Psicopatologia Do Trabalho

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uma plataforma virtual sobre o trabalho real
volume vii n1 2011
FICHA TCNICA Diretora M. Lacomblez (Pt) Direo Lusfona: Brito, J. (Br), Cunha, L. (Pt), Gil-Mata, R. (Pt), Nascimento, A. (Br), Santos, M. (Pt), Valverde, C. (Pt), Vasconcelos, R. (Pt)
Direo Hispnica: Boix, P. (ES), Daz Canepa, C. (CL), De La Garza, C. (FR), Poy, M. (AR), Vogel, L. (BE) Comit Cientfico Internacional: Acevedo, M. (CL), Alaluf, M. (BE), Alvarez, D. (BR), Apud, E. (CL), Arajo, C. (Pt), Arezes, P. (Pt), Athayde, M. (BR), Barcenilla, J. (FR), Barros Duarte, C. (Pt), Barroso, M. (Pt), Berthelette, D. (CA), Bronckart, J. P. (Ch), Cadilhe, A. (Pt), Caramelo, J. (Pt), Castillo, J. J. (ES), Chatigny, C.
(CA), Clot, Y. (FR), Cloutier, E. (CA), Correia, J. A. (Pt), Cru, D. (FR), Daniellou, F. (FR), David, h. (CA), De troyer, M. (BE), Duarte, F. M. (BR),
Estanque, E. (Pt), Falzon, P. (FR), Fraga De Oliveira, J. (Pt), Gadea, R. (ES), Garrigou, A. (FR), Gonzaga, L. (Pt), Gonzlez, R. (VE), hansez, I. (BE), Kerguelen, A. (FR), Leal Ferreira, L. (BR), Lopes, L. (Pt), Maggi, B. (It), Marqui, J. C. (FR), Martinez, E. (BE), Massena, M. (Pt), Matos, M. (Pt), Mendes, J. M. (Pt), Montreuil, S. (CA), Poirot-Delpech, S. (FR), Ramos, S. (Pt), Re, A. (It), Rebelo, F. (Pt), Rebelo Dos Santos, N. (Pt), Schwartz, Y. (FR), Seifert, A. M. (CA), Silva, C. (Pt), Simes, A. (Pt), Snzelwar, L. (BR), teiger, C. (FR), thbaud Mony, A. (FR), torres, I. (Pt), Villena, J. (ES), Volkoff, S. (FR), Weill-Fassina, A. (FR) Secretariado de Redao C. Monteiro (Pt) Design e Paginao Parada, J. (Pt) Revista apoiada por
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editorial Marianne Lacomblez apresentao do Dossier Clara Arajo & Duarte Rolo texto introdutor Christophe Dejours arqueologia do Conhecimento Leda Leal Ferreira pesquisa emprica Seiji Uchida, Laerte Sznelwar, Juliana Barros & Selma Lancman pesquisa emprica Marina Petrilli Segnini & Selma Lancman estudo de Caso Marisa Ridgway Discurso sobre o vivido no trabalho Valrie Ganem importa-se de repetir? Christophe Dejours reviso temtica Conceio Ramos textos histricos Armand Imbert &Antonin Mestre (Indroduo de Marcel turbiaux) o dicionrio utopia Renato Di Ruzza o dicionrio visibilidade Serge Volkoff
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editorial Marianne Lacomblez Dossier temtico: psicodinmica e psicopatologia do trabalho Clara Arajo & Duarte Rolo texto introdutor: psicopatologia do trabalho - psicodinmica do trabalho Christophe Dejours uma luta pelo reconhecimento do trabalho contra a poltica de reduo do pessoal Leda Leal Ferreira o trabalho em servios de sade mental: entre o sofrimento e a cooperao Seiji Uchida, Laerte Sznelwar, Juliana Barros & Selma Lancman sofrimento psquico do bailarino: um olhar da psicodinmica do trabalho Marina Petrilli Segnini & Selma Lancman psicodinmica do trabalho e anlise do trabalho de apresentao de si prprio do director de empresa Marisa Ridgway relato de uma experincia de terreno de uma interveno em psicodinmica do trabalho Valrie Ganem trabalhar no derrogar Christophe Dejours economia solidria, plural e tica na promoo do emprego, da cidadania e da coeso social Conceio Ramos introduo ao texto estatsticas de acidentes de trabalho de armand imbert e antonin mestre Marcel turbiaux higiene pblica: estatstica de acidentes de trabalho Armand Imbert &Antonin Mestre utopia Renato Di Ruzza visibilidade Serge Volkoff
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editorial Marianne Lacomblez Dossier temtico: la psicodinmica y la psicopatologa del trabajo Clara Arajo & Duarte Rolo texto introductorio: psicopatologa del trabajo - psicodinmica del trabajo Christophe Dejours una luta pelo reconhecimen to do trabalho contra a poltica de reduo do pessoal Leda Leal Ferreira el trabajo en los servicios de salud mental: entre el sufrimiento y la cooperacin Seiji Uchida, Laerte Sznelwar, Juliana Barros & Selma Lancman sufrimiento psquico del bailarn: una mirada de la psicodinmica del trabajo Marina Petrilli Segnini & Selma Lancman psicodinmica del trabajo y anlisis del trabajo de presentacin de s mismo del director de empresa Marisa Ridgway informe de un estudio de campo sobre una intervencin basada en la psicodinmica del trabajo Valrie Ganem trabajar no es derogar Christophe Dejours economa solidaria, plural y tica, en la promocin del empleo, de la ciudadana y de la cohesin social Conceio Ramos introduccin al texto higiene pblica: estadstica de accidentes de trabajo de armand imbert & antonin mestre Marcel turbiaux higiene pblica: estadstica de accidentes de trabajo Armand Imbert &Antonin Mestre utopa Renato Di Ruzza visibilidad Serge Volkoff
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editorial Marianne Lacomblez Dossier thmatique : psychodynamique et psychopathologie du travail Clara Arajo & Duarte Rolo texte dintroduction : psychopathologie du travail psychodynamique du travail Christophe Dejours une lutte pour la reconnaissance au travail et contre la politique de rduction du nombre des travailleurs Leda Leal Ferreira travailler dans des services de sant mentale: entre la souffrance et la coopration Seiji Uchida, Laerte Sznelwar, Juliana Barros & Selma Lancman la souffrance psychique du danseur: un regard de la psychodynamique du travail Marina Petrilli Segnini & Selma Lancman psychodynamique du travail et analyse du travail de prsentation de soi du dirigeant dentreprise Marisa Ridgway retour sur une exprience de terrain de lintervention en psychodynamique du travail (pDt) Valrie Ganem travailler nest pas droger Christophe Dejours conomie solidaire, plurielle et thique dans la promotion de lemploi, de la citoyennet et de la cohsion sociale Conceio Ramos introduction au texte hygine publique: statistique daccidents de travail de armand imbert & antonin mestre Marcel turbiaux hygine publique : statistique daccidents de travail Armand Imbert &Antonin Mestre utopie Renato Di Ruzza visibilit Serge Volkoff
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editorial Marianne Lacomblez thematic Dossier: psychodynamics and psychopathology of work Clara Arajo & Duarte Rolo introductory text: psychopathology of work psychodynamics of work Christophe Dejours a struggle for the recognition of work against workforce reduction policy Leda Leal Ferreira Working at mental health services: between suffering and cooperation Seiji Uchida, Laerte Sznelwar, Juliana Barros & Selma Lancman a dancers psychological suffering: from a psychodynamics of work point of view Marina Petrilli Segnini & Selma Lancman psychodynamics of work and the top managers analysis of self-presentation Marisa Ridgway a field experience in the domain of psychodynamics of work Valrie Ganem Working is not derogating Christophe Dejours the role of solidarity, plural and ethical economy in the promotion of employment, citizenship and social cohesion Conceio Ramos introduction to the text public health: work accidents statistics by armand imbert & antonin mestre Marcel turbiaux public health: work accidents statistics Armand Imbert &Antonin Mestre utopia Renato Di Ruzza visibility Serge Volkoff
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eDitorial
marianne lacomblez
Faculdade de Psicologia e de Cincias da Educao Universidade do Porto Rua Dr. Manuel Pereira da Silva 4200-392 Porto, Portugal lacomb@fpce.up.pt
Se considerarmos os campos de investigao e de interveno abrangidos at agora pelos sucessivos nmeros de Laboreal, esta 11 edio acaba por colmatar, pelo menos parcialmente, uma lacuna da revista. Era tempo, na verdade, de tratar da especificidade da abordagem da Psicodinmica do trabalho. Agradecemos ento, vivamente, a Clara Arajo e Duarte Rolo por terem assumido a coordenao deste dossier. E a introduo que conceberam completada pelo texto redigido nesta circunstncia por Christophe Dejours - ir permitir perceber a lgica da sua estrutura interna. Para alm das contribuies que compem este dossier, apresentamos ainda um artigo, de reviso temtica, de Maria da Conceio Pereira Ramos, que diz respeito s questes da Economia solidria. O que, de certo modo, ir apoiar as opes assumidas para a edio do nosso Dicionrio, j que Renato Di Ruzza destinou a letra "U" para uma definio da palavra "Utopia. O desafio no nada obsoleto: o texto d para perceber quanto o vocbulo , sim, carregado de histria e de polmicas j bem conhecidas; mas tambm revela a constncia e a grande actualidade da procura de "um outro possvel. Serge Volkoff aborda a mesma problemtica por uma outra via: escolheu tratar a letra "V, desenvolvendo uma reflexo sobre "Visibilidade. E encontramos nessas linhas a riqueza da reflexo de um colega que, bom diz-lo porque at agora no o tornmos suficientemente visvel, teve um papel decisivo no arranque inicial do projecto de Laboreal.
Editorial Marianne Lacomblez
Enfim, a nossa rubrica dos textos histricos fica ampliada por mais um contributo, sempre sob a coordenao de Rgis Ouvrier-Bonnaz. Desta vez Marcel turbiaux introduz um texto de Armand Imbert e Antonin Mestre, marco histrico na interpretao de dados estatsticos sobre os acidentes de trabalho. E, realmente, convm no esquecer algumas ilaes enunciadas j h mais de um Sculo Uma excelente leitura para todas e todos qualquer que seja o lado do Atlntico onde consultam o Site de Laboreal. Pelas direces, hispnica e lusfona, da revista, Marianne Lacomblez
Como referenciar este artigo? LACOMBLEz, M. (2011). Editorial. Laboreal, 7, (1), 8-9. http://laboreal.up.pt/revista/artigo.php?id=48u56o tV6582235338944525472
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Dossier temtiCo: psiCoDinmiCa e psiCopatoloGia Do trabalho

Apresentao do dossier
Clara de arajo1 & Duarte rolo2
1. Instituto Politcnico de Viana do Castelo, Escola Superior de Sade Rua D. Moiss Alves de Pinho, 4900-314 Viana do Castelo, Portugal claraaraujo@ess.ipvc.pt 2. Equipa de Psicodinmica do Trabalho e da Aco, Conservatoire National des Arts et Mtiers 41 rue Gay-Lussac, 75005 Paris, Frana duarte.rolo@cnam.fr
A publicao em Portugal de um nmero da revista Laboreal cujo dossier dedicado inteiramente psicodinmica e psicopatologia do trabalho constitui um acontecimento cientfico de relevo. Este dossier temtico surge no seguimento do sexto Congresso Internacional de Psicopatologia e Psicodinmica do trabalho, realizado em Abril de 2010 em So Paulo, Brasil, e este nmero da revista Laboreal permite desta forma dar um seguimento s discusses iniciadas nessa ocasio. herdeira dos trabalhos pioneiros da psicopatologia do trabalho e da ergonomia desenvolvidos em Frana na segunda metade do sculo XX, a psicodinmica do trabalho surge definitivamente enquanto disciplina autnoma na dcada de noventa e dedica-se ao estudo dos processos psicodinmicos mobilizados pelas situaes de trabalho, interessando-se particularmente pela relao entre trabalho e sade. Esta relao est sempre enraizada num acto, numa actividade, numa conduta individual sobre o real do trabalho. Da que tambm a realizao do EU, passe necessariamente por uma mediatizao, na relao ao REAL que constitui o trabalho. Assim, a negao e/ou o no reconhecimento da realidade do trabalho duma pessoa pode ser fonte de sofrimento mental. Mas em contrapartida, o reconhecimento no trabalho um elemento determinante da realizao pessoal e contribui para a construo da identidade, sendo fonte de prazer no trabalho: a relao com os pares donde emerge o reconhecimento e a identidade de pertena a um colectivo; a relao com a hierarquia que pode fazer reconhecer a utilidade do operador, a relao com os subordinados donde pode emergir o reconhecimento da autoridade e das suas competncias. Destas primeiras consideraes poderemos deduzir a importncia considervel da questo da intersubjectividade e da organizao do trabalho enquanto causas de aparecimento de sofrimento ou ao contrrio de prazer no trabalho. tanto a psicodinmica como a psicopatologia do trabalho conhecem actualmente um desenvolvimento notvel, nomeadamente no plano internacional, como atestam os artigos reunidos neste dossier. Com efeito, a divulgao das questes do sofrimento no trabalho (podemos referir entre
Apresentao do dossier Clara de Arajo & Duarte Rolo
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outros acontecimentos a vasta mediatizao dos suicdios ocorridos na empresa francesa France telecom em 2009) representa uma consequncia dos trabalhos desenvolvidos em psicopatologia e psicodinmica do trabalho, que trouxeram estas questes para debate pblico, assim como o resultado de uma evoluo do pedido social. Estes desenvolvimentos, dos quais ainda no podemos certamente medir os efeitos, tero sem dvida repercusses importantes para o crescimento futuro da disciplina. A evoluo actual do mundo do trabalho, marcada pelo desenvolvimento de mtodos de organizao do trabalho e de gesto dos recursos humanos que tendem a individualizar os trabalhadores e a favorecer uma lgica de concorrncia em detrimento de uma lgica de cooperao, no augura nada de bom. No entanto, a situao actual no irremedivel e cabe comunidade cientfica produzir conhecimentos que contribuam para inverter esta tendncia. Foi com este intuito que procurmos reunir contribuies de variados autores acerca deste tema. Os artigos aqui reunidos no pretendem oferecer uma viso exaustiva da disciplina, mas apenas uma perspectiva do estado actual das pesquisas na rea da psicodinmica e psicopatologia do trabalho. Desta forma, as contribuies dos diversos autores que participaram neste nmero tm em comum um interesse partilhado pelo estudo da relao entre sade e trabalho, mas na sua maioria abordam temas diferentes e utilizam material emprico proveniente de sectores profissionais distintos. O texto introdutrio de Christophe Dejours, para alm de descrever o itinerrio histrico da psicodinmica do trabalho enquanto disciplina, expe igualmente de forma precisa as questes tericas e prticas que enfrentamos actualmente nesta rea da clnica do trabalho. Para que haja uma reduo do sofrimento no trabalho e das patologias laborais, a produo de conhecimentos no basta. necessrio desenvolver por igual uma teoria da aco que permita uma transformao racional da organizao do trabalho. O primeiro artigo deste dossier temtico, da autoria de Leda Leal Ferreira, d visibilidade a uma dimenso fulcral em psicodinmica do trabalho o afastamento entre trabalho prescrito e trabalho real. neste afastamento que pode estar a fonte de sade ou de sofrimento dependendo do grau de flexibilizao potencial da organizao do trabalho. A psicodinmica do trabalho insiste no facto de que este afastamento mobiliza a subjectividade de cada sujeito na construo da organizao do trabalho e sobretudo no facto de, em contrapartida a esta contribuio na organizao, o sujeito esperar uma retribuio de cariz simblico que assenta no reconhecimento, no tanto da pessoa mas sobretudo do que a pessoa faz. Na verdade concluso deste estudo o valor do conhecimento e compreenso do trabalho real face justa determinao do nmero de trabalhadores em con-
traponto ao estipulado pela concepo do trabalho pela chefia em geral simplificado e subestimada. As contribuies respectivas de Seiji Uchida, Laerte Szelwar, Juliana Barros & Selma Lancman e de Marina Segnini & Selma Lancman, propem uma anlise da construo de estratgias de defesa contra o sofrimento no trabalho e evidenciam aspectos menos visveis das relaes de trabalho. Baseados em pesquisas empricas que realam as vivncias dos trabalhadores de um Centro de Ateno Psicossocial e dos trabalhadores de dana respectivamente, os autores estudam a consequente relao entre sofrimento e prazer e as estratgias desenvolvidas para obter resultados, identificando os factores crticos e as formas de os ultrapassar. Ambos os artigos do conta da maneira como os trabalhadores mobilizam as suas subjectividades para enfrentar o sofrimento no trabalho construindo estratgias de defesa que movimentam a inteligncia individual e colectiva na experincia concreta de trabalho a partir da criao de espaos colectivos de discusso. A pesquisa com trabalhadores de um Centro de Ateno Psicossocial evidencia um paradigma de gesto favorecedor da construo da identidade e consequentemente da sade dos que l trabalham. As carncias e dificuldades que possam existir na equipe de trabalhadores deste Centro so compensados e protegidos psiquicamente pela cooperao e solidariedade da equipe onde acontecem os julgamento de utilidade e de beleza, isto , testemunham a utilidade econmica, social ou tcnica do trabalho e do conta do respeito do trabalho pelas regras do ofcio considerando os constrangimentos da situao respectivamente. No texto de Segnini & Lancman sobressai a relao entre o trabalhador bailarino e a organizao do trabalho em dana e consequentemente claro que tambm esta organizao de trabalho gera constrangimentos e conflitos e conduz os trabalhadores a construrem mecanismos de defesa para conseguirem continuar a trabalhar sem adoecer. Mas a pesquisa d conta da no existncia de cooperao nos trabalhadores e pelo contrrio aponta a competio imposta como fragilizadora do colectivo de trabalho e por conseguinte levando a um sofrimento individualizado e desprotegido. Por seu lado, o estudo de caso proposto por Marisa Ridgway aborda uma questo relativamente nova em psicodinmica do trabalho e que tm merecido particular interesse ultimamente: o trabalho dos dirigentes ou quadros superiores. Atravs do estudo de um aspecto do trabalho do dirigente, a apresentao de si, Ridgway pretende demonstrar de que forma o modelo terico da psicodinmica do trabalho permite uma melhor compreenso do trabalho concreto dos dirigentes de empresa, oferecendo desta forma recursos para a anlise do aparecimento de manifestaes de sofrimento ou de prazer neste contexto.
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Apresentao do dossier Clara de Arajo & Duarte Rolo
O artigo de Valrie Ganem baseia-se num relato da sua experincia de terreno enquanto interveniente em contextos profissionais variados. Para alm de nos propor uma ilustrao das dificuldades e obstculos que devem enfrentar os psiclogos quando intervm nas organizaes, ou administraes, permite igualmente discutir a pertinncia do modelo metodolgico desenvolvido em psicodinmica do trabalho, tendo em conta a natureza e objectivo das intervenes de terreno nesta disciplina. Por fim, escolhemos igualmente publicar neste nmero outro texto da autoria de Christophe Dejours, publicado pela primeira vez aquando da inaugurao da Revista Travailler, revista que constitui desde 1998 o principal suporte de divulgao dos trabalhos desenvolvidos na rea da psicodinmica e psicopatologia do trabalho. Este texto foi escolhido no apenas pela sua importncia histrica, mas igualmente porque constitui um texto fundamental em psicodinmica do trabalho, na medida em que apresenta as principais ideias que constituem a base da disciplina e a dmarche que caracteriza a psicodinmica do trabalho. Pese embora o desenvolvimento desta disciplina seja ainda incipiente em alguns pases, e nomeadamente em Portugal, esperamos com este nmero da revista Laboreal contribuir para uma maior visibilidade destas questes e suscitar o interesse pelo estudo da sade no trabalho. Embora muito fique ainda por fazer, esperamos que esta contribuio possa constituir um primeiro passo nesse sentido.
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presentacin del Dossier temtico: la psicodinmica y la sicopatologa del trabajo
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prsentation du Dossier thmatique : psychodynamique et psychopathologie du travail
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thematic Dossiers presentation: psychodynamics and psychopathology of work
Como referenciar este artigo? ARAJO, C. & ROLO, D. (2011). Apresentao do Dossier temtico: Psicodinmica e Psicopatologia do trabalho. Laboreal, 7, (1), 10-12. http://laboreal.up.pt/revista/artigo.php?id=48u56o tV6582235338944745462
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teXto introDutor
Psicopatologia do trabalho - Psicodinmica do trabalho
Christophe Dejours
Conservatoire National des Arts et Mtiers 41, Rue Gay-Lussac 75005 Paris, France christophe-dejours@cnam.fr
A traduo deste texto para portugus foi realizada por Duarte Rolo
Embora as primeiras questes a propsito da relao entre trabalho e sade mental, em Frana, tenham surgido entre as duas grandes guerras, foi apenas a partir do fim da Segunda Guerra Mundial que a investigao clnica em psicopatologia do trabalho comeou verdadeiramente (Billiard, 2011). Numa primeira fase, estes estudos procuravam identificar patologias mentais especficas de certos tipos de trabalho (tais como a neurose das telefonistas descrita por J. Bgoin em 1957), mas foi necessrio admitir que no existe nenhum sndroma psicopatolgico exclusivamente produzido pelos constrangimentos do trabalho, contrariamente ao que pode acontecer com algumas doenas fsicas devidas exclusivamente poluio do meio de trabalho (saturnismo relacionado com os vapores de chumbo, silicose dos mineiros de carvo,). tornou-se possvel estender a investigao clnica aps a identificao de um conflito especfico entre os constrangimentos provenientes da organizao do trabalho e o funcionamento psquico dos trabalhadores. Algumas formas de organizao do trabalho revelaram-se desta forma mais nocivas do que outras para o funcionamento psquico. Quando este conflito leva ao aparecimento de uma doena mental, a resistncia e as fragilidades da personalidade conferem descompensao a sua forma clnica definitiva. Deste modo, a configurao sintomtica (passagem ao acto, depresso, baforada delirante, neurose traumtica) reflecte mais as caractersticas idiossincrsicas do paciente do que a natureza dos constrangimentos organizacionais em causa no desencadeamento da crise psicopatolgica. A montante da descompensao, a normalidade representa o resultado de um compromisso, de uma luta entre o sofrimento provocado pelos constrangimentos organizacionais e as estratgias de defesa inventadas pelos trabalhadores para conter esse sofrimento e evitar a descompensao. Mas tais estratgias de defesa, estritamente ajustadas aos constrangimentos exercidos pela organizao do trabalho sobre o funcionamento psquico, tm a marca especfica e reconhecvel da organizao do trabalho em causa. Podemos assim descrever estratgias individuais e colectivas cuja riqueza e diversidade constituem a matria-prima
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Psicopatologia do trabalho - Psicodinmica do trabalho Christophe Dejours
de uma clnica apelidada de clnica do trabalho. Mas o trabalho no gera unicamente sofrimento psquico ou doenas mentais. Pode, dentro de certas formas de organizao do trabalho, tornar-se num mediador importante da gnese do prazer no trabalho e da construo da sade mental. Ou, dizendo de outra forma, o trabalho nunca neutro relativamente sade mental. Pode gerar aquilo que h de pior, como o suicdio ou a crise clstica, mas tambm aquilo que existe de melhor: a realizao pessoal atravs do trabalho, a sublimao, a contribuio para as obras da cultura e da civilizao. A tarefa incumbente clnica do trabalho consiste em fornecer uma anlise das condies que fazem oscilar a relao subjectiva com o trabalho no sentido da patologia ou, ao invs, da conquista da identidade. Desde logo, a psicopatologia do trabalho, ou seja a anlise das descompensaes psicopatolgicas ocasionadas pelo trabalho, constitui apenas um captulo especfico da clnica do trabalho. Foi essencialmente esta razo que levou alterao do nome da disciplina. A denominao "psicodinmica do trabalho" dada disciplina no incio dos anos 1990 contm trs dimenses: A primeira implica uma expanso do campo da clnica do trabalho da qual acabmos de falar. A segunda refere-se a uma teoria e a uma prtica especficas. A teoria em questo tem vindo a ser progressivamente elaborada a partir de 1980, graas a um trabalho de investigao interdisciplinar ininterrupto. Desde o prncipio deste trabalho trs disciplinas foram chamadas a dialogar:
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A psicologia: tendo por ponto fulcral a teoria psicanaltica do sujeito fundada sobre a metapsicologia de S. Freud e a teoria da seduo de J. Laplanche. A sociologia: tendo por ponto fulcral a sociologia da tica fundada sobre a abordagem compreensiva de W. Dilthey, M. Weber e A. Schtz. As cincias do trabalho: tendo por ponto fulcral a ergonomia francfona de A. Ombredane, J.M. Faverge e A. Wisner.
A terceira diz respeito ao mtodo de investigao cujo objectivo a anlise do trabalho psquico imposto ao sujeito pelo conflito entre os constrangimentos da organizao do trabalho e os prprios constrangimentos do psiquismo, tendo por objectivo evitar o risco de destabilizao da identidade. O termo de "psicodinmica" reflecte especificamente a prioridade dada, no processo de anlise, ao conflito psquico e aos seus destinos.
Mas a psicodinmica do trabalho no representa um tipo de investigao exclusivamente orientada para a produo de
conhecimentos cientficos. Encontra-se igualmente implicada na aco pois no h investigao possvel sem que haja um pedido emitido por um paciente, um trabalhador, um colectivo de trabalho, ou uma instituio como seja uma comisso de sade, higiene e segurana no trabalho; um servio de sade no trabalho; um sindicato; uma empresa; uma administrao A aco, indissocivel do processo de produo do conhecimento, suscita em retorno investigaes tericas e confrontos interdisciplinares sobre o tema da teoria da aco. Desta feita, desenvolveram-se novos confrontos interdisciplinares, com a teoria crtica e os filsofos da Escola de Frankfurt (A. honneth, E. Renault, J.P. Deranty), com a fenomenologia, e em particular com a fenomenologia da vida (M. henry). Actualmente, o debate prossegue com investigadores provenientes de diversas disciplinas: no s com a ergonomia e a medicina do trabalho, mas tambm com a psiquiatria, a psicanlise, a psicologia, a psicologia social, a antropologia, a sociologia, a histria, a lingustica, a economia, a tecnologia, a engenharia (Dejours, 1987). Desde os anos 70, quando a psicodinmica do trabalho dava os primeiros passos no laboratrio de ergonomia de Alain Wisner, no CNAM em Paris, a organizao do trabalho atravessou diversos momentos de mutao (reestruturao das tarefas industriais, modelo japons, modelo gestionrio, novas tecnologias e tcnicas de informao e de comunicao, crescimento da economia das actividades de servio). Nesse contexto, os trabalhadores tentaram elaborar estratgias de defesa face ao sofrimento provocado pelas novas imposies organizacionais, com maior o menor sucesso. As patologias relacionadas com o trabalho aumentaram de forma constante, ao mesmo tempo que apareceram novas patologias, o que leva a pensar que as defesas que referimos no foram suficientemente eficazes. A partir da segunda metade dos anos 90, as tentativas de suicdio e os suicdios multiplicaram-se nos locais de trabalho, no s em Frana, como tambm no Japo ou na China Embora haja um aumento global da riqueza nestes pases, observamos um aumento da violncia no seio das nossas sociedades, acompanhado por uma cronicidade crescente do desemprego e por um agravamento da pobreza. De forma paradoxal, ao aumento da riqueza corresponde ao mesmo tempo um aumento do sofrimento e das patologias. Como explicar que tanto homens como mulheres continuem a participar numa transformao do mundo e da organizao do trabalho que tende a voltar-se contra eles prprios e ameaa porventura o ser genrico do homem? No contexto actual, assistimos ao retorno da questo da alienao, abordada mltiplas vezes desde o fim do sculo XVIII. Podero as pesquisas clnicas em psicodinmica do trabalho contribuir para a anlise desta mudana significativa do devir da condio do homem moderno? No final dos anos
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90, a psicodinmica do trabalho iniciou o debate sobre o papel do trabalho na gnese das novas formas de servido voluntria e acerca da sua responsabilidade na deteriorao da sade mental no trabalho. Esta anlise gerou controvrsias cujas consequncias se manifestam hoje no seio das organizaes sindicais e no espao pblico. No entanto, este debate no se restringe unicamente a Frana, onde os meios de comunicao, o cinema, os documentrios, o teatrolhe conferiram nos ltimos anos uma difuso particularmente importante. Decorrem actualmente estudos em vrios pases, na Amrica do Norte, nomeadamente no Canad; na Amrica do Sul, nomeadamente no Brasil; na Europa, nomeadamente na Blgica, na Sua, na Alemanha; na sia, nomeadamente no Japo e em taiwan; na Austrlia. Mas, para alm de iniciar debates com outras disciplinas, a psicodinmica do trabalho tambm provoca controvrsias na prpria rea da clnica. Com efeito, em grande parte dos pases e organizaes internacionais, o estudo da relao entre trabalho e sade mental essencialmente dominado pela temtica do stress, pelos inquritos quantitativos, estatsticos e epidemiolgicos. Para l das diferenas fundamentais que existem entre os fundamentos cientficos (no que diz respeito teoria do sujeito, teoria social e teoria do trabalho) que opem os modelos do stress e a psicodinmica do trabalho, devemos ainda considerar as implicaes prticas de tais diferenas. As aces que adoptam por referncia a teoria do stress traduzem-se essencialmente por recomendaes relativas gesto individual do stress. De uma forma geral, no pem em causa a organizao do trabalho e limitam-se portanto a um "tratamento sintomtico". Ao invs, qualquer aco que tenha por referncia a psicodinmica do trabalho, procura elaborar os requisitos de uma interveno que no vise apenas os indivduos, mas que procure igualmente a transformao da organizao do trabalho. O objectivo desde logo a concepo de um "tratamento etiolgico" do sofrimento e das patologias mentais engendradas pelo trabalho. Este tipo de orientao levou os investigadores em psicodinmica do trabalho a chamarem a ateno para o trabalho colectivo e para a questo das possibilidades de cooperao. Efectivamente, as investigaes em psicodinmica do trabalho dos ltimos dez anos demonstram que a introduo e rpida generalizao dos novos mtodos de avaliao individual do desempenho levada a cabo pelas cincias da gesto tem um papel de primeiro plano na destruio das possibilidades de trabalho colectivo, de cooperao e de solidariedade. Sendo assim, estes mtodos de organizao do trabalho esto implicados nos processos de servido voluntria e de deteriorao da sade mental no trabalho. No lugar da entreajuda e da solidariedade, a solido e o medo invadem o mundo do trabalho. Face dominao, injustia, ao assdio,
ameaa de despedimento, cada qual se encontra doravante sozinho. A glorificao do desempenho individual, ao desestruturar as solidariedades, atinge um dos garantes fundamentais da sade mental no trabalho. Para recuperar aquilo que foi destrudo no decorrer desta evoluo nefasta, necessria uma transformao da organizao do trabalho que restabelea as condies necessrias para a cooperao. De facto, a psicodinmica do trabalho demonstra que a cooperao no se pode dissociar de uma actividade de produo de regras de trabalho e que tais regras de trabalho so igual e invariavelmente regras de savoir-vivre, de convivncia e de vida em conjunto. O trabalho no produz aquilo que temos de melhor ou de pior unicamente a nvel individual. Pode tambm gerar aquilo que h de melhor a nvel colectivo ou seja, a concrdia e o "vivre-ensemble" [1], tal como pode provocar o pior, ou seja, a solido e at a desolao a desconfiana, o medo e a instrumentalizao dos seres humanos que pode chegar ao extremo de levar alguns de entre ns a matarem-se na presena dos prprios colegas. O tratamento "etiolgico" do sofrimento no trabalho pressupe que nos apoiemos numa teoria e numa prtica da reconstruo do trabalho colectivo e do vivre-ensemble. Esta teoria no pode ser elaborada a partir de estudos quantitativos sobre o stress e a epidemiologia. Numa outra dimenso da clnica, que se refere ao tratamento dos doentes que sofrem de patologias laborais, os princpios do cuidar sero diferentes consoante nos referirmos s teorias do stress ou psicodinmica do trabalho. portanto em ambas as dimenses da aco, individual e colectivamente, que a psicodinmica e as teorias do stress tomam caminhos diferentes. Os artigos apresentados neste volume da revista Laboreal daro ao leitor uma ideia do campo que se abre para a investigao cientfica e para a aco na rea da clnica e da psicodinmica do trabalho.
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Notas [1] Nota do tradutor: literalmente viver em conjunto.
es
texto introductorio: psicopatologa del trabajo psicodinmica del trabajo
Referncias bibliogrficas
fr
BILLIARD, I. (2011). Sant mentale et travail: Lmergence de la psychopathologie du travail. La Dispute. DEjoURS, C. (1987). Plaisir et souffrance dans le travail: Sminaire interdisciplinaire de psychopathologie du travail. Paris: Centre National de la Recherche Scientifique.
texte dintroduction : psychopathologie du travail psychodynamique du travail
en
introductory text: psychopathology of work psychodynamics of work
Como referenciar este artigo? DEJOURS, C. (2011). Psicopatologia do trabalho Psicodinmica do trabalho. Laboreal, 7, (1), 13-16. http://laboreal.up.pt/revista/artigo.php?id=37t45n SU5471124227833834371
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arQueoloGia Do ConheCimento
Uma luta pelo reconhecimento do trabalho contra a poltica de reduo de pessoal
leda leal ferreira
Fundacentro - Ministrio do Trabalho e Emprego Rua Capote Valente,710 So Paulo, SP Brasil leda@fundacentro.gov.br
introduo
Este texto pretende revisitar um estudo realizado no incio da dcada de 1990 numa refinaria de petrleo, no Brasil (Ferreira, Iguti & Jackson, 1991). Seu motivo foi a resistncia de operadores de uma unidade de processo [1] da refinaria poltica de reduo de pessoal que a empresa comeava a aplicar e foi o primeiro de uma srie de outros que se desenvolveram por mais de uma dcada, sempre sobre o mesmo assunto e na rea do petrleo [2] e dos quais participei, com diferentes status (Ferreira, Iguti, Donatelli, Duarte & Bussacos, 1997; Ferreira, Iguti & Bussacos, 1998, 1999, 2000a e 2000b). Sem canais de negociao com a empresa, os operadores no hesitaram em explicitar a sua posio atravs da imprensa local, onde alertavam a populao vizinha sobre os riscos que corria pela diminuio de pessoal. Com isto, sensibilizaram autoridades, entre elas o Ministrio Pblico [3], que nos solicitou um estudo para dimensionamento do nmero de operadores atravs do estudo de "tempos e movimentos. No conhecamos refinarias e nunca tnhamos realizado nenhum dimensionamento de pessoal. Alm do mais, o mtodo de "tempos e movimentos" no fazia parte (e ainda no faz), de nossas ferramentas de trabalho. Mesmo assim o assunto nos interessou e, inspirados na Anlise Ergonmica do trabalho [4], propusemos ao Ministrio Pblico proceder a uma anlise do trabalho destes operadores e a uma avaliao de sua carga de trabalho. Assim, dizamos ns, poderamos oferecer subsdios para a definio do nmero de pessoas necessrias para a operao. Nossos termos foram aceites e o estudo se iniciou. Depois de sete meses, nos quais fizemos vrias observaes sobre o trabalho realizado (em diferentes horrios, realizando diferentes tarefas e em diferentes situaes), alm de analisar vrios tipos de materiais (documentos tcnicos sobre o funcionamento da unidade, documentos sobre a segurana da unidade, documentos administrativos sobre a alocao de pessoal e sobre o perfil dos operadores) e de entrevistar vrias pessoas, de vrios nveis hierrquicos, conclumos que a nica justificativa da empresa para a reduo do seu efetivo ope-
Resumen El texto busca analizar algunos resultados de un estudio desarrollado por la autora hace veinte aos, a la luz del concepto de "reconocimiento del trabajo, tal cual lo presenta la Psicodinmica del Trabajo. La investigacin fue la primera de una serie de otros estudios realizados los quince aos siguientes, siempre concernientes a la lucha de trabajadores petroleros brasileos contra la poltica de "recorte de personal" (enxugamento de pessoal, segn la traduccin brasilea de downsizing), aplicada por la direccin de la empresa en los aos 90, en el marco de las polticas llamadas de reestructuracin productiva, que invadieron las empresas brasileas y mundiales, de modo particular el sector petrolero. Palabras clave trabajo, petrleo, recorte de personal, reconocimiento del trabajo, psicodinmica del trabajo.
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Uma luta pelo reconhecimento do trabalho contra a poltica de reduo de pessoal Leda Leal Ferreira
racional era a diminuio de custos: embora ela alegasse melhorias tecnolgicas, no foi o que observamos. tendo em vista a natureza perigosa e complexa do trabalho realizado, nos pareceu injustificvel diminuir o nmero de operadores, uma vez que isto significava sobrecarga de trabalho e consequente aumento do risco. Nossa concluso ensejou uma ao civil pblica que culminou na condenao da empresa em aumentar o nmero de seus operadores [5]. No entanto, a mesma recorreu da sentena e foi apenas depois de muitas lutas em vrias unidades operacionais da empresa por todo o pas que, com a mudana do governo federal e da direo da empresa, em 2003, a poltica de reduo de efetivos comeou a mudar, com a realizao de concursos pblicos para a contratao de novos operadores [6]. Neste texto, meu propsito tentar interpretar o conflito entre operadores e empresa como uma espcie de luta pelo reconhecimento do seu trabalho. Como se sabe, o reconhecimento do trabalho um conceito fundamental da psicodinmica do trabalho, tema deste nmero especial da Laboreal. Acredito que, o fazendo, no estou a diminuir a importncia poltica do conflito nem seu carter de luta contra a intensificao do trabalho (Ferreira, 2000); estou apenas procurando iluminar uma de suas facetas. Na primeira parte, vou descrever alguns aspectos do desenvolvimento do estudo para, posteriormente, tentar interpretar alguns de seus resultados luz do conceito de reconhecimento do trabalho, conforme o mesmo est sendo desenvolvido por Dejours (1993, 2007 e 2009).
primeiras impresses em uma refinaria

