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DELGADO - Atendimento Psicossocial Na Metrópole

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ISS\ I IIHIIllO

Cadernos

IPUB
N!L J4

1999

Prticas ampliadas em
sade mental:

de safios e construes
do cotidiano

Instituto de Psiquiatria
UFRJ

Atendimento psicossocial na metrpole:


algumas questes iniciais1

Pedro Gabriel Delgado*

No Municpio do Rio de janeiro esto em funcionamento os Centros de Ateno Psicossocial,


de Iraj, Campo Grande e Santa Cruz e, em processo de implantao, o da Ilha do Governador.
Fazem parte da rede municipal de atendimento; a eles podem agregar-se outros servios (pblicos) de ateno diria, localizados na Zona
Sul (servios-dia do Pinel e do Instituto de Psiquiatria), Zona Norte (dois servios-dia do Centro Psiquitrico Pedro li, o Espao Aberto ao
Tempo e a Casa d'Engenho) e regio dejacarepagu (Servio-Dia da Colniajuliano Moreira,
hoje municipalizada). Desta forma, todas as cinco grandes reas de planejamento do Rio de Janeiro contam com servios pblicos para atendimento psicossocial clientela de pacientes graves, isto , aqueles para os quais, h at 1 O anos
passados, a modalidade predominante e quase
' Professor adjunto, doutor de Psicologia Mdica e Sade Mental no Hospital Universitrio Clementino Fraga Filho e no Instituto de Psiquiatria da UFRJ. Pesquisador do Ncleo de Polticas Pblicas em Sade Mental do IPUB/ UFRJ.

exclusiva de cuidado oferecida era o circuito


emergncia-internao-ambulatrio.
Os CAPS, cuja introduo na terminologia
da assistncia psiquitrica tem apenas 1O anos,
no surgiram inicialmente com a perspectiva da
cobertura universal de uma populao determinada, a exemplo dos Centros Comunitrios norte-americanos ou dos servios de sade mental
da psiquiatria de setor na Frana. Submetiam-se
a uma certa demanda espontnea, oriunda do
antigo circuito internao-ambulatrio, mas sem
base territorial definida. Foi o Programa Municipal de Santos, com seus NAPS, que explicitou
o pressuposto da cobertura universal de uma
populao especificada, em torno de 100.000
pessoas, residentes em rea urbana definida2 .
Situemos a questo: um CAPS tem capacidade limitada (cerca de quarenta a cinqenta
pacientes em atendimento dirio, intensivo, e
em torno de 300 a 400 matriculados, isto , atendidos em graus muito diversos de intensidade
do cuidado); j o NAPS define sua capacidade

Car!t' rnos JPUB / 14

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pela meta a atingir de cobertura de uma populao adscrita (territrio), e pelo pressuposto
tico da tomada de responsabilidade'~ . Para que o
contexto urbano possa tornar-se objeto de nossa anlise, ou seja, para dar-lhe sentido na organizao de servios e na clnica, preciso
superar o modelo da demanda espontnea (que
coerente na clnica de consult1ios e servios
privados), e tomar as noes de cobertura assistencial e referncia domiciliar como indispensveis. Assim, importa menos que o CAPS
de Campo Grande defina sua capacidade, como
sendo de quarenta pacientes em atendimento
diiio, e mais o fato de que aquele seja o servio territorial de referncia para a populao
de tal bairro da cidade do Rio de Janeiro. Portanto, a indagao a que teramos de responder seria: de que forma um pequeno servio,
com seus psiclogos, enfermeiros, psiquiatras,
terapeutas ocupacionais, cozinheiros, oficineiros, estagirios, pode ter como clientela um
bairro da cidade, um territrio habitado por
milhares de pessoas?

Cidade, metrpole, territrio


Santa Cruz um bairro peculiar. Situado no
extremo oeste do municpio, pode ser descrito
como uma extensa rea rural, servida por um
centro de comrcio, como se correspondesse
s velhas cidades pr-industriais do interior brasileiro. Mas tambm uma regio, onde nas
ltimas dcadas, se implantaram diversas indstrias, sofrendo o desenvolvimento tpico das

periferias industrializadas das grandes metrpoles. O bairro onde fica o CAPS Simo
Bacamarte nos serve de exemplo para certo tipo
de descrio eficaz da cidade, que a v crescer
segundo a lgica da produo fabril, substituindo a antiga cidade pr-industrial:
O resultado deste processo- a moderna unidade de produo, a fbrica- necessariamente
um fenmeno urbano. Ela exige, em sua proximidade , a presena de um grande nmero de
trabalhadores. O seu grande volume de produo requer servios de infra-estrutura (transportes, armazenamento, energia etc), que constituem o cerne da moderna economia urbana. Quando a fbrica no surge j na cidade, a cidade
que se forma em volta dela. Mas , em ambos os
casos, uma cidade diferente. Em contraste com
a antiga cidade comercial, que impunha ao campo o seu domnio poltico, para explor-lo mediante uma intrincada rede de monoplios, a cidade industrial se impe graas sua superiOiidade produtiva ( Singer, 1977, pp. 24-25).

