DELGADO - Atendimento Psicossocial Na Metrópole
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DELGADO - Atendimento Psicossocial Na Metrópole
Cadernos
IPUB
N!L J4
1999
Prticas ampliadas em
sade mental:
de safios e construes
do cotidiano
Instituto de Psiquiatria
UFRJ
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pela meta a atingir de cobertura de uma populao adscrita (territrio), e pelo pressuposto
tico da tomada de responsabilidade'~ . Para que o
contexto urbano possa tornar-se objeto de nossa anlise, ou seja, para dar-lhe sentido na organizao de servios e na clnica, preciso
superar o modelo da demanda espontnea (que
coerente na clnica de consult1ios e servios
privados), e tomar as noes de cobertura assistencial e referncia domiciliar como indispensveis. Assim, importa menos que o CAPS
de Campo Grande defina sua capacidade, como
sendo de quarenta pacientes em atendimento
diiio, e mais o fato de que aquele seja o servio territorial de referncia para a populao
de tal bairro da cidade do Rio de Janeiro. Portanto, a indagao a que teramos de responder seria: de que forma um pequeno servio,
com seus psiclogos, enfermeiros, psiquiatras,
terapeutas ocupacionais, cozinheiros, oficineiros, estagirios, pode ter como clientela um
bairro da cidade, um territrio habitado por
milhares de pessoas?
periferias industrializadas das grandes metrpoles. O bairro onde fica o CAPS Simo
Bacamarte nos serve de exemplo para certo tipo
de descrio eficaz da cidade, que a v crescer
segundo a lgica da produo fabril, substituindo a antiga cidade pr-industrial:
O resultado deste processo- a moderna unidade de produo, a fbrica- necessariamente
um fenmeno urbano. Ela exige, em sua proximidade , a presena de um grande nmero de
trabalhadores. O seu grande volume de produo requer servios de infra-estrutura (transportes, armazenamento, energia etc), que constituem o cerne da moderna economia urbana. Quando a fbrica no surge j na cidade, a cidade
que se forma em volta dela. Mas , em ambos os
casos, uma cidade diferente. Em contraste com
a antiga cidade comercial, que impunha ao campo o seu domnio poltico, para explor-lo mediante uma intrincada rede de monoplios, a cidade industrial se impe graas sua superiOiidade produtiva ( Singer, 1977, pp. 24-25).
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zao, baixo grau de informao sobre a realidade em que vive e os meios de modific-la;
c) quanto moradia, ocorrem "contradies
insuperveis nas diversas polticas habitacionais"
(id., p. 187), coexistindo a favelizao explcita
com aglomeraes de moradias de baixa qualidade, que so resultantes das "polticas incrementalistas no setor habitacional" (id., ib.);
d) finalmente, em relao cidadania, compreendida como a conquista do "direito cidade", predomina a "cidadania concedida" (id.,
ib.), dos benefcios e favorecimentos precarssimos e sazonais propiciados pelo clientelismo,
especialmente o eleitoral.