Era a primeira vez que eu estava entrando numa refinaria de petrleo. Do primeiro contato com a direo me lembro apenas da tentativa do Superintendente de desqualificar o assunto, minimizando sua importncia e atribuindo-o apenas a "reivindicaes sindicais de carter poltico. Foi nesta ocasio que, tambm pela primeira vez, ouvi a expresso "enxugamento de pessoal: a unidade (e a refinaria) estaria com um nmero de operadores muito superior ao das refinarias norte-americanas, tidas como exemplo de eficincia e modernizao, porque vinha trabalhando com mais operadores do que necessrio. A reduo, portanto, era necessria para se "cortar gorduras, uma vez que "como j estava demonstrado internacionalmente, segurana era sinnimo de efetivos reduzidos. Com estas declaraes, o carter poltico do conflito ficava imediatamente visvel. Aps apresentar minhas credenciais, informei que o estudo seria realizado por uma equipe de tcnicos [7], sob minha coordenao e que passaramos uma boa temporada ali, necessitando ter acesso a alguns documentos e aos locais de trabalho.
Em seguida, fomos conhecer a "unidade" que era motivo da nossa presena. Para chegar at l precisamos de um carro porque a distncia era grande. No caminho, a impresso era a de um local deserto: s vamos tubulaes e, de quando em quando, aglomerados de equipamentos gigantescos: tanques, esferas, torres, chamins. Aqui e ali, nuvens de fumaas brancas pareciam sair do solo e chamas tremulavam no alto de imensas estruturas metlicas. Ao chegar unidade, logo nos explicaram que ela tinha dois espaos: a "sala de controle" e o "campo" ou a "rea. A primeira ficava numa construo de alvenaria com vrios compartimentos (como vestirios, refeitrio e banheiros). Da sua grande janela vidrada, podamos ver grande parte dos equipamentos do campo, que ocupavam uma extensa rea de mais de 70 mil metros quadrados. A sala de controle assim se chamava porque era de l que se controlava o processo, isto , o conjunto das transformaes pelas quais as matrias primas passavam para a fabricao dos produtos derivados de petrleo que a unidade produzia e que ocorriam "no campo, dentro de numerosos, volumosos e variados equipamentos: um conjunto de torres; vasos e bombas interligados entre si e a um sistema de tochas; trocadores de calor; um sistema de resfriamento; um sistema de tratamento de gua; fornos e um parque de armazenamento de produtos. A sala era ocupada por um grande painel analgico [8]. Centenas de informaes, referentes a registros de temperaturas, presses, volumes e fluxos de vrias partes do que acontecia com os produtos dentro dos equipamentos l fora, estavam ali. tambm estavam ali alguns dispositivos a partir dos quais se podia interferir distncia no processo, fechando ou abrindo algumas vlvulas ou acionando alguns comandos; e uma grande quantidade de alarmes visuais e sonoros - para avisar a todos sobre o que no estava dando certo. primeira impresso, tudo parecia extremamente moderno e altamente automatizado. A sala nunca ficava vazia. havia sempre pelo menos trs operadores ali [9] e os demais, quando iam ou voltavam do campo, sempre passavam por ela, assim como o faziam operadores de outras unidades, da manuteno e a hierarquia do setor. Seu funcionamento era contnuo. Dia e noite, durante todos os dias do ano, operadores se revezavam no servio porque a unidade no podia parar de produzir [10].
Compreender o processo e o trabalho dos operadores

Nosso primeiro contato com os operadores, quando chegamos sala de controle, foi lhes explicar quem ramos. Dissemos que estvamos ali por solicitao do Ministrio Pblico para fazer um estudo e que deveramos fazer uma srie de observaes sobre o trabalho deles, acompanhan-
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do-os em vrias situaes, em diversos dias e em diferentes horrios e turnos e conversando com eles, alm de ter acesso a documentos de trabalho. A reao deles foi um misto de curiosidade e descrena, de incmodo e alvio. Afinal, se por um lado o estudo lhes interessava, por outro nossa presena realimentava uma situao extremamente desconfortvel: o conflito com a direo. Alm do mais, ramos totalmente desconhecidos: entenderamos realmente o problema? O que faramos ali? Os resultados de nosso trabalho iriam ajud-los ou, ao contrrio, prejudic-los? [11]. E nossa presena, como toda presena externa em uma situao de trabalho, poderia atrapalhar sua atividade. Assim, foi com uma natural desconfiana que os operadores nos receberam. Foi s na medida em que eles comearam a nos conhecer melhor que foram escasseando os "testes" que nos fizeram passar, levando-nos para longas e cansativas caminhadas no campo, forando-nos a subir e descer escadas que nos levavam a alturas elevadas, verificando nossas reaes ao sermos obrigados a vestir alguns pesados e desconfortveis equipamentos de proteo individual, testando nossa compreenso durante as explicaes que nos davam em resposta s nossas questes sobre o funcionamento de um equipamento, o significado de uma ao, o sentido de uma palavra, em nossas tentativas de compreender o processo. Para ns, compreender o processo era fundamental para compreender a funo dos operadores no seu controle, isto , o trabalho deles. Por isso, alm de observ-los trabalhando e falar com eles, estudamos uma srie de documentos internos e externos da refinaria. tudo indicava o seu risco e a sua complexidade. Risco pela natureza e a grande quantidade de produtos utilizados, explosivos, inflamveis e/ou txicos, submetidos a condies anormais de temperatura e presso. Complexidade pela grande quantidade de variveis que interagiam, adquirindo, a cada momento, uma nova configurao e representando assim "acontecimentos" diferentes e muitas vezes, imprevisveis. Compreendemos que o trabalho dos operadores consistia em controlar o risco para produzir o produto final. Ou seja, controlar o risco no era uma tarefa secundria; era o pano de fundo de seu trabalho e estava, explcita ou implicitamente, permeando todas as atividades. Alm disso, a anlise nos ensinou que o controle do processo e do risco era um trabalho coletivo. Por diversas vezes, pensei em um jogo de futebol para explicar o trabalho dos operadores. Em uma unidade de processo, como numa partida de futebol, o resultado do trabalho fruto no de uma pessoa, mas de uma equipe na qual cada um tem uma funo diferente, mas complementar, dos outros e na qual ocorrem vrios tipos de interaes, sequenciais ou simultneas. Na unidade em questo, os operadores (seis por turno, equivalentes ao "nmero mnimo" [12]) se alternavam entre os que ficavam dentro e fora da sala de controle, segundo
uma tabela de rodzio que eles prprios tinham elaborado. Quem ficava na sala era responsvel pela vigilncia dos painis de controle. Pelo menos duas pessoas o faziam: uma era responsvel por uma parte do processo e a outra, pela outra. Quem ia para a rea, deveria seguir uma "rotina, que inclua vrias operaes como o exame dos equipamentos, a execuo ou o acompanhamento de uma manobra, a leitura de alguns indicadores, etc. O importante, porm, era que estes dois tipos de atividades se complementassem de modo que a unidade funcionasse e produzisse normalmente. Por isso, era importante que cada um conhecesse bem o que deveria fazer e, principalmente, acompanhasse o que estava acontecendo no processo. toda vez que os operadores de campo voltavam da rea e entravam na sala de controle, davam uma olhada no painel de onde tiravam muitas informaes importantes. Para conseguir faz-lo, era importante que tivessem um bom conhecimento da unidade e de seu funcionamento. O rodzio entre "campo" e "painel" era um mecanismo para garantir esse conhecimento. Cada instrumento no painel correspondia a uma parte do processo real que acontecia l fora e era preciso que o operador fizesse essa correspondncia, visualizando-a "na sua imaginao, como nos explicaram." Apertar um boto para abrir ou fechar uma vlvula todo mundo sabe. O problema apertar o boto da vlvula certa no momento certo "diziam" e "saber todas as implicaes" deste ato aparentemente to simples. Esta era uma grande preocupao para eles, pois quanto melhor fosse seu conhecimento geral do processo, melhor poderiam atuar e melhor poderiam controlar o risco. Devido ao elevado grau de complexidade do processo, para bem conhec-lo os operadores estimavam serem necessrios vrios anos de prtica e de estudos tericos (um operador nos mostrou todas as anotaes que fizera, ao longo de seus vinte anos de trabalho, a respeito dos "alinhamentos" do sistema, isto , do caminho que os produtos percorriam pelas tubulaes, para estud-los e no esquec-los). Alm disso, o controle do processo exigia um grau de ateno constante. A qualquer momento, podia ocorrer uma variao que exigisse uma providncia rpida, quase instantnea, para se evitar uma ocorrncia anormal ou at uma catstrofe. Bons operadores eram aqueles que, alm de conhecer bem o processo, o sentiam. Eles viam uma fumaa diferente, sentiam um odor estranho, percebiam uma vibrao nova, escutavam um barulho peculiar, visualizavam a posio de uma vlvula e j sabiam o que estava certo ou errado. Estas informaes "corporais" eram to importantes como os registros formais e a eles eram integradas para que cada um tivesse, continuamente, uma boa representao do que estava acontecendo. Seu trabalho era um constante resolver problemas. todas as vezes que algo anormal acontecia (o que era freqente), era preciso entender suas causas e suas conseqncias
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para poder atuar bem e no momento certo. Nessas situaes, as conversas entre vrios operadores se adensavam, sempre em linguagem operacional (levamos vrios meses para compreender um pouco melhor esta linguagem). Era a partir desta troca de informaes que muitos problemas eram resolvidos, evitando perdas de produtos ou situaes perigosas.
Quando o nmero de operadores diminui

Retomando a comparao esportiva, podemos dizer que a ausncia de uma ou mais pessoas na equipe, alm de sobrecarregar as demais, modifica a posio de todos e de cada um. No futebol, um time desfalcado pode at vencer uma partida, mas dificilmente consegue ganhar um campeonato jogando sistematicamente com menos de onze jogadores em cada jogo. Na refinaria, a diminuio do nmero de operadores estava obrigando a um remanejamento do servio de cada um e de todos os operadores que restavam para dar conta do trabalho que no era feito por aqueles que no estavam mais l. Com vrios efeitos negativos. Com menos pessoas, as conversas entre os operadores rareavam e eles no podiam mais "perder tempo" com a rotina. Ora uma rotina bem feita era uma condio necessria para se atualizar o grau de conhecimento do estado do processo e dos equipamentos. A sobrecarga de trabalho era visvel porque o perigo e a complexidade do processo no permitiam que se deixasse de fazer determinadas operaes. Ao mesmo tempo, a impossibilidade de fazer tudo o que se fazia antes, obrigava-os a priorizar o que fazer entre vrias coisas importantes, criando situaes verdadeiramente conflituosas, psicolgica e moralmente. No entanto, estes problemas pareciam no ser considerados pela hierarquia. A concepo do trabalho dos operadores como sendo perigoso, complexo e coletivo [13] no era compartilhada por ela, que tinha a tendncia de consider-lo bem mais simples. No de se estranhar, portanto, que os trabalhadores se indignassem com algumas manifestaes de menosprezo pela sua atividade: um operador nos mostrou um bilhete de um chefe, guardado h anos, que dizia: operador no deve pensar.
Duas concepes diferentes sobre o trabalho dos operadores

A refinaria ganha quando o operador est parado, mas engenheiro [14] detesta ver operador parado. Esta frase reflete bem um dos problemas que logo identificamos: a diferena entre a concepo que a chefia tinha do trabalho dos operadores e a que eles prprios tinham. Por que a refinaria ga-
nharia com o operador parado? Porque isto significaria que o processo estaria andando sem problemas que necessitassem de alguma interveno deste operador. O operador poderia ficar sentado, parado, observando o seu funcionamento atravs das indicaes do painel. No entanto, parado no significa ausente: pelo contrrio, significa que o operador, atento ao que est acontecendo, sabe que no tem que atuar naquele momento. E por que o engenheiro detestaria ver operador parado? Porque acharia que ele estaria ocioso, o que um dos maiores "pecados" que os trabalhadores podem cometer no mundo do trabalho. Em vrias situaes, vimos chefias incomodadas com a aparente ociosidade dos operadores quando estavam diante dos painis, como se a nica coisa que pudesse comprovar o seu trabalho fosse a sua movimentao fsica. De um modo geral, as direes creditam tecnologia um poder que apenas os operadores possuem: a capacidade de pensar e resolver problemas, inclusive aqueles gerados por falhas na tecnologia. Por isso, muitas vezes, nos disseram que o trabalho dos operadores era s (sic) vigiar o painel do controle, ignorando as limitaes na automao da unidade, o carter complexo e imprevisvel do funcionamento do processo e as prprias falhas da tecnologia: observamos inmeras ocasies nas quais os operadores, frente a indicaes no painel, se perguntavam se elas seriam reais ou apenas fruto de defeitos nos instrumentos de medies, sem contar as possibilidades de paradas de emergncia, por exemplo, por falta de energia, que obrigavam os operadores a retomar o processo em "modo manual. Estas diferenas entre as concepes das chefias e a dos operadores sobre o trabalho dos mesmos eram visveis em vrios aspectos, como j mostramos (Ferreira, 1996): enquanto a direo considerava os riscos sob controle desde que as normas de segurana fossem respeitadas, os operadores diziam que os riscos podiam fugir ao controle, mesmo que as normas de segurana fossem respeitadas. Enquanto a direo considerava o funcionamento do dispositivo tecnolgico normalizado e com poucas alteraes, os operadores diziam o contrrio. Enquanto para a direo os operadores tinham poucas tarefas, todas relativamente simples, os operadores afirmavam que tinham muitas tarefas diferentes, algumas de alta complexidade. Enquanto para a direo a alocao das tarefas entre os operadores era bem delimitada, para os prprios operadores esta delimitao nunca era to ntida. Enquanto, para a direo, os modos operatrios eram fixos e repetitivos, para os operadores eles eram variveis e heursticos porque deveriam corresponder s situaes reais do sistema. Enquanto para a chefia havia um predomnio de tarefas de simples vigilncia, para os operadores o importante eram as tarefas de planejamento e de pronta interveno. A direo tambm no levava em considerao as variaes do estado dos operadores em funo das mudanas de horrio devidas ao sistema
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de turnos alternantes; j os operadores, sabiam como seu estado era alterado fsica e mentalmente em funo das trocas de horrios. Para a direo a gesto da unidade deveria ser baseada na hierarquia, com valorizao do desempenho individual; para os operadores, a gesto do trabalho na unidade era um processo coletivo e, portanto, a experincia prtica coletiva deveria ser valorizada. Enfim, se para a direo o trabalho da equipe era considerado o "somatrio" de trabalhos individuais, para os operadores o trabalho da equipe era o resultado de uma "integral" dos trabalhos individuais. Dizendo em outras palavras, para as chefias o trabalho dos operadores era um problema; para os operadores, a soluo dos problemas. Como sintetizou mais tarde um operador experiente (Cequinel, 2003), na sua concepo de trabalho, as chefias confundiam o real com o ideal, o que era com o que gostariam que fosse, e, com este comportamento, desvalorizavam e simplificavam o trabalho dos operadores, fornecendo argumentos tcnicos ao processo poltico de reduo de efetivos ou downsizing.
Considerar trabalhadores como "gordura" a ser cortada extremamente pejorativo e d bem a idia do carter de desvalorizao do trabalhador e de seu trabalho. Presenciamos vrias manifestaes desta desvalorizao, relacionadas a diferentes aspectos: ao tipo de conhecimento dos operadores (no sabem nem fazer uma mdia ponderada); natureza de seu trabalho (s tm que vigiar os painis); ao emprego de seu tempo (ficam ociosos). Com esta desvalorizao, a hierarquia conseguia defender a diminuio do tempo de treinamento para ser operador e pregava a polivalncia entre vrios setores (Cequinel, 2003).
uma reunio de reconhecimento

Quando o estudo chegou ao fim, quisemos fazer uma reunio [17] para apresent-lo aos operadores de modo que os mesmos conhecessem o nosso trabalho e verificassem se no tnhamos nos enganado em algumas terminologias tcnicas e prprias do petrleo. A reunio deveria ser feita fora do local de trabalho e, por isso, alguns operadores nos propuseram a sede de um clube local. L chegando, no dia marcado, encontramos todos os operadores da unidade, com exceo dos que estavam naquele momento trabalhando na refinaria, o que era, no mnimo, uma demonstrao de interesse pelo nosso trabalho. Primeiro, lhes explicamos em linhas gerais nossas concluses e o propsito da reunio. Eles imediatamente se organizaram em trs grupos (cada grupo acompanhando um de ns, os trs pesquisadores) e verificaram todas as nossas dvidas tcnicas, corrigindo alguns pequenos erros que havamos cometido. Compreenderam, de imediato, alguns esquemas grficos que tnhamos feito para ilustrar seu trabalho, como os que representavam os longos percursos que faziam durante as rotinas de trabalho, caminhando dentro da unidade, e imediatamente descobriram algumas incoerncias dentro deles que ns, prontamente, corrigimos. Quando viram um esquema onde representvamos, num grfico, uma comparao entre o que a empresa considerava ser o seu trabalho e o que eles efetivamente faziam, que mostrava uma grande diferena (isto , que eles faziam muito mais coisas e coisas muito mais variadas do que as chefias previam), sua satisfao foi visvel: finalmente algum havia compreendido toda a complexidade e o perigo do trabalho que realizavam. Alguns chegaram mesmo a expressar o alvio que sentiam por ver que o que estavam tentando demonstrar quando denunciavam a diminuio de efetivos no era sinal de covardia ou de falta de vontade de trabalhar: pelo contrrio, demonstrava um sentimento de responsabilidade profissional com a produo e segurana e de indignao contra decises empresariais baseadas apenas em motivos econmicos. Seu trabalho tinha sido reconhecido por ns e, mais importante, este reconhecimento iria se tornar pblico.
a poltica de reduo de pessoal

Na linguagem empresarial, a reduo do nmero de trabalhadores expressa como "enxugamento de pessoal" ou "corte de gorduras" [15]. trata-se da verso brasileira do downsizing norte-americano ou do dgraissage francs, uma forma eufmica de falar sobre o corte de empregos, como dizia Wacquant: Le verbe to downsize est un terme technique qui provient de lindustrie automobile o Il designe la rduction de la taille des vhicules. Cest en 1982 que samorce son application aux employs plutt quaux produits dune firme. Depuis, les directeurs des ressources humaines ont innov un vaste lexique visant "adoucir" voire masquer smiotiquement les suppressions demplois. Dans lAmrique daujourdhui, notamment au sein des grandes compagnies, un salari nest point licenci, limog ou mis la porte, et encore moins vir; il est "spar, "dslectionn" ou "dsembauch, transitionn" ou "rduit, "non reallou" ou "dprogramm, "dlog" ou bien encore "non-renouvel" Quant lentreprise, elle se contente de procder un "recentrage du mix des qualifications, une "correction du dsquilibre de maindoeuvre" ou encore une "limination des redondances. Maints autres vocables diffcilement traduisibles, tels decruited, excessed, ou surplussed, expriment bien cette ide que les employs sont devenus une charge excdentaire, un poids mort, un fardeau inutile, bref une tare dont la firme a le droit mais aussi le devoir de se dlester prestement. (Wacquant,1996, p. 70) [16].
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o reconhecimento do trabalho na psicodinmica do trabalho

O conceito de reconhecimento do trabalho tem sido desenvolvido por Christophe Dejours desde, pelo menos, 1993, quando foi publicado um addendum terico chamado "Da psicopatologia do trabalho psicodinmica do trabalho" na segunda edio ampliada de seu primeiro livro, Travail usure mentale, essai de psychopathologie du travail, de 1980 (traduzido no Brasil, em 1987, como A loucura do trabalho). Foi nesse momento que o trabalho de Dejours deu uma importante guinada: ao invs da psicopatologia, o que passou a ser o foco das suas preocupaes foi a normalidade psquica: como era possvel permanecer saudvel apesar das graves dificuldades encontradas para se realizar o trabalho? [18] Se a psicopatologia do trabalho era definida como" o sofrimento psquico resultante da confrontao dos homens organizao do trabalho, as preocupaes da nova disciplina eram ampliadas no sentido de fazer uma "anlise psicodinmica dos processos intersubjetivos mobilizados pelas situaes de trabalho" (Dejours, 1993, p. 207, traduo livre). Se o trabalho podia ser fonte de sofrimento e de distrbios mentais, ele tambm podia ser fonte de prazer e de realizao pessoal. Foi nesse contexto que o reconhecimento do trabalho apareceu como conceito fundamental. Era a partir dele que o sofrimento do trabalho poderia ser, de certo modo, no s neutralizado como at transformado em prazer no trabalho. A explicao dada era, mais ou menos e resumidamente, a seguinte: no curso dos enfrentamentos das dificuldades inerentes realidade do trabalho, os sujeitos se esforam, isto , mobilizam suas capacidades fsicas, suas inteligncias, habilidades e disposies, suas capacidades de relacionamento, suas subjetividades, enfim, para conseguirem um bom resultado. "A mobilizao subjetiva muito forte na maioria dos sujeitos. tudo se passa como se o sujeito, confrontado organizao do trabalho, no pudesse evitar a mobilizao dos recursos de sua inteligncia e de sua personalidade" (Dejours,1993, p.225, traduo livre). Se estes esforos forem reconhecidos, todo o sofrimento que causaram pode ser, de certa forma, neutralizado e os sujeitos podem experimentar at prazer. Por outro lado, se estes esforos no forem reconhecidos, o sofrimento que causaram apenas sofrimento, sem sentido, e pode levar a descompensaes psquicas. haveria, portanto, no trabalho, uma dinmica entre contribuio e retribuio: Na contrapartida da contribuio que d organizao do trabalho, o sujeito espera uma retribuio e, s vezes at, ele s espera que suas iniciativas e seu desejo de contribuir e de no ser apenas um estrito executante, condenado obedincia e passividade, no sejam sistematicamente sufocados. (Dejours,1993, p.225, traduo livre)
Este reconhecimento do qual fala Dejours um reconhecimento simblico e, segundo ele, pode adquirir duas formas: a da constatao e a da gratido, pela "contribuio dos trabalhadores organizao do trabalho. Insiste Dejours que o reconhecimento no sobre o trabalhador, mas sobre o seu fazer e passa sempre por julgamentos proferidos por outrem: julgamentos de utilidade, como ele os chama, proferidos principalmente pelos superiores hierrquicos e julgamentos de beleza, proferidos pelo pares. Estes julgamentos tm uma particularidade em comum: se referem ao trabalho feito, isto , ao fazer e no pessoa. Mas, em retorno, o reconhecimento da qualidade do trabalho realizado pode se inscrever ao nvel da personalidade em termos de ganhos no registro da identidade. Em outras palavras, a retribuio simblica conferida pelo reconhecimento pode adquirir um sentido em relao a expectativas subjetivas sobre a realizao pessoal. (Dejours, 1993, p.227, traduo livre). a que se fecham os "elos intermedirios da dinmica do reconhecimento: o reconhecimento do trabalho fundamental para a constituio da identidade, que, por sua vez, fundamental para a sade mental. "A identidade necessita do olhar dos outros" diz ele. E a "identidade insuficientemente fundada uma porta aberta doena mental" (Dejours, 2009, p.118, traduo livre). O trabalho pode ser um mediador na construo da identidade, fortalecendo psiquicamente o sujeito frente aos riscos de doenas mentais e em dois importantes registros: o da identidade de cada um e o da identidade coletiva. "Com o reconhecimento, so obtidas gratificaes preciosas no registro da identidade: de um lado, pertencimento a um coletivo ou a uma comunidade; de outro, identidade singular" (Dejours, 2009, p.117, traduo livre). Este breve resumo j mostra a importncia conferida pela psicodinmica do trabalho ao reconhecimento do trabalho. No demais lembrar que, alm da psicodinmica do trabalho, o tema do reconhecimento, tem sido recentemente motivo de ateno de filsofos e socilogos de diversas partes do mundo, como Ricoeur (2005 e 2006) e Renault, (2007), na Frana; honneth (2007, 2008 e 2009), Voswinkel (2007) e Kocyba (2007), na Alemanha; Fraser (2005 e 2007) nos Estados Unidos e taylor (1994) no Canad [19], para s citar os nomes mais (talvez) conhecidos deste movimento. O sugestivo ttulo de um livro editado na Frana, em 2007, A busca de reconhecimento: novo fenmeno social total (Caill, 2007), reunindo um conjunto de textos de vrios autores sobre, principalmente, a problemtica da falta de reconhecimento, mostra como o assunto pode ser analisado sob os mais diferentes pontos de vista.
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guisa de concluses
A questo de diminuio de efetivos abordada neste estudo foi apenas o incio de um processo de "reestruturao produtiva" pela qual a empresa passou, no af de diminuir custos e na esteira do que acontecia em todo o mundo nos anos 80 e 90. Nas empresas petrolferas, em particular, o downsizing foi to grande que, como disse o ICEM (1998), as empresas petrolferas comearam a apresentar sinais de "anorexia empresarial, pois os cortes de "gorduras" passaram a atingir seus rgos vitais [20] . No caso brasileiro, alguns grandes acidentes, que culminaram em maro de 2001 com o afundamento da plataforma P- 36 que resultou na morte de 11 operadores e na perda total da plataforma, com a comoo nacional que ocasionou, parecem ter sido um sinal definitivo para que a poltica de reduo de pessoal fosse interrompida e, com a mudana de governo, comeasse uma poltica de contratao de pessoal. No entanto, se durante todo este perodo os trabalhadores petroleiros no tivessem se manifestado contra esta poltica, provavelmente seus efeitos teriam sido ainda mais deletrios. De fato, desde o incio, os trabalhadores reagiram e, como fizeram no estudo que estamos apresentando, sem canais de negociao com a direo da empresa no hesitaram em levar suas apreenses ao Ministrio Pblico e Justia. S a nossa equipe participou de vrios deles, de modo que pudemos nos aprofundar no assunto, conhecer melhor os argumentos de ambos os lados, compreender que a questo da determinao de efetivos era uma questo de negociao e, assim sendo, que caberia a cada uma das partes apresentar seus argumentos e seus nmeros. A insistncia da resistncia dos sindicatos forou a empresa a colocar no seu Acordo Coletivo de trabalho uma clusula que previa um frum de discusso sobre a questo dos efetivos e tive a oportunidade de acompanhar um estudo piloto previsto nesta clusula enquanto assessora do sindicato. Foi uma experincia de trs anos que terminou, enfim, com uma vitria (Ferreira, 2003). Neste longo processo, uma questo sempre me intrigou: por que as empresas, que no se negam a negociar salrios, se negam a negociar o nmero de seus trabalhadores, uma vez que nos dois casos trata-se de uma questo econmica (na medida em que ocorre dentro de limites vigentes e aceitos socialmente) e poltica (porque depende da correlao de foras entre as partes) e que o custo do trabalho depende no s do nvel salarial como do nmero de empregados? Uma das explicaes para esta discrepncia me parece estar na diferena da natureza dos dois tipos de questo: pode-se arbitrar a questo salarial sem discutir o trabalho concreto. Mas para se determinar o nmero de trabalhadores, a discusso sobre o trabalho concreto im-
prescindvel. a que as diferentes concepes sobre o trabalho adquirem todo o seu valor. E s na medida em que os trabalhadores ousam apresentar e defender o seu trabalho concreto, e confront-lo com aquele concebido pela chefia (em geral simplificado e subestimado) que o processo pode progredir, como aconteceu no caso da negociao anteriormente citado. Mas ainda restam questes, entre elas saber por que os petroleiros resistiram to bravamente. Parece-me que a noo de perda tambm importante: a reduo de efetivos representou uma perda na qualidade do trabalho, que sempre foi prezada na empresa e reconhecida nacionalmente; uma perda na qualificao dos trabalhadores e um baque na imagem de competncia dos prprios operadores e na sua reconhecida capacidade de organizao e luta. por isso que podemos considerar a luta dos petroleiros contra a reduo de efetivos como uma luta pelo reconhecimento de seu trabalho, pelo reconhecimento de sua competncia e pelo reconhecimento de sua responsabilidade. O que aconteceu foi a feliz coincidncia entre a vontade de obter este reconhecimento e as condies de obt-lo. Estas condies foram dadas pela tradio de participao poltica e de luta que historicamente marcaram esta categoria no Brasil.
Notas [1] Cada "unidade" ou "unidade de processo" da refinaria uma espcie de fbrica que produz um produto especfico derivado do petrleo, como gasolina, diesel, etc. [2] Na dcada de 1990, a poltica de pessoal da empresa foi responsvel por diminuir o nmero de seus trabalhadores efetivos de cerca de 60 mil para 33 mil e de terceirizar grande parte de seus servios. [3] A Constituio Brasileira, desde 1988, deu evidncias ao Ministrio Pblico, que passou a ser uma espcie de Ouvidoria da sociedade brasileira, atuando na tutela dos interesses difusos e coletivos. www.mpu.gov.br/navegacao/instituicional/historico. Acesso em 27/10/2010. [4] A Anlise Ergonmica do trabalho ou AEt uma metodologia criada na dcada de 70, pelo Laboratrio de Ergonomia do CNAM em Paris, Frana, quando seu diretor era Alain Wisner. Representa uma seqncia de etapas para se realizar um estudo ergonmico das quais as mais importantes so a anlise da demanda, a anlise das condies da empresa e a anlise da atividade dos trabalhadores (atravs de vrias tcnicas dentre as quais observaes detalhadas da mesma so as mais importantes). [5] Em 15 de dezembro de 1993, por sentena do juiz Roberto Maia Filho, fundamentada na ao impetrada pela Promotoria de Meio Ambiente de Cubato, a empresa foi obrigada a aumentar o nmero de operadores da unidade em questo e manter um nmero mnimo de oito operadores por turno (eram seis)
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acrescidos de um efetivo de mais 30%, totalizando 52 operadores. (A tribuna, 21/12/1993). [6] Concursos pblicos de ingresso para a admisso de pessoal, que estavam suspensos na dcada de 1990, foram abertos e o efetivo operacional da empresa comeou a ser reposto, de modo que em 2010 o efetivo prprio era de cerca de 70 mil trabalhadores. Os sindicatos reconhecem a importncia destas novas contrataes, mas continuam a denunciar que os trabalhadores esto expostos a cargas de trabalho excessivas (FUP, 2007). [7] A Dra. Aparecida Mari Iguti, mdica e doutora em Ergonomia, o engenheiro Jos Maral Jackson Filho que, na poca, estava em formao em ergonomia e eu mesma. [8] Poucos anos depois, os painis analgicos foram substitudos por sistemas de controle computadorizados e as salas de controle de cada unidade de processo foram agrupadas em uma nica sala, distante do "campo. [9] Indstria capital intensivo, as refinarias de petrleo funcionam com pouqussimos trabalhadores. Por isso, qualquer alterao no seu nmero representa uma grande alterao: quando, por exemplo, uma unidade que funcionava com dois operadores passa a ter um operador, ela perde 50% de seu pessoal. Este estudo foi decorrente de uma reduo de onze para oito operadores por turno. [10] As refinarias tm um funcionamento contnuo e, portanto, tm equipes de trabalhadores se revezando dia e noite, segundo diferentes esquemas de turnos, com durao de seis ou oito horas e, no mnimo cinco equipes (a cada dia, quatro trabalhando e uma de folga). [11] Alguns anos depois, soubemos que alguns operadores tinham sido punidos por terem levado a questo a pblico, com transferncias para regies distantes e com mudanas de funes. [12] Como no h interrupo no processo, necessrio que o nmero de operadores seja maior do que o nmero necessrio para operar cada unidade, a fim de poder cobrir ausncias eventuais e frias. Portanto, existem dois nmeros a serem considerados no dimensionamento de pessoal: o chamado "nmero (ou quadro) mnimo" e o"nmero (ou efetivo) total, o qual, por definio, sempre maior que o mnimio. Quando no se alcanava o "nmero mnimo, operadores do turno anterior deveriam "dobrar" turno, ou seja, permanecer trabalhando por mais uma jornada de trabalho. Estes conceitos estavam no corao das discusses sobre dimensionamento de pessoal. [13] "O trabalho dos petroleiros: perigoso, complexo contnuo e coletivo" foi o ttulo de um livro que escrevemos, posteriormente, com Aparecida Mari Iguti, sobre o assunto (Ferreira & Iguti, 1996). [14] Neste caso, os "engenheiros" eram os chefes operacionais das unidades de processo. [15] Nos dois casos, significa considerar a empresa como um corpo humano, a ser modelado pelos atuais padres de beleza: juventude, magreza e flexibilidade. [16] "O verbo to downsize um termo tcnico que vem da indstria automobilstica, onde designa a diminuio do tamanho dos veculos. Foi em 1982 que comeou sua aplicao aos emprega-
dos mais que aos produtos de uma firma. Desde ento, os gerentes de recursos humanos inovaram um vasto lxico visando "adoar"e mascarar semioticamente a supresso de empregos. Nos Estados Unidos atuais, principalmente nas grandes companhias, um trabalhador no mais demitido, posto na rua: ele "separado, desselecionado,"transicionado"ou"reduzido,"n o realocado,"desprogramado"ou"no renovado. Quanto empresa, ela se contenta em proceder a uma"recentragem do mix de qualificaes, a uma"correo do desequilbrio de mo de obra"ou ainda a uma"eliminao de redundncias. Muitas outras palavras dificilmente traduzveis, como decruited, excessed, ou surplussed exprimem bem esta idia que os empregados se tornaram uma carga excedente, um peso morto, um fardo intil, enfim, uma tara de cuja firma tem no s o direito mas o dever de se desfazer rapidamente"(Wacquant,1996, p70,traduo livre). [17] Esta etapa est prevista no mtodo que inspirou este estudo: a Anlise Ergonmica do trabalho (AEt). [18] Ao longo de todos estes anos, a busca de respostas para estas questes e de teorias para respald-las constitui o principal esforo de Dejours. Como ele diz, a psicodinmica do trabalho" uma disciplina clnica [] mas tambm uma disciplina terica, que se esfora para inscrever os resultados da investigao clnica sobre a relao no trabalho em uma teoria do sujeito, que leva em conta a psicanlise e a teoria social.(Dejours, 2001, p.1,traduo livre). [19] O tema do reconhecimento mereceria um estudo mais aprofundado que ultrapassa as possibilidades deste artigo. No entanto, gostaria de lembrar alguns resultados de uma breve pesquisa que realizei ao escrever o presente texto. Em 2007, a revista Travailler publicou um dossier especial (sob os cuidados de C. Dejours), sobre o tema do reconhecimento, com um artigo do francs Emmanuel Renault, Reconnaissance et travail, e de trs pesquisadores todos eles do Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt, inclusive de seu diretor atual Axel honneth. O artigo de honneth, Travail et agir instrumental. propos des problmes catgoriels dune thorie critique de la socit a traduo francesa de um artigo publicado em alemo em 1980. Kocyba escreveu Reconnaissance, subjectivisation, singularit e Voswinkel escreveu Ladmiration sans apprciation. Les paradoxes de la double reconnaissance du travail subjectivis. honneth o autor de Luta por reconhecimento: a gramtica moral dos conflitos sociais, traduo brasileira de uma obra publicada em alemo em 1992 e fruto de sua tese de livre docncia, onde ele"tenta desenvolver os fundamentos de uma teoria social de teor normativo partindo do modelo conceitual hegeliano de uma"luta por reconhecimento"(honneth, 2009). O livro de Ricoeur, traduzido no Brasil em 2006, se chama Percurso do reconhecimento. Em um outro texto que tem o sugestivo ttulo de"Tornar- se capaz, ser reconhecido"(2005, traduo livre) onde brinca com os dois polos da identidade pessoal de cada um: as capacidades que a pessoa sabe possuir e a necessidade que sente de que outros as reconheam, diz ele:"eu me identifico pelas minhas capacidades, pelo que sei fazer
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[20] Nos Estados Unidos, um estudo revelou o nmero de empregos nas indstrias de petrleo e gs diminuiu drasticamente entre 1982 e 1999, passando de um nvel mximo de 1.650.000 empregados a aproximadamente 640.000. Entre 1988 e 2000, as empresas de petrleo dos Estados unidos despediam em mdia 5,25% de seus empregados a cada ano. (Gas Daily, Arlington, Virginia, 2 de junho de 2000).
tro. So Paulo: Fundacentro (datilografado). FERREIRA, L. L., IGUTI, A.M & BUSSACoS, M. A. (1998). A diminuio de efetivos em um terminal martimo de petrleo e o trabalho de seus operadores. Estudo solicitado pelo Ministrio Pblico Fundacentro. So Paulo: Fundacentro (datilografado) FERREIRA, L. L., IGUTI, A. M & BUSSACoS, M. A.(1999). Laudo complementar ao estudo"A diminuio de efetivos em um terminal martimo de petrleo e o trabalho de seus operadores. Estudo solicitado pelo Ministrio Pblico Fundacentro. So Paulo:
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pt/es
una lucha por el reconocimiento del trabajo contra la poltica de recorte de personal
resumo o texto pretende discutir alguns resultados de um estudo desenvolvido pela autora h vinte anos, luz do conceito de"reconhecimento do trabalho"tal qual a psicodinmica do trabalho o apresenta. o estudo foi o primeiro de uma srie de outros que se seguiram nos quinze anos posteriores, sempre relacionados luta de trabalhadores petroleiros brasileiros contra a poltica de"enxugamento de pessoal, verso brasileira do downsizing, aplicada pela direo da empresa nos anos 90, na esteira das polticas chamadas de reestruturao produtiva que invadiram as empresas brasileiras e mundiais, particularmente, o setor de petrleo. palavras-chave trabalho, petrleo, reduo de efetivos, reconhecimento do trabalho, psicodinmica do trabalho.
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fr
en
une lutte pour la reconnaissance au travail et contre la politique de rduction du nombre des travailleurs
rsum Le texte cherche discuter quelques rsultats dune tude dveloppe par lauteur il y a vingt ans, la lumire du concept de"reconnaissance au travail, tel que la psychodynamique du travail le conoit. Cette tude a t la premire dune srie qui sest tendue au cours des quinze annes suivantes, toujours en rapport avec la lutte des travailleurs ptroliers brsiliens contre la politique de"enxugamento de pessoal, expression brsilienne qui correspond au dgraissage deffectifs (downsizing). Cette politique a t applique par la direction de lentreprise au cours des annes 1990, dans le contexte des politiques de restructuration productive qui ont envahi les entreprises brsiliennes et mondiales et qui ont atteint, particulirement, le secteur ptrolier. mots-cl travail, ptrole, dgraissage deffectifs, reconnaissance du travail, psychodynamique du travail.
a struggle for the recognition of work against workforce reduction policy

