado. No era fundo este rio, mas to rpida a. sua corrente, e' escorregadio este pavimento, que

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cavallos o no terio atravessado, se os no hou> vessem ligado uns aos outros. N'este mesmo dia encontraro os Hespanhoes um tal Miguel, ndio brazil leiro convertido, que da Assumpo, onde residira algum tempo, voltava ao paiz natal. Offereceu-se este para volver atraz e servir-lhes de guia, o que acceitando, despediu o adeanlado os ndios de Sancta comntark>s. Calharina, que at alli o havio acompanhado. Foro estes os meios por que Cabeza de Vaca pde manter-se em p amigvel com os Guaranis. Jamais permittiu que a sua gente entrasse nos ranchos d'elles, nem que ningum comprasse couza alguma para si mesmo; alguns, que lhes entendio a lingua, foro nomeados commissarios para este effeito, e tudo sefazia custa d'elle. Havio os cavallos incutido terror aos indigenas. Supplicro estes ao adeantado, que dissesse aos tremendos animaes, que no seencolerizassem, e terio sustento em abundncia; effectivamente lhes trouxero mel e aves e tudo quanto lhes pareceu que poderia servir como penhor de paz. No ero comtudo estes quadrpedes menos objecto de curiosidade do que de medo, e de longe vinho mulheres e crianas a admiral-os. No dia 7 chegaro os Hespanhoes ao Taquary, rio considervel, como provavelmente todos, a que os ndios dero nome, sendo innumeraveis os mais pequenos. A 14 passaro os limites da regio povoada, tendo mais uma vez de luctar com' matagaes, panos

1541.

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165

tanos e serras. So n'um dia tivero de fazer dezoito 1541, pontes para os cavallos. Uma canna espinhosa muito lhes difficullou a marcha n'estas paragens : vinte homens io sempre adeante para a cortarem. Por cima da cabea to densos se entrelaavo freqentemente os ramos, que vedavo inteiramente a vista do ceo. No fim de cinco dias d'este afan, chegaro outra vez a uma aldeia de Guaranis, onde foro providos de aves, mel, batatas, milho e farinha feita do pinheiro-pedra', alimento com que nenhum dos aventureiros hespanhoes at ento deparara. Attinge esta arvore n'aquelle paiz prodigiosa altura; qualro homens lhe no abarcavo o tronco, quando era de grossura regular. Gosto muito os macacos dos pi- . nhes d'esla arvore : trepo por ella, balano-se seguros pela cauda e com os ps ou com as mos deito ao cho a pinha. Mas os porcos do mato sabem d'isto muito bem, pem-se por baixo e -ao cahir a
DizFalkner que cresce esta arvore nas Cordilheiras do Chili. A madeira mui rija, branca e durvel. A pinha duas vezes maior do que as que do os pinheiros na Europa, eos pinhes do tamanho de tamaras com uma casca mais fina. A fructa comprida e grossa, com quatro ngulos rombos. Cozendo estes pinhes prepararo os ndios para longas jornadas, ou para conservar em casa, provises, que tinho um sabor de amndoa, mas no to oleoso. Produz esta arvore considervel poro de terebinthina, que se forma n'uma massa um tanto mais dura do que a resina ordinria, mas muito mais clara e transparente,, embora no to amarella. Os Respanhoes servem-se d'ella como incenso, de que lhe do o nome. Azara chama esta arvore Curiy, mas o nome indgena Curiyeh.
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166 HISTORIA D O RRAZIL. ig4i. fructa, apanho-na e vo-na comendo em quanto os macacos de cima lhes arreganho os dentes. N'aquelle logar, que tinha nome Tuguy, fez o adeantado alto por alguns dias, em honra do Natal; "por outras occasies, embora instado para deixar descanar a gente, sempre o recusara, e agora, pelos mos effecomenurios. t os (Piini curto repouso, todos conhecero quo ne7,e2,e9a' cessario era o exerccio para preservar a sade. Um rio serpejanle, cujas formosas margens se cobrio de cyprestes e cedros, muito trabalho lhes deu para o cruzarem erecruzarem por quatro dias. Ero alli as batatas de trs espcies, brancas, amarellas e vermelhas, todas grandes e excellentes : abundava 1542. tambm o mel. Com o anno novo tornaro a entrar n'um deserto, onde pela primeira vez lhes falhou o mantimento. Acharo porem um optimo no que em outra occasio terio rejeitado. Vive nas junctas d'uma espcie de canna um verme branco do tamanho do dedo minimo d'um homem, e to gordo, que se pode frigir na prpria banha; comem os ndios estes vermes, e os Hespanhoes, obrigados* agora a provarem, confessaro que ero saborosos. Crescio alli tambm outras cannas, que continho boa gua. Em seis dias avistaro outra vez habitaes. Alli foi precizo reprehender os dous Franciscanos : tinho levado comsigo em despeito das ordens do adeantado um intil enxame de conversos, moos e velhos, e ' com elles entendero que devio adeantr-se ao exer-

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15i2-

cito, ir comendo as provises. Os Hespanhoes terio corrido com elles, e com o seu cortejo, se Cabeza de Vaca o houvera consentido. Contentou-se com prohibir-lhes expressamente, que continuassem lia mesma :fizerotanto caso d'esta, como da primeira prohibio, n'aquelle logar aventurro-se a apartar-se da partida, e seguir seu prprio caminho. Teve o commandante porem a humanidade de mandar atraz d'elles, obrigando-os a voltar, alias no terio tardado a encontrar a sorte que parecem ter merecido. A 14 chegaro os Hespanhoes s margens do Yguau, rio que se diz ser to largo como o Guadalqaivir. Ero os habitantes alli os mais ricos de todas aquellas regies; e esta palavra se lhes applica no seu' sentido mais philosophico e verdadeiro. Vivio no mais frtil paiz, e no havia quem na abundncia no tivesse o seu quinho. D'alli destacou Cabeza de Vaca dous ndios adeante com cartas para a Assumpo, annunciando a sua chegada, e quatro homens dos seus, que no estavo em estado de seguir, deixou-os atraz com Francisco Qrejon, que da mordedura d'um co ficara coxo. Voou adeante d'elle; a nova da sua chegada, e por toda a parte colheu a sua gente os bons fructos da ordem exemplar que elle havia feito guardar. Sahio-lhes os naluraes ao encontro, apromplando os caminhos, quando os Hespanhoes se approximavo; as velhas os recebio com

Comenla-

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168 HISTORIA D O RRAZIL. 1542. grande alegria, couza de no pequena conseqncia, pois ero ellas tidas .em alta venerao, ao contrario dos velhos. No ultimo de janeiro chegaro ao mesmo rio Yguau, do qual havia ja tanto tempo tinho . atravessado um ramo do mesmo nome. Vae esta corrente, conhecida tambm pelo nome de Rio Grande de.Coritiba, desaguar no Paran. Uma partida de Portuguezes, enviada por Martim Affonso de Souza a explorar o paiz, havia succumbido aos golpes dos indgenas, ao atravessar esle rio. Informado de que a~ tribu, que habitava sobre o Pequery, lhe preparava egual acolhimento, resolveu o adeanlado descer o rio com parte do exercito, em quanto o resto marchava pela ribeira, at chegar ao Paran. Comprro-se aos indigenas canoas, cm que elle se melteu com oitenta homens. Apenas havio encetado a" viagem, quando o redomonho da corrente os arrebatou. Parece que os naturaes desejavo a destruio dos estrangeiros, pois achavo-se perto das medonhas
Comentrios. . 0

io,n. cachoeiras do Iguau. . cachoeirasd Este rio, que tranquillamente corre por entre florestas de gigantescas arvoreSj conservando no curso uma largura uniforme de cerca d'uma milha, toma a direco do sul umas trs milhas antes da sua queda, sendo aqui de quatrocentas e oitenta duas braas a sua largura contrahida, de doze a vinte ps a sua profundidade, e pouco elevadas as suas margens. Ao approximar-se da cataracta aperto-lhe ai-

HISTORIA DO RRAZIL.

169
1542

guinas ilhotas, e muitos rochedos e cachopos destacados do lado esquerdo, o canal, que se inclina um pouco para o poente. Pouco mais abaixo principio as guas do canal do meio a sua descida. Segue o ramo menos fundo o seu curso ao longo da riba oriental por entre recifes e rachas, cahindo ora em cataractas ora em lenoes at que apertado d'aquelle lado pela margem, d o, seu ultimo salto d'uma salincia pequena, a duzentas e oitenta braas de distancia do primeiro ponto da queda. Cahem as guas primeiramente sobre um rochedo, que se projecta cerca de vinte ps, e d'alli se precipilo na bacia grande, que fica vinle e oito braas abaixo do nivel de cima. O ramo occidental parece repousar, depois de quebrado o curso, n'uma bahia formada pela ponta saliente d'uma ilha, atirando-se depois em dupla cataracta bacia commum. Mede este canal trinta e trs braas de largo, e do ponto, onde d'aquelle lado principia a descida at ultima queda, vo seiscentas e cincoenta e seis. Acima da queda sobe a gua cinco ps nas cheias, e abaixo d'ella vinte e cinco. A largura do canal opposto ilha de quarenta braas, e de sessenta e cinco uma legoa abaixo da catadupa, distancia at onde conlinuo as guas em estado de agitao. Vem-se enormes troncos de arvores fluctuar por alli abaixo, levados em rodopio s bordas da bacia, ou ficar atravessados entre os recifes e penedos sollos, ou apanhados pelas

170 HISTORIA DO RRAZIL. 1542- numerosas ilhas, que fico no meio da corrente, e alguns na prpria cachoeira, dividindo e subd.iyjdindo-lhe as guas n'uma infinidade de canaes, Da bacia se escapa o rio com irresistvel fora atravs de rochas de granito, de oitenta e cem ps.d alto, aqui pardas, alli d'um vermelho carregado,.li.ra.qte a purpura. Nenhum peixe, segupdo se diz, pde approximar-se d*este tremendo sitio. Espesso vapor d'alli se eleva at dez braas de altura quando, o dia est claro, e at vinte e mais de manh, quando o ceo est encoberto. Do Paran se avista esta nuvem, ouvindo-se o distinctamente o estrondo da queda n'jima distancia de doze milhas em linha recta ", Pela crescente rapidez da corrente percebendo ;p perigo, e ouvindo o ruido das cachoeiras, ainda os Hespanhoes aterraro a margem em tempo, e, lavando as canoas com grande difficuldade meia legga por terra, tornaro a embarcar e ambas as partidas , chegaro ajsalvamento ao logar da reunio. 0 PaPassagem do
ran,

Wm

'

Paran.

cuja violentssima torrente tinho agora le atravessar, mede um bom tiro de besta de orhva orla. Sobre ambas as margens estava reunido grande numero de Guaranis com os corpos variegados fie
1

tirado islo d'uma dscripo das cachoeiras manuscripta em lngua hespanhola. Demorou-se o auctor oito dias no local para fazer observaes ; possuia todas as habilitaes para poder ser esacttnios seus apontamentos, e podemos confiar no que diz. A posio exacta da.cataracla em 25" 42' 20'' lat. S., e 3 47' 50" loiig. L. de Buenos Ayres.

HISTORIA DO RRAZIL.

171
1542

muitas cores, ebesunlados de ochre; de pennas de papagaios ero seus cocares, fazendo goto ver a grbosa vista que mettio, diz o chronista. Mandou -Cabeza de Vaca os seus interpretes a concilial-os, e ganha com presentes a boa vontade dos caciques, ajudro-no elles na passagem do rio. Fizero-se jangadas para os cavallos, prendendo duas canoas uma outra. Havia na gua muitos remoinhos. Vrou-se uma canoa, sendo um Hespanhol levado pela correnteza, que o tragou. Alli contava o adeantado encontrar bergantins da Assumpo sua espera, para lhe segurarem esta passagem, onde os Guaranis tanto o podio haver apertado, e receberem a bordo os invlidos de to longa e penosa marcha. Nenhum porem appareceu; havia cerca de irinta doentes, que no podio ir mais longe, nem era prudente demorar-se com elles entre uma tribu suspeita de hostil, e conhecida por traioeira. Resolveu-se pois mandalos nas mesmas jangadas plo Paran alfcixo, confiados aos cuidados de Francisco, ndio convertido, que habitava as margens d'este rio. Um cacique, por nome Yguarou, encarregou-se de conduzil-os; ficava o logar do destino a quatro dias de viagem, e para
. i , . ,

Comentrios.

escolta derao-se cincoenta homens. n-is. Avaliava-se em nove dias a formada por terra, que chegada reslava ainda. Practicou Cabeza de Vaca a ceremonia de tomar posse do Paran, formalidade que elle parece no ter omittida em ocasio nenhuma, e seguiu.

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HISTORIA D RRAZIL.

1542. avante. Ero peores os caminhos pelos muitos rios e pantanaes que havia de atravessar; mas os indgenas falavo ainda a mesma lingua, e continuaro a mostrar-se amigos. Divide uma serra as terras que fico entre o Paran e o Paraguay. Para o lado do sul suave e gradual o seu pendor, e claros so todos os rios que despeja na primeira d'eslas correntes; ms para o lado do norte escarpada a encosta; as guas precipito-se sobre um terreno panlanoso e coberto de limo, d"onde vo turbar as do Paran. Chegou um mensageiro da Assumpo. Disse que em ta misria se achavo alli os Hespanhoes, que embora houvessem recebido as cartas do adeantado, no podio dar credito a novas de tanta alegria, em quanto com os prprios olhos o no vissem. Por este homem soube^ se da evacuao de Buenos Ayres; soube-se tambein que os Hespanhoes d'ella arrependio, pois que no achando logar algum de refugio os navios que chegassem, perdidas ero todas as esperanas de soccorros. Com esta noticia mais apressou Cabeza de Vaca a marcha, para poder mandar auxilio aos seus navios, que o abandono d'aquelle estabelecimento devia ter posto em grande apuro. Os Guaranis lhe sahio ao encontro, trazendo comsigo mulheres e filhos, o mais seguro penhor de amizade; preparvo-lhe os caminhos, e supprio-no abundantemente de tudo o necessrio. Muitos d'enlre elles lhe dirigiro a palavra em hespanhol. Finalmente a 11 de

HISTORIA DO BRAZIL*.

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maro entrou na Assumpo, onde, vistos os seus po- 1542deres, foi recebido como governador. Enlregou-selhea vara da justia;, elle nomeou novos officiaes, e geral parecia o contentamento pela sua chegada. comentrios. Entretanto em grande risco se havio visto os . ,
->', Perigo dos

doentes e a sua escolta. Apenas partira o tentaro os ndios, que nada mais tinho que recear do seu poder, nem que esperar da sua generosidade, a aprizionr-lhe o destacamento. Um troo o perseguiu em canoas, em quanto da margem outro procurava puxar as jangadas para terra com o auxilio de compridos ganchos, e se o conseguisse, no tardario os Hespanhoes a ver-se esmagados pelo numero. Dia e noute continuou por duas semanas esta vexatria guerra, sendo o mais que os Europeos podio fazer, cobrir-se o melhor que lhes era possvel, guardar o meio dorio,e deixar-se levar pela corrente. Muitas vezes os remoinhos lhes punho em perigo as vidas, e so inauditos esforos os podero livras de ir dar ribeira, onde inevitvel teria sido a sua perda. A final, tendo sabido da sua approximao, veio:lhes o ndio Francisco em auxilio, levando-os para uma ilha que tinha, onde lhes sararo as feridas, e elles se restabelecero das fadigas e da fome. Cabeza de Vaca mandou bergantins a buscal-os, e trinta dias depois d'elle estavo na Assumpo. At aqui singularmente feliz havia sido a jornada, Immediatamente depois da sua chegada despachara

adeantado, ds0fee/co?tada

Coment. 14. Ruv Dias de Guzman. Ms.

174 HISTORIA D O BRAZIL. - o adeantado dous bergantins para Buenos .Ayres,, a ordem de soccorrer os navios, e mandou construir outros dous AUres a toda a pressa, que seguissem aquelles, e restabelecessem o importante posto sem o qual nenjmma colonizao no interior poderia ser segura. ,Pojsno so precizavo os navios, depois.da viagem da Europa, achar um porto onde refrescassem e desembarcassem os doentes, mas lambem era necessrio, construir bergantins antes de seguir rio acima, Como porem se faria islo onde nenhumas provises.havja, sobre serem hostis os naturaes? Forneceu-se para a ceremonia da missa um odre de vinho ao destacamento, que recebeu ordens terminantes de no procoment.15. vocar nem offender os ndios no seu caminho. , os Guaranis. No modo de matar um prizioneiro divergio.das tribus brazileiras os Guaranis que habitavo as cercanias da Assumpo. As mulheres o amarravo. Depois era enfeitado com todos os adornos de plumas e rosrios de ossos, e levado a danar por uma hora. Ento um guerreiro o derribava, dando-lhe com a macana, ou espada de pau, maneziada com amhas as mos, um,golpe nos rins e outro nas tibias..Depois de assim lanado por terra punho-se Ires, rapazinhos de seis annos de edade pouco mais ou menos a martellar-lhe na cabea, com machadinhas1, assistindo
15i2

De cobre, dizem os commentarios; mas deve haver erro, pois que naquella parte do paiz se no encontra metal de qualidade alguma. .,

HISTORIA DO BRAZIL.

175

a isto os pes e parentes das crianas, que as exhor- 15*2tvo a ser valentes, e a aprender como se mata um inimigo. Diz-se que os- craneos d'esta gente ero to duros, que bastando um golpe de macana para derribarum boi, ero precizos cinco ou seis para lanar por terra um homem. 0 que n'uma d'estas matanas vibrava o primeiro golpe, tomava desde ento o nome da sua victima. Reuniu Cabeza de Vaca estes Guaranis, e fez-lhes saber que como vassallos do rei de Hespanha devio renunciar a estas abominaes, aprender a conhecer a Deus, e abraar a fe christ. comem. ie. Era o Paraguay infestado por uma tribu caadora 0s Agacs. e pescadora, chamada dos Agacsl, que ero piratas ou bandoleiros, excedendo em crueldade os Payagus. Coslumavo elles quando com as suas esquad r a s volantes de canoas fazio alguns prizineiros, Jeval-os de tempos a tempos ao logar da sua residncia, e dar-lhes tractos na presena dos parentes, mulheres ou filhos, at que estes comprassem a cessao dos lormenlos. De ordinrio acabavo. por matal-os a final, deixando-lhes as cabeas postas em espeques margem do rio. A chegada do adeantado aterrou esta raa damnada, que veio pedir-lh paz. Concedeu-a elle com condio de entregarem todos os prizineiros que tinho em seu poder, e prometAzara (P. 2, p. 119) diz que os Payagus se dividi%m dous ramos, Cadigu e Magach, sendo Agac a corrupo hespanhola do ultimod'estes nomes, derivado do dum cacique.
1
t

1542. coment.n os Guaycurus.

joisenc16 T e c h o
emChurchill.

176 HISTORIA DO BRAZIL. terem jamais offender n e m os Hespanhoes nem os seus ai liados, nem mesmo entrar, seno de dia, na parte do rio que banhava o territrio d'estes. Os alliados dos Hespanhoes queixavo-se tambm ^ ^ ^ e j ^ f a z j g 0 o s fiuaycurus, tribu mui temida. Ero caadores estes selvagens, pelo que no tinho domicilio certo. As esteiras de que fazio suas tendas, fceis se removio d'um logar para outro, depois de exhausta Ioda a caa em derredor, e poucos animaes lhe escapavo, pois se falhavo as settas, ero assanhados na carreira por mais velozes que fossem. Em novembro recolhio a casca da algarroba, que punho de conserva em farinha, preparando depois d'aqui uma bebida forte. Tinha cada cacique os seus limites, que s vezes ultrapassava, caando o pescando, o que era permittido aos da mesma nao, mas no aos confinantes de differente tronco - Prestavo a um chefe honras singulares; quando estava para escorrar, exlendio os que fica . ' ' 1 ,.

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vao perto as mos em que recebessem a saliva. Para um Guaycuru ser admitlido ordem de guerreiro, devia dar prova do seu valor, mostrando que podia soffrer a dr como se a ella fosse insensvel. E o que fazio cortando-se e picando-se nas partes mais delicadas. Educavo-se os rapazes ensinandoos a blazonar d'estas demonstraes de fortaleza, e a travar com fria real guerras simuladas. Costumvo dar de noute os seus assaltos, escolhendo sempre as

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mais escuras. Era distinclivo de classe o modo de cortar o cabello. Os homens andavo nus, disfarando comtudo d'alguma forma a nudez com pintarem o corpo, Os que corresponderio aos peralvilhos na Europa, trazio na cabea uma rede. As mulheres veslio-se decentemente de pelles ou pannos da cinctura para baixo, e para cima pintavose como os homens. Quando se enterrava um cacique suicidavo-se alguns dos seus para lhe fazerem companhia; outros ero mortos sem que se lhes consultasse a vontade. Nos cemitrios erigio-se aos finados cabanas, que se reparavo quando era precizo, e onde se depositavo viveres, roupas, e tudo de que poderia carecer o espirito. Os Euacags, uma das tribus em que est nao se divide, so abomi-, nados pelas outras, por no terem escrpulo em abrir as sepulturas em busca do que se enterrara com os mortos. Crio ests ndios que as almas dos mos passavo a animar feras. Matavo todas as crianas disformes, illegitimas, ou gmeas, provavelmente pela idia de que por fo,ra havio de sahir fracas. Costume ainda mais brbaro era o de no crear uma me mais do que um filho, procurando abortar, ou matando todos os outros, logo depois de nascidos. Ao nico que ficava fazio-se porem todas as vontades e desejos, por mais caprichosos que fossem. Observava-se uma espcie de monogamia, pela qual no podia o homem ter
i. 12

178 HISTORIA D O BRAZIL. I42. raais do que uma mulher ao mesmo tempo, embora Hie fosse licito mudar de consorte, quantas vezes quizesse; isto com tudo melhor do que a polygamia nem escravizar as mulheres, razo talvez por que so tractadas com respeito. N'este notvel e importante ponto, differio os Guaycurus da maior parte coment.19. dos selvagens; e se as mulheres dos inimigos lhes emchurchiii. can io nas mos, nem as retinho prizioneiras, nem
Jolis. C. 6. A. 11.

as offendio de modo algum. M a r c h a Gom ridcula formalidade investigou Cabeza de Ca z de va Vaca a verdade dos artigos contra esta nao. InquGuaycurus. riu testimunhas sobre o facto das hostilidades commettidas pelos Guaycurus, e convidou os frades a pronunciarem "sentena de guerra contra elles, como inimigos capites. Mandou depois dous Hespanhoes,, que lhes entendio a lngua, acompanhados d'um padre e d'uma guarda sufficiente, intimal-os a faze rem paz com os Guaranis, e prestarem obedincia ao rei de Castella, intimao que por trs vezes devio repelir. Com escarneo foro recebidos os mensageiros, e rechaados fora, visto o que, marchou o adeantado contra elles com duzentos homens e doze cavallos. Reuniu-se para esta jornada um exercito tal de Guaranis, que oito horas levaro a atravessar o rio em duzentas canoas. Effectuada a passagem, e no acto de entrarem no territrio inimigo, pediro ao adeantado licena para lhe offerecerem os presentes em taes occasies costumados. Cada cacique

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lhe deu um arco pintado e uma seita tambm pintada, cujas pennas ero de papagaio, e cada homem trouxe uma flecha, gasjando-se toda a tarde n'esta ceremonia. Io estes alliados besunlados de ochree pintados de varias cores. Trazio contas ao pescoo, cocares da mais rica plumagem, e na testa uma chapa, ao que parecia de cobre brunido, e que, segundo elles, devia cegar os olhos dos inimigos, e confundil-os. At aqui havio elles de emas ou abestruzes americanas, e de toda a espcie de caa abastecido o exercito, mas agora que pizavo paiz hostil, no caavo mais, na esperana de pilharem
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IS.'
Herrera.

de sorpreza o inimigo. 7,6, u. Pouco confiavo os Hespanhoes nos seus alliados, dos quaes se precavio tanto, como do prprio inimigo. Na segunda noule penetrou um jaguar ou tigte da America do Sul, no campo dos Guaranis; suscitou-se um tumulto, e os Hespanhoes, suspeitando traio, tocaro alarma, e aos brados de Sanctiag atacaro os selvagens, que immediatamente meltro pernas. Apenas descoberta a causa do alvo* roto, foi Cabeza de Vaca ter com elles, e so com grande difficuldade logrou convencei-os do engano, e reconcilial-os. Elle prprio escapara por pouco na confuso; duas balas demusquele lhe roaro pela face, o que elle impulou a desgnio e no a acaso, persuadido como estava de que Yrala, suspirando pela auctoridade de que elle o

180 HISTORIA DO RRAZIL. 1542. privara, no escrupulizari nos meios de rehavel-a. Acabava n'aquelle momento de restabelecer-s a ordem, quando chegou um dos esculcas com a nova de que os Guaycurus, que tinho andado vagueando, eslavo armando suas tendas a trs legoas"de distancia. Era cerca de meia noute; o adeantado poz-se immediatamente em marcha para cahir sobre elles ao romper do dia, mandando fazer com giz uma cruz nas coslas e peito dos alliados, que no fosse algum ser ferido por engano. Chegaro todos ao logar ainda com escuro e esperaro a alvorada para atacar. Haveria alli suas vinte tendas de esteira, se tendas podio chamar-se, de quinhentos passos de comprimento cada uma. Orou-se em quatro mil o numero dos combatentes que teria a horda i . Mandou Cabeza de Vaca deixar um caminho por onde podesse fugir o inimigo, que elle queria imimidar, no destruir. Enfreados como eslavo enchero-se de herva as bocas aos cavallos, para que no rinchassem. No meio d'estas precaues tremio de medo os Guaranis, que nem a presena de taes alliados podia inspirar-lhes confiana contra to formidvel tribu, e prxima eslava ja a hora da provao. Em quanto Cabeza de Vaca os exhortava a cobrarem

Deve haver aqui exagerao gorda : segundo esta conta devia cada dormitrio, com velhos, mulheres e crianas, conter pelo menos q uinhentas pessoas. Compridas como bazares devio ser taes tendas, e infinitamente mais incommodas de armar do que muitas pequenas.
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animo, e atacarem valentemente os seus inimigos, erguero os Guaycurus o seu canto matutino ao rufar dos tambores. Era um hymno de exultao; desafiavo todas as-naes a virem medir-se com elles, se o ousassem, pois dizio : Se somos poucos, somos mais bravos do que nenhum outro povo, e senhores da terra, de toda a caa das florestas e de todos os rios, e de quantos peixes n'elles vivem. Todos os dias tal era o seu cntico antes do romper d'alva, e aos primeiros raios de luz da aurora sahio todos fora, proslrando-se por terra, provavelmente em adorao do sol nascente. Segundo este costume, sahiro elles lambem agora com fachos nas mos; viro os morres accezos dos arcabuzeiros, nem tardaro a descobrir o exercito que contra elles vinha, mas em logar de retrocederem assustados, perguntaro intrepidamente quem se atrevia a approximar-se-lhes das tendas.-Respondeu um cacique guarany: Heitor sou (era o nome com que havia sidobaplizado), e com o meu povo venho a tomar-vos contas dos que tendes morto. Tal era a phrase com que elles exprimio a vingana. Em ma hora vindes, respondero os Guaycurus, pois ireis atraz d'elles. E arremessando os archotes aos Hespanhoes, foro tomar as armas, e voltando n'um instante os investiro, como se Os animasse o maior desprezo dos seus contrrios. Recuaro os Guaranis, e terio fugido, se o ousassem. Entretanto tinno-se posto aos cavallos os

182 HISTORIA D O BRAZIL. 1542. peitoraes recamados de guizos, e Cabea de Vaca carregou sua frente. A este inesperado modo de ataque, e vista de animaes nunca vistos antes, pozse o inimigo immediatamenteem fuga, incendiando ' as tendas. Assegurou-lhes o fumo a retirada, e tirando d'isto vantagem, mataro dous Hespanhoes e doze ndios, levando-lhes as cabeas como tropheos. Com singular mas barbara destreza practicavo elles este modo de matar e decapitar a um tempo; agarravo o inimigo pelos cabellos, serravo volta o pescoo, e andando-lhe com a cabea roda, a arrancavo com pasmosa facilidade. O instrumento que para esta operao lhes servia, era a queixada da palometa. No ha outro animal assim pequeno,, provido de to formidveis dentes como este peixe. Apezar de no passar de duas ou trs libras o seu pezo ordinrio, e ter de largo metade do compri* mento, ataca elle homens na gua, sendo n'aquella parte da America muito mais temido do que o jacar. Contem cada queixada quatorze dentes, to agudos e cortantes que os Abipons tosquio com as duas os seus carneiros. Um d'estes bravos ndios resolveu, como Eleazar com o elephante, ver o que ero estes animaes, e se ero vulnerveis; tomou pois um pelo pescoo, e varou-o de lado a lado com trs settas, sem que os Hespanhoes o podessem fazer abrir mo da preza, seno depois de morto. Em geral porem era costume d'esta tribu, quando se via to oppri-

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mida pelo numero, que nenhuma esperana de vic- 1542. toria lhe restasse, entregar-se, sem tentar intil resistncia. Talvez aos olhos d'estes selvagens pare- rmeiltcesse mais honroso ser immolado n'um banquete, do que perecer na batalha. Fizero os Hespanhoes cerca de quatrocentos prizineiros homens, mulheres e crianas, e pozero-se em marcha para os seus quar- , teis. Toda a vigilncia era pouca para proteger os ' Guaranis, pois mal um d'estes alliados pilhava uma penna, uma setta, um pedao d'alguma das tendas de esteira, ou qualquer couza que houvesse per- tencido ao inimigo, Ia ia elle levado caminho do seu paiz todo concho com o seu tropheo de vicloria. Esta loucura fez cahir muitos nas mos dos Guaycurus, que no perdio oceasio de os picar na volta. , Ao chegar, Assumpo achou o adeantado seis 0s Yapims. Yapirus alli 'detidos prizineiros. De gigantesca estatura era a sua tribu, caadores, e pescadores, e .inimigos tanto dos Guaranis como dos Guaycurus, , dos quaes muito temio os ltimos .'Assim tendo ouvido que os Hespanhoes marchavo contra estes, havio enviado aquelles deputados com offerta de alliana e auxilio, mas Gonzalo de Mendoza, que ficara commandando a praa, os prendera, desconfiando que fossem espias. Cabeza de Vaca conversou com elles por meio d'um interprete, achou que suas intenes ero amigveis, e despediu-os com favorvel resposta. Passados poucos dias viero os chefes

184 HISTORIA DO BRAZIL. - da tribu Assumpo, onde deixaro em refns alguns de seus filhos, que o adeantado mandou doutrinar na religio christ. Dem quizera elle mandar para entre estes selvagens alguns religiosos; decla-' rardo porem impossvel tirar-se d'ahi algum proveito recusro-se estes misso. 0 que verdade que havia alli uma recua indigna de frades, sem zelo nem probidade-, infinitamente mais cubiosos de quinhoarem os despojos dos ndios, do que avidosde coment.27. lhes dissiparem as trevas da idolatria. P a zc o m os Depois poz em liberdade ura dos Guaycurus, e
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Guaycurus. , .

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disse-lhe que nenhum dos prizineiros seria reduzido escravido, ordenando-lhe que fosse trazer os seus irmos, para se fazer a paz. Acudiu toda a horda ao r convite com a maior confiana, mandando vinte homens a quem do rio como seus representantes, em quanto o resto ficava da outra banda com mulheres e crianas. Assenlro-se os deputados n'um p, su moda, e dissero que at ento elles e seus avs estavo costumados a vencer todos os inimigos, mas que lendo-os os Hespanhoes agora desbaratado a elles, couza que nunca esperaro, estavo promptos a servir os seus vencedores. Recebeu-os Cabeza de Vaca com affabilidade, explicando-lhe o direito que sobre todo o paiz assistia ao rei de Castella ; entendrolhe elles porem melhor os presentes e a soltura dos seus irmos, prezos no so dos Hespanhoes, mas tambm dos Guaranis. Desde ento foro os Guay-

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curus por muito tempo os mais profcuos alliados da 1542. Hespanha mostrando-se to fieis na paz como destemidos na guerra. Todos os oito dias trazio venda provises, que consistio em caa conservada por um processo que chamavo barbacoa, em peixes, e n'uma espcie de manteiga, que no podia ser seno banha, ou azeite coalhado. Tambm trazio pelles curtidas, e panno feito d'uma espcie de enlrecasca, e pintado de muitas cores. Em troca recebio dos Guaranis milho, mandioca e mandubis, productos da sua agricultura. Estes mercados ou feiras agradavo-lhes tanto agora, como antes a guerra. Porfiavo sobre quem passaria primeiro o rio com sua canoa carregada, das quaes costumavo vir duzentas; muitas vezes abalroavo ellas e viravo-se, accidente que servia de risota a actores e espectadores. Vociferavo tanto no commercio como na batalha, mas tudo se levava de bom humor. Quo depressa terio os Romanos tornado similhante povo to civilizado Csment. como elles prprios'! <* . "m-W.
Divide Jolis os Guaycurus, ou Mbayas, como freqentemente os chamo, em sete tribus: l*os Guetiadegodis, ou habitantes das montanhas, queseparo o seu territrio dos Chiquitos; 2* e 5* dous ramos, chamados ambos Gadiguegodis, nome derivado do riacho Cadiguegui, juncto do qual moravo; 4* os Lichagotegodeguis, habitantes da Terra Vermelha, que vivem sobre o rio Tareiri; 5* os Apachodegoguis, habitantes da plancie das Abestruzes; 6* os Eyibegodeguis ou Boreaes, lambem chamados Enacags, ou os Escondidos, que habito as margens do Mboimboi, suppondo Jolis que a .ultima denominao lhes veio de acreditarem que vivio primeiramente debaixo da terra, at
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Emquanto o adeantado andava ausente n'esta jornada, tinho os Agacs quebrantado a paz. Apenas partira que as mulheres deixadas como refns havio fugido da Assumpo, indo dizer-lhes que a cidade ficara sem defeza. Tentaro elles pois pr-lhe fogo, mas sendo em tempo presentidos pelas sentinelas, foro devastando os campos, e levando comsigo muitos prizineiros. Fez-se-lhes o processo mal voltou Cabeza de Vaca, e o resultado foi declarar-selhes guerra a ferro e fogo, sendo alguns que estavo prezos sentenciados forca. Mas estes, que havio de pagar as culpas da sua tribu, escondero algumas facas, e ao irem-nos buscar para a execuo, pozero>se em defeza, ferindo varias pessoas. Chegou porem reforo, e dous Agacs foro mortos na cadeia, sendo 2TI3.' os demais executados na frma da sentena. Entretanto chegaro os navios que de Sancta Catharina trazio o resto da expedio a Buenos Ayres, onde em logar d'um estabelecimento dos seus conterrneos e dos soccorros que esperavo, acharo um poste alto, em que havia talhadas estas palavras: Est aqui uma carta. Estava a missiva enterrada debaixo d'elle n'um vaso de barro, e dizia que os
que um co lhes abrisse caminho, por onde sahissem; 7* a Gotocoguegodeguis, os que moro entre as cannas._Fica o territrio d'estes entre Mboimboi e o Iguarii. t . 6, art. .11. Ou estes nomes foro descuidadamente escriptos, ou brbaros como so, implico uma regra, singular de transformao na composio das palavras. Actualmentc so os Guaycurus uma nao eqestre.

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- Hespanhoes, abandonado o logar, se tinho retirado 1542. para aAssmpd. Poz isto em grande apuro e perigo os recm chegados. Os naturaes os molestavo, as provises faltavo, e uma partida de vinte e cinco, apoderando-se da lancha, fugiu para o Brazil a escapar fome. Nem para maravilhar- que esta se temesse em Buenos Ayres! Chegasse um dia mais tarde o auxilio que lhes enviou o adeantado, e todos terio perecido; por quanto n'essa noute mesmo os atacaro os ndios em grande fora, e lhes incendiaro o acampamento, podendo. apenas & muilo custo ser rechaados, apezar do reforo chegado aos Hespanhoes. Principiaro estes a reedifiar a cidade, mas sem proveito; era^ chuvosa a estao, e-a gua desfazia os muros mais depressa do que $e erguio. Afinali renunciando em preza, seguiro para a Assumpo. Em principios do anno seguinte pegou fogo n'este 31543. dejev. estabelecimento, ardendo duzentas casas, e escapando apenas cincoenta, que um regato separava das outras. Perdero os Hespanhoes n'este incndio a maior parte dos seus petrechos e provises. Comearo comtudo immediatamente a reedifiar a cidade, fazendo, por ordem do adeantado, de barro e no de madeira s suas habitaes, para que segunda vez se no desse similhante calamidade. Ningum duvidava que Ayolas tivesse encontrado comem. 37-38. ouro no serto, antes de succumbir aos Payagus.

188 HISTORIA D O BRAZIL. 1543. Preparou-se Cabeza de Vaca para seguir-lhe os passos continuando a descoberta. Mandou fazer uma caravela, que com despachos podesse mandar Hespanha ; e dez bergantins para o rio: e ordenou a Yrala que subisse a corrente para ver em que direco mais facilmente se penetraria no. paiz. Partiro ao mesmo lempo dous destacamentos por terra para o mesmo servio, mas ambos voltaro sem informaes satisfactorias. Um tinha sido abandonado pelos seus ndios, e o outro divagara por um deserto, at que pareceu intil ir mais longe, sustentando-se na volta ambos das febras d'uma certa planta, sem outro liquido mais do que o sueco que expremio das hervas. Entretanto subia Yrala o rio desde 20 deoutubro at 6 de janeiro, chegando ento a um povo - patos chamado Cacocis Chaness, que cultivava a terra,
criados para .

P a l o s P a r a applicao singular. Ero as casas infestadas d'uma espcie de grillo, que vivia na palha, e roia todas as pelles e outros artigos de vesturio, se os donos os no punho a bom recado dentro de vasos de barro bem tapados." Ora os patos ero criados, para devorarem estes insectos. Alli viu Yrala ouro; penetrou um pouco mais pelo paizden, tro, e no achando logar mais azado, d'onde principiar a marcha, com esta nova regressou As$! sumpo. Fc'so contra Ainda o adeantado no dera principio jornada, quando ja contra elle se formava uma faco, urdida griioT"

e cnava

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1543 pelos dous Franciscanos que trouxera do Brazil. Etnprehendro estes dous vagabundos voltar a Sancta Catharina, pelo mesmo caminho que tinho levado, acompanhados de trinta e cinco jovens, filhas dos caciques da terra, que as havio dado em refns. Noquerio as rapazigas ir, e queixro-se aos pes; foro estes, quando a caravana acabava de partir, ter com Cabeza de Vaca, que lhe mandou no encalo, sendo os fugitivos ainda apanhados e reconduzidos. Os frades escaparo ao castigo, na sua qualidade de gente da egreja, salvando em taes casos a pelle de ovelha o lobo, mas alguns officiaes d1 el-rei, implicados na desero, foro mettidos na cadeia, e alli deixados. Melhor teria sido para o adeantado proceder com mais resoluo, e mandal-os todos prezos para a Hespanha. comem.45.

Sahiu elle. Duzentos homens e doze cavallos io Einprehendc por terra; outros tantos com seis cavallos, por gua. de vaca%ma Compunha-se a flotilha de dez bergantins e cento e ao interior. vinte canoas com mil e duzentos ndios. N'um logar chamado Ypananie encontraro um Guarani, que por alguns annos vivera escravo dos Payagus, cuja lngua entendia por tanto. Consentiu este voluntariamente em acompanhal-os como interprete, e seguiro todos para o Porto da Candelria, onde Ayolas fora morto. Al alli fora esta uma jornada de divertimento; aos que io por terra no faltava caa; o rio abundava em peixes, e capiguars, ou porcos

190 V / HISTORIA D O BRAZIL. * 1543 fluvias, que vivem na gua de dia, retirand-s de ndute para as margens. Ando em manadas, e o * ruido que fazem assimilha-se ao jurrar do asno. .', -Ero precizas seis canoas para pescar estes animaes. Quando um vinha terra para respirar, ia metade * dos pescadores postar-se acima do logar, e a outra itfade'abaixo, deixando entre si boa distancia,' quando o bicho tornava a apparecer, atirava-se-lhe, Dobrizhoffer. repetindo-s a Operao todas as vezes que a pra ' c u$- se mostrava, at fluctuar o corpo morto. - offerecem-se .Viero ribeira alguns Payagus. Foi o interprete arestiturrSo tr com elles, que lhe perguntaro se era esta gente
que havio a Ayolas. * , .
1

. -

tomado a mesma que anteriormente entrara no seu paiz. Asseverando-se-lhes que ero novos hospedes/ resolveu-se um a ir a bordo do bergantim do adeantado. Disse esfe selvagem, que o seu cacique o enviara a significar o desejo que tinha de ser amigo dos Hespanhoes, e que tudo que havia sido tomado a AyolS, estava fielmente guardado para elles, consistindo em sessenta cargas de homem de hraceletes, coroas/ machados e vasos pequenos de ouro e prata. Tudo isto offerecia o cacique restituir, pedindo que se esqe- . cesse" o que estava feito, como tendo succedid na guerra, e que lhe acceitassem a sua alliana. Exercia o chefe d'esta horda de pescadores um grande poder, poucas vezes visto entre selvagens da America. Se algum do seu povo o offendia, tomava elle um arco, efrechava o delinqente, at deixal-o morto; depeis

HISTORIA D O BRAZIL. 191 mandava chamar a viuva do morto, dava-lhe um fio 1543de contas, ou um par de plumas, para consolal-a da morte do marido. Quando escarrava, rendia-se-lhe a mesma nojenta demonstrao de respeito, que entre os Guaycurus. Deu-se favorvel resposta ao enviado, que prometteu voltar no dia seguinte com o cacique. Passou porem esse e outro dia, sem que ningum F o g e m para
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o serto.

apparecesse. Disse o interprete. que era esta uma tribu manhosa, que so offerecera paz, para ganhar tempo de fugir com mulheres e crianas; presumia que elles no parario antes de chegar ao Lago dos Mataraes, horda que havio destrudo, tomando-lhe as terras. A' vista d'esta probabilidade seguiu o adeantado avante: por toda a margem foi achando vestgios dos Payagus, e quando no oitavo dia enlrou no Lago, encontrou alli as canoas mettidas no fundo, mas no avistou viva alma. D'alli a pouco passou por um bosque de cassia-fistula. Mais rio acima morava a tribu dos Guaxarapos. Temendo offendel-os ouassustal-os, se apparecesse com toda a sua fora, tomou Cabeza de Vaca com metade d'ella a deanteira, ordenando a Gonalo de Mendoza que vagorosamente o seguisse com o resto. ^so.1' Esta nao o recebeu em paz. Residia ella perto Garcia d'um logar, onde um rio, chamado ento Yapanema', pmguez.ro
O auctor colloca a foz d'este rio em lat. 12* 3'. Supporia eu que este Yapanema era o prprio Paraguay, e o outro, a que elle d este noine, o Cuyab, se esta supposio fosse conciliavel com o curso
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HISTORIA DO RRAZIL. 1543. c a n e no Paraguay, levando-lhe uma veia de gua de melade da largura da corrente principal, e pasmo-' samenle rpida. Fora por alli, contaro ao adeantado alguns velhos, que Garcia, um Portuguez, entrara no paiz, abrindo caminho testa d'um exercito de ndios, tendo apenas cinco christos comsigo. Ia na sua companhia um mulato, por nome Pacheco, que regressando ao paiz d'um certo cacique chamado Guayani, foi morto por este. Garcia, dissero ells, voltou ao Brazil, mas no por aquelle caminho; muitos dos seus ficaro atraz, sendo provvel que os Hespanhoes topassem com alguns, dos quaes obterio informaes acerca da terra que buscavo. vida das Mais acima encontrou o adeantado outra tribu do aquticas, mesmo tronco, cujas canoas de pequenas so levavo dous remos, mas to dextramente manejados que paredo voar sobre a gua. 0 mais veloz bergantim de doze remos, embora ajudado das velas, e construdo de cedro, a madeira mais leve que ha, no vencia um d'esles esquifes. Quando o Paraguay corre pelo seu canal ordinrio, armo estas tribus aquticas
posterior que se assignala ao rio. passagem original diz assim: En aquel parage do ei Governador estaba con los ndios, estaba otro rio, que venia por Ia tierra adentro, que seria tan ancho, como Ia mitad dei rio Paraguay, mas corria con tanta fuena que era espanto, y este rio desaguaba en ei Paraguay, que venia de cia ei Brazil. No ha meio de explicar a dificuldade, seno admittindo que o auctor, por falta de memria, tomasse a mo direita pela esquerda.

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suas tendas sobre a margem d'elle, e vivem de peixe, 15 cantando e danando toda a boa estao, de dia e de noutej como povo que tem quem lhe prepare o suslento, sem-necessidade de pensar no porvir. Principio em janeiro as inundaes, que por mais de cem legoas de largura transformo n'um mar Iodas as terras baixas. Tem ento estes selvagens promptas as canoas, cada uma das quaes tem seu lar de barro; e meltida n'uma d'eslas arcas se enlrega cada famlia s guas do dilvio. Embarca-se lambem a tenda. Assim vivem cerca de trs mezes, achando provises nas terras altas, aonde, quando sobe a cheia, vo matar os animaes que alli se refugio. Quando as " guas volto ao seu canal costumado, torno os selvagens tambm aos seus antigos logares de moradia, armo de novo as casas, e dano e canto outra estao de bom tempo. Deixa a inundao sempre tanto peixe apoz si que em quanto est seccando a terra, torna-se a atmosphera pestilencial para naturaes e estrangeiros : mas em abril tudo melhora.. Esta nao no tem chefe. As cordas das redes fazemse alli d'uns filamentos de plantas, batidos e espadelados na gua por quinze dias, e ento assedados n'uma espcie de concha dentada, depois de brancos como neve. Com. Acima dos estabelecimentos d'este povo corre o rio, apertado entre rochas, com mais rapidez do que em outra alguma parle, mas os bergantins vencero
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iO-Ii.

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a corrente1. Mais acima dividia-se o rio; ou antes reunio-setrs ramos; vinha um do norte, d'um lago grande, que os naturaes chamavo Rio Negro, os outros dos no tardavo a confundir, suas a^us. D'ahi a pouco entrou o adeanlado n'um labyriniho tal de correntes e lagoas, que perdeu inteiramente o fio do Paraguay. Nascentes d o Nasce este rio nas montanhas do que chamaro os Portuguezes districto defezo dos diamantes, no territrio de Mato Grosso, em lat. 14 S. e long. 322 L. do meridiano de Pariz. Em quanto correm entre serras, tem suas guas um gosto acre e salgado, ainda que extremamente crystallinas, cobrindo as margens d'uma crosta espessa, que d s raizes das arvores a similhana de rocha. Depois demeltidos em si o Cipotuva2, que a. nascente mais septentrional do Prata, o Cabal e o Jauru, saheo Paraguay das montanhas em 16 45' lat. S. 3 . E aqui entra elle n'essa vasta extenso de terreno inundado, Aqui tanto abundavo os dourados, que so um homem apanhou quarenta. Disse-se que o caldo d^ste peixe curava toda a affecq escorbutica ou leprosa. Accrescenta o escriptor que .... muy hermoso pescado para comer. 1 0 Zuputuba do mappa hespanhol. 3 Na sua junco com o ultimo rio ve-se uma pyramide de mrmore com estas inscripes. Do lado do oriente : sub Joanne Lusitanrum Rege Fidelissimo. Do do meio dia : Justitise et Pax osculatae sunt. Do do occidente : Sub Ferdinando VI llispaniarum Rege Cathoic. E do do norte : Ex Pactis Finiufn Regendorum Conventis Mariti Idibus Janri MIDCCL. O tractado acabou, mas o monumento dura. Noticias do Lago Xaraycs. Ms.

HISTORIANDO BRAZIL.

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designado nos mappas com o nome de Lago Xarayes, do da tribu principal, que Cabeza de Vaca alli achou estabelecida, mas que os Paulistas, que frequenlemehte atravesso toda esta parle do interior, chamo Pantanaes. Em junho eslo estas plancies florenle?, o que quer dizer, que so to profundas as guas, que ja no precizo procurar a veia do rio,'podendo-se navegal-as em todas as direces. As ilhas que teem arvoredo so habitadas por uma espcie de macaco barbudo, notavelmente parecido com o homem. MalO-no por causa da pelle, coberta d'um vello prelo e asselinado; quanto mais magro o animal, maior o seu valor, por que ento mais basto o seu pello, e mais fcil e melhor se curte a pelle. As fmeas e as crias so de cr mais clara. So bichos sociaveis. Um bando d'elles se chama coro, pela circumstancia referida por Linneo, de cantarem em concerto ao nascer e ao pr do sol. Desprovidos de outra defeza, possuem uma voz capaz de aterrar os prprios homens, que no estejo costumados ao medonho som. A parte da garganta que vulgarmente chamamos pomo de Ado, ssea em vez de cartilaginosa, e formada guiza de pandeiro, com o lado occo para dentro. To forte pois o seu grito de terror, que ,pde ser ouvido milhas em redondo. E um som baixo em oitavas, e durante o pasmo que este inesperado e monstruoso berro produz, acha o macaco de ordinrio tempo para a fuga.

196 HISTORIA D O BRAZIL. 1545. Quando .o rio se espraia, deixo-lhe os peixes o leito, em busca d'uma certa fructa : apenas a sentem cahir na gua, correm a apanhal-a quando vem tona, e na sua avidez salto ao ar. Suggeriu este habito um curioso estratagema ona; trepa a agUm ramo debruado sobre as guas, ferind-as de vez em quando com a cauda, e imitando assim o som que ao cahir produz a frucla, e quando o peixe salta para apanhal-a, a ona que com a pata o apanha a elle. Passa este animal com facilidade por sobreis plantas aquticas que em muitas partes obstruem a navegao dos Panlanaes. Deve procurar-se a veia do rio entre as ilhas fluctuantes de arvores e arbustos, que parecem reprezal-a; mas a corrente as traz; sNoticias do guem-lhe ellas o curso, e descendo pouco a pouco,
LagoXarayes. . . ;

Ms

deixo-na franca. Era orla meridional d'esta terra de guas, que Cabeza de Vaca havia chegado. O que enlre elles vivio, muitas vezes se perdia n'estes intrincados canaes. Aquelle, que elle seguiu, ficava esquerda, e levou-o para oeste. A' entrada cortou arvores, e eri-giu trs cruzes altas, para que o resto da flotilha, que vinha atraz, visse o curso que elle tomara. Chamavo os naturaes Ygurta, ou a Boa gua, a esta corrente. Em logar de cahir no Paraguay parece ser outro ramo das mesmas innumeraveis nascentes, pois at alli tinho os Hespanhoes subido a corrente,' > e agora era esta a seu favor. Assim foro seguindo

HISTORIA DO BIUZIL. 197 por estes rios e lagoas, at que chegaro a um baixio, i543 alem do qual ficava logo o logar, que Yrala reconhecera, chamando-o Porto dos Reis, por que no dia dos Trs Reis Magos o havia avistado. Tinha o baixio dous tiros de mosquele de comprimento : foi preczo saltar fora dos bergantins, e leval-os arrastados.' com. 52,55. ...(Trs tribus habitavo aquells logares : os Saco- osSacocis, cies, Xaquess Chaness, fugitivos, que alli se ha-^ e chaness. vio estabelecido: Deixara-os Yrala de bom humor, pelo que grande alegria houve entre elles com a chegada d'estes novos estrangeiros, que com sigo trazio to almejados artigos de commercio. Fez-lhes Cabeza de Vaca a costumada arenga sobre peccado original, papa e rei de Castella; erguem uma cruz debaixo de algumas palmeiras beira d'agua, e na , presena do tabellio publico da provncia tomou . posse do paiz. Elle e os seus-se aquartellro margem do lago, no querendo estes ndios consentir Com 55 que ningum lhes entrasse nas habitaes. - Cultivavo estas tribus milho, mandioca e mandubi. De noute recolhio a sua criao : os patos para lhes. matarem os grillos e os pssaros, para que os livrassem dos morcegos vampiros. Este vampiro, de Morcegovampiro. crpo maior do que o d'uma rola, , para os paizes que infesta, uma praga mais pezada do que a das fabulosas harpias. Nem homem nem animal est seguro d'elle. As partes do homem que elle costuma atacar, so o pollegar, o nariz e com preferencia a

198 HISTORIA DO BRAZIL. 545. todas as outras o dedo grande do p; a sua morder dura no desperta do somno o padecente, e elle continua a chupar como uma sanguesuga, at encherse. Cabeza de Vaca foi mordido no dedo grande do p por um d'estes morcegos. Uma,Maldade na perna o acordou pela manh: achou a cama ensangentada e procurava a ferida, quando os circumstantes, rindo, lhe explicaro que inimigo o havia vulnerado. Tinho os Hespanhoes levado comsigo seis porcas de leite para propagarem a raa no paiz: estes vampiros roerao-lhes as tetas a todas, sendo precizo matal-as*, junctamente com as crias. A muito custo se livravo os cavallos d'este damninho bicho, que gostava de filar-lhes as orelhas, sendo fcil imaginar quanto similhante penduricalho devia aterrar' um animal, que parece ser de todos o que mais violentamente se cm.u. deixa agitar pelo medo; Formigas. As formigas, essa grande praga do Brazil, ero aqui ainda mais incommodas, posto que menos no- . civas. Havia-as de duas espcies, vermelhas e pretas^ ambas mui grandes, causando a ferretoada de qualquer ^'ellas to insupportavel dr por espao de vinte e quatro horas, que o padecente se estorcia pelecho, gemendo e grunhindo. No se conhecia remdio, mas a fora do veneno consumia-se sem deixar mos effeitos. Bem peores conseqncias tinha a picada d'Uma espcie de peixe; batia este com tal fora, que atravessava o pd'um homem. Para o veneno havia

HISTORIA D O BBAZIL. 199 um antdoto, mas levava leriipo antes que sarasse a ferida. Prevalecia entre estas tribus a hedionda moda de extender as orelhas1. Gonsguio isto, usando em lgr de brincos cabaos, cujo tamanho io agmentaiido pouco a pouco, at que o pelo buraco, d'onde pendio, podia caber o punho d'um homem, cahindo sobre os hombros a extremidade inferior da orelha, costume este que assentaria bem n'um sacerdote de Anubis. Como estas orelhas abertas, offerecerio ao inimigo uma preza por demais fcil, taponias elles quando entroem combate, ou amarro-nas atraz da cabea. Ero ests tribus sociaveis, mas no vivio promiscuamente, tendo antes cada familia a sua habitao prpria, das quaes conteria a aldeia umas oitocehtas. As mulheresfiavoalgodo. Tinho dolos de madeira, quando at alli ainda nenhuma nao se tinha encontrado nem no Brazil nem no Paraguay que fosse, rigorosamente idolatra. Cabeza de Vaca queimou-lhes estes idolos: prognosticaro os selvav . gns a vingana dos deuzes1 por este ultrage^ mas vendo que ella se no seguia ao delicio, no se
. . Alguns Francezes aprisionados na esquadra de L'Eissege em 1806 na costa de S. Domingos, tinho-se desfigurado tanto como estes selvagens, e pelo mesmo principio. Cultivavo os bigodes, at que d'um e outro lado se lhes destacava das faces.mais d"um p; o isto, segundo disse um dos oficiaes, pour tre terrible. Era o mesmo que o velho Ronsard na sua Fraudada chama :
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1545.

Com. 54.

>

Cruel de porl, de moustache et de cceur.

200 1543.

HISTOU1A DO BRAZIL.

mostraro resentidos pelo facto. Os Hespanhoes pela sua parte suppozero que o diabo mettera pernas comem. 54. apenas vira erguido um altar e celebrasse a missa. > ^ A cerca e u tro M a i s noticias d q a legoas d'aqui encontrroeffo .ie caroin. duas ^fe^ d e Chaness, trazidos do seu paiz natal por Garcia, o Portuguez; alli havio tomado mulhe* res, alliando-se assim com os naturaes. Muitos viro . ter com os Hespanhoes, alegrando-se de verem pari*/ cios de Garcia, de quem se lmbravo com saudades, D'um d'estes homens que teria os seus cincoenta/ annos, oblivero-se mais algumas informaes sobre, esta memorvel jornada. Rezavo ei Ias em summa, que o resto dos companheiros de Garcia havio succumbido s mos dos Guaranis, e que por este motivo no tinho podido aquelles selvagens, nicos que ; escaparo, vollar pelo mesmo caminho que havio,: trazido, nem conhecio outro. Os Sacocis os tinhoi/ recebido bem no seu infortnio, e entre estes havioo' ficado. Referiu o narrador as differenles tribus do paiz d'onde vinha: todas ero agrcolas, e criava. ^ ovelhas grandes e aves domesticas. Mulheres erSd artigo de escambo. Offereceu-se o chefe d'estesCha-L-i ness a guiar at Ia os Hespanhoes, dizendo que nada ] almejava tanto como volver ptria com mulher e
Com. 56.
fi h

l OS.

Mandacabeza Ao saber que havia Guaranis na terra, mandou o umfmls^o adeantado uma partida de ndios d'esta nao com alguns Hespanhoes a procurai- os, e pedir-lhes guias;

HISTORIA DO BRAZIL.

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,53 mas depois de batido o paiz dez legoas em redondo, apparecro apenas habitaes desertas. A isto dissero os Chaness que era mui provvel, pois que elles com seus alliados os havio guerreado ultimamente, matando muitos, e expellindo da terra os outros, que tivessem ido talvez rehir-se a uma tribu do mesmo tronco, que habitava nos.confins dos Xarays, nao que possua ouro e prata, recebendo estes netaes de outra, que morava mais para cima. Todo este paiz era despovoado, accrscentro elles. A pergunta immediata foi que distancia haveria at a. Por terra quatro ou cinco dias d marcha, tnas por desgraados caminhos, onde haveria que atravessar pntanos, sem por isso deixar de soffrer sede. P o r gua poderio as canoas chegar Ia em oito ou dez. Foro logo pra alli despachados Heilr de Acuia e Anton Corra, que falavo guarany, com dous d'esta'tribu e dez Sacocis, levando comsigo artigos de scambo e uma carapua^ vermelha para cada cacique. com. 57-58.

Chegaro os mensageiros no primeiro dia a uma o* Artaness. hedionda tribu-chamada dos Artaness; as mulheres pintavo o' corpo e lanhavo as faces, e os homens rivalizavo com os seus visinhos em aformosear o lbio inferior e alargar as orelhas. No lbio trazio a casca d'uma fructa do tamanho d'um prato grande. Deu-lhes comtudo este feio povo mantimento, e um guia para conduzil-os. Terrvel foi a jornada do dia Jornada Pan
os Xarays.

202 HISTORIA D O BRAZIL. 15*3. seguinle, alravs de grandes paues, onde se alolavo at ao joelho a cada passo; e o sol, que no seccar o lodo, aquecera-o comtudo a ponto que se tornava doloroso o andar. Tambm muito soffrro da sede. pois embora os ndios levassem gua em cabaas, acabou-se ella muito antes de meio caminho. Passuse a noute n'um pedao de terreno secco entre os pntanos. No dia seguinte a mesma casta de solo, que patinhar a custo, mas de espao a espao Ia '* apparecia um lago, em que se podia beber, e uma arvore, a cuja sombra se podia descanar um pouco. Alli se consumiu o resto das provises. Faltava ainda um dia de jornada, e n'ella uma legoa de tremedaj d'onde os viandantes, atolados at meio corpo, no esperavo mais sahir; vencido porem este brejo, tornou-se boa a estrada. Logo depois do meio dia encontraro vinte Xarayes, cujo cacique, sabendo da chegada dos visitantes, havia-lhes mandado gente ao encontro com po de milho, uma bebida feita do mesmo cereal, patos cozidos e peixe. Uma hora antes de anoutecer chegaro todos aldeia; sahindo quatrocentas ou quinhentas pessoas a recebei-os, vistosamente enfeitadas de pennas de papagaio, e d'um avantal em forma de leque formado de contas brancas. Vinho as mulheres vestidas de algodo. Foro os mensageiros levados presena do cacique, que eslava sentado n'uma tenda de algodo, no centro da rea da aldeia, pomplo para recebei-

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bs, tendo em torno de si os ancies. Fez-s logar pa passarem os enviados, a quem elle; fez signal que se assentassem em dous escahellos. Mandou depois Chamar um Guarani, que estava naturalizado entre aquelle povo, por boca d'esle interprete disse que muito folgava de tel-os alli, havendo nutrido por longo tempo grande desejo de ver os christos, que sempre tivera por amigos e parentes, desde que Garcia estivera no paiz. Tambm almejava ver-lhes o chefe, que ouvia dizei ser generoso com os ndios, e dar-lhes muitas couzas boas; e disse que se vinho por algo. havio de tel-o; Respondero os Hespanhoes que so querio saber quo longe era at ao paiz d'esse povo que tinha ouro e prata, e que naesficavono caminho; vinho tambm a vel-o, e ssgural- de que o adeantado muito o desejava por amigo. Replicou o velho cacique que muito o alegraria esta amizade. O caminho para esses estabelecimentos por que pergunta vo, no podia elle dizel-o, pois que na estao chuvosa ficava inundada toda a terra, e quando as guas se retiravo tornavase impracticavel. Mas que o Guarani, que servia de interprete, tinha estado Ia, e elle o mandaria ao adeantado a referir-lhe tudo o qe soubesse. Pediro ento os Hespanhoes um guia que os levasse aos Guaranis; mas elle replicou que estava em guerra com aquelle povo, e que sendo amigo dos christos, no devio estes ir ter com seus inimigos, nem travar

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com elles amizade. Comtudo, se insislio, dar-lhes: ia quem os conduzisse at Ia rio dia seguinte. Entre tanto fizera-se noute. O velho cacique levou os mensgeiros para casa, deu-lhes de comer, mostrou a cada um a sua rede, e offereceu-lhes mulheres, segundo o costume brutal de hospitalidade de selva^ gens : ms os Hespanhoes recusaro, agradecendoi com. 59. es|.e m j m 0 ) dsculpando-se cm-as fadigas da marcha Uma hora antes do amanhecer acordou-os o som de Irombetas e tamboresrmandou o chefe abrir a sua porta e viro elles cerca de seiscentos homens armados em guerra. E este, disse elle, o modo por que o meu povo visita os Guaranis; elles vos conduziro com segurana, e com segurana tornaro a trazer-vos, alis serieis mortos, por serdes meus amj: gos. Vendo os Hespanhoes que d'outra frma lhes no era possvel ir, e que persistindo na sua" tenS^ offenderio provavelmente os Xarays, declararo que regressario a dar de tudo conla ao adeanidpv e que voltario coni as suas instruces. Com isto muito se deu por satisfeito o cacique ancio; passaro ainda aquelle dia com elle os seus hospedes, e dero-lhe os artigos de scambo, que trazio,, bem como a carapua vermelha, seu presente particular: agradvel foi aos Europeos a admirao do selvagem, a este a offerta. Em troca deu-lhs elle cocares. de ricas plumas para o adeantado, e assim s separaro uns dos outros, mutuamente satisfeitos. -

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Era o. nomeou titulo do cacique, Camire; a sua 1543aldeia continha cerca.de mil casas l, e quatro estabelecimentos visinhos estavo sujeitos sua auctoridade. Vivio os Xarays em famlias separadas, ^ ornando os homens o lbio inferior moda dos Ar-. fanases : mais singular que trouxessem bigodes. Fiavo as mulheres algodo, de que fazio estofos" finos como seda, em que tecio figuras de animaes, desperdcio de talento, pois o lim d'estes aftefaotos era servirem de mantas de noute, quando a estao ** o exigia" Ambos os sexos se pintavo do pescoo' aos joelhos com uma cr azul, que se davo com. to admirvel perfeios, que um Allemo, que viu estes ndios, duvidou que o melhor artista da Allcmanha excedesse.a limpeza e o intrincado do desenho. Fazio - duas colheitas por anno. Tambm a elles os perseguia o grillo, pelo que criavo em casa patos, QuSchmidel 50 os livrassem d'estedamninho insecto. - . *1"1o> Acompanhou o interprete guarani os Hespanhoes Grande na sua volta. Referiu elle a Cabeza de Vaca, que.nas^Kuao* Peru. cera em Itati, aldeia sobre o Paraguay. Sendo ainda
Ribera diz mil casas... os commentarios mil habitantes. Em taes casos costuma o calculo inferior ser o mais seguro, mas de mil habitantes no se podio tirar seis centos combatentes. * Las mugeres se labran todo ei cuerpo. hasta los rostreixon unas guias, picndose las carnes, liaziendo en ellas mil labores y dibujos, con guarnicionesen forma de camisas y jubones con sus mangas y cuellos; cn ciiyas laborei, como ellas son blancas y las pinturas negras y azules?salen muy bien. Ruy Dia/. Argent., Ms.,
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rapaz emprehendro os seus conterrneos^ Unia grande jornada, em que elle foi com seu pae. Saquearo os primeiros estabelecimentos, levando comsigo baixela e ornatos de ouro e prata; por algapi tempo assim foro marchando, ovantes e vicloriosos^ mas a final lodo o paiz se reuniu contra elles, ;"{gr zendo-os soffrer uma terrivel derrota. Ento tomoulhes o inimigo a retaguarda, apoderqu-se dos desfi: ldeiros e cortou-lhes a retirada, de sorte que de toda aquella multido escapario apenas uns duzentos. D'estes a maior parte no se atreveu a tentar a volta ptria, temendo os Guaxarapos e outras tribus, cujos territrios era de mister atravessar, efixou,a sua residncia entre as monlanhas. Elle porem com mais alguns havio diligenciado por ganhar o paiz natal, mas descobertos no caminho por estas tribus hostis, todos, excepto elle, tinho sido immoladg. Na fuga fora cahir entre os Xarays, que, traclando-o com bondade o havio admittido a fazer parle da nao.