como se uma cidade fordista, organizada


centripetamente para a produo e centrifugamente para seu escoamento, contrastasse com
os velhos comrcios das regies agrrias do interior. Em Santa Cruz, vemos estas duas cidades.
Um antigo comrcio pr-industrial, circundado
pelo campo ou rea rural, e a aglomerao urbana a servio das fbricas. Mas Santa Cruz
parte de uma metrpole, cujo crescimento no
seguiu esta racionalidade fordista. Ao contrrio,
o tema de nosso debate neste seminrio, sobre
os Centros de Ateno Diria, justamente esta
irracionalidade das metrpoles.
Uma das maneiras de se entender a crise ur-

A tendimento psiwssoal na rneiTjJOlf: Algumas questes iniciais

bana, na dcada de 60, era atribuir a macrocefalia


das metrpoles ao desenvolvimento capitalista
prprio dos pases dependentes. Assim, as grandes cidades latino-americanas seriam resultado
do crescimento irregular e irracional dos centros urbanos no capitalismo tardio (expresso .
que designa a industrializao atrasada nos pases agrrio-exportadores, como o Brasil). A
metrpole seria o produto e seria resultante da
"acelerao crescente, desnvel entre o fraco
desenvolvimento das foras produtivas e a acelerada concentrao espacial da populao,
formao de uma rede urbana truncada e desarticulada" (Singer, cit., p. 69). Desarticulada
porque "no hierarquiza as aglomeraes segundo uma diviso tcnica de atividades"
(Castells, apud Singer, p. 69). No uma racionalidade produtiva, fordista, que "hierarquiza
as aglomeraes" urbanas. O Rio de Janeiro (ou
Bogot, ou Cidade do Mxico) no ser uma
Detroit, pois estas metrpoles irracionais (ao
mesmo tempo situadas na pr-histria da racionalidade da industrializao, isto , prfordistas, mas paradoxalmente tambm ps-industriais) foram crescendo como aberraes
prprias da economia dependente.
Manuel Castells foi uma referncia importante, nos anos 70, para o debate sobre a crise
urbana, especialmente sobre as metrpoles da
periferia do capitalismo. Como nosso desafio
a implantao de uma rede eficaz de atendimento psicossocial no marco de uma grande
metrpole perifrica, exige-se de ns um esforo de leitura atenta e dirigida da sociologia ur-

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bana aplicvel ao pressuposto, que desejamos


tornar eficaz, de territrio (intra-urbano) como
unidade geogrfica de referncia.
Assim, cumpre percorrer um itinerrio que
d compreensibilidade ao que existe de diversificado, imprevisvel e desconhecido nos territrios reais de influncia dos CAPS da rede
municipal. Tal itinerrio deve, obrigatoriamente, incluir um levantamento inicial dos dados
demogrficos, scio-econmicos, sanitrios,
culturais, de que j existe um esboo 4 , mas tem
que seguir adiante, buscando aproximar-sedessa periferia pobre, com a qual devemos tratar.
Campo Grande e Santa Cruz so bairros de
segmentos da classe mdia urbana, mas so
igualmente o lugar de morada de trabalhadores urbanos de menor qualificao, contendo,
especialmente Santa Cruz, elevado ndice de
favelizao. Apesar da origem histrica dopovoamento da regio, ela no escapou das vicissitudes da periferizao metropolitana (Paviani,
1997, p. 182 e seg.).
A chamada periferia pobre no est no contorno, mas "infiltrada em todo o tecido metropolitano" (Paviani, cit., p. 186), e se qualifica assim quando:
a) em relao ao trabalho, "enormes contingentes populacionais no tm acesso a postos
de trabalho bem-remunerados, ou, ainda, passam por compresses salariais durante duas ou
trs dcadas" (id., ib);
b) em relao educao, a "continuada
manuteno de analfabetos ou alfabetizados
incompletos" (id., ib.), acesso difcil escolari-