abstract The text presents the results of a study developed 20 years ago by the author in light of the concept of"recognition of work"according to the psychodynamics of work. This study was the first of a series of other works that followed in the next 15 years related to the struggle of petroleum workers against the"enxugamento de pessoal"policy, the Brazilian version of downsizing. A policy applied in the 1990s by the company management in the wake of a policy known as productive restructuring which was widely adopted by Brazilian and international firms and particularly by the petroleum sector. Keywords work, petroleum, reduction of permanent staff, recognition of work, psychodynamics of work.
Como referenciar este artigo? FERREIRA, L. L. (2011). Uma luta pelo reconhecimento do trabalho contra a poltica de reduo de pessoal. Laboreal, 7, (1), 17-27. http://laboreal.up.pt/revista/artigo.php?id=37t45n SU5471124227833:84381
Manuscrito recebido em: Dezembro/2010 Aceite aps peritagem: Maio/2011
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pesQuisa empriCa
O trabalhar em servios de sade mental: entre o sofrimento e a cooperao
uchida, s.1, sznelwar, l. i.l.2 barros, J.o.3, lancman, s.4
1. Fundao Getulio Vargas Av. 9 de julho, 2029 Bela Vista CEP 01313-902 So Paulo, SP Brasil Seiji.uchida@fgv.br 2. Escola Politcnica da USP Departamento de Engenharia de Produo Av. Prof. Luciano Gualberto, travessa 3, n 380 CEP 05508-010 So Paulo, SP Brasil laertesz@usp.br 3. Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo Av. Dr. Arnaldo, 455 Cerqueira Csar CEP 01246903 So Paulo, SP Brasil juliana.obarros@usp.br 4. Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia ocupacional R. Cincinato Braga, 184, apto 51, CEP 01333-010 So Paulo, SP Brasil lancman@usp.br
Resumen El propsito de este trabajo es presentar el resultado de una accin en psicodinmica del trabajo (PDT), desarrollado con un equipo de trabajadores de un Centro de Atencin Psicosocial (CAPS), que se encuentra en Sao Paulo, Brasil. Es un servicio especializado en atencin de salud mental dirigido principalmente a personas con trastornos mentales severos y persistentes. Buscamos, a travs de una accin en PDT, comprender las experiencias de los trabajadores, la relacin sufrimiento y el placer en su trabajo, as como las estrategias desarrolladas para lograr resultados mediante la identificacin de factores crticos y los medios para superarlos. La creacin de espacios colectivos de discusin que permita identificar y dar visibilidad a las estrategias de trabajo creado por la inteligencia individual y colectiva de los sujetos en su experiencia real es un punto clave de este enfoque. Se considera que la inclusin de las experiencias de los trabajadores para mejorar la aplicacin de las polticas pblicas sobre salud mental en Brasil permite mejoras en las instituciones. Palabras clave sistema de salud pblica, salud mental y trabajo, la cooperacin y el trabajo en equipo, accin en psicodinmica del trabajo.
O trabalhar em servios de sade mental: entre o sofrimento e a cooperao Uchida, S., Sznelwar, L. I.I. Barros, J.O., Lancman, S.
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introduo
No Brasil, at o final da dcada de 1970, a assistncia oferecida no campo da sade mental era centrada nas grandes instituies asilares, configurando uma determinada forma de compreenso da loucura e conseqentemente de prticas teraputicas, hoje consideradas bastante restritas e ultrapassadas. O modelo assistencial adotado, que tinha como foco a doena e a sintomatologia psiquitrica manifesta, favorecia a utilizao de prticas que terminavam por promover a permanncia das pessoas com transtorno mental nas instituies hospitalares por tempo indeterminado gerando um grande contingente de pacientes crnicos, moradores dos hospitais. Em decorrncia das internaes prolongadas nestas instituies, conhecidas como manicmios, na maior parte das vezes precrias, e pela falta de opes teraputicas que no as medicamentosas, os usurios dos servios encontravam-se em situao de abandono e perdiam o contato com seus familiares e com redes sociais de suporte que pudessem oferecer qualquer possibilidade de desospitalizao. Os hospitais psiquitricos brasileiros chegaram a ser comparados com campos de concentrao, ou seja, no asseguravam aos pacientes condies de vida e tratamento, e feriam seus direitos de cidadania (Machado et al 1978; Lancman, 1999). Assim, em dilogo com contextos internacionais e reformas da assistncia no campo da sade mental, como as que ocorreram na Itlia, Frana, EUA e Inglaterra, o Brasil, vem buscando produzir respostas mais adequadas diante das necessidades apresentadas pelas pessoas com transtornos mentais. Para tanto, no final da dcada de 1980, foram criados servios extra-hospitalares no intuito de tentar garantir atendimento na prpria comunidade, o mais prximo possvel dos locais de moradia dos sujeitos e de seus familiares, reforando assim uma rede social mais prxima, com vistas a evitar internaes prolongadas e recorrentes. Outra etapa desenvolvida paralelamente foi a reorganizao e humanizao dos hospitais psiquitricos brasileiros visando diminuir a situao de abandono e a falta de assistncia e, por fim, foi dado incio ao processo de desmontagem destes hospitais e de desospitalizao dos usurios que haviam se tornado moradores (Brasil, 2005). Atualmente um dos principais desafios deste processo, nomeado como Reforma Psiquitrica, est na implementao e desenvolvimento de servios de sade mental na comunidade que consigam atender s necessidades cotidianas das pessoas com transtornos mentais. Compreende-se que essas necessidades no esto relacionadas apenas a cuidados de sade, mas tambm a outras esferas da vida dessas pessoas, tais como: alimentao, moradia, ateno psicolgica e psicossocial (Niccio, 2003; Brasil, 2005; 2007; Barros, 2010). Assim, a partir da dcada de 1990, o Ministrio da Sade do Brasil passou a definir e reorganizar a estruturao da po-
ltica e dos servios de sade mental, propondo a adoo das redes municipais como referncia para um tratamento integrado, a partir da interlocuo entre os vrios nveis de ateno em sade. Foi nesta poca que os Centros de Ateno Psicossocial (CAPS) foram designados como principal referncia para o tratamento das pessoas com transtornos mentais (Brasil, 1992; 2005; Barros, 2010). Essa proposta do Ministrio da Sade ganhou, em 2001, o estatuto de lei, que reafirmou a garantia e defesa dos direitos de cidadania das pessoas com transtornos mentais e apoiou a construo das redes de servios que assegurassem esses direitos como uma forma para a organizao da ateno em sade mental (Brasil, 2001a,b; Barros, 2010). Segundo a legislao brasileira, os CAPSs so servios vinculados rede pblica de sade, esto inseridos na comunidade e oferecem atendimento especializado em sade mental. tm como misso acolher prioritariamente pessoas com transtornos mentais severos e persistentes em uma rea de abrangncia delimitada. Oferece trs regimes de tratamento: intensivo, semi-intensivo e no-intensivo, variando segundo as necessidades das pessoas com transtornos mentais, em diferentes momentos da vida (Brasil, 2002). Estes servios esto organizados em diferentes modalidades: CAPS I, CAPS II e CAPS III, destinados a adultos, maiores de 18 anos e definidos por ordem crescente de porte, complexidade, abrangncia populacional, horrio de funcionamento, nmero de funcionrios e de pessoas atendidas. Existem ainda aqueles especializados no atendimento a crianas e adolescentes com transtornos mentais (CAPS i), alm daqueles destinados ao atendimento de pessoas que fazem uso abusivo ou tem dependncia de substncias psicoativas (CAPS ad) (Brasil, 2002). A proposta que o atendimento oferecido no CAPS seja diferente daquele oferecido no contexto hospitalar. O entendimento que o foco do trabalho deva ser a vida da pessoa com transtorno mental e no apenas a sintomatologia psiquitrica manifesta. Rede social, famlia, trabalho e habitao, por exemplo, so alguns dos eixos tambm trabalhados nestes servios para que o sujeito possa realmente reconstruir sua vida para alm do circuito sade-doena. Procura-se ainda aprimorar e/ou desenvolver sua capacidade de gerar e gerir normas para a prpria vida de forma a viabilizar sua circulao e, conseqentemente, a realizao de trocas sociais. Dessa forma, os atendimentos oferecidos no CAPS vo para alm daqueles oferecidos dentro do espao fsico dessas instituies estendendo-se para a comunidade (Pereira, L.M.F et al, 2008). Apesar de ter aproximadamente 30 anos, trata-se de um processo recente e que tm se desenvolvido com velocidades e constncia distintas nos vrios estados e cidades do pas. Desta forma, em muitos destes lugares, a desmontagem do modelo hospitalocntrico est acontecendo simultaneamente implantao do modelo territorial. Assim no
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difcil supor que possa haver uma desorganizao do sistema de ateno como um todo, acarretando algumas dissonncias, relacionadas, sobretudo, ao possvel estado de desequilbrio entre demanda e oferta; ao desenvolvimento parcial, incompleto e provisrio das aes assistenciais; a sobrecarga de trabalho e seus reflexos no cotidiano laboral dos agentes responsveis pelo cuidado aos usurios. As mudanas nos espaos fsicos, do modelo centrado na internao para outro que prioriza o tratamento na comunidade e as prticas teraputicas voltadas para a insero dos usurios na comunidade, geram a necessidade de definio de novos processos de trabalho e de capacitao dos trabalhadores. Assim, esta nova perspectiva de cuidado e tratamento somada desmontagem e implantao simultnea de modelos distintos, coloca desafios para os trabalhadores e gestores. Um deles est na superao das dificuldades operacionais e polticas para a implantao do modelo, pois a criao de uma estrutura desse porte requer alm da implantao de um conjunto de servios, a concepo e a criao simultnea de novas prticas e projetos organizacionais de ateno (Lancman, 2008). Acrescenta-se ainda a precariedade e a morosidade do processo de constituio do sistema como um todo, gerando nmero insuficiente de servios e de profissionais para a demanda desses servios. Essa precariedade pode ocasionar um deslocamento de equipes para alguns servios e o conseqente esvaziamento de outros. Alm disso, esses novos equipamentos requerem a construo de processos de trabalho e de capacitao de profissionais que tambm sejam inovadores, afinal trata-se de um modelo novo, que pressupe a construo de novas formas de saber-fazer e de novos paradigmas. temos ainda o pouco investimento em recursos materiais que no asseguram que esses servios, por vezes, funcionem em espaos adequados e que tenham a infra-estrutura necessria. Como j mencionado, trata-se de uma proposta inovadora e, desta forma, tanto o processo de produo quanto a maneira como os CAPSs so organizados, fazem com que o contedo das tarefas e o desenvolvimento das atividades tambm estejam em construo. h ainda o desafio de criar e instaurar formas de conexo com os outros nveis de ateno que compem a rede de assistncia sade. Diante das possveis dificuldades na implantao da nova Poltica de Sade Mental, o Ministrio da Sade do Brasil, em parceria com o Ministrio da Cincia e tecnologia do Brasil, lanaram um edital para financiamento de projetos de pesquisa que pudessem contribuir neste processo. Foi no contexto desse edital que a pesquisa que ser apresentada neste artigo foi desenvolvida. teve como objetivo contribuir, atravs de uma abordagem baseada nos preceitos da psicodinmica do trabalho, para a compreenso das vivncias do trabalho dos sujeitos envolvidos de um determinado CAPS do municpio de So Paulo, que de alguma ma-
neira poderia contribuir para o desenvolvimento de aes que ajudassem a aprimorar esse tipo de dispositivo de sade pblica (Lancman et al,. 2007). O objetivo deste artigo o de mostrar como a ao em psicodinmica do trabalho (PDt), atravs da criao de um espao de expresso e de circulao de experincias entre os trabalhadores, pode contribuir tanto para a elucidao, avano e superao de alguns aspectos que dificultam a implantao do novo modelo quanto para o conhecimento das dificuldades e das estratgias criativas geradas no trabalho. Esperava-se encontrar indicaes de sofrimento entre os trabalhadores, relacionado a diferentes aspectos tais como: a precariedade dos servios onde trabalhavam, uma eventual descrena e o no-reconhecimento dos esforos que realizavam para que o trabalho acontecesse. Por outro lado, para dar conta de um desafio de tal magnitude, esperava-se tambm dar visibilidade para as estratgias e solues criativas que os trabalhadores estivessem desenvolvendo, fruto da inteligncia individual e coletiva, alm de discutir seu papel na promoo da sade mental destes. Procuramos ainda, contribuir para o avano do novo modelo, ou seja, para o aprimoramento e exeqibilidade das propostas de ateno em sade mental, considerando-se os diferentes cenrios de produo destes servios; e, sobretudo, favorecer o processo de transformao do sofrimento em prazer no trabalho.
o Cuidar em sade mental

A atividade de cuidar de pessoas com transtornos mentais constituda, entre outros fatores, pelo encontro entre uma pessoa que sofre e outra encarregada de lhe propiciar a interveno tcnica que visa diminuir o seu sofrimento. Sendo o prprio aparelho psquico o instrumento teraputico principal do trabalhador, este tem que lidar tanto com o sofrimento do usurio quanto com o seu prprio. Um desafio importante criar meios para que os trabalhadores possam realizar seu trabalho, evitando que se constitua um processo de sofrimento patognico. A possibilidade de o trabalhador contribuir com seu conhecimento e inteligncia no aprimoramento do processo de trabalho a forma de superao e transformao deste sofrimento em prazer. Afinal, o que mobiliza e motiva as pessoas para o trabalho a retribuio simblica pela contribuio que elas trazem ao trabalho. Este reconhecimento favorece a possibilidade de contribuio do profissional para a construo de uma produo de melhor qualidade e, ao mesmo tempo, possibilita o processo de realizao de si. Um dos conceitos fundamentais que adotamos o de que o trabalhar implica o fortalecimento do processo de identificao do trabalhador com o seu trabalho, atravs de um processo de reconhecimento do esforo, isto , da contri-
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buio individual e coletiva para se superar as dificuldades encontradas no confronto com o real. Nessa perspectiva, para Dejours (2004), central o conceito de identidade, entendido como uma armadura psquica resultado de um processo de unificao psquica que constri o sentimento de estabilidade, continuidade e integrao de si no interior de uma histria que simultaneamente singular e social - que protege a sade mental das pessoas no interior das instituies. trata-se de uma construo intersubjetiva, pois depende do olhar do outro. Nesse sentido, essencial que a organizao do trabalho e o contedo das tarefas propiciem condies para a realizao de si, fruto de uma ressonncia simblica entre atividade de trabalho e histria pessoal. Este processo de constituio identitria relacionada com o trabalho, que constantemente colocada prova, ocorre mediante reconhecimento da ao dos sujeitos que se d pelo julgamento de outros,segundo dois prismas: o da utilidade e o da esttica (Dejours, 2003). O primeiro feito principalmente pelos superiores hierrquicos e, eventualmente, pelos clientes que avaliam a utilidade da ao, ou seja, sua eficincia e relevncia organizacional, social e econmica. O indivduo sente-se til e pertencente ao grupo e organizao do trabalho quando reconhecido por esse julgamento. J o julgamento esttico remete beleza e originalidade da soluo, sendo formulado pelos pares, que reconhecem no sujeito as qualidades do seu saber-fazer e sua contribuio para o coletivo do trabalho. A originalidade no desempenho da ao leva o sujeito a no ser igual a outro par, torna-o nico e singular. O julgamento feito sobre o"fazer"e no sobre o"ser"e o sujeito para se re-assegurar como engenhoso e criativo, precisa passar pelo olhar e crtica do outro, que ir julg-lo e reconhecer ou no as suas aes. Isto evidencia que o trabalho, enquanto espao de confronto entre o indivduo - com suas crenas, valores e concepes - e o social, permeado pelas condies concretas para sua realizao, sua organizao e pelas diferentes formas de conceb-lo. h, nesse sentido, a partir das pesquisas realizadas neste campo, evidncias claras de que o trabalho no neutro com relao sade das pessoas, mais especificamente com relao sade mental. trabalhar pode promover o equilbrio psquico, a identificao com aquilo que se faz, a realizao de si, porque ele um meio essencial para a busca do sentido. Em suma, o trabalho um elemento central na construo da sade. Em situaes onde no h margem de manobra, onde o trabalhador no pode contribuir com sua experincia e saber-fazer, ou no consegue realizar seu trabalho de acordo com seus princpios e crenas, ele est impedido de transformar o sofrimento em aes significativas que o levem ao prazer de realizar algo til e belo (Sznelwar, 2003). Assim, conhecer os aspectos que envolvem a organizao
do trabalho e a ao dos trabalhadores um excelente meio de detectar os problemas na operacionalizao das tarefas e suas implicaes psquicas, assim como as possveis formas de super-los. A PDt, entendida como clinica do trabalho, visa dar visibilidade e refletir sobre o trabalhar tendo como foco a racionalidade subjetiva (pathica) das aes. Isto significa pesquisar as relaes entre os indivduos e um coletivo (grupo de pessoas que compartilham regras de ofcio ou experincias acerca das atividades realizadas). A PDt ao estudar o trabalhar evidencia aspectos menos visveis e conhecidos das relaes de trabalho, tais como: o trabalho como construo identitria, as relaes sofrimento e prazer que decorrem disso, a construo de defesas individuais e coletivas, o desenvolvimento da inteligncia astuciosa, os riscos de alienao e a construo da inter-subjetividade (Dejours, 2009; Dessors, 2009; Lancman & Uchida, 2003; Molinier, 2006). trabalhar em um servio como o CAPS, requer que o trabalhador construa cotidianamente um conjunto de prticas que dever nortear seu trabalho. O trabalho prescrito tnue e frgil tendo em vista que cada sujeito singular e as intervenes tambm devem se constituir desta forma, ou seja, os profissionais e, conseqentemente as equipes, devem construir seu processo de trabalho simultaneamente ao desenvolvimento da prtica para realiz-lo. Este fato traz uma peculiaridade a este servio e aos profissionais inseridos nele. Experimentar, viver o trabalhar um desafio constante e exige o desenvolvimento de estratgias que se constituem numa inteligncia astuciosa, prpria a esses trabalhadores.
metodologia
A ao em PDt foi desenvolvida em um distrito na cidade de So Paulo que aglutina alguns equipamentos de sade mental, entre eles o CAPS, onde foi realizado este estudo. Inicialmente apresentamos o projeto de pesquisa, os objetivos e os princpios da abordagem para a equipe de forma que as pessoas que se dispuseram a participar dos grupos, resguardando o critrio de voluntariado, pudessem construir em conjunto com os pesquisadores as discusses desenvolvidas durante as sesses de trabalho, de acordo com as propostas de ao neste campo (heloani & Lancman, 2004). O grupo, num total de doze pessoas, foi constitudo pela equipe de trabalhadores do CAPS e contou com a participao de profissionais diversos (psiquiatras, psiclogos, terapeutas ocupacionais, enfermeiras, assistentes sociais e farmacutico). O carter heterogneo do grupo ocorreu em acordo com a prpria equipe do CAPS que se organizava dessa forma, no privilegiava as especificidades profissionais na realizao do seu trabalho nem criava uma estrutu-
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ra muito hierarquizada entre os constituintes da equipe. Destaca-se aqui, que apesar das pesquisas em PDt procurarem trabalhar com grupos homogneos, o mtodo deve ser adaptado a cada situao de estudo encontrada e ser desenvolvido em acordo com as demandas dos trabalhadores e caractersticas dos grupos de trabalho. O grupo se reuniu por aproximadamente dezoito horas, distribudas em uma primeira etapa com sete sesses de discusso e de uma segunda etapa com duas sesses de validao organizadas de acordo com as possibilidades dos trabalhadores e do servio. Entre as duas etapas ocorreu um intervalo de um ms para que os pesquisadores pudessem redigir um relatrio. Essa dinmica foi acordada com os trabalhadores antes do inicio do processo. As sesses no seguiram nenhum roteiro pr-definido e desde o primeiro encontro a nica instruo dada aos trabalhadores era que eles falassem sobre a vivncia do trabalho deles. Os pesquisadores interferiram pouco no andamento das sesses limitando-se conduo dos grupos e a mediar para assegurar a palavra a todos. Ao trmino das sesses procurava-se fazer um breve resumo do que foi discutido assinalando alguns pontos considerados relevantes. Essa mesma prtica foi, por vezes, utilizada no inicio da sesso seguinte para retomada das discusses. Os pesquisadores procuraram manter uma escuta atenta ao contedo das falas, ao que era consensual, s discusses contraditrias, quilo que emergia de forma espontnea ou no, ao que era dito ou omitido. As sesses foram gravadas e transcritas e todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido previsto pela comisso de tica da Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo - USP. Aps a primeira etapa, os pesquisadores apresentaram um relatrio provisrio para os trabalhadores que participaram do grupo, como o intuito de discuti-lo, valid-lo e modific-lo, segundo as suas crticas e contribuies. No processo de validao, por ser o momento em que os pesquisadores apresentam suas interpretaes e assinalam pontos considerados importantes durante o processo de discusso, comum haver grande mobilizao dos trabalhadores que se identificam ou refutam as interpretaes apresentadas. Nessas sesses de validao no buscado um consenso, mas sim a garantia que todos se sintam representados naquilo que est escrito e que ser divulgado. Inclusive, partes do relatrio foram retiradas e outras acrescentadas para que a validao fosse assegurada.. O relatrio validado apresenta ento opinies distintas, s vezes contraditrias, e tambm consensuais; vivncias pessoais e compartilhadas, que se constituiu em um discurso comum representativo do trabalho daquele grupo. Aps essas sesses de validao incorporou-se as sugestes dos trabalhadores e foi redigido um relatrio final, entregue a todos os participantes e incorporado ao relat-
rio da pesquisa entregue ao Ministrio da Sade (Lancman, 2008). Cabe explicitar que a PDt compreende que os pesquisadores tambm fazem parte de um coletivo de pesquisa. Dessa forma, usual que, durante o processo, a equipe se divida e um dos membros no participe diretamente das sesses. Esse pesquisador acompanha a equipe que conduz as sesses durante todo o processo atravs de supervises que visam ajudar na compreenso das dinmicas estabelecidas, nos processos de constituio do espao de palavra e das falas propriamente ditas, na formulao de hipteses e de interpretaes, assim como na construo de um discurso comum, baseado tambm na interpretao das vivncias relatadas pelos integrantes da equipe. Esse recurso metodolgico importante para assegurar um trabalho interpretativo mais rico, fruto de um debate com a cooperao dos diferentes olhares, inclusive daquele que no esteve presente e que atua junto aos pesquisadores que estiveram diretamente envolvidos nas sesses no sentido de question-los e ajud-los a entender o seu envolvimento e como esto desenvolvendo a dinmica com os sujeitos que participam do grupo. Os resultados sero apresentados aqui de duas maneiras. Primeiramente contextualizando o trabalho no CAPS estudado, de acordo com o cenrio encontrado durante a pesquisa. Em seguida, ser apresentada uma analise clnica ilustrada com trechos do relatrio final validado com os trabalhadores, principalmente aqueles que esto relacionados com as vivncias da equipe com relao ao seu trabalho. Optou-se por apresentar diversos trechos do relatrio na integra com o intuito de demonstrar parte do processo desenvolvido na ao em PDt. Este tipo de formulao caracterstica da maneira como so conduzidas e apresentadas as aes em PDt pela equipe responsvel pela pesquisa, onde procura-se contextualizar o trabalho dos sujeitos e trazer para o espao pblico as vivncias deles em um formato que reflita o discurso comum construdo nas sesses. O relatrio final para a PDt muito mais do que uma sntese das discusses realizadas nos grupos. Ele tem como objetivo principal, a partir da escuta e observao clnica, sistematizar, elaborar interpretaes e devolver aos integrantes do grupo um documento que seja por eles validados e que reflita o melhor possvel aquilo que o grupo construiu conjuntamente. Para tal, importante buscar recuperar aquilo que se vivenciou, refletir sobre o dito, mas tambm sobre o no dito, para permitir nos momentos de validao, um processo final de enriquecimento do contedo do documento que se tornar pblico. Espera-se que essa construo conjunta, onde de um lado sistematizado o contedo das sesses, e de outro, os profissionais que conduziram as sesses apresentam suas impresses e interpretaes, seja facilitador de processos de apropriao do sentido e da emancipao dos trabalhadores.
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resultados O contexto do trabalho no CAPS