Pergunlou-lhe Cabeza de Vaca se elle saberia achar o caminho d'esses povos, que os seus contep> raneos havio atacado. Respondeu que os seus tinho aberto caminho por entre matos, derrubando arvores que servissem de marcos, mas que isto devia ter desapparecido havia muito, apagando a nova vegeta.o todos os vestgios. Queria com tudo parecer-lhe que atinaria com a direco. Seguia esta ao lado

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d'um cabeo redondo, que ficava ento vista de 15*5Porto dos Reis, achando-se os primeiros estabelecimentos, se.bfem se recordava, a cinco dias de jornada. A' pergunta se havia Ia ouro respondeu affirmativmente; os seus patrcios tinho alli roubado bajxela, gorjaes, arrecadas, braceleles, coroas, machadinhos, e vasos pequenos tanto de ouro como de prata. Depois d'estas tentadoras informaes, declarou-se prompto a ir com os Hespanhoes, guiando-os o melhor que pudesse, sendo a isto que o seu cacique o mandara. comem. 60. Ordenou Cabeza de Vaca a este homem que olhasse bem verdade do que dizia; ho havia porem mo- .levaca livo para suspeitar fraude, e resolveu elle commetter a jornada, tomando trezentos homens e provises para vinte dias. Cem Hespanhoes, com duas vezes outros tantos Guaranis deixou de guarda aos bergantins, sob o commando de Juan Romero^Comeavo os naturaes das cercanias de Porto dos Reis a mostraremse enfadados dos seus hospedes. Gonzalo de Mendoza, que com o resto da sua fora ja fizera junco com o adeantado, haTia sido accommettido em caminho pelos Guaxarapos; um dos seus provocara a lucta, que tinha custado a vida a cinco Hespanhoes. Olhavo os Guaxarapos isto como uma victoria, e cobrando novos brios, convidavo os seus amigos Sacoeis a virem acabar com estes estrangeiros, que nem ero valentes, nem tinho to diiros os cascos. Parece que nada
Pl0SCgu Cabeza

208 HISTORIA D O BRAZIL. animou tanto eslas -tribus como a supposta descoberta, que o craneo dos Hespanhoes no era t$ rjo como o d'ellas : no se lemhravo que um capello cem. uo, ss. de ferro era mais solido ainda '. ,- uie,,<r, 2 6 de nov. Por aprazveis arvoredos passou-se o primeiro dia para o Peru. de jornada, seguindo uma vereda, ainda que pou$> -trilhada, e ao lado d'umas fontes se dormiu a noute. Na outra manh foi precizo abrir caminho, equaqda mais se avanava, mais espessa e emaranhada era a floresta : uma herva bastissima e de grande altura tambm no estorvava pouco a marcha. 0 acampa? mento da segunda noute forao p d'um lago,; oijde tanto abundava o. peixe, que se apanhava mo, Teve o guia ordem de trepar arvores e subir emir nencias, para melhor se orientar, e affirmou que era verdadeira a direco que se ia seguindo. Nas arvores se achou mel, nem faltava caa, mas o rujg da marcha a espantava, de modo que pouco aproveitou este recurso. De todas as fructas que se comeria uma nica provou mal: foi o bago d'uma arvor/B' similhante murta. Produzio as palmeiras um, fructo, de que se comia o caroo e no a polpa, par1545

Tinha o elmo outro prestimo grande : podia servir de cassarola, PTelle ozinhavo os descobridores s vezes as hervas que podio apanhar para sua miservel refeio. Herrera,!, 9, 24. "'J 0 Fidalgo d'Elvas refere outro expediente curioso a que estes soldados se vio reduzidos. Quando querio fazer po do seu milho, moio-no entre duas pedras e peneiravo a farinha pelas malhas de suas cotas.

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tida a casca ao meio. D'isto fazio os ndios uma fa- 15*5rinha de excellente qualidade. com. 6i. O quinto dia de marcha levou a um riacho d'agua quente, que brotava d'um serro. Era clara e boa, e nWla vivo peixes apezar da elevada temperatura. Auferi confessou o guia, que vinha errado; os antigos marcos ero idos; havia muitos annos que elle por alli passara e no sabia mais que caminho tomar. Na outra manh porem, tendo sempre a expedio seguido -vante, dous Guaranis se abalanro a approximar-se. Ero ainda dos que escapados grande derrota de que falava o guia, se havio retirado para o mais denso dos matagaes, e invias serranias. Perto lhes ficava o rancho, nem tardou que apparecesse a totalidade d'esta relquia d'um grande exercito, composta de quatorze pessoas apenas, das quaes a mais velha teria trinta e cinco annos. Ero crianas, segundo dizio, ao tempo da destruio da sua tribu, e sabio que alguns da sua raa vivio perto dos Xarys, com quem guerreav/Dous dias de jornada mais adeante havia outra famlia formada de dez pessoas, cujo chefe conhecia o caminho do paiz por que perguntavo os Hespanhoes, pois muitas vezes alli havia ido. tlabeza de Vaca fez esta gente feliz, distribuindo por ella alguns presentes, e tractou de dar agora com a segunda familia, onde estava seguro de achar um guia. Mandou adeante um interprete com dous Hesi.
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210 HISTORIA D O BRAZIL. 1545. panhoese outros tantos ndios, pra, perguntar alli pelo caminho e distancia, e no outro dia vagarosamente os foi seguindo. No terceiro encontrou um dos ndios, que voltava com uma carta, dizendo que. da choa do Guarani, d'onde fora escripta, havia* dezaseis dias de viagem por balsas e hervagaes altssimos at um elevado rpchedo chamado Tapuaguaajf j de cujo cimo muita terra cultivada se avistava. To ruim era o caminho para esta habitao*'que. os mensageiros se havio visto obrigados, a andar de gatas grande parte d'elle, dizendo o chefe da famlia guarani, que para alem era bem peor ainda. Viria este porem com o interprete narrar ao adeantado quanto sabia. A' vista d'isto retirou-se Cabeza de Vaca para as tendas, onde se passara a noute, e alli esperou por elles, at que chegaro no outro dia de om. 62-63. tarde. ' :- i Disse o Guarani que bem sabia o caminho para Tapuaguazu, aonde muitas vezes fora por settas, de que havia alli abundncia'. Do alto da rocha era visvel o fumo do paiz habitado, mas havia tempes ja que elle no ia, tendo na ultima jornada visto \ fumogar da parte de aqum, d'onde conhecera que voltara o povo a habitar estas terras^ desde a grande invaso abandonadas e desertas. Seria jornada paia
Se queria isto dizer que alli tinho ficado muitas pelo cho, depois da batalha em que pereceu a tribu d1 elle, ou simplemn que cresio aHTjuncos, o que se no explica.
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dezaseis dias, e pssimos os caminhos por entre matas, que foroso seria picar. Consultado se quereria ir como guia, respondeu que voluntariamente, apezar do muito que temia a gente d'aquellas partes. Ouvido o que reuniu Cabeza de Vaca o seu clero >r e capites, pedindo-lhes conselho sobre o que se faria. Respondero que as tropas com demasiada onfiana descanando na assero do guia; de que em cinco dias estario em paiz habitado, havio poupado to pouco os viveres, que a muitos ja nada restava, apezar de ter trazido cada homem duas arrobas de farinha. Apenas restaria mantimento pra seis dias. Rem sabido era quo pouco havia que fiar nas informaes dos ndios : em logar de dezaseis dias de jornada podia a distancia sahir muito maior, perecer de fome toda a partida como no raro havia suecedido ja n'estas descobertas. Parecia-lhes pois melhor aviso voltarem a Porto dos Reis, onde havio deixado os bergantins, e proverem-se alli para <x expedio, agora que com melhores dados podio calcular o mantimento precizo. Respondeu Cabeza de Vaca que impossvel era haver provises no porto, onde nem o milho eslava maduro ainda, nem os naturaes possuio couza alguma que podessem fornecer } alem d'isto cumpria recordar o que se lhes havia dicto sobre no deverem tardar as inundaes. Persistiu o concelho na sua opinio : no era fcil resolver qual dos males era menor, se avanar

'

212 HISTORIA DO RRAZIL. 1543. s e retroceder, e o commandante, vendo contra si todos os votos, julgou prudente ceder. Offerecero-s porem Francisco Ribera e seis outros, a ir a Tapuaguazu com o Guarani e onze ndios; ameaados estes com severo castigo se desertassem antes da m & 46 5 volta, partiro todos para esta aventura. Em oito dias voltou Cabeza de Vaca ao Porto dos
Escassez no , .

do^ies. R i ) de achou que os naturaes, instigados petos Guaxarapos, principiav a mostrar ma vontade; tinho deixado de fornecer viveres aos Hespanhoes e ameaavo atacal-os. Reuniu elle os caciques, deulhes carapuas vermelhas e com palavras doces e boas promessas lhes foi pacificando os nimos; sobre o que declararo elles pela sua parle, que srio amigos dos Hespanhoes, e expulsario os Guaxarapos e todos os seus inimigos. A falta de alimento no era porem de fcil remdio ; provises de boca so havia ja as que estavo a bordo dos bergantins, e que mui poupadas no dario para mais de doze dias. Mandro-se os interpretes a todas as aldeias circumvisinhas cata de comestveis; mas nenhuns havia a vendo, achando-se o mantimento ento de escasso acima de lodo o preo". Perguntou o adeantado aos principaes indigenas, onde acharia viveres. Respondero que os Arianicosis, tribu que habitava as margens d'um lago grande a nove legoas d'alli, os tinho em abundncia. Convocou o commandante outra vez o seu concelho,

e s on

HISTORIA DO RRAZIL.

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expondo-lhe a situao. A gente, disse, eslava prestes a dispersar-se pelo paiz, comendo do que achasse. Que se faria? Respondero que outro remdio no havia, seno mandar a maior parte da tropa para os logares onde havia viveres, que se comprario se os naturaes quizessem vendel-os, ou se tomario fora em caso contrario: pois quando apertava a fome era licito tirar o alimento at de sobre o altar. Com 120 Hespanhoes e 600 ndios frecheiros partiu pois Gonalo de Mendgza para os Arianicosis. Consultados por Cabeza de Vaca tambm os naturaes havio informado que tendo principiado a crescer as guas, poderio os bergantins subir agora o rio Ygatu at terra dos Xarays, que estavo providos d e viveres. Havia tambm muitos rios grandes e serpejanles que vinho desaguar no Ygatu, e nas margens d'elles habitavo tribus ricamente abastecidas. v A' vista d'isto despachou-se Hernando Ribera com s eiucoenta e dous homens n'um bergantim, que fosse inquerir os Xarays sobre as terras que ficavo alem d'elles, passando depois a explorar as guas. Levou ordem de nem elle nem nenhum dos seus desembarcar, mas somente o interprete com dous companheiros, evitando-se assim quanto fosse possvel toda a occasio de disputa.

6M.'

Chegado ao paiz dos Arianicosis, mandou Men- Yae Mend0! doza ura interprete com contas, canivetes, anzoes e AraSi barras de ferro, que ero mui pretendidas, como mantimn-

Com. 58.

214 HISTORIA D O BRAZIL.H 1543. amostras dos thesouros que trouxera para-traficar, com. ales: respondero porem que nada dario aos Hespanhoes, e ameaaro matal-os, se em continente j no lhes despejassem a terra. Os Guaxaraposr, que ja tinho morto ehristos, os ajudario cdnlra os Hespanhoes, que elles bem sabio terem a cabea' molle.il Aventurou Mendoza segunda embaixada, que amuitop custo voltou a salvamento. Desembarcou enlo com toda a sua fora, e sendo recebido com a mesma hostilidade, matou aos ndios dous homens:fugiu o resto, e elle apoderou-se de'grande poro deJ milho, mandioca, mandubis, e outras rizes e hervas,', que lhes achou nos ranchos. Soltou um prizioneii; que fosse convidar os outros a voltarem-s suas habitaes, dizendo que pagaria tudo quanto havia to^ mado; mas no foi possvel reconcilial-os. Acommev; tero-lhe o campo, pozero fogo a sUas: prprias casas, e convocaro todos os alliados em seu auxilio. 1 Mendoza mandou pedir ao adeantado instruces sobre o modo por que devia haver-se, e a resposfi*] foi que continuasse a empregar todos os meios de pacificar os ndios. , -Wik Oito dos Guaranis que havio acompanhado Fram* cisco Ribera na sua aventureira jornada a Tapuaguazu, estavo ja devolta, e Cabeza de Vaca o dava por perdido com os seus companheiros. Mas a 20 de janeiro chegaro; vinho todos feridos, e foi esta a historia que contaro : Vinte e um dias havio elles

Volta de F. Ribera

HISTORI-DO BRAZIL.

215
1543,

eoseu guia caminhado para o poente, por paiz de to difficil travessa, que por vezes no podero romper mais de uma legOa: pelo mato em todo o dia, tendodiavido dous em que nem metade d'esta distanciaayalroi No fltvo antas,; nenrjavalis que as ndias matavo com settas^ sendo tanta a caa mida que a cacete se apanhava. Abundavo tambm a mej es frictas, de mddo que se houvesse proseguido noiseffrera o (exercito falta de viveres. Novigsimo primeiro dia*chegaro a um rio que corria para o oceident, indo, segundo dizia o guia, passar por Tapuaguazu : logo adeante descobriro pegadas de caadores, e avistaro alguns campos de milho que acabavo de ser ceifados. Allij sem darlhes tempo de se esconderem, sahiu-lhes ao encontro um ndio; trazia brincos de ouro nas orelhas, -tira ornato de prata no lbio inferior. No lhe comprehendero a linguagem, mas elle, tomando Ribera pete mo, fezdhe signal a elle e seus companheiros para que o seguissem. Levou-os a uma casa grande de madeira e palha; estavo-na as mulheres- esvasiando, mas ao verem os Hespanhoes abriro Um rombo no lado de palha, por onde antes quizero arremessar os objectos, do que passar por perto dos extrangeiros. Entre as couzas qUe assim removia o havia muitos orna tos e utenslios de prata, tirados de enormes jarras. Mandou o dono da casa sentar os hospedes, dando-

216 HISTORIA DO,BRAZIL. 1543. i} ies a beber por cabaas, cerveja de milho tirada de grandes vasos de barro, enterrados no cho at 4o gargalo. Seryio-nos dous escravos, OrejoaeS*de nao, que lhes dero a entender que havia alguns christos a trs dias de jornada d'alli, entre um povo! chamado Payzunoes, e mostrro-lhes vista o alto, pincaro Tapuaguazu. Entretanto io-se os ndios reu* nindo porta, vistosamente pintados e cobertos de.q plumas, trazendo arcos e seitas como promptos pra a guerra, visto o que tomou tambm eguaes armas o dono da casa. D'uma a outra parte passavo meh% . sagens, que fizero suspeitar aos Hespanhoes que o paiz se levantava contra elles. Ento lhes aconselhou o hospede, que se dessem pressa em voltar pelo car minho que havio trazido, antes que maior multido se reunisse. Ja uns trezentos se havio junctado, e tentaro embargar-lhes o passo; rompero os christos por entre os ndios, mas estario apenas distancia de pedrada, quando estes, erguendo: um alarido, despediro contra elles suas flechas, perfis-^ guindo-os at entrarem na floresta. Alli se defende- ro os Hespanhoes, retirando-se os assaltantes, sup-;" pondo qui na supposio de que terio aquelles no mato companheiros que os ajudassem. No havia na partida um so que no estivesse ferido; mas o "caminho estava agora aberto, e se havior gasto vinte e um dias, marchando do logar onde os deixara o adeantado, no precizro mais de doze

HISTORIA DO BRAZIL.

217

para voltarem todos a Porto dos Reis, distancia que ,543 calcularo em setenta legoas. Um lago, que na ida havio vadeado com gua pelos joelhos, achro-no na volta to inchado, que se espraiava mais d'uma lego por sobre as margens, tendo de atravessal-o em jangadas, com grande risco e difficuldade. Era isto tudo quanto havio descoberto, excepto que o povo que to rudemente os expellira de suas terras, se chamava Tarapecocis, e possua patos mansos e v volatria em abundncia. comem.-o. Dero estas informaes o fio para se obterem no- ouvem os ticias mais exactas. Havia alli alguns Tarapecocis, fa^r em,
<-> *. . .' ouro e prata.

destroos do heterogneo exercito de Garcia. Grande pena no se ter conservado a historia d'este aventureiro portuguez'; homem deve elle ter sido de exAs poucas noticias que de Garcia alcanou Cabeza de Vaca, so o que se sabe positivo a este respeito. Os .jesutas Nicholas dei Techo e Juan Patrcio Fernandez as repetem, com o extraordinrio erro, de dizerem que esta expedio se fizera no reinado d D Joo II... antes de descpberto o Brazil. Nem pde ser errata por D. Joo III, pois que elles fazem anterior queda dos lncas, como de facto provavelmente o foi.- Ambos dizem que Garcia foi traioeiramente morto pela sua gente.,-, Chamo-no Aleixo Garcia, e Techo diz que elle tinha sido enviado ppr Martim Affonso de Souza, que depois mandou com Jorge Sedenho sessenta Portuguezes em busca d'elle. Ao chegarem perto do Paraguay, os mesmos ndios, que tinho assassinado Garcia, lhes mataro o commandante pondo em fuga o resto da partida. Na volta embarcro-nos os ndios do Paran em canoas, comidas do bicho, cobertas de barro em vez de breu, e chegados ao meio do rio tiraro a massa, e nadando para terra, deixaro os Portuguezes ir ao fundo. Esta historia manifestamente fabulosa. Em outro logar accrescenta o auctor que os ndios de
1

316

'

HISTORIA DO BRAZIL.

1545.

traordinarios dotes, para com sos cinco Europeos ter levantado um exercito, e penetrado at mais de meio do continente sul americano; e o respeito em que sua memria era tida, mostra^ que assim como em
, ' ' . ;-',* '>,;

Garcia, receosos da vingana dos Portuguezes, voltraoe&fy&th a que elle os havia Jevado, achando alli a nao do.Chirjgtrnog,:quer por tanto tempo foro o flagello dos Hespanhoes. Solirobserva com' justeza, que o facto d fazer Garcilasso meno d'esta tribu no^eifflpif dolnca Yupanqui, contradiz esta relao. L. 6, art. 2,Ruj Dias i,j Gusman, na Argentina, pe esta jornada no anno de 1526. Segundp, este escriptor tambm Garcia foi enviado de S. Vhcente pr' Martini Affonso, em razo da sua proficincia nas linguas guarani, tupy e tamaya. Alcanou o Paran e o Paraguay, e testa d'uma fora indiana penetrou at aos confins do Peru, donde, apezar de rechaado pelos Charcas, voltou carregado d despojos. Chegando Outra vezadPir-' gua.y, mandou Garcia dous dos seus Ires companheiros,adeante (ffifa amostras das riquezas do paiz. Voltaro estes salvos a S. Vicente; entre-,, tanto foi elle assassinado; e os mesmos ndios que o tinho morto fizero outro tanto a Sedenho e sua gente, que seguia as pegadas d'aquelje. Haja o que houver de verdade nos outros pontos d'esta narrao, impossvel que Martim Affonso podesse em 1526 despachar aventureiros de S. Vicente, aonde so chegou einco annos mais-tardei"-' 0 Mercrio Peruviano (8 de maio de 1721, t. 2, p, 21) disque j Garcia com o seu exercito de Chiriguanos penetrou at ao valle de. Tarija, e que os seus selvagens sequazes o mataro' por n quererem tornar a sahir de to delicioso paiz. O escriptor chama-o um PortugiMO do Paraguay, c diz que o seu nome, como o de Erstrato, merecja^ ficar sepultado em esquecimento eterno. Seria difficil provar que Garcia fo>se peor do que os conquistadores hespanhoes; c do qte/fez claramente se ve, que em habilidade e gnio emprehendedore^fii) sido egual ao maior d'entre elles. O Mercrio no cita auctoridade ai-, guma e provavelmente erra, collocarido esta jornada depois*da con-" quista do Peru, como seguramente o faz quando diz que Garcia e o seu exerc'to no poupavo Hespanhol, ndio nem mestio... akida mesmo que apparecesse algum Hespanhol, mestios no os havia por certo para matar.

HISTORIA DO BHAZIL.

219

prttdeneia e valor deve - ter egualadk os maiores 1545 d'-entre os conquistadores, tam bem provavelmente os exeoeu em humanidade.' Inqueriraonse immdiata-,; mente d'estes selvagens; mostrou-se-lhes uma das settas que Ribera trouxera, e sua. vista, expandindo*sedhes os rostos, dissero que vinha da sua patri. Perguntou-lhes Cabeza de Vaca, por que tentarja a sua nao matar mensageiros que so havio ido a vel-a e conversar com a gente da terra* Respondero, que a sua tribu no era inimiga dos christos, que antes olhava como amigos, desde que Garcia alli estiver traficando. A. razo de assim haver agora accommellido os Hespanhoes, devia ser por ter visto com efles Guaranis, raa odiosa, que em outro tempo lhe invadira as terras e assolara as fronteiras. Mas que se os mensageiros houvessem levado um interprete, bem recebidos por um povo, cujo habito no era tractar como inimigo quem vinha como amigo, terio sido regalados com mantimento> ouro e prata. A*, pergunta d'onde vinho este ouro e prata, e trocadopor que, respondero, que dos Payzunos, que ficavo a trs dias de jornada, e que a seu turno havjo estes metaes dos Chaness, Chiminos, Carcaras e Caudires, tribus qne d'elles tinho fartura. Mosv trand*8-lhes um castial de cobre polido, eperguntando*se4hes se o metal amarello era, como aquelle, respondero que no, qu era o outro mais louro e brando, nem tinha to desagradvel cheiro; apre- Com 79

226

HISTORIA DO BRAZIL.

1545. sentando-se-lhes ento um annel de ouro, disstfo que era o mesmo. Por egual forma ao mostrarse4)MI uma vasilha de estanho, dissero; que o seu mxoA br.anco era mais claro e rijo, e sem cheiro; e vende uma taa de prata, declararo que em se piz^ nho braceletes, coroas e machadinhas comoaiiii Tudo isto resolveu o adeantado a tentar de mwh Volta Assumpo marcha, pelo que mandou chamar Gonzaloidefeftt doza com toda a sua gente, para se apromptarwi} Principiara porem a estao doentia, e to gersf se tornaro as teras, que ja no havia com saudeqwtH montasse as guardas. Yalero-se da opportuatsale os naturaes. Logo principiaro por porem mStidem cinco Hespanhoes, que com uns cincoenta Guaiaai pescavo a mui curta distancia do acampamento?* cortados em postas distribuiro a carne pelos GHSJSH rapos e outros alliados seus. D'alli viero atrevida* mente investir com os Hespanhoes nas suas trirabrab ras, matando-lhes uns sessenta, antes de poderio^ ser rechaados. Fracos porem como estavo OSEBW*peos, no tardaro a tirar vingana, contendo osselvagens em respeito. ,.Zi^& Voltou ento Hernando Ribera de sua expedifit^ mas achou o adeanlado por demais doente para ouvir-lhe a relao. Trs mezes passaro todos nleste estado miservel; menos falhos de mantimento do que antes, verdade, pois Mendoza algum trouxera comsigo, mas a enfermidade longe de diminuir, re-

HISTORIA DO BRAZIL.

221
154J

crudecia, e os mosquitos se havio tornado ainda


mai>,intolervel praga do que as maleitas. A. final $$&guados de soffrer, resolvero voltar Assumpo. Aisarreute os levou Ia em doze dias, e ainda em bem jesjifciji correrem-lhes as guas de feio, pois nem trtthVforas para remar, nem terio podido defendejyge. Ainda assim so aos canhes,; que nos bergtjfms levavo, devero o escaparem aos terrveis

Com 71 75 Guaxarapos. - " ? ffendera Cabeza de Vaca alguns dos seus, no Rebeiuao

"

contra Cabeza

lhes permittindo trazer umas cem ndias, que os pes de Vaca d'eslas lhes havio dado, como meio de captivar-lhes as boas graas. Em Iodas as occasies se esforara elle por abolir a practica infame de fazer dos homens escravos e das mulheres concubinas *, e isto tornara . impopular. Affirma elle que Yrala e os principaes da sua parcialidade premeditavo tornar-se independentes da Hespanha, sendo esta a razo mais forte por me havio abandonado Buenos Ayres. No a aocosap mui provvel; mas nem por isso menos
Mazaracas as chamavo no Paraguay os Hespanhoes, do nome do melhor peixe que alli se encontra, e que os ndios prezo sobre todas as couzas. Argentina, c. 4 , art. 42. Diz D. Martin que alguns chamavo a Assumpo o paraizo de Mafom i, pelas muitas mulheres que havia na cidade. Accrescenta que no seu tempo xistio alli mais de quatro mil raparigas. . X as, lector curioso, si quisieres El nmero saber de las doncellas, De cuatro mil ya pasan como estreitas. C. 2, est. 43.
1

222 HISTORIA DO BRAZIL. 53. c e r i 0 qUe a distancia de toda a auctoridade eftiiaz os animava a respeitarem pouco os decretos do rei. Quinze dias depois da volta, uma partida dos $fM&paes officiaes apoderou-se do adeantado ', que -molestia conservava encerrado na sua cmara, e po^io a ferros, proclamou Yrala governador. Tinha Cabeza de Vaca ainda amigos, que conseguiro prse em communicao com elle por entremedio d'uma escrava, apezar de ser esta revistada, todas* as vezes que entrava na prizo, a pouto de a porem nosPM tira de*papel., que ella levava, i enrolada,' coberta de cera preta, e segura com dousfiosda mesma-cor sola do p. Offerecero-se elles para fora o porem em liberdade, mas elle tendo sido ameaada de morte, caso sefizessea menor tentativa para- stlilo, o prohibiu, certo de que a ameaa seria; cm.. prida.
Cem. ii-n. Eremeltido
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Foi esta sedio causa de grandes desordens. Muitos


*
D

.,

""fespE. dos naturaes, que dcscanavo na proteco do adri- tado, e principiavo a adoptar a religio e a lngua dos colonos, fugiro. Mais de cincoenta Hespiintflts que lhe ero affeioadps, partiro por terra, caminho do Brazil para subtrahirem-se aos intolerveis hi- *> , . , iV.rjOVS""'

Diz Ruy Dias de Gusman que foi Felipe de Caceres o prfSijlal motor d'esta sedio; que Yrala estava ento ausente; e que para <de volta Assumpo tomar posse do commando at chegarem novas ordens de S. M., foi precizo levrem-no n"miia cadeira Plaza, to'extenuado estava pela dysenteria. Mas Ruy Dias era neto d Yrala, e toda a narrao que fez d'fetes successos Iraz o cunho da parcialidade.

HISTORIA DO BRAZIL.'

227,
15*3.

sultos e escarneo da faco triumphante. Os frades os seguiro com a teno de - passarem-se d'alli Hespanha, e Ia accusarem Cabeza de Vaca; e sem a menor opposio do novo governador levaro comsigo as suas irms conversas. Afinal, depois de terem tido o adeantado encarcerado por onze mezes, man-' dro-no os seus inimigos prezo para a Hespanha. 0 teador Alonso Cabrera e o thesoureiro Garcia Yanegas, tambm foro ser-lhe accusadores. Oito annos foi Cabeza de Vaca relido na corte antes que a sua causa entrasse em julgamento, morrendo n'este meio tempo os seus accusadores, uns miseravelmente, e o outro doudo furioso. Por fira foi absolvido de toda a culpa e pena, mas nem o reintegraro no seu governo, nem de modo algum o indemnizaro dos prejuzos soffrdos. Infelizmente para elle morreu pouco depois da sua chegada o bispo de Cuenca, ento presidente do Concelho das ndias, que. teria feito justia summaria a seus inimigos; pois este ministro declarara que delidos como este. devio ser punidos capitalmente, e no mais com muletas'.
Bbs escriptores authenticos narro a historia dos, feitos de Ca-beea de Vaca no Paraguay : Pedro Fernandez, que com elle alli esteve, escrevendo -os Commentarios por ordem do adeantado, sobre os ma^ tciiaes. que este lhe fornecia,e de sciencia prpria; e Schmidel, que, posto fosse tambm testemunha ocular, escreve mais eummariamente, c com manifesta ma vontade ao governador, tendo sido dos que contra elle se levantaro. Entre as duas narraes nenhuma differenca ha em matria de facto, nem se pode suppor que alguma couza de'importncia deixasse de ser referida por algum dos dous.
1

Comenl. 78 "J* Her 7 9 13

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15*5.

HISTORIA D O BRAZIL.

CAPITULO VI
nt

Jornada de Hernando Ribera; ouve falar nas Amazonas, e marcha em busca d'ellas atravs do paiz inundado. Desordens na Assumpo. -rVence Krala os Carijs, e tenta outra vez atravessar o paiz. Chega aos confins do Peru, faz em segredo o seu convnio com o preideatei<e volta. Diego Centeno nomeado governador; morre, e continua Yral com o governo.

1543. J a s e disse que volta de Hernando Ribera da sua i/".naRiber. expedio estava o adeantado to doente qtie no pde ouvir-lhe a relao, pelo que nenhumas medidas se tomaro. Ribera porem mandou para Hespanha uma narrao das suas aventuras, e Huldriclc Schmidel, que fora um dos seus companheiros, publicou outra na Allemanha. A historia que conta" o mais um exemplo das esperanas, credulidd e desesperada perseverana dos descobridores. Partiu Ribera a 20 de dezembro do Porto dos Reis em direco aos Xarays levando oitenta homens n'um bergantim. Encontrou uma tribu chamada Jacars, que d'estes animaes, de que tinho extranho medo, derivavo o nome; acreditavo que este bicho matava com o hlito, que a sua vista era lethal, e que o nico meio de dar cabo de algum era pr-lhe

HISTORIA DO BBAZIL.

225
4545

dcante um espelho', para que morresse com o reflexo do prprio olhar de basilisco. Dero estes selvagens guias a Ribera, e mandaro com elle oito canoas que pescando e caando o provio abundantemente de sustento. Gastara elle nove dias para alcanar esta tribu, e outros tantos lhe foro precizos para vencer as trinta e seis legoas que a separvfo dos Xarays. Safrfji velho Camir com muitos dos seus a recebei o n'uma vasta plancie a umalegoa da aldeia. HavioIhe preparado um caminho de oito passos de largura, onde se no deixara uma pedrinha nem uma aresta, mas so flores e hervas frescas. A' volta dos Europeos io msicos tocando uma espcie de frauta. Apenas o cacique deu aos Hespanhoes os emboras da sua chegada, abriu logo uma caada, que valeu logo cincoenta veados e emas. Foro os hospedes aquartelados dous a dous na aldeia, onde se demoraro quatro dias,. Perguntou-lhes ento Camir o que buscavo: acljiando-se n'nm paiz farto, respondero esquecidos da necessidade em que ficavo o adeantado e os seus patrcios :ouro e prata. Deu-lhes elle, ouvido isto, alguns djxes de prata9, e um pratinjio de ouro, di\ Terio elles ento espelhos de pedra como os Mexicanos (Clavigero, 1. 7, 56), ou barro to vidrado, que servia para este effeito? M^ que mais provvel, procuravo elles pedaos de Vidro volcanit, que sendo opaco na massa, forma um verdadeiro espelho? Spallanzi (Viagens pelas duas Sicilias) diz-que nenhuma difficuldade ha em que os Peruvianos, cortado e polido, se servissem d'este vidro, para o fim indicado. * A pouca prata, que os Hespanhoes acharo naquellas parles, '. 15

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1,45

HISTORIA DO BRASIL,

zendo que era tudo quanto tinha, e que isto mesmo o havia conquistado s Amazonas. A Amazona. Talvez na America do Sul existisse alguma tribu cujo nome tivesse no som sua tal ou qual affinidade com a palavra Amazonas, e que isto seduzisse ps descobridores na sua ignorncia e credulidade. Mas a maior parte das informaes que obtivero cerea d'este povo, so se xplico suppondo que os indigenas dario sempre as respostas que percebio serem as mais agradveis, e que aquelles prprios sob a forma de perguntas fornecerio as noticias que ima: ginavo receber em retruque, concordando os ndios M.j no que enlendio mal ou nem sequer percebia^, D'este costume muito teem sempre que queixar-se os missionrios. Assim deve ter sido provavelmente que ouviro a Camir como as Amazonas se cortavo o seio direito, como os visinhos vares as visitavo trs ou quatro vezes no anno, como ellas mandavo os rapazes aos pes, guardando as filhas; como vivio n'uma ilha grande no meio d'um lago, e como'da terra firme tiravo ouro e prata em muita abundncia. Como ir dar com estas guerreiras, foi a pergunta immedia^ta, por gua ou por terra? So por terra, foi a resposta; mas era jornada para dous mezes, e che-t gar Ia actualmnte seria impossvel, estando, como. estava, inundado o paiz. A isto no quizero attender
tinha vindo das cercanias do Potosi, traficado de tribu em tribu. Pdrode Ciea, c. 115.

HISTORIA DO BRAZIL.

2'27

os Hespanhoes, pedindo unicamente ndios, que lhes 1543levassem as bagagens. Deu o cacique vinte ao capito e a cada homem cinco, e ahi se pem estes furiosos aventureiros a caminho por terras alagadas 1 Oito dias marcharo com gua pelos joelhos* e Mai.cha pcl0 s vezes at cinctura: valeu-lhes terem, aprendido inundado. afazer uso das redes, alias teria sido inteiramente impracticavel similhante jornada. Para poderem accender lume, com que preparar a'comida, tinhode levantar um rude baileo, necessariamente to pouco seguro, que no raro, ateando-se n'elle o fogo, iguarias e tudo cahia na gua. Chegaro assim aos Siberis, tribu da mesma lingua e costumes dos Xarays, da qual soubero que terio mais quatro dias que andar por gua, e depois cinco por terra, at aosUrtuess; masque mais avisado seria voltarem atraz, pois que para tal expedio no ero assaz . numerosos. Alli obtivero guias, e mais uma semana foro patinhando por gua to quente que no se podia beber, cahindo incessante a chuva. No nono" dia chegaro aos Urtuess... Que distancia havia at terra das Amazonas?... Jornada para um mez e ainda por paiz inundado. Mas alli encontraro um obstculo insupervel. Por dous annos suceessivos tinho os gafanhotos devorado tudo quanto havio achado, e fome que havio occasionado succedera a peste. No havia conseguir mantimento; mas isto julgaro os Hespanhoes dever salvao, alias

228
543

HISTORIA D O BRAZIL.

mal terio escapado das mos da mais numerosa schmidei. 27. tribu que tinho ainda encontrado. y/y;> Viero alguns ndios das naes visinhas a ver os estrangeiros. Trazio cocares moda do Perf: e chapas de metal, que na relao de Ribera se chamo chfulonia. A este povo pediro os Hespanhoes mais Amazonas. novas das Amazonas. Ribera jura solemnementef& repete com fidelidade as informaes que obteve,no por meio de perguntas, mas espontaneamtMi dadas. Affirma que estes ndios lhe falaro d'uma nao de mulheres, governadas por uma d'entre si, e to guerreiras, que de todos os visinhos ero temidas : possuio fartura de metal tanto amarei Io como branco, de que ero feitos os seus tamboretes e todos os utenslios de suas casas. Yivio do lado occidntl d'um grande lago, chamado Manso do Sol, porque alli-se mergulhava este astro. Aqum do seu paiz ficava uma nao de pygmees, a quem fazio perpeW guerra, e alem um povo de negros barbados, Sque 'andavo vestidos, habitava casas depedFa e a\,t tinho lambem grande copia de metaes amawltoe branco. Para o oeste sudoeste havia egualmente vttos estabelecimentos d'um povo rico e civilizadojlqite emprezava um animal lanigero como besta de carg* e para o servio da agricultura, e entre o qual vivie chris-tos..... Como sabio isto?.... Tinho ouvido dizer s tribus que habitavo mais longe, qu um povo braneo e barbado, montando animaes grandes,.

HISTORIA DO BRAZIL.

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tinlwL estado nos desertos que fico n'aquella di- i5i3reco, e dos quaes por falta de gua tinho tido de retirar-se. Todos os ndios d'aquelle paiz, dissero os H. Ribera. informantes, communicavo entre si, e assim sabio que muito longe d'alli, alem das montanhas, havia um grande lago salgado, em que navegavo gigan^ tescas canoas. Esta narrao, expurgada do fabuloso, assaz notvel. 0 facto de haver no serto da America do Sul alguma noticia das suas praias, presumpe relaes internas no fceis de se explicarem. -m-- Deu o cacique dos Urtuess a Ribeira quatro brar voita*>ara celetes grandes de prata, e outras tantas festeiras de xarays. ouro, que se trazio como signaes de distino; e em troca recebeu um presente de canivetes, contas, e varias frandulagens das que se fabrico em Nurenir berg. Feilas assim amigveis despedidas, volvero os Hespanhoes atraz, pois que no terio achado mantimento, seguindo, Vante. Pelo caminho virq-se reduzidos a viver de palmitos e razes, e tanto em conseqncia d'esta dieta, como de terem tanto andado meios mettidos na gua, cahiu a maior parte d'elles doente ao chegarem aos Xarays. Alli foro bem nutridos, efizeroto bom negocio em prata e nosfinostecidos de algodo que as mulheres preparava, que Schmidel avalia o lucro em nada menos de duzentos ducados por cabea. Ao voltarem a Porto dos Reis,;doente como estava

250 HISTORIA D O -BRAZIL. 1545. poz-se o adeantado furioso por ter Ribera, em despeito das suasordens, seguido para uma jornada de descoberta, deixando o exercito em to grande apupo, e espera de soccorros. Mandou pois metter o commandante em ferros, e aos soldados tomou quanto havio ganho na aventura. Uma espcie de motim foi a conseqncia e Cabeza de Vaca julgou mais prudente ceder. Faz honra a Ribera no se ter resentido d'esta merecida clera nem tomado partenasedio contra o adeantado. De oitenta homens, que o Schmidel. 57-38. havio acompanhado n'esta terrvel marcha, sos trinia se restabelecero dos seus effeitos. Schwil6! adquiriu uma hydropisia, que, em bem para a historia e para elle prprio, no se tornou fatal. c Ma. Tudo pozera em confuso a insurjio contra Caprocedei'

do

beza de Vaca. At ento tinho vivido de accordo Yrala e os officiaes do rei; no tardaro porem a desavir-se sobre a sua usurpada^auetoridade, pois se estes havio eleito governador'aquelle, havia sido para elles mesmos o governarem. F^sta lueta entre o poder cjvil e militar repetiu-se em quasi todas as conquistas, em quanto se no formou completamente o plano da legislao colonial. Dividio-se os Hespanhoes da Assumpo em duas parcialidades, cada uma das quaes fazia o maior mal qtie podia^Aos partidrios d'ambos os bandos se permittia tractarem os ndios como bom lhes parecia, nem estes ero refreados na sua maldicta anthropophagia, consen-

Hespanhoes.

HISTORIA DO BRAZIL.

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..:

tendo os chefes em-tudo que podia dar-lhes alguma 15i3fora. Muitas vezes estivero a ponto de decidir a questo ponta da espada : mas a isto obstou provavelmente da parte dos officiaes civis o medo da popularidade de Yrala entre os soldados, e da parte d'este uma prudente hesitao em enfraquecer a colnia* Vendo estas dissenes, alliro-se Carijs e Agacs para cahirem sobre os Hespanhoes e livrarem d'elles o paiz. 0 perigo intimidou a fao civil, e submeite Yrala teve liberdade de exercer um poder que no os Car,j<5s podia achar-se em mos mais hbeis. Fez alliana com os Jepers e Rathacis, tribus que podio pr em campo uns cinco mil combatentes; e m mil^Testes e cerca de trezentos Hespanhoes, distribudos de modo que cada Eulbpeo tivesse por auxiliares trs naturaes, marchou contra os Carijs, dos quaes um poderoso exercito se reunira debaixo das ordens do cacique Machkarias. Avanaro at meia leg de distancia do inimigo ^fazendo ento alto para passarem a noute, fatigados como vinho d'uma longa marcha debaixo de incessante chuva. A's seis da manh investiro com os Carijs, que depois de trs horas de combate fugiro para a sua praa forte, chamada Fretlidiere *, deixando no campo muitos centos dos seus, cujas cabeas os Jepers levaro comsigo, para esfoladas pendurarem as mascaras
' ' "

Assim escreve Schmidel a palavra, ainda que nenhuma d'estas tribus empregava a letra F. .

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HISTORIA DO BRAZIL.

como tropheos. Estava o posto, para que o inimigo se retirou, fortificado com trs palissadas, e muitos poos encobertos, e to bem foi defendido, .que por trs dias o assaltou Yrala em vo. Feitos ento quatrocentos pavezes de pelles de anla, mandou elle outros tantos ndios assim acobertados cortar as estacadas com machados, e entre dous e dous ia um arcabuzeiro. Surtiu o desejado effeito este modo de ataque; apoz algumas horas entraro os assaltantes a praa, matando mulheres e crianas, e fazendo grande carniaria. Escapou comtudo a maior parte, que se retirou para outro logar forte chamado Carieba, at onde os vencedores, tendo recebido um reforo de duzentos Hespanhoes e quinhentos alliados, perseguiro os fugitivos. Era esta espcie de praa fortificada pelo mesmo systema da outra, lendo os Carijs alem d'isto arranjado umas machinas, que, segundo a descripo de Schmidel, ero como ratoeiras, cada uma das quaes, se surtisse effeito, teria apanhado vinte ou trinta homens. Quatro dias os sitiaro os Hespanhoes sem resultado. Ento um Carij, que havia sido em outro tempo chefe da aldeia, veio disfaradamente ter com elles, offerecendo-s para entregal-a traio, se lhe promettio no a incendiarem. Ajustado isto mostrou elle duas veredas, que pela floresta levavo ao logar, e assim foi este tomado de sorpreza. As mulheres e crianas tinho sido previamente escondidas nas matas, servindo de

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licpa primeira matana. Apezar de tudo fez-se alli segunda, eos que a ella escaparo, fugiro para um cacique por nome Dabero, devastando o paiz que atravessavo, para difficultarem a perseguio. Mas d'ai voltaro os Hespanhoes Assumpo, donde descendo o rio com novas foras, foro em seguimento d'elles : veio reunir-se-lhes com mil homens o chefe que atraioara Carieba, e Dabero derrotado tornou a submetter-se a um jugo que era ja impos, ,.

Schmidel.

si vel sacudir. u-a. Terminada esta guerra,ficaro,os Hespanhoes em Entra Yraia no serto. paz por dous annos, durante os quaes nenhum soccorro recebero da metrpole. Ento Yrala, para que no se prolongasse o cio, propoz-lhes renovar a tentativa em que havio falhado os seus douspredecessores, e averiguar se' era ou no possvel achar ouro e prata. Com alegria foi acceita a proposta. Deixou D. Francisco de Mendoza a com mandar na sua ausncia, e partiu com trezentos e cincoenta Hespanhoes e dous mil dos ultimamente subjugados Carijs^ Subiro todos o rio em sete bergantins e duzentas canoas, seguindo por terra com duzentos e cincoenta cavallos a gente, que por falta de embarcaes no podia ir por gua. 0 logar da junco era vista do alto cabeo chamado S Fernando, o mesmo provavelmente pelo qual os Guaranis havio guiado Cabeza de Vaca. Ficaro cincoenta Hespanhoes em dous bergantins,. com recommendao de serem mais

234 HISTORIA D O BRAZIL. 1545. cautelosos do que Ayolas fora, e mandados para traz schmidel.44. os outros navios, principiou Yrla a mareha. Oito dias andaro sem achar1 habitantesJ No nono achando-se a trinta c seis igoas alem do monte de San Fernando, chegaro aos Mepers, raa alta e jupais. robusta de caadores e pesdores. Quatro dias depiis encontraro os Mapais, tribo muito mais adntada em escravido e civilizao. O povo tinha de servir os chefes, como os servos da gleba nos tempos feudaes; ero agricultores; fazio uma espcie de prados e tinho domesticado o lhama. As mulheres ero formosas, e vivio exemptas dos penosos trabalhos que os selvagens costmo impor ao sexo mais fraco; seu nico emprego era fiar e tecer algodo e preparar a comida. Sahir estes Mapais a saudar os Hespanhoes, presenteando Yrala com quatro grinaldas de prata, outras lanlas tesleiras do mesmo metal e trs raparigas. Dispozero os Hespanhoes as suas sentinelas e foro repouzar. No meio da noute deu Yrala pela falta das raparigas, e suspeitando immediatamente traio, mandou pr tudo em armas. Effectivamente fro logo atacados, mas achando-se assim preparados repelliro com grande mortandade os aggressres, perseguindo-os dous dias e duas noutes sem descanar mais de quatro ou cinco horas. No terceiro dia; continuando sempre a perseguio, cahiro os Hespanhoes no meio d'uma grande horda da mesma nao, que, no suspeitando hostilidade,

HISTRIA D O BRAZIL. 235 foi sorpreheodda, pagando as culpas dos conteria- 1545 neos. Os que no foro mortos ficaro prizineiros, sendo estes to numerosos que so a Schmidel coubero dezanove, como quinho na preza '.Depois d'esta vietoria, se tal nome merece, descanro os Hespanhoes oito dias, no lhes faltando que comer. 44-45. > Em> seguida chegfo aos ZehmiSj espcie de osZehmis. helotes d'aquella outra tribu. Rello paiz era este para um exercito de similhantes aventureiros o atravessar: amadurecia alli o milho em todas as estaes, e para onde quer que se olhasse vio-se promptas as colheitas. Seis legoas mais longeficavoos Tohannas, Irib
. .. , . . . . . 1 Os Tohannas.

tambm vassala dos Mapais, cujo domnio parece ter-se extendido n'quella direco at aos confins da terra povoada. Atravessadas quatorze legoas de desertos, chegaro os Hespanhoes aos Peions. Sahiulhes o cacique ao encontro, pedindo instantemente a osPeions. Yrala que no lhe entrasse na aldeia, mas alli mesmo armasse as suas tendas. No lhe prestou ouvidos o Hespanhol, que entrando na povoao, n'ella se aqartelou por trs dias. Era mui frtil o paiz, ainda que faltava gua, bem como ouro e prata, artigos que Schmidel pe a par d'aquelle, como couzas de egual necessidade. Julgou-se prudente no perguntar por estes metaes, no fossem as tribus, que ficavo adeante, sabendo o que os aventureiros buscavo,
#

Havia tambm mulheres entre elles, diz o aventureiro allemo, e no mui velhas.

236 HISTORIA DO BRAZIL. 1545. esconder os seus thesouros e fugir. Um guia alli osMaiegon.i. t 0 m a ( j o o s i e v o u por um caminho, onde havia gua, at aos Maiegonis, quatro legoas mais longe; passado alli um dia e obtido um interprete e outro guia, andaro os Hespanhoes mais oito legoas, at chegar e m aos os Maironos. Marronos, nao populosa. Entre estesjse detivero dous dias. 0 pouso seguinte foi entre os os ParoWos. Parobios, quatro legoas adeante. Havia grande falta de viveres, o que no obstou a que Yrala e os seus pilhantes se demorassem um dia a devorar o que OfSimanos. acharo. 0 povo immedialo, chamado dos Simant^ e q u e ficava a doze legoas de distancia, poz-s,na defensiva. Estava a sua aldeia sobre uma eminncia,, bem fortificada com sua cerca de espinhos. Vendo que no podio resistir s armas de fogo, incendiaro as suas habitaes e fugiro; mas o paiz era cultivado e nos campos apparecro fructos que schmidel. 45. aprehender. es Barconos. Apoz u m a marcha de quatro dias na razo de outras tantas legoas por cada um, chegaro os Hespa-t - nhoes de improviso a uma aldeia de Barconos. Teria; os habitantes fugido se no qs convencessem de que nada devio recear de estrangeiros, que nenhumas intenes hostis trazio; assim congraados apresentaro volataria, aves aquticas, ovelhas (lhamas-ou vigonhas certamente), abestruzes e oveados em grande copia, dando-se por contentes com terem os Hespanhoes de hospedes quatro dias. Partiro.estes

HISTORIA D O BRAZIL. 257 carregados de provises, e em trs dias na costti- 1S45 mada marcha de quatro legoas dirias, chegaro aos Leihnos, com quem passaro apenas uma noute, os Leihanos. pois que os gafanhotos lhes havio depennado os campos. Era quatro dias mais de egual marcha alenro os Garchuonos, que tinho soffrido da o
* '
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Carchuonos.

mesma praga, bem que no to severamente; e alli soubero que nas trinta legoas mais prximas no achario gua. Se no tivessem tido conhecimento d'esta.circmstancia, todos terio provavelmente perecido. Levando pois gua comsigo, encetaro uma marcha, que durou seis dias; alguns Hespanhoes morrero de sede, apezar do supprimento que levavo1, e se muitos mais no se finaro, a uma planta o devero, que no Rrazil se chama crata; retm a chuva o orvalho nas folhas, como n'um reservatrio. Afinalalcanaro o estabelecimento dos Subo- os suboru. ris; era noute e principiu o povo a fugir at que um interprete o assegurou das pacificas intenes dos estrangeiros. Pouco allivio alli acharo os Hespanhoes: os Suboris e seus visinhos no raro se fazio guerra por causa da gua. Tinha havido trs mezes de secca, de modo que exhaurido estava o deposito de gua da chuva que soio guardar. No linha a maior parte da gente outra bebida alem do summo da raiz e-mamidtlpora, que era branco como leite. Quando havia gua, fazia-se d'esta raiz um licor fermentado; agora reputava-se feliz quem com o simples sueco

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1545

HISTORIA D O BRAZIL.
*

podia ir entretendo a vida. No havia guas correntes e apenas uma fonte. A esta foi Schmidel postado como sentinela para distribuir por medida o que ella dava; ja se no pensara em ouro e prata, o unic
g r i t o e r a : A g u a !

Schmidel. 46.

Aqui principiaro os aventureiros a perder o animo; discutiro entre si se seguirio avante ou volverio atraz, e decidiro a questo sorte. Foi esta por que se avanasse. Tendo vivido dous dias a custa da nascente dos Suboris, principiaro uma marcha d'outrOs seis dias, levando guias, queaffirmavo encontrarem-se no caminho dous crregos! Fugiro os guias no correr da noute; foro porem os (h Peisenos. Hespanhoes assaz felizes para atinarem com o caminho, e chegaro aos Peisenos, seguindo as informaes que havio tirado. Recebeu-os esta tribu como inimigos, sem querer dar ouvidos a persuaes. Depressa pozero elles estes selvagens em fuga, mas nem por isso viro terminar seus soffrimenlos.^'alguns prizineiros feitos na aco soubero que Ayolas deixara trs homens por doentes n'aquelle logar, onde havia apenas quatro dias tinho sido mortos a instigaes dos Suboris. Quinze dias alli se demorou Yrala indagando para onde fugira a horda, desejoso de tomar vingana; e tendo a final descoberto alguns nos bosques, atacou-os, matou muitos e reduziu o schmidel. 46. r e s t 0 escravido. os iiaigenos. Seguiro-se os Maijenos a quatro dias de jornada.

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1545 Ficayrlhes a aldeia n ' u m outeiro* rodeada d'uma cerca de espinhos da a.ltura que um homem pde chegar coru a espada. Recusaro receber os Hespanhoes^a quem mataro doze, alem. de alguns Carijs, antes que se podesse forar o logar: ento incendiaro as,casas e fugiro,. A perda aqui soffrida exacerbq$ os Carijs, mais valorosos no servio dos Hespanhoes do, que havio sido em-, .-defender-se; d'elles; respiravp.so vingana e quinhentos d'entre elles se partiro em segredo a tomal-a> pensando mostrarem que no carccio do auxilio dos.estrangeiros, das suas armas de fogo, nem dos seus cavallos. A trs legoas do acampamento foro cahir no meio d'um grande troo de Maigenos \. seguiu-se desesperado batalhar, e s deppis de verem mortos trezentos dos seus mandaro os Carijs pedir soccorro, pois cercados de todos os lados nq podio avanar nem recuar. Fugiro os Maigenos apenas a cavallaria ppareceu vista, e os aluados sobreviventes vollro ao campo mui saiisf#itos da sua proeza. schmidei.47.

Alli fez alto o exercito por doze dias, tendo achado abastana de viveres,, Depois marchou treze dias sem descano, calculando os que entendio de estrellas, que n'este tempo se havio, feito cincoenta e duas legoas. Estacionava aqui uma tribu dos Carcolhis. .:arcofhis. Em nove dias mais chegaro os Hespanhoes a uma regio coberta de sal, que parecia neve; demorrose dous dias, e duvidosos do rumo que seguirio,

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1545

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tomaro direita, chegando em quatro dias a outra horda da mesma nao. Cincoenta Hespanhoes e outros tantos Carijs foro mandados adeante a procurarem na aldeia mantimento e alojamento: ao entrarem n'ella, inquietro-se vendo uma povoao maior do que nenhuma que n'aquelles paizes havio encontrado, e a toda a pressa mandaro recado a Yrala, pedindo-lhe que adeantando-se viesse apoialos. O aspecto de toda a fora tornou submissos os habitantes. Ambos os sexos trazio pedras no lbio inferior; trajavo as mulheres vestidos de algodo sem mangas, fiavo e empregavo-se em misteres caseiros; a agricultura era tarefa dos homens. Tomaro os Hespanhoes guias, que no terceiro dia lhes fugiro. Seguiro porem sem elles at que avistaro um rio chamado Machcasis1, que se descreve como medindo meia legoa de largura. Fizero-se jangadas de troncos, e tranados de cannas para esta perigosa passagem, em que apezar d'isto se perdero quatro homens. A quatro legoas *alem do rio ficava uma cnqufstas aldeia, d'onde sahiro alguns ndios ao encontro dos Europeos, saudando-os na sua prpria lingua. Pertencio estes a um Hespanhol por nome Pedro Ansures, fundador da cidade de Chuquisaca. E alli, tendo alcanado os estabelecimentos da sua nao do
Schmidel s vezes extremamente incorrecto na orthographia dos seus nomes, sem que haja remdio seno seguil-o. Da patte de similhante aventureiro no existo que admira, mas o ter elle escripto.

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lado do sul do continente , fizero alto Os aventu-


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reiros, apoz uma marcha de trezentas e setenta e

Funes. 1,129. Sc

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* Pelo mesmo'tempo pouco mais ou menos uma partida sahida do Peru atravessava o paiz at ao paraguay. Durante a curta administrao de Vaca de Castro mandara este governador, dceejoso de livrar o paiz d'alguns espirtos turnulentos, Diego de Roxas conquista e descoberta, do serto entre o Chili e o Prata. Deixando a provncia de Charcas, entraro estes aventureiros na plancie, e tendo alcanado osvalles de^alta e Calchaqu, foi Roxas morto n'um recontro com os naturaes. Suscita ro-se disputas sobre a successo no commando, e tendo sido o mais forte, ordenou Francisco de Mendoza ao seu competidor, que com os seus sequazes voltasse ao Chili, em'quanto elle proseguia no plano original da.descoberta. Atravessando o rio Eslero, encontrou uma tribu, que habitava m casas subterrneas, e que o recebeu como amigo. Desta horda, chamada dos Conrechingors, soube que para o sul ficava uma provincw, com o nome de.Yungulo, extraordinariamente1 rica de ouro e prata. Ruy Dias de Guzman suppoz, que seria o paiz que no Prata se chama Cesars, o Eldorado d'estas conquistas austraes. Tambm contaro estes selvagens a Mendoza que para o lado do nascente homens como elle navegavo um immenso rio em grandes barcos, ouvido o que preferiu ir em busca dos seus conterrneos. Seguiu'para o rio Carcarana, que de longe descobriu pelos vapores, que lhe marcavo o curso. Era cheio de ilhas, cobertas de plantas aquticas, offerecendo deliciosos panoramas. Alli soube dos indigenas a morte de Ayolas, a deposio de Cabeza de Vaca,, e o estado dos Hespanhoes no Paraguay.. Seguindo o curso do rio at sua juneco com o outro maior, chegou s ruinas de Santespirito : na ribeira estava erguida uma cruz com uma insripo, que no dizia, haver alji cartas enterradas. Continho estas algumas instruces de Yrala sobre as precaues necessrias para subir o rio, e a noticia de que em uma das ilhas havia provises escondidas na terra. Mendoza quiz ento atravessar o rio, e seguir pela margem oriental at Assumpo', mas a sua gente conspirou, assassinou-o numa noute, e voltou no .Peru, oude chegou exactamente quando Carvajal acabava de bater Diego de Centeno, e reunindo-se em nome do rei a um troo da parcialidade d'este caudilho, contribuiu para a derrota de Gonzalo Pizarro. Argentina, Ms. . 1G

242 HISTORIA D O BRAZIL. 1545. duas legoas, segundo os seus prprios clculos. Immediatmente se mandou sede do governo noticia da sua chegada. conchavo Governava ento o Peru o licenciado Pedro e Ia
secreto entre

glvernato Gasca. Pouco havia ainda que elle derrotara Gonzalo d o Pera. p j z a r r o > fazendo-o suppliciar junctamente,eom os sanguinrios chefes da sua parcialidade. Com razo julgou elle em tal momento perigosa a chegada d'um troo de gente tanto tempo costumada a uma vida licenciosa, e mandou a Yrala ordem de no avanar, aguardando ulteriores instruces no logar onde se achava. Receava elle, que, rebentando nova insurreio, se bandeassem estes aventureiros com os partidrios de Pizarro, o que, no dizer de Schmidel, com certeza terio feito. Yrala despachou Nuflo de Chaves a conferenciar com o governador, que conhecendo bem o que de to longe attrahira o usurpador, mandou-lhe ouro bastante, com quepodess ir-se contente. Os soldados nada soubero d'estes conchavos. Se o soubramos, diz'Schmidel, tel-oiamos amarrado de mos e ps, e mandado para o Peru. Tudo o que transpirou d'este negocio, foi que tinho de voltar pelo mesmo caminho, para o dec - marcarem bem. voit Yraia. A provncia em que os Hespanhoes havio, entrado era a mais frtil que tinho visto mesmo n'aquelle uberrimo paiz. Mal se podia rachar uma arvore, sem que da fenda manasse o mais fino

HISTOBIA DO BBAZIL.
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mel , to numerosa era uma espcie de abelha pe- 1545* qucna sem ferro. Agente nada mais almejava do que ficar alli: possuio os naturaes vasos de prata, que s nossos aventureiros mirayo com vidos olhos, mas sem ousar toal-os, por que o povo era subdito da .Hespanha. Conseguira porem ja o commandante o seu fim, satisfeita a ambio, saciada a avareza. Tinha aberto uma communicao com o P e r u , desenganara-se que nas regies intermedirias nenhuns reinos dourados havia que saquear, e assegurara-se em segredo o que buscava. Ainda outra causa militava para induzil-o o voltar o mais depressa possvel. Diego Centeno estava designado por Pedro de Ia Gasca para governador do Prata, e de todas as terras d'alli at s fronteiras de Cuzco e Charcag. Recebendo pois ordem de voltar pelo mesmo caminho, obedecia talvez Yrala de boa mente, para preparar as couzas feio da sua usurpao. Por conseguinte fez por ter sa ua gente falha de provises e conserval-a na ignorncia da nomeao de Centeno. Schmidel declara que os seus camaradas no terio sahido da provncia, se houvessem sabido isto, mas a fome forou-os obedincia. schmideu ta. Ao tornarem a passar pelos Carcochis, acharo os
1 lYeste mel consistia o principal alimento do famoso Francisco de Carvajal, que, ao ser suppliciado com oitenta annos de edade, tinha ainda todo o vigor e actividade da mocidade. Bebia-o como vinho. Pedro de Ciea, c. 99.

244 H1ST0BIA D O BRAZIL. 1545. Hespanhoes a aldeia abandonada. Mandou. Yrala convidar os naturaes a que se recolhessem : a resposta foi que, se os christos no despejavo o paiz ligeiros e voluntrios, depressa o fario corridos e forados. Muitos dos seus o aconselharo que com isto se no desse por offendido, pois se se premeditava estabelecer communicaes entre o Prata e. o Peru, todas as hostilidades serio impoliticas, fazendo com que mais se no encontrassem provises no caminho. No o entendeu elle assim; ou por que quizesse incutir terror tribu, ou talvez por que quizesse mesmo provocar o mal que os seus officiaes receavo, tolhendo a .marcha ao successor. Fez pois grande matana n'estes ndios, capturou uns mil, e deixouse ficar dous mezes na aldeia. Foi este na volta o nico successo notvel. Em toda a jornada gstou-se anno cmeio, trazendo os Hespanhoes comsigo cerca de doze mil escravosl, homens, mulheres e crianas, .prova bastante da devastao que terio feito na schmidel.49. marcha. Desordens na Ao chegar aos bergantins soubero uue Diego de
Assumpo. * P

Abrego usurpara o governo, decapitando publicamente Francisco de Mendoza. Deixara estoJidalgo a Hespanha com seu parente D. Pedro, por ter n'um accesso de cime assassinado a mulher e o capello de sua casa. Seguiu-o porem a vingana divina, e no
* ' Schmidel teve cincoenta sua parte.

HISTORIA DO BBAZIL. 245 anniversario do assassinato padeceu elle prprio 1545 morte violenta e no merecida. Sobre o cadafalo fez de seu crime confisso publica, exprimindo a esperana que Deus, que assim lhe impunha n'estc mundo condigna pena, lh'a perdoaria no outro. Recusou Abrego a entrada da Assumpo a Yrala, que immediatamente lhe poz cerco. Fossem quaes fossem TCi*r,P!]'0ii2. os crimes d'esle intrpido aventureiro, era elle popular no seu governo; e Abrego, vendo que a gente lhe desertava, fugiu com cincoenta sequazes, continuando uma espcie de guerra de bandoleiros, at que lhe dero caa quadrilha. Foi elle prprio encontrado nas florestas, s o e cego, e d'um golpe de harpeo lhe poz o alguazil que o descobrira, termo schmidel. so.
. . . Herrera.

as misrias. 8,2,17. Foi a historia de Yrala escripta por seus inimigos. Accuso-no estes de muitas atrocidades, de que poucos ou nenhuns conquistadores se conservaro puros; mas da prpria narrao se evidencia que era homem de grandes commettimentos e muita prudncia. Levada a-cabo a jornada do Peru, e aberta assim uma communicao entre as duas costas da America do Sul, mandou elle Nuflo Chaves a pr termo s guerras que nos confins do Brazil principiavo a fazer-se na sua qualidade de fronteiros os ndios subditos das duas coroas. Assim o executou este, demarcando-se pela primeira vez os limites entre as 1542 colnias porlugueza e hespanhola.

246 H1ST0BIA DO BBAZIL. f542. Dividiu tambm Yrala o paiz em repartimienios, como nas outras conquistas se havia feito, systema pelo qual se repartio as terras e a sua populao indgena entre os senhores europeos, como prpria Europa succedera outr'ora debaixo dos seus conquistadores gothicos e slavonicos; com a differena porem de ser na America ainda mais intolervel a servido, e insupervel o abysmo entre senhor e escravo. Segundo as leis castelhanas no podio estes repartimienios ser dados seno a Hespanhoes, mas Yrala sentindo a fraqueza da sua fora europea, abalanoue 8, 2!i7. se a quebrar a reslrico, e distribuiu-os indiscriminadamente por aventureiros de todas as naes. Im->' puto-lhe como crime este acto de sabedoria, e como um estratagema para fortificar-se na prpria usurpao. No lhe falto crimes por que responder, nem a sua ambio foi alem do desejo de manter-se no governo; posto, em que, no se tendo descoberto minas no paiz, lhe pareceu pouco provvel daremlhe successor. Longe de tentar fazer-se independente, requereu corte, que mandasse visitadores a syndicarem do seu proceder; conhecendo talvez que o requerimento seria o melhor meio de evitar a medida. Continuaro entretanto os colonos nos hbitos lascivos e cruis que caracterizo os creoulos de toda a casta. Poucos ou nenhuns esforos empregou o governador para cohibil-os, conscio por venlura que nada conseguiria, ou talvez por pensar que tudo ia

HISTORIA DO BRAZIL.

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uma maravilha, tendo o Creador destinado os povos 1542 de cor para servirem os brancos, e ficarem merc da sua luxuria e avareza. Tudo favoreceu Yrala. Centeno, que pelo presidente Gasca fora nomeado para substituil-o, morreu quando ja se preparava para ir tomar posse do governo. Foi a sua morte uma calamidade para o Paraguay, que n'elle perdeu um homem leal, honrado e humano, de reconhecido mrito e talentos, n'uma palavra, um dos melhores conquistadores. Os seus despachos foro levados Assumpo por uma escolta de quarenta homens, s ordens dos capites Pedro Segura, Francisco Cortou, Pedro Sotelo, e Alonso Marlin Truxillo, com os quaes voltaro os negociadores de Yrala Nuflo de Chaves, Miguel de Rutia, Pedro de Oriate e Ruiz Garcia de Mosquera. Trouxero elles desta jornada, o que a terna memorvel, ovelhas e cabras, as primeiras d'uma e outra espcie, que se introduziro no Paraguay, tendo sido demais a mais. estes animaes, que no caminho lhes salvaro as vidas. Vendo os ndios quo poucos os christos ero Funes.t.iw. em numero, tinho resolvido sorprehendel-os durante o somno; mas na ajustada noute estivero inquietos os bodes, e o barulho que fizero aterrou os selvagens, que desistiro da empreza. Pelo mesmo tempo accitava tambm Juan de Senabria na Hespanha este governo, preparava uma. expedio, e morria ao ficar ella prompta. Annuiu

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1542

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seu filho Diego aos termos que o pae assignara quando vivo, e fez-se de vela. Perdeu os navios, chegando apenas alguns dos seus Assumpo, para onde marcharo por terra da foz do Prata. Comtudo para os que estu do a historia do Brazil foi importante esta viagem, pois Hans Stade, um dos que n'ella viero engodados por mentirosos boatos sobre as riquezas do paiz, alli se estabeleceu depois deter naufragado. As suas aventuras nos conduzem outra vez s colnias portuguezas, e offerecem-nos as primeiras e as melhores noticias sobre os selvagens indigenas.