Em um mesmo bairro, podemos encontrar
habitaes convencionais e confortveis de classe mdia e mdia alta, ao lado de "cor~juntos
habitacionais" de baixa qualidade de conforto,
alm de grandes favelas. As favelas so comunidades cuja autonomia em relao ao tecido geral da cidade constitui um enigma a ser desvendado5. Podemos encontrar, no bairro, trabalhadores formais da indstria de transformao e
do setor tercirio (servios), alguns segmentos
de trabalhadores de setores de tecnologia de
ponta que se locomovem diariamente para o
centro da cidade, e um imenso contingente de
moradores que afluem todas as madrugadas aos
vrios ncleos industriais do Municpio do Rio
de Janeiro e regio metropolitana, ficando apenas um tero do dia no bairro onde residem. Ao
lado destes, um contingente de dimenses desconhecidas de trabalhadores informais, que exercem seus diversos oficios ali mesmo, no Centro
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Se adotamos o "territrio",
a hierarquizao no tem sentido
Para cumprir o objetivo de um cuidado abrangente aos problemas da sade mental, necessrio que o circuito emergncia-interna~ambu
latri~internao seja substitudo por uma rede
eficaz e diversificada de servios de base territorial. Uma rpida digresso: a literatura norte-americana distingue servios baseados em hospitais e de base comunitria. Entre ns, o adjetivo
"comunitrio", referido a aes de sade, faz
lembrar inevitavelmente as idias preventivistas:
intervir na comunidade, identificar situaes de
maior risco, prevenir o aparecimento de transtornos, como na autonomeada bblia de Caplan
( Caplan, 1985). Mas, no por acaso que, em
vez de comunidade, no debate da reforma sanitria, e especialmente no campo da chamada
Psiquiatria Democrtica, os italianos insistiram
na utilidade do termo territrio, que designa o
extra-institucional, marcado por limites geogrficos, culturais e scio-econmicos 6 No se trata de um italianismo, de uma dificuldade de
traduo: o conceito de territrio nos tem sido
til para pensar de um modo novo assistncia em Sade Mental.
Assim, o territrio no (apenas) o bairro
de domiclio do sujeito, mas o conjunto de referncias scio-culturais e econmicas que desenham a moldura de seu cotidiano, de seu
projeto de vida, de sua insero no mundo.
Claro que uma enorme complicao ajustar
este conceito selva annima, anmica e desumana das grandes metrpoles. Como pensar
os territrios subjetivos e, portanto, a rea de
alcance das intervenes de ateno psicossocial, no meio das balas perdidas da crise urbana? Que cidade real ser capaz de sediar a plis
da antiga utopia grega, lugar onde convivem
harmonicamente os cidados livres?
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de pequenos e annimos domiclios, interrogamo-nos sobre este vocbulo italiano, territrio. Como assim, nesta selva impenetrvel? Milhares de pessoas que no vemos, no conhecemos, vivendo em guetos domiciliares ou nas
ruas, num pas sem polticas de seguridade social, com uma estrutura econmica produtora
de excluso e anomia (ainda no se falava, da
forma cnica como se fala hoje, do deus Mercado), de que forma pensar o territrio?
Os gegrafos tm reivindicado a resistncia do
territrio frente mundializao vil do mercado.
Mesmo nos lugares onde os vetores da mundializao so mais operantes e eficazes, o territrio
habitado cria novas sinergias e acaba por impor,
ao mundo, uma revanche. Seu papel ativo faznos pensar no incio da Histria, ainda que nada
seja como antes. Da essa metfora do retorno
(Santos, 1997, p. 15).
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cionamento do territ1io, atravs daquilo que estou chamando de hmizontalidades e verticalidades. As hmizontalidades sero dos domnios da
contigidade, daqueles lugares vizinhos reunidos
por uma continuidade territorial, enquanto as
verticalidades se1iam formadas por pontos distantes uns dos outros, ligados por todas as formas e
processos sociais. A partir disso, devemos retomar
a idia " (... ) de espao banal, (que), mais do que
nunca, deve ser levantada em oposio noo
que atualmente ganha terreno nas disciplinas territoriais: a noo de rede (SANTOS, 1997, p. 16) .
H um espao horizontal, geogrfico , dimensionado geometricamente, definido por
adjacncias, contigidades e limites. Neste espao, banal, objetivo, tecem-se as redes:
O territrio, hoje, pode ser formado de lugares
contguos e de lugares em rede. So, todavia, os
mesmos lugares que formam redes e que formam
o espao banal. So os mesmos lugares, os mesmos pontos, mas contendo simultaneamente funcionalizaes diferentes, qui divergentes ou
opostas (id., p. 16) .