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zao, baixo grau de informao sobre a realidade em que vive e os meios de modific-la;
c) quanto moradia, ocorrem "contradies
insuperveis nas diversas polticas habitacionais"
(id., p. 187), coexistindo a favelizao explcita
com aglomeraes de moradias de baixa qualidade, que so resultantes das "polticas incrementalistas no setor habitacional" (id., ib.);
d) finalmente, em relao cidadania, compreendida como a conquista do "direito cidade", predomina a "cidadania concedida" (id.,
ib.), dos benefcios e favorecimentos precarssimos e sazonais propiciados pelo clientelismo,
especialmente o eleitoral.
Em um mesmo bairro, podemos encontrar
habitaes convencionais e confortveis de classe mdia e mdia alta, ao lado de "cor~juntos
habitacionais" de baixa qualidade de conforto,
alm de grandes favelas. As favelas so comunidades cuja autonomia em relao ao tecido geral da cidade constitui um enigma a ser desvendado5. Podemos encontrar, no bairro, trabalhadores formais da indstria de transformao e
do setor tercirio (servios), alguns segmentos
de trabalhadores de setores de tecnologia de
ponta que se locomovem diariamente para o
centro da cidade, e um imenso contingente de
moradores que afluem todas as madrugadas aos
vrios ncleos industriais do Municpio do Rio
de Janeiro e regio metropolitana, ficando apenas um tero do dia no bairro onde residem. Ao
lado destes, um contingente de dimenses desconhecidas de trabalhadores informais, que exercem seus diversos oficios ali mesmo, no Centro

Cadenw.1 IPUB / 14

do Rio ou outros bairros e cidades da regio


metropolitana. Incluam-se agora, compondo o
quadro de perfis laborativos, desempregados,
populao de rua, migrantes recentes.
Como pode esta colcha de heterogneos
retalhos da desigualdade estrutural de nosso
mundo urbano configurar um territrio, conceito a que desejamos dar importncia crucial?
Territrio a ser objetivado como rea de atuao de um servio comunitrio, subordinado
estratgia de uma rede de atendimento psicossocial eficaz e tomado pela responsabilidade da
resoluo dos casos psiquitricos daquele recorte populacional?
Para desenvolvermos nosso argumento, vamos adotar a licena potica de aceitar que os
CAPS so servios que tomam o universo pleno de seu territrio como clientela potencial.
Eles no so isso (ainda?), ns sabemos; porm
fazem parte de uma rede de atendimento psicossocial cuja existncia se justifica pelo desejo
e empenho de substituir, com vantagens ticas
e clnicas, o circuito emergncia-internaoambulatrio. Para tal tipo de servio, a demanda est no territrio. A responsabilidade (como a
definem os italianos de Trieste) o territrio.

Se adotamos o "territrio",
a hierarquizao no tem sentido
Para cumprir o objetivo de um cuidado abrangente aos problemas da sade mental, necessrio que o circuito emergncia-interna~ambu
latri~internao seja substitudo por uma rede

Atendimento psicossoal na metrpole: Algumas questes iniciais

eficaz e diversificada de servios de base territorial. Uma rpida digresso: a literatura norte-americana distingue servios baseados em hospitais e de base comunitria. Entre ns, o adjetivo
"comunitrio", referido a aes de sade, faz
lembrar inevitavelmente as idias preventivistas:
intervir na comunidade, identificar situaes de
maior risco, prevenir o aparecimento de transtornos, como na autonomeada bblia de Caplan
( Caplan, 1985). Mas, no por acaso que, em
vez de comunidade, no debate da reforma sanitria, e especialmente no campo da chamada
Psiquiatria Democrtica, os italianos insistiram
na utilidade do termo territrio, que designa o
extra-institucional, marcado por limites geogrficos, culturais e scio-econmicos 6 No se trata de um italianismo, de uma dificuldade de
traduo: o conceito de territrio nos tem sido
til para pensar de um modo novo assistncia em Sade Mental.
Assim, o territrio no (apenas) o bairro
de domiclio do sujeito, mas o conjunto de referncias scio-culturais e econmicas que desenham a moldura de seu cotidiano, de seu
projeto de vida, de sua insero no mundo.
Claro que uma enorme complicao ajustar
este conceito selva annima, anmica e desumana das grandes metrpoles. Como pensar
os territrios subjetivos e, portanto, a rea de
alcance das intervenes de ateno psicossocial, no meio das balas perdidas da crise urbana? Que cidade real ser capaz de sediar a plis
da antiga utopia grega, lugar onde convivem
harmonicamente os cidados livres?