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CAPITULO YII
Embarca Hans Stade com Senabria para o Paraguay, e chega a Sancta Catharina. Naufraga em S. Vicente. Feito artilheiro em Sancto Amaro, cahc prizioneiro dos Tupinambs. Ceremonias d'estes com un prizicneiro; supersties e armas. Consegue Stade escapar-se.

Achava-se Hans Stade em Sevilha quando Senabria preparava a sua expedio ao Paraguay. Os que tinho interesse em recrutar aventureiros, espalhvo mentirosos boatos sobre as riquezas que abundavo n'quelle afortunado paiz, e Hans, como muitos outros, mordeu no dourado anzol. No tardou o navio em que elle ia a separar-se do resto da frota, perdendo depois o rumo por ignorncia do piloto. A final, apoz uma desastrosa viagem de seis mezes, descobriro os navegantes terra pelos 28 lat. S., sem saberem onde estavo; em quanto bordejavo vista da costa em busca de porto, levantou-se um temporal, que soprando direitamente do mar, so deixava esperar ruina certa. N'estas circumstancias zerao o que mais assisado podia fazer-se; enchero de plvora os barris, calafetando-os o melhor que podero, e a-elles amarraro mosquetes, para que os

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24 de nov.

sw.

250 HISTORIA D O BRAZIL. 1549. qUC lograssem aferrar a terra tivessem ao menos a probabilidade de achar Ia armas. Ficava-lhes pela proa um recife debaixo d'agua; todos os esforos para fugir d'elle foro baldados, vento e corrente os impellio direitos penedia e quando julgavo ja dar em cheio sobre ella, descobriu um marinheiro um porto, em que entraro a salvamento. Uma canoa, que os viu chegar, largou immediatamenle, desapparecendo por traz d'uma ilha; mas elles, sem a perseguirem, deitaro ferro,, rendendo graas a Deus que d'elles se havia amerceado. De tarde veio a bordo uma partida de indigenas que no se podero fazer comprehender, mas que se partiro mui contentes com alguns canivetes e anzoes. Logo depois chegou um bote com dous Portuguezes. Dissero estes que mui experto devera ser o piloto que com similhante tempo entrara n'aquelle porto, couza a que elles se no terio atrevido, peritos como ero da localidade. Habitavo San Yicente, que ficava a dezoito legoas d'aquelle surgidquro chamado Suprawail; a razo de haverem fugido de manh ao avistarem a nau, fora terem-na supposto franceza. Perguntaro os Hespanhoes a que distancia estavo da ilha de Sancta Catharina, que tencionav demandar, como ajustado ponto de reunio. Ficava a trinta legoas ao sul, mas que se acautelassem dos
* Superagui se chama a ilha que frma ao norle a entrada da bahia de Paranagu.

HISTORIA DO RRAZIL.

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Carijs, quen'ellahabitavo.EroTupiniquinsosna- 1549turaes d'alli, de quem nada tinho que arrecear-se. pem,dcB6r^ Para Sancta Catharina pois se fizero de vela os
1

Chego a

Hespanhoes; passro-na porem por ignorncia da s-Cathcosta, e depois impellidos para traz por um vendaval do sul, no podero mais, ao amainar o vento, tornar a achar o porto d'onde havio sahido. Depararo porem com outra enseada, e deliciosa, que ella era, onde fundearo, indo o capito no bote exploral-a. Alargava o rio ao passo que avanava o escaler; debalde se volvio olhos em torno na esperana de descobrir fumo;a finaln'um valle solitrio entre outeiros se descortinaro algumas choas, mas estavo deserlas e em ruinas. Crescia entretanto a noute; do rio se erguia uma ilha, e averiguado o melhor que se pde estar-deshabitada, saltou n'ella a gente, accendeu fogo, cortou uma palmeira, ceou-lhe a rama, e deitou-se a dormir. Ao romper do dia recomearo as pesquizas; um da partida imaginou ver uma cruz sobre um rochedo; outros o julgaro impossvel; approximro-se todos e effectivamente viro uma grande cruz de pau solidamente cravada na rocha, e d'um de cujos brags pendia meio tampo do barril com uma inscripo illegivel. Levro-no comsigo, e continuando um da tripolaco durante o Irajecto a parafusar sobre o disticho, afinalletra por letra o foi decifrando: 'dizia assim : Si viene por ventura aqui Ia armada de Su Majestad, tiren un tiro y

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HISTORIA DO BRAZIL.

averan recado. Atraz volvero logo ao p da cruz, e disparando um falconete de novo se recolhero ao batei. Immediatamente viro remar para elles cinco canoas cheias de selvagens, a cujo aspecto apontaro as armas, receosos d'um ataque. Ao approximaremse as canoas descobriro entre os ndios um homem vestido e barbado, no que o reconhecero por christo, gritando-lhe que fizesse alto. Adeanlou-se elle so na sua canoa. A primeira pergunta que lhe fizero foi onde estavo? Schirmirein, respondeu elle, era o nome indgena do porto, mas ps que o havio descoberto chamavo-no Sancta Catharina. Dero os Hespanhoes ento graas a Deus por lerem descoberto o logar que procuravo, crendo com muita le ser isto devido s suas oraes por ter acontecido no dia da sancta do mesmo nome. Tinha este homem sido enviado da Assumpo havia trs annos para viver aqui com os Carijs, e persuadil-os a que cultivassem mandioca, com que abastecer os navios que, demandando o Prata, tocassem n'este porto. Mais uma prova p.i* %, 2. estada previdncia de Yrala. Foi ento Hans n'uma das canoas a trazer o 1552 navio para cima.- Ao avistarem-no so entre selvagens, gritr-lhe de bordo, perguntando pelos camaradas, e por que sem elles vinha. A esta pergunta no deu elle resposta, lend-lhe, recommendado o capito que mostrasse triste o semblante, para ver o que fazia a tripolaco. Ento cia-

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mou esta, que sem nenhuma duvida havio sido 1552mortos os outros, e que era isto agora manha para apanhal-a a ella, e correro todos s armas. Riu-se Hans do estratagema, e subindo a bordo mandou embora a canoa. Levou elle o navio para cima, e alli se esperou pelas duas outras naus. Acutia era o nome d'esta aldeia dos Carijs, e Juan Hernandez de Bilbao o do Hespanhol que com elles vivia, podendo considerar-se o primeiro colono de Sancta Catharina. A troco de anzoes se obteve peixe e farinha de manp 2> c 10 dioca em abundncia. - - Trs semanas depois chegou o navio que trazia Naufrago Senabria a bordo; do outro nunca mais se soube. navios. Abstecero-se para seis mezes, mas mesmo ao irem continuar a viagem, naufragou ainda dentro do porto o navio transporte. Fornecero os Carijs mantimento at que se viro assaz ricos de canivetes, anzoes, e outros que taes thesouros; depois desapprecro, deixando os Hespanhoes que vivessem de ostras, lagartos, ratos do campo, e do mais que podessem haver mo. No fim de dous annos passados a braos com todas estas difficuldades chegaro a uma resoluo, que muito bem podio ter tomado desde principio, a saber partir a maior parte por terra para a Assumpo, seguindo o resto 'no nico navio que lhesficava.Poz-se em marcha a partida de terra, e todos os que no caminho no morrero de fome, chegaro ao logar do seu destino; quando a outra

'254 . HISTORIA D O BBAZIL. 1552. qUjz embarcar viu-se que o barco os no podia levar todos. Que fazer? San Vicenteficavaa setenta legoas, e alli se resolveu mandar buscar um navio maior, em que podessem demandar o Prata. Ningum entendia de navegao, mas houve um tal Romano que p.2,c.ii,i2. phantasiou poder servir de piloto. s"vce3ntea ^ r a H a n s u m dos da tripolaco. Ao segundo dia p C Mviof chegaro ilha dos Alcatrazes, onde ventos contrrios os obrigaro a dar fundo. Acharo alli gua doce, casas abandonadas e vasos de barro quebrados, e matando quantos quizero dos pobres pssaros de que tinha nome a ilha, quebraro n'elles e nos seus ovos o longo jejum. Mas acabado o festim, levantouse rijo o venlo sul, e com grande risco se fez o l/arco ao largo. Ao romper d'alva no se descobria mais a ilha, mas no tardou a avistar-se outra terra; entendeu Romano que devianser San Vicente, e para alli aproro, ms a nevoa e as nuvens no permittio ver se era este realmente o logar que se buscava. Raivava entretanto o pampeiro, e o mar rolava vagaIhes tremendos. Quando nos achvamos no cimo d'uma onda, diz Hans, parecia que debaixo de ns se abria um precipicio, e o navio arfava tanto que foi precizo alijar ao mar tudo que se pde para sollevalo, sempre na esperana de aferrar o porto. Clareou o ceo, e Romano affirmou que ficava o surgidouro vista, mas que io direitos sobre uns rochedos que lhe guardavo a entrada. Nenhum porto havia alli,

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mas quanto perda do navio no se enganara o im- l552 provizado nauta. O vento o lanou de encontro costa, e nada mais restava do que encommendar-se merc de Deus. Ao primeiro choque fez-se pedaos o barco. Da tripolaco alguns saltaro gua, outros agarrro-se a destroos da embarcao, e todos chep 2 c 12 garo a praia a salvo. - >- Alli estavo elles, molhados, gelados, sem ali- saivo-se
' . ' D ' na costa

mento, sem fogo, nem meios de haver uma ou outra s vicente. couza sem saberem onde estavo, e receosos dos selvagens. Um Francez que era da partida deu uma corrida para aquentar-se, e por entre o mato descobriu o que quer que fosse que similhava casas de christos; esta vista mais depressa ainda o fez correr. Era effectivamente uma feitoria portugueza chamada Itanhaem 1 . Apenas os moradores lhe ouviro a narrativa, sahiro. em busca dos nufragos, e trazendoos para casa, dero-lhes roupas e comida. Estavo estes na terra firme a duas milhas apenas de San Vicente, para onde se passaro, logo que lho permittiro as foras, que voltavo; alli foro recebidos como lem direito a sel-o homens em taes circumstanciase sustentados a expensas publicas, em quanto buscavo meios de proverem prpria subsistncia. 0 resto da partida que ficara espera em Sancta Cap 2 c n tharina, mandou-se buscar. >- Se Fr. Gaspar da Madre de Deus tivesse lido esta viagem, saberia que havia n'aquelle logar um estabelecimento em 1555, o que elle nega.
1

p<

256 HISTORIA D O BRAZIL. 1552. Havia ento em San Vicente dous estabelecimentos s.Vicente, fortificados, a fora differentes engenhos de assucar. Vivio alliados ds Portuguezes os Tupiniquins' que povoavo a costa visinha; mas esta tribu amiga guerreava ao sul os Carijs, e ao norte os Tupinambs, inimigos activos e terrveis, estes ltimos ho so d'lla mas tambm dos Portuguezes. A cinco milhas de San Vicente e meio caminho entre a terrafirmee Sancto Amaro, fica a ilha da Bertioga. Era aqui que costumavo reunir-se os Tupinambs antes de marcharem ao combate; resolvero pois cinco irmos,
i .ir,

filhos de Diogo de Braga e d'uma ndia, segurar o logar, e com seus amigos indigenas tinho alli feito uma aldeia dous annos antes do naufrgio de Hans, fortificando-a moda dos naturaes. Tinho estes irmos aprendido ambas as lnguas na sua infncia, e conhecio perfeitamente quanto tocava aos indigenas, o que considerando-se elles a si prprios Portuguezes, -os tornava excellentes subditos para a Forma-se colnia. Vendo formado alli um estabelecimento,
um estabele , , . ..

cimentoem passaro-se alguns colonos para elle, por ser de muita vantagem a sua situao. Naxla porem poderia contrabalanar o mal da visinhana dos Tupinambs, p.2l,acei*. c u J a s fronteiras ficavo a pouco mais d'uma legoa p.3,c.i5. de distancia. El fr\eseemm Um dja antes do romper d'alva, como usavo em
Bertioga.
1

Parece que os Goyanazes tinho deixado o paiz.

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seus fossados, viero estes selvagens en\ setenta ca- l552 noas atacar o arraial. Com galhardia c felicidade se defendero n'uma casa de barro os cinco irmos e outros christos, que com lles estavo, e que serio oito. To boa sorte no tivero os Tpiniquins, que tendo-se bravamente batido em quanto lhes aturaro as foras, foro a final assoberbados. Pozero-lhs os vencedores fogo s casas, devoraro alli mesmo seus prizineiros, e foro-se em triumpho. No se tinha Bertioga mostrado de to pouca valia, para ser resignadamente abandonada; reedificro-na os Portuguezes, forlificando-a melhor. Comearo ento a confiar por demais na proleco que n'ella tinho, e julgou-se necessrio segurar Sancto Amaro lambem, E lambcm pm S. Amaro. queficavado outro lado da gua. Principiro-se as obras, mas tinho ficado incompletas por no ter apparecido quem se aventurasse a acceilar o posto de artilheiro, que n'estes fortins era quem commandava. Vendo os colonos que Hans era Allemo e tinha o seu tanto de entendido na artilharia, instaro com elle por que tomasse aquelle commando, offerecendo-lhe soldo avanlajado, e promeltendo o favor real; que o rei, dizio elles, nunca deixava de galardoar os que n'estas colnias se tornavo uieis. Consentiu Hans em encarregar-se do posto por qualro IIan feito mezes, dentro dos quaes devia chegar Thom de anilhe.ro. Souza, o primeiro Governador General do Brazil. To essencial tinha parecido este forte segurana dos
i 17

258 IHSTRIA DO BRAZIL. 1S52. 9bestabelecimentos, que a senirespeito se tinha^repfesnado cortei constando que quando chegasse o governador mandaria alli levantar uma; fortedewtle
Stade. , ...

p.3,cis,i6. pedra. * i J sup XIO? e*sl B s^sr-.m^qs * M.I "i No r servio de pequeno risco defender corasos dous camaradas semiconcluidas obras "de ham> e -0'S -.si? madurai Tentaro os selvagenspor vflzesrirpre^ihender de noute a guarnio. Mas ella eslava sempre vigilante; veio o governador, examinou o-lwgr$-apprOvou-a situao, e deu as esperadas ordens para construoo d'um forte de pedra. Queriafans agora resignar o posto, tendo expirado o tempo por que se obrigara a servir;, mas o governador iipedirloe que n'elle se conservasse, outro tanto fizero os moradores visinhos, e elle alistou-se por m aisdous annos, recebendo um papel que os artilheiros reaes tinho direito de exigir, e que lhe garantia no fim do tempo de servio a volta a Portugal na primeira naHj para Ia receber os seus soldos. Duas vezes no anno principalmente era precizo redobrar de vigilncias Em agosto subio os rios os peixes que os indigestas chamavo m/f e os)Portugezes Jj/ttw, apanhavo d'elfes grande quantidade:os selvagens, e seccando-os ao fogo,preservavo-nos quer inteiros, quer reduzidos a po. Ora pouco antes desta pesca, quando s depsitos principiavo a exhaurir-88-ostumavao os ndios atacar os visinhos para lhes roubarem as provises. Em novembro maior era ainda o

HISTORIA W RRAZIL. 259 perigo,q*aado amadurece a fructa do ana\ de 1552 que preparvo uma das suas bebidas inebriantes. Era este o carnaval* ds^seJVagens brasileiros, e nunca se approximava a festa sem que elles fizessem - alguma correria em busca de'prizineiros qe im molat n ella. ? s. vTinha Hans um Aiiemo seu amigo estabelecido cahe e m
. , poder dos

em 8an Vicente como feitor d alguns engBiios de Tupinambs. assucar pertencentes a Giuseppe Adorno *, Geitovez. Heliodro serihamava,e er filho de Eobano, poeta allemK) de grande nomeada no seu tempo; oriundo do mesmo paiz de Hans-, reebera-o elle na su casa depois do naufrgio com esse affecto fraternal que todo o homem sente por um compatricio que encon-, tra em to remotas terras. Veio este Heliodro com outro amigo a visitar Hans no seu caslello. Outro mercado Tiro havia a que este mandasse pbr comesB tiveis com que regalar os hospedes, seno as matas, o mas essas bem providas. Os javals ero os melhores de todo o paiz, e to numerosos que se'matavo unia ca mente pelas peiles, de* que se preparava um couro prefervel aodevacca para botase assentos dcderas. Tinha Hans um escravo Ca rijo que para elle
talvez cajueiro. Entre os primeiros colonos d'esles logaes figuro trs irmos Adornos, dos quaes um se passou para a Bahia, onde casou com uma filha do Caramuru. So numerosssimos os descendentes d'este trino. Gaspar da M. de Deus, p. 52.
1 1

,,, ( M0 HISTORIA D O BRAZIL. ,i552.v r caava, e de, quem nunca receou, acompanhar-se nas florestas; mandou-o pois atmajar . caaro, bosque., -e no dia seguinte foi ter com e l l e ^ a r a ^ o quetinha' feito. Levantou-se o frito de guer^etfttHOsinstante viu-se o artilheiro cercado dos Tupinambs.jfea^o dando-se por perdido, exclamou: Senhor, nas fus mos encommendo o meu espirito! BJal leve tempo de, concluir a orao antes de, ser derrihado | r terra: golpes e settas chovio sobre .He de lodosos e r. 4, c. 8. lados, mas so lhe fizero uma ferida na coxa. .'" r A, prinaeira couza foi pol-o nu; chapeo,ica^ot, gibo, camiza, tudo lhe foi arrancado, apoderandose cada um do que podia apanhar. Para esta paute da prezaejra aposse titulo sufficiente; maso oi-po ou cadver de Hans,- como os selvagens o conserav. o, era couza de mais conseqncia. Suscitoitse * disputa sobre quem primeiro pozera n'elle as mos no prizioneiro, e osqoe n'aquella no tomavo parto, entretinh-se a bater n'cste com os arcos. Decidiuse a final que pertenciaeJlea dous irmos; tomrono ento em braos, e o jpaais depressa que podero o foro. levando para as canoas, que estavo varadas em terra e escondidas na folhagem. Um grande numero de selvagens que ficara de guarda avanou agora ao encontro de seus irmos triumphantes, mostrando os.denles a Hans e mordendo-se os farsos para que visse o que o esperava. Adeante d'elleia o cacique da partida, levando a iwarapemme, ou

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2tM

maa om que mato os prizineiros, e gritando-1 he: l552Agora Pero (nome genrico que davao aos Portugiipze), es um vilissimo escravo! Agora ests nas nossas mos! Agora panars pelos nossos irmos, <|uttenssimmolado! Amarrro-lhe ento os poisos, mal evant-sc nova altercao sobre o que fario com elle: No ero todos do mesmo logar de residncia os aprezadores; nenhum outro prizioneiro se iizera, e os que devio voltar a casa sem nenhum,* chamavo contra o arbtrio de entregar-se aos dous irmos o nico que havia, gritando que alli mesmo o matassem. Vivia o pobre Hans havia bastante tempo no Brazil para entender quanto se dizia e quanto se ia fazer; recitava fervorosamente as suas oraes; olhos fitos na fatal maa. Poz o cacique termo disputa, dizendo: Leval-o-einos vivo pra casa, onde nossas mulheres se regozijem com elle, e fal-o-emos umi[attwy-pepi)ke '.Queria isto dizer que seria morto k-pei grande festa dos bbados. Passr-lhe pois -qtro cordas volta do pescoo, amarrro-nas aos lados e extremidades d'uma canoa, e largaro. P. 4, c.. N3o longe ficava uma ilhota, em que fazio sua vida de
. . . . tncliietii.

criao os pssaros marinhos chamados goarazes. A *, 10. pennugmtdas crias cr de cinza; no primeiro anno s' castanhas as pennas, tornando-se depois d'um vermelho claro e brilhante. Ero estas pennas
Cftmo diramos um porco de S. Martinho, ou um cordeiro paschoa^ 1 "-ZV -- *y"' - , . . . 1

... . . . Ll./i.j U.. ;.- . . . . . . . . . .

. . ....

262 HISTORIA DO BRZfL i55>. encarnadas o ornat favorito de todas as tribus selvagens. Perguntaro os Tupinambs ao seu captivtK seosTupiniquins tinho ido n'aquella estao buscar estas aves ao choco,' e apezar da resposta aftirmativa^ dirigiro-se para a ilha. Antes de Ia hga*em, viro canoas, que os vinho perseguindo. Fdgira o escravo de Hans, ao ver cahir prizioneiro seu senkor,tendo ido dar rebate, corrio agora os Tpmiqtfiis' com alguns Portuguezes a dar soccorro. Gritaro aos Tu* pinambsque parassem e combatessem, se ero ho* mens. Provocados por este desafio, virro estes d& bordo, e soltando as mos ao prizioneiro, e dandolhe plvora e bala, que tinho dos Francezes, obrigro-no a carregar a prpria espingarda e fazer fogo contra os seus amigos; as cordas passadas roda do pescoo impedio-no de atirar-se gua. No tardaro porem a cahir em si, e receando que maiores fora% viessem sobre elles, tractro de safar-se. Ao passarem a tiro de pea deante de Bertioga, disparavo lhes dous, que os no alcanaro; largaro logo bote a dar-lhes caa, mas os Tupinambs arrancavo a v0 a c o m o swde > quem tem a vida em perigo, e deixrSop.4,c. 19. nos todos atraz. i' Sete legoas alem de Bertioga saltaro n'uma ilha, onde querio passar a noute. As faces de Hans esta* vo to inchadas dos golpes recebidos que elle no podia ver; to pouco no podia ter-se de p, em razo da ferida na coxa, e assim estava exlendido por terra,

HISTORIA D O BB,AZ,l,L. 26^ e elles todos <voUaPa dizeoni?lh pipA o ojneripv *155?Achando-me uesta^pdigoi diz e!JeT principiei a pensar, que nunca antesftsemcom b _ a M a j 5 M & ma dureza^qu miservel esta vida, e quo cheia de, penas e vicissitudes! E comeou a entoar o psal-

mo XXX S^pmptdmh Qh! exclamaro os ndios,


coalorellelamenta o seu triste^ fadol No sendo estao conveniente o logar que havio escethy, pafiro-seos naturaes pata a terra firme, onde tinho umas choas abandonadas, alro as, canoas para a praia, e accendro uma fogueira, para juncto da qual levaro o prizioneiro. Deitro-no n'uma rede, amarraro a uma arvore as cordas que ainda lhe conservavo volta do pescoo, e na sua alegria diziolhede espao a espao no correr da noute, que era elle sua preia. Levantando-se no dia seguinte uma tempestade, convidro-no a rezar por elles. Obedeceu Hans, pedindo a Deus que mostrasse aos selvagens que suas preces ero escutadas, e logo os. ouviu disier que rareava as nuvens, poi^elle jazia nofuffdo d?uma canoa, sem poder erguer a cabea, de arrochado que ia. ltribuindo esta mudana de tempo virtude das suas oraes, por ella rendeu graas ao ceo. Segunda noute se passou como a primeira^ e os selvagens se congratularo de que na outra manh chegario a casa : eu porem no me congratulava a mim mesmo, diz elle, Na terceira tarde chegaro os Tupinambs su a

Mi
1552

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taba, ou aldeia, chamada Uwatibi. Compunha-se ie sete casas; raras vezes uma aldeia continha mais, cada rancho porem abrigava vinte ou trinta famlias, por via de regra todas aparentadas Medem estas casas quatorze ps de largo, e cento, e cincoenta-de comprimento mais ou menos, segundo o numero da parentela. Tem cada famlia seu lar e sua dormida prpria, mas sem nenhuma separao entre si. de oito ps a altura regular do tecto, convexo, ebem entranado de folhas de palmeira. Dispem-se estes ranchos^de modo que rodeiem uma rea, em que se immolo os prizineiros, e para a qual tem cada uma Ires portas. Est a aldeia cercada primeiramente d'uma palissada unida, em que se deixas setteiras para fazer os tiros, e construda de modo que forma alternadamenle dous lados d'um tringulo e trs d'um quadrado; por fora d'esta corre outra de paus altos e fortes, no to unidos como .os da interna, nem to separados, que permitlo a passagem pelos intcrvallos. A' entrada colloco-se algumas cabeas de prizineiros devorados, postas em espeques^ pare decoro d'estes pilares, ceremonias A chegarem as canoas estavo as mulheres caq u come umm vando mandioca. Hans teve ordem de gritar na lngua
prizioneiro. . . .

tupy : Aqui estou, vindo para ser vosso manjar. Ate sahiu logo toda a populao, velhos, mulheres, crianas, todos. Foi Hans entregue s mulheres, que n'estas occasies se moslravo, se lanto possvel,

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25
15.5'i.

ainda mais cruis do que os hwnens. Baterao-no com os punhos fechados, rrancro-lne a barba, nomeando a cada socco e a cada puxo um" dos seus que tinha sido morto, dizendo que era pr sua inteno; Tambm as crianas tinho licrta para o atormentarem vontade, e todas manifestav a alegria de que estavo posstiidas ao pensarem na festa quese preparava. Begalavo-se entretanto os homens com libaes de kaaWy. Depois trotixero para fora as matracas, que olho como orculos, agracridoIhes o haverem dicto com verdade que elles no voltario sem preza. Durou isto cerca de meia hora, durante a qual esteve Hans merc ds mulheres e crianas. Viero ento os dous irmos feppipo Wasu e AlkindarMiri, aos quaes elle havia sido adjudicado, diaer-lhe que o tio d'elles, Ipperu' Ws, dera no anno anterior um prizioneiro a Alkindar, para que o matasse e tivesse a gloria de dar uma festa, mas com a condio depagal-o com o primeiro inimigo que capturasse; Era Hans o primeiro, e assim a IpprU Wasu cabia a gloria de dar com elle uma festa. Explicada assim a couza, accrescentro que as raparigas vinho ja, para o levarem ao aptass. O que isto de aprasse queria dizer, no o sabia elle, mas que no podia ser nada bom, at ahi chegava.
. ' Harcourt faz meijo d'um cacique chamado Ipero no paiz dos Arracooris, perto do Wiapoc' (Harleian Miscellany, vol. 5, 184.) Aqui temos pois a lngua tupy a extndrae at Guiana. L

266'!:

'

HISTJOUA DO BRAZIL. I!

'Viero ellas com effeito ^ e pelas .cordas que tinha./ ainda em torno cio pescoo o -lesaro para a rea :#> forips homens seu caminho e todas as mulheres se j reuniro! volta d'le. Tinha Hans sido posto inte^- > ramente nu no acto da captura :* ellas vlt*iitt;devtodos os lados at satisfazerem a curiosidade, odfpo 3 em quanto umas o toroavo nos braos, puxava asfiq outras as cordas, quasi at o estrangulareM.* Euto^t3 diz elle,pensei no que nosso Senhor sofreb-idiisfpwiwp') fidos Judeus, c isto me deu foras e i%s%nacoi<Bii:I) seguida levro-no 'para casa do cacique Uratiag*J'' Wasu, o Passarela Branca; entrada se tinha er -0 * guido um banco de terra, e alli o assentaro, susteu-iv tando-o para que no cahisse. Aqui esperava ee que fosse o logar do supplicio, e volvendo olhos em tornou para ver se estaria'prompta a maa do sarifiwlo perguntou se tinha agora de morrer. Ainda no, folio a resposta. Acercou-se ento uma mulher, com; um ir. pedao d vidro quebrado posto n'um cahir, com / este instrumento lhe rapou as sobrancelhas," e pritt^ cipiava ja a extender s barbas a mesma operao* >b id J quando Hans se oppoz, dizendo que queria morrer; 'HA .)< com ellas. No insistiro por ento as mulheres;, masH; alguns dias depois corlro-lhas com um par?de Xe e c. 2. souras francezas. ;;t>4 , SU^ID
r

D'alli o levaro deante da porta do tabernaculo, onde se guardava a maraca ou matraca de adivk nhao; amarrro-lhe um fio de matraquinhas; , o

HISTORIA DO BRAZIL.H 26-7 voka de cada perna, e na cabea lhe pozeEo um co- 1552; car quadrado.de pennas direitas. Duas mulheres se lhe eollocro dcada kde,: ordnando4he qmeidanasseao som das eantigas dfellas^Mal podi^ elle ter- > se;,tanteIM dok a ferida., masque no danasse ! E-haraaide ser com, compassa nos seus movimentes, para que ostornozelosma traqueassem com cadncia, Era esta dana o Mirasse, e parece ter sido uma ceremonia religiosa em honra da marm* Concluda L ella foi o prisioneiro entregue nas mos de Ipperu .$ Wasu em pagamento do que lhe devia o sobrinho, 3 D'elle soube Hans que tinha ainda algum tempo para T
Stade.

viver. ,P.4,C.,M. Trouxero-se agora para fora todas as marotas, V mawca. Da fructa do mesmo nome, espcie, de abobara ou cabao capaz de conter trs quartilhos, se faz este orculo familiar das tribus brazileiras. Espeto-na num pau; seguro-lhe svezes do topo cabello hu- mano, e para representar a boca abrem-lhe uma r . fenda, pela qual os seus bonzos, a que do o nome de pogs, fazem sahir as respostas. Dentro lhe mettem sim. ue vasc alguns seixos para matraquear, e das. pennas verme- 4otcTnt. lhas do goaraz lhe fazem uma coroa. J ' s 16 Cada homem tinha a sua maracai. Foro todas Befende-se
,. . , TI 1
COm n5

Se

disposlas em circulo e no meio teve Hans de assentar- iPortuguez.; se, comeando os selvagens a dirigir-se a ellas, cantando, e dizendo que a sua predico se realizara, que promettera um prizioneiro portuguez, e eisvhi

286
,592;

HISTORIA DO BRAZIL.

que elles havio trazido um para casa. Ouvido isto* tomou Hans a palavra, e negou que o vaticinio n'elte s verificasse. Mentia a maracase o chamava Porto guefc, por quanto era elle AHemo,- e Os AHemss ero amigos e alliados dos Francezes^ Responderia os Tupinambs com calma, qne era elle o meniirosqB, pois amigo e aliiado dos Francezts como fora viver entre os rtortuguezes.? Bem sabemos, disserSo, que ds Francezes so to inimigos dos Portuguezes como ns mesmos; jodos os annos vem aqui, e nos trazem canivetes, tesouras, machados, pentes e espetou, em troca do que lhes damos1 madeira, algodo, pi[menla e plumas. Os Portuguezes so povo mui diferente. Quando chegaro pela primeira vez ao paii, foro logo ter com os nossos inimigos, fazendo alli an com elles,' e erigindo entre elles cidadesf/em que residem; depois vierao aqui, para traficarem com noscoy como fazem agora os Francezes, e quando os nossos,; no curdosos do perigo, foro a bfmio como hospedes, elles aprizionr todos, e levwios eoitisgoos entregaro aos nossos inimigos, que os devorassem. Muitos dos nossos irmos teem depois d'isto sido mortos s suas balas, e'd'dle:sof/ris muito damno. < >.>.'<>. :.. Contro^lhe ento os dous irmos que o paef levado o 'brao por u m pllouro, morrer- da ferida, pelo que n'elle vingavo agora aifuella morte. Hans protestou' contra; nenhuma razo podia haver, dizia

HISTORIA- D O RRAZIi. 269 elle, para n'elle se vingar, tal mexe; no, era Portu- l552> guez, mas naufragando n'um navio casetiatiOj fora assim arremessado ao memd'tqt#e povo. >NW:ero B, Tupinambs inteiramenle dieslituidos de todo o snttawwto de justia. Havia mite elles ura .rapaz, .quecahira uma vez no poder dos Tupiniquins; tinho estes sorprehendido uma taba eoapturado todos os habitantes; os adultos, havio-nos comido, e as criamas reduziro-nas escravido, cabendo este rapazimWa um Gallego de Bertioga Conhecia este a THhB, epor tanto foi chamado para testemunha. Depoz elle que alli naufragara^ uma nau pertencente aos Castelhanos, que ero iniijigos dos Portuguezes, tendotse achado n'ella este estrangeiro; mas que era isto o mais que sabia. Ao ver os {selvagens procederem a inquirio sobre a excepo peremptria que ' apresentara, concebeu Hans alguma esperana de salvao* Sabia que devio existir no paiz alguns interpretes francezes alli deixados com, o fim de irem junetando pimenta para o trafico; repetiu pois que : era amigo e irmo d/elies^ e protestou contra ser comido antes de visto e reconhecido por algum d'aqueli nao. Pareceu isto razovel pelo que foi posto em estreita custodia at que apparecesse npporlunidade de submettel-o prova requerida. . i*..e.s4,. NSo.tardou muito que a Uwal&ibi viesse um d'estes o interprete interpretes;. correro os selvagens aonde estava o PortuKuez. prizioneiro. Ahi chegou um Francez, clamaro, e

270 HISTORIA D O BRAZIL. 1552. agora vamos ver se es da nao drelM ou no. Grande foi o seu jbilo ao ouvir estas palavras1. Pensava que o homem fosse chrislo, e que por nenhum respeito falaria contra elle. Foi introduzido o interprete; q^ie era um jovem l i m a n d o , e que se dirigiu a Weem francez na presfeta dos ndios. A resposta1 delfetas nenhuma duvida deixava sobre no ser elle #V quella naS; no podio os Tupinambs peftfetfb, mas o miservel immediatamente lhes disse na prpria lingua d'elles : Malae o birbnl'e comei-o ; um Portuguez to inimigo nosso como vosso. Pelo amor de Deus o conjurou Hans que d'elle litesse do", e o salvasse de ser devorado, mas o Francez resphdeu-he; que comido havia de ser. Ento, diz elle, recordei-me as palavras do propheta Jeremias : Maldiclo quem nos homens pe sua esperana. Tinha elle sobre os hombros um vestido de linho, que os selvagens lhe havio dado, por nica coberta: na sua agonia arremessou^o aos ps do Frahcez, exclamando : Se devo morrer, para que preservar estss minhas carnes, que teem de servir-lhes de pasto! Os ndios o tornaro a deitar na sua rede, Deus me testemunha, diz elle, quanta no fdi ento a minha dr. E com voz sentida puz-me a cantar um hymmo. Ja no ha 'duvida, vociferaro os selvagens, que um Portuguez, pois esl berrando com medo da morte. Reslveu-se que morreia, e apromptou-se r. t, C'26.T tudo para a ceremonia.
Stade

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E m q u a n t o assim vivia n'esta m i s r i a ; conta H a n s , 1S2experimentei a verdade d o diclado, qme n u n c a u m a disgraa vem so. 0 novo mal q u e motivou esta r e flexo^.foi u m a violenta d r de dentes, intensa a ponto de tornal*o eadaverico, segundo elle p r p r i o r e f e r e ; m a s o medo e o soffrimento ero bastantes para de per si produzirem este effeito, sem a dor de d e n t e s . Observou o senhor d'elle com inquietao o seufastio, e ao saber a causa apresentou u m i n s t r u m e n t o de p a u , com q u e s e dispunha a livrado do d o e n t e 1 ; Hans gritou q u e a dr era passada j a ; seguiu-se u m a lucta, e m q u e elle conseguiu eximir-se d a operao. ' O s e n h o r p o r e m o admoestou com bondade que comesse, dizendo-lhe qUe se continuava a e m m a g r e e e r , em ves de e n g o r d a r como convinha, seria precizo comel- antes o t e m p o . ' *c- **< Passados a l g u n s dias foi Hans m a n d a d o c h a m a r por Cunhambebe, cacique d e -toda a t r i b u , e p o r e n t o residente na aldeia dieta Arirab. Ao approximar-

seoievitt'grande estrondo de buzinas e algazarra* e entrada viu fixadas em altos postes quinze cabeas le Margais ultimamente comidos. Depois de lhe terem mostrado significativamente este tropheo, adeantou-se um guarda e batendo porta da casa do
Nas Noticias, Ms., se diz (2, 51), que os dentes d'estas tribus )io ero susceptveis de se deteriorarem. Mas a promptido com que n'este caso se recommendou a extraco, implica certamente o conhecimento da dr de dentes.
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272 HISTOBIA D O BBAZIL. 1552 cacique, gritou : Aqui tra/emos o teu escravo portuguez, para que o vejas. Bebia o chefe com os seus companheiros, e todos, esquentados com a bebida, encararo Hans severamente, bradando-lhe: O^h, inimigo, esls aqui!Aqui estou, respondeu elle, .'Ce.2. mas no inimigo; e ellesdro-lhe do seu licor. Tinha Hans ouvido falar d'este regulo, que era famoso no seu tempo, e um cruel anlhropophago Dirigindo-se pois personagem que pelo grande collar de conchas lhe pareceu ser elle, perguntou? lhe se no era o gro Cunhambebe? Recebendo.resposta affirmativa, principiou a elogial-o o melhor que pde, dizendo-lhe quanto o seu nome era celebrado, e quo dignas dos maiores encomios ero suas proezas. A mais v das mulheres no se houveja, extasiado tanto com estas lisonjas. Ergueu-se q sejk vagem, himpando de prazer, e poz-se a marchar deante do seu prezo para melhor se deixar admirar. Voltando finalmente ao seu logar perguntou o que os Tupiniquins e Portuguezes forjavo contra e)le,.^ por que Hans lhe fizera fogo da fortaleza, pois sabia quem tinha sido o artilheiro. Respondeu Hans que alli o havio posto os Portuguezes com ordem de fazer o seu officio; mas o cacique retrucou que lambem elle devia ser Portuguez, pois que no entendi* o francez, do que era testemunho o filho d'eHe Cunhambebe, o Francez, como o chamava. Hans admnV tiu isto, allegando que por falta de uso desaprenda^

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a lngua. Tenho comido cinco Portuguezes, disse o feroz Tupinamb, e todos lles se prtendio Francezes. Em seguida perguntou que conceito d'elle fazio os Portuguezes, e se muito o temio. Respondeu Hans que no damno'recebido tinho os d Portugalbom padro por onde medir o homem que elle ra; mas Bertioga estava agora mui fortificada. Ah! exclamaro os ndios, ns matas nos havemos de eCOnder apanhar outros, como te apanhamos a-ti Disse ento Hans o cacique que os Tupiniquins no tardario a vir com vinte e cinco canoas a ataCl-O. No fez escrpulo d'ta espcie de traio na esperana de com ella captivar a boa vontade de seus donos e salvar a vida. Entretanto toda a kaawy se exhaurira n'aquella casa; passro-se pois para outra osbebedores, ordenando ao captivo que os seguisse; amarrot-lhe o filho de Cunhambebe as pernas uma k outra", e fizro-no saltar emquanto elles rio e gritfvo: Vede o nosso manjar a pular. Dirigiu-se fle a Ipperu Wasu, perguntando se era alli que devia niofrer. A resposta foi que rio, mas que tudo isfos practicava sempre com Os escravos estrangeirsv Tendo-0 visto danr, ordenro-lhe agora que cantasse; cantou um hyhino; exigiro elles a interpretao; que er louvores a Deus foi a resposta. Principiaro elles ento a escarnecer do Deus dos christos: as blasphemias dos idolatras arrepiaro
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as carnes de Hans, que no seu corao admirou a longanimidade do Senhor para com esta gente., No dia seguinte, estando a aldeia ja farta de vel-o, foi despedido o prizioneiro. Recommendou Cunhambebe aos aprezadores que o guardassem bem, e todos os foro perseguindo com novos chascos e remoqus, e que brevemente se tractaria da festa. Mas o dono d'elle deu-se grande trabalho para consolal-n, asseStade. v.VeT. verando que ainda estava longe a epocha. Fizero os Tupiniquins a sua expedio, ejsuccedeu ser Uwattibi o logar que investiro. Conjurou Hans os seus aprezadores que. o soltassem, e dapdoIhe arco e settas verio como combatia pqr elles, apezar de o terem por inimigo. Isto fazia elle na esperana de poder romper pela estacada, e acolherse ao meio dos seus amigos. Deixro-no combater, mas vigiavo-no to cautelosos que impossvel lhe foi levar a cabo o intento; falhando o golpe com que esperavo levar de sorpreza a praa, e encontrando. vigorosa resistncia, recolhero-se os invasores^ suas canoas, e retirro-se. Frustrro-se. as esperanas do pobre Hans, nem dos seus servios colheu a menor gratido. Tornaro, a mettel-o no seu calabouo apenas terminado o assalto; e de tarde trouxero-no para a rea, fecharo volta d'elle o circulo, e fixaro o dia de matal-o, insultando-o como de costume com suas expresses de feroz alegria. Era no ceo a lua, e fitando n'ella tristes olhos, pediu

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elle a Deus que lhe pozesse um termo feliz a estes 1552 soffrimentos. YeppipoWsu, que era um ds chefes da horda, e n'essa qualidade convocara a assemblia, vendo quo attetto cbristo tinha a vista erguida, prguntou-lhe para que olhava. Ja Hans no rezava; eottmplava arara da lua, e phantasiava-a irada. Sua alma estava* quebrada, seus espritos abatidos p'o continuo terror, e n'aquelle memento stavaIhe parecendo,- diz elle, que era aborrecido de Deus de todas as couzas por Deus creadas. A pergunta so a meio o despertou do seu phantasiar, eelle respondeu que aa claro estar irada a lua; Quiz o selvagem -saber contra quem, e ento Hans.como eahirido em si, replicou que ella lhe olhava para a casa. Pol-o isto furioso, e Hans julgou prudente dizer que talvez " s a lua fitasse olhos to colricos sobre os Carijs, Opinio a que assentiu o chefe, imprecando que ella os exterminasse todos. i\i><>.t%wNa manh viero novas deterem os Tupiniquins incendiado a taba de Mambueba, abandonada pproximao d'elles. Preparou-se Yeppipo para ir coma maior parte1 dOs seus ajudar os habitantes a redificarem-na ; rcommendou a Ipperu Wasu que vigiasse bem o prezo/ e prometteu trazer barro e farinha de mandioca para a festa. Estando elle assim ausente chegou de-Bertioga um navio, deu fundo perto da costa e disparou um tiro. Tinho os fupiniqnins visto Hans na batalha, e dado aviso do logar

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Stade. P. 4, c. 3-2

eslava, sabido o que se despachara este barco a obter o seu resgate se fosse possvel. Olha, disseroIhe os seus aprezadores, teus amigos os Portuguezes viero saber de ti, e offerecer resgate. A isto respondeu elle que talvez fosse seu irmo, que tambm vivia entre os Portuguezes; e isto o dizia para remover a suspeita de que fosse elle d'esta nao. Foi uma partida a bordo, e s inqueries que se fizero, deu respostas taes que o patro se fez outra vez na volta do mar, dapdo Hans por ja comido. Viu este o barco dar vela, em quanto os cannibaes exultavo sobre elle, exclamando: Apanhamol-o ^apanhamabo! E elle o que queramos que fosse! Os outros mandaro navios atraz d'elle! E esperava-se de volta a cada a hora a partida de Mambucaba. Hans ouviu um clamoroso uivar na choa de Yeppipo Wasu; costume dos selvagens do Brazil quando apoz uma ausncia de alguns dias lhes volvem os amigos, saudal-os com lagrimas., e lamentos ; assim pensou que ero chegados os da expedioT e com elles a sua ultima hora. Disserqrllie porem que um dos irmos de Yeppipo volvera so, ficando doentes todos os outros; com o que secretamente se alegrou, esperando que Deus o salvaria milagrosamente. No tardou a apresentar-se 0 recemvindo, e assentando-se-lhe ao lado, principiou a lastimar a sorte do seu irmo e parentes, que todos tinho cahido feridos de molstia, pelo que vinha a

on(je

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pedir-lhe que orasse por elles, pois Yeppipo cria que o Deus dos christos fizera isto na sua clera. Respondeu Hans que o seu Deus estava em verdade iroso por quererem comer um homem que nem era inimigo, nem Portuguez, mas que faria o que podess com silas oraes, se o chefe voltasse casa. Tornoulhe o irmo que estava o outro por demais doente para isso, masque bem sabia que Hans o curaria, comlanto que rezasse. Insistiu o prizioneiro que se Yeppipo tivesse foras para recolher-se sua residncia, alli o curaria. A' casa voltaro pois todos. Yeppipo chamou Hans e falou-lhe assim: Disseste-me que a lua olhava irada para a minha casa, e agora ve-nos prostrados pela doena. Foi o teu Deus que tez isto em clera. Tinha Hans esquecido a conversa a respeito da lua; vendo agora que assim lh'a recordavo, elle prprio a accreditou como tendo sido prophetica, e respondeu que se Deus estava irritado, era por quererem elles comer quem no era seu iirmjgo. Prometteu ento o chefe que elle no seria comido, se os curasse todos. N'esls protestos no tinha Hans mais que medocre confiana; era para recear a volta do ppetite d'aquelle anthropophago, mas no o era menos a sua morte, pois o resto da horda supporia auctor "ela o seu prizioneiro, e provavelmente o mataria para que no causasse mais malefcios. Tentou pois, satisfazendo-lhes os desejos e no sem ter elle prprio

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alguma fe no remdio, a imposio das mos. Morreu primeiro uma criana; depois a me de Yeppipo, velha, que em Mambucaba se tinha entretido com fazer pucaros para a festa; tambm morrero dous dos seus irmos; mais um dos.filhos., ao lodo oito pessoas da famlia. Em logar de abalar a fe do selvagem em Hans, s serviu isto de fazer com que mais instasse com este.; que o salvasse a elle e sua mulher. Disse-lhe o improvizado medico que podia ter alguma esperana se estava em verdade resolvido a no soffrer que o comessem em caso nenhum, alias que a abandonasse toda. O enfermo protestou que a menor inteno no tinha de comel-o, e convocando toda a horda, prohibiu-lhe que jamais ameaasse com a morte o prizioneiro, nem-se quer pensasse em ma.tal-o. Esta epidemia fizera de Hans uma personagem terrvel; um dos chefes o viu ameaai-o em sonhos, e de manh logo veio procurai?, promettendslhe com todas as veras, com tanto,* que o poupasse, no so nunca ser causa da sua morte, mas nem mesmo em caso de ter elle de soffrel-a, comer de suas carnes um nico bocado. Outro que nunca se restabelecera d'uma indigesto do ultimo Portuguez que comera, sonhou tambm com elle e da mesma sorte veio supplical-o que no o exterminasse: As prprias velhas, que o havio atormentado demnios, agora o vinho afagar, mes carinhosas chamando-o filho, e pe^ dindo-lhe as suas graas. Juraro que^ todo o mal

HISTORIA D O BBAZIL. 270 que lhe. tinho feito, ou meditado fazer-lhey fora por 1552. engano; tendo-o supposto.um dos Portuguezes, povo que odiavo.>Mas bavioi, comido muitos d'estes, e nunca o seu Deus por tal se indignara contra ellas. A barba, que Hans com tanta magoa perdera, appa#eeeu*gora tambm como bom testemunho em seu Ifcvor; erasvermelha como a d'umFrancez e ellas vaqte as dos Portuguezes ero negras. Foi esta uma doena de bom agouro para elle; Yeppipo e sua mulher recuperaro a sade, e ja se po falava mais na .festa, mas sem que por isso afrouxasse a vigilanciacom que era guardado. . & P. 4,0.53-35. ; Passado algum tempo voltou a Uwatlibi o interprete france;. tinha andado a junclar pimenta e plumas, e ia agora caminho do porto aonde devio vir os navios. Contou-lhe Hans; toda a sua historia, pedindo-lhe que dizesse aos selvagens.- qqem elle realmente era, e conisigo o levasse; e o cpnjufou que se sentia em si a menor centelha; de humanidade cnrst ou alguma esperana de salvao, no se tornassereo da sua morte. Respondeu o homem que o haviatomadopor um dos Portuguezes, e que estes ero to cruis queenforcavo lodo o Francez que apanhavo no paiz. Agora porem disse aos Tupinambs que se equivocara, que o prizioneiro era um Allemo e amigo dos Francezes, e propoz leval-o em sua companhia. To longe no ia a gratido dos ndios. No, replicaro., nem por isso menos elle

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nosso escravo, capturado como foi entre os Portuguezesv Venha seu pae ou seus irmos por eHe n'um navio; trazo machados, tesouras, navalhas, pentes e espelhos, com que resgatal-oye ento ir. Assim lhes affianou o Francez que se faria, e prometteu>a Hans ser seu amigo quando chegassem os barcos.*!' -. Ido o interprete, perguntou Alkindar ao prezo, se este homem era seu compatrieio, e sendo-lhe respondido que sim : Por que ento, disse, no te deu elle um canivete, ou outra coza assim, com que me izesses um mimo? Parecia que os benficos effeitos da epidemia se io desvanecendo. A senhora d'elledd-s zia que Anhanga ou o espirito, mao vinha visitai -a de noute, perguntando onde estava a maa dos sacriuV - cios, e por que a,havio escondido. Alguns priatpiavo a murmurar com dizer que portugueza ou a e p.'4 . 36. franceza o sabor da carne era o mesmo. ?iw Estavo os habitantes de Tickquarippe**, que fi*! cava a breve distancia, para matar um escravo mr gaia; uma partida de Uwattibi foi festa e levou Hans^ comsigo. Na vspera do sacrifcio foi este ter comlar victima, e disse-lhe que a sua hora estava prestes a soar. Sorriu-se o homem, e respondeu: Sim, tudo est prompto, excepto a mussarana (corda de algodo, que se lhe devia passar volta do corpo); mas as mussarana aqui so mui outras do que ns as te1

guarippe?

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2!
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mos: no nosso paiz. E poz-se a falar do que ia ter lgar no diaiSfigointe, como se se tractasse d'um banquete em que elle fosse conviva. Deixou-o Hans, e sentouse a ler um livro portuguez, que os selvagens, tendo" o havido d'uma preza feita pelos Francezes, lhe tinho dado; mas incapaz de desviar d'este Margai o prprio pensariiento, e talvez no satisfeito com o que lherdissera, foi de novo ter com elle, para accrescentar:No vaspensar, amigo, que vim aqui para ajudar a comer-te, pois sou eu tambm prizioneiro, emeus^donos me trouxero. E tractando de dar-lhe a melhor consolao, explicou-lhe como, apezar de terde ser comido o corpo, entraria a alma em melhor mundo, para ser bemaventurada: Perguntou o selvagem se era isto verdade, pois que elle nunca vira Deus. Na outra vida o vers, replicou Hans. De noute levantou-se um temporal desfeito. Clamaro logo os ndios que era obra d'aquelle maldicto excenjarador para salvar o prizioneiro, sendo amigos Mai^ais e Portuguezes. Hontem o vimos, dizio, a vdtar as pelles de trovo, com o que querio designar as folhas do seu livro. Felizmente para elle clareou pela manh, e celebrou-s sem interrupo

Slade

festa.--

::'/- p*. a <= e 3'-

Volvio por gua Hans e seu senhor; o vento era violento e ponteiro e a chuva incessante ; todos convidaro o prezo a que lhes desse bom tempo. Vinha na eanoa um rapazinho, que da festa trouxera um

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OS so

HISTORIA DO .BRAZIL. em que ia agora roendo; disse-dhe Hans que o

deilasse fray mas no houve quem no clamasse que era aquillo um delicioso acipipe. Continuou o-tempo humido e tempestuoso, de modo que, gastos trs dias no caminho, que no era para mais d e um, ivero os ndios de alar para terra as canoas, e ir por terra o resto. Cada um tomou o mantimento, que tinha antes de pr-se em marcha, e acabado; e bem polido ja o osso, longe o arremessou o rapaz. Foriose dispersando as nuvens, Hans perguntbu.se no falara verdade, aflirmando que Deus estava irado com aquelle menino, por comer carne h u m a n a ? Mas os selvagens replicaro que nenhum mal teria acontecido, se o christo no tivera visto comer o tal osso, e olhando-o assim como a causa immediata, no restado. ./ ~ . >\ i>. 4, c. 38. montaro a outra mais acima. i:& "h}-. Traco em Vividos assim cinco mezes n'este duro captiveiro, de guerra, chegou de S. Vicente outro navio, por quanto Portuguezes e Tupinambs costumavo commerciarje guerrearem-se simultaneamente entre si. Careoifo aquelles de farinha de mandioca para os numerosos escravos que tinho nos engenhos d e assucar; quando um navio, sahido procura d'este gnero, chegava a um ponto, tir..va um tiro. Dirigio^se ento a elle dous selvagens n'uma canoa, mostravo o que tinho yenda, e ajustara-se o preo em navalhas, anzoes, ou no que para isso havia a bordo. Em distancia pairavo outras canoas, at conclui-se

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1552.

lizamenle o escambo; apenas feito isto, e recolhidos os dous corretores, principiava o combate, brbaro mas conveniente arranjo. Ao affastarem-se os dous traficantes, perguntaro os Portuguezes se Hans vivia ainda, dizendo que eslava a bordo o irmo, que trazia algumas couzas para elle. Quando q. prizioneiro soube d'isto, pediu que o deixassem falar com o irmo, dizendo que er para que o pae mandasse ufn navio por elle e mercadorias para o resgate; nem os Portuguezes entenderio a conversa. Isto o dizia elle por que tinho os Tupinambs ajustado uma expedio do lado de Bertioga, para agosto seguinte, e receava queihe suspeitassem inteno de dar noticia d'este plano. Acreditro-no elles na sua simplicidade e levro-no at tiro de pedra do navio. Gritou Hans logo que so lhe falasse um, pois havia affirmado que ningum seno seu irmo podia entendel-o. Um dos seus amigos, encarregando-se d'este papel, contou-lhe como vinho enviados adverse o podio remir, devendo, se fosse rejeitada a proposta, apoderar-se d'alguns Tupinambs, que por elle podessem trocar. Pediu-lhes elle pelo amor de Deus, que nenhum d^stes^,meios tentassem, mas que dissessem que era um Francez e lhe dessem alguns anzoes e canivetes. Promptamenle o fizero elles, indo algumas canoas%mar os objectos. Revelou-lhes ento Hans a projectada, expedio, eelles pela sua parte o informaro que seus alliados se dispunho a

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'S *-

atacar outra vez Uwattibi, e que no perdesse o animo. Deu-se por findo a parlamentear. Hans de a seus senhores os canivetes e anzoes, promettendolhes muito mais quando viesse o navio buscal-o, pois havia contado a seu irmo quo bem era alli traclado. Os selvagens foro tambm de opinio que o tinho tractado com muita bondade, mas ainda lh'a mostrario maior agora que era claro ser elle Fran* cez de alguma importncia : permitliro,-lhe'pois acompanhal-os s florestas e tomar parle nas suas
. . .

Stade.

v. 4,c m. oecupaes ordinrias. Havia na aldeia um escravo carij, que, lendo-o sido dos Portuguezes, fugira para os Tupinambs, com os, quaes vivia ja trcsannos, mais tempo do que Hans estava no Brazil; apezar cPisto por algum estranho teir, que lhe tinha, no cessava de instigai seus senhores a matarem-no, declarando tel-o vista por muitas vezes fazer fogo contra os TupinamS^b por signal que fora at o matador d'um dos seus ea> ciques. Cahiu este homem doente, e foi Hans crii&p dado por seu senhor a sangral-o, com promessa d'*] quinho na caa, que se matasse, se o curasse. O ins-T trumentode sangrar era um dente agudo, com que, no estando costumado a manejal-o, no pde Hans abrir a veia. Dissero ento os selvagens, que era homem perdido, e que nada mais havia, seno matal- o, para que no fosse, morrendo, tornar-se incomi^' vel. Indignado representou Hans que bem podia o

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enfermofestabelecer-se, mas nada valeu. Tirro-rio da rede, dous homens o mantivero direito, pois estava to mal que nem podia ter-se nem dar accordo d que com ellefazio, e o dono lhe partiu o craneo. Traetou ainda Hans de dissuadil-os que o comessem, fazendo-lhes ver que o corpo estava amarelloda molesrtia, e podia causar peste : mas elles o mais que fijero por este respeito, foi deitarem fora a cabea e os intestinos e devoraro o resto. No deixou Hans tambem.de ohservr-lhes que este escravo, que sempre fora sadio, so cahira doente, quando principiou
r

Stade.

a maehinar-lhe a morte. P. *, c. 40. Chegado era agora o tempo da jornada para que Fugeanad
'

os Tupinambs se preparavo havia trs mezes; con- ^> francez, tava elle que o deixario em casa so com as mulheres, recebe, e ento fugiria. Antes de vindo o dia da partida, chegou um bote d'um navio francez, que estava na bahia dfcfcRio de Janeiro; vinha a mercadejar pimenta, macacos e papagaios. Saltou em terra um homem que falava a linguagem dos Tupinambs, e Hans pediu-lhe que o levasse para bordo; mas seus donos no o deixaro ir, resolvidos a haver por elle bom resgate. Quiz Hans ento que os ndios fossem com elle,,ao navio, mas tambm isso lhe recusaro, dizendo que aquella gente no era sua amiga, por quanto lendo-o visto to nu, no lhe dera um vestido com que cobrir-se. Mas os seus amigos estavo a' bordo do navio, insistiu elle. 0 navio, retrucrro os

para um l

s-286 HISTORIA D O BRVZIL. 1552 selvagens, riO daria vela, antes de finda a expedio, e ento sria ainda muito tempo de Ia o levarem. Mas ao ver largar o bote, no pde Hans reprimir o seu vehement desejo de liberdade; saltou pra a frente, e correu na direco do escler ao longo da praia. Perseguiro-no os selvagens, alguns o alcanaro, elle os repelle a golpes, deixa todos atraz, mette-se ao mar e nada paia o batei. Recas os Francezes recebel-o com receio de offendrem' os ndios^ eHans, resignando-se ainda uma vez coma sua ma estrella, teve de nadar para terra. Ao verem* no voltar, exultaro os Tupinambs^ ms elle affeclo-s colrico por terem-no julgado capaz'de fugir, quando fora unicamente dizer aos seus conterrneos que preparassem um bom presente para quando se . . f k fosse a bordo'. ' '' ^'r cciemonias De muitas ceremonias so precedidas as expdiparur para a es hostis. A cada momento se dirigio os velhos
guerra. .i ' _ -

aos moos, exhortando-os a irem guerra. Um orador doo, quer percorrendo toda a aldeia, quer sen* lado na sua rede exclamava : Como! este c exemplo que nos deixaro nossos pes, que assim esperdicemos nossos dias em casa! Elles que sahio, pelejavo e conquistavo, matavo e devorvo? Soffrererhos que os inimigos, que antes no podio supprtar o nosso aspecto, venho agora bater s nossas portais, e nos,lrazo a guerra a casa?... E batendo rias espadoas e quadris, accrsceritar : No, ho,

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Tupinambs! Saiamos, matemos, comamos! Duravo s vezes horas os discursos d'este jaez, escutados cama mais religiosa atteno. Em todas as tabas da tribu se consultava sobre a escolha do logar, a que devia dirigir-se o ataque, e fixava-se o tempo para
. . i~ "

De ,Lery.

a jppuo e partida. c. 13. tnia vez por anno corrio os Pgs todas as ai- ceremonias
^ religiosas dos

deias.iandavo avizo da sua vinda, para quo lhes pre- Tupinambs. parassem os caminhos. As mulheres do logar que devia Receber esta visita, io>duas a duas por todas as casas, confessando em altas vozes todos os delictos commetdos contra seus maridos, e pedindo perdo d'elles^ e.caegados os Pags ero acolhidos com oanas e cantares. Pretendio que o espirito vindo ff- 39dos confins do mundo, lhes dava o poder de fazer a maraca responder s- perguntas, e predizer os successos. "limpava-se a casa, excluio-se mujheres e crianas, e preseritavo os homens as suas maracas adprridas de pennas vermelhas,) para que a estas se coaiferisse o dom da fala. Assentavo-se os Pags no topo da sala, tendo a sua prpria maraca erguida deante d'elles: perto d'ella se fixavo as outras, e cada homem dava o seu presente aos charlates para que no fosse esquecida a sua. Concluda esta parte essencialissima do negocio, ero as maracas fumigafls com petm fior meio d'uma canna comprida; toma ento oPag uma,leva-aboca, emnda-a falar; parece safeir d'ella uma voz aguda e fraca, que os

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selvagens acredito ser a do espirito, e os bonzoses mando ir guerra e vencer os inimigos,;pois que aos gnios, que habilo a maraca, apraz que os satisfao com a carne dos prizineiros; Cada um toma ento o seu orculo, chama-o seu querido filho, e vae cuidadosamente repol-o no seu logar. Do Orinoeo ao Prata no teem os selvagens outro algum objecto visvel a que prestem culto. Em algumas occasies faz-se ainda maior ceremonia, a que Joo de Lery assistiu uma vez por acaso, Tinho elle e outros Francezes ido de manha cedo a uma aldeia de Tupinambs, pensando almoar alli. Acharo todos os moradores, em numero de seiscentos pouco mais ou menos, reunidos na rea: entraro os homens n'uma casa, as mulheres em outra, as crianas em terceira, e os Pags intimaro s mulheres que.no sahissem, mas escutassem altentas a cantar, e com ellas, mettro os Francezes. iego se ouviu ym som, que partia da casa, onde esfayet os homens: cantava o He-he-be-he, que as mulheres, rebelio (dj^ mesma forma. No era o canto ao priav cipio em clave, mui alta, mas continuou por um quarto de hora inteiro, subindo sempre,,a tornam; se um grito prolongado e horrvel. No cessavQ os cantores entretanto de saltar, arquejandQ-dhes os peitos e espumando as bocas, at que alguns cahiro sem sentidos, chegando de Lery a acreditar que estavo todos realmente possessos. As crianas erguio

HISTORIA D O BRAZIL. 289 lambem a nu?sma berraria pof conta prpria; e os ,552trs Fwmcezes no se vio m pequena afflico, como erafcatral,sem saberem o que o demoriiaisse lembraria de" fazer. Apz curta pausa principiaro os homens aantar rio mais doe e delicioso tom. De Lery sentiu ttm encanto tal que resolveu irvel-s; eunfeora as mulheres procurassem retel-o, e um interprete normando lhe dissesse que em sete annos, que tantos vivia ja entre os ndios, jamais ousara assistir ao que alli se passava, elle, confiando na sua intimidade com alguns dos chefes, sahi e practicou iwHethado um 'rombo, pelo qual com seus companheiros viu toda a ceremnia. iEstavIo os homens postos em trs crculos distinctos. Todos se inclihavo para deante, o brao direito passado atraz das costas, o esquerdo pendente; agitavo a perna direita, e n'esta attkude danvo ecantavo; de indefinivel doura era o seu canto, e despao a espao todos batio com o p direito, e cuspo no cho. No centro de cada circulo'se vio tres quatro pags, ri'uma mo a maraca, e na oatra um cachimbo ou antes canna occa, com petun; matraqueavo com os orculos, e soprvo o fumo para sobre os homens, dizendo ".Recebei o espirito da bravura, com que venas os inimigos. Durou 9to duas horas. Era um hymno em commemorao dos avs aquelle canto; choravo-nos, mas exprimio a<esa*peHia de,'quando a *seu turno passassem as
i. 10

290 HISTORIA D O BRAZIL. isr.2. montanhas, danar e exultar com elles; depois era um bramido de vingana contra os inimigos; que no tardario a conquistar e devorar, a matraca o promettera. 0 resto do cntico, se ao interprete- , normando se pde dar credito, referia uma rude tra-K. 15.' dio do dilvio. :>~h'> Ainda por outros modos de adivinhao devia^f, porem confirmar-se a auctoridad dos sacerdeles: orculos. Consultavo-se certas muiheresvque tinh^ recebido o dom da prophecia. Este era o modo de;., conferir tal faculdade. Comjjennfumigava- o paga aspirante, mandando-a depois gritar quanto podessftjc,;, e saltar a bom saltar, e dar voltas em redondo, ner: rando sempre at cahir sem sentidos. Tanto que ella voltava a si affirmava o bonzo que ella stivera mrjnj e elle a resuscitara, e desde ento era mulher experta. Quando tambm estas adivinhas promettio a victeria,;i restava para os sonhos o ultimo appello. Se muUoS da tribu sonhavo com comer os inimigos, era signalijj; seguro de triumpho; mas se ainda maior numero* sonhava que ero elles proprios,os comidos, desistiar se da jornada. A.mas. P r meados de agosto poz-se Cunhambebe em marcha com trinta canoas, levando cada uma seus vinte e oito homens. Teve Hans de acompanha-los; io para Bertioga e projectavo porem-se de.embs-* cada e apanhar.outros, como o havio apanhado* elle. Levava cada um sua corda passada volta d

HISTORIA DO BRAZIL.

291'

corpo, com que amarrar os prizineiros que fizes-" 1552. semi Alem d*istorimaarma d pau, chamada- mamm, tinha e cinco seis ps de comprimento, e reraatata, em frma de colher, porm chata; media a folha'cerca d'um p na maior largura, no centro teria a grossura d'um dedo, mas ero cortantes os01 dous lados. Feita do pau ferro do Brazil, no era meaostremcnda que uma acha de batalha esta arma; * e to^dextramnte o ninejavo os ndios, que de LeFy-obsferva, que umTupinamb assim armado daria qufazer dous soldados de espada. Da mesma madeira ero os arcos, ja vermelhos, j pretos, maisi compridos e grossos do que se usava o no velho continente, nem havia Europeo que os vergasse. De corda lhes servia uma planta chamada tocou, e apezar de delgada, to rija, que a tirar por ella a no partira um cavallo.- Menos de vara no mdio as settas, curiosamente fabricadas d trs pedaos, sendo de' juneoodo meioede madeira pzadae dura os das extremidades. Com algodo lhes grudavo as pennas,; e oU era de osso a ponta, ou d'Uma folha de junc ^ secco, cortada pelo feitio d'uma lanceta antiga, u . da -espada d'um espcie d peixe. Incomparaveis freieheros ero aquelles selvagens. Com licena dos Inglezes, diz de Lery, que .tanto primo n'esta_ arte, deve. dizer que um Tupinamb tiraria doze seitas antes" que um Breto despedisse seis. As armas d logo" os aterrvo, em quanto lhes no, comprhen-,

292 HISTORIA D O BRAZIL. 1552. (iro a natureza; mas logo que percebero que era mister carregar o mosquete para que tornasse a servir, em pouca conta livero tal arma, dizendo que, emquanto se preparava uma, fazio elles voar seis flechas. Nem to pouco consideravo elles as balas mais formidveis do que os seus prprios farpes, dos quaes no havia escudo, nem couraa que livrasse. 0 que verdade que nas suas mos no ero iao lethaes as armas do fogo, como .apontadas contra elles : os Francezes lhes vendio plvora, mas era tal, que trs selvagens carregavo um canVle boca, um o sustentava, outro fazia a pontaria,e um terceiro lhe chegava a mecha, sem que houvesse risco de exploso1. Pelles de anta, do tamanhfe figura da d'um tambor, lhes servio de escufJos. Ero de casca de arvore as canoas, e elles as remavo de p, tomando a pa pelo meio, e implljrido a folha larga para traz na gua. No se davo pressa, antes se io divertindo pelo caminho, e parava a pescar na foz dos rios, uns soprando buzina, outros uma rude trombeta formada d'uma especiede aJjao comprido, outros tocando fraulas fabriadasde . ossos de inimigos. Quando na primeira noute mandou Cunhambebe fazer alto, sahiro a terreiro s maracas; ao som d'ellas danaro todos at mui avanada hora, quando .
1 Dos milagres, que relata S. de Vasconcellos, alguns se explicito pela qualidade da plvora.