No campo da ateno comunitria, em psiquiatria, a noo de rede inevitavelmente associada de rede social (social network) dos centros comunitrios norte-americanos (ver, por
exemplo, Speck, 1976). Talvez nos seja til ler
com os gegrafos esta idia de que as redes se
opem geografia, ao espao , e dizem do "primado de uma organizao antes topolgica que
topogrfica" (Levy, 1997, p. 224). As redes so
sociais, culturais, simblicas, mercantis, raciais,
espaciais, temporais; so tambm projees da
subjetividade. So, talvez, algo objetivvel em
uma nova dmarche clnica, que tome o territrio como uma singularidade.
A globalizao concentradora da riqueza
acompanha-se da destruio dos limites do pertencimento cultural dos sujeitos. Toda cultura
torna-se banal, mercantilizvel, annima. O
mundo do mercado anmico. S nos resta
acreditar nas potencialidades de uma "revanche do territrio" (Santos, 1996) , que fornecer as trilhas para as novas territorialidades, por
enquanto ocultas, temerosas, nos espaos suburbanos, infra-urbanos, como catecmenos da
cidade subjetiva.
Territrio dos gegrafos crticos da mundializao, como Milton Santos, comunidade de cultura e intersubjetividades, de uma nova perspectiva ps-caplaniana, cidade subjetiva desterritorializada ( Guattari, 1 992), conceitos a se
articularem com o bairro. O bairro concreto e
quotidiano. Campo Grande, Santa Cruz, Iraj.
Temos um texto pela frente, que se escreve ao
andar, como no poema de Antnio Machado
("no hay camiio, se hace camiio al andar').
Bibliografia
CAPLAN, G. Princpios de psiquiatria preventiva. Rio
de Janeiro, Zahar Ed. , 1979.
CASTELLS, M . "L'urbanisation dpendente en
Amrique Latine"; Espaces et Socites no 03,julliet,
1971 apud - Singer, op. cit. , 1977.
DELGADO, P. G. "Papel Estratgico das Unidades
Psiquitricas em Hospital Geral na Reforma Psiquitrica Brasileira", Cadernos do IPUB. Rio de
Janeiro, UFRJ, pp. 09-19, 1997.
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Notas
1 Texto (revisto) apresentado no I Encontro dos
Servios de Ateno Diria em Sade Mental do
Municpio do Rio de Janeiro, realizado no Instituto
de Psiquiatria, nos dias 18, 19, 20 e 21 de junho de
1997.
2 A populao estimada para um servio de base
comunitria, nas experincias referidas, oscila entre 70 e 100.000 pessoas. Desde os centros comunitrios de Gerald Caplan e o setor, passando pelos
Centros de Sade Mental italianos e os NAPS de
Santos, este universo configurado quantitativamente em bases emplicas, para fins de planificao mais
grosseira, mas pode servir de referncia til para
pensarmos as demandas municipais, estaduais e brasileira de servios de sade mental de base comunitria; por exemplo, um servio "comunitrio" para
cerca de 100.000 habitantes (Delgado, 1996) .
3 A respeito dos pressupostos estratgicos e ticos
dos NAPS e do Programa de Sade Mental de Santos, ver, por exemplo, Leal, 1992 e Niccio, 1996.
4 INSTITUTO FRANCO BASAGLIA. Rede, Territrio e Ateno Psicossocial. Informaes demogrficas
e scio-econmicas sobre as regies atendidas pelos
CAPS de Campo Grande e Santa Cruz. Relatrio
Preliminar I. Rio de Janeiro, setembro de 1997.
5 No caso das favelas e comunidades assemelhadas,
no s pelas peculiaridades culturais, as redes sociais especficas, o convvio com a violncia do
narcotrfico, mas por urna certa autonomia de ordem econmica: " .. .os reduzidssimos nveis de consumo das massas que constituem o exrcito industrial de reserva permitem a formao de comunidades economicamente fechadas no meio urbano, que
requerem apenas urna quantidade mnima de bens
produzidos pela economia capitalista, satisfazendo
a maior parte de suas necessidades mediante sua
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