Os processos de produo dos servios do CAPS, assim como a maneira como organizado o trabalho, fazem com que, entre outros aspectos, o contedo das tarefas e o desenvolvimento das atividades estejam continuamente em construo. Uma das caractersticas organizacionais marcantes destes servios a adoo de um modelo hierrquico mais horizontal onde a cooperao nas equipes fundamental para a consecuo dos processos de ateno. h ainda o desafio de criar e instaurar formas de conexo com os outros servios dos vrios nveis de ateno que compem a rede de assistncia sade. Como essas conexes so muito frgeis, a organizao do trabalho tem sido constituda muito mais por acordos internos da equipe. Assim, cada servio vai construindo e definindo seu processo de trabalho a partir da realidade em que est instalada e dos recursos de que dispe. A necessidade de criar novas formas de trabalhar, a definio de novos processos de trabalho, a dificuldade de prescrio de atividades em servios onde as rotinas so mal definidas, a falta de recursos necessrios, fazem com que nem sempre os projetos teraputicos que conseguem realizar estejam de acordo com aquilo que previsto na reforma psiquitrica e que norteia suas aes. Isso gera conflitos entre o sentido e as crenas que esses trabalhadores tm em relao quilo que consideram um atendimento de qualidade em acordo com os preceitos que defendem e aquilo que podem efetivamente realizar. A construo de um modelo de ateno exige uma consistncia interna entre os elementos que compem o processo de trabalho objetivo, finalidade, instrumentos e a ao dos trabalhadores. A mudana nos espaos fsicos e de um modelo centrado na internao para outro, onde os usurios passam o dia e retornam para suas casas no final da jornada com foco na reabilitao psicossocial prticas teraputicas voltadas para a insero dos usurios na comunidade - tal como proposta no CAPS, geram a necessidade de definio de novos processos de trabalho a serem construdos. So os confrontos e as contradies entre o processo de produo e criao do cotidiano das prticas assistenciais que vo possibilitar o desenvolvimento de um novo modelo de ateno e de uma redefinio do processo de trabalho.
Ser do CAPS
Os trabalhadores ao longo das sesses de reflexo usam comumente a expresso"ser do CAPS"como sinnimo de trabalhar no CAPS. Essa forma de apresentar sua pertinncia reflete uma relao de trabalho que transcende um vinculo formal e demonstra um forte engajamento e compromisso. Mas denota tambm, uma sensao de pertinncia que supera relaes de trabalho usuais e remete para os trabalhadores responsabilidades e questionamentos que se confundem entre o que seriam as atribuies tcnicas, as responsabilidades e limites do trabalho deles e a participao no projeto poltico de construo do CAPS. Essa sensao de pertinncia vivenciadas pelos trabalhadores tambm os leva a um envolvimento particular com os usurios que vai para alem da clinica e/ou da reabilitao psicossocial. Essa forma de envolvimento, como veremos a seguir, traz conseqncias nos processos de trabalho, para as relaes de sofrimento e prazer no trabalho e para a realizao de si e construo identitria. Mas afinal o que significa para esse coletivo"ser do CAPS? Ser do CAPS foi, inicialmente, para a equipe, uma experincia de constituio de um novo servio, a partir da heterogeneidade das formaes, experincias, histrias e trajetrias profissionais de cada um. Foi aprender a lidar com uma diversidade de percursos e estar aberto para a construo conjunta de um novo projeto de atendimento em sade mental. Em alguns casos, dependendo da trajetria anterior, trabalhar neste local foi tambm ter a coragem para enfrentar o choque, o receio e a estranheza impostos pelo convvio to prximo com a loucura. Foi ter conscincia de que essa forma de convivncia impunha outro tipo de adeso aos profissionais que viessem a trabalhar e aceitar os desafios de se inserir em um modelo de atendimento em construo sem, por vezes, ter clareza de que servio era esse e que riscos trariam para aqueles que dele quisessem participar. Nesse novo contexto de trabalho, ser do CAPS, significava no somente tratar o quadro clnico dos usurios, mas tambm abordar questes relacionadas sua cidadania contribuindo, assim, com sua re-insero social. Isto significava"uma nova esperana, uma nova forma de atividade dentro da rede pblica de ateno em sade mental,"de resgate da dignidade do paciente. Significava, tambm, fundar um novo espao, novas relaes institucionais, novos tipos de contratos teraputicos, de atendimento e compreenso clnica. Participar de um projeto dessa natureza implicaria tambm na construo deles prprios, na reviso de paradigmas relacionados a antigas formas de ateno em sade mental e um novo tipo de envolvimento com os pacientes, mais prximo e sem os aparatos de proteo e enquadre dos servios psiquitricos tradicionais. O objetivo de promover a re-insero dos usurios numa
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rede, nas relaes comunitrias, na teia de relaes sociais que, em grande parte, j estavam deterioradas parte do trabalho do CAPs. essa teia de sustentao do sujeito que precisava ser reconstituda e isso implica que os trabalhadores se mobilizem para ir em direo comunidade e se preocupem com a vida dos pacientes para alm da instituio. No se trata, aparentemente, de uma simples questo de re-insero, mas de considerar diversos aspectos relacionados vida material, financeira, familiar e social dos usurios. Isso significa reconhecer que o usurio no s um sujeito com problemas de sade mental, tambm uma pessoa inserida num contexto social que traz consigo questes mais amplas, tais como: moradia, emprego, comida suficiente ou roupas, acesso ao sistema de sade ou educao. Isso significa tambm reconhecer que essas problemticas esto dentro do escopo a ser abordado pelos trabalhadores do CAPs. tudo isso se mistura, se que poderia estar separados, da questo do sofrimento psquico: so assuntos para quem? Para os profissional do CAPs ou se trata de uma questo para toda a sociedade? Soma-se a isso o fato de que esbarram na discriminao da qual a populao de usurios alvo, a comear pelo poder pblico que a exclui:"a pessoa portadora de problema de sade mental, ponto. Essa discriminao ocorre mesmo dentro do sistema de sade e quando preciso fazer um encaminhamento para outros servios, por exemplo, para realizar exames clnicos relacionados a outras problemticas que no as de sade mental, encontram-se srias dificuldades para conseguir atendimento. Essa busca de condies para lidar com o usurio de uma maneira mais global significa construir novas formas de relaes. Vai-se buscar, ento, trabalhar de formas variadas e, em outros cenrios, espera-se construir um novo saber sobre o fenmeno atravs de intervenes alternativas ao modelo mdico hospitalar. No entanto, construir essas prticas no dia-a-dia uma tarefa permeada por incertezas, necessidade de inventar novas formas de atuao, test-las, de se deparar com dificuldades que, por vezes, transcendem ao trabalho tcnico e no limite, ao prprio CAPs. Em diversos momentos, os profissionais deparam-se com a necessidade de realizar prticas destoantes das que defendem como, por exemplo, os agendamentos de consultas mdicas isoladas com nfase na medicao. A questo no somente o tipo de atendimento realizado, mas as dificuldades que encontram para criar os cenrios e as formas de aproximao com o usurio da maneira como gostariam. Por se tratar de um servio pblico onde o ingresso feito por concurso para servios de sade no especficos, muitos foram trabalhar ali quase por acaso. Isso foi para eles uma oportunidade, um desafio, mas tambm, um espao de choque e contraste com outras referncias de atendimento e de significao do paciente: sujeitos e cidados com direi-
tos e deveres, portadores de doena mental, doentes? Os antigos cdigos foram pouco a pouco colocadas em xeque, repensados, alguns mantidos e outros simplesmente deixadas de lado por no darem conta da realidade dos usurios e dos atendimentos dentro dessa nova lgica de cuidado. Logo constataram que"ser do CAPS"era vivenciar um dia-a-dia sem rotina, sem uma delimitao definida, onde as atividades podiam ser somente provisoriamente estruturadas. havia um esforo, por parte de alguns profissionais, de criar uma rotina ou, ao menos, exceto compromissos pr-agendados, tentar formatar um cotidiano de trabalho, certos tipos de atendimento, certos modos de ateno ao usurio que atendessem s peculiaridades de cada um e da variabilidade das situaes que se apresentavam a todo momento. No entanto, a forma como o trabalho organizado e as caractersticas da clientela deixam os trabalhadores perplexos, dada a fragmentao das atividades, imprevistos e a descontinuidade de muitos projetos: eram interrompidos o tempo todo, situaes emergenciais interrompem atividades programadas, a falta de recursos materiais os obrigava a improvisarem e reorganizarem atividades planejadas com antecedncia. Aqueles que conseguiam estabelecer uma determinada rotina enfatizavam a sua importncia afirmando que se tratava de uma verdadeira ncora, que servia como referncia e os protegia psiquicamente. Ser do CAPS era construir uma organizao de trabalho onde a equipe precisava estar aberta para lidar com o inusitado e o imensurvel. Mas, afinal, o que era inusitado? Para eles, depois de certo tempo de trabalho"nada inusitado, tudo deixa de ser inusitado. Isso exigia que fossem flexveis, mas que no perdessem a capacidade de se recompor, o que exigia novos modos de operar, novas decises e muita discusso. Precisavam saber trabalhar com a errncia, criando, assim, estratgias pessoais e coletivas para dar conta, organizar o que se desorganizava, dar suporte, estruturar. As pessoas chegavam para trabalhar e j eram imediatamente absorvidas pelas demandas do trabalho, viviam constantemente situaes em que no conseguiam se organizar, nem sempre se davam conta do que estava acontecendo e, por vezes, no tinham tempo para refletir ou aprofundar discusses com a equipe e planejar suas aes. Isso os levava a se envolverem com situaes emergenciais, a perderem o foco e a se questionarem quanto a prpria essncia do CAPS. Devido a esses questionamentos, acrescido do tempo elevado que os usurios permaneciam no CAPS, os trabalhadores apontavam crticas tais como: se no estariam afinal construindo um"belo terricmio"(em aluso aos antigos manicmios)? Os profissionais se questionavam se os pacientes embora ficassem mais internados no hospital, permaneciam agora internados no CAPS. Reconheciam, que
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apesar dos seus esforos, muitos usurios acabavam sendo internados em hospitais, o que para alguns significa um fracasso do prprio sistema e do prprio trabalho. O tempo de permanncia dos usurios e os limites do CAPS remetia a equipe a outros questionamentos relacionados ao conceito de alta, de desligamento do servio e de re-insero do usurio em seu meio social, o que no limite significava para eles avaliar o xito das estratgias teraputicas desenvolvidas. Isso causava um sentimento de estranhamento e de angstia quando atendiam os mesmos usurios durante anos e constatavam: eles continuam no servio. Era necessrio refletir toda a teia de sustentao, no s do sujeito que era atendido, mas de sua rede social, o que tornava a cura e/ou re-insero da pessoa com transtorno mental um processo ainda mais complexo. Afinal, o que alta para esses usurios, ainda mais quando no encontram outros recursos de cuidados e sustentao? Para alguns profissionais, o retorno de um determinado usurio era vivenciado como uma frustrao e quando se conseguia dar alta para algum deles isso era um momento de recompensa pelo esforo feito. Para outros, a volta de algum usurio era entendida como positiva, pois, ao buscar atendimento, ele demonstrava vnculo com o servio e com os profissionais que nele trabalhavam, era uma maneira de reconhecer que o CAPS e seus profissionais poderiam ajud-lo. O conceito de alta foi recheado de questes e controvrsias, pois, quando se avaliava as condies materiais, familiares e sociais do usurio, compreendia-se por que era to difcil sair da instituio. Nesse momento, os profissionais pensavam se, de alguma maneira, o CAPS no seria um espao mais leve, mais arejado na vida dessas pessoas, mais adequado, uma forma de proteo. Certos usurios eram emblemticos nesse sentido, como um caso citado: alm da severidade do quadro, ela apresentava um agravante, se ficasse em casa, ia ficar trancada, pois ela s tinha um irmo, cuja relao difcil e a equipe no conseguiu trabalhar essa questo. Para essa usuria, o CAPS no era apenas um servio de sade mental: tratava-se de um local de cuidados, de poder contar com pessoas que se ocupavam, que davam visibilidade e sentido para a sua vida. Participar de um projeto dessa natureza,"ser do CAPS"era tambm preocupar-se com a existncia dos usurios fora do mbito da instituio. De um lado, procurar melhorar a vida do usurio, aumentar as possibilidades de trocas, fazendo-o circular nos espaos reservados para os ditos normais; de outro, preparar a sociedade para receb-lo nos vrios locais pblicos. De que adianta falar em re-insero do usurio se no se coloca a presena da"loucura"no interior do espao pblico? A verdade que a sociedade, de uma maneira geral, acha que o lugar do louco no hospcio. Logo, se ele anda no museu ou desenvolve atividades em outros espaos, ele visto com temor e receio.
Ser do CAPs implicava fadiga e, por vezes, a sensao de estar extenuado, dada a exigncia contnua de ateno, de prontido. Cada grito, cada batida de porta, cada atendimento, cada atividade ou projeto desenvolvido requeria uma ateno constante. Era necessrio prestar ateno e tentar dar sentido a cada ato, afinal, todos os momentos na instituio podiam e eram considerados teraputicos:" no acaso que surgem as coisas mais criativas, que elas acontecem. Da mesma forma, crises, agresses, conflitos que exigiam a interveno dos trabalhadores tambm podiam ocorrer a qualquer momento e era necessrio manter uma vigilncia contnua para dar conta do inesperado. Era preciso que diferentes competncias estivessem disponveis para manter os enquadres teraputicos e ajudar a evitar problemas maiores devido a condutas inesperadas e, em alguns casos, at mesmo agressivas por parte dos usurios. todo esse esforo, esse estado de alerta, cansava e deixava os profissionais exauridos. s vezes, eles eram obrigados a desprender uma energia maior do que a que desejavam, o que, por vezes, os deixava irritados. Esse novo setting (no sentido psicanaltico) de trabalho, reforado pela crena que os profissionais tinham de que era necessrio, como parte da relao teraputica, do vinculo, estabelecer uma relao de proximidade com os pacientes. Significava, em alguns casos, deixar-se invadir,"aproximar e entrar na estria e no segregar, imergir. Mas, essa forma de envolvimento traz a questo dos limites: onde e como dar o corte? A carga era pesada e no fim do dia tinha-se a impresso de que"foram atropelados por um caminho. Essa situao de trabalho os levava a terem que estar atentos uns aos outros, socorrer colegas que pediam ajuda, que buscavam apoio, pois,"ningum d conta sozinho. Ser do CAPS significava, ento, criar uma equipe altamente solidria e cooperativa para que a ajuda e o apoio fossem efetivos. Criar uma teia de relaes entre os trabalhadores que dessem suporte para aqueles que, por alguma razo, em certos momentos, no estavam em condies para atender os usurios. Isso produzia um clima de amizade, de afetividade, de equipe, de apoio mtuo, mesmo que no fosse explcito ou previsto. Era visvel, para os pesquisadores, como os profissionais eram acolhedores, solidrios e continentes em relao s angstias e dificuldades que um ou outro membro da equipe apresentava. No censuravam e nem criticavam posturas que, em outro contexto, poderiam ser consideradas pouco tcnicas e carentes da distncia necessria para um bom cuidado. Dada a heterogeneidade de formaes e a diversidade de propostas e projetos e de situaes que vivenciavam, a construo desse trabalho, exigia cooperao, co-presena, colaborao, compreenso e flexibilidade. Ser do CAPS exigia, ento, um exerccio complexo de estabelecimento de limites entre o pessoal e o profissional: viver uma situao onde quase no havia enquadramento prote-
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tor e as fronteiras entre a vida profissional e pessoal eram constantemente invadidas. Vrios limites previstos em relaes usuais entre terapeutas e pacientes nem sempre eram possveis ou fceis de exercitar em um contexto onde o contato entre profissionais e usurios era to prximo e prolongado. Conforme exemplificavam, no atendimento, os terapeutas perguntavam para os usurios sobre sua histria pessoal, familiar, as condies materiais, casa e espao geogrfico onde viviam. Mas, os pacientes, por vezes, subvertiam e tambm perguntavam ao profissional sobre sua vida particular, sobre o seu fim de semana, sobre sua famlia, o que fez ou deixou de fazer. O dilema se instaurava: responder ou no responder, at que ponto revelar, at que ponto compartilhar? Ante a insistncia, cortava-se o assunto ou deixava-se invadir para no romper o vnculo, para que pudesse haver um trabalho teraputico. Afinal, existia uma fronteira: proximidade no significa amizade. Mas, os profissionais percebiam e se questionavam acerca da desigualdade da relao, sabiam tudo da vida dos usurios, participavam da vida deles e, ao mesmo tempo, acreditavam que no deveriam se abrir tanto. Outro aspecto que a equipe reconhecia que compartilhar da sua vida privada e pessoal, para alguns, era natural, mas para outros, no era vivenciado com a mesma tranqilidade: o que e o que deve ser consenso? Os usurios testavam cada um dos profissionais, testavam a equipe como um todo, questionavam as possibilidades, os limites de cada um. s vezes, tinha-se a impresso de que era necessrio conviver com uma espcie de"espelho, pois o comportamento dos usurios colocava em xeque as barreiras psicolgicas, fazia aflorar as angstias e, ao mesmo tempo, permitia estar mais prximo e menos defensivo. havia risco, medo, mas era incontornvel, fazia parte da expanso dos limites. No entanto, alguns limites deviam ser discutidos e pactuados. Relataram como exemplo, a necessidade de determinados acordos que a equipe deveria fazer: no poderia haver discordncias quanto a determinadas regras e procedimentos, todos deveriam atuar da mesma maneira, no devia haver exceo. Se uns diziam no e outros diziam sim, os usurios iriam atuar nas brechas existentes entre os membros da equipe para driblar o"no, para contornar a vivncia frustrante que um limite exige. Orquestrar os limites da equipe e os limites pessoais era um trabalho que estava em constante estruturao. Outro exemplo relatado se referia ao contato fsico com os pacientes. Como lidar com limites entre hbitos da cultura e desejos mascarados, mas evidentes em rituais de cumprimento social, como por exemplo um beijo? Como lidar com esse tipo de comportamento quando se trata de"pacientes que no tm limites? Afinal, no deixam de ser humanos e com desejos humanos! Como lidar quando o contato provoca reaes diferentes nos vrios profissio-
nais? O contato que, para um, pode ser tranqilo, para outro, pode gerar mal-estar. Os trabalhadores reconheciam a importncia do enquadramento do contrato teraputico como um limite essencial, uma condio que se colocava para o usurio: atende-se a tal hora, por tanto tempo, em tais atividades. Esse contrato impunha limites que visavam manter a"acuidade de compreender, fundamental na atividade teraputica. Ento, quando se buscava construir contratos, estava-se estabelecendo condies para o exerccio do trabalho clinico, para que a relao teraputica fosse eficaz. No entanto, o contrato teraputico envolvia acordos para situaes por vezes muito complexas que exigiam que ele fosse flexibilizado. Presenciar e entender situaes complexas e saber agir com tranqilidade nas horas em que elas ocorriam era parte do cotidiano desses trabalhadores, mas isso exigia uma presena de esprito que no tinha como ser prescrita, padronizada. Outro incomodo relatado por um dos profissionais era relacionado impotncia tcnica em relao s dificuldades de superao da doena mental. tratava-se do momento em que o profissional sentia que esgotava o seu conhecimento, quando j havia pensado todas as possibilidades para aquele usurio e chegava um momento em que no conseguiam mais ajudar ou sentiam que tinham esgotado o arsenal. Como continuar a trabalhar nessas horas? As peculiaridades prprias do CAPs influenciavam significativamente na vivncia de todos. O desenvolvimento do projeto a que se propunham exigia que utilizassem de estratgias de cuidado intensivo e prolongado, o que requeria uma imerso profunda tanto dos usurios como de toda a equipe na continuidade da relao terapeuta-usurio de maneira intensiva e prolongada. Isso afetava de maneira significativa os trabalhadores, pois estar no CAPS significava desenvolver um trabalho praticamente sem fim, dada a natureza dos usurios e da sua permanncia no servio. O fim, nesse caso, no estava relacionado a etapas concludas, mas ao alcance de determinadas finalidades, que uma vez alcanadas abriam espao para novas possibilidades e processos. Os trabalhadores acreditavam que a maneira de organizar o trabalho devia ser tal que a instituio permitisse a integrao dos usurios e no o isolamento, a exemplo do que acontecia nos hospitais psiquitricos. Dessa forma, organizaram o servio de forma tal, que exceo da farmcia, todos os demais espaos eram acessveis aos pacientes todo o tempo. Essa forma de trabalhar acarretava na falta de espaos privativos para a equipe corroborando a falta de limites entre os trabalhadores e os usurios Quase tudo ocorria s vistas de todos, sem privacidade e no havia praticamente espao para se proteger, refletir, se recompor,"dar um tempo. A forma como organizavam o trabalho contribua para que os limites entre relaes profissionais e pes-
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soais fosse muito difuso. Estabelecer fronteiras, espao onde pudessem discriminar o ato tcnico do envolvimento necessrio para este tipo de atendimento e, ao mesmo tempo, proteger-se desta invaso para que ela no fosse excessiva e danosa, era um desafio cotidiano para essa equipe. A prpria peculiaridade da clnica das psicoses e a porosidade que se produzia entre terapeutas e usurios criava impasses e requeria que a equipe se auxiliasse para preservar o seu bem estar e permitir que o trabalho acontecesse. todos estavam imersos neste espao onde a fronteira entre a sanidade e a loucura era tnue, em que os usurios colocavam constantemente a equipe em xeque, em que a constituio de uma rede de cooperao, praticamente sem hierarquia, ajudava a transformar o sofrimento tanto em aes efetivas quanto em momentos de profunda satisfao. Isto requeria uma"recriao"constante das suas aes, o que criava uma sinergia a partir das diferentes competncias e do envolvimento de cada um, da experincia individual e coletiva. L se buscava construir aes em situaes de grande penria, onde era necessrio recriar constantemente as prticas de sade; mas, sobretudo porque l se constitua um local de cuidados que buscava auxiliar os sujeitos a reconstrurem a vida."O CAPS um lugar de vida, um lugar onde as pessoas continuavam a trabalhar, apesar de todo o sofrimento engendrado pelo trabalho vivido. Ser do CAPS"era se importar. O risco que se corria era que, na fratura a respeito da vida humana, as coisas que importavam eram jogadas na lata do lixo, era preciso trabalhar onde a vida se constitua, no momento em que a vida se constitua, nessa vida em paralelo. Vivia-se absolutamente dentro do mago da vida humana, essa questo que era"como que a gente vive numa sociedade que o povo, os seres humanos que esto vivendo, no importa para nada? Seno no estaria fazendo nada que interessava, porque no seria um assunto da vida, seria um assunto da burocracia, seria um assunto do mercado, que no interessava. por isso que ela continuava, por isso que fazia parceria com a equipe, era se importar, agir com compaixo.
Discusso
A equipe que participou deste processo era composta por profissionais que acreditavam em certas idias relativas ao cuidado em sade mental e que participaram ativamente da construo do projeto poltico que originou a reforma psiquitrica e os CAPSs. Essas idias modulavam as suas aes e eram constantemente confrontadas por uma realidade recheada de carncias, insucessos, avanos e retrocessos decorrentes da implantao de um projeto poltico dessa natureza. O forte componente de posicionamento poltico era importante para que as pessoas continuassem a
trabalhar, mas ficava a questo: at que ponto pode-se ancorar um sistema de atendimento no esforo isolado das equipes e no na construo de servios e de uma rede efetiva? Seria importante que se aliasse tambm uma perspectiva de melhora da organizao de servios, da consolidao de um sistema de atendimento integrado que fortalecesse as experincias e propiciasse um aprimoramento das aes e das idias. trazer para pblico a vivncia do trabalho desta equipe permitiu conhecer seu modo de agir, seu saber-fazer, suas dvidas e como era importante, alm do engajamento, se deixar afetar pelo outro, isto , trabalhar com compaixo. Com a experincia acumulada e o sentido que encontraram nos paradigmas que as originaram e que norteiam suas prticas, construram sentido no trabalho e estabeleceram pontos de ancoragem que lhes permitiam encontrar a sinergia necessria para continuar trabalhando apesar das carncias, das dificuldades que um servio dessa natureza impe e da falta de uma rede de sade mais constituda e que, de fato, servisse de apoio. A engenhosidade dos trabalhadores e a cooperao permitiam que o trabalho fosse realizado a contento, afinal, no havia um modo prescrito de trabalhar que desse conta dos eventos presentes neste tipo de cuidado. O exerccio dessa engenhosidade, a busca de solues, pequenos sucessos cotidianos, a crena de que estavam produzindo um trabalho de qualidade e o reconhecimento que encontravam, sobretudo junto s pessoas que eram atendidas e seus familiares, seriam fundamentais para a construo da sua prpria sade mental, pois so fontes da construo de sentido, fonte de prazer para trabalhar. A maneira como a equipe era organizada e as relaes de cooperao horizontal e vertical que se constituram neste CAPS, propiciaram tambm condies para o processo de realizao de si e da construo de um coletivo profissional (Dejours, 2009). A integrao da equipe, a cooperao e a solidariedade eram pontos fundamentais que ajudavam os trabalhadores a se protegerem dos sentimentos de impotncia, das coisas que no davam certo, da inoperncia do sistema que dificultava um trabalho j to rduo. A cooperao decorria de um processo de confiana e reconhecimento dos pares que os auxiliava a no entrarem em colapso, no sentido psquico, diante da falta de reconhecimento vertical. No caso do julgamento de beleza, que feito entre pares, isso ocorria pela constituio de uma equipe que era capaz de enxergar e de dar retorno sobre o trabalho bem feito do outro. J no caso do julgamento de utilidade, este ocorria pelo reconhecimento da chefia imediata, que tambm fazia parte da equipe (Dejours, 2003; hubault & du tertre, 2008). Aliado a esses aspectos, um profundo sentimento de gratido (Molinier, 2006, pp. 146-147) por parte dos pacientes e familiares, reforava esta possibilidade de encontrar sentido e prazer no trabalho. Com relao ao reconhecimento de pares mais
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distantes, de integrantes de outras equipes e de outros CAPS, os contatos eram pouco freqentes, resumindo-se a alguns encontros organizados anualmente, dos quais, somente parte da equipe participava reafirmando a sensao de isolamento. Como conceitua Dejours, o reconhecimento, em especial do reconhecimento de beleza e o de utilidade so elementos chaves para a construo identitria e sade mental no trabalho (Dejours, 2004). No que diz respeito s possibilidades de avaliao por outras instncias do sistema de sade, a distncia era significativa, fato que dificultava um processo de avaliao baseado no real do trabalho. Isto tem semelhana com outras situaes de trabalho em sade pblica, onde muito difcil definir quais so os limites do cuidado (Sznelwar, Uchida & Mascia, 2008). Alm disso, em se tratando de uma relao de servio que se constri ao longo do tempo, o processo de avaliao ainda mais complexo, pois h uma srie de aspectos intangveis e imateriais caractersticos deste tipo de trabalho que so dificilmente reconhecidos, ficando na invisibilidade (du tertre, 1999, 2002; hubault & Bourgeois, 2001). No se pode perder de vista que o"cuidar"destes profissionais desestabilizador, portanto, importante que tenham acesso superviso e a apoio teraputico quando necessrio, como estratgia de fortalecimento das equipes e conseqentemente de cada trabalhador em particular. Molinier (2000, 2009) discute a questo do cuidar (care) colocando em evidncia a importncia da compaixo e das questes de gnero e demonstrando o carter desconhecido dessa atividade. Pelo fato de no existirem formalmente dispositivos de apoio, seria importante que houvesse uma estrutura de sustentao, aliada construo de outros"espaos pblicos de troca e de deliberao, como a realizao de mais simpsios e seminrios para que houvesse mais compartilhamento de experincias com outras equipes que atuam em outros CAPS, e com outras equipes de servios de referncia da regio com as quais, devem constituir a rede de atendimento. Viver um processo de mudana de paradigma, de criao de novas prticas assistenciais e de um modelo de ateno significa ser ator e testemunha de algo mais profundo de desestruturao e de reconstruo. Este processo longo e, muitas vezes, requer mais de uma gerao de trabalhadores. h ainda o risco sempre presente de retrocessos e, sobretudo, de uma no implantao plena do modelo proposto. Foi o que ocorreu com a equipe estudada, sentiam-se nicos, isolados e aguardavam a constituio do resto da rede com a qual pudessem somar e dividir esforos. Como no possvel aguardar, diante das necessidades de atendimento da comunidade, desenvolveram um sistema de cuidado provisrio e parcial em relao ao previsto. A precariedade existente nos servios de sade mental,
dos aspectos organizacionais e de contedo das tarefas de cada profissional alm dos aspectos psquicos decorrentes do trabalhar com pessoas que tm transtornos mentais de maior ou menor gravidade, indissocivel do impacto disso tudo nas relaes de sofrimento/prazer no trabalho da equipe. Isto resulta do fato de que a vivncia desses trabalhadores seja determinada pelos cenrios definidos por todas estas variveis e pela histria singular de cada trabalhador. Na organizao do trabalho do CAPS h uma racionalidade clnica implcita que d sentido atividade, fruto de idias e de concepes que constituem uma maneira de ver as prticas em sade mental e que do sentido para os trabalhadores. No significa que sejam situaes onde no haja conflitos e contradies, mas que h algo que serve como argamassa, como fator de ligao para as pessoas da equipe, como substrato para fomentar o tipo de atendimento proposto e, pelo menos em parte, praticado. As prticas clnicas que os trabalhadores desenvolvem de acordo com o modelo conceitual com o qual esto identificados norteiam a organizao do trabalho e o contedo das tarefas e do sentido s aes desenvolvidas. Mesmo com todas as falhas e a falta de infra-estrutura, apesar do sofrimento devido lentido na implantao das melhorias e sensao de que poderiam fazer mais pelos usurios, h uma viso de futuro possvel. h uma sensao de que so uma espcie de vanguarda de um novo tipo de atendimento, mesmo que isto engendre dificuldades e, muitas vezes, exija um comprometimento quase militante dos integrantes da equipe.
Concluso
Acredita-se que, com esta ao em PDt foi possvel ajudar na compreenso das implicaes para a sade dos profissionais de trabalhar no CAPS e do novo modelo de cuidado em sade mental de modo a facilitar aes que ajudem a contribuir na implantao desse tipo de servio e no seu aprimoramento. Espera-se, ainda, contribuir para aes de melhoria e de consolidao deste tipo de prtica teraputica, para que seja possvel, com o engajamento dos trabalhadores, evitar que as vivncias no trabalho se transformem em sofrimento patognico, reduzindo o risco do aparecimento de problemas de sade entre os trabalhadores e de impedimentos para a realizao do trabalho a contento. Acreditamos que a invisibilidade desses aspectos pode prejudicar a prpria implantao de um sistema de sade baseado em prticas de atendimento mais globais e que considerem os pacientes como cidados e sujeitos. Ao se propiciar condies para o melhor conhecimento do real do trabalho dessas equipes, possvel evidenciar e sensibilizar as pessoas responsveis pelos nveis de deciso
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sobre as polticas de sade pblica no Brasil, para que invistam na consolidao de uma rede de sade mental que leve em conta o trabalhar e a subjetividade dos trabalhadores. Acredita-se que a possibilidade de o trabalhador contribuir com seu conhecimento e com sua inteligncia na construo de um trabalho melhor a forma de superao e transformao do sofrimento engendrado pelo real do seu trabalho em prazer, garantindo condies para que aquilo que faz continue a fazer sentido e que seja uma perspectiva de realizao profissional e pessoal. Nesse sentido, essencial que a organizao do trabalho e o contedo das tarefas propiciem condies para a realizao de si, fruto de uma ressonncia simblica entre atividade de trabalho e histria pessoal e os confrontos engendrados pelo trabalho. Isto evidencia que o trabalho, enquanto espao de confronto entre o indivduo - com suas crenas, valores e concepes - e o real, permeado pelas condies concretas para sua realizao, sua organizao e pelas diferentes formas de conceb-lo. Conhecer os aspectos que envolvem a organizao do trabalho e sua execuo um excelente meio para detectar os problemas na operacionalizao das tarefas e suas implicaes psquicas e as possveis formas de super-los. As contribuies da PDt vm no sentido de evidenciar aspectos menos visveis e conhecidos das relaes de trabalho, tais como: o trabalho como construo identitria, as relaes sofrimento e prazer que decorrem disso, a construo de defesas individuais e coletivas, o desenvolvimento da inteligncia astuciosa, os riscos de alienao e a construo da inter-subjetividade. todavia, no se trata de apenas colocar em evidncia e trazer conhecimentos sobre o trabalhar das pessoas, o fundamental de uma ao em psicodinmica do trabalho propiciar meios para que os trabalhadores possam se apropriar do sentido do seu trabalho, transformando-o e, sobretudo, criando condies para que se trilhem caminhos visando emancipao dos sujeitos. Neste sentido, essa ao realizada junto a uma equipe de trabalhadores do CAPS, em So Paulo, Brasil, traz uma srie de questes e desafios para todos os servios assemelhados no pas, que hoje totalizam mais de mil unidades. Dentre eles cita-se a importncia da constituio de equipes com alto grau de autonomia e que possam se constituir em verdadeiros espaos de cooperao entre diferentes profissionais que trabalham visando objetivos comuns. A cooperao e a disponibilidade dos sujeitos desta equipe para trabalhar juntos podem ser consideradas como um exemplo mpar que se contrape ao lugar comum encontrado nas prticas de gesto mais comuns nas empresas privadas e pblicas. As prticas mais prevalentes privilegiam o indivduo em detrimento do coletivo, reduzem ou eliminam os espaos de troca, no propiciam condies para deliberao coletiva, favorecem a gesto por evidncias em
resultados mensurveis, definem metas que no correspondem realidade. Um sistema de sade contaminado por este tipo de ideologia de gesto praticamente incompatvel com a existncia de espaos de trabalho como o CAPS estudado que, apesar de todas as carncias e dificuldades poderia ser considerado como um exemplo a ser seguido.
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pt/es
el trabajo en los servicios de salud mental: entre el sufrimiento y la cooperacin

resumo A proposta central deste artigo a de apresentar o resultado de uma ao em psicodinmica do trabalho (PDT), desenvolvida com uma equipe de trabalhadores de um Centro de Ateno Psicossocial (CAPS), localizado na cidade de So Paulo, Brasil. Trata-se de um servio especializado no atendimento em sade mental, destinado, prioritariamente, s pessoas com transtornos mentais severos e persistentes. Buscou-se, por meio de uma ao em PDT, compreender as vivncias dos trabalhadores, a relao sofrimento e prazer no seu trabalho, assim como as estratgias desenvolvidas para obter resultados, identificando fatores crticos e formas para venc-los. A criao de espaos coletivos de discusso que possibilitassem identificar e dar visibilidade s estratgias de trabalho criadas pela inteligncia individual e coletiva dos sujeitos em sua experincia concreta um ponto fundamental desta abordagem. Considera-se que a incluso da vivncia dos trabalhadores para o aprimoramento da implantao da poltica pblica de sade mental brasileira possibilite um aprimoramento das instituies. palavras-chave sistema pblico de sade, sade mental e trabalho, cooperao e equipes de trabalho, ao em psicodinmica do trabalho.
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fr
en
travailler dans des services de sant mentale: entre la souffrance et la coopration

rsum Le but de cet article est de prsenter le rsultat d'une action en psychodynamique du travail (PDT), dveloppe avec une quipe de travailleurs d'un Centre dAttention Psychosociale (CAPS), situ So Paulo, Brsil. Il s'agit d'un service spcialis dans les soins de sant mentale visant principalement les personnes ayant des troubles mentaux graves et persistants. En dveloppant une action en PDT, le but a t de comprendre les expriences des travailleurs, la relation entre souffrance et plaisir dans le travail, ainsi que les stratgies labores pour atteindre les rsultats, en identifiant les facteurs critiques et les moyens de les surmonter. La cration d'espaces de discussion collective pour identifier et donner de la visibilit au travail et aux stratgies mises en place grce l'intelligence individuelle et collective des sujets partir de leur exprience relle est un point cl de cette approche. La valorisation de l'exprience des travailleurs dans la mise en uvre des politiques publiques concernant la sant mentale au Brsil permettrait une amlioration du rle des institutions. mots-cl systme public de sant, sant mentale et travail, coopration et quipes de travail, action en psychodynamique du travail.
Working at mental health services: between suffering and cooperation

abstract The main purpose of this paper is to present the result of an action in Psychodynamic of work, developed within a team of workers of a Psychosocial Center of Attention (CAPS - Centro de Ateno Psicossocial), located in So Paulo, Brazil. It is a specialized facility in mental health attention which prioritizes people with severe and persistent mental disorders. we tried to comprehend the workers experience, their relationship between psychic suffering and pleasure at work, as well as the strategies to gain results, identifying critical factors at work and ways to overcome these difficulties, through a Psychodynamic of work approach. The creation of a collective space of discussion that enabled the identification and gave visibility to work strategies created by the collective and individual intelligence of subjects in their concrete experience is fundamental to this approach. we consider that the inclusion of workers experience to the improvement of Brazilian mental health public policy implantation allows an improvement of the institutions. Keywords public system of health, mental health and work, cooperation and team work, Psychodynamic of work approach.
Como referenciar este artigo? UChIDA, S., SzNELWAR, L.I.L., BARROS, J.O., & LANCMAN, S. (2011). O trabalhar em serviosz de sade mental: entre o sofrimento e a cooperao. Laboreal, 7, (1), 28-41. http://laboreal.up.pt/revista/artigo.php?id=48u56o tV65822353389453854:2
Manuscrito recebido em: Janeiro/2010 Aceite aps peritagem: Junho/2011
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pesQuisa empriCa
Sofrimento psquico do bailarino: um olhar da psicodinmica do trabalho
marina petrilli segnini1 & selma lancman2
1. Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia ocupacional R. Cincinato Braga, 184, apto 51, CEP 01333-010 So Paulo, SP Brasil marsegnini@gmail.com 2. Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia ocupacional R. Cincinato Braga, 184, apto 51, CEP 01333-010 So Paulo, SP. Brasil lancman@usp.br
Resumen Este artculo se inserta en el mbito de los estudios que articulan trabajo y salud mental. Su objetivo fue analizar la relacin del bailarn y la organizacin de trabajo en danza a la luz del constructo terico de la psicodinmica del trabajo (PDT). Este anlisis se enfoca en las maneras a travs de las que los trabajadores de la danza movilizan sus subjetividades al buscar realizar sus actividades laborales cotidianas en el Ballet de la Ciudad de So Paulo, compaa pblica de danza vinculada al Teatro Municipal de So Paulo (Brasil). A partir de un estudio cualitativo, realizado a travs de entrevistas y observacin del proceso de trabajo, se busc comprender las estrategias movilizadas subjetivamente por los bailarines al enfrentar el sufrimiento vivido en el trabajo. Se puede concluir que entre las estrategias encontradas por este grupo de trabajadores, est la bsqueda de una escisin entre el cuerpo biolgico ejercitado de forma tcnica y utilizado como instrumento de trabajo y el cuerpo ergeno, escenario de las vivencias subjetivas. Palabras clave salud mental, trabajo, danza, sufrimiento.
Sofrimento psquico do bailarino: um olhar da psicodinmica do trabalho Marina Petrilli Segnini & Selma Lancman
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i. introduo
O trabalho artstico remonta aos primeiros registros da histria da cultura; no entanto, at o presente momento histrico pouco analisado na perspectiva das relaes que os artistas vivenciam no processo da construo do trabalho e das exigncias que esse traz. Os artistas so freqentemente representados de forma pr-conceituosa e plena de esteretipos:"egocntricos, caricaturais, nervosos, indisciplinados, instveis, debochados, extravagantes, obcecados por suas obras e extremamente difceis na convivncia"(Wittkower, 1991). Outra dimenso equivocada refere-se ao trabalho de criao como sendo um processo individual e solitrio, indiferente opinio do pblico e ao sucesso (Menger, 2005). A criao da obra artstica, nestas representaes, associada a um espasmo de loucura, genialidade e melancolia individual (Prigent, 2005). No entanto, as expresses artsticas implicam em trabalho e sendo assim, so atividades reconhecidas, transmitidas, apreendidas e organizadas. E como toda a atividade, obedece a regras, insere-se numa diviso do trabalho, em organizaes, profisses, relaes de emprego e carreiras profissionais (Becker, 2006 cit in Segnini, 2009). Nesse sentido, a arte compreendida pertencendo ao mundo do trabalho e, assim sendo, pode ser objeto de estudo cientfico para os campos tericos que analisam o trabalho. No Brasil, o trabalho artstico tem sido discutido no mbito das cincias sociais. Destacam-se, dentre outros, alguns pesquisadores e grupos que, nos ltimos anos, estudam e refletem sobre esse campo. Segnini (2007, 2008, 2009, 2010), sociloga do trabalho, coordena uma equipe que analisa o mercado e as condies de trabalho artstico. tais pesquisas se configuram em estudos comparativos, quantitativo e qualitativo entre o Brasil e a Frana no que tange as condies do trabalho artstico (msica e dana) nestes dois pases, por meio do referencial terico da sociologia do trabalho. Os resultados dessas pesquisas informam que o trabalho artstico predominantemente precrio e submete os artistas a uma instabilidade permanente frente s possibilidades de trabalho e de remunerao. J no campo mais especfico da dana, destacamos duas pesquisadoras. A primeira Strazzacappa (2001, 2006), bailarina e educadora que articula nos seus estudos dana e educao. As pesquisas desenvolvidas por essa autora analisam e criticam as maneiras pelas quais est embasada a formao em dana. Em segundo lugar, Gadelha (2006) em sua dissertao de mestrado analisa o trabalho da dana sociologicamente ao longo da histria, por meio do referencial terico de Norbert Elias, Michel Foucault, Flix Guattari e Gilles Deleuze. Essa autora analisou as transformaes das expresses da dana do bal clssico ao con-
temporneo articulando-as com as mudanas na esfera da produo. Os artistas da dana (coregrafos e bailarinos), objeto do estudo proposto neste artigo, representam o menor grupo de trabalhadores no interior do conjunto do grupo de Profissionais de Espetculos e das Artes, no Brasil, equivalendo a 3,3% dos trabalhadores (Segnini, 2010). Conforme a Classificao Brasileira de Ocupaes (CBO), tal grupo de artistas se subdivide em: assistente de coreografia, bailarino (exceto dana popular), coregrafo (bailarino coregrafo, coregrafo bailarino), dramaturgo de dana, ensaiador de dana e professor de dana (matre de ballet). As condies gerais do exerccio deste grupo profissional so:"trabalham nas reas de criao, pesquisa e ensino. Suas atividades so sempre realizadas em equipe e podem se desenvolver tanto em companhias estveis de bailado, em que predominam os vnculos formais de trabalho, estabilidade no emprego e possibilidade de construir uma carreira, como em cooperativas ou como autnomos, realizando produes independentes. Esta ltima a situao da grande maioria dos profissionais, os quais, em geral, se auto-financiam, costumeiramente, exercendo atividades como professores, terapeutas etc. concomitantemente dana"(CBO, 2002). A formao profissional exigida no precisa ser necessariamente formal. O artista da dana est sempre em busca do aperfeioamento de suas tcnicas e essas so mltiplas. As razes que levam um artista escolher a uma determinada tcnica so inmeras e variam conforme a necessidade de um determinado momento: procurar uma tcnica cuja esttica tenha a ver com o ideal de corpo do personagem, com o ideal definido pelo coregrafo ou outra necessidade artstica. Este aprendizado contnuo no apenas encontrado no interior das instituies formais de ensino, ocorre, sobretudo, na esfera informal. oriundo da experincia, das mltiplas vivncias no qual o tempo fundamental (Strazzacappa, 2006). A organizao do trabalho em dana exige constante reorganizao dos processos de produo; impe flexibilidade elevada ao trabalhador artista. h necessidade da existncia de um"exrcito artstico de reserva altamente qualificado, pr-condio para a manuteno desta forma de organizao do espetculo ao vivo, uma vez que necessrio recrutar de maneira rpida, por meio de redes de conhecimento, audies (identificao dos melhores artistas para cada espetculo) e de acordo com diferentes possibilidades de remunerao cachs (Menger, 2005 cit in Segnini, 2008). O processo de construo de um espetculo exige dupla dimenso dos bailarinos: trabalho individual e coletivo. No trabalho individual observado o desenvolvimento da tcnica; o conhecimento do prprio corpo, pesquisa sobre movimento, obteno de repertrio de movimento por meio da investigao individual e manuteno dos requisitos em termos biolgicos. Os bailarinos e bailarinas esto em
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constante movimento, uma vez que o instrumento de trabalho o corpo, preciso mant-lo sempre pronto para o trabalho (Segnini, 2006). exigido desses profissionais atividades fsicas dirias realizadas individualmente como: musculao, alongamento, e outras tcnicas de desenvolvimento corporal. Assim como de extrema necessidade o trabalho realizado coletivamente sob as orientaes do coregrafo, com o objetivo de se aprender o movimento de determinada coreografia (ensaios). A dana se aprende e apreende-se pelo trabalho do corpo. O bailarino, artista cnico, encontra em seu prprio corpo o objeto para fabricar a sua arte, o seu trabalho. talvez possa parecer redundante informar que a dana uma atividade cujo seu instrumento principal o corpo do artista, contudo relevante informar que o artista da dana desprovido de outro meio para produzir o seu trabalho. E tal instrumento seu corpo- que o acompanha onde quer que ele esteja; em cena ou fora dela. Observa-se, sobretudo nos bailarinos do bal clssico, cuja tcnica muito comumente aprendida desde criana, o quanto seus gestos e movimentos, mesmo fora do palco ou dos ensaios, marcado pelas tcnicas da dana clssica. O artista cnico possui um nico corpo com o qual est tanto em cena como na vida cotidiana. todas as tcnicas adquiridas para melhorar seu trabalho de performer () permanecem com ele, pouco importa onde ele se encontra. () O corpo, com sua cultura, com sua tcnica, seus smbolos, constitui uma unidade. Uma vez a tcnica adquirida ela lhe pertence (Strazzacappa, 2006, p.44). Os problemas de sade fsica para os bailarinos expressam a relevncia do corpo enquanto instrumento de trabalho. Assim, fraturas de ossos, fadiga muscular, problemas de articulaes e regio lombar so queixas freqentes (Rannou & Roharik, 2006). por esta razo, que evidencia-se a curta durao deste trabalho; o corpo submetido a um excesso de atividade fsica tem um limite. necessrio, tambm um cuidado alimentar para que este corpo seja magro, leve e adaptvel a qualquer movimento solicitado. Alguns autores associam o trabalho do bailarino com o trabalho dos esportistas profissionais, no que concerne a elevada carga horria de exerccios corporais dirios, somada a uma presso por desempenho, no sentido de qualidade e preciso do movimento. Desta forma, tanto para os esportistas profissionais como para os profissionais da dana, a carreira comumente curta, praticada por jovens, uma vez que tal ritmo de trabalho mais facilmente tolerado por um corpo jovem. Em 2004, 80% dos profissionais da dana segundo o Ministrio do trabalho e Emprego, estavam na faixa etria at trinta e nove anos de idade (Segnini, 2008).
Aproximar o bailarino do esportista profissional, particularmente em termos de performance fsica, oportuno porque, para ambos, esta em jogo a relao com o corpo e a breviedade na carreira. Como para o esportista, o corpo do bailarino adaptado muito jovem em funo das performances realizadas. O bailarino deve realizar um treinamento coletivo, organizado pelo coreografo com o objetivo de adapt-lo fisicamente a um determinado gesto, como um treinador faz com seus atletas. Como entre os esportistas, o engajamento fsico sinnimo de risco fsico (Rannou & Roharik, 2006, p.130, traduo livre). A carreira do bailarino pode ser resumida em quatro grandes etapas: a primeira, encantamento com a atividade; muito comumente, engajam-se precocemente na profisso por meio de um ciclo de formao informal especializada, escolas de dana, por exemplo. O segundo momento decisivo na carreira do bailarino, no qual o profissional buscar se colocar no mercado e se estabilizar enquanto artista da dana. Nesta trajetria, o terceiro perodo caracterizado pela maturidade e reconhecimento profissional. No entanto, o quarto momento tende a ser marcado por complicaes profissionais relacionadas, sobretudo com o corpo. Anunciando assim a sada do palco (Rannou & Roharik, 2006). A relao entre o amadurecimento profissional e a necessidade de um corpo jovem expressa um potencial conflito permanente na profisso. A angstia face a instabilidade do instrumento de trabalho est presente o tempo todo. O bailarino sempre sujeito a um acidente de trabalho que danifica seu maior e mais precioso instrumento de trabalho. Da mesma forma, o envelhecimento fato inerente vida. A curta carreira do bailarino o coloca num estado de urgncia profissional e numa relao com o tempo presente frequentemente exacerbadas (Rannou & Roharik, 2006). O amadurecimento profissional um preldio do fim da atividade. Desta forma, observada uma relao ambgua: quanto mais o profissional amadurece e se torna mais cnscio de suas habilidades e fragilidades, tambm se depara com a proximidade de ter que se retirar da cena em razo de um corpo que se fragiliza biologicamente e menos valorizado no mundo da dana. A preocupao com o futuro profissional freqente entre os bailarinos. Atividades como docncia, criao coreogrfica, gesto e produo artstica so algumas possibilidades encontradas no mercado de trabalho, para estes profissionais a posteriori, mas que j se caracterizam como novas profisses, requerem outras habilidades e qualificaes. () a curta carreira dos bailarinos constituda de uma dupla tenso permanente: consolidar sua posio dentro de sua rede profissional e seu universo vocacional e, a preparao de seu futuro aps a dana (Rannou & Roharik, 2006, p.17, traduo livre).
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Ao analisar as caractersticas acima mencionadas sobre o trabalho do bailarino as autoras indagaram sobre os processos psquicos engendrados por estes trabalhadores ao realizarem suas atividades. O dilogo entre a organizao do trabalho em dana e a subjetividade do trabalhador bailarino um campo que pode ser aprofundado. Com o intuito de expandir as reflexes nessa rea, realizou-se um estudo cujo objetivo foi analisar as maneiras pelas quais os trabalhadores da dana mobilizam suas subjetividades ao buscar realizar suas atividades laborais cotidianas. Enfim, pretende-se com este artigo analisar a relao entre o trabalhador bailarino e a organizao do trabalho em dana luz do constructo terico da psicodinmica do trabalho (PDt). No Brasil, existe outra pesquisa realizada com este objetivo; Santos (2008) articulou, em sua dissertao de mestrado, a relao psicodinmica entre o sujeito bailarino e a organizao do trabalho em uma companhia de dana contempornea, em Gois. tal autora concluiu que a forma aparentemente naturalizada, banalizada como os bailarinos vivenciam a dor uma estratgia coletiva de defesa face necessidade destes trabalhadores enfrentarem e superarem a dor fsica para poderem trabalhar, uma vez que o trabalho da dana implica num constante e intenso trabalho do corpo. No entanto, no estudo proposto neste artigo analisou-se outra dimenso da dor que ser melhor explicada no item que se refere aos resultados.
ii. referencial terico