HISTORIA DO RRAZIL.

293
1552

d cacique deu ordem de recolher e ir sonhar. Tambem aHans se ordenou que sonhasse, mas, dizendo elle, que no havia verdade em sonhos, pediro-lhe qe conseguisse do seu Deus fartura de prizineiros para,elles. Ao nascer do sol almoou-se peixe, poz o que contou cada um o seu sonho; o assumplo de todos fcil de imaginar-se: sangue e matana e banquetes anthropophagos. Treriiia de esperana o pobre que encontrassem estes ndios a expedio bem mais poderosa, que aparelhavo os Tupiniquins, ou que, chegado ao logar da aco, lhe fosse possvel a fuga. Infelizmente, em logar d'isto, sorprehendrp cinco canoas de Bertioga, que, a poz porfiada rata alcanaro. Conhecia Hans toda a malfadada tripolaco, entre a qdal vinho seis mamelucos chrisos como ento se chamava a raa mesclada. Ao snurtarem a distancia que os separava.da preia, rguio os Tupinambs suas frates de ossos de gente, s fazio soar seus collares de dentesfle humanos, vogando e exultando com a certeza da victoria. Apezar Ia disparidade do numero, por duas horas no deixp os mamelucos approximar-se o inimigo, at que * lahindo mortalmente feridos dous, e acabando-se os, outros as settas e armas de arremesso, foro feitos
. . . '

Slade.

irjzioneiros. p.4, c. 42. .Apenas posta em seguro a preza, fizero os venedores fora de remo para o logar onde na ultima mote havio armado as redes. Alli foro mortos e

';294 HISTORIA DO BRAZIL. 1532. feitos m postas Os prizineiros, que estavo mortalmente feridos. Gravro-se no cho quatro foreafos, tt'stes se' travsro estacas; e nJeste engenho seccou-se antes que no se assou a carne. Esta machina de madeira se chamava bucanj e butahtd o alimento assim defumado secco, donde'veio o nome a essa raa extraordinria de buartvrs, que por tanto tempoforooflagicitdos Hespanhoes tfSAmeriado Sul. N'aquella noute se immolro dous christos, Jorge Ferreira, filho do capito de Bertioga, e um tal Jeronymo, parente de dous outros prizineiros. Dormio os selvagens, e Hans foi ter cornos Sobreviventes, entre os quaes seachavo Diogoe; Domingos Braga, dous irmos, que foro dos! primeiros que se estabelecero "em Bertioga, e ambos antigos ntimos d'elle. A primeira pergunta dos desgraados foi, se serio comidos. Pouco conforto linha Hans que dar-lhes, nem lhes disse seno queseriaoque Deus quizesse, em quem devio pr toda-a sUa esperana, pois su divina bondade- havia apraido deixal-o viver a elle at ento, coriiO vio; Perguntaro pelo seu parente Jeronymo1... b orpoosem ventura estava ento no btican, e parte do de Ferreira ja devorada. A' vista d'isto desataro a chorai. Disselhes Hans que no havia porque desesperar;'ja-que o vio'milagrosamente guardado oito mezes;' e no mui arrazoadamnttrctou de convencel-os, deque, nopeor dos casos, nHo podia a couza ser to dura

.HJSTORIA DO BRAZIL.

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.295
1552

, pai (jpeni^ nascido no Brazil, estava costumado a. , estes cruis e brbaros hbitos, do que o teria sido para elle, estrangeiro rindo d'uma, parte do mundo -p^dji/talie no,(practicava. Poderia elle ter fugido iftilW.RpM* noute* mas receou que a sua fuga povov.caria os Tupinambs .a matarem immediatamenie os ,..f|rizie;neiros, pejo que era do;seu dever aguardar .), outrosm^ios,, de salvao, pois que impossvel no c. efa;Ubertar comsigo os novos companheiros de infortnio. Ter assim pensado e assim obrado, grangeou, lhe um titulo estima das gentes. ,.-<,i N^dia seguintedirigiu-se elle tenda de Cunhamhehe,. a quem perguntou o que se propunha fazer /doschristos.ComelrOs, foi a resposta. Tolos foro . ,em;virpom os nossos inimigos, quando podito. ter ficado em.casa, e comotolos,morrero. E prohbiu ^a Hans, que tivesse, relaes com elles. Aconselhou ,, ^tj que. se esperasse resgate,, mas o selvagem no -quizsaber.do.conselho. Havia ao lado um cesto cheio de carne humana, do qualtomandoum dedo assado, o.poz o cacique boca de Hans, perguntando-lhe se , comeria. Respondeu o Europeo que nem as feras de. voraviio as da prpria^espcie.. Cravando os dentes na .iguaria, exclamou olndio : Pois eu sou um jaguar,
e gOStO d'StO.
t

t>.4,c. 43,44.

. '. De tarde ordenou Cunhambebe que lhe apresen" lassem todos'Os prizineiros. STum terreno plano entre as matas e o rio formaro os aprezadores um

296 J HISTORIA D O BRAZIL. 1552. circulo, no centro do qual os collocaro: ao som das maracas ergueu-se o canto. Terminado este, disserSo^ os Tupiniquins : Coirio valentes vnhamos do nosso paiz, a atacarmos, a vos, nossos inimigos, e matar." vos,,e comer-vos: vossa foi a victoria, e lendus^ufls? nas mos. No importa; os bravos morrem valentemente.no paiz dos inimigos. Ampla a nossa ptria, e povoo-na guerreiros, que no deixaro sem vingana a nossa morte. A isto tornaro os Tupinambst Tendes aprizionado e devorado muitos dos nossos, e agora em vs os vingamos. U.JS/. > J / .No terceiro dia chegaro os vencedores sjsuas prprias fronteiras, onde, repartidos os prizionetOM^ se separaro. Oito selvagens e Ires christos coubero em partilha a Uwattibi. O resto, queficavados dous, ja bucanados, foi levado para casa e guardado para uma festa sqlemne; por trs semanas esteve5 parte de Jeronymo pendente sobre a lareira da casa, em que residia Hans. A este no o quizero levar ao nasrh> sem que se acabasse a fesla, e anles d'issbfez-sedevela a embarcao. Nenhuma esperana lhe restava agora, seno a consolao, que lhe davo, de virem navios todos os annos. Veio porem um tempo, em ' que elle deu graas. Providencia por esta benfica contrariedade. Tinha este .baixei capturado-no Rio de Janeiro outro Portuguez, e dado aos selvagens um dos prizineiros, para que o devorassem : sua era* tambm a tripolaco do bote, que recusara recolher

H ISjTjO*IA- DO. BRAZiL.

297

Hans quando a nado fngia de terra,, e o interprete 1^i" nownandoyifue aco^elhara;o$iTupinambs a que o coessemKiaegalmentea bordo. Pois nem, talvez seja dklgw3>*mtisfaoo para & leitor, como o foi paraflansvisaberque a vinganade Deuspezava sobre stild0. eatasdesalmadoss eque todos os tragou o oceano. P. '5,' < . si. sFoi :agora Hans tcaspassado a'outro senhor, um cacique da aldeia de ifacwarasulibi. Antes de deixar Uwattibi deu os prizineiros portuguezes as melhores instcuces, que pde, sobre o caminho que devio seguir, se achassem meios de escapula. Foi despedido d'ura*ialdeia com grande reputao de predizer successos futures, curar molstias e arranjar bom tempo; e com o respeito devido a to eminentes qualidades recebido na outra. Logo disse ao novo senhor que seu irmo tinha de^vir por elle; e felizmente ouviu-se passados quinze dias um tiro de pea na vifiinha bahia do Rio de Janeiro. Pediu elle que o levassem a bordo do navio, mas os selvagens nenhuma pcessa tinho. Soube porem o capito que elle estava alli e mandou dous homens a ver de que modo o liraario de to triste captiveiro.'Disse-lhes Hans que um devia fazer de irmo d'elle, e dizer que havia trazidomeucadoriias para elle, obter^lhe permisso deiir a bordo, e fingir que tinha de ficar no paiz at aocutro anno para preparar um carregamento, p ja que era agora o amigo dos Tupinambs. - s, c. 52. Se fora boa a combinao do plano, melhor foi a Escgpuie-se

298 I HISTORIA DO BRAZIL. 1552. execuo. Hans e o seu senhor foro a-bordo; e alli -1 ficaro cinco dias: ento perguntou o selvagem pelas mercadorias, e quiz volver para terra. Mandou Hans mostrar-lhas, declarando-se prompto a acompanhal-o, mas pediu mais algum tempo para haaquetear;com os amigos; e assim engodando-oCom carnes e bebes, foro entretendo o adiquc a bordo at-que o barco completou o carregament."EiHta; estando a ponto de dar vela, agradeceu o capito aoTupiriamb o bem que lhe tractara o seu conterrneo, e disse que os convidara, para dar-lhe a elle presentes em reconhecimento, e tambm para confiar mais mercadorias ao cuidado de Hans, que devia ficar no paiz como feitor e interprete. Mas este tinha dez irmos a bordo, que d'elle se no podio mais separar, agora que o tinho tornado a encontrar. Dez da tripolaco representaro bem os seus papeis; insistiro com Hans que volvesse ptria, para que o pae lhe visse o rosto antes de expirar. Nada melhor se podia haver imaginado para libertar o captivo, deixando satisfeito o senhor. 0 capito disse que desejava que Hansficasseno piz, mas que muitos em numero ero os irmos, e elle um so. Pela sua parte protestou Hans que ficaria da melhor vontade, mas os irmos o no deixavo. Sobre elle choraro ohonrado Tupinamb e sua mulher, recebero um rico presente de pentes, navalhas e espelhos, e partiro e p. 5, c ss. mais que contentes.

HISTORIA DO BRAZIL.

299 *852-

Foiassim, que Hans Stade recuperou a liberdade, apozteBtasdecepes e perigos. Teve ainda a infeli< cidade desahir mal ferido d'uma aeo com esse mesmo navio portuguez, que linha ja sido enviado a nlraclando seu resgato. Restabeleceu-se porem, alcanou a ptria, e escreveu a historia das suas aventuras. Livro de grande valor este, nem -as noticias posteriores acerca das tribus brazileiras ampHOy so remetem as informaes que elle contem.

300
1552.
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HISTORIA D O BRAZIL.
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"'CAPITULO YIII

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TIIOBS de Souia governador general do Brazil. Leva para a AdserioS primeiros jesutas. Funda-se a cidade de San Salvador, Principio os jesutas a converter os naturaes. Obstculos que encontrao. AnUiropphagia.r>- Lingua e estado das tribus tupis.: > . _ . Af:_q
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M a i c s jo Meio sculo tinha decorrido da conquista doBragentTno zil; e lanto capital havia alli ja enterrado, que principiaro estas colnias a olhar-se como possessesde no pequena monta. Grandssimos ero os inconvenientes do systema existente : cada governador de capitania exercia illimitada auetoridade, o que equicast.Lus. vale a dizer que tambm abusava d'ella. Estavo a" propriedade, a honra e as vidas dos colonos merc d'estes senhores, e gemia o povo sob a oppresso intolervel1. Chegaro as queixas aos ouvidos do rei; pezou este as vantagens quepromettia o paiz* especialmente para o cultivo do assucar, e o "perigo de lograrem os Francezes estabelecerem-se alli, ganhando os naturaes sua parcialidade; e resolveu revogar os poderes dos differentes donatrios,
Tal a linguagem de Fr. Raphael de Jesus. Todos os outros escriptores ou dizem simplesmente que o systema era mo, ou que a elrei aprouve mudal-o.
1

tffSTORIA DO BRAZTL.

30*

deixando os na posse de suas concesses, e nomear t55'2um governador general 1 com plena alada civil e WOmeia-se militar. Foi Thom de Souza o escolhido para este a? ^eS Nolicias elevado cargo, fidalgo, bem que bastardo, experi- Ms.2,2. menlado nas guerras d frica e da sia. Levou instEuces para fundar na bahia de Todos os Sanctos unia cidade, forte bastante no so para itnpor respeito aos indgenas, mas tambm para poder resistir aos ataques de qualquer inimigo mais formidvel; sbia previsto esta de competncias europeas. Devia CJ"- del chamar-se de S. Salvador2 e estabelecer-se alli a D*If2UL sede do governo: uma pomba branca com trs folhas " sU." aeoliveira no bico em campo verde*, foro as armas ,Idd-12'^ dadas nova cidade. Aparelhou-se uma expedio composta de trs gfelees, duas caravlas e um bergantim, indo na armada trezentas e vinte pessoas ao soldo d ^ r e i , quatrocentos degredados * e duzentos
a! Fn. Gaspar da Madre de Deus, 1, 15, de opinio que Martim Affpnso trouxera o titulo de governador da Nova Lusitnia, por que bvVchamado gobrrtadordas tertaso Brazil, n'uma escriptua, e ' -g(mador em todas estas terras d Brazil em outra, ambas laJfjidas em S. yieente. A concluso no parece necessria, antes certo que os differentes capites exercioauctoridade inteiramente independente uns dos outros. -; :'i &i ' . * Cidade do Salvador, a chamam todos os documentos contemporneos, e no de S. Salvador. F. P. * Azul e no verde era o campo das armas concedidas futura cidade. F. P. * Boa droga ou semente para novas fundaes, e de que nascro tfestas conquistas os principaes e maiores abortos de vcios, escndalos e desordens, exclama Jaboato n'esta occasio, arrastado

7M

HISTORIANDO IJHAZTL.

1552,

oitenta colonos, prefazendo todos o numero dmil. Foi Pedro de GoSj o ml aventurada donatari>! da"Parahyb/eomo capito da frota : assim teve ao menos a satisfaeo*de ver erguesse uma capifef no paiz, que elle tanto amava, e em que vira naufragar sua fortuna. Embarcaro n'esta xpdior seis tosuitas, os primeiros que viu o Novo Mundo. ' >-. 1 ; Era D . Joo III o grande bemfeitor dos Jesuta^!' seu primeiro, segurssimo e mais til amigo; J*mandara S. Francisco Xavier ao oriente, e aeoraf"
' D

ostra-se o

\l fconve?- princrpiavno a dar-lhe cuidado as almas dos seus mneiros. subditos brazileiros. Supersticioso at ao ultimo pofltoj tinha Joo III tambm verdadeira, dev&or^ sua riial dirigida f fazia d'elle um escravo de fr^mulas absurdas:, e tornava-o crure intolerante para''os que seguio outro credo; mas- tanto produzia o mal como o bem. Um zelo leal e sincero o animava j de derramar a sua religio por entre os pagos; e o |/christianismo, ainda quando desfigurado e aviltada pela superstio, sempre pelos preceitos moraes" intrnsecos e d'elle inseparveis, uma grande e.p^ derosa alavanca da civilizaro, um grande e nes^' ' timavel beneficio. Confiou elle agora este enearg a Fr. Simo Rodrigues ', um dos primeiros discpulos
por um sentimento filho tanto do seu bom senso, como da sua profisso, 107. 1 O auctor equivoca-se dando ao P, Simp Rodrjgpez, o tratamento de Frei : porquanto no eram os Jesutas fradres e sim clrigos regulares. F. P.

HISTORIA DO BRAZIL.

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de Loyola, e que tinha introduzido a ordem em Por- 1552tugat, tofnafido-se grande favorito d^l-rei:^Desdemuito que o Padre Simo ambicionava uma misso entre o gentio. Escolhido ja antes para companheiro $?;|0 e Xavier, havia elle sido retido em Lisboa por ser- Jesu,t,ca" viosiimrios brilhantes, embora no menos importantes para a companhia; e agora esperavaque, concluda a sua obra em Portugal, onde bem arraigada ficava a^ordem, se lhe permittisse dedicar o resto da vida aos selvagens do Rrazil. Pzaroso como ficava por separar-se d' elle* cedeu o rei a suas vehementes instncias: annuiu Loyola, e resolveu^e que elle partiria tanto que Fr. Mar*.' tinho de Sancta Cruz voltasse de Roma, aonde fora por matria de mui subido alcance para a provncia, jesuitteaeml*orfugal. Morreu Martinho, e to grande pezqdenegcios devolveu a sua morte sobre o Padre Simo, tornando to indispensvel a sua presena na psevincia, que foroso lhe foi abandonar a espe^ rana de ser o apstolo do Brazil. Nomeou pois chefe: da misso em seu logar o Padre Manoel da tal1 Nohrega, a quem deu por companheiros os Padres iTsui* Joo de Alpiscueta, Antnio Pires, Leonardo Nunes, e os irmos leigos Vicente Rodriguez e Diogo Jacomo. vasc. chr. da To grande parte tomaro os Jesutas na historia da i, ii-i.
A "J o

America do Sul, que estes primeiros nomes se torno dignos de memria. Era Nobrga Portuguez e de nobre famlia. Vendo fugir-lhe uma honra collegial,

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B TelleS

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304 HISTORIA D O BRAZIL. 1552. a qqe era candidato, e a que se julgava com melhor direito do que o seu feliz rival, renunciou ao mundo n'uma velleidade de desgosto1; mas mal pensava elle ento que esta renuncia devia fazel-q representar n'esse mesmo mundo um papel muito maisimportante, do que d'outra frm lhe caberjia com todos os seus talentos e lisongeiras esperanas,^ Funda-se a Em abril de 1549 chegou a armada Bahia. Vivia
cidade de > " .....,

velho Caramuru tranquillo e soegado.a p. 2/c. 2. breve distancia da deserta cidade de Coutinho. De grande prestimo foi elle ao governador, coriciIiana^)T lhe os nimos dos Tupinambs, em quanto Marcos8 Alvares, um de seus filhos, estabelecia por egual forma boa harmonia com os Tapuyas. Reuniro^se os. ndios em grande numero paia verem o desembarque, mas tivero de depor os arcos, antesque.se approximassem, sendo este o penhor de paz. Aquartelro-se os Portuguezes no velho estabelecimento,, como num campo forte, mas Thom de Souza no gostou da situao; celebrou-se a missa do. Espirito Saneio.ptes de se passar a escolher outra melhor, Nobrega. fixando-se a escolha n'um logar, meia lego dalli,
,
1

Noticfadsr e n t ^

Div.Avisi.53.

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Andra, abundante de fontes e quasi cercado de agiia, VenDeterminou ispicar-secomomundo, affroldfe repudil-o, como o mundo ofizeracom elle. Sim. de Vasir. C. C. i, 9. < t 4 Marcos se chamou um dosfilhosnaturaes de Caramuru, pelo^ue talvez fossefilhode me tapuy^. Jaboato nos d extracto tfum manuscripto, que reputa coevo com Thom de Sdua, e que contem umn narrao da famlia d'este aventureiro. ' *

HISTORIA DO BBAZIL.

305
,552

ridos da influencia do Caramuru, do bom proceder do governador, edos thesouros trazidos para escambo, trabalharo os Tupinambs voluntrios nas edificaes. Drias baterias se erguero do lado do mar, e qitr do da terra; principiou-se uma s, um cplle*io para os Jesutas, um palcio para o governador e o uma alfndega; tinha el-rej tomado a si a colnia e tudo se fez n'essa conformidade. Em quatro mezes1 estavo em p um cento de casas, e muitas plantaes de canna de assucar nas visinhanas. Por este tempo foi um dos colonos morto a oito legoas .da nova cidade por um indgena, circumstancia que poz em grave risco o recente estabelecimento. No podia ioverriador deixar passar o delicio, sem exigir a entrega do delinqente, que fora issd'dar calor aos naturaes, ensinando-os a desprezarem-lhe o poder; e se os Tupinambs acaso protegessem o criminoso, rio estava ainda a fortaleza em es"lado de defeza. Felizmente tinha sido o selvagem manifestamente o aggrssor,-pois que foi entregue; e amarrado boca d'inia pea o mandou Thom de Souza atirar pelos ares, desfeito em pedaos. Mais humano para o padecente, mais terrvel para os espectadores, no ha supplicio imaginvel. Encheu de terror os Tupinambs e fi til lio aos colonos, que se abstivero de metterern-se imprudentes entre os ndios. Em pouco
1

A carta de Nobrega dalaMa de 10 de agosto. i0

.#

506 HISTORIA DO BRAZIL. 1552. tempo estava erguida uma muralha de barro, como ,m fortificao provisria sufficiente para tal inimigo. Noiiwga?' No aunoseguinle chegaro supprimentos de toda a Noticias s Ms.j 4 espcie," e calculou-se em 300,000 cruzados a des2, c. 3-4 peaa total dos dous armamentos. ,,Veio no terceira anno nova armada, na qual mandava a rainha muias_ orphs de famlia<nobre, educadas ncrespecjjvot convento; havio de ser dadas em casamento aoj& officiaes e receber da fazenda real negros, vacas e s.vasc. c. c. egoas.de criao. Vinho lambem rapazesworphos,.. BV.8AVS. para serem educados pelos Jesutas; e anno poriam, chega vo navios com supprimentos e reforos^fSfti vigorosas medidas asseguraro o bom resultado;: rapidamente cresceu a nova colnia, e da sua pios-/ peridade participaro as demais capitanias.., Todas: as visitou o governador, proveu s suas fortificafiSi U MS.2, C!'4. e regulou-lhes a administrao da justia. ,.M>,C/:M ., Proceder dos ", Desde logo principiou da parte dos JesnitaSopufl com os naturaes < esse systema de beneficeai^ de que estes jamais se afastroat a sua extinco couw ordem. Grandes e numerosos ero os obstaculMIl coriimettida empreza. Aqui no podio elles,, ooaiflB judiciosamenle havio feito no Oriente, acconjmi|M a ensinada doutrina crena estabelecida no paiz,< com o que persuadio o povo que antes reformavo eelucidavo uma religio antiga, do que pregiiro outra nova, levando assim o gentio a conformar se. com o que reputavo essncia do christianisinq,. con-

HISTORIA DO BBAZIL.

..

307

formando-se elles prprios com o que lhes podia 15i soflftta ltitudinaria prudncia, Mas a religio, o Anthropoorglho, ealfllegria dos selvagens barazileiros ero p e"' as suas festas *nthropophagas, e no tendo os Europecfral ento procurado refrear este costume ep ire os eus aMiadosy mais diffioil s tornava extirpal-o. Jitvia como um interprete francez aconselhava os Tupinambs, a que comessemflans como Portuguez, Cos Portuguezes permittio da mesma frma que os seus alliados olhassem os inimigos como feras, que cumpria destruir e devorar. Ainda mais; como estes banquetes tornav mais externai n adora a guerra,, parecia-lhes boa politicaacorooal-os, e por esta poltica ,, se peprimia, como de costume,1 o horror natwtd da humanidade, e se tinho em nada os mais saneies mandamentos da religio. Sacerdotes, guerreiros, mulheres criahasy todos olhvo esta pfactioa abominvel cm igual deleite,* cate igual interesse. Era o triumpho do vencedor, era um sacrifcio expiatrio aos manes dos irmos Inieidados; era a festa publica em que as velhas aOribavo os seus mysterios domsticos; era o dia detfcMlo para os rapazes. Se o demnio da. mytholo-; giiOraana inventasse um escolho em que se partiwnsi os esforos para converter estes povosj no o achara melhor nem mais efficaz; por isso lambem lhe attribuiro os Jesutas todo o mrito da inveno. ;i

308 1552.
Cel quTsf

HISTORIADO BRAZIL.

J na historia de Hans Stade se representaro; os primeiros aotos d'esla tragdia"; tinho-lhe rapado
.. .

observocomr

mcapiivo.

barba e as sobrancelhas, e passara elle peJa cere* monia da dana: as scenas finaes seguio-se n'egta. ordem. '' Em quanto se fazio os preparativos da festa, designava-se uma mulher para guardar o prizionro e cohahitar com elle, sem que o aprezador escrupu1 L.2 *C?29. Hzasse em dar para isto a irm ou a filha, Era-opia
De Lery. . . . .

nio d'elles que ofilhoprovinha unicamente dospae, recebendo sim nutrio e nascimento; da me, aada tonsequen- mais porem1. D'esta opinio se tirava uma horrvel
cias da
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ger."o consequeneia; deixava-se crescer a prole-d ur oaptivo: as eireumstancias do logar do seu nascimento e criao nenhum sentimento humano a favoF-d'ella provocavo; no se esquecia que era do sangue e carne dos inimigos, e logo que se achava para isso nas condies mais favorveis, era morta e devorada'..
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De curiosa maneira a sua linguagem o exemplifica. 0 pa chamava Tair o filho Tgir a filha, m e chamva-os ambas Minbir. *0 vocabulrio dado por. Margraff com auxilio de Manoel i e Moraes, parco como , indica a etymologia d!estas palavras, explicando-lhes a differena. Tagni significa sangue, e Membir produzir; quer pois a palavra paterna dizer filho do meu sangue, em quanto a materna diz filho, que produzi. Seguio os antigps Egypcios a raesm? opinio, pelo que nos diz Diodoro que nenhum dos seus filhos se_ reputava bastardo, enteridendo-se que a nfie nada fornecia, seno o logar e a nutrio. Poruma extranha. infercncia d'esta Iheoria chamavo machos as arvores fructiferas, e fmeas as estreis. Diodoru* Siculs. B. 1,'c. 6. 2 Cunliamenbirs se chamavo estas festas, que quer dizer filho $wm

HSTORI DO BRAZIL. 309 fficiava como matador o mai& prximo parent-da 4552 tri" qoai^abi o primeiro boado. Ms a nattfreia Notas. ftumanaijpsWicipa tanto d'essa bondade origimrl, de rferrera.' au prcede^que jamais pede; perverter-se totalmente. Muitas vezes as mulherestoriiavo substancias, que ipipvoeavaooborto, no querendo passar p|la misria de terem trucidada a profe; e no raro favfecio a fuga-dos tristes maridos d'alguns>dias, pwido-lhes comida nos bosques, e at escaplindo-se eonVelles. freqentemente succedeu isto a prizineirosporluguez.es; os ndios brasileiros porem julgave deshonrosa a fuga, nem era fcil persuadil-os a tomarem-na. Tambm por vezes se achava uma me, que resoluta defendiao filho, at vel-o em estado
, . Noticias.

Ms 2 6 9 de vencer o caminho para a tribu paterna-. >7 yftgeparavp 9s mulheres seus vasos de barro, Anou em fezio o licor para a festa, e torcio a musswan ou v!Tml'. m^rida corda de algodo, com que se ligava a victjnia.. Nada havia e m q u e se dessem tanto trabalho como em >fazer estas cordas; de to maravilhoso entranado as fabricavo algumas tribus, que se suppe

*flttoli)o; sgrihdoas ffoticiasdo Brazil, 2, 69.' \ significao literal i filho (fuma mulher, que no systema dsTndios indica o mesmo. O dilogo, que De Lery refere, fora-lhe dado por um interprete, que vivera sete annos entre os Tupinambs,' e ara mui versado no grego, lingi.a donde, dizia elle, se derivavo muitas palavras d'estes selvagens. No pouco extranho que um homem que entendia grego se visse em tal situao : excepto com tudo n'estes vocbulos, cunha e fjri.' no posso cliar analogia notvel.

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HISTORIA DO RRZIL.

cada uma producto da industria d'um anno. Unio-se algumas n'nm lao, d'um,intrincado apuro, de que poucos vinho a cabo. Depois de prompts mergulhavo-se n'uma espcie de visco branco, seccvo-se e cuidadosamente enroladas guardavJHse n'#rii vaso novo pintado. Algumas das principaes personagens veslio-se para a eeremnia; cobrieio 6 ^Div.^vis "' corpo de gomma, com que seguravo pennas mhiDfii.ery.'8. das *, primorosamente coordenadas por suas cres. Fazio fios de plumas, com que ornavo a ytra pemme, ou clava do sacrifcio, enfeitavo-na com br-, coletes de conchas, e untavo-lhe a folha de gommft. sobre que espargia um po fino, feito de cascas dn ovoscr de cinza. Gom um ponteiro traava n'este po uma das mulheres qualquer figura inforritevem quanto todos danavo a volta d'ella; pssando-se depois a decorar a cabea e rosto da victima plo modelo da maga. Pendurava-se ento a arma; eprincipiava a festa de beber, a que assistia o prizioneiro, la e h. 2,c'29. tomando parte tambm nas libaes. Era de descano o dia seguinte: os effeitosda embriaguez provavelmente assim o torna vo necessrio, erigia-se comtudo na rea uma choa para 0,Cap1

1552.

serja

esta pois uma das modas primordiaes dos Americano^. De Lery

supp, que os primeiros que viro d'estes selvagens empennadosa alguma distancia, tomario por cabello as pennas, donde nasceria o erro de os representarem como pelludos. Mas esta opinio prevalecia antes da descoberta da America, e o selvagem das antigas mascaradas, derivava provavelmente dos satyros a sua arte.

HISTORIADO BBAZIL.

311,

tivo, e alli passava elle, sob boa guarda, a ultima I552noute da sua vida. De manh, seis ou sete mulheres das mais velhas, no raro, segundo se diz, de,cem.e 4xnloe vinte aunosdeidade, o esperavo aporta: io nuas, mas ibesuritadas de vermelho e amarello>com collares e cinclos demitosfiosde dentes das queixadaStds que ellas havio ja devorado.; Levava cada uma seu pote, em que receber o quinho que lhe coubesseriosangueeentranhas d'esta nova victima; e fazio linnir estes vasos u ns. contra os, outrns ao Vasc_ Yida daarem e nivarem volla do desgraado, Demolja- sfsTw!' se acabana, e limpava-se a rea. As mulheres trazio para fora a mussurana dentro da sua urna, e depunho-lha aos ps: entoavo as bruxas, que presidio aestesmyslerios diablicos, um canto demorfe, em que o resto as acompanhava, em quanto os homens paasavo o lao volta do pescoo da victima,, apanhavo as pontas, e as deilayoao brao da mulher, queirabaoprezo a seu cargo, e que s vezes precizava de quem a ajudasse asupporlar opezo. Alludia o caoto ao prezo do lao; Somos, dizia a letra, os P"* que alongo o pescoo do pssaro; e em outro logar buriava-se do pobre, que no podia soltar-se ; Se foras um papagaio, damninho aos nossos campos, bateras as azas e fugiras. . W Agora tomavo vrios homens as pontas da musmrana, puxando para todos os lados e deixando sempre lio meio o prizioneiro. Durante todas as ceremo-

312 * HISTORIA D O BRAZIL, 1552. n i a ^ mostrava-se este to disposto a morrer, como elles tia matarem-no, e insultava-os, ;dizendo-Hifj| quo bravamente pelejara contra elles, e gritando a um que lhe derribara o pae, a outra que lhe bua-, uara o filho. Depois de ter isto durado arrazoado espao, ordenava-se-lhe que se' fartasse; de contem-* plr o sol, pois que no mais o veria. Ao lado lhe punho pedras e cacos de cntaros, e dizi-lhe que^ antes de morrer vingasse a sua morte,, o que peado como estava pelas cordas com que de todos os lados o puxavo,, e cobertos como os sacrificadores estavo com seus escudos, elle no raro fazia custa1 d'estes. Concludo^isto accendia-se-lhe deante'a fogueira em que se lhe havio de assar os membroaiTSabia* depois o terreiro uma mulher com a yucara-r pemme, roda da qual tinha havido deseantar e danar desde o romper d'alva; trazia-a tambm dan? ando e berrando, e ia brincar com ella cara; da, victima. Um dos homens lh'a tomava da mo, e apresentava-a direita ao captivo,- que a visse bem. Descia agora rea o que devia servir de magasrfe^ com quatorze ou quinze amigos escolhidos, vestidos de gomm e pennas ou de gomma e cinza. Elle prprio vinha sempre emplmado. O que tinha a clava apresentavaTa a esta principal personagem da.festa; mas o cacique da horda intervinha, tomava-a elle mesmo, e passando-a com muitos gestos extravagantes para deante e para traz por entre as pernas, assim

HISTORIA DO BRAZIL.

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iihi a- entregava ao. matador, que se adeanlaa ento para okppfflioneiro, dizendo : Olha, aqui estou eu, que'vou matar-te; porque tu.e o teu pov tendes morto edvOriado muitos dos nossos irmos. J)ava o outro em, resposta: o ..azar. da vida; muitos1 so osi .meus amigos,) e elles me vingaro^ Feito isto, o>miHiibaiT brazile,iro (muito mais clemente do Li,e2'Lcy9' queatribustseptenlrionaes anthropophags) ator- c"15" deta,a victima ou fendia-lhe o craneo de um so

HHimediatamente se apoderavo do corpo as mulheres, quevairastando-o para a fogueira alli o esealdavo e esfolavo. A que cohabitara com o prizioneiro, exprimia algumas lagrimas poucas sobre elley e fazia consistir o seu pundonor em alcanar, sendo'possvel, o primeiro bocado. Os braos cortavo-nos rentes pelos hombros, e as pernas acima do joelho, e tomando cada uma o seu membro, danavia quatro anulheres volta da rea. Abri-se ento o tronco. Deixavo-se os intestinos smulheres, que os>!fervio e comio em caldo; cabia-lhes egualmentea cabea; mas a lingua e miollos eroquinho das crianas, que tambm se besuntavo de sangue. 0 dedo pollegar punha-se de.parte, pelo prestimo que tinha nafrecharia, arte a respeito da qual ero os ndios singularmente supersticiosos : o que d'elle se fazia no liquido, sabe-se so que no era comido como o resto. s partes carnosas io para o bucan,

514 HISTORIA D O BRAZIL. 1552. e depois de curadas freqentemente se guardavo para outras festas. > A todas estas operaes presidio as velhas, que pelo muito valor que adquirio por estas occasi^s, exultavo sempre como verdadeiros demnios sojbre um prizioneiro. Punho-se ao lado do bucan^-aparando a gordura, que cahia para que nada se perdesse, e lambendo os dedos n'este maldicto mister No havia parte do corpo que no se devorasse; e para que todos os presentes provassem do seu inimigo, se ero mui numerosos, cozia-se n'uma enorme caldeira um dedo da mo ou do p, e servia-iserp caldo roda. A cada cacique1 que ou pela distancia a que se achava, ou por doente no podia comparecer, mandava-se um pedao, de ordinrio umamft, ou vasc vida Ve^ m e n o s u m dedo. Os ossos dos braos epejf7.fCd7a' nas guardavo-se para fazer flautas; os deiitesse enfiavo em collares; o craneose arvorava entrada da aldeia, ou servia de taa para os banquetes, iv. AV. ;;7. maneira dos antigos Escandinavos. 4 V Em memria honrosa do seu feito, tomava um cogrime o auctor da festa, e suas parenlas corrio por toda a casa, proclamando-lhe o novo titulo., 0 cacique da horda fazia nos braos do matador acima do cotovello escarificaes, que deixavo indelvel marca, e era esta a condecorao a que mirava, toda
Os selvagens do Brazl denominavam os seus maioraes de mombixabas e no de caciques. F. P.
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HISTORIA DO BRAZIL.

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a ambio, era o mais honroso distincti*o. Alguns sarjavo o peito, braos e coxas n'estas occasies, e esfregavo as incses com um p negro, cuja mancha nunca mais se apagava. Depois d'isto mettia-se ohme da festa na sua refle e punha-se todo o dia lirar ao alvo com um arco pequeno; receoso- de qe a matana lhe tivesse feilo perder a arte de frechar. Entre algumas tribus espregavo-lhe o pulso com um dos olhos do morto,'e penduravo-lhe d r bta a boca guiza de bracelete. finho os selvagens aprendido a olhar a carne humana como a mais preciosa das iguarias 1 . Por mais deliciosos porem que se reputassem estes banquetes, o maior sabor vinha-lhes sempre da vingana satisfeita; e era este sentimento, o pundonor. a elle lgdo, que os Jesutas acharo mais difficil d extirpar. Da -vingana tinho os indigenas brazileiros feito sua paixo predominante, exercendora pelo
i^tn']' . . . . . - : '.''.'

J0^2c:, ii.

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Um Jesuita encontrou um dia uma mulher, na extrema baliza da edadee ja era artigo de morte. Depois de catchizada, e instruda na doutrina hrist segundo cria o bom do padre, que ja lhe reputava jradji a alma, poz-se elle a perguntar se haveria alguma qualidade de alimento que ella pdesse tomar. Minha av, disse, empregando o tractmnto que por cortezia sedava sveihbs, se eu vos dss agora um poucoohinho de assucar, ou alguma das hellas couzas quetrazemos :^i)|era mar, parece-vos que comerieis?... Ah! meu neto, tornou-lhe velhariophyta,o estmago tudo me rejeita. No ha seno uiha couza <pt creio poderia debicar. Se eu tivesse a mozinha d'm rapaz tapuyabem pequeno e tenro, parece-me que lhe chuparia os ossinhos; mas, ai d mim, no ha quem saia a caar-me um! Vasc. Chr. 3a Comv., 1, 49. ""*

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mais mesquinho motivo, para com o que davKypnsto e fora a uma propenso j por si assaz forte. Comi o rptil que os molestara, no brincando, como o macaco, mas confessada mente pelo gosto da? vingana. Se um dava uma topada n'um pedra, enfurecia-se contra ella, e mordia-a como um co; se Nobrega. u r na Setta o vinha ferir, arrancava-a e troncava-lhe
Div.Avis.

*DefLery. a hastea. Quando apanhavo n'uma cova alguma fera, LizFigueira. matavo-na pouco a pouco, para a fazerem soffrer
ArtedaLinl l

goabraziiica. m a i s q Ue podio. Tinho ate exclamaes prprias que usavo para exprimir o triumpho e o prazer que sentio ao verem ou ouvirem relatar o martyrio d'um inimigo. ;'' costumes Nem todos os indigenas brazileiros ero anthror <a s 1 tnpis- pophagos. Parece que raa tupi trouxe do interior este costume, que se encontra em todos os ramos d'este tronco 1 . Foi por elles que os Jesujtqs ...derjio principio obra da converso. J muito se tem dicto
Extranhas noes devia o abbade Raynal ter a respeito das.tribus americanas em geral, e em particular das brazileirasj quandodisse*, que os Portuguezes no deverio ter empregado outros meios por introduzir entre ellas a civilizao, seno Yattrait du plus imprieast des sen*. Indignado contra a lembrana da guerra, pergunta o sentimental atrbade : Naurait-il pas t plus humain, plus utile, et moiittdispendieux, de faire passer dans chacune de ces rgians loManex quelques centaines dejeunes hommes, quelques centaines de jeurten femmes? Les hommes auraient pous lesfemmes, les femmes auraient pous les hommes de Ia contre. La consanguinit, le plus prompt et le plus forl des liens, aurait bientt fait, des trangen et des naturels du pays, une seule et mme famille. Point d?armes, point de soldals; mais beaucoup de jeunes femmespottt les
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HISTORIA DO BBAZIL.

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iBfii4e$mente acerca dos habitoS'd'estes selvagens, 155* e ser tahwzr>aqui o logar de accreseeutar o mais.que a este ^pto se pde colher. Qs Tupis, do Brazi I, os Guaranis do Paraguay, e ^q?$mag4V do Peru (entre os quaes e os Guaranis Hervas.int. maia,proximos,medeia, diz Hervas, um chos de: na- Tr. \\ f s |e&) todos falo diaieelos da mesma lngua, de que "sacodem achar vestgios por uma extenso de setenta grau?1. A lingua me a guarani, quec a mais artificial, como a grega o mais que a latina, e estamais do que-nenhum dos dialectos modernos quede suas ruinas nascero. Traz em si o cunho de lingua primitiva, pois abunda em monosyllabos; exprime a mesma palavra differentes idias, como no cjnnez segundo diversamente aece.ntuada; e affirma-se que cada termo se explica a si mesmo, o que
Itommes, etbeacop de jeunes' hommes pur les (emmes. T. 4, pv>254*5:!' :,:." .-.,:*!, Es aqui na verdade a colonizao posta ao alcance da mais curta intelligencia. Ponho esta passagem aqui debaixo dos olhos do leitor, eni quanto elle tem frescos na memria os costumes dos selvagens Jlffiijleiros, para que veja em que tristes absurdos podem cahir os Homens, quando escrevem sem conhecimento nem reflexo. Apresento-a tambm como uma amostra escolhida de philosophia moral c sentimental. ' Esta disperso talvez devida aos Hespanhoes e Portuguezes. Algumas hordas fugiro dos Paulistas'. Os Omagus de Quito dizem que o seu tronco morava sobre o Amazonas, mas que muitas tribus visla dos navios enviados por Gonzalo Pizarro havio fugido, algumas para is terras baixas do mesmo rio, outras para b rio Tocantins, outras pelo llio Negro, para o Orinoco e Novo Reino de Granada. Al. VelaSco, immacarta a Hervas. Cat. de las lenguas, 1.1, c. 5, 87.

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1552. provavelmente quer dizer, que muitos so onomatoUttfSr picos, e que os compostos e derivados se formo reHrvPs.'>' ffuiarmente. Comtudo pela variedade dos seus ae*
Tr. 2, c. 5, 162
D

centos a maisdifficil de todas as lnguas americanas. Guerreuo. Dezaseis ' tribus. ou naes conta Hervas, que Uel Ann. 1605. falavo dialectos d'esta lngua, e cincoenta e um s , r. in.
s Carijs, Tamoyos, Tupiniquins, Timiminos, Tobayares, Tupi-, naes, Amoipiras (nome derivado da palavra guarani amboipiri, pdvo da banda d'alem), Ibirayres, Cahets, Potignares, .Tupinamb^tj; Apantos, Tupigoais, Aroboyares e Rarigoarais, que com outras hordas do Amazonas pass por tribus dos Tupis e Tocantins. 2 Os Gojatacazes, Aymures, Guagans, Goauazes e Yuguaruanas, tribus que por serem inimigas umas das outras se suppoz falarem differentes lnguas, concluso que est longe d ser necessria; os Cnrarins e Anaces, que vivem cerca do Ibiapaba; os Aros, fz"J3o l'ar; os Teremembrs, na costa enlre os rios Parnahiba e Cear;;Os 1'ayacs, do Cear; os Greus, no serto dos Ilheos; os Kiriris, que outr'ora infestavo a Bahia; os Curuinars, habitantes d'uma ilha no Araguaia, confluente do Tocantins (Aunius o nome que do ao Ente Supremo, e que sempre pronuncio com respeito); os TapirafKBf; e Acras, na mesma ilha, que tem viiite legoas de comprimento; os, ' Bacurs ou Goacures, no Mato Grosso, provavelmente os Guavcuns d Paraguay; os Parasis do mesmo paiz; os Barbudos ao nordeste de Cuyab, provavelmente nome portuguez, que se lhez poz para indicar que tinho barba; os Borors leste de Cuyab; os Potentas, Maras momis, Payays; os Curatis de Ibiapa; os Cururus fronteiros dos Crumars, e que se suppem serem#do mesmo tronco; os Baibadosdo Maranho, os Carajs do Pndai, na mesma provncia; os Yacarayabas, Arayos, Gayapas ; os Cavalleiros e Imares sobre o Tacafy, affluente do Paraguay (aquelles passo por serem um ramo dos GuayomS' e estes dos Gachichos); os Coroados, assim chamados pelo modo por que corto o cabello; os Machacaris e Camanachos, nas iinmediaes da serra, que corre, parallela com a costa, entre 18 e 20" de lat. S.; os Ptachos ao norte d'estes ltimos; os Guegues, Timbiras, Acroamirins, Paracatis, JeicoS e Amapurus habitantes do vasto pais do Piauhy, que ento fazia parte do governo do Maranho; os Guanars, Aranhis
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cujas'lnguas so diversas; mas d'estas ultimas mui- 1552 las no tinho sido ainda assaz estudadas, nem se averiguou ainda o numero das suas razes. Falava-se tupi por toda a costado Brazil, e muito pelo serto adeftroy ^w^avehnnte por sobre uma superfcie njoitonaaiordo que nenhuma outra das linguasamericanas. Uma particularidade notvel d'este idioma .n^nca apparecer b no principio d'uma palavra seman m anteposto^ e serem mb, nb, nd, e ng as nicas consoantes que se emprego junctas. No .... tem f, / nem rrl. Esta deficincia da lingua tupi for- L^addl) neceu aos auctores portuguezes um conceito favorito, Bmi ' P ' ,u repetido por uns apoz os outros, que os selvagens no tinho nenhuma d'estas letras, por que tambm no
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0 1 1 '.'

eUricaizes, ^pertencentes s misses do Amazonas; os Aluraris e Mentoras,; do Rio Grande do Nqrle, que.se suppem serem um ramo dos Aymuresi ,,-.(Menhonia d'estas tribus fala um dialeclo qualquer da lingua guarani oustupi,,* embora alguns dos seus nomes tinho uma significao ^tlidiona, provem isto unicamente de terem-lhes sido postos pelos TupjfcjHervas encontrou mais outras setenta tribus brazileiras refendaTOs papeis dos missionrios jesutas- mas sem noticia alguma sohreaisa Jingua, pelo. que as no jide classificar: dos missionrios de utras ordens nenhumas observaes obteve. Suppe comtudo que no,Biil' se podero falar umas cento e cincoenta lnguas barbaras, cowojtsemifllculadoalguns escriptores.. , I O keu Gwcasso tambm diz que este som falta no qscljua ou linguajai do ~Per,<. no ay promtnciacion de rr duplicada, en printpio de paru, ni em mdio de Ia dwcim, sino que smpre se ha de pronunciar semla Advertncias acerca de Ia lengua general dtlos ndios dei Peru, que servem de introducao, aos seus GMmarmReales,

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tinho fe, lei, nem rei. Anchieta diz que elles no teem s nem z, usando em seu logar do : a academia hespanhola,descartou-se d'esie caracter, SUhstituinxkrlhe o z, ms a lingua porlugueza ainda o consenti A superabundancia de vgaes n'uma idioma talvei o mais decizivo signal do seu estado simples eimi perfeito, pois revela ignorncia da variedade de ssora que podemos pronunciar. Explica isto como podcnf existir entre as tribus sulamericanas tantas lingua manifestamente cognatas, e comtudo to dissimis lhantes, que uma horda no entende a outra, Os consoantes so os pilares, os ossos para assim dizer; do discurso; tirae-as, e a mais leve alterao traniti torna a frma e o contexto dos materiaes fluidoslqu resto. Os nomes dos algarismos so extremamente bjajn barosl nem passo d e cinco : Os nmeros maiores exprimem-se com auxilio dos dedos 4 . Tupp, a palavra com q u e designo Pae, o Ente
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fe. ;

Age-pe, moconein, mossaput, oioiconie, ecoinbp* De lerjfe 1. 20. No tem pois Gondamine razo em affirmar que, para expriifljtj rem qualquer numero acima de trs, teem os ndios de recorrer! afl! portuguez. P. 65. ... 1 As tribus do Orinoco conto at cinco, passo a cinco e um* qnco,. e dous at dous cincos, e assim por deante at quatro cincos, uma. numerao digitaria, sendo notvel d ponto at onde!a levl o? Achags; Entre elles abacaje que dizer cinco, e os dedos d'uma mo;. tucha macaje, dez, ou toos os dedos; abaatacay vinte, ou osd dos*de mos ps; incha matacacay,' quarenta, dedos de duas;pessoas; cd'esta arte, diz Gumilla (c. 48), chego a 2000, 6<J0e'lWW

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Supremq e Trovo'; fcil a transio da primeira para a ultima significao, e d'aqui compoz a barbara vaidade d'algumas tribus um nome para si mesmas. N'estas palavras se comprehende e explica cwijunctamenle toda a theologia d'aquelfes selvagens. Nenhumas preces dirigio elles a este,Pae Universal, que no era objecto nem de temor nem de esperana. 0 diidiosino tinha razes mais fundas: sonhos, somkas/pezadelos e delrio engendraro supersties, que uma espcie de velhaeos teem systematicamenle alimentado e fortificado. Os pags*, como os chamavo, ero ao mesmo tempo charlates,. peloti- queirosesacerdotes: o ritual do seu caracter sacerdotal reduzia-se a fazer a marac e as momices
dedos, n'uma aigaravia, que com trabalho e atteno chega a final a com^rdiehder-se. Herrera (4,10, 4) descreve uma curiosa arithinetica usada no Yucatan. Gonto alli por cincos, at vinte, depois por vintes at cem, depois at 400,-depois at 8000, e d'aqui at ao infinito. Esta numerao, que Herrera no explica com muita clareza, funda-se em cincos para as sommas pequenas, depois em vintes e cinco-vintes ou centos para as'maiores, contando por vintenas como nos por dezenas; assim 20 vezes 20 so 400, 20 vezes 400 so 8000 e assim por deante. Prece ser este o nico exemplo de numerao vigesimal. 0 score inglez o que mais sBsittielha isto. ' !f;' ' ; 1 No me recordo de nenhuma superstio, que altribua o trovo ao gnio do mal. Parece ter-se considerado sempre como uma manifestao de poder, muitas vezes de clera, mas nunca de maldade. 1 Km todas s parles da Guiana se encontra esta palavra pag e ir soa analogia com o powan dos selvagens da Nova Inglaterra, tornase digna de reparo. O* termo caraiba, com que se designa s vezes o sacerdote, significa o poder sacerdotal. Mrcgraff, 8, t i . Dobriihof/\t.S,81. i. 21

Pags.

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respectivas; mas ha razo para erer que osrsegredjes da sua astucia ero de caracter mais audaz. Os que mais intimamente convivero cm os selvagens brasileiros, teem asseverado que estes ero ainda em rida terrivelmente atormentados pelo demonio1. Historias similhanles nos vem de tantas partes do mundo, corroboradas por to numerosos e irrecusveis feslimunhos, que so a presumposa ignorncia, que desdenhosa declara falso o que no comprehende prompta, as pode rejeitar. O chefe d'um dormitrio costumava s vezes de madruga4a, correndo sem ser visto a roda das redes, arranhar com o dente 4!um H Sl a ,e '2 2 ' peixe as pernas s crianas. Isto porem o fazia pa^a que estas mais facilmente se deixasSem aterrar quando os pes lhes dissessem que ahi vinho papo, tutu ou coeo. Ora o que fazio s crianas, de crer que os pags lhes fizessem a elles prprios; mal; se pode pr em duvida que estes lhes apparecio debaixo de disfarces hediondos e medonhos, espancandorifoe atormentando-os quando era propicia a occasm Nada podia haver que diabos q"esta espcie; tanty temessem como a luz; isto o tinho descoberto os
Miserrimi nostri Barbari, escreve De Lery, in hac etiatf^vila misere ab Cacodxmone lorquentur. Quem quizer ver como a um viajante verdico se podem dar as apparencias de mentiroso, olhe para as gravuras com queJ)e Bry illustrou esta passagem, p- 223u reputando differentes variedades do Cacodsemon; * Anhang, Juripary e Kaagere so nomes que se do ao espirito do mal. 0 primeiro o Ayguam de De Lery.
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HISTORIA DO BRAZIL.

lvilgenSy e conservavo toda a nouteo fogo a arder ,592 em casa, sWdo alisto a principal -razo o no se poderem gpftemaf do lume os aespirils malignos; nem, todas as vezes que podio vital-o, se- averituravieits ndios faia6 no escuro sem um facho niV. AVL.55
, ; H. Stade.

ficeo, o.M?j".; - fi/ aoa 3J .,mjfir 2,7. i.-Vive os p ^ sos em cabanas escuras, cujas pprtas r$o extremamente pequenas, rio ousando nitgumtifn&por-llfs os umbras. Tudo o que peiio se lhes dava. Prgavo que era peccado abominvel reeusar-lhes a filha,- ou qualquer couza que <ixgisgem; e poucos ousa vo incorrer no peccdo, p&is s os pags predizio a morle de algum'que os tivesse Iffcndido, immediatamente se recolhia o 'delinqente sua rede, em to viva expecta de partir-se da vida, que nem comia nem bebia, sendo sUfli; a pdico uma sentena que a f se encartfegata de executar, Como benzedeiros practicavo^os Noi^a*. ^B^oquedeestyk) entre os conjuradores selva- i<*^ensfehupavo a parteaffecldye apresentavo um ^daode pau r osso ou outra qualquer substancia 3 xW8nha, pretendendo havet-a extrahido com a operao. f !TQs Jesutas,.que acharo S. Thom, no Oriente, tambm lhe descobriro os vestigios no Occidente. 0 Thom Cartoaiidel foi um Syrio, quem seria porem .0 do Brazil?. .... ''"."'. Dos Tupinambs soube Nobrega que duas pessoas, s- ThomM

r-i 24 , t ,;,. w&2

tu] iJlj.TfB . ,, , .HISTORIA DO BRAZIL. p>J,; f^T

uma das quaes chamavo Zomi lhes havio ensinado o uso da mandioca. Seus avs, contavo elles, de$pjviero+se com estes* bemfeitores e con Ira elles djsj(f|ro settas; ma&as frecbas,-volvendo atraz, ^p matar os que as havio despedido, e^as flonesjas abriro caminho a Zom para a sua fugat e Sorios separaro^ suas guas para lhe darem passag^|f. Accrescentavo que esle lhes havia promettido vqjjgr, emostravo as milagrosas pegadas que deixara impressas na praia. O nome, segundo todas as probabilidades, uma corrupo do Zemi do Hayti, divindade, ou pessoa divinizada. No Paraguay chamavono Payzume, palavra composta, com que, desjg-jiaj$o
, '.

Div. Avisi.

ff. 54,4i. os seus sacerdotes. :OB .. aiair* aK<>\\ .-.i < .^ofiib jyj Attentamente ouvida uma exposio tldo systoroa christo, disse um velho Tupinamb aos Franz/s, que as mesmas doutrinas alli tinho sido japregadas, tantas luas havia que o numero se no podia,f recordar, por um exlrangeiro vestido, como elles, elam-bem barbado* Suas palavras no tinho sidoesuutadas,ne apoz elle veio logo outro, qUe entregau^nia i*espada como signal de maldico. A memria d'isto, ^ajunctou o narrador, passou de pes a filhos Q^fue c ha aqui mais singular a referencia a tempos;anjieriores epocha da espada; onde querqne se descobre alguma tradio d'uma edade de ouro, implica ella conjunctamente um reconhecimento, e uma c 16: prova de degradao da Vaca.

HISTORIA DO BRAZIL.

525

Thevet fala no Gro Caraiba, que os ndios tinho 1552. ehrtata venerao como os Turcos a Mafomai e que !- "' lhes eisnieuinlo o uso do fogo comoo das rizes afifflerrfitia.Deri a mandioca a uma rapariga^ e nt^ratriihe como cortal-a em lascas, e<preparb-s. S IflVet'tivesse procurado identificar esta perso^ t com S. Thom, a sua conhecida velhacaria fl-teria'desacreditado o testimunho; mas elle.nada bia tfesia hyffthse (que em verdade aindanento raoestva inventada), e parece certo que tradies ^flhnts corrio entre os selvagens?^ respeite'de urhiqefora oiriaior bemfeitorda sua raa w? < : " ' Se1 deres mereceu um logar na mytholOgia da A mandioca. Grt&r, com muito maior razo se devia esperara deificao de quem ensinou aos seus irmos o uso da mandioca. Esta raiz comida crua, ou de qualquer 1 tiS qe! lhe rio extraia o sueco que tem^ ve"neiro lethl; ora dificilmente se concebe como sel*" Vagrfs^fiflro jamaisi descobrir que d'aqui se pre" ^ r um alimento sadio. O modo por que procedem, ''fostjandoi-a com cascas de ostras, ou com um instrumento feito de pedririhs agudas* encabadas n'um Noticias. c^oaod casca de arvoce, -at reduzia a uma polpa & i W e^ada; esta polpa esfrega-se ou moe-se com uma $f-m pedia',e expfl&mido cuidadosamente:o sumo, evax | ^ - s e pelo fogo o resto de humidade que fica.~ St? processo em si passava por ser operao nociva sade, e os escravos, a quem elle incumbia, toma-

r2'6
15521
Piso . 4 c. 2.

HI ST O RI A DO' R A 11 /.'

vo n o alimento as flores d o nharnbie a raiz d#9Wt# p a r a fortificarem o corao e o estmago. No tar-^ d a r o os Portugiffees a c o n s t r u i r m o i n h o s e prertsa p a r a este effeito;GdstumffvOexpremer a mandioca eu*

Roticias... Ms. % 55. Piso! V. 48.

Noticias. Ms. 2, 5.H.

Monardes. ff. 10.

lojas subterrneas e logares, onde menos1probabilidade houvesse de algum aecidente funesto; diz-se porem que ^'aquellesdocaes se achava um insehtcB branco, gerado por este 'sueco lethal', e elle-prprio no menos lethal, 'com que as indgenas envenen na vo s vezes os maridos, e os escravos os senhores, misturando-lhos na comida. Uma catoptesiaa* de mandioca com seu sueco era reputada excelente remdio para postemas; tambm se administrava) contra lombrigas, mas de que modo no se diz; o appiicava-se egualmente a feridas antigas, para cbmer-Ihes a carne chagada. Para alguns venenosI/O para a mordedura de certas cobras^ passava por1 ser antdoto incomparavel. 0 simple sueco servia para limpar o ferro. Atualidade venenosa limit^se raiz, pois^que as folhas da planta comem-se, e at o prprio liquido pde tornar-se innocerite com fryuras,. e fermentado reduzir-s^a vinagre;; ou coalhi>se at ficar doce bastante pra servir de mel. Marcgraff, que *d'esta importante raiz nos deu a mais minuciosa noticia, distinguedh vinte e trs
Piso refere que este licor se conservava at tornar-se ptrido, sendo ento que n'elle se encontrava o tal verme. Tapuru o chamvfo : seccava-se e administrava-se em po. .<..,-<,

HISTORIA D O BRAZIL. 327 espcies, nove das quaes teem a? palavra mavdihi i m ccralpoSf nos nomes, que as designo, principiando os das outras todas por aipi. Mas nem elle, nem ne* nfaum dos auctores que teem esoriplo sobre o Brazil, falo d'uma espeeiei que perfeitamente innoxia no seu estado de crueza, descripta por esse homem eminente e interessantssimo* escriptor, o capito Philippe^Beaver, eomo cultivada na frica e desconhecida nas ndias Qccidentaes. com tudo indgena Monardes.
' ff.
li

103.

do. continente hespanhol e actualmente sob o nome $ % de macaxeira vulgar no Brazil, onde a sua existncia explica alguriias asseres, que alias serio contradictorias* Por quanto, nas Noticias se diz que o gado come estas raizes, e com ellas se d bens, e logo adeante se accrescenta que o sumo mortal para todos os animaes; e Lery, depois de fazer-nos do ve- fci-enr.c 9nenoamesma pintura terrvel que debuxo os demais auctores, diz que o sueco, que no seu aspecto seiassimelha ao leite, endurece ao sol, e a coalhada serepra como ovos. O sedimento que deposita o sumo, esse artigo de dieta para invlidos to bem conhecido pelo seu nome indgena de tapioca. . L. 1'. 2. No ha Cuidados que nosso preservar por trs id. dias a raiz crua, e a menor humidade estraga a farinha. Piso observa que viu originarem-se entre as tropas terrveis males de a comerem n'este estado. Dous modos de preparao havia, com os quaes melhor se conservava. Talhavo-se as raizes debaixo

tfi

528
mi

HISTORIA DO BRAZIL:

de gua e depois ero seccas ao f$go!; quandwd'e1J*s' Koiicia. se queria fazer uso, reduzio-se a um p fino, que batido com gua, tornava-se qual creme de amen* doas*: o outro methodo r macerar a raiz em agta> at ficar ptrida e depois curai-a ao fomb; e assim,' pizado em almofariz" dava uma farinha to branca Ntiui.-. >, ii. conioa (fe trigo. Os selvagens d'esta sorte a preparavo freqentemente. A preparao mais dei iada porem era passal-a por uma peneira, e pr a polpa immediatamente ao luhie n'um vaso de barro; assim se granulava, e quente'ou Tria^era excelNoticia.

lente. .t>"o?*fft Bude e summario era o systema indigeno de cultivar.esta planta; derrubavo as arvores, deixavonas seccar, queimavo-nasento, e plantavo a man*dioca por entre os troncos. Gomio a farinha secc d'um modo inimitvel; por quanto, tomando-a entre os dedos, atiravo-na boca to limpamente, que eiwy. r.y. um so gro no cabiafora. Jamais houve -Europeo* que tentasse fazer esta habilidade, sem empoar a cara ou os vestidos, com grande risota dos Indiosv Quando falhava a mandioca, recorrio estes u r u curi-iba, espcie de palmeira^ ouja madeira, rachada; socada e pulverizada, dava uma sorte de farinha, que se chamava d pau; nome, que strictamente significativo no seu emprego originrio, se appliCa agora Marcgratf. C Q m m e n o s propriedade farinha da mandioca. Bebidas Tambm fornecia a mandioca aos naturaes a be2,.35. Stde.
ermmtadas.

HISTORIA D O BRAZIL; 523 bida para os seus banquetes. reparavo-na por Um 1552 processo curioso, que o homem da natureza tem s vezessidoassaz engenhoso para inventar, mas nunca experto bastante para rejeitar. Lascadas as rabes-, fervio-se at ficarem macias, epunho^sea esfriar. Mastigav-nas depois as raparigas', apozoquvoltavOj ao vaso, onde,5 cobertas de gua, ero postas oufcraivez a ferver, sendo entretanto mexidas incessantemente. Concluda esta operao', que era assaz *adc. 2,1;. longay vasva-se o liquido restante em enormes cntaros de barro, enterrados os quaes at ao mio no cho da casa, e bem tapada, manifestava-se a fermentao no curso de dous dias. Tinho os ndios a l)t lcr exiranha superstio de crerem que preparado por 9'15' homens, para nada prestaria este licor. Chegado < > dia da bachanal, accendio as mulheres fogueiras volta d'estas talhas, e servio a poo quente em malgas, que cantando e danando vinho os homens receber, e enxugavo sempre d'uma assentada. Por' aic?ardD
* . . . AbbevilU.

estas occasies fumavo tabaco, uns em cachimbos tf-304. d1 barro, outros na casca d'uma fructa, para esse effeito ocada; ou ento enrolavo-se trs ou quatro folhas seccas denlro d'uma maior, guiza de charutos. Em quanto os mais velhos bebio, danavo
kxhicha,o\x bebida de milho, preparava-se da mesma forma, com a differena que muitas tribus so admittio a esse mister as mulheres velhas, por lhes parecer que as moas estavo infectadas de humores impuros. Dobnlzhoffer, t. 1, 465.
1

HISTO;IA'D0 BRAZIL. i55'2. , e m [orno os'mancebs solteiros,*eom eastanholas nos tornozelos e nas mos a mtirfcck T '< ->':'viq ^N'estas partidas de libaes, jamais os ndios eomio, nem cessavo de beber em quanto lhes restava uma nica gota do seu licor; exhausto quanto havia n'ma casa, passavo-se para a immediat ssirii por deante at terem bebido d que havia na aldeia inteira j e estas festas fazio-se de ordinrio umavve por mez.De Lery foi testimunha de uma, que drOu trs dias e trs noutes. Havia duas espcies d'est bP bid, chamadas"caouirim ekaawy, vermelha ebranca; e que devio ser feitas de raizes differentes. NdSbor1 i)ei.ry. f . diz-se que rremedavo leite. && - f iJn*%oij - Por toda a parte, onde se cultiva a mandioca, est a bebida, Com>'que os selvagens habitualmente se eriibrtecem nas suas orgias. Muitas das tribus? brazileiras preparavo porem corri o caju um licr {:ajll melhor1 .Pde o cajueiro dizer-se a arvore mais uttda America. bella de ver-se a sua pompa, diz "as* conceitos, quando" ella em julho e agosto se est revestindo do brilhante verde "da sua folhagem; quando no nosso outomno europeo ella se cobre de flores brancas e rosadas, e nos trs mezes seguintes foi -b o^ni93im ti> &lfo T/J. Bfeoq? A .Qicq 330
l Marcgraff faz meno de nove espcies de licor fermentado que os ndios brazileiros preparavo sendo uma de pinhes, para isso apanhados antes de^maduros (Noticias Ms;, % 41); o sueco da fruta ainda verde applicava-se como um corrosivo para as feridas empregando-o tambm os Europeos para limpar espadas ferrugentes, & >. tfMO.i

HISTORIA DO BRAZIL.

'

331
t55e

eefg ao pezo de seus-frutps, que simelhao jias pendentes. Teem suas folhas um cheiro? aroma tico, suas flores exhlo deliciosa" fragrancia, sua soriibra fr>esrare em extremo agradvel. Beuma-lhe do tronco uma resina em nada somenos da do Senegal, e ,tgo abundante, que imita gotas de chuva que cahjfesn na arvore : uso-na os ndios como medicina, moida e dissolvida em agir. No mui vulgar no seftl, mas perto da costa, legoas e legoas de terras, qi alias serio estreis, se vem cobertas d'esta arvore admirvel; e quanto mais arenoso o terreno, e seea a estao mais ella parece dar-s bem. A posse d'um sitio onde ella crescesse em abundncia, tinha imporlaticia tal, que s vezes provoeava guerras* A fruota esponjosa e cheia d'um summo delicioso; de qualquer frma exeellente; tanto no seu estado-natural, como secca e posta de conserva.. A semnte que em <forma de fava d na extremidade doJfttto, bem conhecida na Inglaterra sob 0 nome de castanha de caju e muitas vezes ia dar s praias de Cornulhes antes da descoberta da America. Muitas tribus contavo os seus annos pela fructificavo djueire, pondo de cada vez Uma castanha de parte. A epocha da colheita era um tempo de folgana e alegria como a vindina em outros climas. Extrahia-se simplesmente o liquido, ja expremendo afiructana mo, ja pizahdo-a n'um almofariz de madeira ; o seu sabor forte e inebriante, e em seis

332 HISTORIA DO BRAZIL. 1552. mezes torna-se vinagre, sem comtudo perder de todo o paladar vinoso. Expremido assim o sueco, seccava-se apolpa, e reduzia^e a farinha, que os naturaes preferio a qualquer, putra, reservando-a como o melhor acipipe. A madeira rija, tem sido muito usada para cavernas de botes grandes, practica que deve ter diminudo consideravelmente o numero d'estas inestimveis arvores. A casca exterior sim.devasc de cor escura, a interior mais clara. As folhas so
Clir.dacomp.