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Mais que livres, desejamos hoje que sejam


fraternos, iguais em direitos, e tolerantes em
suas diferenas. Uma rede de ateno psicossocial faz parte deste esforo de construo de
uma cidade capaz de abrigar em harmonia os
inumerveis territrios subjetivos. As cidades
subjetivas ( Guattari, 1992) , de cada um de ns,
incidem vertiginosamente sobre a plis. Se perguntssemos hoje, retrocedendo no tempo
plena gora, a um cidado grego (se que jamais existiu tal personagem na histria banal)
sobre seu territrio subjetivo, ele responderia :
"eu sou o lugar geom trico das influncias de
meus concidados" (estou parafraseando de
memria um verso antigo ouvido na juventude; no sei como credit-lo nas referncias bibliogrficas). O territrio um recorte da plis. uma fico , com certeza, como a cidade
(no me refiro selva urbana, hiper-real) tambm uma fico.
Retornando ao modo de realizar o cuidado
psicossocial: um servio s ser possvel se, localizado em um bairro, emoldurado pelas referncias sociais e culturais daquela comunidade
especfica, puder dar uso prtico ao conceito
de territrio. Para cada cliente, seu territrio
familiar, cultural, mitolgico, scio-econmico
e jurdico. Este me parece um desafio terico,
com notveis implicaes clnicas, e que s passou a ter existncia com a regionalizao do
atendimento e a criao de servios locais de
ateno psicossocial.
O atendimento psicossocial uma interferncia consentida no cotidiano do habitante da

Ca d fwnos IPUB / 14

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plis, afetado por sofrimento psquico grave.


Assim sendo, tal tipo de cuidado incide sobre
uma rede social, uma interligao de subjetividades, um mundo num universo de mil mundos subjetivos e polticos.
Como falar em graus de complexidade do
cuidado? Se uma crise psictica, o caminho a
emergncia (em hospital geral, claro). Se as
coisas caminham bem, o ambulatrio do Centro de Sade resolve o problema. Se uma sada da crise, o Hospital-Dia o recurso adequado. Se no est ocorrendo nada, que tal um
grupo na unidade de ateno primria (nervosos, gestantes, adolescentes, somatizantes, climatrio, etc.)? Assim se escalo na o atendimento
clnico geral na perspectiva da hierarquizao.
Entretanto, os servios territoriais, que mostraram efetividade no funcionaram desta forma.
Os NAPS de Santos no funcionam assim; o
CERSAM, de Betim, Minas Gerais, meio um
ambulatrio, ponto-de-encontro, emergncia
psiquitrica, Hospital-Dia. A hierarquizao por
complexidade de aes- emergncia, ambulatrio, internao- aplica-se ao modelo hospitalocntrico, mas incompatvel, incongruente, com a estratgia de uma rede de atendimento psicossocial baseada no territrio.

Territrio, como assim?


Circulando de carro comJairo Goldberg, logo
aps a festa do primeiro aniversrio do CAPS
Luiz Cerqueira, por um daqueles viadutos ostensivos de So Paulo, sobrevoando milhares

de pequenos e annimos domiclios, interrogamo-nos sobre este vocbulo italiano, territrio. Como assim, nesta selva impenetrvel? Milhares de pessoas que no vemos, no conhecemos, vivendo em guetos domiciliares ou nas
ruas, num pas sem polticas de seguridade social, com uma estrutura econmica produtora
de excluso e anomia (ainda no se falava, da
forma cnica como se fala hoje, do deus Mercado), de que forma pensar o territrio?
Os gegrafos tm reivindicado a resistncia do
territrio frente mundializao vil do mercado.
Mesmo nos lugares onde os vetores da mundializao so mais operantes e eficazes, o territrio
habitado cria novas sinergias e acaba por impor,
ao mundo, uma revanche. Seu papel ativo faznos pensar no incio da Histria, ainda que nada
seja como antes. Da essa metfora do retorno
(Santos, 1997, p. 15).

A mercantilizao o fim da geografia, enquanto o territrio a resistncia, a revanche.