A psicodinmica do trabalho (PDt) prope que as relaes no trabalho so fundamentais para a construo da subjetividade do sujeito adulto, no somente nos espaos de trabalho, mas do sujeito como um todo. tal teoria ao articular sade mental e trabalho na contemporaneidade elaborou categorias analticas que demonstraram ser uma das mais significativas para analisar as relaes estabelecidas entre o sujeito trabalhador bailarino e a organizao do trabalho em dana, objetivo deste artigo. A PDt nasce de uma prtica de ao no campo e de um dilogo entre a psicopatologia do trabalho, a ergonomia, a psicanlise, a sociologia, a fenomenologia, a antropologia e a filosofia. Ela tem como pedra mestra o livro publicado em 1980, na Frana, intitulado Travail, usure mentale, de autoria do Christophe Dejours. Nesse livro, ainda que a psicodinmica do trabalho no seja assim nomeada, o autor esboa as premissas norteadoras da teoria. O autor prope a clnica do trabalho, cujo objetivo compreender o conflito entre a organizao do trabalho e o funcionamento psquico do trabalhador. A PDt questiona como as pessoas, apesar de submetidas a diversos constrangimentos relacionados s condies e organizao do trabalho conseguem trabalhar sem adoecer psiquicamente. Como fazem os trabalha-
dores do ponto de vista psquico para realizarem suas atividades laborais, apesar de todas as dificuldades que enfrentam no trabalho? A partir deste questionamento elaborada a complexa categoria normalidade sofrente que informa as estratgias defensivas, construdas individual ou coletivamente, contra o sofrimento patognico vivenciado no trabalho. tal categoria pode ser considerada um divisor de guas entre a PDt e a psicopatologia do trabalho. A psicopatologia do trabalho uma disciplina elaborada nos anos 1950-1960, na Frana, por autores como L. Le Guillant, C. Veil, P. Sivadon, A. Fernandez-zoila, J. Bgoin (Billiard, 2001). tal teoria pressupunha que a doena mental no trabalho causada pelos constrangimentos impostos pela organizao do trabalho ou por problemas psquicos pr-existentes das pessoas. A psicodinmica do trabalho deixa de focalizar o sofrimento no trabalho como produto de uma relao de causa e efeito das relaes de poder vivenciadas na esfera da explorao do trabalho sobre a subjetividade do trabalhador, e passa a analisar o sofrimento e as defesas contra os aspectos nocivos sade mental da organizao do trabalho. A normalidade sofrente, por sua vez, expressa a racionalidade subjetiva das condutas e das aes dos trabalhadores. A psicodinmica do trabalho germinada nesta relao com o trabalhar, entendida como uma relao indissocivel entre o sujeito que trabalha e o ato de trabalhar com todas as relaes inerentes a esse confronto e no somente entre a patologia e a normalidade (Dejours, 2004a). Partindo da concepo de sujeito, tal como compreendido pela psicanlise, a PDt compreende que o trabalhador no passivo frente aos constrangimentos organizacionais, sendo capaz de se proteger dos efeitos deletrios da organizao do trabalho sobre a sade mental por meio de estratgias defensivas. Segundo a psicanlise, a defesa e os mecanismos de defesa se constituem em processos inconscientes que tem por funo evitar o desequilbrio psquico, auxiliando o ego na elaborao dos conflitos psquicos. Desta forma, o ego mantm certo controle face s representaes e afetos insuportveis e inaceitveis para ele (foras pulsionais). Neste sentido, a defesa e os mecanismos de defesa so fundamentais para a manuteno da sade psquica do sujeito, no entanto o uso excessivo de tais processos pode comprometer o equilbrio psquico, uma vez que originam sintomas. Mecanismos de defesa e defesa, para a psicanlise, so conceitos complexos que ora participam de processos da construo do aparelho psquico, ora so processos que auxiliam na manuteno da sade psquica, alm do que esto na base da construo dos sintomas (Laplanche e Pontalis, 2001; Schmid-Kistkis, 2002). Desta forma, Dejours ao analisar a maneira pela qual o trabalhador se defende psiquicamente das dificuldades impostas pela realidade da organizao do trabalho, define tal processo como construo de estratgias de defesa e no como mecanismos de defesa, uma vez que este ltimo tem
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outras implicaes e sentidos na teoria psicanaltica, conforme explicitado. importante salientar que para a PDt as estratgias de defesa, no so analisadas como aspectos positivos que mantm o trabalhador produtivo apesar de todas as dificuldades encontradas no trabalho, mas como um processo que desencadeia no estado de normalidade sofrente, que no , em hiptese alguma, ausncia de sofrimento. Ela expressa, aparentemente, a idia de equilbrio saudvel entre as pessoas. Afinal, ela permite que os trabalhadores pertencentes a uma determinada organizao, mesmo que submetidos a sofrimentos patognicos, realizem suas atividades, sem causar prejuzo ao processo de trabalho. No entanto, tal normalidade mantida custa de muito sofrimento. A normalidade sofrente no deve ser confundida com estado saudvel (Lancman & Uchida, 2003). As estratgias de defesa e a normalidade sofrente possuem ainda outra funo que, todavia, pode ser explorada pelas organizaes do trabalho; elas atenuam o sofrimento, sem proporcionar a cura. Elas bloqueiam a reflexo do trabalhador sobre o seu sofrimento."Assim, as estratgias defensivas desempenham o papel de freio reapropriao, emancipao e mudana."(Dejours, 2004a, p.54). Desta forma,"o que explorado pela organizao do trabalho no o sofrimento, em si mesmo, mas principalmente os mecanismos de defesa utilizados contra este sofrimento"(Dejours,1987, p.119). O sofrimento, contudo, para a PDt, no somente fonte de desorganizao psquica, ele entendido, tambm, como inerente ao trabalho, uma vez que frente aos desafios de realizar algo novo, o sujeito entra em um conflito,um estado de angstia, se ele conseguir realizar ou no tal atividade. E ao se lanar na resoluo deste conflito, o sujeito cria o novo. A criao e a realizao de si mesmo no trabalho esto intimamente relacionadas e propiciam o prazer no trabalho. Desta forma, para a PDt, o sofrimento no trabalho se desdobra em duas possibilidades: sofrimento criador, quando o indivduo tem meios para se desenvolver e sofrimento patognico quando o mesmo no oferece sadas e alternativas de superao. A normalidade sofrente formada pelas estratgias defensivas contra o sofrimento patognico vivenciado no trabalho, decorrente de um equilbrio instvel, precrio entre esse sofrimento e as defesas contra ele. Nesse processo psquico a elaborao inconsciente das estratgias de defesa fundamental para que o sujeito possa viver sem ter que se afrontar com o sofrimento desestruturante. Quando o sofrimento patognico no gera uma ruptura do equilbrio psquico, trazendo tona uma descompensao psicopatolgica, porque contra ele o sujeito empregou poderosas defesas que o permitiram control-lo (Dejours, 1999). A patologia trazida tona quando as estruturas defensivas que permitiam a manuteno da normalidade sofrente no mais a sustentam. Ou seja, o aparelho psquico no consegue
mais se equilibrar contra as foras desestruturantes oriundas do sofrimento vivenciado no trabalho. Depresso, estresse, drogadio, burn-out, karoshi (morte sbita no local de trabalho), suicdio no local de trabalho (Dejours & Bgue, 2010) so patologias que tem sido relacionadas com o sofrimento psquico excessivo vivenciado no trabalho. Conforme, resume pesquisadores da rea da PDt, no Brasil: () A patologia surge quando se rompe o equilbrio e o sofrimento no mais contornvel. Em outros termos, quando um certo trabalhador utilizou todos os seus recursos intelectuais e psico-afetivos para dar conta da atividade e demandas impostas pela organizao e percebe que nada pode fazer para se adaptar e/ou transformar o trabalho (Lancman & Uchida, 2003).
iii. mtodo
Esta pesquisa se insere no mbito da pesquisa qualitativa e se configura num estudo de caso o do Bal da Cidade de So Paulo (BCSP). tal companhia de dana foi criada em 1968 como um dos corpos estveis do theatro Municipal de So Paulo, vinculado Prefeitura da Cidade de So Paulo. Em 1974, o BCSP se transformou em uma companhia de dana contempornea. Essa mudana, no apenas representou a realizao de um trabalho artstico diferenciado em relao ao bal clssico, mas implicou, tambm, em novas formas de relaes no trabalho. A partir de ento, os bailarinos no so mais diferenciados hierarquicamente, tal como se organizavam as companhias de bal clssico e todos eles passam a receber o mesmo salrio. Apesar de uma aparente estabilidade, os contratos so temporrios, renovados periodicamente, na maioria dos casos de seis em seis meses. Esse grupo de trabalhadores, na medida em que no so contratados formalmente segundo a legislao trabalhista brasileira (CLt - Consolidao das Leis do trabalho), no tem direitos sociais assegurados, tais como frias, licena maternidade/paternidade, afastamento remunerado por doena, aposentadoria entre outros benefcios assegurados pelas leis trabalhistas brasileiras. No entanto, a situao acima descrita significa, no instvel mundo do trabalho em dana, estabilidade financeira e profissional para os bailarinos. Essa situao faz com que pertencer ao grupo dos bailarinos profissionais do BCSP, seja, no meio artstico, altamente almejado, tanto pelo seu reconhecimento social, quanto pela competncia artstica atribuda a seus bailarinos. Alm do que o BCSP representa um espao de trabalho cujas condies de trabalho so consideradas diferenciadas positivamente pelos artistas, na medida em que lhes possibilitado acesso a um trabalho permanente. As autoras escolhem realizar esta pesquisa no BCSP, uma vez que, conforme descrito acima, esse se cons-
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ENTREVISTAS
OCUPAO NO BCSP
BAL CANELA FINA
SEXO
IDADE
FORMAO
INICIOU NA DANA
TEMPO NO BCSP
Bailarina I
Bailarina
Elenco 1
Mulher
34 anos
Bal Clssico
9 anos de idade
15 anos
Bailarina II
Bailarina
Elenco 2
Mulher
37 anos
Bal Clssico
9 anos de idade
8 anos
Bailarina III
Bailarina
Afastada (cirurgia no joelho)
Mulher
29 anos
Bal Clssico
14 anos de idade
2 anos
Bailarina IV
Bailarina e membro da direo do BCSP
Direo do BCSP
Mulher
48 anos
Bal Clssico
13 anos de idade
30 anos
Bailarino I
Bailarino
Elenco 2
homem
31 anos
Bal Clssico
13 anos de idade
7 anos
Bailarino II
Bailarino
Elenco 2
homem
32 anos
Bal Clssico
15 anos de idade
8 anos
Coregrafo
Coregrafo convidado Dramaturga convidada
Coregrafo
homem
33 anos
Dana
13 anos de idade
3 meses
Dramaturga
Dramaturga
Mulher
32 anos
teatro
15 anos de idade
3 meses
Fisioterapeuta
Fisioterapeuta
Fisioterapeuta
Mulher
45 anos
Fisioterapia
8 anos
Quadro I Dados gerais dos entrevistados.
titui em um espao de trabalho no campo da dana que permite que um coletivo de bailarinos sobreviva de dana, sendo, portanto, caracterizado como um grupo de profissionais da dana. As tcnicas escolhidas foram entrevistas individuais e observao do processo de trabalho. As entrevistas realizadas foram abertas, duraram em mdia noventa minutos, foram registradas em gravador digital e transcritas pelas autoras. Quatro bailarinas, dois bailarinos, coregrafo, a dramaturga e uma fisioterapeuta da companhia analisada participaram voluntariamente. O objetivo de realizar as entrevistas com o coregrafo, a dramaturga e com a fisioterapeuta foi buscar obter maior compreenso do campo pesquisado. As anlises contidas neste artigo so fundamentalmente oriundas das falas dos bailarinos e bailarinas do BCSP e da observao do processo de trabalho. As entrevistas foram analisadas segundo o mtodo de anlise de contedo proposto por Bardin (1977). Escolhemos a anlise de contedo por ser um mtodo de pesquisa reconhecido pelo meio cientfico e uma maneira de analisar com acuidade a fala dos trabalhadores que participaram desta pesquisa. O objetivo da anlise de contedo dividir as falas dos entrevistados em categorias e temas, de tal forma que no final dessa minuciosa categorizao das falas possam ser realizadas generalizaes e reflexes tericas sobre o observado.
Categorizar implica isolar elementos para, em seguida, agrup-los. As categorias devem ser: (a) exaustivas, isto , devem permitir a incluso de praticamente todos os elementos, embora nem sempre isso seja possvel; (b) mutuamente exclusivas, ou seja, cada elemento s poder ser includo em uma nica categoria; (c) objetivas, isto , definidas de maneira precisa, a fim de evitar dvidas na distribuio dos elementos; (d) pertinentes, ou seja, adequadas ao objetivo da pesquisa (Vergara, 2006, p.18). O mtodo proposto por Bardin prev que as categorias analticas devem emergir do prprio discurso dos entrevistados. O material coletado permitia diversos focos de anlise. Nessa pesquisa, opta-se por privilegiar e destacar somente algumas das categorias relacionadas ao sofrimento psquico dos bailarinos correlacionando-as com a categoria estratgia de defesa elaborada pela PDt e descrita na introduo deste artigo. O quadro abaixo explicita os temas que nortearam a categorizao das entrevistas analisadas. A partir da anlise destes temas elegeram-se alguns que demonstraram ser mais relevantes. Realizou-se uma articulao entre tais temas e a psicodinmica do trabalho.
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TEMAS DE ANLISE
SUBTEMAS
iv. resultados
Para que a discusso dos resultados da pesquisa descrita neste artigo possa ser melhor compreendida necessrio ressaltar algumas caractersticas observadas da organizao do trabalho no BCSP. Desta forma, o item IV est dividido em dois tpicos: IV.I A organizao do trabalho do BCSP, que por sua vez est dividido em trs sub-tpicos: a. o processo de trabalho, b. relaes no trabalho e c. presso pela perfeio. J o tpico IV.II O bailarino e as estratgias de defesa mobilizadas ao trabalhar, refere-se a anlise dos dados luz da PDt, esse tpico foi subdividido em trs: a.eu ligo o profissional, b.bailarino tem ego"e, por ltimo o c. valorizao da dor.
A busca pela perfeio
A constante submisso ao julgamento do outro A constante presso pelo alto desempenho
O sofrimento no trabalho
A frustrao de no ser escolhido para o elenco principal a cada novo espetculo A competitividade O erro no trabalho O convvio com a dor (fsica)
Quadro II temas seleccionados para analisar as entrevistas.
A observao do processo de trabalho foi realizada durante trs meses. Neste perodo foi possvel acompanhar o processo de elaborao de um espetculo de dana na companhia estudada, do seu incio at a estria do espetculo. As observaes foram realizadas semanalmente e sempre tiveram a durao de um dia completo de jornada de trabalho, ou seja, de oito horas. Essas observaes foram registradas em cadernos de campo e em fotos digitais. Utilizou-se a observao do processo de trabalho com o intuito de aprofundar o conhecimento das relaes sociais estabelecidas nos processos de elaborao do trabalho em dana que ainda pouco analisado, no Brasil. A observao do processo de trabalho permitiu identificar valores do grupo e aspectos do relacionamento entre os membros do coletivo que passam despercebidos na fala dos trabalhadores (Vergara, 2006). escolha e a combinao dos dois mtodos (observao do processo de trabalho e anlise de contedo das entrevistas) ocorreu com intuito de oferecer a maior quantidade de informaes sobre o grupo estudado, sendo um mtodo complementar ao outro no que tange os dados encontrados.
IV.I A Organizao do trabalho do Bcsp
A. O Processo de trabalho
A agenda de espetculos do BCSP definida pela direo da Companhia em conjunto com a direo do theatro Municipal de So Paulo. A definio das coreografias realizada pela direo do BCSP, podendo ser selecionada coreografia do repertrio da Companhia ou mesmo uma nova coreografia, criada especialmente para o BCSP, por um coregrafo convidado. Este foi o caso do processo de trabalho observado nesta pesquisa. Uma vez definida a coreografia, o processo de trabalho para a construo de um espetculo, no BCSP, pode ser resumido em trs etapas. Primeiro, a escolha do elenco. Em segundo lugar, os ensaios, momento em que a coreografia transmitida aos bailarinos e, s vezes, reelaborada de acordo com as caractersticas fsicas e/ou tcnicas dos bailarinos. A montagem da obra coreogrfica ocorre por meio desses ensaios, os quais representam um longo perodo de trabalho na preparao de um espetculo. A terceira etapa consiste na apresentao do espetculo em si, na concretizao da obra artstica propriamente dita. No BCSP, a cada nova montagem de espetculo um coregrafo ou coregrafa convidado, desta forma a cada nova construo coreogrfica, os bailarinos do BCSP so confrontados com uma nova forma de trabalhar. Outra caracterstica da organizao do trabalho analisada que a cada novo espetculo o elenco dividido em dois; elenco 1 e elenco 2. O elenco 1 constitudo pelo grupo de bailarinos e bailarinas considerados, pelo coregrafo e pela direo do BCSP, mais apto para realizar a coreografia. J o elenco 2 representado pelos substitutos do elenco 1. Cada bailarino do elenco 1 tem o seu representante no elenco 2. Esta diviso do grupo , comumente, geradora de angstia, frustrao e competitividade. Ser do elenco 2 considerado pelos
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bailarinos um demrito. O bailarino do elenco 2 ter que estar to preparado quanto o bailarino do elenco 1, porm, pode ser que no venha a participar da apresentao. O coregrafo e o assistente de coreografia so os responsveis pelo padro e o controle do movimento, pela qualidade da obra coreogrfica, esto atentos tcnica de cada bailarino, se preocupam com a coeso do grupo na execuo da dana, assim como adequam os tempos da dana com relao msica. O trabalho da dana detalhista, minucioso e exigente. um trabalho realizado sob o constante olhar crtico do coregrafo, dos assistentes de coreografia e, tambm, da direo. Durante os ensaios, os bailarinos frequentemente so interrompidos, para que tenham seus movimentos corrigidos. O reconhecimento positivo do trabalho realizado comumente expresso pelo coregrafo e seus assistentes no final dos ensaios, porm, esse reconhecimento comumente acompanhado por uma lista de crticas e apontamentos que indicam correes e modificaes. observado que as correes so propostas para o grupo e para cada bailarino individualmente, as quais, entretanto, devero ser sempre realizadas coletivamente. As crticas individuais so informadas coletivamente, com o intuito de possibilitar a todos um processo de aprendizagem de como realizar a obra coreogrfica. Os bailarinos do elenco 2 participam desse processo, porm ficam como uma espcie de sombra do elenco 1, ou seja o coregrafo e os assistentes de coreografia no o corrigem durante os ensaios do elenco 1. haver, no entanto, um momento no qual somente o elenco 2 ensaiar e assim receber a ateno do coregrafo.
de sujeitar - se vontade do outro, em disciplina, no sentido de submisso a um regulamento e em busca pela perfeio do movimento que, por sua vez, est intrinsecamente relacionada busca por um determinado corpo para o trabalho.
C. Presso pela perfeio

Esta constante procura pela perfeio e exatido do movimento almejada pela organizao do trabalho, e tambm pelo prprio bailarino. observada uma ntima relao entre a auto-exigncia do bailarino e a exigncia da organizao, sendo difcil uma diferenciao entre elas. () Eu me cobro muito. () A gente tem um cotidiano muito duro, muito exigente. () Ento, a sade mental e fsica vai para o chinelo (bailarina I, BCSP, 30/05/08). O grau de exigncia do bailarino () gigante (bailarina IV, BCSP, 21/05/08). Observa-se uma organizao na qual a disciplina almejada e valorizada; a pontualidade, a perfeio do movimento e a exigncia por corpos esteticamente e fisicamente perfeitos so cobrados diariamente destes profissionais. Existe uma constante exigncia por uma qualidade e preciso do movimento, assim como a manuteno do corpo enquanto instrumento de trabalho. Nota-se uma permanente busca pela perfeio. Os bailarinos so profissionais que esto constantemente trabalhando sob o olhar do outro. Inicialmente, ainda nos ensaios, esto sob o olhar da direo artstica, do coregrafo e do colega. Durante o espetculo somam-se os olhares do pblico e da crtica especializada.
B. Relaes no trabalho
Observou-se que apesar de no existir uma hierarquia formal entre os bailarinos h uma relao de submisso ao coregrafo e direo artstica da companhia. O bailarino responsvel pelo movimento e buscar, no seu prprio corpo, uma maneira de alcanar o que lhe est sendo solicitado. o corpo deste bailarino que sofrer leses ou ficar dolorido, no somente pelo excesso de trabalho com o corpo sete horas dirias -, mas tambm pela presso sofrida para atingir uma execuo virtuosa. Como informa a bailarina I, entrevistada nesta pesquisa: () a gente tem muito pouca inteligncia para se mexer dentro de uma companhia, porque a gente vai ao massacre na fora (bailarina I, BCSP, 30/05/08). A demanda do coregrafo vivenciada como lei, so raros os momentos de contestaes, ou mesmo, simples sugestes dos bailarinos sobre o movimento que executam. um processo de trabalho que implica em obedincia, no sentido
IV.II. O bailarino e as estratgias de defesa mobilizadas ao trabalhar

Esse grupo de profissionais analisados informam, nas entrevistas, que iniciam suas atividades no mundo da dana, ainda crianas ou adolescentes. tal atividade , primeiramente, vivenciada como um lazer. a satisfao que o movimento proporciona que impulsiona estes sujeitos a optarem pela dana como profisso, assim como a idia glamourosa que a profisso representa na sociedade. O autoconhecimento, a superao de si mesmo, a identificao com a arte alcanada pelo sujeito ao danar fonte de prazer para o bailarino. Prazer que est relacionado a satisfao no trabalho; a identificao com o que est sendo produzido, o sentimento de reconhecimento pelos colegas, pela hierarquia e pelo pblico. Neste sentido, o trabalhador bailarino um artista; apaixonado pelo seu mtier. No entanto, tambm foi possvel observar que a dana para dei-
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xar de ser lazer e ser um ofcio exige dos bailarinos um aprendizado para o trabalho. preciso aprender determinadas tcnicas, mtodos, linguagens e estilos de movimento. preciso um controle esttico do corpo enquanto instrumento de trabalho. preciso aprender a se submeter as regras da organizao do trabalho. preciso seguir determinada coreografia. preciso saber lidar com a competitividade velada, mas constante. preciso enfrentar os erros, as falhas, o envelhecimento. Enfim, existe um processo que pode ser gerador de sofrimento no enfrentamento do sujeito bailarino com a organizao do trabalho. Ao analisar as falas dos bailarinos houve a preocupao de focar aquilo que expressasse o coletivo dos entrevistados. Foi possvel observar duas expresses utilizadas, com freqncia, por este grupo para informar como fazem para lidar com o sofrimento no trabalho: "eu ligo o profissional" e "o bailarino tem ego. Ao ouvir repetidas vezes essas expresses nos perguntamos qual o seu sentido. Enfim, o que os bailarinos estavam tentando nos comunicar ao utilizar estas expresses? Outra comunicao endereada as pesquisadoras que suscitaram analise o fato que os bailarinos as procuravam, espontaneamente, durante o processo de observao para mostrar e contar sobre as partes doloridas de seus corpos. No houve um dia se quer das visitas ao BCSP que um bailarino no viesse as informar sobre o quo dolorido estava. Desta forma, foi inevitvel perguntar sobre o sentido deste comportamento e o que este grupo de profissionais estava tentando expressar.
rina II, BCSP, 01/07/08). () Eu me atenho ao lado profissional. () esto precisando desse servio meu, e eu vou dar somente esse servio. bvio que eu sei que posso dar mais, inclusive a direo sabe que eu posso dar mais (bailarino I, BCSP, 13/06/08). As falas acima expressam como esses bailarinos fazem para lidar com sofrimentos cotidianos no trabalho. Ao ouvir dos bailarinos a expresso"Ligar o profissional, as autoras passaram a escutar uma tentativa desses trabalhadores de minimizarem o sofrimento no trabalho colocando-se da maneira mais econmica possvel na ao; somente como profissional.
B.O bailarino tem ego

O bailarino tem como instrumento, principal, de trabalho o corpo. Observa-se uma constante procura desse trabalhador por um corpo esttica e tecnicamente perfeito, pois assim este lhe permite um movimento virtuoso. No entanto, o seu instrumento de trabalho corpo - , naturalmente, instvel. O corpo pode falhar, apesar das inmeras tentativas dos bailarinos e da prpria organizao do trabalho em control-lo. Assim, algumas ameaas se colocam de forma permanente, tais como a leso inesperada, o no conseguir realizar a coreografia - seja por um limite biolgico ou cronolgico (o envelhecimento) - e at mesmo por questes no objetivas, pois o corpo , tambm, subjetividade; os sentimentos e emoes o afetam e no existem dissociadas dele. O trabalho da dana tem uma dimenso imprevisvel, incontrolvel. Esses trabalhadores travam uma luta constante procura da perfeio almejada, com um instrumento de trabalho naturalmente limitado e frgil. O bailarino realiza seu trabalho submetido constante vigilncia, observao do outro. Durante os ensaios est sob o olhar crtico do coregrafo, da direo e dos colegas. frequentemente interrompido para reelaborar os movimentos a serem corrigidos. No momento do espetculo, somam-se os olhares do pblico e da crtica especializada. A exposio permanente crtica inerente ao trabalho do bailarino, desde o incio do processo at a ltima etapa, o espetculo. A permanente submisso ao julgamento do outro, a constante exposio fsica, somados a permanente incerteza frente aos limites do instrumento de trabalho o corpo possibilita afirmar que esses trabalhadores se encontram numa permanente instabilidade. A cada nova coreografia e a cada novo espetculo o bailarino confrontado com a sua capacidade de realizar o trabalho. As entrevistas informam que o profissional bailarino para lidar com o receio da fragilidade, da incerteza constri uma tentativa de expressar uma imagem ideal de si-mesmo.
A."Eu ligo o profissional

Ao analisar as entrevistas, observou-se que as expresses"eu ligo o profissional,"eu me atenho ao profissional, eram recorrentes na fala dos entrevistados. Os bailarinos utilizavam tal expresso para explicar como faziam para lidar com as frustraes vivenciadas no cotidiano do trabalho. Frustraes oriundas de variadas situaes: ao no serem escolhidos para o primeiro elenco, quando so substitudos no decorrer do processo de construo da coreografia, ou ainda, quando devem interpretar um projeto coreogrfico com o qual no se identificam. () o principal voc manter a cabea, () voc lembrar que o mais importante o lado profissional () e se manter tranqilo, e ainda dentro do processo, mesmo tendo sido excludo (bailarino II, BCSP, 29/06/08). Voc liga o profissional. () na quinta feira passada, quando acabou o ensaio eu brochei total. Eu estava super a fim de fazer, super me dedicando e dei uma brochada. Falei:"bom, vou ser profissional ao mximo. Voc se agarra tcnica () e faz o seu trabalho (baila-
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possvel observar esta estratgia pela freqncia que os bailarinos utilizam a expresso"bailarino tem ego"para relatarem histrias sobre vivncias no trabalho que se relacionavam com competitividade, o sentimento de ser preterido, pelo coregrafo ou direo e com o sentimento de impotncia em relao aos limites do corpo e ao fato de no serem somente corpo maquina, mas de serem pessoas e assim, limitadas, frgeis e submetidas inexorabilidade da vida. No BCSP no tem uma hierarquia dos bailarinos, mas voc tem ego. () Voc esta despontando, de repente, vem colega que quer te ver trincado, e ai voc fala hammmmmmmmm (bailarina I, BCSP, 30/05/08). Nos bailarinos o ego atrapalha. A gente nunca se entrega () a uma montagem. Voc j recebeu prmio, j trabalhou em vrias companhias. Ento, quem o coregrafo para lhe falar alguma coisa? Ento, para voc se entregar mesmo, voc tem que deixar tudo isso para trs e isso muito difcil (bailarino I, BCSP, 13/06/08). So poucos os colegas que ajudam. () ps-operados aqui tem vrios eu me vejo chorando na fisioterapia, di pra caramba! Mas, quando eu comento:"Nossa como di pra dobrar o joelho depois da cirurgia. Doeu o seu?. Eu ouo:"O meu no!. () Pra ele no falar deve ter uma questo a. () o companheirismo () nem sempre se tem. () o bailarino tem muito ego (bailarina IV, BCSP, 10/03/09). As falas acima tambm suscitam reflexes sobre a impossibilidade de se manter no trabalho por duas dimenses inerentes s suas regras, relativas ao corpo. trata-se do vivenciar as temidas leses fsicas e o processo inevitvel de envelhecimento, que ocorre muito precocemente na vida do bailarino. Acima dos trinta e cinco anos de idade, o bailarino, para essa companhia de dana, compreendido em processo de envelhecimento e aos quarenta anos, provavelmente, dever se ausentar do palco por uma demanda fsica (leso, fratura ou por no desenvolver o movimento com a mesma agilidade necessria). O limite do corpo, seja pelo envelhecimento ou pelas dores e leses, vivenciado pelos bailarinos de maneira imposta. A dor fsica, as leses, o envelhecer so vivenciadas com angstia por esse grupo. Foi possvel observar que os bailarinos mais velhos, que esto se aproximando da sada, esto sofrendo com a ameaa do trmino, como bem resume uma das bailarinas entrevistadas: () Desde os nove anos, eu me sinto bailarina. () Eu converso muito () na terapia, como se fosse a minha carteira de identidade. () Eu no posso jogar isto fora da noite para o dia e mudar, fazer outra coisa Eu, me de famlia com um filho () tenho um salrio bom. Eu no tenho outra formao, como que eu vou conseguir esse salrio fazendo outra coisa? (bailarina I, BCSP, 30/05/08).
Observa-se neste trecho uma angustia no somente em relao a sua identidade profissional, mas tambm em relao a sua sobrevivncia. Foi possvel analisar, nesta pesquisa, que o sofrimento vivenciado pela bailarina I, s possvel ser verbalizado porque ela est se aproximando do fim da carreira, j os mais jovens no verbalizam tal sofrimento, mesmo porque cultuas a imagem onipotente de si-mesmo (ter ego) fundamental para a manuteno desses trabalhadores na carreira.
C. A valorizao da dor
Este coregrafo fala que teve duas operaes de joelho e depois danou como se nada tivesse acontecido, ele tem 33 anos hoje! Eu vou fazer 32 e ainda estou danando. Ele teve essa oportunidade de parar, mas a gente ainda dana (bailarino II, BCSP, 29/06/08.) A dor fsica uma constante na vivncia cotidiana desses profissionais; o corpo instrumento de trabalho submetido a um intenso ritmo de trabalho dirio. Esta condio reconhecida pela organizao do trabalho no BCSP, que possibilita aos seus bailarinos um suporte mdico e fisioterpico de proteo e preveno sade fsica. trabalhar com o corpo dolorido inerente ao ofcio. Os bailarinos trabalham com dor, essa a condio natural desses profissionais. A forma aparentemente natural, banal com que os bailarinos vivenciam a dor do corpo causada pelo trabalho foi analisada por Santos e Macdo, conforme explicitada na introduo deste artigo, como uma estratgia de defesa, face necessidade desses trabalhadores enfrentarem e superarem a dor fsica para poder trabalhar (Santos, 2008). Nesta pesquisa, no entanto, foi possvel reconhecer, tambm, outra dimenso da dor: a sua valorizao. Durante a observao do processo de construo do espetculo os bailarinos procuravam espontaneamente as pesquisadoras para informar que estavam doloridos, que haviam sofrido leses durante os ensaios e que mesmo assim no paravam de trabalhar. Analisou-se que esses bailarinos estavam tentando informar que reconheciam a dor e a expunham enquanto resultado previsto e necessrio para a avaliao positiva de seu trabalho, de sua dedicao s suas atividades. O bailarino dolorido representaria, assim, um trabalhador comprometido, dedicado, envolvido com o seu trabalho. Ao valorizar as suas leses e dores o bailarino torna visvel aquilo que invisvel: o seu esforo, o seu labor. No entanto, necessrio ressaltar que essa valorizao da dor vai at o momento em que ela no extrapola as possiblidades do bailarino em exercer a sua atividade. A leso fsica que afasta esse trabalhador das suas atividades cotidianas vivenciada com muita angstia e sofrimento, sobretudo uma vez que a luta pela percepo ideal de si mesmo, do
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corpo-maquina vencida, e assim o profissional se percebe frgil, impotente e sem a sua identidade profissional.
v. Concluso
O corpo o principal instrumento por meio do qual o indivduo age no mundo. Os seres humanos aprenderam, antes mesmo de construrem seus utenslios, a se apropriarem da natureza por meio das tcnicas do corpo. O antroplogo francs Marcel Mauss ressalta que todas as aes humanas, desde as mais simples como a posio deitada at as mais sofisticadas como a natao, constituem tcnicas oriundas de um processo de aprendizado (Mauss, 2003). O corpo o primeiro e o mais natural instrumento do homem, ou mais exatamente, sem falar de instrumento: o primeiro e o mais natural objeto tcnico, e ao mesmo tempo meio tcnico, do homem, seu corpo. () Antes das tcnicas de instrumentos, h o conjunto das tcnicas do corpo (Mauss, 2003, p.407). Cada sociedade, cada cultura tm maneiras singulares de caminhar, comer, deitar, sentar, de se reproduzir, de manifestar suas emoes conforme suas regras e costumes. O que denominado"natural" a aquisio, por meio da educao de tcnicas codificadas do uso do corpo, segundo uma determinada sociedade e cultura. As tcnicas corporais so oriundas de um aprendizado constante do homem, permeadas pelos aspectos sociais e culturais nos quais esse homem est inserido (Strazzacappa, 2006). O trabalho da dana se utiliza do primeiro instrumento humano - o corpo. Nele se inscrevem trs aspectos com os quais os bailarinos labutam cotidianamente: o corpo biolgico, tcnico e ergeno; este ltimo palco da subjetividade, do sofrimento e do prazer. Para a PDt a subjetividade no existe sem o corpo, uma vez que ela comea pelo corpo; qualquer sentimento e afeto vivenciado no corpo e pelo corpo, a atividade de pensar e de elaborar tem como seu combustvel as experincias vivenciadas pelo corpo. Porm, o corpo referido no somente o corpo biolgico, mas o corpo habitado, vivenciado; o corpo fenomenolgico. Dessa maneira, diferencia-se o corpo biolgico do corpo ergeno e considera-se, este ltimo, representante da subjetividade;"() exatamente este corpo resultante da experincia mais ntima de si e da relao com o outro que convocado no trabalhar"(Dejours, 2004b, p.29). No caso dos bailarinos, que tem o corpo biolgico como principal instrumento de trabalho, essa relao torna-se indissocivel. O prazer em realizar o movimento e assim descobrir em si mesmo a relao entre o sujeito e o seu corpo so caractersticas dos profissionais da dana. O processo de trabalho do corpo, assim como o sentimento de co-responsabilidade
pelo trabalho final, se reconhecidos os seus esforos, propiciam condies especficas de criao, de identificao com o trabalho e da realizao de si mesmo. Os bailarinos so trabalhadores artistas que escolhem a dana como carreira pelo prazer de realizar o movimento e a obra artstica. Em contrapartida, a dana como trabalho demanda tambm um processo de submisso disciplina, exigncia da busca pela perfeio, s relaes competitivas e s relaes hierrquicas construdas pela organizao do trabalho. A dana, como trabalho organizado no interior de uma instituio, exige desses profissionais submisso a regras, a constrangimentos, a situaes que desencadeiam conflito. Desta forma a categoria analtica estratgias de defesa elaborada pela psicodinmica do trabalha auxilia analisar o sofrimento psquico dos bailarinos e, sobretudo, como esses enfrentam a tal sofrimento. A estratgia de defesa observada pode ser considerada a tentativa de cindir o sujeito bailarino em dois: corpo tcnico instrumento de trabalho do corpo ergeno subjetividade. A ciso, a ruptura psquica, o desejo de no ter que entrar em contato com o limite, com a impossibilidade, com a fragilidade inerente ao trabalho realizado. "Ligar o profissional,"ter ego, valorizar a dor so tentativas de no sucumbir frente ao sofrimento vivenciado e se manter trabalhando. tal estratgia, estaria, conforme a PDt prope, a servio da manuteno desses bailarinos numa organizao na qual o ritmo de trabalho intenso, a presso pela perfeio constante, a disciplina uma ordem, a obedincia uma premissa, a competitividade permanente e a ameaa de excluso paira sob esses bailarinos cotidianamente. Alm disso, soma-se a estas condies, o fato que o nico instrumento de trabalho desses profissionais o seu prprio corpo. Corpo este que lesiona e envelhece. Cada bailarino cobrado individualmente pela manuteno do seu instrumento de trabalho; este tem que estar magro, flexvel, forte e apto para qualquer demanda da organizao. As estratgias de defesa engendradas por um coletivo de trabalhadores so construes psquicas inconscientes, que permitem aos trabalhadores se submeterem a regras e constrangimentos da organizao do trabalho. Os efeitos deletrios da organizao do trabalho sero vivenciados por todos os membros de um determinado coletivo de trabalho, e a elaborao das estratgias de defesa contra esse sofrimento empreendida por todos os envolvidos, mas de maneira inconsciente, no sentido de que no se percebe a sua construo e to pouco se tem claro contra o que ela se manifesta. O sofrimento , assim, vivenciado como sendo algo individual e um conflito prprio de cada trabalhador (Dejours, 1987, 2004a). Enfim, so raros os coletivos de trabalho cujos membros se percebem portadores de uma mesma estratgia de defesa face ao mesmo sofrimento. Desta forma, pode-se concluir que as estratgias de defesa, paradoxalmente, tambm bloqueiam a reflexo e a pos-
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sibilidade de articulao coletiva contra os malefcios do trabalho. No grupo de trabalhadores analisados, esta perspectiva proposta pela PDt, foi possvel de ser verificada. A forma como o trabalho organizado, as relaes de competio impostas que terminam por no fortalecer os coletivos de trabalho levam os bailarinos a sofrerem individualmente e a no atriburem esse sofrimento como fruto da organizao do trabalho. A identificao do carter coletivo desse sofrimento poderia fortalecer o coletivo de trabalho, desenvolver processos de reconhecimento e cooperao e diminuir o sofrimento imposto a todos.
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pt/es
fr
sufrimiento psquico del bailarn: una mirada de la psicodinmica del trabajo

resumo Este artigo se insere no mbito dos estudos que articulam trabalho e sade mental. o objetivo deste artigo foi analisar a relao entre o trabalhador bailarino e a organizao do trabalho em dana luz do constructo terico da psicodinmica do trabalho (PDT). o foco desta anlise foram as maneiras pelas quais os trabalhadores da dana mobilizam suas subjetividades ao buscar realizar suas atividades laborais cotidianas, no Bal da Cidade de So Paulo, companhia de dana pblica vinculada ao Theatro Municipal de So Paulo (Brasil). A partir de um estudo qualitativo realizado atravs de entrevistas e observao do processo de trabalho, procurou-se compreender as estratgias mobilizadas subjetivamente pelos bailarinos ao enfrentar o sofrimento vivenciado no trabalho. Pode-se concluir que entre as estratgias encontradas por este grupo de trabalhadores est a busca de uma ciso entre o corpo biolgico, exercitado de forma tcnica e utilizado como, instrumento de trabalho, e o corpo ergeno palco das vivencias subjetivas. palavras-chave sade mental, trabalho, dana, sofrimento.
la souffrance psychique du danseur: un regard de la psychodynamique du travail

rsum Cet article sinsre dans le domaine des tudes qui articulent travail et sant mentale. Lobjectif a t danalyser la relation entre le travailleur danseur et lorganisation du travail en danse la lumire des concepts de la psychodynamique du travail (PDT). Au centre de cette analyse se trouvent les manires dont les travailleurs de la danse mobilisent leurs subjectivits lorsquils tentent de raliser leurs activits de travail quotidiennes, dans le Bal da Cidade de So Paulo, compagnie de danse publique lie au Theatro Municipal de So Paulo (Brsil). partir dune tude qualitative dveloppe sur la base dentretiens et de lobservation du processus de travail, nous avons cherch comprendre les stratgies mises en place par les danseurs lorsquils se confrontent la souffrance vcue au travail. on peut conclure quau sein des stratgies de ce groupe de travailleurs, se trouve la recherche dune scission entre le corps biologique, exerc sur un mode technique et utilis comme instrument de travail, et le corps rogne, lieu des expriences subjectives. mots-cl sant mentale, travail, danse, souffrance.
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en
a dancers psychological suffering: from a psychodynamics of work point of view

abstract The present article is part of a series of studies that articulate work and mental health. The aim is to analyze the relationships between the dance workers and the organization of dance as a work in light of the psychodynamic of work theory. This analysis focuses on the way dance workers mobilize their subjectivity while performing their daily work activities in Bal da Cidade de So Paulo (So Paulo City Ballet), a public dance company linked to the Theatro Municipal de So Paulo in Brazil (So Paulo City Theatre). we aimed at understanding the strategies that are subjectively mobilized by the dancers when facing suffering due to work based on a qualitative study conducted through interviews and personal observation of the work process. we concluded that one of the strategies adopted by this group of workers is the quest for a split between the biological body, which is exercised on a technical way and used as a work tool, and the erogenous body, that houses the subjective experiences. Keywords mental health, work, dance, suffering.
Como referenciar este artigo? SEGNINI, M. P. & LANCMAN, S (2011). Sofrimento psquico do bailarino: um olhar da psicodinmica do trabalho. Laboreal, 7, (1), 42-55. http://laboreal.up.pt/revista/artigo.php?id=48u56o tV65822353389457854;2
Manuscrito recebido em: Janeiro/2011 Aceite aps peritagem: Junho/2011
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estuDo De Caso
Psicodinmica del trabajo y anlisis del trabajo de presentacin de s mismo del director de empresa
marisa Wolf-ridgway
1. CNAM Centre de Recherche sur le Travail et le Dveloppement (CRTD) Equipe Psychodynamique du Travail et de lAction 41, rue Gay-Lussac 75005 Paris marisa.ridgway@orange.fr
traducido del francs por Patricio Nusshold y Marie David
WOLF-RIDGWAY, M. (2010). Los aportes de la clnica del trabajo al anlisis de la presentacin de s mismo en el director de empresa [1]. tesis doctoral en Psicologa, Conservatoire National des Arts et Mtiers, Pars
Resumo Pode a psicodinmica do trabalho apresentar-se como uma referncia terica pertinente para analisar o trabalho do dirigente de empresa, assim como as incidncias desse mesmo trabalho sobre a sua subjectividade? o objectivo deste artigo propor uma reflexo sobre esta questo assim como uma discusso crtica que retoma os resultados de uma investigao centrada na anlise clnica da apresentao de si do dirigente, que considermos como um dos aspectos do trabalho de direco. Aps uma introduo que aborda as implicaes de uma investigao exploratria realizada com 15 dirigentes empresariais em Frana, uma apresentao da interveno realizada e um resumo dos principais resultados desta mesma investigao, a discusso refere os elementos tericos e as rupturas metodolgicas que deveremos adoptar para prosseguir a investigao na rea das direces de empresas, at hoje postas frequentemente de parte pelas cincias do trabalho. Palabras clave psicodinmica do trabalho, direco de empresas, apresentao de si.
Psicodinmica del trabajo y anlisis del trabajo de presentacin de s mismo del director de empresa Marisa Wolf-Ridgway
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introduccin: los aspectos en juego en una investigacin sobre los directores de empresa
Los directores de empresa, olvidados por las ciencias del trabajo