^ " i ; de melancholico aspecto na estao chuvosa. Quo


2, 81-84, Marcgruff.

L. 4Sc.'6. preciosa no seria esla arvore nos desertos da Arbia


j r i ,

e da Atnca! <- '*".*b Amigos como os indigerias brazileiros ero de bebidas fermentadas, nem por isso ero menos pichosos na escolha da gua, do que ns o somos na do vinho, admirando a imprudncia ou ignorncia ds Europeos, que parecio indifferentes a respeito da ii-o. p.ii. qUa}dadeda que bebio. Preferiao a mais doce, leve, a que nenhum sedimento deixava, e tinho-na em vasos de barro poroso, para que se conservasse fresca com o constante transsudar. gua pura exposta ao orvalho da manh, ou ao ar,' era um* remdio favortodOs empricos tanto indigenas como portuguezes; suppnha-se que o ar e o orvalho a tempervo, separndo-lhe as partes terrestres das aerias, philoson a ueno P S O p s P i 1 Pde s e r de origem selvagem. . Extranhas couzas se conto a respeito dos conhemenl
Conhecir

5,2.

^s " cimentos que os ndios tinho em matria de verie-

toxi

HISTORIA DO BBAZIL.

553
1532

nosi'; que as simplices peonhas lhes fossem fami. lires, facilmente se acredita, pois muitas deviotr descoberto no curso de suas longas experincias sobre s hervas, a que a fome compelliria o selvagem, ainda que a prpria curiosidade o no irisligasse, e o desejo iristinctivo de achar remdios para as molstias. Masque conhecessem formas recnditas de veneno, em verdade digno de notar-se, pois que so tributos estes d'um povo altamente civilizado e al"*';'' 0 veneno de que uma poro to diminuta, que se pde trazer debaixo d'uma unha, bastante para produzir a morte, prpara-se, diz (Jumilla, d'uma espcie de formigo, cujo corpo raiado de preto, marello e vermelho. Corto-se pelo meio estes insectds,'e deita-se fra a parte da cabea; o resto torra-se a lume brando, e a gordura, que sobe superfcie, 6 a peonha. Um ndio disse a Gumillaque esta substancia se no pde ter dentro d^ma canna, pois peneira atravs d'ella, sendo preciso um osso de tigre, macaco ou leo. C. 38. " 0 curara um veneno que so a. tribu dos Caverres noOrenoco .prepara. um haropc sem gosto, que se pde tomar sem perigo; mas f Gumifla afinna, que apenas uma setta ii'eile molhada arranha o Corpo, segue-se morte instantnea ; coalha logo o sangue, arrefece o corpo, e cobre-se d'uma escuma amarella e fria. E isto porem pouco provvel, e o que elle diz do antdoto manifestamente falso, a saber n tendo algum um gro de sal na bocea, nenhum effeito produziro veneno. . Os Eanhes experimentayo os seus venenos n'uma mulher velha v ou n'um co. Herrera, 7, 5, 5. 0 que notvel que as tribus que nas suas settas uso contra as Coras dos venenos mais aclivos, nunca os emprego contra os inimigos. Mrc. Per. N. 79. Pauw diz (Rccherches, t. 2, p. 519): a Algumas settas experimentro-se na Europa cento e cincoenta annos depois de envenenadas na America, e, com pasmo dos que fazio a experincia, achou-se.que o veneno muito poo perdera da sua intensidade.

334 HISTOBIA DO1 BRAZIL.. 1552> tament vicioso. Diz-se que to obstinados ero em guardar o segredo d'estas lethas receitas; como of-. ficiosos em indicar antdotos. Ms embora haja moiiso.p.40. tivo para suspeitar que estes conhecimentos fossem s vezes, como a feitiaria, um poder tremendo,inculcado pelos velhcos depois de admiltdo pes crdulos, nem por isso deixa de ser facto averiguado que estas peonhas ero conhecidas d algumas das Humboidt. mais broncas tribus da America do Sul. Talvez esta
Narrat.

5,si4-522. sciencia lhes viesse por tradio d'algum estado de civilizao de muitas eras ja perdida, e cuja existncia mal ha sido suspeitada at aos nossos dias, to poucos vestgios se lhe tem por ora descoberto. Todos os remdios ero simplices. 0 physico hollandez Piso percebeu esta differena essencial entre a pharmacia indiana e a sua prpria; nem a este hbil observador escapou a superioridade do principio da theoria riso. p. si. selvagem, recommendando-a affincadamente. Ja fica referida a terrvel conseqncia que da sua
Ceremonias
1

iiasmenio theoria da gerao deduzio os ndios : deu esta cria", theoria tambm origem a um costume ridculo, que reina sobre grande parte da,America do Sul, e que em outras eras se encontrava entre os selvagens1 da Europa e da sia. Apenas a mulher d luz, logo o Noticias, marido se melte na rede1, cobrerse muito bem, e
2, 57.

talvez d'esta extravagncia nascesse a fbula, que Pauw n'uma nota qualifica como exagerao, mas de que aproveita no texto,'o que lhe convinha. Dans toule une province du Brsil, dit Vaifeur

HISTORIA DO BRAZIL

355

daUiuo. sahe em quanto , criana no cahe o cor- 155ido umbilical; to intima se considera a jmio entre eJJle e a sua progenie, que 4 preciso prestar, a um os maiores cuidados para que no soffra a outra'. A De Lery c primeira operao que se fazia criana, era achatar- Cf8' lhe o nariz, esmagando-o com o dedo peJlegar; depois faravarse-lhe o lbio, se era rapaz; o pae. pintava-o d$,preto e encarnado, ,e punha-lhe ao lado na rede uma maam ,pequena e o seu arquinho e setta, dizendo-lhe: Quando cresceres, meu filho, s forte, e vinga-tefdos teus inimigos! A's vezes junctava-se a isto um feixe de hervas, como symbolo dos que havia ? i6. de matar e devorar. 0 systema europeo de enfaixar e embalar as crianas pareceu monstruoso a estes homens da natureza. Lavavo-nas a mido em gua fria, no tanto por amor da limpeza, como para fazel-as robustas e fortes. Singular superstio era a de no matar o marido nenhuma fmea de animal, riso. P. ;. em quanto a mulher andava grvida, pois se succedia
ss Recherches historiqus, p. 372, les hommes seuls allaitent les en^mils^e& femmes rtyi ayant presque pas de sein,ni de lait. Pauw assevera que este facto tirado des relations du Brsil, mas em nenhuma das que li o encontrei. Mo duvido porem que algum viajante entiroso contasse isto. ft 'Entendem elles, que o que fazem affecta a criana. Conta Dobrizhoffer a historia d'um Hespanhol, que offereceu uma pitada de rape a um cacique, que assim estava recolhido sua rede, e pergiitando-lhe por que rejeitava uma couza de que antes tanto gostava, ouviu em resposta : No sabes que minha mulher teve hontem o seu bom successo? Como queres ento que eu tome rape, quando seria to perigoso para o meu lilho espirrar eu ?

550 HISTORIA. DO; BBArZilL. IE>52. andar prenhe a dieta fmea, morreria lambem.a D C Lery. criana como castigo do peccado commettklo contra Tiievei. o mysterio da /rida* i Anajogio a esto. sentimento era o T horror com que olha vo o comer ovos; no se podia soffrer, dirio, que se comesse a ave antes de chocada; as mulheres principalmente jamais eonsentirjo, que algum o fizesse na,presena d'ellas. Idia ainda mais ridcula era, que o homem tem direito a uma cauda, e com ella nasceria, se o pae do noivo no tivesse a precauo de cortar alguns paus, por oceasio do casamento d 'este, cerceando assim este appendice aos futuros netos., Mal nascia a criana logo se lhe punha nome. Hans Vnoie? v Stade achou-se presente n'uma d'estas oceasies; convocou o pae os mais prximos visinhos de dormitrio, pedindo-lhes para o filho um nome viril e terrvel ; no lhe agradando nenhum dos propostos^ declarou que ia escolher o d'um dos seus quatro anter passados, o que daria fortuna ao rapaz, e repetindoos em voz alta,fixoua escolha. Ao chegar edade de ir guerra, dava-se outro nome ao mancebo, que a e i.2, c. 8. ads seus ttulos ia acerescritando um por initoigO, ,, 2 c n qu trazia para casa, a ser immoado. Tambm a mulher tomava addicional appellido quando o marido dava uma festa anthropqphaga. De objectoV visveis1 se tirayo oscognomes, determinando o orgu' Succedcu ter o nome dn Lery significao no idioma selvagem. S:tbendo-o o interprete que introduziu o viajante entre os Tupinam-

Jho ou aferocidadea escolha. O epitheto grande fre- 1^2qaetttemente se compunha com o nome V ofcflguose torna de reparo nunca ou quasi nunca Harmonia,
, . . . . eraquewio

HISTOR tA* DO BRAZIL. *

337

bafarem entre si os rapazes, apezar de no se mcul- s Jndios. carem outros princpios que no os de dio vingana. Raroso rixosos os selvagens, quando sbrios, duo habitual era entre os Tupinambs o sentimento dailMituobem querer-se, que parece rio o perdi, nemqulandoiebrios. Um anno viveu de Lery entre elles, sem que presenciasse mais que duas pendncias jsocegados e sem intervirem se mantinho os circumstantes, mas se em algumas -d'estas raras occasiesqualquer injuria se irrogava, executavo sem piedade os parentes do offendido a pena de' talio. Havia na lingua d'ellesuma palavra com que desib^^con^ejhpu./sijque, no perguntarem-lhe pelo nome, respondesse Lrij-ossou, Gr Ostra. Por isso mais o estimaro aquelles, dizendo qu^on^to etcllrite nome no havio ainda encontrado Francez.
1 Entranha era.a nomenclatura usada entre o povo de Misleco, que d ela deduzia superstio no menos extranha. Introduzio-se nuraeros.nos nomes, no podendo o homem desposar mulher, cujo nome foss^e:de;numerao,egual ou superior sua; por exemplo, diz Herrera", se pila se, chamava Quatro Rosas, e elle Trs ou Quatro Lees, no pdb casar. " ' ..Obsentei, diz, o P. Andrez Perez de Ribas, quando fui baptizar esta^napjas tribus.Hiaquis de Cinalofl), que apenas apparecia um ndio, qfo no tivesse nome derivado das mortes que havia perpetrn^ou tltisignativo do modo pr que as fizera, como o que matou quatro, cinco ou dez, o que matou na floresta, no caminho, na plantao* E^mbora; entre outras naes se encontrem appellidos simi, so em muito menor numero. L. 5, c. 1, p. 285. ,

538
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HISTORIA DO BRAZIL.
i

1552. gnar o amigo amado qual irmo; escreve-se atou\ ^' rassap1. Os que assim se enlre appellidavo tudo, tinho em commum; to sagrado como o da consanginidade se reputava o lao, no podendo um c. 2o. desposar a filha ou irm do outro. casamentos. Nenhum mancebo se casava antes de ter aprizionado um inimigo, nem era admiltido a tomar parte nas festas de beber em quanto solteiro. Mal uma rapariga se tornava viripotente, cortavo-lhe o cabello, e escarificavo-lhe as costas, tendo ella de trazer um collar de dentes de animaes, at que de novo lhe crescessem as trancas. A' volta do tronco e Noticias 2. le'.*f' 20. ^ a s P a r t e s carnosas de um e outro brao lhe passavo Stade cordas de algodo, symbolo da virgindade, e se alguma que no fosse donzella as trazia, cria-se que o anhang a levaria. Parece isto ter sido superstio gratuita; no podia ter sido inventada para guarda da castidade das mulheres at ao casamento, pois que esta se quebrava sem receio, nem era a incontinencia olhada como deshonra2. A castidade, como a
Erradamente sem duvida, pois que a lingua d'estes selvagens desconhece o r. 2 Um missionrio do Brazil, que Latilau encontrou em Roma, asseverou-lhe que les Brsiliens taient si dlicals sur Ia rpulation, que si une filie avait manque sonhonneur, non-setilement elle ne tretverait plus se marier-, mais elle ne vivrait pas mme en suret au milieu de sa parente. T. 1, p. 582. Lafitau observa que todos os outros testimunhos contradizem esta assero. Gom tudo no improvvel que o missionrio falasse verdade, a respeito das tribus com quem lidara.
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HISTORIA DO BRAZIL.

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caridade, unia das virtudes da civilizao; as se- 153'2mentes acho-s em ns, mas no produzem sem cultura O fructo. O costume de se arrebanharem em grandes dormitrios sem comparlimentos, produzia entre os ndios um effeito obvio e pernicioso; desapparecia toda a decncia, e a conseqncia era a promiscua xuria, que a seu torno provocava os mais abominveis ultrages contra a natureza. Se o homem se^riav"d'uma mulher, dava-a a quem a quizesse, e tomava quantas apetecia. Tinha a primeira seus privilgios; tocava-lhe um logar separado no dormitrio, e um campo que eullivava para seu prprio uso. No a tolhio porem estas prerogativas que no invejasse as que a supplantavo; e as mulheres que se Vio desprezadas, imitando na devassido os. homens se consolavo. De cimes parecem nada ler sabido os maridos; nem talvez sentimento que sem amor possa existir, e o amor ja uma delicadeza da vida civilizada. Prevalecia o costume judaico de tomar o irmo, ou o mais prximo parente para mulher a viuva do finado. a ffk Pela maneira por que cortavo os cabellos, se Modasdas distinguio algumas tribus. Do comprimento dos raulhe,esseus se desvanecio as mulheres, que ora soltos os deixavo voar, ora os amarravo rentes raiz n'uma ou duas caudas. Goslavo de penteal-os. Para isto lhes servia a casca d'uma certa fructa, at que os Portuguezes e os Francezes lhes mostraro pentes, de que

540 HISTORIA D O BRAZIL. 1552. vivamente se namoraro. Pinlavp as faces de verKoticis. ' melh, azul e amarello, principiando por um ponto nomeio, e, tirando uma linha espiral, at as cobrirem todfls : era isto porem menos magnfico d que a pelle e brilhante plumagem cr de laranja do peito do tucano, que os homens grudavo d'ambos os lados do rosto. Tambm, os logares ds sobrancelhas e pestanas to desarrazoadamente arrancadas, se pintavo. Era-lhes o collar ornato, vedado, cori- oc L e r v c 8 lando-se tanto este como as pedras faciaes e labias, enlre os privilgios viris; mas permiltiao-se:lhes os braceletes, e as primeiras palavras que costumavo dirigir a um Francez ero : Mair \ tu es um bom homem; da-me contas. Ren.te adeante e cortado pela linha das orelhas . usavo os homens o corredio, sedoso e negro cabello, que atraz lhes cabia em ngulos rectos sobre os Jiombros, cortado lambem a fio direito. Os cocares ero de aprumadas pennas do mais brilhante colorido, que reviradas na parte posterior, cahio similhando um collar. 0 achatamento artificial do nariz, bem como o cuidado com que arrancavo as sobrancelhas e pestanas (bem como as barbas e quanto pello tinho no corpo) hediondamente os desfigurava; vindo ainda o modo selvagem, porque, supporido afornioProvavelmente modo por que pronunciavo a palavra france/a maistre, que no a seu turno menor corrupo da latina magister.
1

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seal-as, tornavo disformes as faces, aggravar esta 155i procurada'lealdade. Pendentes das" orelhas penduravao ossos brancos; furadas as faces, n'ellas engastavo outros ossos; e abrindo uma ferida longitudinal debaixo cio lbio inferior, fazi-se segunda bocca, pela quaj quando punho d parle o appendiculo ptreo, ossOj ou ligneo, soio passar de tempos a tempos a lingua. Comtudo o mais singular adorno de que usvo era um supplemento trazeiro, chamado enuape. Fazia-se prendendo os canos das pennas de bslruz ao centro d'um circulo, de modo que formasse uma roseta; e em logar de transferir para a cabea, moda dos Europeos, uma plumagem de g^J; ! ; 8. 16. enfeite, que a natureza collocou na outra extremidade, penduravo-na atraz, exactamentc no fogar onde teria nascido se o homem fosse empennado conio a ema. Quanto iriais brutal a tribu, tanto peor sempre w g j a s tretamento ds mulheres. A muitos respeitos ero os Tupinambs uma raa melhorada : s mulheres cabia um tanto mais do que o seu equitativo quinho np( trabalho, mas no ero tractadas com bruteza, nem era no todo desgraada a sua sorte. Plantavo e sachavo a mandioca, semeavo colhi o milho. Cria-se que plantado por homens no cresceria'o amendoim*. Gstavo os Tupinambs de guiarem-se K|li$?s"
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Espcie deaihendoa da terra, que os Portuguezes chamo AMEN-

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ir,r>2

HISTORIA DO BRAZIL.

nos seus actos por uma theoria physica, sendo provvel que n'esta repartio dos trabalhos agrcolas partissem da mesma hypothese que os selvagens muito mais rudes do Orinoco, qu a explicaro a Gumilla. Pae, dizio elles, no entendes o nosso costume, e por isso odesapprovas. Sabem as mulheres como dar luz, couza que ns outros ignoramos. Quando so ellas que semeo e planto, produz o p de milho duas ou trs espigas, a raiz da mandioca dous ou trs cestos cheios, e tudo se multiplica da mesma frma debaixo de suas mos. Porque? porque as mulheres sabem como dar fructo, e fazer com Gumilla. que as sementes e raizes o dem egualmente. C. 45. Fiar e tecer (tinho uma espcie de tear) era proLeryil;i 0 ma "v! i8. *priamente officio das mulheres. Tirado'da casca o algodo, reduzia-se o fio; no se empregava roca, e o fuso tinha cerca d'um p de comprimento e um dedo de grossura; passava por uma bolinha- e no cimo se prendia o fio. Fazio-no as mulheres gyrar entre os dedos, e fiando o atiravo ao ar, sem que este trabalho as privasse de irem caminhando. Assim preparavo cordas grossas bastante para suas redest> e tambmfiostofinos,que um collele d'elles tecido, que de Lery levou para Frana, foi alli tomado por seda. Suja a rede, o que depressa devia acontecer com o fumo das eternas fogueiras, lavavo-na e coDES,

diz o original. Supponho ser amendoim, como traduzi. (Nota do Traductor.)

HISTORIA; D O BRAZIL. 343 ravo-na com uma espcie de cabao, que cortado 155'2 em pedaos, fervido e mexido, levantava escuma, e empregado como sabo, fazia o algodo alvo de neve. c. il7' Hbeis oleiras ero as mulheres. Seccavo ao sol vasos os vasos, e depois virando-os cobrio-nos de casca de stade, 2, i
1

Noticias.

arvore, a que punho fogo, cozendo-os, assim, suffi- |xarayef cientemente1. A grande perfeio teem muitas tribus americanas levado este arte, havendo algumas que enterro os seus mortos em vasos da altura do corpo, que n'elles fica a prumo. Com auxilio d'um certo ;bJqitido branco vidravo os Tupinambs to primorosamente o interior dos seus utenslios, que os oleiros da Frana o no fario melhor. A parte exterior acabava-se geralmente com menos cuidado; mas as vasilhas em que se guardavo os comestveis, pintavo-se quasi sempre com volutas e arabescos, intrincadamente entrelaados e limpamente executados, mas sem seguir padro algum; nem havia quem soubesse copiar o que uma vez fizera. Estava esta olaria geralmente em uso, e observa de Lery que a e Lery.
*. C. 18.

este respeito estavo os selvagens mais providos do que muita gente na Frana. Tambm fazio cestos tecidos de junco ou de palha. Nem aos homens faltava engenho. Cortavo o Noticias. tronco da goayambira, arvore que ter a grossura
* Nos mercados de Cholula se vendio em grande quantidade vasos de barro to fino e to formoso como os de Faenza na Itlia. Nada tanto como isto sorprehendeu os Hespanhoes, diz Herrera, 2, 7, 2.

344 HISTORIA DO BRAZIL. 1552. (ja perna d'um homem, em pedaos de dez ou doae palmos, a quejirayo a casca inteira, servindo-lhes esta de aljava para as settas e estojo para os apccsst/. Tambm fazio canoas diurna so casca, A arvore,qB> i para isto servia, chama-a Stade yga?ywer; ,tiravio-:'/. lhe a casca n'uraa so pea, e mantendo direita<p meio, com o auxilio de, travessas, e curvando, e con* trahindoas duas extremidades a fogo, estaya promptorl o bole. Tinha a casca uma pollegada degrossur^o i canoa de ordinrio quatro ps de larga eseu&quai-. renta de comprida, podendo algumas levaivat trinta pessoas. Raro se afastavo da costa mais de meia le^s goa, desembarcando e alando a canoa para a praia, stade. 2,25. se o tempo era tempestuoso! . .-<o , 28 Grande destreza revelavo os vrios modsopr 1 Noticias. que peseayo, sendo comtudo notvel que noapplicassem a este mister as redes, quando d'ellas se-servio para dormir. Frecbavo o peixe, e se algum maior levava comsigo a setta, mergulhava o pescador seis braas e mais np seu alcance. To familiar era a gua a, esles ndios, que apanhavo peixes B a m i o de mo, nem receavo atacar os maiores no seu pro-
Ges. i , 56. . . . , '-. ' i i ,

prio elemento, ^ulco. methodo era baterem uns a gua, em quanto outros se mantinho promptos com cabaas, cortadas feio de canecas, para metterem por baixo do peixe mido, ao vir este superfcie atordoado ou espantado. Para pescar canna serviose de espinhos, al que os Europeos lhes fornecero

HISTORf DO BRAZIL. 345 anzoes; ero estes o maior presente que se podia 1552 fazWs criafias.Es um bom homem, da-me arizos, era a sua habitual saudao, e se no btinhfo o que pedio, vingavo-se os selvagens ndios,- dizendo: No prestas para nada, precizo rnatar-t. Quando io os ndios pesair com anzoes, era n'uma jangada feita de cinco ou seis paus da^rossura d'um brao cada um, amarrados com cip; n'esta fabrica de largura apenas sUfficiente para sustel-os, se assentava com as pernas xteridids, e remavo para o mar. A's vezes represavo um riacho, e envenenavo a aeua; Esta arte, ainda que universalmente cothe- Lery: .11.
/ ^ Noticias.

cida entre os ndios americanos, parece nenhures ter % 62 sido geralmente practicada; em parte talvez por se ter descoberto que era fatal criao, e em parte tambm por que no'exigindo esforo algum de destreza tmbem rio dava o prazer incerteza da perseguio. Preservava-se o peixe, curando-o ao furneiry e reduzindo-o depois a po 1 . Em caar macacos para os seus freguezes europeos, A n i m a e s
i _ T ' " . i . domsticos. Noticias.

menos engenhosos se mostravaoos ndios; nao sabiao Lery. u.


..,--.

inventar couza melhor do que frechar o animal, eTjM3t;f4f62., depois curar-lhe a ferida. Gosvo em extremo de domesticar pssaros, e ensinar os papagaios a falar. Gozvo algumas d'eslas aves de liberdade plena,
0 que o punha a seguro da putrefao e dos- vermes, mas no d'uma espcie de traa extremamente destruidora. Misses Moravas,
3,S6. " ''' ' ' '"'"
;

'

540 HISTORIA DO BRAZIL. 1552 voando para onde lhesaprazia, mas acudindq promptas ao chamado de quem ass mantinha. Lagflftos vivio impunes nos ranchos, bem como uma espcie grande de cobra innoxia. Inlroduzidos pelos > Pontut rguezes depressa se vulgarizaro os ces, e em menos de meio sculo depois da descoberta do Novo Mundo .encontravo-se entre todas as tribus sulamericanas . as aves caseiras oriundas da Europa. ) .r.t,u tiRmw , Sabio os Tupinambs pintar pennas com pau brazil: e mettio-nas em grandes cannas ocas tappdas com cera, para guardal-as d'um insecto jJamhinho chamado araners, e que dava cabo do eouto, com grande rapidez. Couraas e escudo fieavao peitados n'um momento, e uma so noute que se deixasse insepulto o cadver d'um animal, no outro dia appaLery 11. recio os ossos limpos, OU :~ " nmm M o d o de ,n$ O hospede que chegava a qualqner aldeia, ia lpg, cxtrangeiros. s e e r a extrangeiro, direito casa do cacique, en-' trada de cujo cubculo de dormir se lhe armava uma rede. Vinha ento este interrogal-o, em quanto os mais se assentavo em roda, escutando. Consultavo depois os velhos em segredo a respeito do recmchegado, se seria um inimigo que viria espionarlhes a fraqueza: um espio pouca probabilidade tinha-de escapar penetrao dos inqueridores, e,se era descoberto, morria. Mas se ja anteriormente linha alli sido hospede, ia para a casa, onde pousara, e cujo dono tinha o privilegio de exercer para todo

HISTORIA D O BRAZIL. 547 y sempre os direitos da. hospitalidade* Cedia-lhe o 1552chefe da famlia a rede de seu uso;prprio, ea mulher trazia-lhe que comer, antes de dirigir-lhe pergunta alguma. Vinha ento o mnlherio, e sentando-se- volta no cho, escondidas nas mos as faces, ^principiava a lamentar-se, acompanhando o hospede estas lamentaes e derramando s vezes lagrimas verdadeiras. mui geral entre os ndios este costume, mais natural do que talvez parea primeira vista: por quanto o primeiro sentimento que se agita o dolapso de tempo decorrido desde a ultima entrevista, dos amigos perdidos n'este.intervallo, e das mudanas e virissiludes da vida humana. Terminadas estas condolncias, principiavo os encomios do hospede: Dste-te ao trabalho de vir-nos ver? Es um bom homem! Es um homem honrado! Se era um Europeu: Trouxeste-nos muitas couzas boas, de que muito carecamos? Lery. eis. i Nossos avs, dizio os Tupinambs, nada, que .prestasse, nos deixaro : quanto d'elles nos proveio, atiram!^ fora, porque o que nos trazeis muito melhor. Quanto mais feliz no a nossa condio, do que foi a d'elles! Mais vastas so as nossas plantaes agora! Ja as crianas no choro, quando as rapamos! Thesouras para cortar o cabello, e pinas para arranar ^is barbas e as sobrancelhas ero avi- Lery.c.i8. .damente procuradas, e os espelhos sobre maneira as?6.a ' encantavo. Digno de reparo se torna no teremos

348
1543

HISTORIA DO BRAZIL.

sei vagens mostrado1 propenso para o furto. Quando de Lery lhes fez a primeira ivisita, tomou^lhe um o chapeo, pondo-o na prpria cabea; cingiu outro a espada; e um terceiro se ataviou com o capote., In* <juietou-se elle um pouco, vendo-se assim despojada} mas era este o costume, nem tardou que tudo lhe fosse restituido. Ero gratos e lembravOrs das ddivas recebidas, aindai.depois tide tel-as o doador esquecido. Ero francos e generosos, to promptosja dar como a pedir; quanto continha a choa estava s ordens do hospede, e quem vinha podia ompartir a refeio1. De boa vontade e at com prazer se mpstravo serviaes; se umEuropeo, que lhes merecia affeio, canava viajando na companhia d'elles,

: 2?63.s' alegres o tomavo s costas. .n\,f>a Traciamento " Uma das mais negras sombras do caracter dos doentes, selvagens, era mostrarem-se insensveis aos doentes, esquecendo-se at de dar-lhes de comer,!'quando - reputavo desesperado o caso, de modo que muitos morrio de fome, que escaparip talvez da maleslia. Diz-se at que s vezes os levavo a enterrar anlesde mortos, eque algumas pessoas ainda se reslabelecio depois de descidas nas maas sepultura. A vista do sepulcro devia provocar um salutar esforo da natureza, quando este era possvel ainda, mas o facto implica tambm ter havido algum,, que sentindo

Excellente povo para os Franciscanos, observa o' auctor das No-' tiias.

HISTORIA DOBRAZIL. 349 compaixo, procurava salvar o padecente. Rijos laos 19S2pneadio todos os membros do cadver, para que erguendo^se no viesse com suas visitas - atormentar os amigps; e quem em seu poder tinha qualquer pouza que houvesse pertencido ao defuncto, apre-Thevet ff 7 sentava-, para enterrar-se com elle, no fosse o ^o.5' morto'vir reclamal-a. Era o mais prximo parente que cavava a sepultura ; quando morria a mulher era aomarido que incumbia este dever. Ajudava elle a depsitaj-a na-cova, aberta dentro de casa e no prprio logarque havia occupado a falecida. Era nttpoo redondo, em que se collocava o corpo n'uma rede: limpa e^em posio "de quem est sentado, Nobrega. com mantihiento deante de si; pois crio algumas Div. Avi. naes que os espritos io folgarentfe*as. ^montanhas, voltando alli para comer e repouzar. a ^d> n* \m,:, u m fe Com (maior pompa se enterrava um cacique. De Enterro u mel se lhenutava o cadver, e revestia-se de pennas. lspeeavo-se os lados.da sepultura para forttiarabobadadeixarido-se espao sufficiente em que exiender rede. Ao lado do finado'se lhe punhoa marac, e as suas armas, e tambm alimento e gua e o cacimbo f por baixo se accendia uma fogueira nonio se vivesse o corpo, fechava-se a abobada^ cobria-se, ca 1 famlia continuava como d'antes a morar em cima da sepultura. Gria-se qun mhanga vinha e devorava o morto, se lhe no deixavo provises, e esta superstio, confirmavo-na os interpretes fran-

350 HISTORIA D O RRAZIL. 1552. cezes, que coslumavo ir furtar os comestveis, Continuavo estas offrendas at se calcular que estaria ja i.y. eis. desfeito o corpoeportanto livre de perigo. Uma ave nocturna ha, do tamanho d'uma pomba, d sombria plumagm e voz tristonha, a que os Tupinambs jamais fazem mal, nerii soffrero que outros lh'o fize-: sem, julgando-a enviada por seus falecidos parentes' e amigos, pra lamentando-s com elles, consolai-os. Quiz o acaso, que de Lery estivesse uma noute a gracejar falando com um de seus compatriotas*, em quanto uma horda d'estes selvagens escutava altenta o piar melancholico da ave sagrada. Um velho o r& prehendeu, dizendo: Cala a boca, nem-nos perturbes, em quanto escutamos os felizes mensageiros de nossos antepassados : que todas as vezes que os ouvimos se nos alegra a alma, e nossos coraes se fortific.' Lucto. Cortavo as mulheres o cabello em demonstrao de lucto, e de preto pintavo todo o corpo. Assim que o cabello tornava a crescer at aos olhos, corlavo-no outra vez como signal de quefindavao lucto; o viuvo pelo contrario deixava-o crescer. Todos os parentes se enfarruscavo, e cada um ao expirar o termo do seu lucto dava uma festa, m que com cantos se louvava o morto. So estes ndios uma raa mais forte do que ns, diz de Lery-, mais robusta e sadia, e menos sujeita a enfermidades. Poucos aleijados se encontro entre elles, e embora haja muitos que chego aos 120 an-

HISTORIA D O BRAZIL. 351 nos de edade, raros so os que encanecem. Mostra 1552isto a temperatura d'aquellas regies, onde nem o frio nem o calor afflige, e as arvores e hervas so sempre verdes; e os habitantes, ;Vvendo exemplos de todo o cuidado, parecem ter molhado os lbios na Leiy (; s fonte da mocidade. A respeito d'esta longevidade, que os ndios freqentemente allingio, e da verde erigorosavelhice que disfructavo, todos os testirounhos concordo, antigos e modernos. Vivendo quasi animaesno estado da natureza, tinho os,seus sentidos essa agudeza que dcslroem os hbitos da vida civilizada1. Se um Tupinamb se perdia nas florestas, deitava-se no cho e farejava o fogo, que pelo olfato percebia a meia legoa de distancia, e de-^ pois trepava arvore mais alta, e procurava avistar fumo, que descobria demais longe do que alcanava o melhor presbyta europeo. Mas caminho, por onde uma vez houvesse passado, o todo o tempo o reco- Noticias. nhecia por uma espcie de faculdade canina. Estes 2,67. dons quanto mais rudes as tribus em tanto maior grau os possuio; mas entre ellas no devemos por certo classificar a raa tupi. Uma causa, que aos ndios retardava o progresso,
Glaude d'bbeville diz que elles sabio distinguir pelo olfato duas pessoas de differentes tribus. FF. 311. Os que foro com elle para Franca avistaro terra muito antes que ningum a bordo, e muitas vezes quando os Francezes imaginavo vela, dizio elles que era apenas negrume do ceo. FF. 312.
1

HISTORIA DO RRAZIL. 1552. e r a a practica de mudarem freqentemente de habioticias. taes. Jamais se demoravo n'um logar mais do que lhes durava o telhado de folhas de palmeira com que cobrio os ranchos; apenas esle, apodrecendo, deixava passar a chuva, em logar de o repararem, emigravo. No o fazio por que estivesse exhausto o terreno adjacente, mas por supporem que a mudana de residncia era essencial sade, e que, se abandonassem os hbitos de seus avs, perecerio. Nestas migraes ero as mulheres as bestas de carga, que levavo as redes, olaria, piles e almofarizes de madeira, e todos os mais haveres. So de suas armas se carrega o esposo, em quanto a companheira pe s costas um cesto, seguro por uma corda, que passa pela testa, e outro cabea, pendendo-lhe dos lados vrios cabaos vazios, um dos quaes serve de sella criana, que escarranchada n'elle se encarapita. Assim esquipada leva ella ainda o papagaio n'uma mo, conduzindo o co pela outra. Se chove durante a marcha, fincados na terra dous espeques, sobre elles se corre um telhado de folhas de palmeira, abrigo bastante contra vento e lempo, por uma 8 - '' noute. Um dos motivos por que os Tupis se no havio . adeantado mais, era tambm o estado dos seus pags* Os catholicos, que em todas as religies, excepto a sua, no vem seno a obra do demnio; e os philosophislas que em nenhuma vem seno erro e de-

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. HISTRIA D O BRAZIL. 553 jCp^O; teem porfiado uns com os outros em pintar '552 jseffeitos horrveis do sacerdcio. Com tudo tm sido sste unicamente, que s vezes tem reerguido homem degradado at ao estado'sei vagem!'Ao descobrir-se a America, achava-se civilizao das suas differentes naes1 eXactamente na proporo do poder que lirihSo os seus sacerdotes, e d venerao em que ero tidos; nem esta auctordade sacerdotal era,conseqncia, mas causa do estado adeantado da sociedade. Em quanto o preste no passa d'um charlato, continua selvagem o povo; o seu triumpho no mais do que a ascendncia de vulgar velhacaria sobre a fora bruta, e embora temido, no elle respeitado.. Mas quando se ergue rim espirito superior, que Combinando velhas fbulas e mal-lembradas verdades com as phantasias da prpria imaginao, assenta os fundamentos drum systema mythlogico, desde esse momento principia o progresso da sua tribtfj Um culto ritual faz nascer artes para seu embelezamento e apoio;r arreigo-se hbitos de vida sedentria apenas se funda um templo, e volta do aliai a; cidade cresce. Considerados como superiores a todos os outros depressa aprendem os homens que se dtino ao servio divino, exemptos de todas as ocetfpaes ordinrias, a assim se reputarem a si mesmos, e de faclo taes se torno. Sobra-lhes tempo para adquirirem instruco e pensar pelo povo : entre esta classe que em todos os paizes teem broi. 23

354 HISTORIA D O BRAZIL. 1552. t ac | 0 os rudimentos da sciencia; nem jamais acima do estado selvagem se ergueu nao, que no tivesse primeiro um sacerdcio regular. proceder dos Tal era o povo que os Jesuitas se propozero J isunas. c o n v e r l e r Principiaro por captivar as affeies das crianas fora de bugiarias que lhes davo; com estas relaes apprendio elles prprios algumas noes da lingua, e habilitavo depressa os pequerruchos ao misler de interpretes. Visitavo os enfermos, e se acreditavo que todo aquelle que borrifassem hora da morte, era uma alma arrancada s garras de Satanas, no ero perdidos nos vivos os caridosos officios que acompanhavo estas converses. A' sua chegada ao Brazil havio sido os Portuguezes recebidos com jbilo pelos naturaes; mas tanto que os originrios possuidores do terreno percebero que os hospedes se io tornando senhores, tomaro armas, e suspensas as intestinas dissenes, tentaro expellil-os. Armas de fogo europeas depressa os rechaaro, e poltica europea depressa lhes rompeu a ephemera alliana. Mas nem a paz com os colonos portuguezes garantia a estes a segurana; quando permitlido reduzir inimigos escravido, no ha amigos seguros. Debalde parlio de Portugal decretos humanos; em quanto se reconhecera atroz principio, de que podem haver circumstancias que constituo legitimamente o homem escravo do homem, fraco escudo sero todas as leis e formalidades

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contra a violncia e a avareza. A' chegada dos Jesutas muilas tribus andavo em armas contra esta oppresso, que primeiro pela noticia de terem vindo homens, amigos e protectores dos ndios, e depois por experimentarem-lhes os bons officios, viero entregar seus arcos ao governador, supplicando-o que como alliados os recebesse. Nenhuma habilitao para o seu officio faltava a estes missionrios. Ero zelosos da salvao das almas; tinho-se desprendido de todos os laos que nos ligo vida, e assim no so no temio o martyrio como antes o ambicionavo. creditayo do intimo da alma na verdade do que pregavo, e eslavo elles mesmos convencidos de que aspergindo um selvagerii moribundo, e repetindo sobre elle uma formula de palavras, que lhe ero inintelligiveis, remio-no de tormentos eternos, a que d'outra sorte eslava inevitavelmente, e, segundo as noes que tinho da justia divina, merecidamentc condemnado.^Nem se pode pr em duvida que fazio s vezes milagres sobre os doentes; pois se acreditavo que o padecente podia ser milagrosamente curado, e este prprio assim o esperava; no raro suppriria a fe a virtude em que confiavo. Principiaro Nobrega e os companheiros a sua. obra pelas hordas que demoravo nas visinhanas de S.v Salvador; persuadio-nas a viver em paz, reconciliavo inveteradas inimizades, e logravo evitar

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a embriaguez e.fazer prometter a monogamia; mas extirpar a anthropophagia no o podero : o delrio de banquetear sobre a carne d'um inimigo era por demais forle para se renunciar. Vos foro todos os esforos para acabar com este habito. Um dia ouviro os padres o alarido e regosijo dos selvagens n'um d'esles sacrifcios; irrompero na rea no momento mesmo em que acabava de ser derribado o prizioneiro, e as velhas arrastavo o corpo * fogueira; arrancro-lho das garras, e vista de toda a horda, estupefacta de tanta coragem, o levaro. No tardaro as mulheres a instigar vingana d'este insulto os guerreiros, que deitaro atraz dos missionrios, a quem apenas havio deixado tempo de enterrar secretamente o cadver. Recebendo disto avizo, mandou o governador buscar os Jesutas malhada de barro que habita vo no sitio onde devia mais tarde erguer-se o seu magnfico collegio. No os achando -alli estivero os selvagens a ponto de atacar a cidade, lendo de reunir toda a sua fora o governador,' que em parte com a demonstrao das armas de fogo, e em parte por boas palavras logrou comtudo induzilos retirada. Passado o perigo, levantaro os prprios Portuguezes alto brado contra os Jesutas, que com fantico zelo tinho posto em risco a cidade, nem lardario a fazer de todos os naturaes outros tantos inimigos. Mas no era Thom de Souza homem que por

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to myope poltica se deixasse aterrar de proteger e 15S2 acrooar Nobrega; nem tardou muito que estes mesmos selvagens, lembrados da verdadeira bondade com que sempre pelos Jesutas havio sido tractados, e de que ero estes os melhores amigos dos ndios, no viessem pedir-lhes perdo, e rogar ao governador que ordenasse aos padres que lhes perdoassem e continuassem a visital-os, promellendo elles nunca mais repetirem as suas festas de homem. Mas demasiado deliciosa era a practica, para d'uma vez ser posta de parte, e continuou em segredo. Quando os 4 padres chegaro a obter sobre os indigenas auetoridade bastante para se fazerem temer, empregavo as crianas como espias, que lhes denunciassem os criminosos. < WBWB?' Um dos Jesutas porem conseguiu abolir efficaz- fhomde mente este costume entre algumas hordas, discipli- DV^S. nando-se deante das portas dos ndios at manar-lhe o sangue, e dizendo que assim se atormentava para desviar o castigo que Deus alias lhes infligiria por um pccado que bradava aos ceos. No podero resistir, e confessando que era mao o que tinho feito, decretaro severas penas contra quem de novo o practicasse. Entre outras tribus porem por felizes se davo os missionrios, quando, lhes deixavo accesso aos prizineiros, para inslruil-os na f salvadora antes de marcharem morte. Mas principiou a metter-se na cabea aos selvagens, que a gua do bap-

I552 D

358 HISTORIA D O BRAZIL. tismo estragava o sabor da carne, e no mais consen-

cdro Corra.

ff'24osi' t * ro Ctue ^ nos baptizassem. Levavo ento os Jesutas lenos molhados, ou humedecio a orla ou mangas do habito, d'onde podessem expremer sobre a cabea da victima gua sufficiente pra preencher-se a condio de salvao, sem a qual estavo persuadidos que seria o fogo eterno a partilha do desgraado. vasc. chr. Q ue n g 0 CI>er o homem, se do seu Creador pde crer
da comp. * 1, 54, 137. e g t a s '
c o u z a g

Se, superando todas as difficuldades, logravo os padres a final converter uma horda, to pouco era esta converso o effeito da razo e do sentimento, que a menor circumstancia fazia recahir os proselytos no antigo paganismo. Manifestou-se entre elles uma epidemia; dissero que era a molstia devida s guas do baptismo, e todos os conversos, que Nobrega e seus companheiros operrios com tanto trabalho havio recrutado, os terio abandonado e fugido para as selvas, se elle no empenhasse a sua palavra de que o mal em breve cessaria. Felizmente cedeu elle effectivamente s sangrias, remdio a que s.vasc. os ndios no estavo costumados. Pouco depois veio uma tosse calarrhal ceifar muitos, e tambm isto foi imputado ao baptismo. Os prprios Jesutas no atlribuio a este maior virtude, do que os selvagens fazio em sentido opposto; uma so calamidade os no visitava, cuja origem se no buscasse logo n'estas gotas de gua mysteriosa. Muitas tribus a suppozero fatal s

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crianas; a anciedade com que os missionrios bap- 1552tizo os moribundos, e especialmente os recemnascidos, que no prometlem viver, occasionou esta idia. Principiaro agora as naes visinhas a olhar com horror os Jesutas, como homens que comsigo trazio a peste: mal vio approximar-se um logo toda a horda se reunia, queimando-lhe no caminho sal e pimenta, fumigao que passava por bo eontra pragas e espritos malignos, e para no deixar entrar a morte. Uns ao verem vir os padres tomavo todos s Vasc c c os seus narres e abandonavo as habitaes; outros *'115fsahio-lhes ao encontro, dizem os Jesutas, tremendo como varas verdes ao soprar do vento, pedindo-lhes que seguissem avante, sem lhes fazer mal, e mostrando-lhes o caminho. Os pags, como fcil de suppr, invidvo todos os esforos contra os concorrentes que lhes vinho estragar o negocio, e persuadio os ndios que estes lhes mettio nas entranhas navalhas, lhesouras, e outras couzas assim, com que os fazio morrer..., feitiaria em que os selvagens parecem ter geralmente acreditado. Quanto mais adentro penetravo os Jesutas no paiz, mais forte encontravo este sentimento de terror. Mas a final cedeu sua perseverana, e a superstio dos naturaes levou-os ento ao extremo opposto ; trazio suas provises para serem benzidas, e onde contavo que passaria um padre, Ia se io thom ae D Souza. portar para receberem a beno. T "m s *

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Assim q u e podiHo fazio os Jesuilas pelos neophytas e r g u e r n a aldeia u m a capella, q u e ainda q u e tosca, os prendia localidade, e estabelecio u m a eschola para as crianas, que catechizavo na sua p r p r i a lingua, ensinando-as a dizer o P a d r e nosso sobre os doentes, dos quaes u m so se no restabelecia, cuja c u r a no fsse por todos attribuida a m i l a g r e , se se tinha observado esta receita. T a m b m as i n s t r u i o

na leitura e escripta, e m p r e g a n d o , diz Nobrega, a m e s m a persuao com q u e o i n i m i g o venceu o h o m e m : Sereis quaes deuses, conhecedores do b e m e do m a l . Admirvel parecia esta sciencia aos ndios, b ? Div AII S l u e P o r 1SS0 v i v a m e n t e desejavo obtel-a, prova irreff. 34. f r a g a v e l de quo fcil teria sido civilizar esta raa. D'entre os missionrios era Aspilcueta' o mais hbil escholastico; foi o p r i m e i r o q u e compoz u m catechismo na l i n g u a t u p i , transladando para ella oraes. Apenas se tornou assaz senhor do idioma para n'elle se e x p r i m i r com fluidez*e valentia, adoptou o systema dos p a g s , e principiou a cantar os myslerios da fe, correndo roda dos ouvintes b a tendo os ps, p a l m e a n d o e imitando todos os tons e gestos q u e mais costumavo affeclal-os. Nobrega abrira perto da cidade u m a eschola, onde instrua os filhos dos n a t u r a e s , os orphos m a n d a d o s de Portugal, e os mestios, aqui chamados mamelucos. Aprendio a ler, escrever e c o n t a r ; a ajudar a c 5-Y ^- ;.- missa e a cantar os officios, e ero m u i t a s vezes le1, g 93, l i o .

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vados em procisso pela cidade. Produzia isto mui >52 salutar effeito, por quanto ero os naturaes apaixo- nados pela musica, to apaixonados que Nobrega principiou a esperar "que a fbula de Orpheo seria o protolypo da sua misso, e que com cantos converteria os gentios do Brazil. Costumava levar comsigo quatro ou cinco d'esles meninos de choro nas suas expediesdecatechese,eaoapproximarem se d'uma povoao, ia um adeante com o crucifixo, eentravo todos a cantar a ladainha. Quaes cobras se deixavo os selvagens vencer da voz do encantador; recebiono alegres, e ao partir elle com a mesma ceremonia, . seguio as crianas a musica. Poz em solfa o catechismo, o Credo e as oraes ordinrias, e to forte era a tentao de aprender a cantar, que os Tupizitos fugio s vezes aos pes para se entregarem nas Ant. vin*.
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Div. Avi*.

mos dos Jesutas. > f . Maiores difficuldades encontravo os padres no proceder dos seus compatricios, do que nos hbitos e disposio'.dos indigenas. No meio sculo que a colonizao do Brazil ficara entregue ao acaso, tinho os colonos vivido quasi sem lei, nem religio. Muitos nunca mais se havio confessado nem tinho commungado desde que estavo no paiz; os mandamentos da Egreja no se cumprio ^por falta de clero que administrasse os sacramentos, e com as ceremonias se havio esquecido os preceitos morales. Crimes alias fceis de se reprimirem no principio, tinho

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1S52

HISTORIA DO BBAZIL.

com a freqncia degenerado em hbitos, agora ja . por demais robustos, para serem suffocados. Havia por sem duvida indivduos, em quem se podia fazer . reviver o senso moral, mas na grande maioria estava elle anniquilado : sobre aquelles homens ainda o . medo das gals podia alguma couza, o temor de Deus nada. Estava em voga entre elles um systema de concubinato, pcor que a polygamia dos selvagens: estes tinho tantas mulheres, quantas querio ser suas esposas; aquelles tantas, quantas podio escravizar. Indelvel estigma marca os Europeos nas suas relaes com todas as raas que reputo inferiores : a luxuria e a .avareza perpetuamente se contradizem. 0 fazendeiro toma hoje uma escrava por concbina, e manha a vende, como se fora d'outra espcie e mais vil... uma besta de trabalho. Se ella-em verdade um animal inferior, que diremos da primeira aco? Se um ente egual a elle, uma alma immortal, que diremos da segunda? De qualquer modo ha sempre um crime commetlido contra a natureza humana. Nobrega e seus companheiros nobremente recusaro administrar os sacramentos da Egreja aos que retinho ndias por meretrizes e ndios por escravos. Este proceder resoluto e christo reconduzia muitos ao bom caminho; uns por que as conscincias no havio ainda morrido n'elles, dormitando apenas; outros por mundanos respeitos, julgando os Jesutas

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armados de auctoridade secular alem da espiritual. 1552 Sobre estes ltimos no podia pois o bom effeito ser, seno passageiro. Poderosa como a religio catholica, mais potente ainda avareza; e em despeito de todos os esforos d'alguns dos melhores e mais hbeis homens, de que a ordem jesui- * ' tica, to frtil em vares illustres, se pde jamais gloriar, continuou a practica de escravizar os naturaes. Depressa principiou a crescer o numero dos Jesutas; tambm se admittiro alguns coadjutores leigos, que conhecendo a fundo os costumes e lingua dos ndios, e chorando amargamente os crimes que contra estes havio commetlido, possuio as melhores habilitaes de conhecimentos e zelo. A armada do anno seguinte ao da chegada dos primeiros padres, trouxe outros quatro, e para Nobrega o titulo de vice provincial do Brazil, sujeito provncia de Portugal. Dous annos mais tarde chegou como bispo do Brazil D. Pedro Fernandes Sardinha, com presbyteros, conegos e dignitarios, e alfaias,de toda a espcie para a sua cathedral : tinha estudado em Pariz, onde se doutorara, servido de vigrio geral na ndia, e em ma hora, vinha agora despachado para a Bahia. N'aquelle tempo no se podio mandar colonos melhores do que o clero, pois que a ningum se confiava esta misso, que no se distinguisse pela sua aptido especial para o ministrio, No se havio

364 HISTORIA D O BRAZIL. 1552 .- ainda construdo os favos, nem accmulado o mel para os zanges da superstio. ( Anciosamente aguardava Nobrega a chegada do bispo. Nenhum demnio, dizia elle, o havia perseguido tanto a elle e a seus companfretros, como alguns * dos ecclesiasticos que elles viero achar no paiz. Acorooavo estas sevandijas os colonos em todas as suas abominaes, mantendo abertamente que era licito escravizar os naturaes, pois que ero bestas, e depois servir-se das mulheres como barregs, pois que ero .escravas. Era esla a doutrina que em publico prgavo, e bem podia Nobrega dizer que elles fazio o officio do demnio. Oppozero-se aos Jesutas - ,com a mais requintada virulncia; se estava en jogo o seu interesse! Nem podifo tolerar a presena de D VA V S homens que dizio missa e celebravo todas as ceff. 49, so. rmonias da religio... de graa. No governo de Thom de Souza foro quatro colonos sem licena sua traficar n'uma das ilhas da bahia, onde tinho travado relaes com algumas mulheres do paiz. Havio estes ilheos andado antigamente em guerra com os Portuguezes, mas depois se fizera a paz : sobreveio-lhes porem um accesso de vingana, provavelmente no sem provocao, e matando todos os quatro christos, os comero. Veio-se a descobrir o caso; uma parlida de Portuguezes atacou os selvagens, tomando Uiria mulher e dous velhos, que foro executados como tios dos principaes delinqentes.

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Abandonaro os habitantes a ilha, mas tendo alli 1552deixado muitas provises, voltaro com um corpo de alliados ds montanhas, esperanosos de podei em manter-se com esle auxilio. Contra elles mandou o governador marchar toda a fora que pode reunir, * ficando apenas corn a guarnio precisa para a cidade. Foi Nobrega na jornada, levando um crucifixo, que infundiu nos selvagens pavor, nos christos valentia. Fugiro aquelles sem resistncia, queimaro estes duas aldeias n'esla e n'uma ilha prxima. Aterrados ficaro os naturaes, e ter-se-io sujeitado a todas as condies, se tivessem podido crer que houvesse Ant pjrcs Dl condies que lhes fossem guardadas. f ^ IS ' No mesmo governo sahiro alguns aventureiros s. vasc.c. c. descoberta de minas. Conjectura Vasconcellos, que '*' ' elles se dirigirio ao serto de Porto Seguro, ou Espirito Saneio; voltaro porem nada feito.

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1555.

HISTORIA DO BRAZIL.

CAPITULO IX
D. Duarte da Cosia governador. Anchieta. Erige-se o Brazil em Provncia jesuitica. Estabelece-se uma eschola en Piratininga. Morte de D. Joo III. Mem de Sa governador. Expedio dos Francezes ao Rio de Janeiro debaixo do commando de Villegagnon. Ataco-lhes os Portuguezes a ilha e destroem-lhes as obras. Guerra com os Tamoyos. Nobrega e Anchieta negocio com elles a paz;. Derrota final dos Francezes no Rio de Janeiro, e fundao da cidade de S. Sebastio.

1555. Apoz quatro annos de governo pediu Thom de governador* Souza a sua excusa, e foi D. Duarte da Costa despaKoticias. .
An

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-,

Ms. 2,3.. enado seu suecessor. Com o novo governador vierao


Chega
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Brai sele Jesutas, enlre os quaes Luiz da Gran, que fora reitor do collegio de Coimbra, e Jos de Anchieta, ento coadjutor temporal apenas, mas destinado a ser celebrado na historia jesuitica como o thaumaturgo' do Novo Mundo. Ja Loyola, o patriarcha, como o chamo, da companhia, ou antes Laynez, cuja mo de mestre punha em movimento toda a machina, per' Aqui achar o leitor a historia de Anchieta. Sobre a mylhologia da sua vida * alguna couza se encontrar inais adeante (vol. 2), onde se d noticia da biographia dYstc fazedor de milagres por Sirno de Vasconcellos. * Lembramos ainda ao lector que Sotithey protestante e que por ie*o chama mythologia os portentosos feitos da vida d'Anchieta. (P. F.)

HISTORIA D O BRAZIL. 367 cebera a importncia d'esta misso, e delegando no- 1553vos poderes em Nobrega, erigira o Brazil em Provin- Erige-se o
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Brazil em

cia independente, nomeando-o a elle e a Luiz da Gran j ^ S provinciaes conjunctos. No tendo porem ainda nenhum d'estes padres tomado o quarto grau, que era o ultimo e mais alto da ordem, recommendou-selhes que o recebessem agora das mos do Ordinrio; e d'entre os seus companheiros escolhessem consultores, um dos quaes os devia acompanhar em todas
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S. Vasc.C.C.

as jornadas. *,* Elevado ao poder, foi o primeiro acto de Nobrega Estabeieci1 1

inento em

fundar um collegio nas plancies de Piratininga . PiliningaUma necessidade se tornava este estabelecimento agora que a sociedade era ja numerosa ; tinha muitas crianas de ambas as cores que sustentar, e.as esmolas de que subsistia no ero sufficientes para o alimento de todos n'um so logar. A dez legoas do marficavao sitio escolhido, e a trinta de S. Vicente, sobre a grande cordilheira que se extende ao correr da costa. Era o caminho de ngreme edifficil subida2,
Assim se chamava a residncia de Tebyre, d'esse regulo que era o sogro de Joo Ramalho, fizera alliana com Martim Affonso de Souza, e com o nome d'este se baptizara. Piralinim ou Piratininga era nome d'um rio^ que vae cahir no Tiet, antigamente o rio Grande^ d'ahi se chamou assim primeiramente o estabelecimento sua margem, e depois o distrito inteiro. Fr. Gaspar da Madre de Deus. Mentor, para a Hist. de S. Vicente, p. 106. s Um sculo mais larJe, aberto ja um caminho na melhor direco, assim o descreve Simo de Vasconcellos : O mais do espao no caminhar, trepar de ps e de mos, afferrados s raizes das arvores,
1

368 HISTORIA D O RRAZ1L. 1553. interrompida por chapadas de terreno plano, e assim continuava por oito legoas, at que aos olhos se mostrava um paiz encantador n'aquella temperada regio do ar. Havia aqui lagos, rios, arroios e fontes, com rochedos e montanhas, que ainda se erguio sobranceiras, to frtil a terra, quando podio tornala um solo rico e o mais feliz de todos os climas. As melhores fructas da Europa alli se do, a uva, a vasc. c. c. maa, o pecego, o figo, a cereja, a amora, o melo, o melancia, e abundo em caa os bosques. Treze da companhia.foro, debaixo da obedincia de Manoel de Paiva, mandados colonizar este sitio,
e por entre quebradas taes e taes despenliadeiros, que confesso de mim, que a primeira vez que passei por aqui, me tremero as carnes, olhando para baixo. A profundeza dos valles espantosa : a diversidade dos montes uns sobre outros, parece tira a esperana de chegar ao fim : quando cuidaes que chegaes ao cume de um, achaes-vos ao p de outro no menor: e isto na parte ja trilhada e escolhida. Verdade , que recompensava eu o trabalho d'esta subida de qumdo em quando; por que assentado sobre um d'aquelles penedos, donde via o mais alto cume, lanando os olhos para baixo me parecia que olhava do cec da lua, e que via todo o globo da terra posto debaixo de meus ps : e'com notvel formosura, pela variedade de vistas, do mar, da terra, dos campos, dos bosques e serranias, tudo Vario e sobre maneira aprazvel. Se se houvera de medir o grande dimetro d'esta , serra, houvramos de achar melhor de oito legoas; por que supposto nae vae fazendo em paragens algumas chs a modo de taboleiros, sempre vae subindo, e tomando mesma aspereza, ainda que em nome diversa, chamada em uma das paragens Pran Piac Miri, e logo cm outra Cabaru Parangaba; e tudo a mesma serrania. E finalmente vae subindo sempre at chegar ao raso dos campos, e segunda regio do ar, e onde corre to delgado, que parece se no podem fartar os que de novo vo a ella.

HISTORIA BO BRAZIL.,, 369,1 ondp ja>Nobrega tinha previamente,estacionado at, is53 gun.dos seus conversos.,i Com elles foi Anchieta I como mestre escholai! Celebrou-se a primeira missa peja festa dai converso de S* Paulo, e d'esl circunstancia, como debom agouro, dero ocollegioj &tiowe do Saneio, nome que se estendeu cidadeI-, que alli foi crescendo, e se tornou famosa na his- | tfiaida America do Sul. Ainda os planos, de Pirali-r!i nfoga no tinho sido melhorados pela cultura eu* robea; a natureza em verdade os preparara para um paraizsfe terrestre,'mas qual ella os deixara, assim estavo, no assistidos da arte humana. E aquii estamos, diz Anchieta n'uma carta escript a Ag-de 1354. Loyola, s vezes mais de vinte dos nossos n'uma bai> r$qigiithas de cannio e barro ^coberta de palha, qua- , oiii.! torz psi de comprimento, dez de largura. isto a eschola, a enfermaria, o dormitrio," refeitrio,:> cozinha, idespensa. No invejamos porem as mais espaosas;; manses que nossos irmos habito em ou-. Iras partes, qjue Nosso Senhor Jesu Christo ainda em mais^perlado logar se viu, quando foi do seu agrado nastercentre brutos n'uma manjadoura; e muito mais apertado; ento quando se dignou morrer por ntknacruz. V;,;UJU'V>:M1 am a fnu ubb-n '.Ai.* t fior falta de espao rio era porerri que Anchieta, seusiirmOse pupilos assim vivio apinb.ados.; Arrebanhavo-se assim, para se resguardarem do frio,: contra oqrial estavo miseravelmente! providos^ Fogo,
1. 24

370 HISTORIA D O BRAZIL. sim, tinho-no, mas com elle tambm fumo que farte, faltando-lhes chamin; e parecendo s vezes o frio o mais supportavel dos^dous males, estudavo ao ar livre. Dormio em redes, nem tinho roupa de cama : de porta lhes servia uma esteira pendurada entrada. Os vestidos tambm havio sido calculados para regio menos visinha do ceo, pois ero de algodo os poucos que tinho; e andavo sem calas nem sandlias. Meza lhes ero folhas de bananeira eguardanapos, diz Anchieta, berii se excuso onde nada ha que se coma, pois de facto alimentavo-se apenas v a < cc c d u e o s ndios lhes davo, s vezes esmolas de D-'vida5de farinha de mandioca, e mais raro algum peixe dos
1553>
Anchieta. 1 i 1

1, s, i. crregos, alguma caa das selvas. Trabalhos de Muitos discpulos, tanto crioulos como mestios,
Anchieta. , . 11 n

alli vinho das prximas.aldeias. Ensinava-lhes Anchieta o latim, e d'elles aprendia o tupinamb, de que cornpoz uma grammatica e um vocabulrio, os primeiros que se fizero. Dia e noute trabalhava incanavel no desempenho dos deveres do seu cargo este homem, cuja vida to honrosa para elle e para a ordem, bem podia despensar o machinismo dos milagres. No havia livros para os pupilos ; escrevia elle a cada um a sua lico n'uma folha separada depois de concluda a tarefa do dia, e s vezes vinha a manh sorprendelo antes de completado o trabalho. As cantigas profanas, que andavo em voga, ' parodiou-as em hymnos portuguezes, castelhanos e

HISTORIA DO BRAZIL.

371 '

tupinambs; pela mesma transformao passaro na 1555 prpria lingua as bailadas dos naturaes;... quanto lhi no agradeceriamos mais, se nol-as houves conservado na sua integr^! Tambm formulou no mesmo idioma para uso dos cnfessores, interrogaes prprias para todas as occasies, e para os (catecumenos escreveu dilogos, m que se explicava toda a f catholica. Sirvo diz elle de medico e barbeiro, medicando e sangrando os ndios, e alguns se restabelecero com os meus cuidados, quando ja se no contava com as suas vidas, lendo outros morrido da mesma enfermidade. Alem d'estes empregos aprendi outra profisso, que a necessidade me ensinou, a de fazer alpercatas; sou agora bom obreiro n'este officio, e muitas tenho feito para os irmos, pois com sapatos de couro no se pode viajar n'esles desertos! x > Os cordes para estas alpercatas fazio-se d'uma-espcie de cardo bravo, que era mister preparar para o effeito, e que tambm servia para as disciplinas que. todas as sextas feiras se applicavo os pobres rapazes, a quem se ensinava que atormentar-se a si mesmo uma virtude hrist. Para sangrar no tinha o bom do padre outro instrumento alem d'um canivete de aparar pennas. Suscitro-se escrpulos a respeito d'este ramo da sua profisso, pois que ao clero Ancketa. prohibido derramar sangue1; consultado Loyola, respcWeu que a caridade se extendia a tudo.
1

Era por isto, que, entregando um herege, para ser castigado,

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553

RISKTCJK1A DO BRAZIL.

- ifiA trs legoas de Piratininga ficava uma aldeia, , , m ontra wrati- chamada dcSanclo Andr, e Habitada principal montei
Ataque
mnga. '
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pbr mestios. Longe de ser um vinculo que unisse as duas raas, era esta casta mais dessperadamente infensa aos naturaes do que os propritts PorkugueeS. Odiavo os Jesutas, que combalio o costume do paizf, domo o dizio, intervindo no que chamavo a liberdade de'fazer escravos. A reduco e civilizao dos ndios olhav-na estes miserveis como necessariamente destructivados seus interesses, e escogitro engenhoso meio de crear nos selvagens prejuzos jcontra o christianismo. So a cobardia, lhes dizio, os induzia a dixarem-se baptizar; letlio encontrar o inimigo no campo, e acolhio-se sob a gide da Egreja. De todas as exprobraes er esta a mais pungente que a um ndio podia fazer-se. Accrescentavoque ero os Jesutas um cafila deindi-1 viduos. expulsados do seu paiz por vagabundos, e' que para homens que sabio servir-se d arco, era' uma vergonha, deixar-se governar por'elles. Instigadas por estes malvados1, avanaro algumas tribus visinhas sobre Piratininga,'ms,'sahindo-lhes ao encontro os conversos, foro derrotadas. De noute
pedia o clero, que no se derramasse sangue... 'e depois cantava um Te Devim com todo; a paz o)e conscincia, vendo-o queimar' vivo *. > ; - ,*4. ' i Ou pjelo diabo, diz Vasconcellos. No bem liquido por.iqUem. m l - _.- " ' ..br.it/) J Aj.nK"-' * Como d fcil de conhecer, o auctor exagerado e injusto ne;le"scu . juizo. F.P. ..J .a-.i ,)^.M . n oh;i. .'jiJii') . >[> ,.'n -40'f <i-

c.c.i^m. ,-., ,.

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HISTORIA DO RRAZIL.