O local versus o global da mundializao. Territrios nacionais em conflito, como nos Blcs,
e territrios locais, limites estreitos de realizao de uma cultura que o "lugar geomtrico
das influncias" dos diversos moradores, suas
histrias, seus antepassados, seus sonhos. Um
pas deflagrado, ou um bairro da Zona Oeste
do Rio de Janeiro, nos ajudaro a discutir se
til ou no a contribuio da geografia dos territrios particulares.
Encontramos no territrio, hoje, novos recortes,
alm da velha categoria regio; e isso um resultado da nova construo do espao e do novo fun-

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Atendimento psicossocial na rne.ITjJOlP: Algumas questiie.s iniciais

cionamento do territ1io, atravs daquilo que estou chamando de hmizontalidades e verticalidades. As hmizontalidades sero dos domnios da
contigidade, daqueles lugares vizinhos reunidos
por uma continuidade territorial, enquanto as
verticalidades se1iam formadas por pontos distantes uns dos outros, ligados por todas as formas e
processos sociais. A partir disso, devemos retomar
a idia " (... ) de espao banal, (que), mais do que
nunca, deve ser levantada em oposio noo
que atualmente ganha terreno nas disciplinas territoriais: a noo de rede (SANTOS, 1997, p. 16) .
H um espao horizontal, geogrfico , dimensionado geometricamente, definido por
adjacncias, contigidades e limites. Neste espao, banal, objetivo, tecem-se as redes:
O territrio, hoje, pode ser formado de lugares
contguos e de lugares em rede. So, todavia, os
mesmos lugares que formam redes e que formam
o espao banal. So os mesmos lugares, os mesmos pontos, mas contendo simultaneamente funcionalizaes diferentes, qui divergentes ou
opostas (id., p. 16) .
No campo da ateno comunitria, em psiquiatria, a noo de rede inevitavelmente associada de rede social (social network) dos centros comunitrios norte-americanos (ver, por
exemplo, Speck, 1976). Talvez nos seja til ler
com os gegrafos esta idia de que as redes se
opem geografia, ao espao , e dizem do "primado de uma organizao antes topolgica que
topogrfica" (Levy, 1997, p. 224). As redes so
sociais, culturais, simblicas, mercantis, raciais,
espaciais, temporais; so tambm projees da
subjetividade. So, talvez, algo objetivvel em

uma nova dmarche clnica, que tome o territrio como uma singularidade.
A globalizao concentradora da riqueza
acompanha-se da destruio dos limites do pertencimento cultural dos sujeitos. Toda cultura
torna-se banal, mercantilizvel, annima. O
mundo do mercado anmico. S nos resta
acreditar nas potencialidades de uma "revanche do territrio" (Santos, 1996) , que fornecer as trilhas para as novas territorialidades, por
enquanto ocultas, temerosas, nos espaos suburbanos, infra-urbanos, como catecmenos da
cidade subjetiva.
Territrio dos gegrafos crticos da mundializao, como Milton Santos, comunidade de cultura e intersubjetividades, de uma nova perspectiva ps-caplaniana, cidade subjetiva desterritorializada ( Guattari, 1 992), conceitos a se
articularem com o bairro. O bairro concreto e
quotidiano. Campo Grande, Santa Cruz, Iraj.
Temos um texto pela frente, que se escreve ao
andar, como no poema de Antnio Machado
("no hay camiio, se hace camiio al andar').

Bibliografia
CAPLAN, G. Princpios de psiquiatria preventiva. Rio
de Janeiro, Zahar Ed. , 1979.
CASTELLS, M . "L'urbanisation dpendente en
Amrique Latine"; Espaces et Socites no 03,julliet,
1971 apud - Singer, op. cit. , 1977.
DELGADO, P. G. "Papel Estratgico das Unidades
Psiquitricas em Hospital Geral na Reforma Psiquitrica Brasileira", Cadernos do IPUB. Rio de
Janeiro, UFRJ, pp. 09-19, 1997.

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LEAL, E. A Noo de Cidadania como Eixo da Prtica