Los directores de empresa fascinan a los observadores de la vida de las empresas por el poder que tienen y por el impacto de sus actos de gestin sobre el tejido econmico y social. Inicialmente, las investigaciones sobre estos directores y/o su actividad eran numerosos. Algunas provienen del campo del comportamiento organizacional (Kets de Vries, 1990, 1995, 2002) y de la sociologa clnica (o psicosociologa de las organizaciones) (Barus-Michel, 1991; Aubert, 1994; Enriquez, 1997, 2007). Otras provienen del campo de la gestin. Las primeras centran su atencin sobre las problemticas de la psicologa individual, las relaciones interpersonales o las relaciones entre el individuo y la organizacin excluyendo el trabajo de sus anlisis. Las segundas describen y categorizan los roles y las misiones del director (Fayol, 1916; Mintzberg, 1984), precisan sus actividades cotidianas (Barabel, 1999; Delpeuch & Lauvergeon, 1988), caracterizan las condiciones para el ejercicio del liderazgo (Bennis & Nanus, 2003; Kotter, 1982) o bien se apoyan sobre los resultados de investigaciones en psicologa cognitiva para explicar el proceso de decisin estratgica (Lauriol, 1998). Excluyen, de hecho, la cuestin de la subjetividad en el trabajo. Contrastando con este corpus de investigacin voluminoso, las ciencias del trabajo y la psicodinmica del trabajo, en particular se mantuvieron alejadas del terreno de las direcciones de empresa. As, incluso cuando los directores de empresa constituyen el primer nivel del dispositivo de banalizacin del mal expuesto y descripto en La banalizacin de la injusticia social (Dejours, 1998), ninguna investigacin da cuenta de los procesos psquicos puestos en prctica por estos sujetos en su encuentro con el trabajo. Por consiguiente, si nos importa comprender ciertas conductas sorprendentes, las descripciones disponibles hoy en da solo proveen explicaciones psicopatolgicas a sus debilidades, interpretan sus errores en trminos de sesgos cognitivos o remiten sus comportamientos excntricos a su irracionalidad. Debemos darnos por satisfechos con estas explicaciones? O bien es posible decir como fue posible mostrarlo en otras poblaciones que el director trabaja, que su trabajo lo afecta y lo transforma?
La referencia a las teoras y conceptos de la psicodinmica del trabajo

La psicodinmica del trabajo define el trabajo por lo que implica, desde el punto de vista humano, el hecho de trabajar,
o sea: un compromiso del cuerpo, la capacidad de movilizar la inteligencia para reaccionar, sentir e interpretar situaciones. herederos de trabajos hechos por la ergonoma de lengua francesa, sus investigaciones confirman que siempre existe una distancia entre la tarea prescripta y la actividad real. trabajar consiste entonces en llenar esta distancia para lograr hacer lo que hay que hacer, a pesar de los obstculos de lo real del trabajo constituidos por lo que escapa a la habilidad y a los conocimientos adquiridos (Dejours & Molinier, 1994). Para el sujeto, persona humana dotada de una afectividad y de una identidad formada a lo largo de toda su vida, trabajar supone necesariamente encontrarse confrontado a este real del trabajo. trabajar es por lo tanto, ante nada una experiencia afectiva penosa, experimentada ante el fracaso: un sufrimiento (Dejours, 1998, 2000). Este sufrimiento en el trabajo se presenta como la etapa inevitable y comn a todos aquellos que trabajan. Sin embargo, su destino no est inmovilizado. Puede, en efecto, ser el punto de partida de la autorrealizacin. As, encontrando ajustes astutos para suplir las fallas en la prescripcin, el sujeto puede descubrir nuevas habilidades y hacer surgir nuevas sensibilidades que no existan o que le eran desconocidas hasta ese momento. Por esta experiencia del trabajo, se revela a s mismo, toma vida en s mismo, aquello que es propio del placer (Dejours, 1993). tambin, bajo ciertas condiciones llamadas de resonancia simblica, el trabajo puede ofrecer al sujeto la ocasin de retomar y sobrepasar toda una serie de cuestiones heredadas de su historia singular y que permanecan latentes. Enviste entonces la situacin de trabajo con el poder de compromiso inducido por la reactualizacin de su curiosidad, de su deseo de saber y de comprender, vectores del placer en el trabajo (Dejours, 1993, 1987). Por ltimo, aun si el trabajo comprende en mayor o menor medida momentos de soledad, la psicodinmica del trabajo no lo resume a la actividad de uno solo ni a la yuxtaposicin de actividades singulares. Sobresalta su dimensin colectiva: el sujeto trabaja siempre para o con otros a quienes l llama a su vez a cooperar, lo que hace entre otras cosas esperando un reconocimiento. Este reconocimiento toma la forma de un juicio realizado por otros. Se apoya sobre la utilidad del trabajo realizado, sobre su conformidad y su originalidad. Este reconocimiento participa de la construccin de la identidad y de la preservacin de la integridad fsica (Dejours, 1996). Es el reconocimiento que da un sentido al primer sufrimiento en el trabajo y que permite tambin su transformacin en placer. Por ltimo, las investigaciones en psicodinmica del trabajo han mostrado que ante la ausencia de condiciones que posibiliten la transformacin del sufrimiento en el trabajo en placer y ante la no posibilidad de reconocimiento, el sujeto no permanece pasivo. ste desarrolla, con los dems o solo, comportamientos intencionales pero no concientes y a menudo paradojales. Estas estrategias de defensa colecti-
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vas o individuales, que tienden a organizarse en torno a la negacin de lo real, permiten al sujeto preservarse (Dejours, 2000). Cuando fracasan, no queda ms que la expresin del sufrimiento patgeno bajo la forma de una descompensacin psquica o somtica. Este conjunto de teoras y de conceptos fue desarrollado a partir de investigaciones realizadas sobre todo tipo de terrenos excepto el de los directores de empresa. Los principales detractores de la disciplina no han dejado entonces de anunciar un a priori ideolgico mientras que otros subrayan su falta de inters por las poblaciones de cuadros, en general, y lo explican por su impotencia para dar cuenta de los procesos psquicos puestos en prctica por los trabajadores al tomar un trabajo menos enmarcado directamente o apremiante, ms inmaterial () (Aubert, 1993). Se podr, a pesar de todo, comprender el comportamiento del director de empresa a la luz de las referencias de las tesis de la psicodinmica del trabajo?
consagrado al encuentro y a la escucha de aquello que los directores de empresa, voluntarios y dispuestos a hablar de su trabajo, podan contar. A diferencia de numerosos trabajos que hablan sobre los directores en una acepcin amplia extendida a cuadros, cuadros dirigentes, responsables de departamentos funcionales o de filiales, esta investigacin ha querido circunscribirse solo a los presidentes directores generales y presidentes de directorio. Darles la palabra fue una manera de confrontar su experiencia a las descripciones brindadas por la literatura de gestin y de formalizar la distancia entre el trabajo prescripto y el trabajo real del director.
1. la calificacin de la actividad del director como un trabajo
1.1 Una primera hiptesis: el director trabaja La confrontacin de los resultados de investigaciones en gestin y la clnica del trabajo
Apoyarse en la psicodinmica del trabajo e inspirarse en su metodologa de investigacin para acceder al trabajo vivido por el director de empresa no es evidente. Conviene, en un primer momento, asegurarse que el director trabaja (en el sentido que la psicodinmica del trabajo da a este trmino). hay que construir tambin una idea acerca de en qu consiste el trabajo. Solo una vez realizado esto podemos pensar en responder a las preguntas propias a toda investigacin realizada en este tipo de disciplina: Cul es el trabajo prescripto de los directores de empresa y cmo apropiarse de l? Cmo se manifiesta lo real del trabajo constituido de obstculos a su habilidad? Cmo se define entonces la distancia entre el trabajo prescripto y el trabajo real y a qu compromisos y ajustes el director recurre para lograr hacer lo que se espera de l? En fin, qu pone en juego de s mismo y cmo su subjetividad es puesta a prueba por la experiencia del trabajo? Nuestra investigacin ha intentado responder a este conjunto de preguntas. Estuvo construida en dos momentos. Un primer momento estuvo consagrado a la lectura crtica de las obras y artculos de gestin que describen la actividad del director. Ante la falta de resultados publicados en ergonoma, esta literatura nos brind informacin valiosa sobre la naturaleza de esta actividad. Debido a su carcter prescriptivo, nos permiti construir una serie de hiptesis sobre aquello en que podra consistir el trabajo prescripto del director: aquello a lo que lo prepara su formacin, aquello que las publicaciones en management y las revistas de distribucin masiva dan como expectativas de los dems, sus objetivos y roles. Un segundo momento estuvo Inmaterial, esencialmente intelectual e inaccesible a la observacin, la actividad del director de empresa raramente es descripta como un trabajo. Debido a su impacto sobre los dems, pareciera responder mejor a la definicin de una accin que a la de un trabajo en el sentido que hannah Arendt (1961/1983) da a estos trminos. Desfasado del trabajo y de la produccin habitualmente investigada por las ciencias del trabajo, a menudo es presentada como una actividad de gestin. Ahora bien, la gestin se define como el dominio de los gastos, los mercados, la planificacin a futuro, los hombres. Fundada sobre una ilusin de control, se ayuda de instrumentos de medicin que se alejan de aquello que refiere al trabajo concreto de los operarios (Vzina & Saint-Arnaud, 1996; de Gaulejac, 2005). La gestin se opone a toda nocin de resistencia de lo real a lo prescripto. En esto choca con la definicin de trabajo introducida por la psicodinmica del trabajo (Dejours, 2000). Por otro lado, las investigaciones en gestin privilegian el trmino de rol por sobre el de trabajo y las ciencias del trabajo han abandonado los crculos de directores. Este abandono del trabajo interpela y pide explicacin. hemos elegido dejar de lado estas observaciones desconcertantes y llevar adelante un repaso profundo de la literatura bajo el prisma de lectura de la psicodinmica del trabajo. hemos podido entonces despejar ciertos elementos que nos permitiran sealar que el director trabaja. Por ejemplo, el cuerpo parece comprometido, incluso hasta en los textos de management estratgico donde menos lo esperamos y que ponen en relevancia al director como un actor o un artista sealando los aspectos prcticos de la intuicin del manager (Westley & Mintzberg, 1989). Por otro lado, a pesar de que el sufrimiento nunca se declara como tal, s se deja adivinar en ciertas descripciones de la angus-
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tia o del sentimiento de vulnerabilidad (zaleznik, 1966; de Gueuser & Fiol, 2004; torres, 2009). Y, ante la ausencia manifiesta de prescripciones reconocidas y documentadas, son los textos de management en s que se revelan como fuentes de prescripciones bajo la forma de recomendaciones. Este trabajo prescripto se resume en la obligacin de dominio: dominio de la situacin actual, de los eventos por venir, de las informaciones, de los discursos, de los hombres y de s mismo. Lo real se presenta por la falta o por el exceso de informacin, por el imprevisto o por lo real del trabajo de otros que no siempre pueden poner en prctica las decisiones tomadas. Entre la prescripcin de dominio y el dominio imposible, la distancia parece irreductible. hemos por lo tanto planteado la hiptesis de que el ocultamiento del trabajo del director en los textos podra explicarse por la misma originalidad de la pareja trabajo prescripto/ trabajo real del director. teniendo que tener un dominio sobre todo, se vera imposibilitado de reconocer que l pone en prctica su inteligencia para hacer frente a lo que resiste a su dominio. Al eludir el trmino de trabajo, se sealara entonces que se trata de un trabajo que no puede decirse, que no puede mostrarse pero que pero que no deja de existir.
vestigaciones en gestin de las impresiones se alejan mucho de los campos de investigacin mencionados ms arriba y la dramaturgia de los directores no sirve a los mismos fines que la de los operarios observados. Por estas razones y porque la actualizacin de esta promocin de s mismo se apoya preferentemente sobre los conceptos de la sociologa interaccionista introducidos por Goffman en La presentacin de la persona en la vida cotidiana (Goffman, 1973) hemos preferido designar esta parte especfica del trabajo prescripto del director con el trmino de presentacin de s mismo. Debido al desarrollo particular que los textos de gestin daban a esta presentacin de s mismo y para dar cuenta de los numerosos obstculos para el anlisis del trabajo del director identificados en las investigaciones anteriores (Cohen, 1999), hemos elegido centrar nuestra investigacin en torno a esta faceta ms accesible de su trabajo. Qu es la presentacin de s mismo? Podemos comprenderla en referencia a los conceptos propuestos por la psicodinmica del trabajo? Qu pueden ensearnos su escucha y anlisis sobre el trabajo del director y sobre su relacin subjetiva con el trabajo?
1.2. Una segunda hiptesis: la presentacin de s mismo es parte del trabajo del director
Los resultados de investigaciones y las observaciones realizadas por investigadores en gestin relatan que las tareas esenciales del director de empresa son la toma de decisin estratgica (Mintzberg, 1984; Barabel, 1996; Anastassopoulos & Laron, 1977), la visin y la comunicacin (Barabel & Meier, 2004). Y, si en la comunicacin no se resume su trabajo en s mismo, al menos ocupa un espacio preponderante en la literatura descriptiva. Afinando la lectura, hemos descubierto que esta comunicacin esconda un aspecto de auto promocin. Adems de presentar a su empresa, las relaciones pasadas, sus objetivos y el modo en que est organizada para llevarlo a cabo, el director se ocupa (o debe ocuparse) de dar una imagen valorizada de s mismo. Esta promocin de s se encuentra ampliamente documentada en el campo de las investigaciones en gestin de las impresiones (impression management) (Gardner, 1992; Giacalone & Rosenfeld, 1989). Se presenta como una de las herramientas de las que el director dispone para que los dems se comprometan con la accin en el sentido que l desea. Por sus efectos en los dems, esta promocin de s mismo pertenece al registro de la accin especfica, introducida por Dejours en sus trabajos de psicosomtica (Dejours, 2002). Por sus efectos de puesta en escena, convoca una dimensin de dramaturgia, cercana de aquella desplegada por los operarios durante una visita a la fbrica (Dodier, 1995). No obstante, las preocupaciones de las in-
2. un mtodo de acceso a la presentacin de s mismo del director

En esta etapa de la investigacin, pensbamos poder apoyarnos en la metodologa de investigacin en psicodinmica del trabajo: probada por ms de veinte aos de trabajo de campo, ha sido precisamente construida para acceder a la dimensin subjetiva del encuentro entre el sujeto y su situacin de trabajo. Sin embargo, nos result difcil aplicar sus reglas rigurosas en el contexto de nuestra investigacin. En efecto, se caracterizaba por la ausencia de una demanda, un colectivo inexistente y el aislamiento del investigador. hemos entonces construido una intervencin ad hoc que deba salvar estas diferentes limitantes por una serie de ajustes. Para dar cuenta de la ausencia de colectivo, la intervencin se apoyaba sobre la conduccin de entrevistas individuales. Y, para paliar la ausencia de demanda, hemos elegido aprovechar toda oportunidad en que se estableca un contacto: participacin de conferencias o visita a asociaciones que reagrupan directores de empresa, animaciones de formaciones, referencias a amigos comunes o incluso intervenciones de consultora en el seno de la direccin de la empresa. A partir de este modo de reclutamiento particular, los 15 directores que hemos conocido (12 varones y 3 mujeres, de entre 35 y 68 aos y todos diplomados de la educacin superior [2]), eran presidente - director general o presidente del directorio de empresas de tamao mediano [3]. Excepto dos de entre ellos que eran asalariados, estos directores eran propietarios de la empresa que dirigan, sea porque ellos la crearon, o porque la heredaron. Estas em-
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presas operaban en sectores de actividad variados [4], con preocupaciones objetivas relativamente diferentes. Al momento de tomar contacto por telfono o por correo electrnico, se presentaban los objetivos de la investigacin de modo tal que el director sintiese que le concierne al punto de aceptar consagrarle tiempo. Posteriormente, el investigador prestaba particular atencin a su propia presentacin de s mismo y adoptaba un comportamiento protector. Pona tambin en prctica un principio de intercambio quid pro quo, de toma y daca por el cual aceptaba brindar algo de s mismo para obtener, a cambio, que el sujeto se arriesgue a hablarle siendo que no haba solicitado hacerlo. Jug sobre la connivencia y la complicidad para tranquilizar al sujeto y mantener, de su parte, una forma de consentimiento para participar de la investigacin. Por ltimo, para alentar la continuidad de las entrevistas, se le propona siempre un segundo encuentro de devolucin y de validacin de las interpretaciones. Adems de los miembros de una familia de directores cerca de quienes intervinimos durante varios aos, hemos encontrado estos directores y directoras una, dos o cuatro veces. Una entrevista duraba, normalmente, una hora y medio a dos horas. Sin embargo, algunas entrevistas excedieron las tres horas. Dos directores nos pidieron de hecho largas entrevistas y volver a vernos varias veces. hemos entonces formulado la hiptesis de que su curiosidad inicial, sostenida por las dificultades vividas en el trabajo, se haba visto reforzada por la confianza en la escucha del investigador. haba entonces podido expresarse una forma de demanda que, hasta ese momento no haba encontrado el canal para formularse. Esta hiptesis ha sido confirmada. Debido a la distancia del edificio de su empresa, hemos encontrado un director en los salones de un hotel y otros dos en su domicilio. Otro, finalmente, quiso invitarnos a restaurantes prestigiosos que l presentaba siempre como cantinas. todas las dems entrevistas se desarrollaron en los locales de la empresa. hemos tenido en cuenta esta heterogeneidad de lugares en tanto nunca eran neutros desde el punto de vista de la presentacin de s mismo de nuestro interlocutor. Apoyado sobre el mtodo clnico, la referencia al caso singular, interesante por su valor didctico, ha sido puesto de relieve por sobre toda consideracin de representatividad estadstica. El material de investigacin estuvo constituido por un informe con los comentarios de los directores entrevistados, atravesados por nuestras propias reflexiones y reacciones al momento de la escucha y por lo tanto, filtradas por la subjetividad del investigador [5]. En esto, se respetaron de cerca las recomendaciones en metodologa de la investigacin en psicodinmica del trabajo relativas a la construccin y la presentacin de los datos recabados. Resmenes de experiencia singular y dependientes de la especificidad del encuadre del encuentro y de la relacin
intersubjetiva establecida entre director e investigador, estos comentarios no se someten a resultados de valor predictivos, no son generalizables ni replicables per se. Su valor se debe a su capacidad para dar cuenta de una experiencia vivida y de lo que el investigador pudo comprender. Su informe detallado, combinado de interpretaciones avanzadas, presenta un modo accesible a la eventual crtica de otros clnicos. (Dejours, 1995). Sabiendo que los directores tienen la costumbre de dar una imagen deformada y valorizante de su actividad hasta en sus respuestas a cuestionarios preformateados (Cohen, 1999), parecera ilusorio esperar acceder a otra cosa ms que a una palabra estratgica, alterada, deformada. Ante la falta de acceso a la palabra autntica de un sujeto demandante y a la subjetividad del director en el trabajo, el mtodo desplegado aqu nos permita al menos acceder a aquello que siempre es accesible, o sea, a la presentacin de s mismo del director de empresa. En efecto, habamos descubierto en los textos de gestin que la presentacin de s mismo no representaba ms que una parte del trabajo del director. Pero aqu, ms que lamentarlo, hemos elegido analizar esta presentacin de s mismo por su capacidad tanto para describir el trabajo como para ocultarlo.
3. un anlisis psicodinmico de la presentacin de s mismo del director
3.1. trabajo prescripto, real del trabajo y trabajo real
3.1.1. El trabajo prescripto del director

En los primeros momentos de las primeras entrevistas, el trabajo vivido se nos mantena efectivamente inaccesible. En efecto, las directoras y los directores que hemos entrevistado se limitaban a darnos lo que ellos llamaban respuestas de diccionario. Se disculpaban de ser sobre todo caricaturales y reconocan el plagio de discursos ya escuchados. Es as que despus de haber mostrado una real dificultad para poner su trabajo en palabras (es tener que hacer todo; es hacer muchas cosas diferentes), confirmaban lo que la lectura de la bibliografa de management nos haba enseado. Decan que se esperaba de ellos una visin y que deban hacerla comprensible y atractiva. Deban tambin mostrar su competencia para resolver problemas ante los cuales los dems fracasaban, asegurar el crecimiento de su empresa y de sus productos o servicios ocupando el rol del hombre sndwich y por ltimo, ser aquel que los dems esperaban en este puesto: ser Dios o ser bueno en todo.
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3.1.2. Lo real del trabajo del director

tras esta primer etapa de descripcin del trabajo esperado, una vez que el director daba su acuerdo para continuar sus comentarios, dejaba atrs la primer forma de presentacin de s mismo, la de los discursos dichos mil veces, preconstruidos por un sujeto que sabemos que est acostumbrado a este tipo de ejercicio (Cohen, 1999). La palabra era entonces menos convencional, menos controlada, por momentos confusa y por otros violenta o vulgar. El director revelaba entonces otros aspectos de su trabajo. Ante la prescripcin de ver el futuro, de transmitir su visin a los dems, de generarles confianza, de decidir, de saber y de resolver problemas sin solucin, es el control de lo imposible, la futurologa absurda, la ausencia de parmetros en la oscuridad o en el vaco, sin la gua de nadie y la soledad aquello que ellos presentaron como los principales obstculos para el cumplimiento de su tarea. Ante la prescripcin de ser irreprochables, es el sujeto en s mismo, su relacin con el tiempo, los lmites de su cuerpo, los cuestionamientos ticos o de conciencia, su falta de pasin o incluso su falta de confianza en s mismo en pblico que pareceran constituir un freno.
la imposibilidad de satisfacer el objetivo irreal de dominio total, lo reemplaza con una representacin de dominio. Ante el evidente desconocimiento del futuro y la aparicin de dudas y de problemas de conciencia, ofrece una versin oficial de sus certezas.
3.2. Las revelaciones de la presentacin de s mismo

Durante las entrevistas, esta presentacin de s mismo se realiz a travs de la combinacin de una valorizacin de su carcter nico y ejemplar, de una reconstruccin de su recorrido bajo la forma de una saga y de la denigracin del otro (predecesores, competidores o cnyuges). La presentacin no hablaba mucho sobre varios aspectos de su trabajo como la organizacin, la negociacin comercial o la supervisin. En cambio, s pona el acento sobre su capacidad de estratega y se mostraba indiferente ante el dinero. Por ltimo, celebraba sobre todo su gestin generosa de recursos humanos, insistiendo, por ejemplo, sobre su voluntad ntima de querer dar, de querer hacer el bien, subrayando el placer intenso de hacer crecer a sus colaboradores o incluso evocando su obra humana.
3.1.3. El trabajo real del director 3.2.1. El placer en el trabajo

La prescripcin de un control imposible y la prescripcin de ser que choca con el obstculo de su propia resistencia, obligan al director de empresa a imaginar ajustes para lograr conseguir aquello por lo cual se encuentra en este puesto. Leer, salir y conocer otros directores, rodearse de consejos sobre los contactos en las redes de asociaciones o de sindicatos profesionales para generar ideas y percibir mejor su mercado son algunos de los ejemplos de artimaas que estos directores enunciaron. El director debe tambin luchar y atacar, ser capaz de desarrollar una coraza lo suficientemente gruesa y resistente para soportar los golpes y aceptar ir a veces al encuentro de sus valores. Por ltimo, para imponer sus ideas, le es necesario saber construir discursos tranquilizantes y escenificar un personaje pblico que domina y se domina. Esta referencia a la imagen pblica viene aqu a corroborar la hiptesis a la que se haba llegado tras la lectura de los textos de management: la presentacin de s mismo hace parte del trabajo del director. Pero la presentacin de s mismo no solo es un trabajo prescripto. Se presenta tambin como un hallazgo particularmente bien adaptado para conjugar las prescripciones de herosmo a pesar de lo real de quienes somos. Comprometindonos en una actividad de presentacin de s mismo, el director maneja la impresin que produce sobre los dems y cubre la distancia que separa las expectativas formuladas respecto a l. Ante Ciertos directores ponan tambin el acento en su pasin por el producto y el lazo afectivo que los una a la empresa que dirigen. Sin embargo, hemos notado que esta pasin, esta llama que describe quien se ve como un aventurero-desarrollador o incluso la tendencia del cuerpo a cuerpo con el tecnicismo del producto no eran comunes a todos los directores. Se destacaban sobre todo en los creadores de empresa o en los directores propietarios herederos que haban desarrollado nuevas actividades cercanas a lo que les gusta hacer. En los dems, herederos sin proyecto o directores empleados, la ausencia de pasin pareca pesada, como si la carga de su puesto ya no se encontraba compensada por el placer de comprometerse.
3.2.2. El sufrimiento patgeno

Casi siempre particularmente cuando una nica entrevista se prolongaba ms de dos horas o cuando tenamos varias entrevistas una vez que su atencin se relajaba y los sujetos desatendan el trabajo de presentacin de s mismo ante el investigador, la prolijidad y la fachada de los primeros momentos se vean desordenados. Aparecan suspiros, clera, rencor y cansancio extremo. Al mismo tiempo, sus dudas, el sentimiento de su inutilidad, su amor
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al poder y el gusto por los placeres ligados a sus atributos (dinero, seduccin), recurrir eventualmente a psicotrpicos, sus fantasas sexuales desenfrenadas, la desaparicin o la degradacin de sus relaciones familiares que haban estado hasta ese momento escondidas, eran abiertamente expuestas. Podan entonces dar detalles de sus desrdenes somticos: ahogos experimentados por un director que se deca carbonizado bajo el efecto de rfagas de radiaciones violentas o taquicardia e insomnio de otro que se deca pegado al techo. Revelaban tambin formas a priori depresivas, apenas compensadas por ciertas adicciones manifiestas pero mantenidas en discrecin por su entorno profesional.
3.2.3. Una defensa contra el sufrimiento

Estas revelaciones eran sin embargo de corta duracin. Muy rpido, de hecho, el director o la directora se recompona y, en un sobresalto de control de s mismo, ya nada se transparentaba de lo que acababa de decirnos. El sujeto pareca indiferente a su ambiente inmediato. Luego, enseguida se mostraba nuevamente de manera aun ms marcada que la anterior su infalibilidad, su altruismo y su utilidad social. Este recursos in extremis a una forma sobrevalorada, exacerbada de presentacin de s mismo exageradamente positiva y valorizante se produjo a lo largo de varias entrevistas. hemos elegido nombrarlas: sobrevalorizacin de la presentacin de s mismo o sobrevalorizacin dramatrgica. Perceptible en el ida y vuelta sorprendente entre la presentacin positiva, luego confesin de fragilidad y de sufrimiento perceptible, episodio cuasi amnsico y por ltimo recomposicin y sobrevalorizacin dramatrgica, en razn de su carcter inslito, poco conciente pero intencional porque protector, por lo que hemos postulado su naturaleza defensiva.
4. el aporte del psicodinmica del trabajo al anlisis de la presentacin de s mismo del director
4.1. Conceptos pertinentes para acceder a la relacin subjetiva con trabajo del director
La referencia a las teoras de la psicodinmica del trabajo nos ha permitido pensar el trabajo del director como aquello que se agrega a la prescripcin de poder, de dominio y de control de la organizacin, del ambiente y de s mismo para encontrar un ajuste con lo real que se enfrenta en todos estos puntos. Una de las facetas de este trabajo se evidencia
en la presentacin de s mismo. Consiste en escenificar el dominio a pesar de no tenerlo completamente, en proponer la imagen de quien hace todo bien a pesar de no tener las caractersticas esperadas. Este trabajo de investigacin ha confirmado tambin la evolucin del sujeto en su encuentro con la situacin de trabajo, yendo del sufrimiento primero experimentado por el cuerpo en su confrontacin con la imposibilidad de dominio hasta la transformacin de este sufrimiento en placer. De hecho, la evocacin del deseo de continuar la aventura, de continuar a crear y el entusiasmo al hablar de su placer al hacerlo pareceran dar cuenta de una forma posible de placer en el trabajo, del registro de la resonancia simblica y esto, a pesar de que al ser una intervencin reducida no nos ha permitido comprender los resortes precisos en los que se apoya. Ante la ausencia de curiosidad, sin pasin ni referencia a un sentido al movimiento que los anima, no queda a menudo ms que los placeres, lo ms frecuentemente presentados bajo la forma de goce en el placer. Y cuando los placeres en s mismos se disipan o cuando estas posibilidades de transformacin del sufrimiento escapan al director, no queda entonces ms que el recurso a ajustes defensivos que, mientras los tengan, evitarn un sufrimiento patgeno. A su vez, el anlisis clnico de la presentacin de s mismo del director de empresa a travs del prisma de lectura brindado por los conceptos de la psicodinmica del trabajo ha permitido revelar sus mltiples dimensiones. La presentacin de s mismo es un elemento del trabajo prescripto del director. Le permite mantenerse en el poder adaptando la impresin producida en los dems y accionando sobre la accin de los otros. tambin es un ajuste que participa del trabajo real del director ofrecindole una respuesta a la prescripcin de dominio por la escenificacin de este dominio y la prescripcin de ser por una presentacin valorizante de este ser. La presentacin de s mismo le permite tambin obtener un modo de reconocimiento de parte de un pblico extendido (accionarios, banqueros, prensa, etc.), reconocimiento que ellos no pueden esperar de otro modo debido, principalmente, a la ausencia de pares, de compaeros o de lnea jerrquica. Por ltimo, esta presentacin de s mismo escapa a veces al control y da lugar a comportamientos que, por extraos que sean, se revelan particularmente adaptados para preservar al director de eventuales sobresaltos de dudas y desasosiego. El modo sobrevalorado puede entonces ser interpretado como una estrategia individual de defensa que el director despliega frente al sufrimiento en el trabajo, de manera muy inesperada, y que ha sido claramente perceptible en las entrevistas. Elemento del trabajo prescripto, ajuste inteligente que hace parte del trabajo real del director, va de acceso al reconocimiento y en su forma sobrevalorada, estrategia de defensa contra el sufrimiento en el trabajo: la psicodinmica del trabajo nos ofrece aqu una grilla de lectura indita y perti-
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nente para analizar la presentacin de s mismo del director de empresa. As, invalida la intencin de quienes denuncian la incapacidad de esta disciplina para brindar un cuadro terico adecuado para abordar los grupos de cuadros y directores.
4.2 Ajustes tericos indispensables

Para apoyarse sobre la psicodinmica del trabajo con el fin de investigar el terreno de los directores de empresa se necesitan, sin embargo, algunos ajustes. Conviene ante nada revalorizar la actividad del director como un trabajo a pesar de las descripciones habituales contrarias. hay que agrandar principalmente la nocin de trabajo prescripto para incluir las expectativas provenientes de fuentes variadas, incluso los substitutos de prescripciones que proveen ciertos manuales de gestin. hay que incluir tambin las exigencias aadidas en el registro del ser y no solo del hacer. hay incluso que reconocer la existencia de un real del trabajo del director y esto, a pesar de los fuertes intentos de ocultarlo. Efectivamente, la presentacin de s mismo hace parte del trabajo del director pero esconde tambin todo otro aspecto. Por ltimo, para dar cuenta de la dimensin colectiva del trabajo del director, la nocin de colectivo debera incluir esta forma de cooperacin horizontal que parece existir por fuera de los lugares de trabajo tradicionales, entre directores de empresas diferentes, en las diferentes asociaciones. Esta eleccin terica necesita tambin diferenciarse de la tendencia a describir a los directores como una entidad genrica, un grupo indiviso y homogneo, calificable como lderes del trabajo del mal (Dejours, 1998), de elite, de clase dirigente o de hiperburgesa (De Gaulejac, 2005) y permitirse la posibilidad de tomar en cuenta al director en su singularidad, como un sujeto dotado de afectos y de pasiones, atravesado por conflictos concientes e inconcientes, que vive, que prueba, que siente. teniendo en cuenta la cuestin de la subjetividad, es posible introducir una ruptura con las interpretaciones en psicologa cognitiva habitualmente adoptadas por las investigaciones en gestin. tomando la cuestin del trabajo y la naturaleza de los procesos involucrados en el encuentro entre el director y su trabajo, es posible evitar el reduccionismo psicolgico de interpretaciones psicopatolgicas de sus comportamientos. En un mundo que se sabe dominado por las cuestiones de la racionalidad instrumental, es posible entonces introducir la dimensin de la racionalidad subjetiva en relacin a la preservacin de s mismo en la explicacin de las conductas en el trabajo. Ese director de empresa que trabaja, que experimenta el sufrimiento que les es consubstancial sin poder siempre transformarlo en placer, ese director que mantiene su sa-
lud a travs de la exposicin de una presentacin de s mismo a veces mentirosa, ese director que puede tanto redimirse de la inmoralidad manifiesta de sus acciones indicando argumentos paralgicos, constituye la pieza maestra de un primer nivel del dispositivo de banalizacin del mal (Dejours, 1998) hasta ahora no analizado suficientemente. El hecho de que el director de empresa se encuentre aislado, no justifica que se retrase demasiado en entenderlo. Por otro lado, en tanto su trabajo era negado (por investigadores y por s mismo tambin), su sufrimiento en el trabajo no poda ser tomado en cuenta. Los resultados de esta investigacin muestran, por el contrario, que los directores de empresa pueden, ellos tambin, beneficiarse de las intervenciones en el campo de la psicodinmica.
4.3 Rupturas metodolgicas a discutir