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voltaro a campo de batalha para levar os padvres SSSdos inimigos; e com elles se banqueterem. Achando a Aejfra-revolvida deufresco, e concluindo queios corpos 'allitdeviadiistap nterraldos, 'cavaro e achando-os, os levaro. Ao romper o dia, chegados s suas aldejosv > reconhecero as "feies dos seus prprios .o ; anortos, e a ialmejada festa itrbcou-s era lamentos. ; 1. 6M6. uluTo dispost como d seu predecessor no estava Desavena
. entre gover-

Jkfluarte a cpdperarl com o clero > nas suas vistas nadorewspo. bepevolflti Procedera o bispo contra os colonos de*toqjweiitesiicom. um rigor que o governador deveria tbJsecumddo, assim houvesse elle 'entendido1 !s flwladeiQS1 interesses da colnia; mas de converso Oicoritraripri, pretestando qra usurpava o prelados dkdilS)da coroa. Pouco se pde tirar a limpo a respeito d'esta controvrsia; i refeiie*se que o bispo an^ 4Ytt> itesla d'um bando, e o goveruador e, su filho depoutro/yo- que originou entreos<dous muita inimiwfe, e nalcidade muitos tumultos. Fr. Antnio Pires ideAncilitu, persuadindo ofilho a pqdir perdoao n";. u'. ibj$ppCouza difficil dje eopseguir-s de iriartcebo to -pjrndjoistorQsOt Proara .aisubmisso que era este o culmdOiiDe >pouco valeu porem a reconciliao, pois qiWono. anno (Seguinte >se embarcou o bispa para fi&tt^gfll) a^xpr a o r e i O seii.icasojNaafragUMOs Rocha riita. b?lixoBde>D^rai(scoi,;cpiaeiOisobiseia costa^ n^uma ^jkgra entre orrioiS, Francic efCiHrqp\i Saltou paria os a c |^ ls itenrl ) tr^ielftj masi caHi u.fiasjfaosdos ahs, bi5p0-

374 HISTORIA D O BRAZIL. 1553. q Ue desapiedadamente mataro e devoraro homens, mulheres e crianas, cem pessoas brancas ao todo, com seus escravos. Sos dous ndios e um Portuguez, que lhes entendia a lingua, escaparo para trazer a nova. vasc;, .c. E tradio commum, diz o historiador jesuta, que 118. desde aquelle dia nenhuma belleza natural nasceu mais no sitio onde foi assassinado o bispo; adornado -10 de hervas e arvores e flores at ento, agora ermo e estril, como as montanhas de Gilbo, depois que nas suas lamentaes as amaldioou David. Fcil era esta historia de inventar e com tanta f como edificao se acreditaria depressa -em qualquer outra parte do Brazil,* que no no prprio logar. A vingana que se tomou dos Cahets, remove d'elles a nossa indignao para sobre os seus crus perseguidores. O povo inteiro com toda a sua descendncia foi condemnado escravido, decreto iniquo, que no so confundia o innocente com o culpado, mas at offerecia pretexto para escravizar todo e qualquer - ndio. Bastava affirmar que pertencia a esta tribu precita, e o accusador era juiz na sua causa. Ao perceberem-se estas conseqncias, mitigou-se a sentena, de cujo rigor se eximiro todos os que se convertessem, e como isto ainda no aproveitasse, revogaro na afinal inteiramente; mas antes d'este acto de tarVasc. C. C. . ., , * . ,

3, 43. dia justia ja quasi a tribu toda estava exterminada. No governo de D. Duarte da Costa falleceu

HISTORIA DO BRAZIL.

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D. Joo III. Seguiu-lhe a rainha regente por alguns 1557tempos os planos de engrandecimento do Brazil, josoem! pelo que se lhe no percebeu immediatamente a perda. No anno seguinte veio Mem de S, irmo de Memdes, Francisco de Sa de Miranda, o poeta, renderD. Duarte. govcrnadorTinha sido nomeado em vida d'el-rei, e na proviso se dizia que teria o governo no so pelo termo ordinrio de trs annos, mas por todo o tempo que approuvesse a S. M. Desembarcando, fechou-se o novo governador com os Jesutas, e, segundo estes dizem, levou oito dias a estudar com Nobrega os exerccios espirituaes de Loyola. Injurio elles Mem de S e a si prprios se diffamo, inculcando que este tempo de retiro no foi empregado em obter do melhor poltico, que n'elle havia, informaes sobre o estado do paiz. 0 primeiro cuidado do governador foi prohibir aos Brado indigenas alliados comerem carne humana, e faz- suafmedtdag
a favor dos

rem a guerra, salvo por motivos que elle e o seu naturaes. conselho previamente approvassem; e reunil-os em . aldeias, onde havio de edificar egrejas para os ja convertidos, e casas para os seus mestres Jesutas. Contra estas medidas grandes clamores erguero, no os naturaes, mas os prprios colonos, que no podio ver os selvagens considerados como entes racionaes e humanos. Invectivro os actos do governador como violaes da liberdade dos ndios; dissero que era absurdo prohibir a tigres que comessem carne hu-

576 HISTORIA DO BRAZIL. 1557. j, m a na; que quanto mais elles entre si se guerreassem, J ii ii tanto melhor para os Portuguezes; e que reunil-os reto vastas aldeias, era organizar exrcitos, com que tobd, ' no tardaria que estes tivessem de medir-se. A taes
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* argumentos tacil era a resposta, e quanto a qualquer prigq, que podesse dar-se, dizio com razo os Jesuitas, qe mais o devio temer s que havio de viver entre esses mesmos ndios; e comtudo de nada o se arreceavo. Um cacique se oppoz ao decreto : foi * Gururupebe, o Sapo Inchado'. Declarou este ousadamente, queem despeito dos Portuguezes havia de ) < comer os seus inimigos, e at os comeria a elles tam0 bem, se tentassem impedir-lh'o. Fez Mem de S marchar contra este selvagem unia fora, que cahiu 1 de noute sobre a sua gente, derrotou*a, aprizioriou-o a elle e trouxe-o para a cidade, onde o Sapo foi posto vl'5o-54.' em boa custodia, ircr/o- o ! > obi-f>Iii.. biyinruf 0 *I,'-'H M U - K\i;Se por um lado se promulga vo estas leis, porouJCIUJ r i/|ra se-randavo pr em liberdade todos ps^ndios - (i indevidamente escravizados. Um colono poderoso recusou obedecer : Mem de S mandou cercar-lhe a casaearrazal-a, se recai eitrasse mais um momento. o Esta justia summaria, seguida como foi de geral e o enrgica execuo do edicto, convenceu os alliados > das boas intenes do governador para com elles. De1 Medidas vig(i.>'pressa devio ter d'ist mais uma prova. Estando'a r a s indk^-peMair frao Ires ndios aprisionados pelos seus inirfrtctrios

- riiigos, levados e comidos. Mandou Mem, de S re-

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cdo tribu aggressora, que entregasse os crimino>

os, para serem" executados. Terio'annuido os caciqueSj tnas poderosas ero as pessoas implicadas o'riegocio; as hordas visihhasfizerocausa commum com ellas; duzOntastribus, que povoavoas margens d Paraguass/uniro-se em defeza do seu habito favorito, e a resposta foi que, se o governador queria os^Mwqurites, Tosse l buscal-os. Foi o que elle (fc8BdvleU'ftizer, mao grado a-opposio doseoloriog. Comi elle se pozero em cafnpo os ndios alliados, -um Jesuta frente, e a cruz por estandarte. Encontraro inimigo bem postado e ri fora consideravely mas pozero-no em fuga. Depois da'batalha descobriu-se que a um dos mortos se cortara^ um -brjb; como evidentemente no podia isto ter sido 1 feito, seno por um dos alliados'para comel- em 'sgredo, mandou o governador proclahiap que aquelle 'brao havia de ser posto ao p do corpo, antes que o tese-eib^tiSs alimento, ori repouzasse da batalha. -Wiirtfenmf W^irite fdi o inimigo prseguido,'' soffrrTilbv' nisvra derrota, apozia qual entregou os<|&riminosos, e pediu allian com as mesmas con. ;. . ,
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i r liJ01fA !;!

Vasc. C. C.

'drQ|)qflsO!tras(ribus. > oiyffjtftftM.o 2,155-59. 1 * 1 > Contra mais formidvel inimigo teve Mem de S Espedi5o de -adevtPllapra as armas. Desde os' tetopOs dai pri- T S ? i^ffdescoberta havio os Francezesfreqentadora ^iaidOJBi^zil; agora teritavOestabelecer snRo ^deJaheirOj eapitoneados por Nicolao Durand de Vil-

378 HISTORIA DO BRAZIL. 1557. legagnon, natural da Provena, e cavalleiro de Malta. Era este aventureiro um atrevido e experimentado marinheiro. Quando os Escossezes resolvero mandar para Frana a sua jovem rainha Maria, e com razo se receava que os Ingiezes o aprizionassem, Villega^gnon, que commandava uma esquadra de gals francezasem Leilh, fingiu partir para a sua terra; em logar d'isto porem deu volta Escossia, navegao que para aquelles vasos se reputava impracticavej, tomou a rainha na costa occidental, ea salvo a poz na Bretanha. Em muitas occasies dera elle iguaes pro? vas de valor e habilidade, e para soldado d'aquellas eras tinha o raro mrito de possuir no pequena dose de instruco. Este homem, por intermdio de Coligny, representou a Henrique II que era da honra e interesse da Frana emprehender uma expedio America; que tal tentativa distrahiria a atteno e debilitaria a fora dos Hespanhoes, que d'alli,tiravo to avultada parto de suas riquezas; que os naturaes gemio sob intolervel jugo e que para elles seria um bem, e para o mundo uma gloria libertal-os e abrir Europa o commercio da America. No sei por que lgica se podia isto applicar ao Brazil, paiz que no era da Hespanha, nem aos Portuguezes, povo que no estava em guerra com a Frana. Tal era comtudo o pretexto publico' e Coligny deixou-se levara prestar
1

Lescarbot diz de Villegagnen : Iljette Vozil et son dsir sur les

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1557

toda a sua influencia a este projecto, por lhe prometter Villegagnon em segredo, que abriria na co " *

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Thuanus.
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lonia um asylo aos protestantes. Ja Villegagnon tinha feito anteriormente uma viagem ao Brazil', entabolado relaes com os natuA pedido do almirante deu-lhe agora Henrique II duas naus de duzentas toneladas, e munies e gneros de metade d'este pezo. Levantou-se uma companhia de artfices, soldados, e nobres aventureiros, e do Havre de Gjace, ento chamado Franciscopolis, em honra de seu fundador Francisco I, partiu a expedio. Abriu gua a gal de Villegagnon com u m tufo, que cahiu, e teve de arribar a Dieppe; mal tendo o porto gua para navios de tanto calado, e continuando o vendaval, houve na entrada grande difficuldade; mas os habitantes, que tinho adquirido honrosa reputao pela sua actividade n'estas occasies, viero em soccorro dos navegantes, e rebocro-nos para dentro. Entretanto tinho os artfices, soldados e nobres aventureiros experimentado o enjo do mar, e aproveitando o ensejo, abandonaro a ex-

>* 46i556.
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Brit0

raes, e escolhido local para o seu estabelecimento.

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lerres du Brsil, qui rtestoientencores occupes par aucuns chrtiens, en intention d?y mener des colonies franoises, sans troubler VWspagnol en ce quHl avoit dcouvert etpossdoit. P. 146. 1 Esta viagem a que se refere Southey, sem duvida levada pelo testimnho de Rocha Pitta, parece no se ter verificado : ao menos nemuma meno d'elle fazem Thevet e Lery. F. P.

$80 HISTORIA] DO: DB A Z IL. ii556 pqjf)!; a esta desero se pd attribuir em parte o mal logro final d'esta jornada.a rion^HiV TXJVS oBiod Apoz longa e penosa navegao entrou ViHegaJaneiro. r : 1 i i 1

. ') < ; < . (

gnon no Rio de Janeiro; bem combinado hyia sido o iplano da expedio, o logar bem escolhido, e hostis > aos Portuguezes e dispostas a favor dos Francezs., icom quem [havia muito ja traficavo, as tribus ipdigenas. Parece o Rio de Janeiro, como a Bahia,der sido outr'ora albufeira de gua doce que rompesse a .sua barreira. Vo as ondas quasi banhar as fraldas da Serra dos rgos, assim chamada d'uma tal,ou qual similhana, que nas suas formas se quiz achar, e uma das mais altas e agrestes partes,da Cordilheira lcinge.qm. circuito toda a bahia- Fica a entrada entre duas ^rochas altssimas, pqr, .um estreito de meia milha d largura; to apertado passp, defende esta : enseada i que mede desaseto legoas de circumferencia. Mesmo no i meio do estreito ersue-.se um
; . . ,

Vase. Vida de

^"YT' Pintei.

hedo, que ter seus cem pes deeomprido sopre s e s S e n i a <ie,,j[a|rgo, e do,' qual Villegagnon tomou ppssa, .construindo alli um,forte de madeira.,As sim tivesse elle podido manter-se, n'este posto, que no haverio os Francezes provavelmente perdido p no Brazil; mas para isso no se erguia a penedia assaz? acima da superfcie das ondas, que cres cendd'lli o expulsaro. A' sua chegada reunirase alguns 0ce^te^ares de naturaes^ que acefendo fogos de alegria Tofferedro quanto tinho a estes

roc

HISTORIA DO BRAZIL.
1

3Sf

llldis , vindos a protcgcl-os contra o Porluguczesl 1566Crii 1 costumada arrogncia olharo osiFraneezes chegada dos
Francezes.

f^om prprio todo' o continente, dando-lhe po> A ! S A . issonme de Frana' Antr tica1'. Quando assimina imaginao tomvo posse d America Meridional,^ ;111: .* Criipuriha-se de oitenta homens a sua fora; era p *P ...i seu capito demasiado prudente para arriscar-se '''^''f:i sobre a terra firme, e todo o territrio da Anlarctica Frana se reduziu a uma ilha 2 d'uma mjlha de circunferncia, para a qual elle se passou, quarido o f4, ,if|,fl0;, periedo se tornou insustentvel. Perto da entrada do ^'"^ku porto fica esta ilha, toda cercada de cachoposy e com umi utiico desembarque. De cada lado deste embarcadrir s erguem duas eminenciazinhas, que o ctriri; fortificou-as o caudilho francez, fixando no cehtro da ilha a prpria residncia sobre um cabo
*,?f!)!H>);i i'> 0 8 - f f l ' r f : i ><>' : !\ );i')ffOi.M)*vni> A J\:n:i;U

' Nic. Barre data a sua carta: Ad flumenGeriabttra, in Brazilia,' tfrafWiflAntrcticse, Prow?j/^,l9..T:hevqt;|in(itula o seu ILvo, les Singttlaritez de Ia France Antar clique, u.utrexnent nomme,An;rijByi/ssWchsinaj diz, pour estrpurtdfieitpldl partie dcouverie jmmspihttes; ,ui!l :>i r.vi;!'ij;ilo' .^uifn Oi? i".'h'/r/. .,* A respeito d'este estabelecimento faz Lescarbot algunas arrazoadas observaes: le rcorinois un grand dfaut, sit at clievalier de yieftyim; soit en ceux-qti Vavoient nvcy. Car que sert de prendre\tant de peine pour aller, unelerre de conqute, si, ceriest pour Ia possder entirement ? Et pour Ia possder il faut, se campir^tWmll^e^frme et Ia bri cultiver; cr eH vdin fiara-1' t-onun ptris s'il tCy a de quoi vivre. Que si on #tes assez fmtpour< s'en.faire croire, et commander aux peuples qui ccupent le pais, c"est foiie, tfenlrepiendre, et sexposer laht de datigers. II y tot&file prisonspavtout, sufs allr rechercher si loitliY: 156. ?!;

1556.

N. Barre, Thuans.^ V a C c f-7 7--

. .
Conspirao

382 HISTORIA DO BRAZIL. de penedia de cincoenta ps de altura, em que excavou um paiol. A este posto fortificado deu o nome de Forte Coligny em honra do seu patrono. Apenas assim se havia estabelecido, mandou ao almirante aviso da sua chegada, das riquezas do paiz e das boas disposies dos naturaes, pedindo reforos e alguns bons theologos de Genebra. Por mais conveniente que a ilha a outros respeitos podesse ser para um estabelecimento, tinha o grande defeito da falta de aaru. Parcamente havia sido a
;
D

villegagnon. expedio munida de munies e victualhas; e logo depois "da chegada foi precizo suspender a rao de licor, no tardando a succeder o mesmo de biscouto. Teve pois a gente de subsistir unicamente com os alimentos do paiz antes de ter tempo de costumar-se a elles, nem de convencer-se da necessidade da mudana. A conseqncia foi tornarem-se descontentes os artfices. Trouxera o commandante como interprete um desalmado Normando, que com a lingua aprendera a ferocidade dos selvagens, entre os quaes vivera sete annos. Cohabitava esle homem com uma cabocla; a lei da nova colnia permittia os casamentos mixtos com mulheres do paiz, mas toda a convevivencia illicita com ellas era vedada; em virfude d'este decreto, teve o interprete de ou casar com sua amasia, ou despedil-a. Poderia suppor-se, que como similhante homem em nenhum respeito teria as restrices do matrimnio, tambm nenhuma

HISTORIA DO RRAZIL.

383
1556

objeco poria ceremonia. Mas por to offendido se deu, que principiou a conspirar contra Villegagnon, sendo-lhe fcil alliciar todos os artfices e mercenrios, uns trinta em numero. A primeira proposta d'esle malvado aos seus associados foi envenenarem todos os outros; n'isto porem rio quizero consentir alguns dos conspirado res. Lembrou ento fazel-os voar, pois que dormio por cima do paiol: objectouse-lhe que d'esta sorte tudo quanto tinho trazido iria egualmente pelos are, sem lhes restar nada com que captivar as boas graas dos selvagens, e traficar com elles. Resolveu-se pois assassinal-os uma noute. Havia alli trs Escossezes, que Villegagnon, conhecendo-lhes a fidelidade, se reservara para guarda da sua pessoa; tentaro os cnspiradores corrompel-os, mas elles revelaro a traio a Barre, quatro dos cabeas de motim foro immediatamente agarrados e postos aos ferros. Um conseguiu arrastarse at orla da praia e atirar-se ao mar; os outros trs foro enforcados, e o resto dos culpados condemnados a trabalhos forados como escravos. 0 interprete escapara. Todos os collegas n'aquella parte do paiz, que serio uns vinte, colligro-se, procurando indispor os naturaes contra os Francezes, na esperana de assim os obrigarem a levantar ferro. N'este intuito propalaro que uma febre contagiosa, . que reinava entre os ndios, lhes fora mandada por

584 HISTORIA D O RRAZIL. 1556. Villeggnori; elle .a trouxera1, e nas suas oraes publicas a agradecia a Deus como um castigo pro-' videncial, que, enfraquecendo Os selvagens, o fazia?, forte ,a elle, Este embuste dos interpretes ia-lhes aproveitando ao principio, e 3 fortuna, dos extrangeiros-foi terem estabelecido n'um a ilha o seu posto. Mas a prudncia do commandante em breve reslabe-., leceu a paz. i;(i ,4, ,; . : 0 ;,;.] ofi-<ii4; w kj ,!<;ov Proceder ;y$as- suas relaes com os selvagens fez Villega-5
para com os

selvagens, gnon quanto pode para dissuadil-os de comerem os prizineiros; mas pouco valero estes esforos^ nem os Francezes escrupulizro em fornecer aos seus amigos correntes de ferro com que segurar as victimas, sem deixar-lhes a menor possibilidade de fuga. Entre os seus artigos de trafico tinho vestidos das-mais garridas cores, vermelhos, verdes e ama*! rellos, feitos ao mais apurado gosto dos freguezes. 0 selvagem quasi sempre peravilho; no era raro vel-oenfunado omo,umper pavonear-se d'um lado 1 para o outro mehodp n'umas calas de enorme circumferencia,; ounfuma jornea de mangas de dffe- ( rentes cores, que o deixava nu do ventre para baixo. Mas depressa s j enfada vo de tal constrangimento, e arrojava; de si estas travancas, anciospfc por verem, outra vez em liberdade os membros. A's toulihjejfes] nunca foi possivel convencel-as a porem em si o me-
Em diitf logar diz Barre que o navio de Villegagnon vinha infectado.; fibi:!,afl;il 6':<-i -J 1 ' i.Jf ao Olit" (:'I!M'I 'M/fJ
1

HISTORIA DO BRAZIL.

385
1556

nor trapo, posto qjie grande abundncia d'elles se houvesse trazido, que servissem de isca feminil vaidade; de tanto prazer, que achavo em mergulhar na gua, o que fazio dez vezes ao dia, no podio soffrer o costume de andar vestidas, que lhes era estorvo aos freqentes banhos. At as prprias escravas que Villegagnon comprava, e que elle e os seus calvinistas no zelo contra toda a immoraiidade, fustigavo para que se deixassem vestir, de noute tiravo tudo, e nuas passavo pela ilha, gozando a consolao de sentir a frescura do ar, antes de se deitarem
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De Lery. 8.

a dormir. Entretanto no se canava Coligny de buscar chega u m d para a sua colnia supprimentos espirituaes e cor- pr^res.e poraes. Philippe de Corguilleray, senhor Du Pont, huguenote, que fora seu visinho en Chatillon sobre o Loing, e se retirara para Genebra, a pedidos do almirante e do clero d'aquella cidade, consentiu, apezar de velho e enfermo, em deixar os filhos, e commetter to remota e arriscada aventura. Se a egreja de Genebra assim tomou a peito este negocio, foi por ter-lhe Villegagnon asseverado que o seu fito principal era estabelecer naquelle paiz a religio reformada, para o que pedia o seu auxilio. O prprio Calvino, reunidos em convocao os ancies, nomeou para esta misso Pedro Richier e Guilherme Chartier; muitos aventureiros illustres se deixaro induzir a acompanhar estes famosos ministros do seu
i. 25

386 HISTORIA D O RRAZIL. 1556. prprio credo, enlre os quaes Joo de Lery, a quem devemos preciosas noticias sobre a tribu brazileira que assim teve occasio de observar. ,\ Apparelhro-se a expensas da coroa trs naus, em que embarcaro duzentos e noventa homens, seis rapazes, que devio aprender a lingua dos naturaes, e cinco raparigas debaixo da obedincia diurna matrona; de vel-as, conta-se, ficaro embasbacados os Tupinambs. Commandava a expedio Bois-leComle, sobrinho de Villegagnon. Navio, que eneontravo no seu rumo, fosse de amigo ou inimigo, saqueavo-no, se ero elles os mais fortes. Na altura de Teneriffe tomaro um vaso portuguez, promettendo ao capito restituir-lho, se lhes desse traa como se apoderassem de outro; o homem com egosmo, mais para esperar-se do que para relevar-se, metteu-se n'um bote com vinte d'estes piratas, e capturou um barco hespanhol carregado de sal. Pozero ento os Francezes todos os seus prizineiros, portuguezes e hespanhoes, a bordo da primeira preza, tomro-lhes o bole e as provises de toda a espcie, L e c 2 fizero pedaos as velas, e n'este estado os entregaro merc das vagas. Digamol-o em honra de Lery, refere elle isto com justo horror e indignao, e muitos dos seus companheiros em vo protestaro contra l .
* 0 modo de fazer a guerra era ifaquellcs tempos mais atroz ainda do que nos antigos : os vencidos costumavo ser immolados e s vezes

HISTORIA D O RRAZIL. 387 Entrada a barra, desembarcaro na ilha os aven-

1556
Proceder

tureiros, rendendo graas a Deus pelos haver tra- uuiogico de zido a salvamento. Em seguida apresentro-se a Villegagnon, a quem Du Pont declarou, que em virtude de suas cartas escriptas para Genebra, havio vindo estabelecer no paiz uma egreja reformada. Respondeu o commandante, que de todO o corao havia desejado vel-os, esperando que a sua egreja excederia em pureza todas as demais, pois que era inteno sua abrir aos pobres fieis, perseguidos na Frana, Hespanha e mais partes da Europa, um azylo, onde adorassem a Deus, como elle manda, sem receio de rei, imperador, nem potentado algum. Preparou-se immedialamente uma sala para o servio divino, em que Richier pregou no mismo dia, em quanto Villegagnon, com grande edificao dos recemchegados, escutava com a maior devoo, ora gemendo profundo, ora junctando as mos, e erguendo olhos ao
com circumstancias de requintada crueldade. De Lery accusa Hespanhoes e Portuguezes de haverem esfolado vivos alguns Francezes aprehendidos a traficar na America... Se verdade, foi a maldade perpetrada sobre o terrvel principio de talio. Sempre teem sido os Francezes um povo cruel; e certo que tendo em 1526 alguns piratas tomado uma nau portugueza, que vinha da ndia, ja quasi vista da costa, saquero-na, e pozero-llic fogo com quanta gente tinha a bordo, umas mil pessoas, das quaes no escapou uma. Um piloto portuguez, que fora um dos piratas, o confessou hora da inortc, deixando seis mil coroas, seu quinho no saque, ao rei de Portugal, como restituio. 0 irmo do capito francez, aprizionado mais tarde na mesma costa, teve egual sorte, sendo queimado com toda a sua tripolaco! Andrade, Chr. dei R. D. Joo III. 1, 67.

388 HISTORIA D O RRAZIL. 1556. ceo com todos os gestos beatos d'um santarro jubiladp. Deu-se ordem para que todas as tardes depois do trabalho houvesse preces publicas, e todos os dias de semana um sermo, e aos domingos dous, devendo cada um durar uma hora; e declarou-se que se poria a disciplina ecclesiastica em execuo contra todos os delinqentes. Um certo Joo Cointa, que dava pelo nome de Monsieur Hector, e fora anteriormente doutor da Sorbonna, passou por apertado interrogatrio acerca das suas opinies, e pediu fazer publica abjurao dos erros do papismo. Qprprio Villegagnon fez outro tanto, edificando os pregadores corii o seu dom de orao. Richier chegou a declarar que era 0 commandante um segundo S". Paulo, e que nunca ouvira discorrer melhor sobre religio e reforma. Disputas Mas Villegagnon era de gnio disputador; invocom os
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pregadores, cando a auctoridade de S..Cypnano e S. Clemente, insistiu em.que com o vinho sacramentai se devia misturar gua ; e sustentou que junctamente com esta se devia empregar no baptismo o sal e o leo. Com o Duns Scotus na mo estava sempre prompto a questionar com todos sobre tudo. Proteslava no acceitar a doutrina da transubstanciao, mas tambm no accedia a nenhuma opinio sobre esta matria; ea final, depois de muita discusso mandou a Frana um dos missionrios a propor a questo aos mais eminentes d'entre os doutores huguenotes, e especialmente ao prprio .Calvino, a cujo juizo prometteu sujeitar-se.

HISTORIA BO BRAZIL.

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Carregado de pau brazil e outros productos do paiz 1556 ia p navio que levava o encarregado d'esia curiosa misso : levava tambm dez selvagenzinhos de presente ao rei. Tinho sido aprizionados na guerrapelos ndios alliados dos Francezes, comprados por estes, e depois de solemnemenle benzidos pelo pastor Richier no fim d'um sermo, embarcados como fruclos da misso. Henrique II Os distribuiu pelos nobres da sua corte. Lery. c. 8. As, raparigas, que tinho vindo de Frana para supprirem de mulheres alguns colonos, logo acharo maridos. Coinla casou com uma, que por morte d'um parente herdou uma grande fortuna em navalhas, pentes, espelhos, abovila de varias cores, anzoes e outros artigos de trafico com os selvagens. Suscitouse agora uma questo, que os fundadores da colnia deverio ler considerado antes de deixar a Europa. Na falta de mulheres europeas, queri alguns aventureiros contentar-se com Tupinambs. Mas Villegagnon exigiu que, se algum quizesse casar com mulher indigena, havia esta de ser primeiramente doutrinada e baptizada; e declarou que se com alguma d'ellas houvesse quem formasse connexo illicita seria punido de morte'.Esta severidade contribuiu
' So fora de muitas instncias foi possivel leval-o a commutar esla pena em a prizo e trabalhos forados a favor d'um interprete n.umando, que encontrou entro os selvagens. De Lery louva-o por este rigor. E Lescarbot (posto que no huguenote), raciocinando da

HISTORIA DO BRAZIL. 1556. s e m duvida para tornar impopular o commandante, que teria cahido victima do resentimento assim provocado, se no descobrisse ainda em tempo uma conspirao contra os seus dias-1. Em bem teria sido para elle, haver morrido s mos dos conspiradores; deixaria- melhor reputao e menos manchada de crimes a sua memria. Traio de Mas Villegagnon era um vil traidor, e enganara Villegagnon. Coligny. O zelo que inculcava pela religio reformada, mentido era para apanhar ao almirante o seu dinheiro e o seu credito; conseguido isto, parecendo-lhe de maior vantagem seguir a parcialidade opposta, ou comprado como se diz pelo cardeal Thuanus. Guise2, tirou a mascara, desaveio-se com os ministros huguenotes, e com tanta tyrannia e intolerncia se houve, que os que tinho emigrado para a Frana Antatxtica a gozar da liberdade de conscincia, achro-se sob um jugo mais ferrenho do que na palria osopprimia. Pediro pois licena para voltar Frana, e elle deu ao capito d'um navio auctorizamesma frma sobre a matria, cita no so o conselho de S. Paulo contra o casamento com infiis, mas at a lei Mosaica, que diz : No lavrars com um boi e um burro emparelhados. 1 Accuso Villegagnon de crueldade, e no sem razo; tdeu traclos a alguns Margayas, comprados aos seus alliados, e to deshumanamente o fez, que melhor lhes fora terem sido mortos e comidos pelos captores. Mas um pouco desarrazoado censural-o, como fez De Lery, por ter assistido ao dar bastonadas a um homem, que conspirara para assassinal-o. 2 Cludio de Guise, cardeal de Lorena. F. P.

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o por escripto para leval-os. Mas quando subiro 1556 a bordo, em tal estado acharo a embarcao que cinco quizero antes voltar para terra, do que metter-se n'ella ao mar. Joo de Lery foi um dos outros, que, preferindo a morte tyrannia d'este homem, seguiro viagem. Depois de terem luctado com os exlremos horrores da fome, entraro em Hennebonne1. Dera-lhes Villegagnon uma caixa de cartas, envoltas em panno encerado como er ento costume; havia entre ellas uma dirigida aos principaes magistrados do primeiro porto que aterrassem, e no qual este digno amigo dos Guises denunciava os homens, que convidara para irem no Brazil gozar do pacifico exerccio da religio reformada, como herejes, reos de fogueira. Succedeu inclinarem-se os magistrados de Hennebonne ao calvinismo, frustrandose assim a diablica maldade de Villegagnon, e descobrindo-se-lhe a traio. Dos cinco que havio receado confiar-se a um navio Io mal apparelhado e pouco navegvel, trs foro mandados suppliciar por esle perseguidor encarniado. Outros dos huguenotes fugiro para os Portuguezes, onde tivero de apostatar, professando uma religio que tanto desprezavo como abhorrecio. Apezar de to zelosos do commercio brazileiro, Negiigenia que tractavo como piratas todos os contrabandistas, portuguez.
Diz Lery que o navio Jacques em que elle e seus companheiros d^nfortunio voltaram Frana aportara a Blauet na Bretanha. F. P.
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deixaro os Portuguezes quatro annos esta colnia franceza no molestada; e se no fora a traio de Villegagnon ao seu prprio partido, seria qui o Rio de Janeiro hoje a capital d'uma possesso da Frana. Um corpo de aventureiros flamengos estava prestes ja a embarcar para o Brazil, aguardando unicamenle as noticias da capitania, que trazia de Lery; e dez mil Francezes terio emigrado, se os designios de Coligny, fundando a sua colnia, no houvessem sido c2 0 ^ Perversamenle atraioados. No escapava aos Jesutas o perigo, e a final logrou Nobrega despertar a corte de Lisboa. Duarte da Costa recebeu ordem de Noticias reconhecer o estado das fortificaes francezas, i,5% quando a devia ter tido de arrazal-as; e em conseqncia da parte que mandou, dero-se a Mem de S inslruces para atacar e expulsar os Francezes. Mas quando este se dispunha a executal-as, apparecro homens assaz imbecis para levantarem opposio; pretendio qe era mais prudente soffrer ainda algum tempo mais a aggresso, do que aventurar uma derrota, que era de recear-se, comparadas a solidez da fortaleza franceza, os supprimentos que recebia dos navios da mesma nao, que frequentavo o porto, e o numero dos alliados, com a pobreza do estado em navios, armas e pelrechos bellicos. Ante a energia de Nobrega teve de reder a timidez d'estes conselhos pusillanimes. Apparelhro-se para a jornada duas naus de guerra e oito ou

HISTORIA DO RRAZIL.

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nove navios mercantes. O commando assumiu-o a governador, ainda que sollicitado para no expor sua pessoa, e Nobrega o acompanhou; pois Mem de S, dando a melhor prova do seu bom senso com esta deferencia que assim mostrava a talentos superiores,
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*so. c. c .

e maior experincia, nada emprenendia sem os seus % 74-76. conselhos. Outro motivo ou pretexto da presena do provincial dos Jesutas n'uma expedio to pouco acorde com seus deveres missionrios, fornecero-no, os physicos, recommandando-lhe, como remdio contra os escarros de sangue, que lanava, remoo para o clima menos calido de San Vicente. Nos primeiros dias do novo anno de 1560 chegou Francezes. ^Stra a armada ao Rio de Janeiro. Era inteno do governador entrar pelas horas mortas da noute e sorprehender a ilha; mas presentido pelas senlinelas, teve 1560. de lanar ferro fora da barra. Apercebr-se os Francezes immediatamente para a defeza, abandonando os navios, e acolhendo-se aos seus fortes com oitocentos frecheiros indigenas. So agora viu Mem de S que lhe fallavo canoas, e embarcaes de pouco calado, alem de homens que conhecessem o porto. Foi Nobrega enviado a S. Vicente, onde solicitasse o auxilio dos moradores, e cumprida a.commisso com a usual habilidade, despachou d'alli um bom bergantim, canoas,-e botes carregados de provises, e tripolados por Portuguezes, mestios e naturaes, gente practica da costa, e amestrada na guerra com

394 HISTORIA D O BRAZIL. 1360. Tupinambs e Tamoyos. Vinho dous Jesutas l conduzindo o reforo. Com este auxilio entrou Mem de S no porto, e ganhou o embarcadouro da ilha. Dous dias e duas noutes batero em vo fortalezas, cujas muralhas e baluartes ero de rocha solida, e gastas assim sem proveito a plvora e as balas, e recebidas muitas feridas, dispunho-se ja a reembarcar a artilharia e a tocar a retirada. Mas se at enlo pouco talento havio mostrado em dirigir o ataque, no faltava aos Portuguezes animo nem esforo, e o pejo de voltar d'uma mallograda empreza, instigou-os a desesperado commetliment. Investiro e tomaro as obras exteriores, que dominavO o desembarque, e assaltado o rochedo em que se excavara o paiol, tambm o levaro de vencida. Intimidados os Francezes, abandonaro na noute seguinte, elles e os Tamoyos, os demais postos, e metlendo-se nos seus botes, fugiro, uns .para as naus, outros para a terra firme. Um ndio convertido, que no baptismo recebera o nome de Martim Affonso, to honrosamente se distinguiu n'este feito de armas, que em recompensa teve uma penso e a ordem de Christo2. Arrazo-seas Para se manterem na ilha que havio tomado,
fortiflcaes francezas.
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Eram estes os PP. Ferrio Luiz e Gaspar Lourenco. F. P. Aracighoia rra o seu nome indgena, e capitaneava os valentes Tupinins, que occupavam o paiz a que hoje denominamos de provincia de Espirito Sancto. F. P. -

HISTORIA DO BRAZIL.

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falecio foras aos Portuguezes; arrazadas todas as 156obras dos Francezes, fizero-se pois de vela, levando toda a artilharia e provises, que encontraro, para o porto de Sanctos, onde a incanavel diligencia de Nobrega tudo havia preparado para allivio dos feridos e doentes, e conforto dos sos. ViHegagnon eslava ento em Frana, aonde fora no intuito de trazer uma armada de sete naus, com que interceptar a frota da ndia, tomar e destruir todos os estabelecimentos dos Portuguezes em terras do Brazil, No lh'o permilliro as dissenes internas d'aquelle reino; os catholicos estavo por demais occupados para attendel-o, e os huguenotes, que poderio fornecer^lhe os meios de executar o seu plano, havia-os elle atraioado. Blazonava que nem todo o poder da Hespanha ou do Gro Turco o foraria a juiho
j \ , \ de 1360.

decampar; e n uma carta a sua corte, exprimia Mem de S o receio, que, se os Francezes voltassem a occupara sua ilha, se realizasse a bravata. Villega-, gnon (dizia elle) no tracta como ns os gentios. com elles generoso em excesso, e guarda-lhes rigorosa justia ; se algum dos seus commette um delicto, emforcado sem ceremonia, de modo que temido d'estes, amado dos naturaes. Mandou-os adextrar no uso das armas; aquella tribu numerosa e uma das mais bravas, pelo que poder elle tornar-se em breve d0 R ; ^ , . extremamente poderoso. Ms.ec.7. Estando Mem de S em Sanctos, mandou por insi-

396 HISTORIA D O BRAZIL 1560. nuao d seu grande conselheiro, remover para Piratininga cidade de Saneio Andr1. Situada na ourela dos bosques, ficava ella exposta s correrias das tribus hostis, que povoavo as margens do Parahyba; mas na nova sede tanto floresceu, que no tardou a tornar-se o ponto mais considervel d'aquellas partes. Transferiu-se ao mesmo tempo para S. Vicente o collegio de Piratininga, e como a estrada para este ultimo logar, ou anles para S. Paulo, era infestada dos Tamayos, abriro os Jesutas outra com 2, 8. * grandes fadigas n'uma direc segura. N a u f .d aN a u Com corridas de touros, favorito mas brbaro jogo
S. Pedro.

wst.Mar de Portuguezes e Hespanhoes, raro, ou talvez nunca antes celebrado no Brazil, foi feslejada a volta do governador a S. Salvador. Pouco porem descanou elle da guerra. As capitanias de ilheos e de Porto Seguro soffrio horrivelmente dos Aymors, novo inimigo, de todas as tribus brazileiras a mais selvagem e terrvel. Diz-se qup fora este povo originariamenle um ramo dos Tapuyas, que possuir oulr'ora no serto uma linha de terra, parallela costa, do Rio de S. Francisco ao Cabo Frio, e que os Tupiniquins e Tupinambs o havio rechaado ainda mais para o interior, onde multiplicara, em quanto os Portuguezes rareavSo as tribus maritimas. Segundo a mesma tradio, tinha esle povo vivido tanto tempo
1

Ha equivoco : S. Andr nunca foi cidade e sim villa. F. V

HISTORIA DO BBAZIL.

397
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separadc das naes affins, que ja estas lhe no entendio a linguagem. Tal era a opinio corrente sobre a origem dos Aymors; mas no ha idioma que possa passar por tal mudana sem se encorporar cm outro radicalmente diverso; e como estes ndios ero de mais-alta estatura do que os seus visinhos, mais arrazoado parece suppr que virio do sul, onde os naturaes so de mais alentada raa e hbitos mais rudes. Dizem que era a sua pronuncia extraordinariamente dura e gultural, e de som to profundo como se partisse do ^>eito. Tinho o costume commum da maior parte das tribus americanas, mas no dasbrazileiras, de sedepilarem lodo o corpo, excepto a cabea, onde trazio o cabello curto, servindo-se d'uma espcie de navalha, feita de canna, e de corte tofinoquasi como o do ao. No tinho nem vestidos nem habitaes. Ns como animaes, como animaes se deitavo a dormir'pelas florestas,, e como brutos corrio de gatas por entre saraes, atravs ds quaes impossvel era seguil-os. Na estao chuvosa dormio debaixo de arvores, alcanando-lhes apenas o engenho a formarem com os ramos uma espcie de tejadilho. Vivio de fructas silvestres, do que matavo com suas settas, a que, diz Vasconcellos, no escapava uma mosca, e dos inimigos, que dezolavo, no como as outras tribus, em festas triumphaes, mas habitualmente e para sustento, olhando-qs como animaes, em que podio cevar-se. Se tinho fogo, como

398 HISTORIA D O BRAZIL. isso. q Ue meio assavo as suas viandas; se o no tinho, com a mesma appetencia as devoravo cruas. To selvagem e bravio, como os hbitos da vida, era o niodo de fazer a guerra; no tinho chefe nem caudilho; jamais se reunio em troos grandes, jamais arrostavo face face um inimigo, mas como bestas feras se punho mira, e dentre as balsas e brenhas fazio o mortal tiro* A um respeito levavo todas as outras tribus grande vantagem a esta, que sendo sertaneja no sabia nadar; e tal era a sua ignorncia ou horror gua, que qualquer corrente, que no se podesse vadear, era contra estes selvagens defeza bastante. Facilmente se suppe que para similhantes homens devia ser intolervel a escravido; aprizioriados pelos Portuguezes recusavo comer, morN as ?s2 ' rendo d'esle o mais lento e deliberado dos suiVasc. C. C. 2, 93. . .. CldlOS.

Incapazes de resistirem a similhante inimigo, fugiro deante d'elle os Tupiniquins, deixando com a sua fuga a descoberto e expostos os Ilheos e Porto Seguro. Invocaro os moradores das duas capitanias a proteco de Mem de S; embarcou este em pessoa com foras adequadas, velejou para o porto dos Ilheos, e d'alli marchou para o logar aonde se dizia que se tinho acolhido os selvagens. Ficava no caminho um paittanal ou labyrinlho de guas, que era mister transpor; descobriu-se que os Aymors o havido atravessado por uma ponte de arvores singelas,

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que excedia uma milha de comprimento, e por ella passou tambm o exercito. Alcanaro de noute- os selvagens, cahro sobre elles, mataro homens, mulheres e crianas, no poupando flego vivo, e, para tornarem mais completa a victoria, pozero fogo s matas. Voltava Mem de S em triumpho, e chegara ja costa, quando d'uma cilada rebentou um bando de Ayrriors; foro porem levados de roldo ao mar. Os alliados, to activos na gua como em terra, perseguiro-nos, afogando os que no quizero aprizionar. Alcanada esto* segunda victoria, entrou o governador nos Ilheos indo direito egreja de Nossa Senhora render graas pelo auxilio divino. Muitos dias se no passaro sem que se visse a praia coberta de ndios. Tinho os Aymors reunido grande fora tanto da sua prpria nao como dos montanhezes, e vinho tomar vingana : outra vez foro derrotados, humilhando-se ento, e pedindo paz, que lhes foi concedida nos termos usuaes. Accrescenta-se que n^esta expedio destruiu e queimou Mem de S trezentas aldeias de selvagens, forando os que se no querio submetter lei da Egreja, a retirarem-se a mais de sessenta legoas para o interior; sem que mesmo n'esta distancia se julgassem seguros do ferro e fogo dos Portuguezes. Ha por sem duvida grande exagerao n'esta narrativa, e provavelmente t alguma falsidade; estas aldeias no podio ser de Aymors, nem se pde razoavelmente suppr que

400 HISTORIA DO BRAZIL. isco. fossem elles os vencidos de que se tracla, pois que para arrostarem em campo os Portuguezes, era precizo que tivessem previamente trocado por outros esses hbitos de guerrear, que unanimemente se lhes attribuem; nem com estas victorias se alcanou vantagem alguma permanente, pois que em mui vasc c c P o u c o s a n n o s estava quasi destruda a capitania dos
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Auxiliados como agora ero por um governador zeloso e hbil, proseguio os Jesutas com grande fructo nos seus trabalhos : tinho formado ja cinco estabelecimentos ou aldeias de ndios convertidos, e no correr d'este anno addicionro mais seis ao numero. Mas em quanto assim vio n'um ponto coroados do melhor exilo os seus esforos, em outro se tornavro cada vez mais formidveis os selvagens. Mem de S fizera apenas metade da sua obra no Rio de Janeiro. A' terra firme se havio acolhido os Francezes, que elle expulsara da ilha de Villegagnon, e auxiliados e d'alguma forma disciplinados por elles, 05 T a m o y o s . fazio agora os Tamoyos pagar caro aos Portuguezes os males que d'elles havio recebido. Ero estes ndios um ramo do grande tronco tupi, mas no reconhecio for parentes seno os Tupinambs, sendo inimigos de todas as outras tribus, especialmente dos Goaytacazes e Goaynazes, a quem fazio guerra de morte das bandas de S. Vicente. Todas as suas povoaes estavo bem fortificadas com palissadas me-

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lhor que as ,dos Tupinambs, com quem elles se 1560 assimilhavo na maior parte dos hbitos* O que mais Noticias. notveis os tornava era o seu talento potico improvizador, pelo qual ero recebidos com grandes honras, onde quer que io. Das berras molestavo os que moravo nas cercanias de Piralininga e da costa quantos lhes ficavo ao alcance das canoas. N'esta ' sangrenta visitao reconhecio os Jesutas a justa vingana do Ceo, pois quanto agora soffrio, tudo o havio merecido os Portuguezes. Os Tamoyos terio sido amigos fieis, se estivessem seguros dos caadores de escravos; tornara-os hostis a injustia, e agora ero 4 os maistremendos inimigos; comio quantos prizineiros fazio, excepto as mulheres, que querio reservar para concubinas. Uma que estava grvida poupro-na at ao parlo, devorando ento me efilho.No satisfeitos com a vingana, visavo agora a desarraigar do paiz os Portuguezes, e mal se pode duvidar que, se os dez mil huguenotes, ou um dcimo d'este numero, que terio vindo colonizar o Brazil, se n'elle lhes fosse licito professar livremente a sua religio, houvessem Vatf-,fjceffectivamente emigrado, talvez se desse o caso, apertados como se vio por outro lado os ^colonos pelos terrveis Aymors. Reuniro os Portuguezes a fora que podero, para atacal-os, e foro miseravelmente 1562 derrotados; avista d'isto fizero as tribus, que at ento se havio conservado neutraes, causa commum com os vencedores, e os Tupis do serto, que ero
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402 HISTORIA D O RRAZIL. 4562. alliados dos Portuguezes, renunciaro amizade, e imitro-nas; . Um exrcito immenso das naes confederadas se reuniu para investir S. Paulo, que esperavo sorprehender; mas um ndio, que antes linha sidobaptizado pelos Jesutas, desertou, e veio revelar o desgnio. Todos os indigenas convertidos da visinhana se junctro immediatamente na cidade debaixo de Martim Affonso (Tebyrea), que era o chefe n'aquella& parles. O irmo e o sobrinho Jagoanharo (o Co Bravo) Ia lhe andavo entre os confederados. Era o Co um dos caciques, e mandou recado ao tio, pedindo-lhe que no se exposesse ruina, mas abandonasse os Portuguezes, trazendo quanto lhe pertencia. To confiados vinho na victoria, que as velhas no havio esquecido seus alguidares para o banquete anthropophago. Foro os Jesutas que salvaro Piratininga; debaixo dos estandartes da Egreja sahiroo campo os seus discpulos, e batalhando como os primeiros sarracenos, na inteira f de que o paraizo ia ser sua partilha, foi invencvel o seu mpeto. O Co foi morto quando tentava forar uma egreja, em que as mulheres se havio asylado. Seu tio, Martim Affonso, portou-se com o costumado vlor e com uma ferocidade, que a converso no rebatera. Dous dos vencidos clamavo que ero catechumenos, e chamavo por seus pes espirituaes, que os protegessem, mas

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elle, respondendo que lal crime no tinha perdo, 1562 esmigalhava-lhes os craneos a ambos. No tardou que este esforado guerreiro morresse d'uma dysenteria trazida a Piratininga pelos escravos dos Portuguezes das povoaes visinhas. Os Jesutas fallo d'elle com os jdevidos"" encomios e gratido, como de quem primeiro alli os recebera, lhes dera terras, os ajudara toda a sua vida, e finalmente os Vasc. C. C 2i 132 13: salvara d'este ultimo e mais instante perigo. " E m outras partos triumphavo os selvagens. Nas os Tamoyos suas compridas canoas de vinte remos, illudio os Espirito
* . Sancto.

Tamoyos toda a perseguio, e impunes assolavo as costas. Voltando de Portugal sua capitania do Espirito Sancto, que deixara em estadoflorescente,achoua Coutinho quasi destruda. Atacada por um lado pelos Tupinambs, e pelos Goaynazes por outro, estavo queimados os engenhos de assucar e sitiada a cidade. Menezes, que ficara com o commando, tinha sidoriiorto';c a mesma sorte coubera a D. Si mo de Castello Branco, seu successor. Com as novas foras que trazia, luctou Coutinho alguns annos por fazer frente ao inimigo, at que as solicitaes dos colonos e a conscincia da prpria fraqueza, o movero a pedir auxilio ao governador. Mandou-lhe Mem de S seu prprio filho Ferno com uma esquadrilha de barcos costeiros. Desembarcaro as tropas auxiliares na foz do rio Quiricar, ondefizerojunco com as foras da capitania, e cahiro em.cima dos selvagens,

404 HISTORIA DO RRAZIL. 1565. matando bastantes. Antes que os vencedores podessem reembarcar, refez-se o inimigo,'atacou-os, pol-os em desordem, e derrotou-os com grande perda, contandov c se e n t r e os Ti4i ' mortos o prprio Ferno de S. Com elle s lt cahiro dous filhos do Caramuru. Nunca as calamidades vem desacompanhadas. As bexigas, introduzidas na ilha de Itaparica, e d'alli em San Salvador, espalhro-se por toda a costa na direco do norte, e mais de trinta mil ndios dos convertidos pelos Jesutas foro victimas da terrvel enfermidade, sanem Durante a guerra dos Tamoyos pregava Nobrega
Nobrega e ncgociar
l l

, J. T

Anchieta a bem alto do plpito e nas praas publicas que o miapaz-

migo triumphava, por que da sua parte tinha a justia, pelo que Deus o ajudava. Os Portuguezes, dizia, tinho em despeito dos tractados dado sobre elles, escravizado alguns, e deixado os alliados devorarem os outros; e esto vingana era um castigo da justia divina. A final elle e Anchieta, consultado primeiramente o governador, resolvero metter-se entre as mos destes selvagens, na esperana de effectuarem pazes. De mais perigosa embaixada nunca ningum se encarregara. Francisco Adorno, fidalgo genovez, um dos homens ricos do Brazil, levu-os n'um de seus prprios navios. Apenas o barco se approximou da costa, coalhou-se o mar decanoas, que vinho atacal-o; mas ao verem os hbitos dos Jesutas, soubefo os Tamoyos que tinho deante de

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si os homens, cujas vidas ero innocentes, e que, amigos de Deus, ro os protectores dos ndios-; esta, posto que linguagem dos "Jesutas, aqui tambm a da verdade. Anchieta os arengou no seu prprio idioma; e apezar de todas as traies e perfidias que havio soffrido, tanta era a confiana d'estes selvagens no caracter da Companhia, que muitos subiro a bordo, escutaro o que se*lhes propunha, e levaro o navio a porto seguro. No dia seguinte viero os caciques de dous aldeamentos a tractar com estes embaixadores; mandaro a S. Vicente doze mancebos como refns e levaro Nobrega e Anchieta para terra a um logar chamado Iperoyg, onde Caoquira, velho cacique, os recebeu por hospedes. Alli edificro uma egreja, conforme podero, coberta de folhas de palmeira,, e todos os dias dizio missa. Com estas ceremonias infundiro venerao nos selvagens, e com os mysterios que prgavo, excitavao-lhes a admirao e o respeito com a decncia e sanctidade da vida, e captivrolhes o amor, manifestando a todos uma boa vontade despida de interesse, de que todo o seu proceder no Brazil foi sempre testimunho. mais do que provvel que fosse esta embaixada a salvao das colnias portuguezas. Dissero-lhes os hospedes que novo e mais tremendo ataque se preparava; que duzentos canoas estavo promptas para assolar a costa, e que quantos frecheiros povoa vo as margens doParahyba

406 HISTORIA D O BRAZIL. 1563. s e hayio colligado, jurando no depor as armas antes de se terem, destruda a capitania, tornado mais uma vez senhores do paiz. Ainda era possvel conjurar o perigo. Muitas das hordas confederadas ouviro com grande desprazer que se linho recebido propostas de paz, e um cacique, por nome Aimbire, sahiu com dez canoas a quebrar o tractado. Dera elle uma filha a um Francez,.e alem d'esta alliana com os inimigos dos Portuguezes, tinha motivo ainda mais forte para odial-os, pois ja uma vez lhes cahira nas mos n'uma caada de escravos; havio-no posto a ferros, e arrastado para bordo, mas elle, acorrentado como estava, atirara-se gua, e escapara a nado1. No dia immediato sua chegada, houve uma conferncia, para resolver se se acceilaria ou no a paz offerecida. Aimbire exigiu, como preliminar, que Ires caciques, que, separando-se da confederao, havio seguido a parcialidade dos Portuguezes, fossem entregues para serem comidos. Os Jesutas respondero que era impossvel annuir a esta exigncia.-Os caciques em questo ero membros da Egreja de Deus e amigos dos Portuguezes; o primeiro dever que os seus conterrneos guardavo, era
Querem os Jesuitas que este Aimhire fosse to feroz, que quando uma das suas vinte mulheres lhe fazia qualquer couza que no era do seu agrado, abria-a de alto a baixo. Dizem.tambm que elle viera a Iperoyg com inteno de matar Nobrega e Anchieta, e todos os Portuguezes que tripolavo a barca que os trouxera. Mas o ulterior proceder d'este chefe parece desmentir a aceusao.
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manter illesa a f promettida, e afirmezacom que o fario n'esta conjunctura, devia ser aos olhos dos Tamoyos uma prova da fidelidade dos novos alliados <jue io ter; por quanto se d'outra sorte procedessem com fundamento se devia concluir que quem quebrava a f aos amigos, a no guardaria aos inimigos. A resposta de Aimbire foi que, se os Portuguezes no entregavo estes homens-, que lhe havio morto e devorado tantos dos seus amigos, no haveria pazes; e como fallava em nome de grande parte das hordas do Rio de Janeiro, parecia terminada a conferncia. Mas tomando-o pela mo, o velho Pindobu (o Gro Palmeira), regulo da aldeia, em que se reunira a assemblia, e usando da auctoridade .que lhe conferia a edade, impediu o de commetter qualquer acto de violncia a que parecia inclinar-se. Nobrega julgou mais prudente procrastinar; concordou em que se levasse a exigncia ao conhecimento d governador de S. Vicente, e Aimbire quiz ir a apresental-a em pessoa; era inteno sua, no conseguindo o seu fim immediato, promover uma disputa, e romper as negociaes. Nobrega pela sua parte tinha necessidade de dar conta do que havia sabido, e o seu pedido ao governo foi que por nenhum respeito se annuisse a to impia proposta fossem quaes fossem para elle e seu companheiro as conseqncias da recusa. Entretanto o filho do Gro Palmeira, Paran-

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408 IHISTORIA D O RRAZIL. puu (o Gro Mar), que estava ausente chegada dos Jesutas, ouvira o ascendente que estes lhe havio ganho sobre o pae, e deu-se pressa em recolher-se a casa para matal-os, dizendo que estava velho o auctor de seus dias, e por isso o pouparia. Viro Nobrega e Anchieta a canoa, queseapproximava, nem tardaro a perceber que se lhes fazia pontaria; fugiro a bom fugir, enfiaro pela casa do Gro Palmeira, que infelizmente estava fora, e alli de joelhos principiaro os officios da tarde do, Sanctissimo Sacramento, sendo o dia seguinte festa de Corpo de Deus. A' efficacia d'eslas oraes, e eloqncia de Anchieta attribuiro a salvao; pois o selvagem redondamente lhes disse, que viera a matal-os, mas que, vendo que casta de homens ero, desistira do
. ^

Vasc. C. C.

, i5 e i4. mtento. ae N o b r e g a Estavo havia dous mezes em Iperovff, quando o


S. Vicente. , , i
r J &

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governo'provincial deS. Vicente os mandou chamar para conferir com elles antes de se ajustarem pazes finaes com os Tamoyos : mas esles no julgaro prudente deixar ir ambos os refns, c concordou-se que ficaria Anchieta. A continncia d'estes padres, quando segundo o costume se lhes offerecio mulheres, muito maravilhara os seus hospedes, que perguntaro a Nobrega como era que parecia abhorrecer o que todos os homens ardentemente desejavo. Tirou elle de sob o habito umas disciplinas, e, mostrandoas, disse, que, atormentando a carne, a mantinha

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em sujeio. Nobrega eslava velho ja e alquebrado 1563de continuo trabalho; mas Anchieta, na flor da virilidade, vendo-se assim deixado so e sem um bordo a que arrimar-se, se lhe escorregasse o p, fez voto voto Virgem de compor-lhe um poema sobre a vida d'ella, na esperana de manter a prpria pureza, tendo o pensamento sempre fixo na mais pura das mulheres. No era ligeiro commettimento cantar os cnticos de Sio em terra extranha ; papel no o tinha, faltavolhe pennas, tinta no a havia; assim passeando pela praia ia fazendo os seus versos, e escrevendo-os na areia, e dia por dia os entregava memria. A' sua chegada a S. Vicente achou Nobrega a fortaleza levada de assalto, o capito morto, e toda a sua famlia raptada pelos selvagens. Um dos Jesutas obteve dos naturaes o nome de Abar Beb (o Padre Voador),,pela rapidez com que corria d'um logar a outro, quando o seu dever o chamava. Nobrega no merecia menos egual apellido. No descanou em quanto no levou os deputados dos Tamoyos a Itanhaem, e alli os reconciliou com os indigenas reduzidos; depois a Piratininga, onde da mesma sorte teve logar unia solemne reconciliao na Egreja, estabelecendo a paz entre todas as differenles hordas d'aquelle circuito. Foi isto obra de trs mezes, durante os quaes no correu Anchieta poucos perigos* entre os selvagens. Os que ero contrrios paz almejavo romper as tregoas, chegando a fixar dia para

410 HISTORIA DO BRAZIL. 1563. 0 comerem, se antes d'isso no regressasse a embaixada. Insoffrida de mais longa inactividade, emprehendeu uma partida uma expedio hostil, da qual trouxe alguns Portuguezes prizineiros. Anchieta estipulou-lhes o resgate; mas este no chegou com a presteza que querio os aprezadores, pelo que determinaro comer os seuscaptivos. No restava agora ao Jesuta outro recurso, seno a prophecia; e ousadamente prometteu que o resgate chegaria na manh seguinte antes de certa hora. Chegou de facto o bote. Tinha o padre aventurado um prognostico feliz, e ao que parece no mui difficil, acerca das pessoas que devio vir, e da espcie de resgate queMxari, o que elle no podia muito bem ignorar, como quem tinha feito o tracto; tal qual foi o vaticinio porem, acha-se registrado entre os milagres do seu auctor. Predico mais atrevida foi a de que no seria comido, feita quando esta sorte o ameaava de perto: mas nada arriscava com a assero, e contribuiu ella a 5, %%i. provvel mente para preservar-lhe os dias. Que Anchieta podia fazer milagres era artigo de f entre Portuguezes e ndios, cada uns conforme s suas prprias supersties. Os primeiros mandaro depois d'elle morto volumes de attestados para Roma, chamro-no o Thaumaturgo'do Novo Mundo, e procuraro fazel-o canonizar; mas nunca elle derivou to substancial beneficio do seu caracter milagroso como agora, que se achava nas mos dos Tamoyos.

HIS.TORIA DO BRAZIL.

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Chamro-no estes o Gro Pag dos Christos, e dizio que havia n'elle um poder que suspendia o brao dos homens; e esta opinio salvou-lhe a vida,Os ndios, que tinho ido com Nobrega a S. Vicente, voltaro de improvizo, descontentes e temerosos ; tinha-lhes dicto um escravo, que se lhes mchinava a morte, e dando inteiro credito falsa noticia, havio fugido; n'esta crena os confirmava, dizio, o ler um dos companheiros de Aimbire sido assassinado por um tal Domingos Braga l . Ouvido isto, concluiu a gente do Rio de Janeiro que o tractado estava quebrado, como desejava, e voltou s suas prprias aldeias. Terio levado Anchieta, se o Gro Palmeira o no protegesse. Outra partida so se absteve de matal-o, pelo reputar conjurador, argumento que Gro Palmeira fez valer com feliz resultado, reforando-o com toda a sua auctoridade, e uma ameaade vingana. Achava-se com elle um certo Antnio Dias, que viera a resgatar a mulher e os filhos; succedeu ser pedreiro, e a allegao que lhe salvou a vida, foi edificar elle as casas dos pags christos, edo seu Deus, que por isso o protegeria. Anchieta ganhara as affeies d'aquelles, com quem havia ja tanto convivia, por quanto, alem das suas rophecias 6 esconjuros, curava-lhes as doenas tanto com a
Provavelmente o mesmo de que Hans Stade faz meno entre os ptaioneiros a quem ensinara a direco que devio seguir, se lograsiem fugir, e de quem mais tarde ouviu dizer, que assim o fizera.
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412 HISTORIA D O RRAZIL. 1563. lanceta, como com o no menos efficaz instrumento da f. Seu nunca desmentido zelo pela salvao d'eslas almas tambm no podia deixar de infundir respeito, nos que por fora lhe havio de reconhecer a sinceridade. Nascera uma criana disforme e a me immediatamente a enterrara. Anchieta correra a abrir o sepulcro e a aspergil-a antes que estivesse morta de todo. Outra vez foi ainda mais proveitoso o seu zelo. Uma mulher, que durante a prenhez mudara de marido, tivera o seu bom successo; a criana nascida de em taes circumstancias chamava-se maraba, que significa fructo mixlo e duvidosol, e era costume enterral-a viva : teve elle porem tempo de salvar ainda esta depois de ja coberta de terra, e pode induzir a me a crial-a, prevalecendo o respeito, que Iodos lhe tinho, sobre esta, practica deshumana. A' final tornou a apparecer esse mesmo Tamoyo,
Paz com os
. .

Tamoyos. que se dizia ter sido assassinado por Domingos; e a origem d'um boato, que em to grave risco pozera o missionrio, soub-se ter sido o haver o ndio fugido para os bosques com medo do mestio. Pouco depois ultimro-se os termos da paz, e Anchieta deixou
As Salivas do Orinoco jamais crio gmeos, pois que nunca a me deixa de matar um dos dous. Isto o faz por que o marido reputa impossvel ser elle o pae das duas crianas, e por que as outras mulheres a insultario, chamando-a parenta dos morcegos, que teem qualio crias d'uma vez. Gumilla,-1.1, c. 14.
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HISTORIA D O BRAZIL. 413 Yperoyg, apoz uma residncia de cinco mezes. O primeiro lazer decidou-o ao cumprimento do seu voto escrevendo o poema que compozera na areia, e que em mais de cinco mil versos latinos abrange toda a
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Vasc. C. C.

historia da-Virgem . . 5,31; 3,55. Ja as bexigas havio ceifado no Recncavo trs Peite e fome. quartos dos indigenas. A' peste seguiu-se a fome, nem foi esta o effeito d'aquella, parecendo andar derramado pela atmosphera algum principio destruidor tanto da vida animal como da vegetal; murchavo e cahio os fructos antes de maduros2. A conseqncia foi segunda mortalidade : dos onze aldeamentos que os Jesutas havio formado, seis extinguiro-se, tantos dos seus habitantes morrero, ou fugiro para o serto. 0 Portuguezes, com verdadeiro espirito de quem trafica em carne humana, aproveitando-se da misria dos visinhos, a, troco de comestveis compravo escravos. Uns se vendio a si mesmos, outros os prprios filhos, outros os filhos alheios furtados. A
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En tihi quse vovi, Mater saiictissima, quondam Carmina, cum saevo cingerer hoste latus; Dum mea Tamuyas praesenlia mitigat hostes, Tractoque tranquillum pacis inermis opus. Hic toa materno me gratia fovit amore, Te corpus tulum mensque regente fuit.

No este poema destitudo d'alguns fulgores de paixo e poesia, embora louve e implore a Virgem por todo o A. B. C. * "Nas Lettres dif., t. 9, p. 379, se encontra um caso similhante : La peste ayant cesse d^affliger nos nophytes, s^loit rpandue dans les campagnes; le bled quitoit dj en fleurs se trouva toul corrompa par Vinfefition de Vair.

414 HISTOBIA DO BRAZIL. 1563. validade d'estas compras tornou-se caso de conscienM e z a d a cia, e ao tribunal d'esta em Lisboa1 se affectou a conscincia. questo. 0 fim d'este tribunal achar desculpas a couzas que abertamente se contrapunho a essa lei, que a vontade de Deus revelada, e d'esse sentimento moral, que,quando no pervertido, o seu infallivel commentador : a decizo foi, que em caso estremo pode um horriem legalmente vender-se a si ou seus filhos para comer. 0 direito de comprar jamais se poz em duvida, posto que os compradores pareo no ter ficado inteiramente sem escrpulos a este respeito, nem sem algum salutar presentimento de remorsos hora da morte. 0 governador, o bispo, o ouvidor geral, e Luiz da Gram, agora nico Provincial (Nobrega por sua edade e enfermidades tinha sido dispensado d'este encargo), reuniro-se ao chegar esta resposta, e promulgaram-na para tranquillizar esses conscienciosos traficantes de escravos, que no querio crer que o prato de lentilhas fosse preo sufficiente para pagar o melhor direito innato do homem, em quanto os casuislas lhes no approvro a barganha". Levanlou-se porem outra difficuldade : muitos d'estes escravos no tinho sido v*endidos, nem por elles nem por seus pes, pelo que no era possvel comprehendel-os na sentena; mas os donos tambm no querio abrir mo d'elles. Deixal-os ir
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Tribunal da Meza da conscincia.

HISTORIA DO BRAZIL.