Clnica: uma Anlise do Programa de Sade Mental
de Santos. Dissertao de Mestrado. Instituto de
Medicina Social da UERJ, 1993.
GUATTARI, F. "Restaurao da cidade subjetiva",
em Caosmose: um novo pamdigma esttico. Rio de
Janeiro, Ed. 34, pp. 167-179, 1992.
INSTITUTO FRANCO BASAGLIA, "Rede, Territrio e Ateno Psicossocial". Relatrio Preliminar
1. Rio de Janeiro, mimeo, setembro de 1997.
INSTITUTO FRANCO BASAGLIA. Guia dos Servios Psiquitricos Alternativos do Rio de Janeiro, 2a
edio. Rio de Janeiro, Instituto Franco Basaglia,
1997.
LEW, J. "Entre sociedade civil e sociedade poltica", em SANTOS, SOUZA & SILVEIRA, op. cit.,
1997.
NICCIO, F. O Processo de Transformao da Sade
Mental em Santos: Desconstruo de Saberes, Instituies e Cultura. Dissertao de Mestrado Cincias
Sociais. PUC/ SP, 1994.
ONU/ COMISSO DE DIREITOS HUMANOS. Declarao dos direitos do paciente psiquitrico. ONU,
1991.
PAVIANI, A. "A lgica da periferizao em reas
metropolitanas", em SANTOS , SOUZA &
SILVEIRA, op. cit., 1997.
SANTOS, M. "O retorno do territrio", em SANTOS,
M., SOUZA, M. & SILVEIRA. M. Territrio, Globalizao e Fragmentao. So Paulo, Hucitec/ Anpur,
1997.
SINGER, P. Economia poltica da urbanizao. So Paulo, Brasiliense/ CEBRAP, 4" ed., 1977.
SPECK, Ross. "A poltica e a psicoterapia de
minigrupos e microgrupos", em COOPER, David,
Dialtica da Libertao. Rio de Janeiro, Zahar, 1968.
W. Autores. Sade mental e cidadania no contexto dos
sistemas locais de sade. So Paulo, Salvador,
Hucite e/ Cooperao Italiana em Sade, 1992.

Cadenws IPUB / 14

Notas
1 Texto (revisto) apresentado no I Encontro dos
Servios de Ateno Diria em Sade Mental do
Municpio do Rio de Janeiro, realizado no Instituto
de Psiquiatria, nos dias 18, 19, 20 e 21 de junho de
1997.
2 A populao estimada para um servio de base
comunitria, nas experincias referidas, oscila entre 70 e 100.000 pessoas. Desde os centros comunitrios de Gerald Caplan e o setor, passando pelos
Centros de Sade Mental italianos e os NAPS de
Santos, este universo configurado quantitativamente em bases emplicas, para fins de planificao mais
grosseira, mas pode servir de referncia til para
pensarmos as demandas municipais, estaduais e brasileira de servios de sade mental de base comunitria; por exemplo, um servio "comunitrio" para
cerca de 100.000 habitantes (Delgado, 1996) .
3 A respeito dos pressupostos estratgicos e ticos
dos NAPS e do Programa de Sade Mental de Santos, ver, por exemplo, Leal, 1992 e Niccio, 1996.
4 INSTITUTO FRANCO BASAGLIA. Rede, Territrio e Ateno Psicossocial. Informaes demogrficas
e scio-econmicas sobre as regies atendidas pelos
CAPS de Campo Grande e Santa Cruz. Relatrio
Preliminar I. Rio de Janeiro, setembro de 1997.
5 No caso das favelas e comunidades assemelhadas,
no s pelas peculiaridades culturais, as redes sociais especficas, o convvio com a violncia do
narcotrfico, mas por urna certa autonomia de ordem econmica: " .. .os reduzidssimos nveis de consumo das massas que constituem o exrcito industrial de reserva permitem a formao de comunidades economicamente fechadas no meio urbano, que
requerem apenas urna quantidade mnima de bens
produzidos pela economia capitalista, satisfazendo
a maior parte de suas necessidades mediante sua

Atendimm/o psirossocial na metrpole: Algumas quesi!'s iniciais

prpria produo" (Singer, id. , p. 59). Apenas uma


"pequena parcela de sua populao participa diretamente da economia capitalista ou do seu excedente, sendo os recursos assim obtidos redistribudos
mediante extensa rede de trocas de bens e servios
dentro da comunidade" (p. 59). Esta "forma peculiar de expanso do capitalismo nos pases no desenvolvidos poderia explicar o aparente paradoxo
de os servios ocuparem lugar proeminente na estrutura do consumo tanto das camadas mais ricas
como das mais pobres da sociedade" (id., ib).
6 Para uma introduo aos sistemas de sade baseados no territrio, ver: W. Autores. Sade mental e
cidadania no contexto dos sistemas locais de sade.
Hucitec/ Cooperao Italiana em Sade, So Paulo/ Salvador, 1992 (o livro contm as contribuies
ao Encontro sobre o tema realizado em Santos, SP,
emjunho de 1991).

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