No obstante, repatriar esta poblacin especfica al campo de las ciencias del trabajo obliga tambin a reflexionar sobre la metodologa apropiada para una prctica de la psicologa del trabajo que sea habitada por la psicodinmica del trabajo y despegado de las formas de coaching comnmente propuestas. Una investigacin posterior debera permitir definir mejor los lmites. Por el momento, parece necesario rever las rupturas operadas en la investigacin que hemos desarrollado para retener los aspectos indispensables y eliminar los aspectos errados y ms peligrosos. Esta intervencin brindaba ante nada acceso a la presentacin de s mismo del sujeto arriesgando a veces a incluso provocarla. Expona una palabra no autntica, estratgica y convenida segn lo acordado y no sera, por lo tanto, til como ejemplo. La complicidad manifestada o la tctica llamada del toma y daca se mostraron fecundas y la apertura a la continuidad de las entrevistas individuales es ciertamente una de las principales pistas a explorar en el futuro. Idealmente, estas entrevistas podran constituir una etapa previa a que entrevistas colectivas puedan organizarse en el seno de agrupaciones de directores y con carcter voluntario. Otros aspectos de la intervencin merecen, por el contrario, ser repensados, particularmente: la falta de demanda. De hecho, esto gener malos entendidos, nos expuso al riesgo de instrumentalizacin y de seduccin y nos oblig a sostener las estrategias defensivas de los sujetos para evitar, a todo precio, la explosin de un sufrimiento que podra haber dejado al investigador desprovisto y expuesto.
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Conclusin: para una reflexin sobre la racionalidad de la intervencin psicodinmica en los directores
El objetivo de una intervencin de psicodinmica del trabajo realizada a pedido de los directores de empresa podra ser llevarlos a comprender mejor el origen de sus desvos de conducta para que, comenzando eventualmente a percibir las cosas de otra manera, puedan darse los medios de accionar diferentemente en consecuencia. No sera entonces la naturaleza de los directores que buscaramos curar sino la organizacin del trabajo que propondramos volver a visitar junto a los directores que supuestamente seran los diseadores. Falta que, hasta hoy, las tesis de la psicodinmica del trabajo no han convencido a los directores. No habiendo encontrado ningn captulo que les concierne o vindose descriptos de manera peyorativa, han podido evitar esta disciplina y desarrollar hacia ella la posicin cnica que les es a menudo reprochada y que les permite despegarse de sus descripciones vergonzantes. Falta que la demanda proveniente de las empresas y sus directores responda ante nada a los aspectos de eficacia del lado de la racionalidad instrumental, aspecto ajeno a la psicodinmica del trabajo y que puede incluso entrar en conflicto con sus intenciones. Falta tambin que, de parte de los directores de empresa, una demanda de ayuda en trminos de elucidacin del sufrimiento en el trabajo pondra en riesgo la negacin de su trabajo de presentacin de s mismo y pondra en riesgo su puesto. La cuestin de la racionalidad de una intervencin en psicodinmica del trabajo con directores de empresa queda entonces planteada. Solo los directores de empresa con poder limitado, salidos del sistema o proyectando salirse, pueden estar en condiciones de formular una demanda en trminos admisibles para un psicodinmico. Ante la falta de un objetivo de transformacin de la organizacin del trabajo muy ambicioso, quedara entonces la oportunidad de proponer al director demandante un recurso para pensar su situacin de trabajo, para pensar su relacin con el trabajo, para pensar su relacin con los dems, para reconocer el poder de ocultamiento de sus ajustes defensivos y los riesgos que se encuentran asociados y por ltimo, para reconocer y desvelar en l los resortes subjetivos de las condiciones de posibilidad del placer en el trabajo. Experiencia arriesgada si las hay, la intervencin de un psiclogo habilitado por las tesis de la psicodinmica del trabajo puede tambin ayudar al director a reanudar un lazo autntico consigo mismo, a evitar la reproduccin de errores pasados y a asegurar elecciones profesionales ms coherentes, debido efectivamente a salirse del sistema o a ajustar una astucia singular para volver a darle sentido a su accin.
Notas [1] En francs: Les apports de la clinique du travail lanalyse de la prsentation de soi chez le dirigeant dentreprise. [2] 5 diplomados del 3er ciclo universitario, 1 egresado de la cole normale suprieure, 2 hEC (Altas Escuelas de Comercio), 7 diplomados de escuelas de ingenieros. [3] 3 empresas contaban entre 50 y 100 colaboradores y un volumen de facturacin anual inferior a los 15 M ; 9 empresas contaban entre 300 y 400 colaboradores y un volumen de facturacin anual de 50 120 M. [4] turismo, construccin y obras pblicas, consultora, mobiliarios, qumica-plsticos, editorial, agro-alimentario, salud, editorial, energa. [5] Siguiendo las tesis desarrolladas en psicodinmica del trabajo, el sufrimiento y el placer en el trabajo son datos subjetivos que, de hecho, no pueden ser objetivados, medidos, verificados. Su descripcin y su marcacin no pueden realizarse ms que a travs de la subjetividad del investigador, destinatario del discurso del sujeto la subjetividad del investigador est por lo tanto directamente comprometida en la tcnica de la investigacin. (Dejours, 2000).
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pt/es
fr
psicodinmica do trabalho e anlise do trabalho de apresentao de si do dirigente de empresa

resumen A La psicodinmica del trabajo se presenta como una referencia terica pertinente para analizar el trabajo del director de empresa y los incidentes de este trabajo sobre su subjetividad? El objetivo es aqu proponer una reflexin sobre esta cuestin as como una discusin crtica de la disciplina retomando los resultados de una investigacin centrada en el anlisis clnico de la presentacin de s mismo del director, tomado como uno de los aspectos del trabajo de direccin. Tras una introduccin sobre los aspectos en juego en una investigacin exploratoria realizada con 15 directores de empresa en Francia, una presentacin de la intervencin realizada y un resumen de los principales resultados de esta investigacin, la discusin actualizar los ordenamientos tericos y las rupturas metodolgicas que convendra elegir para investigar el terreno de los directores de empresa, hasta ahora frecuentemente abandonado por las ciencias del trabajo. palavras-chave psicodinmica del trabajo, direccin de empresa, presentacin de s mismo.
psychodynamique du travail et analyse du travail de prsentation de soi du dirigeant dentreprise

rsum La psychodynamique du travail se prsente-t-elle comme une rfrence thorique pertinente pour analyser le travail du dirigeant dentreprise et les incidences de ce travail sur sa subjectivit? Lobjectif est ici de proposer une rflexion sur cette question ainsi quune discussion critique de la discipline en reprenant les rsultats dune recherche centre sur lanalyse clinique de la prsentation de soi du dirigeant, retenue comme lun des aspects du travail de direction. Aprs une introduction portant sur les enjeux dune recherche exploratoire mene auprs de 15 dirigeants dentreprise en France, une prsentation de la dmarche retenue et un rsum des principaux rsultats de cette recherche, la discussion mettra jour les amnagements thoriques et les ruptures mthodologiques quil conviendrait doprer pour investiguer le terrain des directions dentreprise, jusqu prsent frquemment dlaiss par les sciences du travail. mots-cl psychodynamique du travail, direction dentreprise, prsentation de soi.
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en
psychodynamics of work and the top managers analysis of self-presentation

abstract Is the psychodynamics of work a relevant theoretical reference for analyzing the work of the top manager and the effects of this work on their subjectivity? The aim of the present study is to reflect about this question as well as a about the results of a research focused on a clinical analysis of the top manager's "self-presentation", considered one of the main aspects of the top manager's work. After an introduction that presents the implications of a research carried out on 15 top managers in France, the approach adopted and a summary of the key results, the discussion will bring to light the theoretical and methodological changes necessary to investigate the field of top management, a field that until now has been frequently under cultivated by the field of work sciences. Keywords psychodynamics of work, top management, self-presentation.
Como referenciar este artigo? WOLF-RIDGWAY, M. (2011). Psicodinmica del trabajo y anlisis del trabajo de presentacin de s mismo del director de empresa. Laboreal, 7, (1), 56-67. http://laboreal.up.pt/revista/artigo.php?id=48u56o tV6582235338949845522
Manuscrito recebido em: Dezembro/2010 Aceite aps peritagem: Maro/2011
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DisCurso sobre o viviDo no trabalho

Relato de uma experincia de terreno de interveno em Psicodinmica do trabalho (PDt)
valrie Ganem
Universit Paris XIII - IUT de Saint-Denis Place du 8 mai 1945 93206 Saint-Denis Paris, France valerie.ganem1@orange.fr
introduo
Aquando do 6 Colquio de Psicodinmica e de Psicopatologia do trabalho que se realizou pela primeira vez fora das fronteiras francesas, em So Paulo, entre 21 e 23 de Abril de 2010, as questes dos mtodos e das tcnicas foram longamente debatidas e vrias divergncias surgiram em funo das origens geogrficas ou profissionais daqueles que praticam estas disciplinas. Foi colocada a questo do pedido: podemos considerar que existe verdadeiramente um pedido proveniente do terreno quando um inqurito realizado a pedido do Governo ou de um Sindicato? Como avaliar o pedido nestas condies? Como garantir o anonimato aos participantes? Como proceder quando quem formula o pedido deseja entrevistas individuais? Qual o estatuto da aco em Psicodinmica do trabalho (PDt)? Que resultados esperar de um inqurito? Porque necessrio evitar realizar acompanhamentos, apesar de os actores do terreno frequentemente os pedirem? hoje, parece-me oportuno recordar a minha experincia de mais de vinte anos na qualidade de interveniente nos meios de trabalho em Gadalupe [1]. tratar-sede relembrar essa experincia e de analisar as lies que dela pude tirar. Sublinharei num primeiro momento os princpios que me parecem actualmente fundamentais no quadro de uma interveno em Psicodinmica do trabalho, as excepes possveis a esses princpios e as suas consequncias. Depois, apresentarei as numerosas dificuldades que se apresentam no quadro deste tipo de interveno e os resultados que da mesma podem ser esperados.
traduo do francs efectuada por Ral Caeiro
Resumo Nuestro propsito es identificar, a partir de un estudio de campo, los principios metodolgicos que fueron fundamentales en el marco del desarrollo de una intervencin basada en la Psicodinmica del Trabajo, con el objetivo de evitar el riesgo de instrumentalizacin que amenaza a los seguidores de esta disciplina. Igualmente, las dificultades inherentes a este tipo de intervencin son analizadas, as como las preguntas que permanecen sin responder y que se vinculan al principio de prevencin y al estatuto de estas investigaciones. Palabras clave psicodinmica del trabajo, metodologa, investigacin, estudio de campo.
i histrico profissional
I.1 Uma experincia inicial de formadora

Quando iniciei o meu percurso profissional em Guadalupe, eu era formadora. Rapidamente as teorias e os mtodos da Psicodinmica do trabalho (PDt) me pareceram pertinen-
Relato de uma experincia de terreno de interveno em Psicodinmica do trabalho (PDt) Valrie Ganem
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tes para intervir nos meios de trabalho daquela ilha, na qual as relaes sociais so particularmente duras. Eu intervinha, na altura, segundo um quadro metodolgico do tipo formao-aco inspirado por contributos da PDt. Comeava as minhas aces por exposies tericas sobre temas como as condies favorveis mobilizao da inteligncia no trabalho, a cooperao, a resistncia mudana ou ainda a avaliao do trabalho. Esses contributos tericos eram seguidos de debates de tipo clnico sobre as dificuldades sentidas pelo grupo envolvido no seu trabalho. Aps essa primeira etapa, tratava-se de definir os indicadores qualitativos que se supunha permitirem medir e/ou observar se o trabalho foi realizado de acordo com as regras comuns aos diferentes membros do grupo. Para terminar, propunha aos participantes que realizassem simulaes filmadas das situaes mais difceis que tinham evocado. Isto, a fim de melhor se dar conta da operacionalidade dos indicadores retidos. Realizava estas aces sozinha. Aps vrios anos de experincia, enquanto prosseguia os meus estudos de Psicologia do trabalho, pude aperceber-me de que esta abordagem no era satisfatria. Aquilo que mais interesse tinha, afinal, no quadro deste dispositivo que tinha como objectivo compreender as dificuldades do trabalho, eram os debates de tipo clnico. As exposies tericas arriscavam-se a influenciar o grupo na sua anlise da situao, os indicadores no permitiam seno uma anlise muito sumria do trabalho e as situaes filmadas revelaram-se mais ldicas do que teis para compreender a situao, devido ao facto de os cenrios evocados estarem muito distantes da realidade que se apresenta sempre de forma inesperada. O facto de conduzir essas aces sozinha tambm provou ser muito pesado e difcil.
Esta metodologia foi testada e, no essencial, no til submet-la a modificaes importantes. Globalmente, o mtodo de inqurito em PDt pode resumir-se da seguinte forma: a interveno comea por um pr-inqurito que consiste em encontrar uma formulao adequada do pedido, visitar os locais de trabalho e obter todos os documentos teis respeitantes organizao em questo, bem como aos conflitos que marcaram a sua histria. O inqurito passa sempre pela constituio de pequenos grupos. tal constituio obedece s categorias subjectivas definidas pelos intervenientes: o pedido e o seu contedo definem o grupo estudado. Os grupos so consitudos por voluntrios, os quais se identificam a partir de uma reunio de informao na qual os intervenientes apresentam a interveno a todo o pessoal. Os grupos assim constitudos participam em sesses colectivas de reflexo de meio dia de durao. Cada grupo rene-se razo de 2 a 4 sesses com um intervalo de 15 dias entre cada sesso. O material recolhido ser depois reportado aos empregados numa sesso de um dia de durao consagrada devoluo oral. A leitura do relatrio palavra por palavra ser objecto de discusses at ser validado pelos participantes e pelos intervenientes. Os participantes so os primeiros destinatrios desse relatrio. Por fim, o relatrio servir de quadro de referncia s discusses ulteriores visando a transformao da organizao do trabalho (Molinier, 2001). Dentre os princpios metodolgicos da PDt, provou-se que alguns eram mais determinantes e incontornveis do que outros e tentaremos demonstrar em qu, medida que os enunciamos, abaixo. a) O trabalho do pedido: trata-se de no nos contentarmos com o primeiro pedido que nos formulado, quer este provenha da Direco ou dos Sindicatos. necessrio submet-lo aos diferentes actores implicados que so as instncias representativas do pessoal, os mdicos do trabalho, as assistentes sociais do pessoal e os prprios trabalhadores. Dominique Dessors, com a qual tive a oportunidade de tanto partilhar, dizia: No devemos fazer aquilo que nos pedem. O pedido deve consistir, por exemplo, num pedido de compreenso da situao de trabalho, da maneira como os trabalhadores se colocam prova dessa realidade, do destino do seu sofrimento e da sua relao subjectiva com o trabalho. O pedido deve visar uma investigao colectiva. O voluntariado: Este aspecto faz parte do trabalho do pedido. Se no existem voluntrios entre os trabalhadores implicados na situao de trabalho sobre a qual deve debruar-se o inqurito, o mesmo no pode ter lugar. excepo da informao legtima sobre a interveno por meio de inqurito e o
I.2 Uma experincia mais de acordo com a PDt

Aps cuidadosa reflexo, decidi rever esta abordagem e realizar os inquritos de PDt como mandam as regras. A minha experincia mostrou-me que os princpios enunciados por esta disciplina se revelam muitas vezes incontornveis para lidar com questes to delicadas quanto a subjectividade, o sofrimento ou o prazer no trabalho. Se nos referimos definio de um mtodo, encontramos num dicionrio comum (Larousse 2009): conjunto de procedimentos, de meios para alcanar um resultado. O mtodo de interveno serve de guia ao praticante. Em Psicodinmica do trabalho de acordo comum que todo o corpo terico colocado em questo a cada interveno. Quer dizer que aquilo que acontece durante o inqurito, e que sempre inesperado, pode colocar em causa a teoria e, portanto, o mtodo. Assim, o terreno poderia, a cada inqurito, conduzir a um questionamento deste ltimo. Ora, na adenda 1993 da obra travail: usure mentale, Dejours constata :
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pedido que a sustenta, qualquer aco que vise incitar os trabalhadores, de uma maneira ou de outra, a voluntariarem-se, deve ser proibida. Isto, mesmo que o inqurito tenha uma razo de ser do ponto de vista cientfico ou do ponto de vista da Direco ou ainda dos Sindicatos ou de quaisquer outros actores no directamente implicados. Apenas as pessoas que tomaram a iniciativa de se inscreverem so considerados como voluntrios. Esta uma condio sine qua non da palavra autntica e da escuta arriscada que devem poder existir nesses espaos de discusso. igualmente indispensvel se desejamos que os membros do grupo se possam exprimir quanto a matrias to ntimas quanto a relao subjectiva com o trabalho ou o sofrimento no trabalho. J aconteceu, por exemplo, os quadros ou os colegas pretenderem inscrever pessoas ausentes das reunies de informao mas isso constitui, para mim, uma infraco inaceitvel a este princpio. c) tamanho do grupo: 15 pessoas no mximo. Para alm desse nmero, as condies necessrias deliberao j no esto reunidas, tanto do lado da escuta quanto da palavra, e a gesto dos debates torna-se muito difcil. Este princpio, contrariamente ao precedente, pode ser infringido. J trabalhei com um grupo de um pouco mais de 20 pessoas. Mas isso totalmente desaconselhado quando possvel proceder de modo diferente e em particular para os praticantes menos experientes. A possibilidade de tirar sorte quem participar no grupo de inqurito e uma restituio aos outros parece-me, nesse caso, uma boa alternativa. Dois intervenientes no mnimo: Este princpio foi promulgado desde o incio e revela-se bastante determinante no terreno. Permite no tomar sobre si todo o sofrimento e os conflitos evocados pelo grupo e ajuda a enfrentar as relaes de poder e s vontades de instrumentaliazao das quais somos quase inevitavelmente objecto no contexto deste tipo de inqurito. Este risco existe de todas as partes. Do lado das Direces, que podem pretender desta forma mostrar aos parceiros sociais que se preocupam com as questes de sade no trabalho, no tendo qualquer inteno de questionar a sua organizao do trabalho. Do lado dos Sindicatos, que podem pretender desse modo mostrar aos trabalhadores que so sensveis aos seus problemas, desejando utilizar o inqurito para se fazerem valer no momento das eleies, sem estarem preparados para lutarem pela melhoria das situaes de traba-
lho. Alm disso, analisar a situao por diversos intervenientes permite igualmente evitar interpretaes demasiado pessoais, frequentes quando lidamos com questes to subjectivas. Os conflitos de interpretao que nascem dos debates no grupo de intervenientes so frequentemente reveladores dos conflitos existentes no grupo de inqurito e, portanto, teis para a compreenso da situao. O outro interveniente deve, no entanto, estar sensibilizado para a PDt. por isso que intervenho principalmente com mdicos do trabalho ou antigos estudantes. Muitos intervenientes tiveram de intervir sozinhos para se adaptarem ao terreno. No entanto, todos o lamentaram e todos sublinharam a que ponto este princpio era til e necessrio tanto para a qualidade do trabalho de anlise, quanto para a tica do praticante. e) No misturar nveis hierrquicos: O facto de coexistirem dentro de um mesmo grupo de inqurito pessoas de nveis hierrquicos diferentes constitui um problema para a qualidade da palavra e da escuta. Cada pessoa de um dado nvel hierrquico sentir-se- desconfortvel ao exprimir de maneira autntica as suas dificuldades face a algum que seu subalterno ou que seu superior. Se h entre os voluntrios pessoas de nveis hierrquicos diferentes, ser preciso constituir mais grupos. Este sem dvida o princpio que mais debate suscita entre os praticantes. Por vezes necessrio, por exemplo, constituir um grupo de inqurito a partir de uma equipa de trabalhadores composta por membros cujos estatutos so muito heterogneos penso, por exemplo, numa equipa de cuidadores de um estabelecimento de sade. Nesse caso, coexistem mdicos, psiclogos, enfermeiros, auxiliares de aco mdica, pessoal auxiliar de cuidados de sade que de forma alguma se posicionam ao mesmo nvel hierrquico dentro da instituio. Pode, portanto, ser necessrio reunir estes actores apesar de tudo, e no o fazer poder mesmo condicionar a compreenso da situao de trabalho. No entanto, continuo a pensar que o enquadramento superior, por exemplo, ou a chefia do servio, no deveria figurar em tal grupo se pretendemos que todos possam exprimir-se livremente, o que uma condio sine qua non ao bom andamento do inqurito. Os participantes representam-se a si prprios: Este ponto parece-me muito importante para os representantes do pessoal, nomeadamente, que, quando eleitos, podem sentir-se capazes de falar pelos seus colegas. Ora, a relao subjectiva com o traba-
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lho sempre singular, o sofrimento, em particular, sempre invisvel e por isso absolutamente impossvel de ser expresso por procurao. Assim, os representantes do pessoal so sempre benvindos, desde que sejam voluntrios, mas devem compreender desde o incio que esto ali para falar unicamente em seu nome. Da mesma forma, parece-me difcil de entender que os trabalhadores, membros de um comit de pilotage [2], possam ir inquirir junto dos seus colegas para mais bem compreender a sua relao subjectiva com o trabalho. Uma infraco a este princpio parece-me decididamente problemtica do ponto de vista da qualidade do material clnico desse modo recolhido. No me parece que as precaues ticas a ter no contexto da recolha desse tipo de material estejam reunidas nesse caso e isso poder ser perigoso para os trabalhadores que exprimiriam assim o seu sofrimento a um colega fora do quadro metodolgico adequado ao inqurito. g) O relatrio validado pelo grupo, pois este o seu primeiro destinatrio: O relatrio redigido a propsito destas investigaes sistematicamente validado pelos participantes, e estes devero ser sistematicamente os seus primeiros destinatrios e decisores quanto sua difuso. Este procedimento constitui a validao dos resultados do inqurito e parece, por isso, ser igualmente incontornvel. Durante a investigao, o pedido final submetido reflexo do grupo; nenhum questionrio pr-estabelecido submetido ao grupo. O objectivo instaurar as condies de uma partilha autntica atravs da presena de pelo menos dois intervenientes, exteriores ao contexto, especializados em Psicologia do trabalho. Os intervenientes agem sobre dois eixos: Eixo 1 Animar os debates entre os participantes, estimular a sua reflexo por meio de um questionamento de tipo clnico que no se contenta com aquilo que enunciado mas leva o(s) interlocutor(es) a reflectir sobre o sentido da sua conduta e/ou das suas anlises. Alimentar a reflexo dos participantes atravs dos elementos tcnicos e tericos da Psicodinmica do trabalho.
esperar deste tipo de interveno so, ao fim e ao cabo, ainda bastante modestos.
ii Dificuldades e resultados esperados do inqurito de pDt
II.1 As dificuldades prticas de cumprimento destes princpios metodolgicos

A minha experincia de terreno mostrou-me que sempre difcil encontrar um terreno comum em relao ao pedido. Este pode revestir-se de formas muito diferentes consoante os diferentes interlocutores (Direco, representantes do pessoal, Mdico do trabalho, Assistente Social, trabalhadores). Notei tambm que a Direco, os Sindicatos, e at os trabalhadores, podem pressionar-nos para renunciarmos nossa abordagem colectiva, no sentido de realizarmos entrevistas individuais, menos problemticas, mais susceptveis, segundo eles, de permitir a cada um exprimir-se livremente Convenc-los de que uma abordagem colectiva imperativa neste domnio da relao subjectiva com o trabalho pode revelar-se muito difcil. Similarmente, quem faz o pedido e os voluntrios podem incitar-nos a realizarmos observaes em situao de trabalho. Aps reflexo, considero que tais observaes devem ter lugar antes das reunies, elas constituem aquilo que Dejours considera o pr-inqurito e permitem sentir o ambiente de trabalho, bem como aceder a uma certa subjectividade quando os trabalhadores vierem a evocar a sua experincia vivida. No que concerne s entrevistas individuais, admito ter por vezes acedido a tal pedido, se o mesmo era insistente e emanava dos voluntrios. Por vezes, as relaes dentro do grupo esto de tal forma degradadas que esta etapa, que pode tambm ser considerada como constitutiva do pr-inqurito, pode revelar-se til. Ela permite a cada um desabafar, embora o essencial seja sobretudo no redigir nenhum relatrio relativo a esta tapa e no ficar por a, mas considerar estas entrevistas como uma fase preliminar da investigao colectiva. Uma vez decidida a interveno, no momento do primeiro encontro com o grupo, o princpio reler o pedido formalizado e aguardar os comentrios dos participantes. Nessa altura, frequentemente se instala um silncio muito pesado que preciso suportar. O erro aqui seria propor uma primeira interpretao que poderia influenciar, ou seja, deturpar, a anlise realizada pelo grupo. A experincia mostrou-me que isto no fcil e pude constatar vrias vezes que, designadamente, os Mdicos do trabalho, eram tentados a falar para no continuarem a suportar o silncio. Nas sesses seguintes, vimos, no referido colquio, que as prticas diferiam em funo dos intervenientes. Alguns fa-
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Eixo 2
Mas estes princpios so a prescrio, a sua aplicao gera sempre um certo nmero de dificuldades concretas que sero abordadas agora. Assim, os resultados que podemos
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zem relatrios intermdios, outros uma sntese oral da sesso anterior Quando debatamos este assunto com Dominique Dessors, ela dizia sempre que no devamos fazer esse tipo de recordatrio, fosse de que forma fosse. Para ela, era necessrio voltar a enfrentar o silncio, perguntando, por exemplo, ao grupo em que ponto tnhamos ficado na ltima vez. Ela considerava que era sempre interessante notar o tema pelo qual o grupo decidiria comear, esse era para ela um elemento essencial da anlise. Duma forma geral, neste tipo de interveno, o tempo incerto. Pode acontecer um inqurito desenrolar-se muito tempo aps (por vezes mais de um ano) a primeira formulao do pedido. Muito frequentemente, tambm, os planeamentos dos encontros so alterados Em retrospectiva, parece-me que este aspecto inerente a esta abordagem, preciso saber seguir o ritmo das organizaes nas quais intervimos e levar em conta esse dado na anlise que fazemos, sem pretender lutar contra o mesmo. Sem dvida o mais difcil deste trabalho, e que eu prpria ainda luto para conseguir fazer, no se contentar com a devoluo da queixa, mas levar tambm os trabalhadores a compreenderem:
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difcil, demorado e fastidioso quanto mais ns tnhamos de lidar com interlocutores de posies elevadas na hierarquia. Num Banco, por exemplo, tivemos de passar 4 meios dias unicamente a validar o relatrio do grupo Quadros. Penso que um trabalho muito arriscado para os trabalhadores com essas funes, dos quais esperamos muitas vezes um discurso em perfeita adequao com o discurso da Direco. Quando realizo este tipo de interveno, desejo que a Direco e a Gerncia estejam cientes da realidade do trabalho e do seu impacto na sade dos trabalhadores que tm sob sua responsabilidade. Isto, com o intuito de que ponham em marcha uma estratgia que coloque realmente o factor humano no centro da organizao, e que este no seja apenas um slogan nos planos de comunicao das empresas. No terreno, isto revela-se quase impossvel. Mesmo quando as Direces acolhem positivamente os relatrios dos inquritos, em ltima instncia, doloroso constatar como raro obervar mudanas reais na organizao do trabalho.
ii.2 os resultados a esperar

Quando intervimos em PDt preciso portanto ser modesto em relao aos resultados a esperar. Atendendo minha experincia, o que de melhor podemos esperar, no meu entender, : a) Uma melhor compreenso da situao de trabalho e do seu impacto na sade e nas condutas dos trabalhadores, por parte dos diferentes actores da empresa, por meio das linhas que constituem o(s) relatrio(s); Uma estruturao e uma profissionalizao em termos da sade no trabalho das instncias representativas do Pessoal e do Gabinete de higiene, Segurana e das Condies do trabalho, em particular; Uma restaurao da capacidade de dilogo do grupo. Quando sabemos do carcter fundamental da existncia de um espao de discusso no seio de um grupo para a sade no trabalho, este aspecto no negligencivel; A modificao da organizao do trabalho no sentido de uma melhor relao sade-trabalho (abertura de espaos de discusso, melhor considerao do trabalho nas avaliaes, modificao das regras e das suas aplicaes) Mas este resultado raro e pressupe uma luta muito dura dos grupos e/ou das instncias representativas do Pessoal implicados.
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O impacto psicolgico da situao de trabalho sobre eles (o sofrimento, as defesas), A sua responsabilidade na situao Porque no fizeram eles tudo o que podiam para melhorarem a organizao do trabalho, por exemplo? O sentido que tem a sua conduta bem como a dos outros.
Parece-me igualmente difcil no se fazer a devoluo aos trabalhadores daquilo que seria desejvel considerar para melhorar a situao. Eu venho da rea da formao e da consultoria, na qual as recomendaes constituem o essencial do trabalho, pelo que permanecer numa abordagem compreensiva problemtico para mim. Pude constatar que tambm o era muitas vezes para o grupo e para quem formula o pedido. Para ter em conta os imperativos da abordagem compreensiva ao mesmo tempo que estas expectativas dos nossos interlocutores, escolhi aproveitar a interveno para recolher as pistas de aco consideradas pelo grupo a partir da nova compreenso da situao qual o mesmo acedeu atravs do inqurito. Estas pistas so formuladas pelo grupo e no so portanto, em nada, as recomendaes prprias de uma abordagem por um perito. A redaco do relatrio constitui igualmente uma real dificuldade neste trabalho. sempre rduo e arriscado passar do momento do debate oral para o da escrita. E preciso admitir que no podemos escrever primeira um documento que ser integralmente validado. O tempo passado a retomar a escrita que propomos ao grupo faz parte integrante da abordagem. Pude notar que este trabalho era tanto mais
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Concluso
Aps todos estes anos de interveno e todos os debates aos quais pude assistir, quer seja no Laboratrio do CNAM [3] dirigido por Christophe Dejours [4] ou por ocasio dos diversos Colquios Internacionais de Psicodinmica e de Psicopatologia do trabalho, parece-me que vrias questes permanecem sem resposta:
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Um inqurito de PDt pode constituir uma forma de preveno? Em Frana, a Preveno dos Riscos Psicossociais est na moda e poderamos ter a tentao de ocupar o lugar para que outros intervenientes menos despertos para a questo da sade mental no trabalho o no ocupassem. Num debate sobre este tema no Laboratrio, esta questo foi levantada. O que parece ser mais problemtico para integrar uma tal abordagem a questo da previsibilidade. Ns sabemos que no existe previsibilidade em Psicologia No podemos, por isso, pretender que a nossa aco possa constituir uma qualquer preveno Depois de muita discusso, naquele dia, Dominique Dessors concluu repetindo o seu famoso O que conta no fazermos aquilo que nos pedem. Com efeito, se o pedido que nos formulado visa a preveno, porque no trabalhar esse pedido para intervir de acordo com os nossos princpios? Se ns no podemos garantir que este ser um programa de preveno, uma aposta segura de que no ser to-pouco outro tipo de interveno A Segurana Social de Guadalupe lanou um concurso com o intuito de estabelecer protocolos com entidades que pudessem vir a tornar-se os interlocutores privilegiados das empresas locais em termos de interveno ao nvel dos riscos psicossociais. Respondi a esse concurso propondo uma abordagem que retomava exactamente a abordagem de inqurito da Psicodinmica do trabalho, mas sem a designar assim, e a minha proposta foi seleccionada. Um inqurito de PDt uma interveno ou uma investigao? Mais uma vez, fazendo f nas minhas discusses com Dominique Dessors, sou tentada a pensar que sobretudo uma interveno que deve responder a um pedido do terreno. Se uma investigao comandada por patrocinadores pblicos ou privados, como evitar que o grupo de voluntrios seja instrumentalizado pelos investigadores e pelos seus patrocinadores para as suas necessidades, to afastadas das dos voluntrios?
ofcio revela-se portanto um trabalho muito difcil. por isso que os praticantes devem manter-se vigilantes em relao aos princpios aqui inventariados, sobretudo tratando-se de estudantes. Caso contrrio, o risco de aos poucos a prtica da PDt se ir degradando. Estes princpios foram desenvolvidos a partir de trinta anos de experincia a lidar com conceitos subtis tais como o sofrimento e o prazer no trabalho. Se perdemos de vista estes princpios arriscamo-nos a perder a capacidade de agarrar estas questes no terreno. Quem mais nos incita a afastarmo-nos destes princpios so as Direces das organizaes, com o objectivo de mais bem nos instrumentalizarem. , portanto, imperativo que no nos afastemos dos mesmos, tanto por uma preocupao de eficcia quanto por uma preocupao tica.
Notas [1] Nota do tradutor: Guadapule uma regio ultramarina francesa nas Carabas, constituda por dois arquiplagos: a ilha de Guadalupe, na realidade composta por duas ilhas, Basse-terre e Grande-terre e ilhas prximas, e um grupo situado mais a Norte, constitudo por So Bartolomeu, pela metade norte de So Martinho e ilhotas prximas. A capital Basse-terre. [2] Em psicodinmica do trabalho, o termo de "comit de pilotage" designa um grupo de algumas pessoas (normalmente inclui os investigadores que intervem, um representante da medicina do trabalho ou dos sindicatos, eventualmente algum do departamento de recursos humanos da empresa) constituido aquando da interveno e que tm por objectivo conduzir o conjunto do processo (nomeadamente as questes logisticas como a escolha de horrios para as reunies, o local etc). [3] N. do tradutor: Conservatoire National des Arts et Mtiers, estabelecimento de Ensino Superior tutelado pelo Governo francs, fundado em 1794, cujos objectivos so disponibilizar educao e conduzir investigao para a promoo da cincia e da indstria. [4] N. do tradutor: A autora refere-se ao Laboratrio de Psicologia do trabalho e da Aco, dirigido por Christophe Dejours, no CNAM.
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Referncias bibliogrficas DEjoURS, C. (2000). Travail, usure mentale. Paris: Fayard. DESSoRS, D. (2009). De lergonomie la PDT. Paris : Eres. MoLINIER, P. (2001). Souffrance et thorie de laction. Travailler. Revue internationale de psychopathologie et de psychodynamique du travail, n7. MoLINIER, P. (2006). Les enjeux psychiques du travail. Paris: Petite bibliothque Payot.
Implementar um inqurito de PDt que respeite as regras do
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informe de un estudio de campo sobre una intervencin basada en la psicodinmica del trabajo (pDt)
resumo Trata-se aqui de identificar, a partir de uma experincia de terreno, os princpios metodolgicos que parecem fundamentais no quadro de uma interveno em Psicodinmica do Trabalho a fim de evitar os riscos de instrumentalizao que ameaam todos os praticantes desta disciplina. Depois, as dificuldades inerentes a este tipo de interveno sero igualmente analisadas, tal como as questes que permanecem sem resposta e que concernem ao princpio de preveno e ao estatuto destes inquritos. palavras-chave psicodinmica do trabalho, metodologia, inqurito, terreno.
retour sur une exprience de terrain de lintervention en psychodynamique du travail (pDt)

rsum Il sagit ici didentifier, partir dune exprience de terrain, les principes mthodologiques qui apparaissent fondamentaux dans le cadre dune intervention en psychodynamique du travail afin dviter les risques dinstrumentalisation qui guettent tout praticien de cette discipline. Ensuite les difficults inhrentes ce type dintervention seront galement analyses, ainsi que les questions qui restent en suspens concernant le principe de prvention et le statut de ces enqutes. mots-cl psychodynamique du travail, mthodologie, enqute, terrain.
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en
a field experience in the domain of psychodynamics of work

abstract we aim to identify the methodological principles that seem to be crucial in a psychodynamics of work scenario, through a field experience, in order to avoid the risk of materialization that threatens all that adopt this subject. Next, we analyse the difficulties inherent to this type of intervention, such as the questions that remain unanswered associated to the prevention principle and to the status of these surveys. Keywords psychodynamics of work, methodology, survey, field.
Como referenciar este artigo? GANEM, V. (2011). Relato de uma experincia de terreno de interveno em Psicodinmica do trabalho (PDt). Laboreal, 7, (1), 68-75. http://laboreal.up.pt/revista/artigo.php?id=48u56o tV6582235338949985532
Manuscrito recebido em: Outubro/2010 Aceite aps peritagem: Maro/2011
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importa-se De repetir?
trabalhar no derrogar [1]
Christophe Dejours
Conservatoire National des Arts et Mtiers 41, Rue Gay-Lussac 75005 Paris christophe-dejours@cnam.fr
Artigo original: Dejours, Ch. (1998) travailler nest pas droger. travailler, 1, 5-12.
A traduo deste artigo para portugus foi realizada por Andreia Ferreira e Joo Viana Jorge.
Salvo se fizermos remontar a origem da psicopatologia do trabalho a tissot De la sant des gens de lettres, 1768 geralmente consensual considerar que a investigao sobre as relaes entre trabalho e sade mental tm sensivelmente 50 anos de idade. pouco se compararmos com a psiquiatria ou com a patologia profissional (Ramazzini, De morbis artificum diatribs, 1700). muito se compararmos com a engenharia gentica ou com a neuroqumica (Guillemin, Prmio Nobel da Biologia e Medicina pela descoberta das endorfinas, 1977). Cada um desses campos disciplinares alimenta numerosas revistas pelo mundo fora. Porque no acontece o mesmo com a psicopatologia do trabalho? O campo da sade mental no trabalho todavia vasto, as suas incidncias na sade pblica so evidentes, a sua importncia terica mede-se pelo lugar que o trabalho ocupa na vida normal de cada um, e na condio humana em geral! que o nascimento e desenvolvimento das revistas no dependem da importncia econmica, social ou poltica de um campo, mas da actividade cientfica que se desenrola no seu seio e dos desafios, ou at paixes, que aquela ltima suscita. foroso reconhecer que, no campo da sade mental no trabalho, as actividades cientficas eram reduzidas e que no suscitavam grande paixo. O Colquio Internacional de Psicodinmica e de Psicopatologia do trabalho que teve lugar em Paris, no Conservatoire National des Arts et Mtiers, em Janeiro de 1997, proporcionou uma viso diferente desse panorama: a viso de uma numerosa participao de profissionais, entre os quais uma maioria de mdicos do trabalho, mas tambm grande nmero de ergnomos, de assistentes sociais, de psiclogos, de psiquiatras, de psicanalistas; a de uma presena intelectual assegurada por investigadores e universitrios operando nas disciplinas j citadas, s quais se devem acrescentar a sociologia, a antropologia, a economia e a epidemiologia; enfim, a de uma contribuio internacional com as comunicaes de colegas provenientes de numerosos pases da Europa, frica e Amrica. Foi para poder estruturar o campo da psicodinmica e da psicopatologia do trabalho e para poder acolher e difundir os relatos de experincias prticas assim como de investi-
trabalhar no derrogar Christophe Dejours
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gaes cientficas, para constituir, enfim, um espao de discusso que a revista Travailler foi fundada pelos membros do comit cientfico do colquio de 1997. Trabalhar: porqu este ttulo? Primeiro que tudo para ganhar algum distanciamento face aos debates sobre o trabalho e sua definio. trabalho, actividade, emprego, profisso, qualificao, todos estes termos tm conotaes disciplinares e conceptuais especficas que suscitam controvrsias sobre o sentido apropriado a dar ao termo trabalho. Controvrsias de um grande interesse que mostram contudo que nenhuma definio da noo de trabalho conseguiria chegar, actualmente, a um consenso. Para certos autores cujas opinies beneficiaram nestes ltimos anos de uma admirao entusistica por parte do pblico, o trabalho est mesmo em vias de extino! Para outros, o trabalho uma construo social recente que data do incio ou de meados do sculo XIX. Para outros ainda o trabalho no teria aparecido seno com o protestantismo e a Reforma deixemos ento esses debates e debrucemo-nos sobre uma realidade indiscutvel: trabalhar. Quer se trate de uma actividade assalariada ou graciosa, domstica ou profissional, de operador ou de quadro, no pblico ou no privado, na indstria ou nos servios, na agricultura ou no comrciotrabalhar mobilizar o seu corpo, a sua inteligncia, a sua pessoa para uma produo que detenha valor de uso. O deslocamento conceptual da noo de trabalho para a de trabalhar, importante. Devemo-lo a Simone Bateman-Novaes que a tinha sugerido no fim do simpsio satlite do Colquio Internacional de Janeiro de 1997. trabalhar ser primeiro entendido como um verbo incoactivo, mas poder eventualmente beneficiar de uma substantivao, como se diz de: o deitar, o comer, o beber ou o agir. O trabalhar designa uma realidade liberta das polmicas, por vezes bizantinas, sobre a realidade do trabalho. Nesta revista, o termo trabalho remeter portanto, antes de qualquer outra coisa, para o trabalhar cuja experincia corrente desde sempre consubstancial com o humano.
deres do trabalho ordenamento do mundo e objectivao da inteligncia so tradicionalmente reconhecidos pelas cincias humanas. Quanto revista Travailler esforar-se- por dar um lugar de eleio a um outro poder do trabalho que a tradio no considera seno com circunspeco: o poder de fazer advir o sujeito. trabalhar, no somente produzir ou fabricar, no apenas transformar o Mundo, tambm transformar-se a si prprio, produzir-se a si mesmo. Noutros termos, atravs do trabalho que o sujeito se forma ou se transforma revelando-se a si prprio de tal forma que depois do trabalho ele j no completamente o mesmo do que antes de o ter empreendido. Assim, trabalhar participa num processo de subjectivizao ao qual o clnico, preocupado com a sade mental, dedica mais ateno ainda do que ao processo de objectivao. Porqu? Porque decorre da prpria substncia da subjectividade produzida pelo trabalho. A montante do trabalho existe, com efeito, o sofrimento. E precisamente esse sofrimento que o trabalhar tem poder para transformar em sentimento de prazer. Como que o trabalhar pode transformar o sofrimento? No engendra o trabalho bem maior sofrimento do que o que capaz de esconjurar? A prpria psicopatologia do trabalho situar-se-ia nos antpodas da medicina do trabalho, a primeira oferecendo-se como cincia da felicidade enquanto a segunda seria a cincia do infortnio. Numa verso to caricatural dessa oposio, ningum conseguiria encontrar-se. Existe, todavia, efectivamente, uma inflexo diferente entre as duas disciplinas clnicas: a medicina do trabalho como toda a medicina, preocupa-se em descrever as leses ou as doenas para poder de seguida trat-las ou preveni-las. A psicodinmica do trabalho preocupa-se tambm com a patologia mas interessa-se, por acrscimo, pela normalidade e, alm disso, pela sade (mesmo que esta ltima seja concebida como um ideal inatingvel). No se trata somente de proteger os homens e as mulheres da devastao originada pelo trabalho, mas de fazer em vez disso com que trabalhar seja restitudo ao seu poder constitutivo da sade.
os poderes do trabalho
Se trabalhar se reveste de uma tal importncia antropolgica , seguramente, porque primeiro que tudo uma actividade de produo que transforma o mundo e pode assim torn-lo mais habitvel. O trabalho contm essa promessa, mesmo que esta ltima, por demais o sabemos, se possa transformar em ameaa. No h dvidas de que o futuro da terra, como habitat do homem, depende da maneira como este trabalha. Mas o trabalho tambm uma actividade de produo onde se concretizam e se objectivam a inteligncia e o engenho humanos. Sem produo, sem fabrico, noutros termos, sem trabalho, a inteligncia e a criatividade humanas no seriam mais do que hipteses. Estes dois po-
o trabalho e o seu sujeito