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reunirem-se s hordas no cathechizadas, pareceu 1563perigoso, e um saneio escrpulo se suscitou sobre a' probabilidade de elles apostatarem, se os punho em liberdade. 0 resultado foi um compromisso entre a conscincia e a velhacaria : disse-se a estes escravos que ero effectivament livres, mas que devio em quanto vivos servir os "seus possuidores, recebendo soldadas annuaes; e se fugissem, serio perseguidos, reconduzidos cidade, castigados, e multados com a perda do salrio d'um anno; os senhores por outro lado no os havio de vender, doar, trocar, nem levar 3,T<k <Ui para fora do Brazil. Estas medidas nada aproveitaro aos opprimidos; os possuidores ajunetro o perjrio aos demais crimes, e quando registravo um escravo, fazio-no jurar o que lhes aprazia dictar. Passada a fome, voltaro muitos dos conversos aos aldeamentos dos Jesutas, e os que no podero achar as mulheres bem querio tomar outras; mas como no era fcil de averiguar, se as primeiras ero falecidas, no se lhes permittiu tornarem a casar, seno apoz considervel lapso de tempo. Esta circumstancia os desgostou, pondo os missionrios em grande embarao. * Nem rainha regente nem ao seu conselho agradara o no se haver Mem de S mantido na posse da ilha de Villegagnon; e assim que se soube da paz que Nobrega e Anchieta havio concludo com os Tamoyos, resolveu o governo no perder o ensejo de firmar p

416 HISTORIA DO BBAZIL. 15G4. n o R J 0 j g Janeiro, excluindo finalmente os Francezes. Despachou pois Estacio de S, sobrinho do governador, para a Bahia com dous galees e ordem ao tio, que lhe prestasse para esta jornada as foras da colnia. Reuniu Mem de S os vasos que pde, e recommendou a Estacio que entrasse a barra do Rio de Janeiro, reconhecesse a fofa do inimigo e o numero das suas naus, e, se houvesse fundamento para contar com a victoria, o atlrahisse ao mar alto; mas que em caso nenhum quebrasse a paz com os TaS3,56 e 57. moyos, e que, se podesse haver os conselhos deNbreVidadeAnch. j j n 1 1

2, io, i, 2. ga, nada de importncia sem elles emprehendesse. ,. Chegou Estacio de S em fevereiro ao logar do seu contra S destino, e logo mandou uma barca a S. Vicente, com os Francezes, u m p e ( jj,j 0 a Nobrega, que viesse o quanto antes ter com elle. Feito isto principiou a reconhecer a costa. prizionou um Francez, de quem soube que n'quellas partes tinho os Tamoyos quebrado as pazes, alliando-se outra vez com os patrcios d'elle prizioneiro. Esta noticia nem por todos foi acreditada, mas depressa se confirmou : uma partida de botes penetrou na barra para fazer aguada, e um que se adentara aos mais subindo um curso de gua doce, foi atacado por sete canoas, perdendo quatro homens antes de poder safar-se. No havia logar por onde podessem ser acommettidos os navios francezes que no estivesse coberto pelos Tamoyos, cujas canoas coalhavo a bahia.
Expedio de

EsU

<->

HISTORIA DO'BRAZIL.

417
15G

Ensaiou Estacio com pouca vantagem algumas ligeiras escaramuas; viu que o inimigo no sahiria ao mar, que no podia desembarcar por falta de embarcaes prprias, e em verdade que as suas foras no bastavo para a empreza; e tendo sabido d'um prizioneiro, que para elle fugiu, que S. Vicente estava tambm em guerra com os selvagens, julgou mais acertado seguir para alli, robustecer aquella capitania, consultar com Nobrega (cuja demora attribuia s hostilidades que l se passario), e reforar-se a si prprio. Fez-se pois de vela no mez de abril. A' meia noute do dia seguinte entrou Nobrega com um ven<*laval no porto, e deitou ferro, contente por ter escapado tormenta. Cuidava achar alli a armada, mas ao raiar a aurora so viu por todos os lados as canoas do inimigo; o vento, que o atirara para^dentro, soprava' ainda, e fugir era impossvel; ja a gente se dava por perdida encommendando a Deus as almas, quando de improvizo apparecro velas barra, e Estacio, repellido tambm tufo, veio com suas naus ancorar nas mesmas guas. No dia seguinte, que era domingo de Paschoa, saltou toda a gente em terra na ilha de Villegagnon, onde Nobrega pregou um sermo de graas pela sua salvao providencial. Estacio consultou com elle sobre o que devia fazer-se e o resultado foi confirmarsearesoluojatomadapelocommandantede refazerse em S. Vicente, embarcar materiaes, e prover-se de
27

418 HISTORIA D O BRAZIL. 1564. embarcaes de remo, sem as quaes muitos postos, que seria mister ganhar, nem sequer se poderio atacar. obsta Fizero-se pois de vela e chegaro a Sanctos. Aqui
Nobrega a
s e v m c ue os
r

abandone a Tamoyos de Iperoyg, com quem Noemprera. i, re g a e Anchieta havio estado, se conservavo fieis aos seus compromissos; muitos tinho vindo ajudar os Portuguezes, e Cunhambebe, que votava a Anchieta especial amizade, postara-se com todo o seu povo nas fronteiras dos Tupis, em defeza dos amigos. Mas os colonos no estavo dispostos a fazer sacrifcios alem dos necessarjos prpria e immediata conservao ; engrandecio o poder dos Francezes e dos seus alliados, e insistio na difficuldade da empreza com persuaso tal, que Estacio vacillou, dizendo a Nobrega : Que contas, padre, darei a Deus e ao rei, se este armamento se perde? Senhor, replicou o Jesuta, de tudo darei contas a Deus, e se for necessrio irei tambm perante el-rei responder por vs. Resolvido o capito, era precizo animar os soldados ; com a sua auctoridade espiritual os determinou Nobrega, com a sua poltica os ganhou. Levou-os a Piratininga, onde o aspecto de tantos ndios convertidos, disciplinados e promptos para a guerra, lhes infundiu coragem e confiana, e onde a presena de tantos christos contribuiu para reduzir outros selvagens que duranle a visita viero trazer os seus arcos, fazer pazes e pedir mantimento, offerecendo o seu a s, f'eo-es; auxilio para a premeditada empreza.

HISTORIA-DO BBAZIL.

419

im Grande parte das necessrias foras e materiaes alli se levantaro. Depois desceu Nobrega at costa, Janeiro!0 e correu todas as povoaes, pregando ao povo a necessidade de levar a cabo a expedio, e promeltendo em nome do governador perdo dos delictos temporaesquem n'ella se embarcasse. E n'uma colnia continuamente supprida de degradados, no era este perdo merc que se desprezasse. Alistro-se mestios e ndios, apparelhro-se canoas, apromptro-se petrechos; tambm da Bahia e do Espirito Sancto viero contingentes, chegando-se a reunir uma fora, 'como os que se oppunho jornada nunca havio julgado possvel levantar-se. Levaro estes preparativos at fins do anno. Em janeiro ficou de verga ises. d'alto a armada, composta de seis naus', numero proporcionado de embarcaes midas, e nove canoas de ndios e mamelucos, com os quaes Nobrega mandou Anchieta e outro Jesuta, como os melhores cabos sobre tal gente. A 20 de janeiro, dia de S. Sebastio, sahiu de Bertioga a expedio, que tomou por patrono este sancto, lisongeando o jovem rei, e unindo assim a religio lealdade. Foi contrario o tempo; as canoas e embarcaes ligeiras no podero ganhar a barra do Rio de Janeiro, seno em princpios de maro, tendo ento ainda de esperar pela capitania e pelos transportes, que vinho vindo vagarosos, ar-

Pela palavra no deve-se entender embarcao d'alto bordo. F. P.

420 HISTORIA D O BRAZIL. 1565. fando contra ventos ponteiros. Esta demora esgotou a pacincia aos ndios, mormente por principiarem a acabar-se-lhes as provises, e assim declararo a Anchieta que no havio de ficar alli para morrerem de fome. A' vista d'isto recorreu elle outra vez a essas ousadas promessas, que os historiadores consigno de to boa mente como milagres; os transportes, disse, chegario antes de tal hora, e logo atraz d'lles o capito. Ha boas razoes para suppor, que elle se tivesse ido pr de atalaia, pois achava-se ausento quando os alliados torhro esta resoluo de retirada, e conclura apenas a prophecia quando os na- * . > , 6i-73. vi os apparecro vista. A frota reunida entrou agora a barra, desembarcando as tropas no logar depois dicto Villa Velha, perto do Po de Assucar, que com outro rochedo as protegia pelosflancos.Alli se entrincheiraro. Explorado o terreno, reconheceu-se que no havia mo seno gua estagnada, e essa to pezada e m, que se reputou insalubre; mas Jos Adorno, um dos colonos genovezes, e Pedro Martin Namorado com a sua gente se encarregaro de abrir na areia um poo que sup; de maro. P r i u a s necessidades. Mal se havio os Portuguezes fortificado, quando os Tamoyos os atacaro. Cahiulhes nas mos um ndio convertido, e em logar de o levarem, prezo a uma arvore o fizero alvo dos frecheiros. Com isto cuidavo intimidar-lhe os companheiros, mas so os exasperaro; fizero estes uma

HISTORIA DO BRAZIL.

421

sortida, pozero o inimigo em fuga, e tomro-lhe as canoas. Seis dias mais tarde soube-se que os Tamoyos com vinte e sele canoas se havio emboscacha n'um sitio, por onde os Portuguezes de necessidade havio de passar: foro estes apercebidos para o combate, e soffrro aquelles segunda derrota. Estas insignificantes viclorias animaro os christos, que ovantesna esperana do triumpho, cantavo o verso da Escriptura: Partidos so os arcos dos poderosos, samuei. e os que tropeavo esto cingidos de fortaleza. E bem podio fallar nos arcos dos poderosos, que a setta , despedida por um Tamoyo cravava o escudo ao brao que o sustentava, e ainda s vezes, atravessado- o corpo, ia perfurar uma arvore, ficando-lhe a vibrar no tronco. . , 3>7l Com pouco vigor se proseguia na guerra. Depois de gasto mais de anno em cio, ou escaramuas sem resultado1, veio Nobrega ao campo, do qual despachou Anchieta para a Bahia, onde se ordenasse, pois ainda no era mais que coadjutor temporal, e olhasse
1 Observou-se em todos os tiroteios, que as balas dos Francezes muitas vezes acertavo, sem fazer ferida. Este milagre facilmente se explica... a plvora era da que tinho trazido para trafico. E boa que fosse, ter-se-ia deteriorado apoz to longa estada n'um clima humido, effeito experimentado pelas tropas inglezas nas ndias Occidentaes. Para fazer maior o milagre observa Anchieta, e apoz elle Vasconcellos, quo facilmente se curavo as feridas feitas $ tiro. Um cirurgio, Ambrosio Fernandes, arrogou-sc todo o mrito d'estas curas, e no primeiro reconlro foi morto, como para mostrar que so Virgem c a S. Sebastio ero ellas devidas. Vasc, C. C. 3, 8 0 .

422 1566.

HISTORIA DO BBAZIL.

pelos negcios da c o m p a n h i a . Objecto de m a i o r monta havia q u e tractar com o g o v e r n a d o r . Nobrega epresentava-lhe q u e n a d a p o d e r i a fazer-se com to diminutas foras, e que ou se havia de invidar mais um esforo para levar a empreza a cabo ou seria mister abandooal-a. Mem de S levantou todos os soccorros que pde, e com elles chegou em pessoa aos 18 de janeiro do anno seguinte de 1567, vinte e quatro meses menos dous dias depois que a expedio partira d e S . Vicente. Estando to prximo o dia de S. Sebastio differiuse o ataque at a bem aventurada manh, para investir ento Uraumiri, o forte dos Francezes. Foi o logar levado de assalto, e dos Tamoyos no escapou um so : morrero dous Francezes, e cinco, que ca-

1567.

Victoria dos

. _

. .

Portuguezes. hirao prizineiros, forao enforcados, segundo o feroz systema de guerra que os Europeos seguio na America. Avanaro os vencedores immediatamente sobre Paranpucuy, outra fortaleza inimiga, que ficava na ilha dos Gatos*, onde tivero de bater em brecha as fortificaes, que ero extraordinariamente slidas. Morte Mas Estacio de S recebeu na primeira aco uma
do Eslacio
r

de s.

frechada no rosto, morrendo da ferida um mez depois. Em seu logar foi nomeado capito mr Salvador Corra de S parente d'elle. Dos Francezes poucos cahiro n'estes conflictos; tinho no porto quatro
1

Hoje conhecida pela denominao d'ilha do Governador. F. P.

HISTOBIA DO BRAZIL,

423
1567

navios, e n'estes, vendo assim totalmente derrotados os .alliados, velejaro para Pernambuco, tomando posse do Recife, onde resolvero estabelecer-se. Esta escolha de local prova quanto elles havio explorado bem a costa, e com quanto tino ero traados os planos, para cuja execuo so faltava a necessria fora. Mas Olinda, ento uma das mais florescentes cidades do Brazil, ficava demasiado perto : o commandante d'aquella praa os atacou, compellindo-os mais uma vcz fuga. Umd'elles, antes de embarcar, deu expanso ao desacorooamento que lhe inspirava o desesperado estado dos seus negcios, talhando n'uma rocha estas palavras : Le monde va de pis ampi1, vo as couzas de mal a peor. Jamais guerra em que to pequenos esforos s fizessem, e to poucas foras se empregassem de parte a parte, foi to frtil de importantes conseqncias. ,-.A corte de Frana andava por demais occupada em queimar-e trucidar huguenotes para poder pensar no Brazil; e Coligny, vendo abortar os seus projectos pela vil traio de Villegagnon, ja no attendia colnia. O dia de emigrar da ptria era passado, e os que devio colonizar o Rio de Janeiro, empunhavo armas contra um inimigo sanguinrio e implacvel na defenso de quanto caro ao homem. Por* ugal estava quasi to desattento como a Frana. A
Esta cacographia provavelmente antes d'elle do que de Rocha Pitta, pois evidentemente foi escripta de ouvida. -;\
1

a 2 63

> -

424 HISTORIA D O RRAZIL. 15C7. morte de D. Joo III fora para o Brazil irremedivel perda; por quanto posto que a rainha regente algum tempo seguisse as pegadas do finado monarcha, era com menos zelo e diminuido poder : e quando se viu forada a resignar a administrao nas mos do cardeal D. Henrique, revelou este a mesma falta lotai de resoluo e actividade, que mais tarde manifestou no seu curto e triste reinado. Tivesse sido Mem de S menos enrgico no cumprimento dos seus deveses, ou Nobrega menos hbil e menos incanavel, e esta cidade, que hoje a capital do Brazil, seria franceza agora. luminode Immediatamente apoz esta victoria lanou o goS. Sebastio.

vernador, conforme as instruces que linha, os fundamentos de nova cidade, que chamou de S. Sebastio, em louvor do saneio sob cujo patronato se havio posto em campo, eem honra d'el-rei. Principiou lambem a forlificar os dous lados da barra. Todas estas obras foro feitas pelos ndios, debaixo da direco dos Jesutas, sem que o estado dispendesse um real. No meio da cidade se assignou companhia terrerio para um collegio, dotado en nome do rei com bens sufficientes para sustentao de cincoenta irmos, dotao que bem havio merecido, e que no anno seguinte foi confirmada em Lisboa. Com todas as formalidades do eslylo se deu ao alcaide * mor, posse da nova cidade. 0 governador entregoulhe as chaves das portas, feito o que, entrou, fechou-

HISTORIA D O BBAZIL. 425 as, e tambm os dous postigos, auTrrolhando tudo, 1567 em quanto Mem de S se conservava da parte de fora. Ento o alcaide chamou por elle, perguntando se queria entrar quem era; ao que o outro tornou que era o commandante d'aquella cidade de S. Sebastio, em nomed'el-rei, eque queria enlrar. Abriro-se as portas em reconhecimento do que era elle o capito mr d'aquella cidade e fortaleza por el-rei ' Ann. d o
ItiodeJan.

de Portugal. M s . cs. Com sangue innocente nodoou Mem de S osfun- EKCUta-se damentos da sua cidade..Entre os huguenotes que protesTame. se tinho visto obrigados a fugir perseguio de Villegagnon, havia um, cujo nome parece mais inglez do que francez : escrevem-no os Portuguezes Joo Boles *. Era homem de bastante instruco, bem versado no grego e hebraico. Luiz da Gram fez com que o prendessem com trs dos seus companheiros, um dos quaes fingiu fazer-se catholico; os outros . foro metlidos aTuma enxovia, e n'ella eslava Boles, havia ja oito annos, quando o mandaro para o Rio de Janeiro, onde com o seu martyrio aterrasse alguns dos compalricios, que por ventura n'aquellas partes tivessem ficado escondidos. Gabo-se os Jesutas de que Anchieta o convencera de seus erros, reconciliando-o com a sancta Egreja calhoiica; mas a historia que corito, parece mostrar que, com a^
Pensamos que se chamava elle Jean du Bordel, como escreve Lery, e no BOILS como o denominam os chronistas protuguezes. F. P. ., 1

42G 1567.

HISTORIA DO BRAZIL.

promessa de pouparem-lhe a-vida, ou pelo menos de lhe tornarem menos c r e l a morte, o tentaro a postatr.*Por quanto quando o levaro ao loglr do supplicio, "lilbando o carfaseo no seu sangrento officio, interveio Anchieta""pressuroso, mostrando'.. lhe como justiar o herege o mais depressa possvel, com receio, disse-se, que este, sendo homem obstinado e recentemente convertido, perdesse a pacien cia, e com ella a alma. O sacerdote que d'alguma frma accelra i execuo da morte, fica, ipso facto,

v d'e1Anch suspenso das ordefis : e por isso entre as acs vir2, i4, 67, ^ g g jjg Anchieta lhe conta o biographo esta'. ,-uaoos *# Os Indios-reduzidos, que tinho ajudado na'?conFrancczes,. .

s. Loureno. q U i s tay foro estabelecidos perto da cidade em terras dos Jesutas; o aldeamento prosperou, tornando-se excellente posto avanado contra os Tamoyos e cori^ trabandistas francezes e inglezes. O capito* iridio Martim Affonso2 foi postado com o seu povo a uma egoa da cidade, n'um logar agora dicto S. Loureno. Contra este caudilho nutrio os Tamoyos dio de morte, ardendo pOr tomal-o vivo, para o devorarem. Succedeu chegarem ao Cabo Frio quatro navios franSo no fanatismo da epocha pde achar explicao esta conducta d'umto respeitvel varo como Anchieta. T. P. 2 Talvez filho de Tebyre, cuja morte acima fica relatada*. * Engana-se o auctor : este Martim Alfonso no tinha nem-um parentesco com Tebyri, e no era outro seno o esforado Tupinun Marigbioa de quem ja falamos F. P.
1

HISTORIA DO RRAZIL.

427
1567

cezes, talvez os mesmos que ja havio sido suecessivmente expulsos do Rio de Janeiro e do Recife : pediro-lhes os selvagens ajuda contra o inimigo commum. Mem de'S voltara a S. Salvador; em S. Sebastio no havia fora que podesse assoberbalos, nem para os Francezes era couza inaudita entregar prizineiros aos seus alliados anlhropophagos. Entraro a barra sem opposio, achando-se os fortes ainda incompletos e desguarnecidos'de artilharia. 0 governador Salvador Corra mandou pedir auxilio a S. Vicente, e sabendo qual era o fim principal do inimigo, despachou a Martim Affonso os soecorros que pde, preparando-se tambm para defender a cidade, que no era ainda murada. No era Martim Affonso dos que facilmente esmorecem. Teve tempo de fazer sahir as mulheres7 e crianas antes que desembarcassem os Francezes e os Tamoyos; e felizmente para elle ainda estes differio o assalto para a-manh seguinte. De noute chegou o pequeno reforo que Salvador Corra podia dispensar, e resolveu-se fazer uma sorlida e sorprehender o inimigo : veio o mais brilhante suecesso coroar este arrojo. Entretanto tinha a mar deixado em secco os navios, que havio descambado tanto, que era impossvel fazer jogar a artilharia ; foro pois os Portuguezes fazendo fogo muito a gosto com um falco pedreiro, sua nica pea, e apenas cresceu a mar, safaro-se os Francezes, tendo soffrido considervel

428
ibfi

HISTORIA DO RRAZIL.

perda. Foi este o ultimo rebate que dero no Rio de Janeiro. Tanto que chegaro de S.,Vicente os reforos, perseguiu Salvador Corra os Francezes at Cabo Frio: ero idos, mas Ia eslava outro navio de duzentos toneladas, bem tripolado, e montando tantas peas, que a gente nada se temeu d'uma esquadrilha de canoas. Valente e brava foi a defeza. 0*prprio Salvador Corra, tentando subir a bordo, Ires vezes foi atirado ao mar, e Ires vezes os seus ndios o salvaro, posto que armado de todas as peas. Oca pi to francez mantinha se na tolda, revestido de completa armadura, e uma espada em cada mo. Um dos alliados dos Portuguezes, irritado de ver resvalerem-lhe d'elle as settas, perguntou se no havia logar a que mirar; viseira, lhe respondero, e a primeira frecha foi atravessar um olho ao Francez, deixando-o morto. No tardou o navio a render-se, servindo suas peas para fortificar a barra. Quando el-rei D. Sebastio soube do galhardo proceder de Martim Affonso, mandou-lhe presentes, entre os quaes um vestido do seu prprio uso, em signal de particular S. Vasc. C. C, estima. , 129-136 os Franges Outra partida de Francezes tentou estabelecer-se daexf"hyta. n a Parahyba, onde por algum lempofizero lucrativo trafico, tornando-se formidveis pela sua alliana com os naturaes. Despachou-se Martim Leyto a reduzir estes selvagens, dando-se-lhe alguns Jesutas,

"'

HISTORIA D O BRAZIL. 429 os melhores voluntrios n'este servio. Eslava o inimigo to entrincheirado que foral-o era impossvel; mas um dos Padres por sobre a palissada saltou ao meio d'elles, mais seguro no seu habito do que o seria debaixo da mais rija armadura. Escutro-lhe os ndios as razes, depozero as armas, e expelliro

1507

i '

Colonizo - lia

os Francezes. Colonizou-se a Parahvba, aldero-se D os ndios, e estabelecero-se uns oito ou nove engenhos de assucar. Veio um novo capito, feio .dos caadores de escravos; expulsou os padres, jierseguiu-lhes e dispersou-lhes os catechumenos, e com
. , i t > i

os

Portuguezes.

'Rei. Ann.

arapidezcom que crescera, declinou a colnia. IGO3. rr. u > . Tambm os Inglezes tractavo por estes tempos de 1572. se estabelecerem no Brazil: e mais atinados na es- Tentativa
d um estai <-

colha do local, seno mais favorecidos da fortuna, 'S^"'0 fixro-se em grande numero na Parahyba do Sul. doWi"' Alli se ligaro com as mulheres do paiz, e com mais uma gerao poderio os anglo-tupi mestios vir a ser perigosos visinhos, se o governador de S. Sebastio, seguindo afferrado o systema da sua corte, os no tivesse no quinto anno da sua residncia atacado e exterminado. Os que escaparo desapiedada guerra que os Portuguezes fazio a todo o entrelopo, fugiro para o serto, e ou foro comidos pelos sei- viagenuie
.
r

. ' ,

Pedro SarGamboa.

vagens, como se cre, ou vivero e morrero entre mientonv. elles, asselvajando-se tambm.
3ll 3II

>

430
1563.

HISTORIA DO BRAZIL.

CAPITULO X
Luiz de Vasconcellos nomeado governador. Martyrio dos quarenta Jesutas. Morte de Vasconcellos. Morte de Nobrega e Mem de Sa. Luiz de Brito, governador. Abandono em que fico as colnias. , Diviso do Brazil em dous governos, e sua reunio. Derrota final dos Tamoyos. Expedio em busca de minas. Portugal usurpado por Philippe II. Estado do Brazil n'esta epocha.

igD9. Assumira agora D. Sebastio com quatorze annos luiz de vasc. de edade as rdeas do governo. Por dous annos pronomeado liocha Pitta.
3 46

. .

r *

governador. r o o u e u e a j nc [ a a administrao de Mem de S, que to longa e brilhante havia sido, e depois deu-lhe por successor D. Luiz de Vasconcellos. Foi com o novo governador grande reforo de Jesutas, debaixo'da obedincia deFr. Ignacio de Azevedo, queja eslivera A z e v e d o como vsitador no Brazil, para onde ia agora provini S i i . ciai. Era Azevedo o morgado d'uma famlia distincta: em 1547 entrara para a ordem em queja tinha occupado vrios cargos, antes de para este to elevado e importante ser nomeado pelo famoso Francisco de Borja, enlo geral e depois sancto. Pio V concedeu indulgncia plenria a quantos a acompanhassem, deu-lhe algumas relquias preciosas, entre as quaes a cabea d'uma das onze mil virgens; e, como espe- -

HISTORIA DO.BRAZIL.

431

ciai favor, permittiu-lhe mandar ^rar uma copia do ls09 retrato de Nossa Senhora feito por S. Lucas, graa de que ainda no havia exemplo. 0 geral auctorizou-o, a levar de Portugal os missionrios, que a provncia podesse dispensar, e de cada uma das outras, por onde passasse, trs voluntrios. .4 . # Gom trinta e nove irmos se embarcou Azevedo; separa se Pedro Dias com vinte na capitania., e Francisco vdef Sa'$Ss<> Castro com mais .dez na nau das orphs, assim chamada por que levava poro de raparigas, cujopaes tinho morrido da peste, pelo que as mandava >corte -^ para se casarem no Brazil e alli se estabelecerem. Alem oVestes havia a bordo'alguns novios que devio. ser, experimentados durante a .viagem, e depois, s& fossem* achados dignos, admit|id,s companhia. De sete galees e uma caravela-se compunha a armada.. Chegou esta Madeira, e alli .resolveu o governadas, esperar mono, temendo as calmarias de Guin,.. Azevedo fretara-metade, da Sancliag para si e para os companheiros; mas quiz a sua m.sina, que a ou ; tra metade do. carregamento tivesse de ficar na, ilha da Palma (uma das Canrias), recebendo-se alli nova carga para o Brazil. O capito portanto, conformando^ se com as ordens do seu armador, pediu e pbteve licena para ir .quella ilha-. Gurla como era tra* # vessia, nem poF isso deixava, de.ter seus perigos, pois que piratas francezes infestavq, sem cessar aquella^ paragens; os irmos supplicro a Azevedo que se

*432 HISTORIA D O RRAZIL. 1 5 6 1 . passasse para outra nau, no se expondo assim desnecessariamente. A isto no annuiu elle pela sua ^parle, mas a todos os companheiros, que d'ella quizessem aproveitar-se, deu licena para o fazerem; e quatro novios acceitro a graa. Foro seus logares occupados por outros quatro, soffregos do martyrio, ambio que no tardaro a ver satisfeita. A z e v e a ?e0 % . No dia seguinte ao da partida do mal agourado ounpanheiros navio, apparecro ciiico velas francezas vista'da mosdos Madeira. D.Luiz sahiu ao mar, e procurou travar Francezes. combate; mas o officio d'aquelles corsrios era saquear e no pelejar quando podio evital-o, pelo que se fizero no rumo das Canrias. Era uma esquadra daRochella, commandada por JacquesSore, natural do condado de Eu naNormandia, e huguenote; homem to pouco disposto a mostrar piedade a padres catholicos, como estes o terio estado a usar de caridade para com elle. Levava a Sancliago a deanteira a estes inimigos, e em sete dias ganhou a altura da ilha; mas a travessia soprava rija, e no podando montar a cidade, teve o navio de entrar n'um porto "perto de Teracorte. D'alli at Palma havia apenas trs legoas por terra, mas por mar era muito maior a distancia. Um colono francez, que linha sido condiscipulo de Azevedo.no Porto, bem o aconselhou elle e aos seus companheiros, que no se aventurassem no navio, mas antes fossem por terra, pois que facilmente poderio cahir nas mos dos piratas.

HISTORIA DO BRAZIL.

433

Foi perdido o conselho, e todos embarcaro. Velejou 1&69aSanctiago com vento escasso um dia de manh, e na outra madrugada eslava sobre Palma, trs legoas ao mar, com os Francezes vista. De nada serviu aos Portuguezes a resistncia, Jacques Sore fez aos Jet suitas o que elles lhe terio feito e a toda a sua seita, dspachou-os para o outro mundo1. Um.dos novios escapou, por estar com vestidos seculares; o resto foi aluado, uns vivos, outros mortos, outros mon- K, 25-ni.
, Telles. C. C.

bundos. *,9 Depressa chegou esta nova Madeira, onde os de- sorte dos
. . . . . . outros

mais missionrios celebraro o tnumpho dos compa- missionrios. nheiros, triumpho em que muitos d'elles ainda devio de ter parte. Apezar de ter esperado pela boa estao,: soffreu a armada terrivelmente do clima pestilencial de Gabo Verde; e quando apoz longa e deplorvel viagem chegou vista do Brazil, venlava to rijo ao correr da costa, que ella, no podendo nem dobrar o Cabo de Sancto Agostinho, nem aferrar a terra, foi acossada at Nova Hespanha, onde o temporal a dispersou. Uma nau alcanou Hispaniola, Outra Cuba; o que foi feito das outras no o referem os historiadores: apenas se sabe, que depois de outra infructuosa tentativa de chegar ao seu destino, veio r
0 auctor summamente injusto neste lugar : os Jesutas no feriam jamais feito a Sore o que este lhes fez, porque padres catlicos no se poderiam manchar com as crueldades d'um corsrio calvinista. O facto de Joo du Bordel, e alguns outros que se possam citar so recepes condemnadas pelos prprios escriptores ecclesiasticos. F. P.
1. 28
1

434 156.
a

HISTORIA DO BRAZIL.

frota arribada aos Aores. Io ja trabalhados do mar e dos ventos os navios, e to reduzida a tripolaco, que quando D. Luiz tentou de novo a sua m fortuna, um so galeo bastou para lhe conter os tristes restos da sua fora. Estavo com elle quatorze Jesutas, de que era principal Pedro Dias. No havia uma semana que se deixara a Madeira, quando apparecro um corsrio inglez e quatro francezes, s ordens de Joo Capdeville, Beamez, que como Jacques Sore era huguenote e pirata. Desesperada e imposvase. c. c. sivel era a resistncia, mas os Portuguezes batero-se;
4, 112-114. C F ss . '
l
&

v1dI deis" governador cahiu na aco , e Pedro Dias e seus F L". i%Bc2ia' irmos pagaro pela intolerncia a crueldade da sua desapiedada egreja 2 . Dos sessenta e nove missionrios que Azevedo levara de Lisboa, um nico, que ficara n'um dos portos em que a armada entrara, chegou ao Brazil. Nunca a Companhia, nem antes nem depois, soffreu d'uma assentada to grande perda, ou, na sua linguagem, que era conjunctamente a da poltica e do fanatismo, nunca obtivera to Milagres glorioso triumpho. 0 machjnismo dos milagres ^hroTsuTveio em breve junctar-se a uma historia, quo para' iSJrfo. causar impresso, no carecia do auxilio da falsiRocha Pitta diz que D. Luiz morreu de doena no mar. Admira este lapso, por implicar ignorncia do martyrio de Pedro Dias e seus companheiros, nica ordem de factos que se podia suppor no escapasse a um historiador como elle. 8 Admira que os preconceitos religiosos obriguem a Southey a commetter to grave injustia como a que resulta d'ests palavras. F. P.
1

, HISTORIA DO BBAZIL.

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dade. Primeiro disse-se e depois jurou-se, que morto 1569 Azevedo no podero os hereges arrancar-lhe das mos o retrato da Virgem... copia mais milagrosa ainda do que o milagroso original; que o seu cadver, arrojado ao mar, estendera os mortos braos, . collocando-se na postura d'um crucificado; que os piratas iro o corpo outra vez a bordo, amarrrolhe os membros, tirando-os fora d'aquella odiosa attitude, e tornaro a atiral-o gua; ento ergueuse elle direito sobre as ondas, extendeu de novo os braos da mesma forma, segurando a pintura a guiza de estandarte, e assim continuou at que a esquadra herege se perdeu no horizonte, vendo-o ento os prizineiros na Sancliago afundir-se a pique. Pouco depois, passando um navio catholico pelo logar do martyrio, tornou a subir o corpo na mesma postura, poz o retrato a bordo, e volveu a mergulhar-se; e esta pintura, com os ensangentados dedos de Azevedo n'ella impressos, mostravo-na em S. Salvador cien-Fuegos. os Jesutas com herica impudencia, e venerava-a o povo com f implcita. Entre historiadores civis e .eclesisticos a differena esta : narro os primeiros maisperluxos os suecessos dos seus prprios dias, tendo sempre os escriplores posteriores de condensar e resumir os maleriaes que lhes deixaro os predecessores; mas debaixo das mos dos segundos vae a matria engrossando sempre com a mentira, que cada um acarreta para o acervo.

436 [HISTORIA D O BRAZIL. 1569 . No chegou Nobrega a ouvir a sorte de Azevedo e deNoiirega. dos seus companheiros. Morreu quatro mezes depois * do assassinio d'estes aos .cincoenta e trs annos de sua vida, gasto de trabalhos e fadigas incessantes. Quiz a sua boa estrella collocaho n'um paiz, onde so os bons princpios da sua ordem podio ser postos em aco. No ha ningum a cujos talentos deva o Brazil tantos e to permanentes -servios, e devemos olhal-o como o fundador d'esse systema, to efficazmente segui.do pelos Jesutas no Paraguay; systema o mais fecundo em Dons resultados, que compatvel com a fraude pia. Na vspera da sua morte sahiu Nobrega a despedisse dos seus amigos, como se partisse para uma jornada; perguntavodhe para onde ia e respondia : Para casa para a minha ptria. No houve vida mais activa, nem mais pia, nem mais ulilmente empregada; nem os erros da sua crena tqrnavo menos certa a esperana triumphal com que terminou. M o r t e Ao saber-se em Lisboa da morte de D. Luiz de ' Vasconcellos, foi nomeado Luiz Brito de Almeida para sueceder-lhe no governo do Brazil. A Mem deS alcanou-lhe a vida apenas para ver chegar o seu suecessor, e depois o abandonou, apoz uma hbil e prospera administrao de quatorze annos. Nos seus ltimos diasxoube-lhe a mortificao dever descuiLU de Brito, dado pela me ptria o paiz que governava. Mal se nha vist o a rainha viuva obrigada a ceder o passo ao

HISTORIA DO BRAZIL.

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cardeal D. Henrique, que tudo principiou a declinar 1569 'debaixo do governo imbecil d'este homem. Dez annos xJtidas. M s . r0 8 mais que D. Joo III houvesse vivido, taes medidas ' se estavo tomando, que por toda a parte se terio levantado cidades, villas e fortalezas; agora em logar de erguerem-se novas fabricas cahio as antigas. As frotas annuaes, que soio trazer colonos jovenes, sadios e industriosos, cessaro, nem a me ptria parecia curar mais d'estas colnias. No so se no empregavo meios para promover-lhes o progresso, e assegurar-lhes a prosperidade, mas at ero tractadas com tanta ingratido como deleixo, deixando-. . se esquecidos e sem galardo servios passados. Nada se fazia pelos filhos dos colorios que havio perecido na expulso dos Francezes, servio da mais vital importncia at para a existncia dos Portuguezes* na " America, e pela mxima parte devido a voluntrios,* que militavo sua prpria custa. Os descendentes d'estes, vendo consumida a fazenda, e desattendidas as suas reclamaes, no poderio estar mui dispostos a renovarem egaes sacrifcios em casos de egual necessidade. No succedeu Luiz de Brito em toda a auctoridade Dkide ^ do seu predecessor. To rapfdo fora o crescimento "S^81 da colnia sob a hbil administrao de Mem de S, governos. e!proteco de D. Joo III e da sua viuva apoz elle, jme paFeceu agora acertado dividil-a em dous governos, sendo S. Sebastio a sede do novo, que princi-

438 HISTOBIA D O BRAZIL. 1569. piava na capitania de Ponto Seguro, e se extendia at aos ltimos limites austraes. Deu-se esta metade*ao Dr Antnio Salema, quede Pernambuco para alli foi promovido. Continuavo ainda os Francezes a traficar no Caibo Frio, conservando-s os Tamoyos sempre Denotafinaifieis aljiana com elles. Salema resolveu expurgar d'estes inimigos o seu districto. Beuniu uma fora de quatrocentos Portuguezes e setecentos ndios, e com Christovo de Barros, que se assignalara na expulso dos Francezes do Rio de Janeiro, acommeteu os Tamoyos, e seus alliados europeos. Fortes palissadas lhes defendio as aldeias; os selvagens* resistiro valentemente com arcos e arcabuzes, e duvidosa teria sido provavelmente a victoria, se Salema, seguindo a costumada crueldade d'estas guerras, tivesse recusado quartel aos Francezes. Prometteu-lhes porem as vidas salvas, e elles submettero-se. Entre os Tamoyos fez-se tremenda matana; '' a sua perda em mortos e captivos ora-se em oito ou dez mil, e foi to pezada, que as relquias (Pesta formidvel tribu, abandonando a costa, retirro-se
Noticias. i

i, a,

para as serranias .
Salema escreveu uma relao d'esta expedio, a que o auctor das Noticias se refere, dizendo que por isso se julga dispensado de tractar mais profusamente b assumpto. Mas d'eslas obras nenhuma foi impressa, e da primeira, se por ventura' ainda existe, no pude alcanar manuscripto algum. Rocha Pitta, negligente e ignorante, como de costume*, nem faz meno d'esta derrota total dos Tamoyos, para estranhar que Southe} traclc d'este modo a Rocha Pitta cujos
1

HISTORIA DO BRAZIL.

439

Entretanto dirigia o governador da Bahia a sua 1569 atteno para as descobertas pelo serto. Era opi- deXirnho
* cm busca de

nio corrente que no interior da capitania de ' Porto Seguro, onde partia com o Espirito Sancto, havia minas de pedras preciosas. Para averigual-o foi Sebastio Fernandes Tourinho despachado com uma partida de aventureiros. Subiro o Rio Doce, e tendo seguido para o poente pelo espao de trs mezes * ora por terra, ora por gua, descobriro uns rochedos, em que havia unas pedras de cr entre o verde e o azul, que tomaro por turquezas : dissero:lhes os naturaes que no cimo d'esta rocha se
apezar da importncia do facto, nem da diviso do governo. E Vasconcellos no leva a sua chronica alem da morte de Nobrega. 1 No mnuscripto Noticias do Brazil assim se lhes descreve, o curso. Do Rio Doce entraro no Mandij; alli desembarcaro, e transportas vinte legoas para 0. S. 0. chegaro a uma lagoa grande, chamada dos naturaes Boca de Mando Mandij, ou, segundo outra verso, a Boca do Mar, pela sua grandeza. D'aqui descero iim rio para o Doce; o seu curso era 0., e a quarenta legoas d'esta lagoa havia uma cataracta. Andaro trinta legoas ao correr d'este rio, e depois, deixando-o, seguiro para o.poente por quarenta dias, em que andaro outras setenta^ e chegaro ao logar onde o rio cahia no Doce. Aqui. fizero canoas de casca de arvore, cada uma para vinte homens, e subiro o rio at sua juneo com o Aceci, pelo qual navegaro ainda quatro legoas, deixando ento as embarcaes e tomando para N. 0. por onze dias. Atravessaro o Aceci, e- seguindo-lhe a margem por cincoenta legoas, .acharo os rochedos com as suppostas turquezas. Foi isto escripto to proximamente depois da expedio, que provvel que a geographia seja a mais exacta que se pde esperar. enganos e omisses so deseulpaveis pela deficincia de documentos que em seu tempo existia. F. P.

nBis

440 HISTORIA D O RRAZIL. 1569. encontravo outras de cr mais brilhante, ealgumas, que, segundo a descripo, devio conter ouro. Ao sopp d'uma. montanha coberta de arvoredo, acharo uma esmeralda e uma saphira, ambas perfeitas na sua espcie; e setenta legoas mais adeante chegaro a outras serras, que davo pedras verdes. Cinco legoas alem ficavo montes, em que, no dizer dos naturaes, havia pedras maiores, vermelhas e verdes; e ainda para Ia um serro composto todo de fino.cryslal (assim o conto) em que os mesbios naturaes affirmro encontrarem-se pedras azues e verdes, excessivamente duras e brilhantes. Com estas noticias voltou Tourinho. E x p e d i o de Mandaro ento Antnio Dias Adorno a segunda
Adorno em busca do mesmo. Noticias. Vasc. C. C.

expedio; e dero-lhe cento e cincoenta brancos, e loucras. quatrocentos escravos c ndios alliados, com os
'

s.st.

quaes subiu o Rio das Caravelas. Parece que na volta se dividiu a gente, pois alguma desceu o Rio Grande em canoas de casca de arvore. Trouxe Adorno a confirmao davrelao de Tourinho, accrescentando apenas que para o nascente da serra de crystal havia esmeraldas e saphiras para o poente. As amostras que trazia ero imperfeitas. Brito mandou-as ao rei, com as que Tourinho trouxera, mas nemhuma alteno se prestou ento a estas informaes, e o mos dias de Portugal ja vinho prximos. Confiouse terceira expedio a Diogo Martins o, cuja alcunha de Mata-Ngros, o designa por homem mo e

t 4

HISTORIA D O RRA|jL. 441 cruel, por. mais emprehent|edor que possa ler sjdo; 1552Aptz.elle foi Marcos de A^vedo Coutinho, que trOffxe avultado numero de*pedra. Os seus descendentes, e tambm.muitas outras pessoas, tentaro chegar a esta minas, mas as picadas abertas ehcobrira-as de ,.. novo a vegetao, e ningum mais linou com o ca^ minho. Brito principiou tambm a procurar cobre* v*c mas em breve desistiu. J)'esla desistncia se mara- ^- 8 w-asvlhro os Bahianos, que dizio,.ficar a sessenta legoas para o ser Io uma serragem que este metal jazia em grossas barras uperficie, & affrme haver a metade d'esta distancia montanhas em que se podia encontrar ferro, mais fino'que 4 ao de Milo. .' . "s?>' Rechaados dos portos que antigamente freqenta- p ^ } 0 c i " . vo, traficavo agora os Fraricezes em Porto Real,* M^Heupara tambm d'alli os excluir, viero ordens de Por- atandonaao. , tugal que se formasse n'aquelle logar um estabelecimento. A Garcia de vila secommelteu este servio; era elle da Bahia, e consistia a sua riqueza em grandes rebanhos, que paslavo nas terras baixas da bahia de Fatuapara e do rio de Jacoipe. Dez manadas de bois e cavallos ero suas, e tinha elle formado no Recncavo um considervel estabelecimento1, com uma 'egreja de pedra da invocao de Nossa Senhora,
Duas prodigiosas serpentes infestavo esta fazenda de criao. Ofeitor matou uma c achofl-lhe no ventre noventa e trs leites, que pezavo junctos oito arrobas. Noticias Ms. 2, 46.

442 HISTORIA D O RRAZIL. 1569. onde mantinha um capello, e que recorda ainda o sen nome. Levantou-se na Bahia e nos Ilheos -um bom troo de aventureiros, que foro colonizar trs legoas dentro da barra. 0 local fora mal escolhido; no havia navio de mais de sessenta toneladas, que podesse alli entrar; e a terra, at onde chegava a mar, que serio seis ou sete legoas, para pouco mais servia, seno para gado. Brito teve em breve de vir ajudar os colonos contra os selvagens, a quem deu uma lico severa, mas a colnia no lhe agradou, pelo que a recolheu. No era possivel mantel-a sem um forte, e elle no o construiu, por que a administrao se lhe approximava do seu termo. Nas plantaes dos naturaes tinho-se encontrado boas cannas Noti ^- de assucar, nem em qualquer outra epocha teria' sido R 3, 6i"ea62. * situao to de leve abandonada. A diviso do Brazil em dous governos provara mal, Reunem-se os dous governos. e dous annos antes de expirar o termo da administrao de Brito, tornou-se o do Rio de" Janeiro outra vez sujeito ao da Bahia. Foi Diogo Loureno da D i o f o Veiga o novo governador *. 0 anno da sua chegada ureno da a Telga? foi esse anno fatal a Portugal, em que D. Sebastio Veiga, governador. com toda a flor do seu reino succumbiu nos desertos da frica. Este successo podiera ter produzido para o Brazil as mais extraordinrias conseqncias. Philppe II de Hespanha, em quanto com os demais preQue no buliu rfeste negocio por respeitos que no se devem declarar, diz o auctor das Noticias, referindo-se ao Rio Real.
1

HISTORIA D O RRAZIL. 443 tendentes amargurava os ltimos tristes dias da vida de D. Henrique, instando por que decidisse a questo da sticeesso, offerccia todas estas colnias com absolula soberania e o titulo de rei ao duque de Bragana,
. . . . ^ o *

1578. Ene*. T p.1& o Brazil


a o

o f f e r e c i d o

se quizesse desistir das suas pretenes coroa de ^7n * Portugal. Nem elle, fazendo a offerta, nem o duque, rejeitando-a, lhe calculavo o alcance. Os Francezes fizero uma tentativa poltica para se aproveitarem das perturbaes que se seguiro; mandaro trs navios ao Rio de Janeiro, e recado ao governador Salvador Corra de S, dizendo-se vindos com cartas de D. Antnio, prior doCrato, que chamavo rei de Portugal. No quiz elle receber as cartas, nem deixai- Tentativa d o
prior do

os entrar, e a barra estava ja demasiado fortificada ^'^^1'6 para q^ue a forassem. Assim terminou a tentativa de D. Antnio sobre o Brazil menos desastrosariiente do que nenhuma das suas outras emprezas. Mas se o prior do Crto tivesse comprehendido a prpria fraqueza, e possudo um gnio digno da posio a que aspirava, poderia sem resistncia ter-se estabelecido n'este grande imprio. 0 mais hbil dos seus partidrios, D. Pedro da Cunha, verdadeiro Portuguez da herica tempera antiga, era capito do porto de Lisboa, e tinha.as naus s suas ordens; vendo quanto era impossvel, que D. Antnio, tendo so por si a gentalha da capital, resistisse a Alba e ao seu exercito, instou com lie por que, embarcando-se com' quantos quizessem seguir-lhe a fortuna, fosse com o

441
1578

HISTORIA DO RRAZIL.

titulo de rei de Portugal estabelecer-se no Brazil, onde era certo que as demais potncias, por ciurries da Hespanha e pelas vantagens do commercio, o rer conhecerio poiario. Mas este bom e magnfico conselho, como com justo orgulho o chama o descenIZ a cu'nha" car ta dente de D. Pedro, no foi ouvido, e D. Antnio
ao Marco . , ,

Antnio. Ms. morreu em Frana, miservel fugitivo. os A introduco dos Carmelitas no Brazil, que na
Carmelitas. *

1580.

Benediclinos. 1581.

cidade de Sanctos fundaro seu primeiro convento, assignala o governo de Veiga. Conduziu Fr. Domingos Freire este enxame de zanges, cujas cellas no tardaro a encher-se de mel por outros trabalhado \ No" anno seguinte trouxe Fr. Antnio Ventura uma caterva de Benediclinos, que se estabelecero em S. Salvador. Veiga morreu ainda antes de acabado o anno. Apezar de estar elle mui avanado em edade nenhuma providencia se havia tomado para similhante contingncia; sentindo-se moribundo, com approvao da nobreza e povo investiu da sua auctoridade o senado da cmara e o ouvidor geral Cosme Rangel de Macedo 8 . Dous annos esteve a governana n'estas mos, at que veio Manoel Telles Barreto
x

B. Pitta.

3,68,8i-82. tomal-a nas suas.


epocha. Estado do Brazil n'esta
1

Foi por este tempo que se escreveu essa narrativa


1 x

O auctor parece ignorar os importantes servios que civilisao do Brazil prestaram os Carmelitas e Benediclinos. F. P. * Foi tambm convidado o bispo para fazer parte do governo mlerino. F.-P.

HISTORIA DO RRAZIL.

445

sobre o Brazil, a que tantas vezes se tem referido 1581esta historia, como melhor, mais antiga e s vezes nica auctoridade em muitos factos capites. Dezasete annos residira o auctor n'este paiz, onde possua na Bahia alguns engenhos de assucar. Escreveu os dados no prprio thealro dos acontecimentos, e depois os coordenou em Madrid, para apresental-os a D. Christovo de Moura, o ministro portuguez, com o deliberado propsito de inteiral-o do estado verdadeiro d'estas colnias, sua grande importncia, e imprudentissima segurana. Tomando por base estas mui curiosas e ainda no iriipressas memrias, no ser ocioso descrever aqui o estado do Brazil, tal qual ento era, accreSentando o mais que d'outras fontes for possvel colligir'. Oitocentas famlias contava n'estaepocha a cidade s.saivador. de S. Salvador, e pouco mais de duas mil todo o Recncavo; e incluindo negros e ndios, podio-se pr em campo quinhentos cavallos e dous mil infari- Noticias.
T

Ms. 2 , 8 .

tes. Para defeza da cidade havia quarenta peas pequenas .de.artilhariae outras tantas maiores; destas
" " ? -

A obra a que se refere Southey o Tratado Descriptivo sobre o Brazil publicado pela primeira vez na Colleco das Noticias para a Historia e Gepgraphia das Naes Ultramarinas que vivem nos domnios portuguezes ordenada pela Academia Real das Sciencias de Lisboa, tom. 5, p. 1. Existe segunda edico presidida pelo Sr. Varnhagen e feita a expensas do Instituto Histrico e Geographico Brazileiro, e enriquecida de muitas reflexes e notas do mesmo distincto historiador. F. P.

446 HISTORIA D O RRAZIL. 1581.. estavo algumas assestadas na barra, onde era to M s . 2, i3. largo o canal, que ellas nada poderio aproveitar. Forado Se o servio d'el-rei o exigia, podio reunir-se mais
Recncavo. . . . ,.

de mil e quatrocentas embarcaes de differentes tamanhos, entre as quaes cem capazes de montar artilharia, e mais de trezentos caraveles'; no havia no Recncavo homem que no tivesse o seu bote ou a sua canoa, nem engenho de assucar que possusse menos de quatro. Se vivesse ainda D. Joo III, que est na gloria, diz o memorialista, amava elle tanto esto paiz, e com especialidade a Bahia, que do Brazil teria feito um dos melhores reinos do mundo, e de S. Salvador uma das mais nobres cidades dos seus domnios. A cathedral tinha um cabido pomposo mas pobre, composto de cinco dignitarios, seis conegos, dous conegos menores, quatro capelles, um cura com seu coadjutor, quatro choristas e um maestre do choro; mas poucos d'estes ministros tinho ordens maiores, nem tinha o bispo de gastar pouco das suas rendas para prover-se de sacerdotes que fizessem o servio regular. A razo d'esta falta era terem os conegos escassos trinta mil reis por anno, trinta e cinco os dignitarios, e quarenta o deo; valendo muito mais ser capello da Misericrdia ou d'algum engenho de assucar, com bons sessenta mil reis e cama e meza. Tambm de alfaias
As caravelas o caraveles tinho velas quadradas, no como as gals, que as trazio triangulares.
1

HISTORIA DO RRAZIL.

44(7

e paramentos soffria grande mingoa a s, do que, ' 1 5 8 1 diz o auctor, deve ser sabedor S. M., que com este encargo percebe os dcimos, pelo que lhe toca prover de remdio esta necessidade. Havia na cidade e Recncavo sessenta e duas egrejas, dezaseis das quaes ero freguezias; nove tinho vigrios pagos por el-rei s outras curas, sustentados pelos parochianos. A maior parte d'estas egrejas tinho seus capells e confrarias como em Lisboa. Afora isto mais trs mosteiros. Que mundo ecclesiastico para tal populao! Noticias. 2,5 D. Sebastio edificara e dotara trs collegios p a r a Estabelecidos Jesutas, de sorte que podia a Companhia receber dos jesutas. novios, recrutando-se para o servio do Brazil. Com estes estabelecimentos proporcionava tambm instituies de educao aos Brazileiros mais abastados. 0 collegio maior era o da capital, e continha de ordinrio setenta pessoas, entre padres, estudantes, n o vios e leigos. Os mestres ou regentes, como os cha mavo, ero seis em numero, u m dos quaes se empregava'em ensinar as crianas a ler e escrever; dous ero professores de latim, e os outros trs fedores de philosophia, moral, theologia casustica e escholastica. Os dous outros collegios ficavo em S. Sebastio e Pernambuco; o primeiro costumava 'Conter quarenta a cincoenta membros residentes, e o segundo de vinte e cinco a trinta. Outros eltegios nenores, chamados residncias, tinho-nos homens

^48 HISTORIA D O RRAZIL. 1581.. pios e bemfeilores erguido para os Jesutas, sendo os mais importantes os de Porto Seguro, S, Vicente, "S. Paulo e Espirito Sancto. Em cada a+deia de ndios convertidos' estacionava o dous Jesutas, por via de jgggra um paclre e seu' aclito; de tempos a tempos .voltavo a collegio ou residncia a que prtencio,
P.Perredu
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'l^ *3is ' * Io rendidos por outros. Duas legoas em redondo de S. Salvador estava o
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Recqno # * coberto de boas plantaes, como os casaesde Portugal. 0 numero dos engenhos de assucar no Recncavo era de trinta e seis sem assudes, e com elles, liavia vinte e um, e quinze tocados por bois, estando ento quatro em eonstruco; oito estabelecimentos de preparar melao ero tambm emprezas mui luV %}' crativas. Exportavo-se annualmente mais.de centoe vinte mil arrobas de assucar, alem do que va em doces, artigo mui procurado entre os Portuguezes. ado. 0 gado vaceum, trazido do Cabo Verde, multiplicava prodigiosamente; fabricava-se manteiga e queijo, e do leite se. fazia o mesmo uso que na. me ptria, pouco influindo n'isto o clima. Jamberii da mesma procedncia se havio importado e se continuavo a importar cavallos, apezar de se reproduzirem rapidamente : havia quem na sua manada tivesse quarenta e cincoenta egoas de criao* 0 preo d'estes animaes regulava de dez a doze mil reis por cabea*, mas*legados a Pernambuco valio trinta ducados ou sessenta cruzados. Ovelhas e cabras tambm no fal-

no

a a

HISTORIA DO RRAZIL.

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tavo trazidas do mesmo Cabo Verde e da Europa, & 1581do seu leite se fazia manteiga e queijo. , *%zu' Laranjase limes, introduzidos pelos Portuguezes, Fructas. tinhorse tornado abundantes, particularmente os >isoeri\'io.' limes, e tambm maiores. Dizia o dictado., que casa a cuja porta apparecio de manh muitas cascas de laranja, no entrava n'ella o medico. Caroos de tomaras trazidos de Portugal havio produzido palmeiras. Transplantado produzia o cacaoeiro bom pOr alguns annos, principiando ento a murchar; isto, dizio, obra d'um inseelo. Pouco valor porem se ligava a esta arvore n'um paiz to abundante das mais deliciosas fructas. As roms e meles, que alias se terio dado bem, destruio-nos as formigas quasi completamente; oulrotanto succedia videira; folhas e fructo desapparecio n'uma noute, devoradas por este insecto damninho, e tanto o vinho par a amissa como a farinha para as hstias, era mister virem de ;Portugal. To numerosas ero as formigas, e to grande o estrago que causavo, que os Portuguezes chamavo este bicho o rei do Brazil; Piso porem diz Ma"s6raff que com fogo ou gua era fcil afugental-as, e que o mal que fazio, d'alguma forma o compensavo com guerrearem sem cessar todos os outros insectos. Em algumas partes da America do Sul sahem ellas periodicamente em exrcitos de tantos milhes, que s^. por sobre as folhas cahidas se lhes ouve a alguma distancia o estrepilo da marcha. Os habitantes, que
, 29

450 HISTORIA D O RRAZIL. 1581. conhecem a estao, esto ja alerta, e abandonoas casas, que estes tremendos mas bem vindos hospedes lhes limpo de centopeas, escorpies, lacraias, cobras e A.deuiioa. todo o bicho vivente, feito o que, vo seguindo seu
Not. Amer. . ,

7, 39. caminho. Koster. 289. So to numerosos ainda mesmo nas mais povoadas
Dobrizhoffer. Vasc. Vid. ,, . . . . i r M '

1,378. e melhor cultivadas regies do Brazil estes, insectos, 4 4 6. ' ( I u e s e u s esquadres ennegrecem as paredes da casa, que de noute invadem, pondo em perigo os moradores : retiro-se porem a toda a pressa, se entre elles se atira um pedao de papel a arder. As tribus indianas que fazio plantaes, costumavo attrahir para as immediaes o tamandu, ou papa-formigas; mas os Portuguezes parecem no ter considerado quanto seria de convenincia prpria proteger e at domesticar este til e inoffensivo animal, em vez de exterminal-o por mero gosto. So pois as formigas, posto que ja no to formidveis como quando era menos cultivado o paiz, ainda excessivamente damninhas a campos e quintaes. Ainda bem que as vermelhas e pretas se fazem entre si guerra de morte, as pretas pequenas, por mais valentes e menos destruidoras, tomo-nas os homens ao seu servio, deixandoas em paz fazer suas casas nas arvores fructiferas, Koster.288. que defendem contra as outras espcies. Nem o homem, com todos os recursos da sciencia, logrou jamais mover corpos, em pezo e volume to desproporcionados com o seu prprio tamanho foras,
d ll ei a

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451

1581 como estes pequenssimos insectos, com incanavel industria e esforos prodigiosos, acarrelo para os seus ninhos. Quando os monticulos em que se havia plantado a mandioca mais seguros parecio, cheias de gua da recente chuva as vallas em torno, vio-se as formigas lanar com folhas uma ponte, por onde passassem. Ha no Paraguay uma espcie pequena e Koster.288. preta, que nos terrenos baixos levanta ouleiros conics de terra, de trs ps de altura, e m u i perto uns dos outros : durante as inundaes peridicas abandono estes insectos os seus montinhos e com maravilhosa sagacidade agarr-se"uns dos outros em massas circulares d'um p de dimetro e quatro pbliegadas de espessura, segurando-se-os d'um lado a alguma herva ou raminho, e assim fico fluctuando ate que as guas se retiro. Azara. , 107.

Uma espcie maior compensa d'alguma sorte os estragos que faz. Preenchido o fim da sua existncia so as formigas machas e fmeas expulsas pelas neutras ou operrias, a quem toca prover as necessidades da republica, e homens e aves se pem cata d'ellas, quando desferem o voo. Por estas occasies as tribus tupis, enchendo de gua u n s fossos, com que se punho fora do alcance da parte guerreira d'aquella sociedade, apanhavo em vasos de barro o enxame fraco e indefeso apenas se levantava do cho, para aproveitarem a enxundia. Esta, que se contem Anchieta n'uma bolha branca por cima do corpo, olhada -'

452 HISTORIA D O RRAZIL. 1581 delicioso ssipipe tanto por Hespanhoes como por Gumiiia. ndios no Paraguay e Tucuman; tendo um Italiano C. 47. chegado a comparal-a com a melhor manteiga. Mas os Tupis do Brazil e as tribus do Onnoco frigia os insectos na prpria gordura, e n'este estado os repulavo os Jesutas so e saborosssimo alimento. Outra praga tinho os colonos no cupim, espcie de formiga pequena, que se criava nas arvores, mas que, como muitos oulros insectos, no tardou a descobrir as vantagens da convivncia com os homens, e mudando-se para as habitaes d'estes, principiou a construir suas desconformes casas nas traves dos edifcios, nutrindo-se de madeira. Tem-se observado que o cupim no d em logar que fosse untado com melao; bem como se tem notado com proveito ioster.;290. que ha certas espcies de madeira que lhe so menos agradveis ao paladar. Os planos do Paran esto em algumas partes to cobertos das pyramides que ergue este insecto, que no ha cavallo que por alli passe. Os Hespanhoes ao-rias, e d'ellas fazem fornos. Tambm as pulverizo, fazendo do p para suas casas um pavimento, que se torna duro como pedra, e em que, dizem, no se entranha pulga nem insecto algum. N'aquellas regies do serto investe o cupim casas e egrejas, com dente muito mais para temer-se do que o do drago de Wantley. obrizhoffer, chamado uma vez a ajudar a especar una capella, que este insecto havia minado pelos alicerces, precipi-

HISTORIA D O RRAZIL. 455 tou-sc n'ella, e ficou enterrado at aos horribros ,581n'uma das minas, deante do altar. Outra praga, que ,no perseguia menos os Brazileiros, era um insecto chamado brocn, similhante a uma pulga, e que voava sem azas apparentes : furava toda a vasilha de madeira, que contivesse qualquer liquido, excepto azeite, causando assim grandes prejuzos, mormente em terras colonizadas de novo. As cobras ero especial- EoMziioffei
r

mente nocivas aos pombaes, onde comio ovos e bor- ^Ijf,^0 rachos. 2,4.;;2(: Descobrira-se ultimamente nt Bahia ch', de que, ciiccuf
indigenas i

i , 375-6.

diz o auctor do manuscripto, st poderia tirar grande j , 1 ^ ^ lucro. Tambm alli crescia o i if. A meno que '**' se faz d'etes artigos. n'ui. a epo ha em que ero to pouco conhecidos na Europa, que talvez nem os nomes se lhes tivessem ouvi .'o alem das fronteiras de Portugal, lornarse digna de nota, e mostra quo cedo havio adquirido os Porluguezes os costumes
o cl. tambm indgena no Hayti, onde parece ter sido descoberto por P. Le Breton em princpios do sculo passado. No Paraguay e no Peru chamo-no paico. Monardes attribue-lhe a mesma virtude, por qu ainda alli o emprego : as folhas reduzidas a p, e tomadas no vinho, tiro a dr de pedra na bexiga, quando provem de hydropisla ou frialdade, e cozidas, e postas em cima da dr como cata.plasina, tambm a tiro. A identidade d'este arbusto com o ch da China, nuo conhecida no Paraguay, mas reconheceu-a o Jesuta inglez Falkner, e alguns padres da mesma Companhia n'aquella provncia, quando semearo em Faenza a arvoredo ch. Jolis, I. 2, art. 4.3a no principio do sculo se conhecia esta planta em Lima, e d'clla se fazia uso. Letlres difianles.
1

454 HISTORIA D O RRAZIL. do oriente. O gengibre, trazido da ilha de S. Thoo cultivada maz, aclimatara-se to bem, que ja, em 1573, se
15S1
raiz do

gengibre. apuravo quatro mil arrobas d este producto; era melhor do que o que vinha da ndia, embora a arte de seccal-o no fosse to perfeita; fazia-se grande uso d'esta raiz nas conservas, mas como affectava o commercio do oriente, foi a sua cultura prohibida com essa mesquinha poltica que se prope como fim
Noticias. * . .

2,32. canna
de assucar

principal a renda immediata. Dos Ilheos linha sido trazida para a Bahia a canna
*

indgena, fe a s s u c a r ) m a s e r a esta tambm indgena no Brazil, e crescia abundante no Rio de Janeiro, onde os Francezes, que no sabio como extrahir-lhe o assucar, N li a s 23i .-' fazio d'ella uma agradvel bebida, mergulbando-a i^ry. c. 13. e m a g U a ) n e m os maravilhou pouco verem que, conservada por algum tempo esta infuso, servia tambm como vinagre. No se menciona o tabaco como artigo de commercio n'esta epocha, mas ja o seu uso devia ir-se generalizando, pois que em princpios do sculo seguinte se vendia em Frana, levado do BraL.csc3rl)0t

p.848.' zil, por uma coroa a libra. "just."Trag"' offerecia um substituto; lambem a casca da embira e paiz cabos, ainda melhorbrava para Naufr.da fornecia No secordas dava no o servindo linho. Mas.a palmeira au S. Paulo Hist. Trag. amarras, por durar mais debaixo d'agua. At meMar.l,p.373 chas para arquebuzes d'aqui se fazio. As sementes
Piso. 4,20. i i~ i

da embira mascavao-se em jejum como um corroborante, applicavo-se pizadas contra a mordedura da

HISTORIA DO RRAZIL.

455

cobra; e servio como pimenta para fins culinrios. 1581As plantas parasitas sem folhas, designadas pelo nome genrico de timb, servio para obras enlran- adas, como cestos, chapeos, alem de que ltnbem d'ellas se fazio cordas. O sueco tinha applicao no curtimento; pizadas e lanadas nos lagos e rios, tingem estas plantas d'uma cr escura a agu e embebedo ou enveneno o peixe. Forma o timb uma caracterstica singular dos panoramas campestres no Brazil. Enrola-se nas arvores, trepa por ellas, desce outra vez at ao cho, ganha raizes, e de novo rebentando, atravessa de ramo para ramo, e de arvore para arvore, para onde quer que o vento o levar, at que os seus festes, enredo a floresta inteira, tornando-a impervia. Vo os macacos viajando por estas grinaldas selvagens, prendem-se d'ellas com s caudas, e executo pelticas, que fario enraivecer de stedman.
r

1,5;1,24

inveja o volantim mais dextro. E tanto chega as vezes a emmaranhar-se este vegetal cordame, que forma uma rede, por onde no rompem nem aves nem quadrpedes. Triangulares, quadradas ou redondas attirigem algumas d'estas plantas a grossura da perna d'um homem; vo crescendo com ns e torcicollos, e toda a espcie de contorses; facilmente vergo em todos os senfidos, mas quebral-as impossvel. No raro morre a arvore que as sustenta, pelo que as chamo os Hespanhoes matapalos; s vezes se conservo erguidas como uma columna torcida, depois de ja

456
1581.

HISTORIA DO RRAZIL.

desfeito entre seus fataes abraos o tronco, que estrangularo. Ha algumas, que feridas, vertem uma gua fria, pura e saudvel; e estas crescem nos ftidos Gumilla. pauestlos margens do Orinoco, ou em terras arenosas, C. 47. Stedman. onde sem este recurso pereceria sede o viajante. 1, 277. Tambm a hera trepa aos cimos das mais alfneiras arvores, cobrindo a floresta com um docel do mais brilhante verde. Aberta uma azinhaga, fica esta somPiso. P. 6. bra sobremaneira deliciosa. Havia no Recncavo extensos terrenos, que produNoticias. 2, 7S. ziosalitre; diz o auctor das Noticias que d'elle se podio mandar navios cheios para a Hespanha, em 2,48. logar de trazel-o da Allemanha a to grande custo. Cal so havia a que de cascas de ostras se fabricava, como em S. Vicente; ero estas porem em abundncia tal, que d'ei las se carrega vo barcos a toda a vez e hora que se queria. Com nenhuma parte do mundo Peixes. foi o mar to prdigo, como com a Bahia. 0 alimento mais usado nos engenhos de assucar ero carangueiRocha Pitta. jos, tubares e chareos; as ovas d'estes ltimos sal1, 71. gavo-se, prensavo-se e seccavo-se para as viagens, sendo mui estimadas n'este estado. Do fgado de lubaro se extrahia azeite em considervel quantidade. No ero raras as baleias; e muitas vezes apparecia o mbar gris. Um dos primeiros colonos recebeu mbar gris. quatro arrobas d'esta substancia em dole de sua mulher. No Cear %ra ainda mais abundante. Os indigenas o reputavo alimento da baleia, recebido

HISTORIA DO RRAZIL.

457

no estmago e vomitado; e esta opinio, que-to de 1581 perto se approxima da verdade, foi compartida pelos Portuguezes, por terem-se encontrado dezaseis arrobas d'este mbar, parte perfeito e parte corrompido, |j- ^ isto em (ieslado imperfeito, no estmago d'um PSO'. p97'io. enorme peixe, que viera praia na Bahia. Todos os pssaros so vidos de mbar gris, e em occasies de temporal muitas vezes o devoravo, antes que os homens podessem recolhel-o. Se em alguma, parte existem homens, isto macacos marinhos1, como observa Lery, certamente aqui. No vejo razo sufficiente para recusar testimunhos positivos da existncia d'estes animaes, pois que a analogia da natureza os torna provveis. Os
* 0 mesmo dizia Paracelso antes de Lery : Concedi fas est quod in mari animalia quseque homini similia reperiantur; quse etsi quidem hominem ad vivum non exprimant, ipsi tamen quam animalibus cseteris similiora sunt. Cxterorum autem brutorum more anima carent seu mente. Illa sese habent ut simia ad hominem; ti aliudnon sunt quam smiasmaris, diversi generis. V. 2, p. 478. Edio de Gnova. A phantastica theoria da origem d'estes animaes no indigna do seu auctor. Todos os corpos, diz elle, que perecem na gua, ab animalibus marinis devorantur et absumunlur. Jam si, sperma in exaltatione constitulum mersione perirel, et a pisce devoratum, ilerum in se ipse exalteretur, operalio arte aliqua fieret a natura piseis et spermatis. Ex quo colligi potest, maximam animalium parlem humanam formam referentium, hoc modo produci. Por este motivo elogia elle a practica dosenterramentos; mas esquece que mundo de monstros apezar d'esta practica, se a theoria fosse verdadeira, devia haver, onde quer que existissem feras e campos de batalha.

458 HISTORIA DO RRAZIL. naturaes chamo-nos npnpiara, e represento-nos como monstros malvolos, que no vero entro pelos rios,,e se encontro um homem a nadar, ou a pescar n'uma d'essas jangadas em que o pescador se senta, licando-lhe meio corpo na gua, leva-o ao fundo, mas para brincar do que para comer, pois que os cadveres teem apparecido depois arranhados e desfarf s 2I 47!- rapados1. Boatas de ^ s r'iOS ^ Recncavo rolavo depois das chuvas es^eraidal pedaos de crystal, e pedras que similhavo diamantes. Tambm aqui corrio boatos de minas de esmeraldas e saphiras, nascidos dos contos dos mamelucos ndios. Dizia-se que ficavo muito pelo serto dentro, nas fraldas d'uma serra, do seu lado oriental, engastadas em crystal; na encosta occidental das mesmas montanhas encontravo-se outras pedras da mesma frma embutidas, mas cr de purpuraescura, que passavo lambem por preciosas. E os naturaes affirmavo que havia perto outro serro, onde pedras
158L

Jaboato ( 71), transcrevendo d'um manuscripto a que d credito, diz, que nos rios do Cayru ha monstros marinhos, que os indgenas chamo igbaheapina, diabos cabelludos, ou couzas ms, crendoos espritos malfazejos. Descrevem-nos como do tamanho de crianas de trs para quatro annos, da cr dos ndios, excessivamente feios, e ' com cabellos poucos na cabea. 2 Geral era em todo o Brazil a crena nos monstros marinhos; e por isso no fez Soans (a que se refere Southey) seno conformar-se com a idea recebida. Penso P. Varnhagen que as assaltos attribuidos"a esses monstros deveram ser obra dos tubares, ou jacars. F. P.

HISTORiA DO RRAZIL.

459,

pequenas se encontravo, que ero d'um vermelho" 1581\ claro e singular brilho. * " -;*--- : " f Mais de cem pessoas se contavo na Bahia cuja p0vo
, i i . -i i >'a Bahia.

renda regulava de trs a cinco mil cruzadose a propriedade de vinte a sessenta mil. Suas mulheres no arraslavo seno sedas. O povo distinguia-se em geral pela extravagncia dos seus trajares; at homens das classes mais baixas passeavo pelas ruas com calas de damasco de setim : suas mulheres trazio vasquinhs e gibes da mesma fazenda, e carre-, gavo-se de ouro. As casas estavo no menos que as pessoas perdulariamenle alfaiadas. Havia colono que possua baixela e ouro no valor de dous e de trs mil cruzados. No mercado de S. Salvador nunca faltava po feito de farinha portugueza, nem differentes qualidades de vinhos da Madeira e das Canrias. Menos que a Bahia no florescia Pernambuco. Pernambuco. Morto o primeiro donatrio, havio os naturaes formado uma confederao geral contra os Portuguezes-, Malsoubera d'isto mandara a rainha regente a Duarte Coelho de Albuquerque, successor nos direitos de seu pae, que partisse immediatamenle a soccorrer em " pessoa a capitania: e elle pediu-lhe que ordenasse a seu irmo Jorge de Albuquerque Coelho, que o acompanhasse. Chegaro a Olinda em 1560; foro os Jeuilas chamados aconselho com os homens bons da cidade, e apezar de contar apenas vinte annos de edade, foi o irmo mais moo eleito general e con-

460 HISTORIA DO RRAZIL. 1581. quistador da terra. Esta ultima designao fel-a elle e pinto?lx' boa com cinco annos de continuo guerrear. Quando
Hist. Trag. .
os

r 2ap 8

" o u s i rm os chegaro a Olinda, no se aventura vo os habitantesa duas legoas da cidade; no fim d'estes cinco annos ero seguros todo o lano da costa e o paiz at quinze e vinte legoas pelo serto dentro. Ganha uma vez esta vantagem, nunca mais se perdeu. Diz-se nas Noticias, que os Cahets tinho sido metlidos cincoenta legoas pelo interior, isto que tinho abandonado o paiz; e que apezar de ler Duarte Coelho gasto muitos mil cruzados com a sua capitania, fora bem empregado o dinheiro, pois que de renda das pescarias e dos engenhos de assucar percebia agora ofilhoa melhor de dez mil cruzados. iinda. Continha Olinda suas setecenlas famlias, no contadas as casas dispersas pelas visinhanas, nem os engenhos, cada um dos quaes linha de vinte a trinta moradores. Podio pr-se em campo trs mil homens, dos quaes quatro centos de cavallo. De quatro a cinco mil escravos africanos, alem dos indigenas, se empregavo n'esta capitania, que linha mais de cem colonos, cuja renda orava de mil a cinco mil cruzados, afora alguns que a tinho de oito a dez mil. Volta d'aqui riqussimo para Portugal, diz o auctor das Noticias, quem de l viera pobre e desgraado. A educao estava confiada aos Jesutas, que ensinavo os elementos rudamentaes da instruco e o latim, lendo tambm sobre casustica. Esta espcie do

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. ,

461
158L

lheologia moral, como a chamavo, vogava extraordinariamente em Olinda, nem tinho os Jesutas tanto que fazer em qualquer outro ramo dos seus deveres professionaes, como em resolver casos de conscincia4 aos mercadores e traficantes do logar. A seu cuidado e mesmo conligua cidade, tinho uma aldeia grande de ndios convertidos que no contava menos de mil almas. Todos os annos vinho a Pernambuco quarenta e cinco navios,mais que menos a carregar de assucar e pau brazil, que era da melhor qualidade, e por vinte mil cruzados se tomava de arrendamento coroa. E esta importante capitania estava para assim dizer desprovida de obras de deTo singular parece hoje este facto, que transcreverei a auctoridade : Pour le regard des autres fonctions propres de leur institut, il$ s'y employent icy de mesme qiCez autres lieux, mais principalement resoudre les doubles et difficultez, qui se prsentent ez contracts des marchands; parce que c"est une ville de gr and traffic; et ceux qui ont Ia crainte de Dieu devant les yeux, et qui aymentplus le salut de leur ame, que les biens de ce monde malacquis, leur vont demander conseil en leurs affaires. En quoy Von a fait, par Ia grace de Dieu, beaucoup de proffit, empeschant plusieurs monopoles, contracts usuraires, et autres telles meschancetez par trop ordinaires au commerce. Mais je laisse part tout cecy, et beaucoup d^aulres choses a"edificalion, qiCon a fait Tendroit des Portuguais : parce que monintention nest que d'escrire e qui est advenu en Ia conversion des infidles. Jainc, 2,552. P. Pierre du Jarric segue n'esla parte da sua historia provavelmente alguns d'esses volumes das Relaes annuaes, que no pude haver mo. At onde tive ocasio de confrontal-os, cinge-se se elle fielmente a esta auetoridade.
1

462 M/pHISTORIA D O RRAZIL. 1581. f eza i Bem previa o auctor das Notcias o perigo, quando concluindo a sua narrativa, ponderava ao
Noticias. - i i i i

governo a necessidade de segurai-a bem. Suppinha-se n'esta pocha que nenhum trafico era possivel entre Bahia e Pernambuco por causa dos ventos regulares. Havia porem por terra entre S. Salvador e Olinda uma troca tal de malvados e assassinos, que recommendando a fundao d'um estabelecimento sobre o rio Sergippe, uma das razes queallegou o auctor das Noticias, foi que assim se cortaria at certo ponto esta corrente de criminosos d'uma capitania para a outra. s. Vicente. Tambm S. Vicente continuava a florescer. Achava-se esta capitania ja bastante ao sul para produzir trigo e cevada, poucoporem se cultivavo, por contentarem-se os colonos com o alimento do paiz; apenas se semeava algum gro d'aquelle primeiro cereal, para hstias e bolinholos. Fazia-se marmelada, que se vendia pra as outras partes do Brazil. Estas capitanias de clima mais temperado no ero visitadas da praga das formigas, e podio produzir vinho : alguns colonos havia alli, que colhio por anno trs ou quatro pipas, que fervip-, para evitar a azedia. Tambm em S. Paulo principiavo a apparecer vinhas; e ainda ha, diz o manuscipto, melhores fructas n'esta capitania e na de S. Amaro,
Noticias. .

1,16.

i, 62^ 2,32. qUe s g 0 o u r o e prata, se se buscassem as minas. Espirito Depois do desbarato de Ferno de S restabeleceuSancto. *

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465

se o Espirito Sancto, mas no sem que Coutinho 15?1ficasse inteiramente arruinado na contenda. Gasta todo o cabedal de sua casa, e a fazenda adquirida na ndia, a to extrema pobreza se viu reduzido, que teve de mendigar o po para seu sustento. No sei, Noticias. diz o auctor, se elle ao morrer valia uma mortalha. Passou para o filho a capitania com todos os direitos seg.lr. e titulos, sua nica herana. Em peor estado se via ainda Porto Seguro. Morto Tourinho, tudo foi decahindo com o desgoverno do filho; deixou este uma filha, que no chegou a casar, vendendo o seu di : reito ao primeiro duque de Aveiro a troco de uma penso annual de cem mil reis. 0 cabedal e inlluen- " cia de que dispunha o novo proprietrio, reerguero , a colnia, para o que tambm no pouco contribuiu uma residncia de Jesutas, pois onde quer que apr parecio estes padres, reunio em torno de si redu* zidos os naturaes. Mas ento principiaro os Aymors suas devastaes e ao tempo de escreverem-se as Noticias um so engenhoficavaainda em p, achando* se quasi despovoada a capitania. Duas vezes tambm n'um anno rebentou o incndio na principal villa, consumindo o segundo o que escapara ao primeiro. Preparavo-se alli guas de cheiro, da mais fina BTelles c c qualidade, que se io vender a S. Salvador. M,s. ^Terrivelmente tivero os primeiros colonos de soffrer das chiguas. Este insecto, que parece ter sido alli mais formidvel do que nas ilhas productoras de

464 HISTORIA D O RRAZIL. assucar, introduzia-se entre as unhas e a carne de ambas as mos e ps chegando a atacar todas asjunctas. Diz Lery, que por maior cuidado que tivesse em livrar-se d'estes bichos, mais de vinte lhe extrahiro n'um dia. Muitas pessoas, antes de conhecerem o remdio, perdero os ps da mais horrenda frma. Os naturaes untavo as partes, que mais expostas andavo a esta praga, com um azeite vermelho e espesso, expremido do courouq, frucla que na casca se parece com a castanha. Por felizes se dero os Francezes, quando soubero d'este preservativo. N li S 2 46 ' ^ a r a ridas e contuses era o mesmo leo soberano ^.cYfunguenlo. Saudveis como so os ares do Brazil, tornavo-se Molstias. Piso. P. 8. fataes a muitos, cujos hbitos de vida e costumes havio sido contrahidos em temperatura differente, como s prprias plantas, diz Piso, freqentemente fatal a mudana embora transplantadas para solo mais rico e mais feliz clima. Que aquelle, accrescenta o mesmo auctor, que n'este paiz quer attingir dictosa velhice, se abstenha do uso dirio de carnes e vinho. Observa este homem sagaz, que a mistura e cruzamento de trs raas diversas, europea,
1581

Este azeite, diz Lery, era entre elles to estimado, como enlre nos o que chamamos Sancto leo. O nosso cirurgio ao voltar a Frana levou com sigo doze vasos grandes d'elle, e outros tantos de gordura humana, que aparara quando os selvagens cpzinhavo os seus prizineiros! C. 11.

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465
158i

americana e africana, tinha engendrado novas molestias, ou pelo menos novas compleies, com que tanto se modificavo as enfermidades antigas, que o mais hbil physico ficava perplexo vista de desconhecidos symplomas. Entre as classes baixas era endmica uma doena do fgado, e to peculiarmente sua, covc a gola o das ricas. Grassava especialmente nos mezes chuvosos; extranha voracidade atormentava o doente, cujo aspecto era macilento e cadaverico. Molstias de olhos erotombemvulgares, mormente entre soldados e pobres; a mais freqente era essa meia cegueira *, que os Europeos freqentemente experimento entre os trpicos; os remdios ero fumo de tabaco, carvo da casca da guabiraba, ou alvaiade em leite humano, ento mui apregoada como medicinal. Outra enfermidade commum era a que vulgarmente se chamava ar, suppondo-se este a causado mal, e a que Piso d o nome de estupor; parece ter sido abhorrecimento geral, uma sensao de pezo e relaxao em todo o corpo : contra isto recorria-se a um banho, ou antes a um madouro de estreo de cavallo, incenso e myrrha. Frices e unturas ero bons meios preventivos, e tambm remdios efficazes, adoptados dos indigenas. Porem a molstia mais terrvel no Brazil era uma ulcera maligna no nus : o melhor remdio era pio. Se no se atalhava depressa a ulcera no seu progresso, tor1

Evening-blindness.
i. 30

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t58i.

nava-se fatal, nem houve jamais gnero de morte mais ascoroso, ou mais doloroso. leos, unguentos e emplastros, passavo por menos efficazes aqui contra feridas e ulceras do que na Europa, preferindo-se frices de hervas adstringentes. A gordura do caimo era mui procurada como remdio. Contra affeies da garganta do peito usavo os Portuguezes d'uma mistura de sumo de laranja e canna de assucar com album-grxcum, e contra as bexigas, grandes doses de bosta de cavallo pulverizada e tomada em qualquer liquido. Mdicos que recorrem a taes remdios, nem mato, nem curo. Os charlataes muitas vezes fazio uma e outra couza; empregavo affuses de gua fria no principio da febre, e Piso 4 acredita no conhecimento que tinho de drogas efficazes. Nos primeiros tempos poucas crianas chegavo a criar as Porluguezas; de trs no escapava uma; mas a final aprendero dos selvagens, a prescindir do pezo dos cueiros e faxas, a deixar a cabea livre, fazer freqente uso de banhos frios, e no se considerou mais o clima como mortfero para os recemnascidos. N'estas couzas e no conhecimento das hervas, que o mais que nos podem ensinar, pouco temos por ora aprendido dos selvagens.
A

o"

Semper enim condonandum est empiricis, utpote exquisitioribus in exhibendis medicamentis, quam in distinguendis morborum causis. 2, 12.

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Ero estas as doenas que no Brazil reinavo en- 1581tre os colonos durarite o primeiro sculo depois d descoberta; no ha exemplo de terem os homens brancos soffrido to pouco na sua naturaleza physica, transplantados alem dos limites que lhes foro assignados. A natureza moral soffreu mais; a deteriorao comtudo proveio de causas, algumas das quaes ero temporrias, e todas removveis, comp em verdade poucas causas ha de males moraes, que se no deixem remediar. Os mesmos crimes que em Portugal ero freqentes, mais vulgares se tornaro no Brazil, por que sempre as colnias recebem os fugitivos e degradados da me ptria; devedores fraudulentos alli se refugiavo, e homens que abandona vo suas prprias mulheres, ou roubavo as alheias. Florescia alli o assassinio como em Portugal e em todos os paizes catholicos : um modo de vingana geralmente practicado, raro punido, e olhado sem horror, por que a confisso e absolvio fcil- MiIa(,res mente lavavo a culpa. Punho o exemplo da injus- dePasns1meta' tia e rapcidade os prprios governadores, que tractando unicamente de se enriquecerem \ du-^ rante os trs annos que lhes durava o officio, no curavo dos meios. Entretanto crescia uma raa de homens, ferozes
Assim o diz Sarmiento, sobre a auctoridade de unapersona principal, y ei hombre mas poderoso dei Brasil, cujas palavras originas transcreve. P. 555.
1

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sim e intraclaveis, mas que com a mistura do sangue indgena, adquirio um actividade constitucional e incanavel. Em quanto os Hespanhoes no Paraguay se deixavo ficar onde os pozera Yrala, tractavo d resto as descobertas que Os primeiros conquistadores tobriziiofier. havio feito, indifferentes vio perder-se cobertas de nova vegetao as picadas que estes tinho aberto, e quasi esquecio os hbitos e a prpria lingua da Hespanha, continuaro os Brazileiros por dous sculos a explorar o paiz ; rnezes e annos passavo estes obstinados aventureiros pelas florestas e serranias a caar escravos ori a proucar ouro e prata, seguindo as indicaes dos ndios. E a final lograro assegurarse a si e casa de Bragana as mais ricas minas, e maior extenso da America do Sul, de toda a terra habitavel a regio mais formosa.

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1581.

CAPITULO XI
Disputas nas fronteiras do Brazil. A Assumpo crecla en bispado. ; Expedio de Chaves. Os Chiqilo?. Morte de Y r a l a . Marcha de Vergara para o Pcr, e sua deposio. Morte de Chaves. Os I t a tines. Caseres remettido prezo para a ptria. Parte Zarale da H e s panha a tomar conta do governo; mao proceder e soffrimentos do s e u armamento. Deposio e morte do seu suecessor Mendicta. Fundase Buenos Ayres pela terceira e ultima vez.

No emparelhou com o do Brazil o progresso do 0 paraguay. Paraguay, mais porem para pasmar ter esta colnia continuado a existir, do que no ter florescido, to remota como se achava do mar e de todo o estabelecimento hespanhol. Em bem houvera sido para o Paraguay, se a egual distancia ficasse dos Portuguezes. Vivio os Guaranis do Paran de continuo Disputas na
i fronteira

atassalhados pelos Tapuyas da fronteira brazileira, doBnmi. capitaneados pelos caadores de escravos. Becorrro proteco de Yrfla, que sahindo em seu soccorro, repclliu os invasores, e obrigou-os a prometler que '%**s,' deixario em paz os subditos d'el-rei de Hespanha. Para segurar porem a fronteira e abrir com o mar Estabeieci i /> mento

mais prompla communicao, julgou dever fundar emuayra. alli uma cidade, e apenas de volta Assumpo, despachou Garcia Bodriguez de Vergara com oitenta 1554.

470 HISTORIA D O RRAZIL. *5M- homens para este servio. Ficava sobre o Paran a situao escolhida para o novo estabelecimento, acima das cachoeiras grandes. Vergara o chamou Outiveros, da sua prpria terra natal na Hespanha, mas prevaleceu o nome de Guayra, da provncia em que ficava. Passados algums annos, removeu-o Buy Diaz Melgarejo ires legoas mais para cima, e para a margem opposla, perto d'onde o Pequeri va morrer no charievoh Paran, e desde ento se ficou chamando Ciudad M " - " Real. Revelavo da parte dos Hespanhoes estas medidas uma inteno de manter atravs do Brazil communicaes com a Europa, objeclo de muita monta antes de se tr podido fundar un estabelecimento em Buenos Ayres; pois raro succederia, que da Assumpo descesse um navio aparelhado para atravessar o Atlntico. Penoso e arriscado caminho era porem este. Dezoito annos tinha ja Hulderico Schmidel passado longe da ptria, quando dictada pelo irmo recebeu uma carta, pedindo-lhe com muita instncia que regressasse. A Yrala a mostrou, requerendo a sua baixa; foi-lhe esta a principio negada... homem to tallado para a sua vocao, mal se podia dispensar; mas como allegasse seus longos e leaes servios, quanto padecera, e quantas vezes barateara a vida pelo seu commandante, concedeu-lh'a esle nos lermos mais honrosos, encarregando-o de despachos para o rei, nos quaes deva conta do estado da pro-

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vinia, e recommendava o portador como digno da 1581real munificencia. Preparava-se Schmidel para a partida, quando do Brazil chegou uma pessoa corn noticias de que havia Ia um navio recentemente vindo de Lisboa, e elle deu-se pressa na esperana de aproveitar o ensejo de voltar Europa. Partiu pois com vinte Carijs, que em duas canoas lhe levassem a bagagem; e descido o Paraguay quasi cincoenta legoas, reuniro-se-lhe dous desertores portuguezes e quatro Hespanhoes. Subiro todos o Paran cem legoas, segundo o seu calculo, principiando enlo a marcha por terra. Os primeiros Tupis, com que toparo, ero amigos, mas advertiro-nos que se precavessem de outra horda, cuja aldeia se chamava Carieseba. Em despeito d'esta admoestao e do conselho dos mais, entraro dous Europeos no aldeamento em busca de mantimento, embora no faltassem provises com que continuar a marcha. Foro immediatamente mortos e postos ao fumeiro. Sahiro ento uns cincoenta ndios, vestidos como christos convertidos, e parando a cerca -de trinta passos, fallro n'uma linguagem que pouco differia da dos Carijs. Schmidel, que bem sabia que este fallar a tal distancia era signal suspeito, perguntou pelos seus camaradas; a resposta foi queficavona aldeia e mandavo a convidar os companheiros que os seguissem. No se deixando illudir por traio to calva, escusro-se

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estes, visto o que, despediro os Tupis uma nuvem de frechas, sahindo logo toda a fora da taba a atacar os viajantes. Tinho os aventureiros coberlo o flanco por um bosque; restavo.-lhes ainda quatro arcabuzes, e como os ndios so sempre mais attentos prpria conservao na batalha, do que a vexar o inimigo, manteve Schmidel por quatro dias o campo, retirando-se na quarta noute disfaradamente para as selvas, quando ja os Tupis estavo canados de to longo e continuo assaltar, e a sua prpria gente tinha consumidas todas as provises. Oito dias foro marchando pelas florestas, rompendo caminho conforme podio, e vivendo de mel e de raizes, pois que com medo dos Tupis no aventuravo a caar, nem a-disparar um tiro; e estes oito dias olhou-os Schmidel como os mais miserveis, que em todo o curso de suas aventuras havia passado. Tinha luctado com no somenos dificuldades e privaes, mas nunca viajara ainda com susto e tremendo. Ao nono dia alcanaro paiz habitado, onde acharo mantimento, posto que %no . ousassem entrar em aldeia. Apoz longa e dolorosa jornada, durante a qual era o mel a'nica substancia que sempre se obtinha em abundncia, chegou a partida a um estabelecimento christo, onde um, a quem Schmidel d o nome de Joo de Reinvielle, era o capito; quarenta annos tinha occupado este officio, e agora, como no o confirmassem n'elle por toda a

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1581

vida, tomara armas, e reunira cinco mil ndios n'um so dia, antes que o rei de Portugal podesse achar dous. A' chegada dos viajantes estava elle ausente, ajustando estas differenas; o filho recebeu-os hospitaleiro, mas Schmidel e seus companheiros vio n'estes christos uma espcie de bandoleiros, e derose por felizes quando das mos lhes escaparo a salvo; embora fossem bem traclados, nem haja motivo para suppr que se machinasse algum sinistro intento. Este logar ento o estabelecimenio mais sertanejo dos Portuguezes n'aquella direco, ficava a vinte legoas de S. Vicente1, aonde Schmidel chegou apoz uma marcha de seis mezes. Voltou Hespanha a salvamento, entregou os despachos ao rei em pessoa, e contou-lhe, diz elle, com a fidelidade que pde, quanto sabia dos negcios do Paraguay. Se Yrala tivesse esse empenho, que lhe attribuem2, de occultar
Altendendo extrema mexactido de Schmidel em todos os nomes prprios, pouca duvida pde restar que este Joo Reinvielle no fosse Joo Ramalho, cujo estabelecimento, ento o nico nas plancies de Piratininga, se chamava Fora do Campo. Em 1542 prohibiu-se que se erguessem foras, ou casas fortes no serto, e Joo Ramalho teve ordem de transferir a sua para a ilha ou villa (no c liquido qual d'estas duas palavras a que est no manuscripto) de S. Vicente, sendo o fim d'esta medida reunir a populao em torno da cidade, que soffria com a disposio dos colonos para se dispersarem pelo interior. No queria Joo Ramalho, e chegada de Schmidel tractava elle provavelmente de fazer com o governador Thom de Souza esse arranjo, que foi origem da fundao de S. Paulo. Gaspar da Madre de Deus. 1, 156-158. a Herrera (8, 2, 17) diz, que Yrala punha sentinelas, que ningum
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474 HISTORIA D O RRAZIL. i58i. a o governo hespanhol o seu proceder, no se teria por certo fiado d'este Allemo to simples, de quem com algumas perguntas capciosas, tudo se poder
Schmidel.

6, si, 52. arrancar.Bispado da Pouco depois da sua fundao passou a Assumpo por logar de tanta importncia, que em 1547 Paolo III a erigiu em bispado, com o nome de cidade do Bio da Prata, que nem auctoridade tal conseguiu fazer acceitar e correr. 0 primeiro bispo no chegou a pr p na sua diocese, e sendo transferido para o Nuevo Reyno, sete annos depois da sua consagrao, deuse-lhe por successor Pedro de Ia Torre, franciscano como elle. Boa ordem devia ter Yrala estabelecido, pois que entradas no Prata as naus que trazio o bispo, logo com fogos de signal se transmittiu Assumpo a nova. Por esta armada recebeu o governador uma nomeao legal para o posto que havia tanto occu^ pava. Conjunctamente lhe viero instruces, que, da frma practicada nas demais conquistas, repartisse pelos conquistadores os ndios. Este systema devastador ja elle o encetara, mas agora como fossem mais os reclamantes do que os satisfeitos, pareceu mais avizado fundar novos estabelecimentos e mandou-se
deixassem sahir da provncia, com receio de que do seu mao procedimento chegassem novas a el-rei. 0 facto da baixa dada a Schmidel desmente esta assero, que em si ja traz o cunho da inverosimilhana. Mas claro que Herrera pouco conhecimento tinha alcanado das couzas do Paraguay. Compare-se o que elle diz da jornada da Assumpo ao Peru, com a narrativa de Schmidel que ia na expedio.-

HISTORIA D O RRAZIL. 475 Melgarejo para Guayra, e Chaves com duzentos e 1581vinte Europeos e Ires mil e quinhentos ndios a colonisar entre os Xarays. Era Chaves um aventureiro do cunho do prprio Entra chaves
. . na provncia

Yrala. Sem a menor inteno de cumpril-as recebera Chjdjtos elle as ordens, no achando entre os Xarays logar algum propicio, por que nenhum achar queria, seguiu para o poente em direco ao Peru, e entrou no que se chama agora paiz dos Chiquitos. Extendese esta provncia de leste a oeste cento e quarenta legoas, entre as terras baixas dos Xarays e a provncia de Santa Cruz de Ia Sierra. Pelo norte separo-na do paiz dos Moxos as montanhas dos Tapacu- Coleti. ras; para o sul vae topar com as serras dos Zamucos, e da antiga cidade de Santa Cruz de Ia Sierra. Dous rios a rego, o Guapay, que, nascendo nos montes de Chuquisaca, voltea a actual cidade de Santa Cruz, e tomando depois para o noroeste vae calleando pelas plancies at morrer rio Mamor; e o Ubai, ou S. Mi- Juan Patrcio
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Fernandez.
>n a i 7a

guel, o outro, que das cordilheiras do Peru trazendo Muru>'ri a origem, percorre as terras dos Chiriguanos, onde o ' chamo Parapituy, passa vista de Santa Cruz a Velha, e engrossado ja com avultado cabedal de guas, recebe-o o por, que a seu lurno vae perderse no Mamor, formando o Madeira. Fico de dezembro a maio inundados os terrenos, provendo-se ento de peixe os naturaes que sabem como envenenar as guas; mas a maior parle do paiz montanhosa.

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vm. ' 0 nome de Chiquitos ou Pequenotes dero-no os hiqmtos. jjggpnhos.aos habitantes, por terem estes to baixas as portas de suas casas, que por ellas se no entrava seno de rastos. A este extranho costume assignavo elles duas razes : os inimigos no podio dispararlhes settas de noute, e preservava-os isto dos mosquitos e outras pragas anlogas da America do Sul. A denominaSe porem singularmente imprpria, pois que estes ndios antes excedem a estatura mediana, do Gjue* fico abaixo d'ella. Os homens ando nus, exeepto os caciques, que trajo uma como tnica de algodo com meias mangas, egual de que uso as mulheres, com a nica differena de ser mais longa a d'estas. Adorrio-se defiosde pedras coloridas passadas roda do pescoo e pernas, e d'um cendal, se tal nome merece, de plumas cujas cores com muila arte e gosto combino. Tambm nas orelhas meltio pennas, e um pedao de eslanho no lbio inferior. "'. Os que de mais dextros atiradores blazono, cobremse com as caudas dos animaes que teem matado^ Os chefes, a quem chamo tambm Iriabs, servem egualmente de mdicos, lucrativa profisso, porque em quanto dura a molstia, banqueter,o-se elles cusla do enfermo. 0 meio mais vulgar de cura sugar a parle affectada, para exlrahir o humor maligno. Tambm se costuma perguntar ao pdecenlc se derramara algum licor pelo cho, se dera aos ces os ps d'uma tartaruga, veado ou outro qualquer ani-

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mal, que cm lal caso suppe se que a alma de bicho ,58Jindignada se lhe metteria no corpo em vingana, sendo precizo bater a terra em volta do possesso-. para exconjurar o espirito. A's vezes prevalece rima superstio mais cruel: declara o os mdicos que foi * uma mulher1 que causou a molstia, e a infeliz sobre quem recahe a suspeita morta a pau. A polygamia privilegio dos caciques; os demais teem de contentar-se com uma so mulher a um tempo, mas podem trocal-a quantas vezes quizerem. A melhor recommendao d'u>m pretendente dextreza na caa : vae depor as peas mortas porta da rapariga que requestaj e .os pes, avaliando pela quantidade d'estas as qualidades d'aquelle, do ou recuso a filha. Os rapazes torno-se mais cedo sui jris. De quatorze annos deixo a cbana paterna, indo viver junctos debaixo d'um vasto tugurio aberto d todos os lados. este o logar onde se recebem e festejo os estrangeiros. Em laes occasies toda a horda se rene. Principio porsahir das casas, batendoocho com as macanas, e proferindo altos brados para afugentar os espritos mos: precauo que raras vezes obsta a que as orgias terminem com questes, cabeas quebradas e mortes. Ao raiar o dia erguem-se, almoo, e toco uma espcie de flauta, at que desPde ser, diz o Jesuta Juan Patrcio Frnandez, que os antepassados d'estes ndios tivessem alguma luz de como por meio d'ma' mulher entrou no mundo a morte.
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appareo os orvalhos *, antes do que teem por nocivo o andar por fora; ento vo at ao meio dia trabalhar nos campos, servindo-se de instrumentos de madeira to rija,.que pouco fica aqum do ferro. A tarde consagrada a festas e folgares. 0 jogo favorito um de bola, exercicio que demanda grande destreza e vigor, pois com a cabea que n'ella se bate. Ao pr do sol torno a comer e vo deitar-se; mas os solteiros dano de noute, formando um amplo circulo em torno de duas pessoas, que toco flauta, em quanto as outras gyro e regyro volta; formo as raparigas um annel exterior roda dos mancebos, e assim continuo at canarem. As mulheres, sempre tanto mais bem tractadas quanto o systema de relaes entre os dous sexos mais se ap- prxima da monogamia, levo aqui boa vida : o seu mister abastecer de lenha e gua o rancho, cozinhar as frugaes refeies, e fabricar a tnica e a rede. A' lua chamo estes ndios me; durante um
Porque o sereno nas ndias mais nocivo do que em outras partes, o titulo d'um capitulo dos PBOBLEMAS do Dr Cardenas. 0 sereno, diz elle; um certo vapor-subtil e delicado de dia attrahido da humidade da terra, e condensado de noute; mais prejudicial Ia por ser em maior abundncia, c acharem-se ja os corpos da gente sobrecarregados de humidade e omne simile facilius pelitur a simili. Af ecta primeiramente o crebro, por ser esta a parte mais humida de todo o organismo : e os primeiros orvalhos so os peores, por que os poros do corpo esto ento todos abertos, para lhes receberem a influencia ao passo que, adeantando-se a noute, vo-se elles apertando e fechando. C. 15.
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eclypse no cesso de atirar settas para o ar, e de clamar em altos berros, para afugentarem os ces, que, creemeelles, lhe do caa pelas planicies do ceo, e quando a alcano, o sangue que das feridas mana, lhe escurece o disco. 0 trovo e o raio, attribuem-nos a alguns finados, que, morando nas estrellas, d'esta sorte manifesto a sua clera. Com os mortos enterro comida e frechas, para que a fome no force o espirito a voltar para entre elles. 0 ceo e a terra esto cheios de signaes e prognsticos para suas supersticiosas imaginaes; um sonho, um mao agouro, leva uma horda inteira a renunciar ao logar da sua residncia, e chega a induzir um indivduo a que abandone a mulher e a famlia. A feitiaria no tida em menos horror que entre os negros, nem um desgraado, que encorre na suspeita de possuir este dom fatal, espere achar piedade. Entre esta nao achou Chaves resistncia ; meditando estabelecer-se no paiz, queria elle poupar a sua gente, pelo que se desviou a um lado. No lhe valeu a prudncia ; repetidos conflictos se travaro; algumas das tribus servio-se de settas envenenadas, e o Hespanhol, desanimado pela perda soffrida, e trabalhos passados, instava com o commandante, que, volvendo atraz, fosse estabelecer-se entre os Xarays, segundo o plano original da jornada. Entretanto morrera Yrala, no chegando a desfructar um anno sua legal auctoridade. Beuniu-se o povo na

M de

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480 HISTORIA D O RRAZIL. 1581. egreja, para eleger-lhe successor, at que viesse novo governador. Apurro-se doze cavalleiros, que apresentaro quatro pessoas, entre as quaes escolhesse o povo; recahiu a eleio em Francisco Ortiz de Vergara, genro de Yrala. Desejava este proseguir nos planos do seu antecessor, e lendo-lhe provavelmente constado, que Chaves, em logar de obedecer s instruces recebidas, linha seus projeclos prprios, charievoix. mandou atraz d'elle ordenar-lhe que executasse o
T. 1, p. 124. ^

que se lhe encarregara. Chegaro estes mensageiros quando os soldados clamavo por voltarem; mas a resoluo do caudilho estava tomada com quantos quizessem seguir-lhe a fortuna. Oitenta Hespanhoes e dous mil ndios, abandonando-o, regressaro Assumpo, em quanto elle, com cincoenta Europeos e o resto, que lhe ficava de alliados, ou bagageiros, avanava sempre. Succedeu porem que ao mesmo tempo vinha marchando do Peru Andres Maus com commisso do marquez de Canhete, ento visorei, para conquistar e colonizar aquellas partes. Vasto como era o paiz, no cabia n'elle a ambio dos dous; usaro comtudo de moderao, tomando por arbitro de sua disputa o logar tenente do rei, com quem Chaves foi ter em pessoa, contando por ventura com o favor do marquez, por ser sua mulher da famlia dos Mendozas, filha d'esse D. FranFundaso cisco, que na Assumpo fora decapitado. Prevaleceu
de Santa Cruz a i

deiasierra. a sua influencia; o viso-rei, nomeando seu prprio

HISTORIA DO RRAZU.

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filho, D. Garcia, para o governo de Moxos, deu-lhe 156iChaves por tenente, reenviando-o com plenos poderes para alli estabelecer-se. Voltou elle pois para a sua gente, e fundou uma villa a leste de Chuquisaca, ao sop das montanhas, e margem de agradvel arroto. Chamou-a Sancta Cruz de Ia Sierra, em memria d'uma aldeia visinha de Truxillo, onde fora criado, logar to deliciosamente situado nas abas d'um monte, onde campos de cereaes e montas de oliveiras entremeio de rochedo a rochedo, que bem podia elle com tal vista acalentar em terra exlrnha risonhas lembranas da infncia. Quarenta annos mais tarde foi a cidade removida para a sua actual situao, cincoenta legoas mais para o norte sobre o Herrera. rio Guapay, sendo ento elevada a bispado. cofet.' Tendo visto os effeitos das envenenadas settas dos insurreio Chiquitos, apanharo quantas podero os Guaranis, Guarani*. que abandonaro Chaves, para voltar Assumpo, e pensando que estas armas lethaes lhes dario vantagem sobre os seus oppressores, levantro-se contra elles. Mallogrou-se a esperana, por que o veneno apoz ja um anno perdera a efficacia; mas Vergara teve, para domal-os, de empregar toda a sua fora, conseguido o que, julgou por maior acerto affectar clemncia, do que recorrer, para punir a insurreio, 1560 ao rigor costumado. De volta sua. cidade, achou um ndio de Guayra, que de Ciudad Beal, onde se viu mui apertado, lhe mandava Melgarejo a pedir
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482 HISTORIA D O RRAZIL. 1564. soccorro contra os Guaranis. 0 mensageiro passara por meio da fora do inimigo, nu em pello, so com seu arco, n'uma racha do qual vinha metlida a carta. Tendo-lhe enviado tropas, que o descercro, chamou-o Vergara Assumpo, tencionando mandal-o Hespanha, como pessoa de quem podia fiar-se, a solicitar a confirmao do seu posto. Estava ja de verga d'alto para sahir a caravela, que devia leval-o, e que era o mais formoso barco at ento construdo no Paraguay, quando, incendiando-se, ardeu toda : algum inimigo de Vergara, ao que se suppoz, devia ter-lhe posto fogo. Besolveu ento o governador precipitadamente ir Marcha e g pai o Per ' ao Peru a obter poderes do vizo-rei; lambem o bispo e quatorze dentre o seu clero julgaro conveniente, abandonando os deveres de seus cargos, acompanhal-o, e partiro todos com foras considerveis. Com elles foi tambm Chaves, que viera Assumpo pela mulher e pelosfilhos.Ao chegarem aos Itatines, persuadiu trs mil d'estes ndios, que, seguindo-o, fossem estabelecer-se-lhe na provncia, e apenas n'ella entrou a expedio, insistiu elle pela superioridade do seu posto, dizendo que o governador do Bio da-Prata nenhuma auctoridade alli exercia. Occasionqu isto muita confuso; nenhuma ordem era possvel observar, nenhuma precauo se podia tomar, onde ningum sabia a quem devia obedecer. Cessou o abastecimento regular de viveres, e grande

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mortandade se deu mormente entre os ndios. Os que t564 d'entre os Itatines escaparo, fizero alto, estabelecendo-se n'um paiz frtil. O resto da partida alcanou a muito custo Santa Cruz, onde rio havendo com que manter similhante multido, continuaro a fome e a doena a dizimal-os. Vendo posto a saque o seu paiz, sublevro-se desesperados os naturaes. Ao marchar contra elles, deixou Chaves ao seu tenente instruces para que desarmasse Vergara e a sua gente, no lhe permittindo seguir para o Peru; mas Vergara achou meios de mandar a Chuquisaca um 1 mensageiro, queixando-se d'esta violncia, e veio oroem a Chaves de o no deter. No tardou Vergara a ter molivo de arrepender-se vergara
3 c("llSido 6

d'esta imprudente jornada. Mal chegara a Chuqui- deposto, saca, que Real Meza de Audincia d'aquella cidade se apresentaro mais de cem artigos de accusao contra elle, entre os quaes figuravo o abandono do seu posto, o perigo em que deixara a Assumpo, retirando to avultada parte da sua fora, e a perda de vidas durante a marcha. No quiz o tribunal julgar estas accusaes, antes de si as declinou para Garcia de Castro, ento governador do Peru, e presidente do tribunal em Lima. Alli compareceu Vergara, que, declarado decahido do seu governo, foi remeltido para a Hespanha, onde por si respondesse perante o concelho das ndias. Para succeder-lhe foi nomeado Juan Ortiz de Zarate, se a el-rei aprouvesse

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confirmal-o. Embarcou este para o Panam, caminho da Europa, a solicitara sua confirmao, nomeando Felipe de Caceres seu logar tenente na Assumpo, para onde o mandou voltar com os destroos da mal aventurada expedio de Vergara. 1565. No seu regresso foro Caceres, o bispo e a sua comitiva recebidos com apparente cordialidade por Chaves, que os escoltou at aldeia dosltatines, sob pretexto de fazer-lhes honra, mas na realidade para seduzir-lhes a gente a ficar com elle. Logo depois da volta d'este governador a Sancta Cruz levanlro-se os Chiriguanos contra os Hespanhoes, mataro Manso1 e destriuro Nueva Rioja e Barranca. Sahiu Chaves a castigal-os, como se dizia; depois partiu com mineiros e instrumentos a explorar algumas minas, que descobrira entre os Itatines. Deixando estes homens a traMorte de Chaves balhar, continuou no seu empenho de pacificar o paiz; e arengava alguns caciques chiriguanos, quando um d'estes insinuando-se por delraz d'elle, d'um so golpe de macana, o derribou sem vida. Similhante morte com justia a merecera Nuflo Chaves, em cujo governo se organizavo partidas para caar ndios, que se mandassem vender ao Peru ; e em Sancta Cruz ero elles levados ao mercado, me
.obmhoffer.
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os itatines.
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Depois de havel-o Chaves deixado, teve Caceres de


E do seu nome que as vastas plancies entre o Pilcomayo e o Rio Bermejo se chamo ainda Llanos de Manso. Charlevoix, I, 161.

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1565

se abrir caminho a mo armada por entre os Itatines1, nao do grande tronco tupi ou guarani. Deixavo os homens crescer o cabello em circulo roda da coroa, rapando o resto da cabea; de ornato servelhes uma canna passada pelo lbio, que para isso se fura aos sete annos deedade; as mulheres escarificose, alanhando-se; e ambos os sexos trazem nas orelhas uma concha triangular. Os homens apenas se cobrem d'um curto avantal: as mulheres trajo um vestido completo de panno feito de casca do pino, branco, toma facilmente qualquer cr, e retem-na muito tempo, sendo a todos estes respeitos mui superior ao que outras tribus fabrico do caracudta. De pennas de papagaio so os cocares. Com as settas, desnecessariamente sobrecarregadas de muitas barbas, cao aves; e imitando-lhe o grito, atlrahem a anta ao alcance de suas armas. Cullivo milho, e s vezes formo uma sebe de tabaco roda de suas habitaes, que construdas de ramos de palmeira e cobertas de hervas, teem oito portas, abrigando numero dobrado de moradores. Cada famlia, como uso entre tribus gregarias, tem seu lar separado,

este o nome que elles a si mesmos se do, e com que todos os cscriptores antigos os designo. Ultimamente principiaro os Hespanhoes a chamal-os Tobatines. As saltantes pcllas de Itatina, diz Techo, feitas da gomtna de arvores, so famosas em todo o mundo, c assadas cuio a dyscnleria. P. 86. Foi pois provavelmente d'esta tribu que primeiramente recebemos a gomma elstica.

HISTORIA DO RRAZIL. 1565. c o m panellas, cabaas, e cntaros em abundncia roda. As mulheres levo os filhos s costas n'uma espcie de cesto de vimes. Enterro os mortos em ^boies grandes, e nos funeraes atiro-se os parentes de logares elevados, com risco sempre e s vezes com perda devida. 0 modo de competirem uns com outros na carreira, com um pezado madeiro ao hombro. A mais notvel circumstancia relativa a esta tribu, um systema que tinho de se faltarem a grande distancia por meio de trombelas ou gaitas; no se baseava no ^principio vulgar do porta-voz, pois que ningum, por mais versado que fosse na lingua, entendia os signaes sem que primeiro lhe dessem a chaVe1. Actualmente acho-se os Itatines mui reduzidos em numero; expulsos dos campos, vivem ha tanto tempo nas selvas, que teem medo da luz do sol, quando bate em cheio, e as pelles se lhe branquero com estarem sempre sombra. No escrupulizo em envenenar um hospede de quem se arreceio, pelo
Tubis, libiisque certa inflatis ratione, ita quod volunt significam, M et longe audiantur, et perinde ac si expressis vocibus loquerentur intelligatur. Neque tamen ab iis, qui eorum linguam norunt quse significantur, percipiuntur, nisi apud eos versati sint. So estas as palavras que Muratori transcreve da carta d'um missionrio escripta em 1591, pretendendo ver n'ellas a descripo d'um porta-voz, ento recente inveno dos Inglezes. Quanto a mim implica a passagem claramente um systema de signaes msicos, como os Mexicanos nos combates davo ordens com assabios, e os Peruvianos tinho a sua linguagem "amorosa flaulada : De manera, diz Garcilasso, que se puede dezir que hablavan por Ia flauta. P. 1, 1. 2, c. 16.
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que se lhes no pode acceilar sem desconfiana a 1568comida que offerecem. iffffiui Quando Caceres executou a sua marcha ero estes ndios uma nao poderosa; mas rompeu por entre elles viva fora, at que chegando a cincoenta legoas da Assumpo topou con tribus amigas no meio das quaes pde refrescar e dar repouso sua extenuada gente. Entrou na cidade em princpios de 1569, e um anno depois desceu ao Prata com os seus bregantins, a encorilrar-se com os reforos que Zarateficarade mandar-lhe de Hespanha por aquelle tempo. Esperou at que se lhe acabaro esperanas e pacincia, e erigindo ento na ilha de S. Gabriel uma cruz, de que suspendeu uma carta mettida n'uma garrafa, tornou a subir o rio para a Assumpo. Desde muito ja se tinho ma vontade Caceres e o bispo; foi ella crescendo com o tempo e tornando-se cada vez mais violenta, formro-se parcialidades, em que os sentimentos pessoaes sobrepujaro os polilicos, vendo-se o clero bandeado com o governador, e os principaes ofliciaes civis ao lado do adversario. 0 prprio Caceres, ou seu pae, fora um dos primeiros fautores da sedio contra Cabeza de Vaca, e agora pensou Iriumphar com os mesmos meios vio- . lentos, que em verdade serio menos illegas na apparencia empregados por quem tinha nas mos a auctoridade legitima. Apoderou-se do provisor Sego

488 HISTORIA D O RRAZIL. . 1570. via, e pol-o a ferros; decapitou Pedro de Esquivei, expondo-lhe a cabea no pellourinho como a traidor; tirou ao bispo todos os seus ndios, rendas e raes, de modo que nem uma sede de gua ousava algum dar-lhe; prendeu-o na egreja, e deu-lhe por crcere a sua prpria casa, onde lhe pregaria as janellas, se o bispo no desse boa garantia de manter-se alli socegado. Mas o medo de ser mandado preso para a Europa, com o que o ameaava o governador, obrigou o prelado a quebrar a promessa, procurando esconder-se : foi descoberto e Caceres dispoz-se a realizar a ameaa. No linha este governador contado com os sentimentos do povo : as mulheres principiaro a gritar pelo seu pastor e a fallar em Judith e Holofernes; o prprio clero assustou-se com a violericia feita classe, e em casa de Segovia, ja posto em liberdade, se tramou uma insurreio. Bem concerlada foi ella e audazmente executada: apoderrose de Caceres en nome da Inquisio, e embarcro-no para Hespanha, aonde o bispo o acompanhou ja no como preso, mas como accusador. Tocou o navio em Argentina, i. S. Vicente, e alli morreu o bispo com cheiro de sanclidade1. O deposto governador tentou a fuga; masAnchieta, que lhe assistiu morte, disse-me, refere D. Martin dei Barco, que o seu corpo, os seus ps, as suas mos, a sua sepultura exhalavo grande fragancia. Moralcs estabelece como um dos axiomas, por que se guia na sua historia, que o que um sancto conta d'outro deveser implicitamente acreditado.
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lambem aqui lhe foi contrario o povo. Preso de novo, 157.foi mandado em ferros para a Hespanha, donde nunca mais voltou ao Paraguay. Entretanto havia Zarate sido demorado por uma zarate. serie de infortnios. Sahira do Peru com uma fortuna de oitenta mil peas de ouro, fructo da rapina de muitos annos *; um corsrio francez cahiu-lhe em cima na passagem de Nombre de Dios para Carthagena, e nada lhe deixou. Seguiu comtudo para a Hespanha; foi-lhe confirmada a nomeao, concedendo-se-lhc o titulo de adeantado, e apezar da la mentavel sorte de tantas expedies para o Rio da Prata, ainda achou aventureiros bastantes, casados^ e solteiros, de um e de outro sexo, para encher Ires galees e duas embarcaes menores. N'esle arma- 1572. mento foi D. Martin dei Barco, nico contemporneo historiador d'aquellas parles por este meio sculo. Uma das embarcaes menores teve a felicidade de perder-se da frota e chegar a S. Vicente. As outras, depois de numerosos trabalhos, devidos ao mao tempo e falta de practica da navegao, entraro em Sancta Catharina. Alli desembarcaro os aventureiros, e alli os deixou Zarate entregues a todas as misrias da fome, em quanto ia a uma aldeia chamada Ybia, que na terra firme ficava a no grande distancia, e n'ella se suppria abundantemente com os despojos
Que sabe Dios qual l las ha juntado, a expressiva phrase de D. Martin. Argentina, c. 6.
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dos ndios. Ningum peor do que este adeantado poderia ter procedido em tal conjunctura; alli se deixou ficar, abandonando a sua gente a horrores pouco somenos dos que havio exterminado to avulada parle da expedio de Mendoza. A rao diria no passava de seis onas de farinha 1. Muitos tentaro fugir a esta misria : uns, apoz trs ou quatro semanas de correria pela terra firme, voltavo a morrer de fome; outros ero perseguidos e reconduzidos fora, pagando'com a vida a desero, apezar de ser o apuro tanto, que de noute e furtivamente se liravo as entranhas aos esfomeados corpos pendentes da forca. A final, apoz uma inexplicvel demora de muitas semanas2, tornaro a embarcar os destroos d'esta desgraada expedio, velejando para o Prata, sem um so piloto, que conhecesse a navegao d'aquelle perigosissimo rio. Zarate comtudo, mais feliz n'isto do que merecia, alcanou a ilha de S. Gabriel; de noute um tufo do Sul, partindo-lhe as amarras, attirou-lhe dous navios de encontro terra firme, salvando-se porem a gente.
Um pobre rapaz, tambor da expedio, foi apanhado por duas mulheres no acto de furtar-lhes do monte, e ellas cortando-lhe uma orelha, a pregaro por cima da porta. Obteve elle reparao contra ellas, mas estas to bem soubero levar o delegado de Zarate, que a muleta no passou d seis raes de farinha, menos de-quatro arrateis . ainda. 0 tambor, recuperada a orelha, costumava empenhal-a, por comida. Argentina, c. 10. 2 Alguns dos fugitivos tinho andado errantes por trinta dias antes de voltarem, nenhuma oulra indicao ha do tempo aqui passado.
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Senhoreavo esta margem do rio os Charruas *, tribu nmada, que nenhuma agricultura exercia. Na carreira ero to velozes que n'ella apanhavo a caa, e to dextros no arremesso do lao e bola, que nada lhes escapava ao tiro. Esfolavo as caras aos que matavo, guardando-lhes as pelles como tropheos : mas so escravizavo os prizineiros. Por morte d'um parente tinho o costume', que em tantas partes do mundo se encontra, de se cortarem um dedo. Em logar de conciliar este povo apoderou-se Zarate do sobrinho do cacique, mancebo que sem desconfiana veio visitar os Hespanhoes s cabanas que tinho construdo para abrigo. Vinte da sua Iribu viero em busca d'elle, trazendo pr interprete um Guarani, e tambm este ficou retido. Tomadas estas baixas precaues para ler nas mos um bom refm, leve Zarate a fraqueza de pol-o em liberdade a solicitaes do tio, no com ostentao de generosidade, mas em t troca d'um marinheiro desertor e d'uma canoa. Succedeu o que sobre ser bem merecido era fcil de prever-se; apenas Capicano o cacique, apanhou o sobrinho livre das mos dos Hespanhoes, aproveitou 0 primeiro ensejo de cahir sobre elles. Sorprehendeu uma partida de forrageadores, matou quarenta, e fez prizioneiro um, escapando apenas dous para daOs Charruas, que com os Yaros, Rohanes, Minoanes e Costeros se chamo agora collectivamente Quenoas (Dobrizhoffer, 1,143), toemse tornado tribus eqestres. ' ,
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HISTORIA D O RRAZIL. 1572. r e m r e D a i e ) 0 q u e m a j tivero tempo de fazer antes que os selvagens atacassem o campo. Zarate, impellido por esse cime, a que um bom commandante jamais se entregar contra a sua gente, tinha guardadas as armas, em logar de deixal-as nas mos dos soldados; fez esta desgraada desconfiana com que se achassem ferrugentos os arcabuzes agora que ero precizos, e humida a plvora. Restavo apenas lanas e espadas em que fiar, nem a armadura defensiva era de grande prestimo, onde o elmo no guardava das balas de pedra dos Charruas. Sobreveio a noute ainda a tempo de livral-os da ultima ruina, e de manh, antes que se podesse renovar o assalto, fugiro para um dos navios, que eslavo encalhados perto da margem, e d'alli n'um bote se passaro para
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Aqui terio inevitavelmente perecido de fome, a no ler sido um soccorro, que no tinho razo para esperar. Melgarojo, que levara o bispo e Caceres a S. Vicente, ainda n'aquelle porto se achava, quando chegou o navio que se havia separado da armada de Zarate : suppondo que esta careceria de viveres, posto que longe de prever a misria, que devia pre^ senciar e depois compartir, fez-se de vela com um carregamento para abastecel-o. Tocou em Sancta Catharina, onde as sepulturas cavadas de fresco e a forca erguida contavo com a sua muda linguagem a historia dos horrores que alli se havio passado :

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d'alli seguiu para o Prata, chegando a S. Gabriel ainda a tempo de salvar os seus patrcios. Este auxilio comtudo apenas lhes teria protrahido o exicio, se no tivessem os Hespanhoes por este tempo principiado a estabelecer-se em-Tucuman; Juan de Garay, enviado da Assumpo a colonizar n'esla direco, fundara a cidade de Sancta Fe, e constandolhe que uma partida de conterrneos seus estava no Prata, desceu a ^ soccorel-os. Repelidas calamidades no tinho curado Zarale nem da insolencia com os seus, nem da injustia contra os ndios. Um dos seus destacamentos volantes apoderara-se do filho d'um cacique por nome Cayu ; veio o pae a reclamai-o em termos apaixonados e com as lagrimas nos olhos; nem vinha com as mos vazias, que alem d'um presente de peixe trazia uma rapariga, cuja bclleza exaltava, para trocar pelo rapaz; pensando assim mover os mos sentimentos d'um homem que nenhum bom parece ter possudo. Zarate tomou a rapariga e recusou entregar o filho. Entretanto murmurava a soldadesca opprimida por insolente crueldade; quando a rao diria de seis onas de mal cheirosa farinha se pezava com unhas de fome, costumava elle pr-se ao lado, amaldioando os tristes esfomeados ao receberem a miservel pitana, e amaldioando-se a si por havel-os trazido de Hespanha para alli ter de sustental-os. Continuou ainda a rafa insaciada at que Garay, chegando

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Assumpo, mandou provises com que os resqucios da expedio podero subir o rio, e seguir para o logar do seu destino. Ao deixar o Prata julgOu-se Zarate com direito a dar-lhe novo nome, ordenando que d'ento avante se chamasse Biscaya, por ser elle prprio d'esta provncia. de^arate Pouco depois da sua chegada sede do governo morreu Zarate, por ningum chorado, at que os vicios de Diego Mendieta, seu sobrinho, que nomeou governador, em quanto afilhase conservasse solteira, podero tanto, que d'elle fizero bom. No tardaro a tornar-se intolerveis a insolencia e crueldade d'este jovem successor. Prezo em Sancta Fe, foi metlido a bordo d'uma caravela para ser mandado para a Hespanha. 0 piloto era seu partidrio, e navegou para o Rio de Janeiro; alli achou amigos, que o animaro a voltar no mesmo rfavio e recuperar a sua auctoridade. Mas os vicios d'este homem estavo prova da adversidade: empolgar o poder e tornar-se tyranno, tudo n'elle era um, e em conseqncia das desordens que o seu despotismo promoveu, entrou a caravela em Ybia, porto visinho de Sancta Calharina, onde Mendieta consumou seus crimes e a sua prpria perdio. Um soldado, que lhe fugira, deixouse por bellas promessas persuadir a que voltasse; mas o malvado apenas apanhou, rachou-o d'alto abaixo a partir d'um hombro, pendurando uma metade pelo pescoo e a outra pelo brao. A este atroz

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especlaculo iro as velas o piloto e a tripolaco, 1372 deixando-o alli entre os selvagens com outros sete, provavelmente ministros de suas atrocidades, e a instigaes d'um mameluco, a quem elle tomara a mulher, foro todos feitos em postas. N'uma notvel circumstancia differe da de todas Restabeie#mento de

as outras colnias a historia d'esta parte da America >sATre do Sul: o primeiro estabelecimento permanente foi fundado no corao do paiz, colonizando os Hespanhoes do serto para o litoral. Os mos effeitos d'esta inverso da ordem natural das couzas, to severamente os experimentara o armamento de Zarate, que de novo se tentou povoar Buenos Ayres. A Garay coube o commando d'esla expedio; o prvio estabelecimento de Sancta Fe.lhe facilitou a execuo e pela terceira vez se fundou Buenos Ayres no logar que ig80 Mendoza havia escolhido. Fora Nossa Senhora de Buenos Ayres o seu prisco nome: Garay com exlranho desrespeito Magna Mater da mythologia catholica, alterou-lhe a invocao, chamando-a La Trinidad de Buenos Ayres. Longos titulos, quer de logares, quer de pessoas, so sempre encurtados pelo senso commum, e para commum convenincia do gnero humano, a primeira invocao ja to pouco lembrada como a segunda, e Buenos Ayres o nome da cidade. Recordando que por duas vezes havio demolido as obras dos Hespanhoes'n'aquelle terreno, e que

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496 HISTORIA D O RRAZ.IL. 1580. duas vezes os havio compellido a abandonar o propsito de alli se estabelecerem, renovaro os naturaes o ataque; com flechas incendiadas queimaro as tendas e barracas provisrias, mas, morto o chefe, foro derrotados. O triumpho inspirou a Garay demasiada segurana.Subindo o rion'umbergantim, lembrou-se de passar a noute em terra, e descuidour se de pr guardas: os Manus, tribu to pouco considerada que mal apparece mencionada em outra occasio, matro-no no somno, e com elle quarenta pessoas d'ambos os sexos, que ero dos melhores colonos do Paraguay. Orgulhosos da victoria, como se lhes figurou o caso, convidaro as tribus visinhas a reunirem-se-lhes n'um'assalto geral ao novo estabelecimento. Celebraro um concelho que se distinguiu por um si dlar duello. Desaviero-se duas mulheres, Tupaayqua e Tabolia, por affirmar a primeira que era seu marido mais estrenuo bebedor. Passavo ja a lanar mo de arco e settas, quando, intervindo os circumstantes, se concordou provavelmente para evitar a generalizao da disputa, que um combate singular em regra decidisse a contendia. Cercou-se de estacada a lia, e nuas se batero as duas a golpes emacana, at que os maridos, vendoas cobertas de sangue, lhes gritaro que suspendessem, e ellas, esfriada com a sangria a clera, deixro-se separar, tornando-se boas amigas n'um festim de bebedeira. 0 resultado do concelho foi uma confe-

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derao contra Buenos Ayres; mas para taes inimigos ja esta se achava bem guarnecida e fortificada. A' morte do chefe seguiu-se total desbarato. Principiou a cidade immediatamente a1 prosperar,_e o navio, que levou a Caslella a nova da sua refundao, ia ja carregado de assucar e dos primeiros couros, com que o gado bravo, que comeava agora a derramar-se pelas pampas, no devendo tardar a produzir total . revoluo nos hbitos de todas as tribus circumvizinhas, abasteceu a Europa.

FIM DO TOMO PRIMEIRO.

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DO TOMO PRIMEIRO

Ao LECTOR PREFACIO DO AUCTOR

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CAPITULO PRIMEIRO. Vicente Yanez Pinzon descobre a costa do Brazil e o rio Maranho. Viagem do Cabral. D-se ao paiz o nome de Saneia Cruz. Amrico Vespucio vae reconhecer a costa. Sua segunda viagem. Primeiro estabelecimento por elle fecondado. Toma o paiz o nome do Brazil , . . . 7 CAP. II. Viagem de Pinzon e Solis. Descoberta do Bio da Prata. Os Francezes no Brazil. Historia do Caramuru. Divide-se o Brazil . em capitanias. S. Vicente. Os Goyanezes. Sancto Amaro e,Tamaraca. Parahyba. Os Gayatacazes. Espirito Saneio. Os Tapanazes. Porto Seguro. Os Tupiniquins. Capitania dos Ilheos. Bahia. -*- Revoluo no Recncavo. So expulsados d'alli os colonos. Pernambuco. Os Cahetes. Os Tomayares. Cerco de Iguarau. Expedio de Ayres da Cunha ao Maranho. . . . . . . 50 CAP. III. Viagem de Sebastio Cabot. D nome ao rio da Prata, e demora-se alli cinco annos. Obtm D. Pedro de Mendoza concesso da conquista. Fundao de Buenos Ayres. Guerra com os Quirandis. Fome. Buenos Ayres queimada pelos selvagens. Funda-se Buena Esperanza. Os Timbus. Embarca Mendbza para a Hespanha e morre cm viagem. Sobe Ayolas o Paraguay. Os Carijs. Tomo-lhes os Hespanhoes a aldeia, a que pem nome Assumpo. Os Agacs. Sahe Ayolas em busca dos Carcarisos, povo que se dizia possuir ouro e prata. Espera-o Yrala o mais que pde, e volta depois Assump-

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o. Mao proceder de Francisco Buyz. Buena Esperanza sitiada e abandonada. Envio-se reforos sob b commando de Cabrera. Marcha Yrala em busca de Ayolas. Averigua-se a morte do commandanle. Os Payagus. Abandono os Hespanhoes Buenos Ayres, concentrando todas as suas foras em Assumpo 86 CAP. IV. Expedio de Diego de Ordas. Sahe Gonalo Pizarro en buscado El Dorado. Viagem de Orellana. Tentativa de Luiz de Mello para estabelecer-se no Maranho 1*22 CAP. "*. Succede Cabeza de Vaca a Mendoza no Prata. Marcha de Sancta Catl arina por terra.Partindo da-Assumpo sobe o Paraguay e mette-se ao serto na direca do Peru, em -busca de ouro. Vollo os Hefpanhoes por falta de mantimento, amotino-se contra elle, e mand; ono prezo para a Hespanha 15'J CAP. M. Jornada de Hernando Ribera; ouve falar nas Amazonas, c marcha em busca d'ellas atravs do paiz inundado. Desordens na Assumpo. Vence Yrala os Carijs, e tenta outra vez atravessar o paiz. Chega aos confins do Peru, faz em segredo o seu convnio com o presidente, e volta. Diego Centeno nomeado governador; morre, e continua Yrala com o governo 224 CAP. VII. Embarca Hans Stade com Senabria para o Paraguay, e chega a Sancta Catharina. Naufraga em S. Vicente. Feito artilheiro em Saneio Amaro, cahc prizioneiro dos Tupinambs. Ceremonias d'estes com un prizioneiro; supersties e armas. Consegue Stade escapar-se. 249 CAP. VIII. Thom de Souza governador general do Brazil. Leva para a America os primeiros Jesutas. Funda-se a cidade de San Salvador. Principio os Jesuitas a converter os naturaes. Obstculos que encontro. Anthropophagia. Lingua e estado das tribus tupis. . . ,500 CAP. IX. D. Duarte da Costa governador. Anchieta. Erige-se o Brazil em Provncia jesuitica. Estabelece-se uma eschola en Piratininga. Morte de D. Joo III. Mem de S governador. Expedio dos Francezes ao Rio de Janeiro debaixo do commando de Villegagnon. Ataco-lhes os Portuguezes a ilha e destroem-lhes as obras. Guerra com os Tamoyos. Nobrega e Anchieta negocio com elles a paz. Derrota final dos Francezes no Rio de Janeiro, e fundad da cidade de S. Sebastio 5(50 C.\r. X. Luiz de Vasconcellos nomeado governador. Martyrio dos quarenta Jesuitas. Morte de Vasconcellos. , Morle de Nobrega e Mem de S.. Luiz de Brito governador. Abandono em que fico as colnias. Diviso do Brazil em dous governos, e sua reunio. Derrota final dos Tamoyos. Expedio em busca de minas. Portugal usurpado por Philippe II. Estado do Brazil n'esta epocha. . . 430

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CAP. XI. .Disputas nas fronteiras do Brazil. A Assumpo erecta en bispado. Expedio de Chaves. Os Chiquilos. Morte de Yrala. Marcha de Vergara para o Peru, e sua deposio. Morte de Chaves. Os Itatines. Caseres remettido prezo para ptria. Parte Zarate de Espanha a tomar conta do governo; mao proceder e sufrimientos do seu armamento. Deposio e morte do seu succesor Mendieta. Fundase Buenos Ayres pela terceira e ultima vez. 469

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