Retenhamos de algumas destas consideraes que o trabalho ambguo do ponto de vista da vida: pode provocar o pior a doena e a morte mas pode tambm gerar o melhor sade e acrscimo de vida. Esta ambivalncia, o trabalho obtm-na da sua relao com a subjectividade e com o sujeito. J vimos anteriormente os trs poderes do trabalhar: transformao do mundo, objectivao da inteligncia, produo da subjectividade. Mas o trabalhar, de onde retira ele o seu poder incoactivo? Ou, para o dizer de outra forma, o que que pe o trabalhar em movimento? Para
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esta questo no h seno uma resposta possvel: o sujeito. o prprio sujeito que inicia o trabalhar que ele mesmo usa para se aperfeioar e se engrandecer a si prprio. Antes de qualquer trabalho h portanto um sujeito, ainda que em estado inacabado, que o mesmo dizer, espera de uma evoluo, porventura de um advento. Se, partindo desse duplo processo de objectivao e subjectivizao que caracteriza o trabalho, tomarmos emprestado um caminho que retroceda, encontramos, a montante do trabalhar, um sujeito. Mas ento inevitvel colocar a questo da origem desse sujeito que fora a trabalhar. A resposta deve ser procurada, mais uma vez, do lado do sofrimento a que se fez anteriormente breve meno, na condio de no reter seno as conotaes convencionais da noo em virtude das quais o sofrimento estaria inteiramente do lado da paixo, do ressentido, do suportado e do infortnio. Isto faz-nos avanar no sentido de um paradoxo onde se situa verdadeiramente a dificuldade terica principal. No necessria grande ilustrao para tomar conscincia de que o trabalho possa gerar o pior e o melhor. Que sofrer, em contrapartida, possa ter incidncias favorveis mais dificilmente aceitvel. todavia, contrariamente ao que sugere o senso comum, o sofrimento no simplesmente o resultado final de um encadeamento infeliz de que no restaria seno deplorar as aborrecidas e lamentveis consequncias. O sofrimento tambm, para o clnico do trabalho, um ponto de partida, uma origem: a origem de todo o movimento em direco ao mundo, de toda a experincia do mundo. Sofrer ontologicamente a ligao primordial do sujeito ao mundo. E, ao sujeito nada mais resta seno esse sofrimento experienciado, reconhecido, apropriado. S ento pode comear lentamente a mutao no seu contrrio. Se o prazer um dos destinos possveis do sofrimento, preciso reconhecer partida que o sofrimento o antecede. No h de facto nenhum sujeito que no seja o resultado do sofrimento, apenas a partir do sofrimento, na estrita medida todavia em que esse sofrimento seja efectivamente experienciado no meu corpo e pelo meu corpo. Porque no h afectividade sem carne. E o sofrimento afectivo na medida em que me revelado pelo meu corpo. Assim, corpo e sofrimento engendram o sujeito. Pouco importa a origem do sofrimento, seja ele causado por um sentimento endgeno de incompletude ou provenha de um poder deletrio vindo do exterior. suficiente que esse sofrimento seja carnalmente experienciado para que apele de algum modo a ser ultrapassado. O sofrimento, mesmo sendo doloroso ao mesmo tempo protenso dirigido para o mundo, em busca de novas ocasies para pr o sujeito prova: prova do mundo e prova de si mesmo, para se ultrapassar, para se realizar. Como? Pelo trabalho precisamente! O sofrimento como protenso dirigido para o mundo fundamentalmente protenso do sujeito para trabalhar: trabalhar esse sofrimento para o transformar, rele-
var o desafio para se engrandecer e se realizar como sujeito. trabalhar no derrogar as obrigaes que se tm face sua prpria dignidade. mesmo completamente o contrrio. A posteriori, quando da contemplao dos resultados do trabalho realizado, anuncia-se a ultrapassagem do sofrimento e a sua transformao em sentimento de satisfao, de plenitude e at de euforia. O prazer no trabalho est consubstancialmente ligado ao sucesso do processo de subjectivizao, de reforo da identidade, ou ainda auto-realizao, que o trabalhar proporcionou.
trabalho e dominao
Ento se a teoria em psicodinmica do trabalho est em posio de argumentar o potencial mutante do trabalhar sobre o sofrimento, para o fazer engendrar um reforo de identidade e de subjectividade, porque que a clnica produzida pela psicopatologia e pela psicodinmica se d a conhecer, antes de tudo, pela descrio dos destinos funestos do sofrimento, pela dos mecanismos de defesa, da alienao e da patologia mental? Porque, se trabalhar consiste primordialmente isto , com uma anterioridade ontolgica e genealgica numa relao do sujeito consigo mesmo na procura de situaes para se testar a si prprio e se realizar, o trabalho no acessvel, concretamente, seno numa relao social em que se exerce a dominao. A reduo do emprego e a sua flexibilizao so desse ponto de vista suficientemente espectaculares para que seja intil coment-las. Mas, mais trivialmente, sabe-se que o potencial mutante do trabalho sobre o sofrimento, sobre o aumento da subjectividade, sobre o prazer e sobre a sade, pode ser neutralizado. At mesmo convertido no seu contrrio e no engendrar seno mais sofrimento sem qualquer possibilidade de fazer a sua anlise[2]. Como, por exemplo, no trabalho repetitivo sob constrangimentos de tempo. Perfila-se assim um novo desafio : o da subverso da dominao, pelo trabalho. Desafio que no aberrante nem delirante como o sugere a emancipao das mulheres em relao dominao dos homens precisamente atravs do trabalho. Mas ns sabemos que a soluo desta negociao, que constitui a organizao do trabalho real, incerta e que pode revestir formas muito contrastadas. De facto possvel vergar e inclinar-se perante a dominao, cuja organizao do trabalho constitui um desafio, ou ento usar esperteza e resistir. Que a nossa liberdade, a nossa responsabilidade e a nossa vontade estejam comprometidas no destino da relao com o trabalho incontestvel. Mas para poder assumir o que isto implica no registo da aco, devemos desenvolver os instrumentos conceptuais e uma aparelhagem terica que permita analisar o que faz com que uma organizao do trabalho seja favorvel ao advento do sujeito ou pelo contrrio aquilo que
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a torna fundamentalmente deletria e des-subjectivante ou ainda alienante. J evocamos a no neutralidade do trabalho face auto-realizao: ou contribui para o engrandecimento do sujeito ou contribui para a sua destruio; ou um potente meio para construir e defender a sade; ou se transforme numa arma temvel em proveito da desintegrao da subjectividade e da sua morte. Esta , no fim de contas, a dimenso trgica do trabalho que nesta revista deve ter um lugar de elaborao, anlise e discusso.
trabalho e aco
Do que precede, ter-se- compreendido que a psicodinmica e a psicopatologia do trabalho so fundamentalmente atravessadas pelas questes relativas aco: aco cujo objectivo primordial o planeamento das situaes de trabalho, de maneira que sejam a agrupadas as condies propcias ao acrscimo da subjectividade e da vida. No se trata de todo de uma quimera irrisria. Numerosas so as situaes de trabalho graas s quais os homens e as mulheres se aguentam melhor que quando so privados do trabalho. que nestes casos, os conflitos de racionalidade, indubitveis e inevitveis foram ultrapassados pelo compromisso de qualidade entre a racionalidade do sofrimento e do seu advir e as racionalidades moral prtica e estratgica. Convm ainda precisar que estes compromissos no so o resultado de conjunturas particularmente favorveis ou aleatrias, mas, de facto, de intenes, de vontades e de decises deliberadas. Impossvel atingir compromissos bem sucedidos sem libertar espaos de elaborao e de deliberao; sem consagrar tempo para reflectir; tempo para pensar as condies e a organizao do trabalho. Os bons compromissos existem, mas preciso invent-los, defend-los, faz-los evoluir. O desafio da aco, aqui o espao que queremos defender para a subjectividade e para a vida no mundo do trabalho e, para alm disso, nas instituies e na organizao da cidade.
aco, praxis e teoria

Por mais que esta nova revista reflicta as preocupaes formuladas por um grande nmero dos seus potenciais leitores, relativamente aco no campo da sade no trabalho, ela no tem por vocao dar ou propor modos de utilizao. A aco no consiste na aplicao de procedimentos ou na execuo de instrues. Ela passa por decises sapientes. E a sapincia, aqui entendida como sapincia prtica, supe no somente agir com autenticidade mas agir convenientemente. Uma aco tanto mais conveniente quanto mais rigorosamente pensada ela . Para isto preciso poder apoiar-se em conhecimentos, teorias e concei-
tos, isto na sedimentao do trabalho dos outros, de todos os outros, de todos os membros da comunidade a que pertence. Esta a vocao da revista: centralizar e difundir conhecimentos, colocar em debate as problemticas. Agir racionalmente supe, a posteriori e no apenas na deliberao antecedente, submeter a aco prova dos conceitos. Caracterstico de uma aco racional ser orientada para objectivos possveis. Uma aco irracional no seu objectivo se designa os inatingveis porque eles no resultam da vontade nem da deciso, porque o estado das coisas no pode ser outro seno aquele que , porque o objectivo visado est fora do alcance de toda a vontade humana. Por exemplo bater-se por um compromisso de qualidade entre trabalho e sade um objectivo acessvel e racional. Em contrapartida propor-se, como fim a atingir, a supresso do sofrimento humano, formular um objectivo impossvel de atingir e envolver-se numa aco irracional. Determinar se um objectivo quimrico ou realista no evidente. por isso que agir no consiste apenas em tomar decises. Agir supe despender tempo para reflectir e para estudar. Os grupos de trabalho, os seminrios de que se dotaram sucessivamente os psiquiatras, os psicanalistas, e mais recentemente colectivos de mdicos do trabalho e mdicos generalistas, constituem uma das formas mais poderosas de enriquecimento da aco no campo da sade no trabalho. Travailler deveria ser um instrumento ao servio da deliberao. Travailler quer-se uma revista amplamente aberta aos debates, mas fortemente argumentada do ponto de vista terico. por isso que ela se dotou de uma comisso de leitura em quem recair a responsabilidade no s de aceitar ou recusar os artigos submetidos para publicao, mas tambm a de fixar as orientaes editoriais. No para fabricar um produto que constituiria uma montra de uma dita excelncia, mas para oferecer comunidade um meio suplementar de trabalhar e de se engrandecer. O leque de artigos esperados portanto alargado porque podero ser publicadas na revista contribuies emanadas de todas os ramos das cincias humanas assim como das cincias da engenharia ou das cincias biomdicas, na medida em que, tratando do trabalho ou da aco, elas no atribuam ao sofrimento e ao sujeito apenas um estatuto de acessrio decorativo, antes lhes atribuam um espao significativo sustentado por referncias explicitamente situadas. Um convite, de todo o modo, a ler, a escrever, a trabalhar e a fazer trabalhar, um convite endereado a cada uma daquelas e a cada um daqueles que se reconhecem no projecto de desenvolver uma clnica do trabalho e de aco no centro da qual ter sido deliberadamente decidido colocar a questo do sujeito. Julho de 1998
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Notas [1] Derrogar: perder os privilgios da nobreza por exerccio de uma profisso incompatvel com ela, ver (Diccionnaire Robert de la langue franaise) N.t.-. Em portugus o significado de derrogar no (pelo menos actualmente) este; todavia o autor usa, no texto, o termo com o sentido que ele tem em portugus: o de anular ou revogar. [2] Nt Em Francs o autor utilizou a palavra perlaboration que um neologismo inventado para traduzir o termo: Durcharbeitung (Travail " travers").
es
trabajar no es derogar
fr
travailler nest pas droger
en
Working is not derogating
Como referenciar este artigo? DEJOURS, Ch. (2011). trabalhar no derrogar. Laboreal, 7, (1), 76-80. http://laboreal.up.pt/revista/artigo.php?id=48u56o tV6582235338949::5542
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reviso temtiCa
Economia solidria, plural e tica, na promoo do emprego, da cidadania e da coeso social
maria da Conceio pereira ramos
Faculdade de Economia - Universidade do Porto Rua Dr. Roberto Frias, 4200-464, Porto cramos@fep.up.pt
Resumen A travs de un planteamiento multidisciplinar, proponemos caracterizar la economa social y solidaria, tercer sector, organizaciones sin nimo de lucro, mostrando su importancia en las sociedades contemporneas y su visibilidad creciente en las ciencias sociales. Presentamos diferentes conceptualizaciones y planteamientos tericos de la economa solidaria; especificidades de esta economa plural en el desarrollo local y su potencial de empleo; responsabilidad social y tica en la financiacin solidaria, en la promocin de la ciudadana y equidad y en la construccin de un paradigma econmico alternativo; papel de la ciudadana empresarial en la inclusin social y desarrollo de iniciativas que promueven el empreendedorismo social, el microcrdito y el voluntariado. Concluimos que la sedimentacin de una economa alternativa no es tan solo de importancia econmica, pero tambin tica y poltica. La acentuada crisis en el mercado de trabajo, las fuertes desigualdades y los riesgos de exclusin social exigen de los diferentes actores de la sociedad, pblicos y privados, nuevas formas articuladas de intervencin social y comunitaria. Las potencialidades de la economa solidaria son mltiples: valorizar la promocin del empleo y del empreendedorismo, el desarrollo social y territorial, el refuerzo de la cohesin social y de la ciudadana, la lucha contra el desempleo y la pobreza. Esta economa presenta desafos y oportunidades de innovacin en sus relaciones con el Estado y la sociedad civil, y de reinvencin del mismo Estado-Providencia. Palabras clave economa social, tercer sector, responsabilidad social y tica, microcrdito, economa alternativa y plural.
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Economia solidria, plural e tica, na promoo do emprego, da cidadania e da coeso social Maria da Conceio Pereira Ramos
1. polticas sociais e promoo da economia social e solidria

O modelo actual de desenvolvimento econmico, assente na competitividade, coloca novos desafios construo de uma sociedade inclusiva e reestruturao dos prprios modelos de proteco e de direitos sociais. A partir da segunda metade da dcada de setenta, do sculo XX, assistimos na Europa, ao aumento da instabilidade do emprego e extenso do desemprego de longa durao. O crescente nmero de situaes de no cobertura social evidencia a necessidade de alargar a aco do Estado aos indivduos que se encontram fora do mercado de trabalho ou que so vtimas do trabalho precrio. O agravamento das desigualdades sociais, associado emergncia de novas formas de pobreza, no encontrando soluo nos quadros de interveno anteriormente constitudos, uma ameaa para a coeso social e pe prova o Estado social e os seus meios de aco. As polticas sociais visam responder a fenmenos de pobreza e de excluso social, o que nos remete para a proteco social (Ferrera, hemerijck & Rhodes 2000). Esta tenta promover, por um lado, mecanismos que visem essencialmente a previdncia e, por outro, aces de carcter social ou assistencial, que respondem a situaes de carncia e necessidade. A segurana social enfrenta uma crise, persistente, e decrescente o nmero de contribuintes, face ao aumento de beneficirios. No obstante o facto dos regimes de segurana social se apresentarem hoje de forma mais completa, h situaes humanas e sociais concretas que no se enquadram nos mecanismos da sua organizao e funcionamento. neste contexto que a aco social visa colmatar lacunas dos regimes e potenciar a sua eficcia e humanizao. Os servios de aco social prestados por instituies pblicas e privadas, previnem ou auxiliam situaes de excluso, disfuno ou doena, apoio famlia e resposta a novos problemas sociais. A coberto das razes associadas ao financiamento e sustentabilidade da segurana social, tem-se assistido, na Europa, a uma forte presso para a desregulamentao dos sistemas sociais e diminuio da interveno do Estado na proteco social com o objectivo de reduo da despesa pblica, no quadro do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), diminuindo as prestaes do regime contributivo e privatizando algumas das suas componentes. A precarizao de alguns grupos da populao, devido instabilidade do emprego e reduo dos nveis de proteco dos sistemas sociais, provoca a necessidade da aco social (Ramos, 2003). As polticas de proteco social, apesar de todas as presses contraditrias, so um instrumento importante de salvaguarda dos direitos de cidadania e de coeso social (Esping-Andersen, 2002). O Estado-Providncia foi uma criao tardia, em Portugal. S a partir de 1974, com o processo democrtico, se intro-
duziram, de forma rpida, medidas significativas. Em 1986, a adeso Comunidade Econmica Europeia teve impactos na proteco social, no emprego e na formao (Ramos, 1998; Pereirinha & Nunes, 2006), surgindo polticas comunitrias para erradicar a pobreza e garantir a proteco aos grupos sociais mais vulnerveis e desfavorecidos (o rendimento mnimo garantido, actualmente intitulado rendimento social de insero, foi aplicado a partir de 1/7/1997). Foram tomadas medidas reformadoras do sistema de segurana social, melhor adequadas evoluo econmica, demogrfica, social e familiar e iniciativas legislativas de proteco social no desemprego e de incentivo promoo e criao de emprego. O modelo de Estado-Providncia foi, em Portugal, complementado pelo modelo de sociedade-providncia, onde a dinmica das redes e relaes familiares e sociais se substituram a um Estado insuficiente nos domnios das polticas sociais, levando Santos e Ferreira (2001) a caracterizar o quase Estado-Providncia portugus. Desenvolveram-se, por compensao, formas correlativas de sociedade-providncia, a partir de redes informais, de grupos sociais e das suas instituies, ncleos de parentesco e de vizinhana ou formas complementares de organizao paralela ao Estado, como as mutualidades, as instituies ligadas Igreja, as parcerias e o associativismo local. A poltica social em Portugal suportada pela Segurana Social e tambm por espaos de solidariedade, assimilados pela sociedade-providncia Instituies Particulares de Solidariedade Social (IPSS) terceiro Sector ou Economia Social (Barros & Santos, 1997; Variz, 1999). Apesar de constituir uma obrigao do Estado (Art. 63. da CRP), o exerccio da aco social efectuado essencialmente pelo sector privado e a Igreja Catlica, em especial pelas IPSS, embora num sistema de contratualizao, maioritariamente financiado por transferncias do Oramento do Estado. As IPSS desempenham um papel fundamental no apoio comunidade e famlia, encontrando importante suporte financeiro nos acordos de cooperao com a Segurana Social. Um objectivo do programa da Comisso do Livro Branco da Segurana Social (1998) foi o de promover o terceiro sector ou economia social e criar condies para novas parcerias entre o Estado e a sociedade civil, consentneas com o modelo social europeu e seu aprofundamento. A aco da segurana social, neste domnio, no prejudica o princpio da responsabilidade dos indivduos, das famlias e das comunidades locais na preveno e proteco das situaes referidas. A par da aco directamente desenvolvida por instituies de segurana social, importa mencionar a que resulta de acordos de cooperao celebrados com entidades pblicas ou privadas. A aco social exercida por instituies particulares de solidariedade social (IPSS), autarquias locais e empresas, est sujeita a enquadramento legal que se aplica igualmente a estabelecimentos com fins
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lucrativos. O direito portugus privilegia o exerccio da aco social desenvolvido no mbito das IPSS, entidades privadas da iniciativa da comunidade para a persecuo de tarefas de interesse geral e o seu papel est consagrado pela Lei de Bases da Segurana Social. O Artigo n. 64 da Constituio da Repblica Portuguesa, refere o direito criao e desenvolvimento das IPSS, regulamentadas por lei e sujeitas fiscalizao do Estado. A legislao evoluiu na necessidade crescente de enquadrar o papel destas Instituies, associaes mutualistas e outras, na cooperao e complementaridade na proteco social. Desde a aprovao do Estatuto das IPSS (Decreto-Lei n. 119/83, de 25 de Fevereiro), as competncias das mesmas tm sofrido alteraes, referindo o Artigo n. 2 deste DL as formas que elas podem assumir: Associaes de Solidariedade Social, Associaes de Voluntrios da Aco Social, Associaes de Socorros Mtuos (ou Associaes Mutualistas), Fundaes de Solidariedade Social e Irmandades da Misericrdia (ou Santas Casas da Misericrdia). As IPSS podem ainda agrupar-se em Unies, Federaes e Confederaes e tm o estatuto de entidades de utilidade pblica.
2. economia solidria, economia social, terceiro sector, organizaes sem fins lucrativos
2.1. Conceitos, natureza e fronteiras

A utilizao do conceito de economia solidria generalizou-se nos ltimos 25 anos do sculo XX em vrios continentes, sobretudo a partir de Frana e de alguns pases da Amrica do Sul, especialmente o Brasil, face necessidade de superao da dualidade pblico/privado e procurando dar respostas crise do Estado-Providncia e dissoluo crescente das formas de solidariedade familiares e comunitrias. Se nos pases francfonos se fala de economia solidria, nos pases anglo-saxnicos a expresso terceiro sector que geralmente utilizada para designar uma situao hbrida entre mercantil e no mercantil, monetrio e no monetrio. "Economia solidria, "Economia social", "terceiro sector", "Sector no lucrativo", "Economia comunitria", Economia civil, Economia de comunho so expresses que designam organizaes situadas entre o Estado, o mercado e a comunidade, o social e o econmico, nos seus objectivos e modelos organizacionais, procurando organizar o trabalho de outras formas que no as impostas pela exclusiva racionalidade capitalista. enorme a abrangncia do conceito de economia social e solidria, permanecendo pouco clara a sua definio conceptual e terica e variando o seu grau de desenvolvimento e de reconhecimento, de pas para pas, devido a factores econmicos, histricos, polticos, sociais e culturais (Azam, 2003; Bidet, 2003; Cail-
l, 2003; Demoustier et al., 2006). Portugal integra o grupo de pases europeus com maior aceitao do conceito de economia social (CIRIEC, 2000), a par da Frana, Itlia, Espanha, Blgica, Irlanda e Sucia. A discusso acerca do terceiro sector, ou da economia social, na definio e implementao de politicas sociais pretende reflectir sobre o seu papel na reforma e no avano de lgicas solidrias de participao colectiva, que reabilitem a funo do Estado na proviso de bem-estar social e na articulao enriquecida entre actores pblicos e privados (Santos, et al., 1998; Archambault, 1999; Evers, 2000). Como afirma Estevo (1997), existem duas tradies de abordagem do terceiro sector ou economia social: a dos acadmicos de tradio anglo-saxnica, orientada para a investigao das organizaes no-lucrativas (ONL), isto , organizaes de natureza jurdica privada, baseadas na solidariedade e nas actividades voluntrias no remuneradas (voluntary sector), que no distribuem lucros aos seus membros; a tradio francfona, que considera a economia social como uma via autnoma, nem pblica nem privada, de interveno no mercado, de acordo com valores e princpios que configuram um modelo de organizao especfico (Lallement & Laville, 2000). Se a literatura sobre o non profit sector esclarece certos componentes da economia social (principalmente associaes e fundaes), ela ignora as cooperativas e uma parte das mutualidades, em nome da imposio de no-distribuio dos lucros, a toda a organizao non profit (Nyssens, 2000). A noo de economia social, em contrapartida, mais ampla, como refere Defourny (2009), pois no exclui a busca de lucro, se a sua alocao e modos de gesto da empresa forem no capitalistas. No Dicionrio Internacional da Outra Economia (Cattani et al., 2009), Laville e Gaiger referem as acepes variadas do conceito de economia solidria agregando-as ideia de solidariedade, em contraste com o individualismo utilitarista que caracteriza o comportamento econmico predominante nas sociedades de mercado (2009, p. 162). O anti-utilitarismo define-se por oposio economia e cincia econmica dominantes e cristalizao e condensao de prticas, viso do mundo e filosofia utilitaristas (Caill, 2009, p. 16). A concepo anti-utilitarista da ddiva [1] parte integrante da economia solidria, instituindo o lugar da economia de outra forma e subordinado principalmente a exigncias de gratuidade, ddiva e democratizao (Caill, 2009, p. 107). A economia solidria posiciona o princpio da solidariedade, no centro da actividade econmica, e utilizada para qualificar o conjunto de actividades que contribuem para a democratizao da economia a partir do envolvimento dos cidados (Laville, 1999; Carvalho & Dzimira, 2000; Fourel, 2001; Frana & Laville, 2004). O sector no lucrativo, referido como terceiro sector, economia social ou sector voluntrio, constitudo por diferentes instituies organizadas, sob a forma de associao,
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fundao, misericrdia, cooperativa, mutualidade, clube, etc., prosseguindo variados objectivos. As caractersticas comuns deste tipo de organizao, numa perspectiva econmica, reside na regra de no distribuio dos lucros gerados na actividade e no desenvolvimento de uma actividade que prossegue o bem-estar social, caracterizando-se, portanto, pela oferta de bens e servios quase-pblicos ou quase-privados (Barros, 1997, p. 14). A designao de "terceiro sector" prende-se com o facto de apelar a dois tipos de recursos: criado por iniciativa privada, mas recebe financiamento e orientaes do Estado, existindo neste sector as organizaes que funcionam como empresas (apesar do objectivo no ser o lucro, como nas cooperativas) e as que funcionam como instituies de administrao privada, financiadas por donativos, quotas, voluntariado e apoios estatais (o caso das IPSS). A noo de Economia Social engloba duas realidades distintas, () ligadas entre si por valores de autonomia e solidariedade social (cidadania): por um lado, a Economia Social, enquanto actividade de suporte social (apoio s franjas desfavorecidas da populao ou em processos de excluso), por outro, a Economia Social como um modelo de actividade econmica alternativo ao capitalista, no qual a actividade econmica e organizacional respeite os direitos do homem enquanto ser integral e actue de forma a impossibilitar a gerao de excluso (Nunes, Reto & Carneiro, 2001, p. 33). Estes autores caracterizam as organizaes da economia social partindo dos seguintes critrios (idem, p. 56): prossecuo de fins no-lucrativos ou impossibilidade de apropriao dos excedentes pelos associados; prtica de uma gesto democrtica e participao dos trabalhadores; nfase na qualidade dos produtos e servios, em detrimento da margem de lucro; existncia de processos formais e sistemticos de controlo da qualidade; investimento na formao dos trabalhadores, ao nvel das suas competncias tcnicas e organizacionais; aplicao dos excedentes na aco social e seu objectivo primordial de bem-estar ou equilbrio social; autonomia financeira face ao Estado ou outras entidades, ou viabilidade econmica e, finalmente, a sua natureza jurdica, privada, pblica e social. O Manual da Comisso Europeia, define da seguinte forma a economia social: Conjunto de empresas privadas organizadas formalmente, com autonomia de deciso e liberdade de filiao, criadas para servir as necessidades dos seus associados atravs do mercado, fornecendo bens e servios,
incluindo seguros e financiamentos, e em que a distribuio pelos scios de eventuais lucros ou excedentes realizados, assim como a tomada de decises, no esto directamente ligadas ao capital ou s cotizaes dos seus associados, correspondendo um voto a cada um deles. A economia social tambm inclui empresas privadas organizadas formalmente, com autonomia de deciso e liberdade de filiao, que prestam servios de no mercado a agregados familiares e cujos eventuais excedentes realizados no podem ser apropriados pelos agentes econmicos que as criam, controlam ou financiam (CIRIEC, 2007, p. 9). tambm em Portugal o conceito de economia social no muito claro, incluindo, quer organizaes com ntida interveno no mercado, como as cooperativas e as mutualidades, quer organizaes com fins assistencialistas, como as misericrdias (Barros & Santos, 1998, 1999; Mouro, 2001). A Constituio da Repblica Portuguesa, relativamente aos sectores de propriedade dos meios de produo (Art. 82.), separa os dois sub-sectores do cooperativismo e da economia social. A reviso constitucional de 1997 acrescentou uma alnea ao n. 4 deste Artigo: tambm integram o sector cooperativo e social os meios de produo possudos e geridos por pessoas colectivas sem carcter lucrativo, que tenham como principal objectivo a solidariedade social, designadamente as entidades de natureza mutualista. Portugal faz parte da variante mediterrnica do modelo europeu de economia social, onde coexistem importantes organizaes caritativas ligadas Igreja, com organizaes laicas associadas a uma rede cooperativa forte (Archambauld, 2001, 2008). Em Frana, este sector bem sedimentado, datando a expresso "economia social" do sculo XIX, e tendo entrado no direito francs no incio dos anos 80, do sculo XX, para designar o conjunto constitudo pelas cooperativas, mutualidades e associaes cujas actividades de produo as assimilam a esses organismos (Vienney, 1994). O lucro no era o objectivo dessas organizaes criadas para responder s necessidades no satisfeitas ou mal satisfeitas pelas empresas ou pelo Estado, nomeadamente, nos domnios da proteco social, dos servios sanitrios e sociais, de seguros, bancrios e financeiros. Existem entidades da economia social que so especficas de determinados pases. o caso das misericrdias (criadas no sculo XV) e das IPSS, em Portugal. Algumas das instituies classificadas na economia social no se reconhecem como tal, exemplo das cooperativas na Alemanha, Reino Unido, Letnia e, em parte, Portugal (CIRIEC, 2007, p. 21). Segundo a Aliana Cooperativa Internacional (ACI), uma cooperativa
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() uma associao autnoma de pessoas unidas voluntariamente para prosseguirem as suas necessidades e aspiraes comuns, quer econmicas, quer sociais, quer culturais, atravs de uma empresa comum democraticamente controlada. (). A lgica cooperativa contraria a lgica lucrativista das empresas capitalistas, dominante nas sociedades actuais (cit. in Namorado, 2009, p. 96). Nas organizaes cooperativas, esto conjugados cooperadores oriundos de diversos grupos sociais, como por exemplo as cooperativas de empresrios, no caso da comercializao. No sculo X X, com poucas excepes, o cooperativismo de produo e consumo integrou-se paulatinamente economia de mercado e converteu-se em uma modalidade de empresa participativa, sem a antiga unidade entre capital e trabalho (Laville & Gaiger, 2009, p. 164). Se a economia solidria supe da parte dos seus membros uma posio contra os valores dominantes da competio individual e da primazia do capital sobre o trabalho (Singer, 2002, 2006), nem sempre apresenta capacidade de mudana de fundo do modo de produo capitalista e existindo o perigo da sua mistificao e utopia. Assim, o conceito de economia solidria reveste-se na actualidade, muito mais de um constructo ideal que no esclarece as relaes de produo e de organizao do trabalho (Sousa, 2008, p. 59), exigindo uma reflexo mais aprofundada sobre a natureza desta economia, e igualmente sobre a sua metodologia, conceitos e indicadores (Bouchard, 2004).
2.2. A natureza social e plural da economia novo paradigma alternativo ao capitalismo?

A que desafios responde a economia solidria? Pode ajudar procura de novos compromissos entre a troca mercantil, as restries pblicas e a ddiva, num universo de competio e de excluses? Constitui um ajustamento ou alternativa sociedade de mercado? Como explicar a existncia das organizaes sem fins lucrativos e, sobretudo, a perenidade de organizaes que no tm a rentabilizao do capital investido como objectivo? Favreau e Lvesque (1986, cit. in Paixo, 1998) apontam duas perspectivas tericas divergentes da economia social. A primeira, baseada nos princpios neo-liberais, entende este sector como um paliativo para a inevitabilidade de excluso social provocada pelo funcionamento da economia. A economia social vista como no competitiva, visando assegurar uma alternativa de integrao para os excludos do trabalho assalariado. A segunda centra-se na redefinio das relaes entre economia e sociedade, procurando revalorizar o poder dos cidados e democratizar a economia e a socieda-
de. A economia social concebida como uma forma possvel de organizao econmica e uma definio sumria aponta para as actividades econmicas que dizem respeito sociedade de pessoas que busquem democracia econmica associada utilidade social (Defourny, 2009, p. 156). A noo de solidariedade constitui uma referncia para o estabelecimento de uma regulao democrtica, sobre a qual Marcel Mauss reflectiu nas concluses do seu Ensaio sobre a ddiva (1923-24), esboando os fundamentos de uma abordagem plural da economia [2]. Neste contexto, a economia de comunho apresenta-se como um projecto que adopta a categoria de comunho e de reciprocidade na concretizao da vida econmica e social (Bruni, 2000, 2010; Leite, 2007). A economia solidria uma oportunidade para um tipo de sociedade com vocao social, uma nova alavanca potencial da poltica de emprego, um modo de organizao econmica alternativo (Lipietz, 2001; Jeantet, 2008; Laville, 2009). Nas suas diferentes vertentes, surge como uma forma de resistncia ao modelo econmico dominante e a sua expanso nas sociedades modernas conduz a considerar um terceiro sector da economia, a par do sector mercantil e do sector pblico, dotado de caractersticas especficas. A economia solidria no pode ser ignorada na busca de um modelo econmico e de uma aco pblica renovada, obedece a uma lgica distinta da capitalista e no deve alhear-se dos movimentos e dinmicas sociais alternativos (Gueslin, 1998; Innovations, 2002; Ferreira, 2005). Neste sentido Bartoli (2003) acentua a natureza plural da actividade econmica, em contraposio racionalidade do mercado e da acumulao privada. Na sua obra, Economia Multidimensional (Bartoli, 1991, p.179), assinala que ignorar a interaco da tica e da economia condenar-se a no ter seno uma concepo truncada da racionalidade. No mesmo sentido, vai o pensamento de hirschman (1984) e de Sen (1987, 2004), ao insistirem na necessidade de introduzir as consideraes polticas, sociais, morais e ticas, na economia, face incapacidade da anlise econmica tradicional em pensar a diversidade dos comportamentos humanos. A economia plural parte do pressuposto de que as relaes entre os produtores e entre estes e a natureza so regidas por princpios econmicos plurais e assumem formas institucionais igualmente diversas (Laville, 2009, p. 145). As contribuies de Laville (1994, 2003), Evers (2000), Evers e Laville (2004) apoiam-se nos trabalhos e concepes europeias do terceiro sector. A sua hiptese que no h vantagens em opor Estado, mercado e organizaes sem fins lucrativos, tendo o terceiro sector no apenas uma funo de ajuste social dentro do sistema, mas ocupando um espao intermedirio de interveno interligando esses diferentes espaos, combinando diversos recursos e racionalidades sociais, ele caracteriza-se pela diversidade dos modos de hibridao, implantados pelas associaes que o
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constituem (Evers, 2000, p. 567, traduo livre). mais pertinente examinar as dinmicas scio-histricas que associam Estado, mercado, famlia e terceiro sector, numa perspectiva de pluralismo da proteco social, de economia plural ou de "economia solidria" (OCDE, 1996; Roustang et al, 1996). No tendo o lucro como objectivo, a misso das organizaes da economia solidria ou do terceiro sector consubstanciada na sua finalidade social, sendo a obteno de recursos financeiros um meio e no um fim. Vrias teorias tentaram responder questo da funo econmica das organizaes sem fins lucrativos [3] (Anheier, 1996; Barros, 1997, pp. 16-17): Para a teoria dos bens pblicos, as organizaes no lucrativas (ONL) satisfazem procuras especificas de bens pblicos ou quase pblicos, que o sector pblico no satisfaz. A teoria da confiana considera que, no tendo as ONL como objectivo o lucro, so mais fiveis em contexto de informao assimtrica, no fornecimento de certos bens e servios, cuja qualidade de difcil certificao, dados os custos de superviso. A opo pelas ONL deve-se ao facto dos consumidores preferirem minimizar o risco de abuso da posio dominante do produtor no mercado de informao assimtrica. Segundo a teoria dos stakeholders, a procura no suficiente para explicar a existncia de ONL, mas sim a organizao do mercado; o elemento determinante das ONL seria os stakeholders (participam no conselho, aderentes e financiadores que controlam as ONL, atravs dos dirigentes) que estabelecem um tringulo entre stakeholder (dador), produtor (ONL) e utente. As ONL, intermedirias entre os escassos dadores e os numerosos utentes, assegurariam a ligao entre eles. A teoria da heterogeneidade considera os empreendedores religiosos, portadores de valores ideolgicos, e os activistas tnicos como determinantes das ONL. Este tipo de empresrio maximiza o lucro no financeiro (maximizao da f, da influncia poltica e da afirmao tnica), atravs da ONL, cuja existncia sinaliza o mercado dos objectivos altrustas, no mercantis do empresrio. Para a teoria neo-institucionalista, o sistema legal condiciona a existncia da ONL, a descentralizao poltica incentiva a resoluo da falncia de mercado atravs da ONL e a desigualdade scio-econmica potencia o aparecimento das ONL.
A abordagem institucional, associada Escola Institucional Americana, considera a tenso entre eficincia econmica e coeso social uma constante da sociedade ocidental. As ONL contrabalanam a influncia das grandes corporaes no processo de deciso governamental, assumindo o papel de canais de informao que permitem aos grupos sociais menos protegidos informar o governo das suas preferncias, permitindo-lhe actuar para compensar efeitos perversos do mercado e contrabalanar o efeito da procura de lucro sobre os valores sociais.
Os valores e as atitudes morais e ticas dos cidados so parte integrante da cidadania, da economia e do desenvolvimento (hirschman, 1984; Sen, 1987, 2004). A economia social e solidria pode reconciliar a economia e a moral, a justia e o lucro (Azam, 2003), na mesma linha de orientao de outros autores: talvez mais que dantes, precisamos de uma economia na qual o desenvolvimento social no seja uma preocupao subsidiria, relegada a mecanismos compensatrios, uma economia cuja lgica intrnseca implique e estimule a cooperao e a reciprocidade, em benefcio da equidade e da justia social (Laville & Gaiger, 2009, p. 168). Uma economia com responsabilidades sociais ao servio do bem-estar de todos, pois como sublinha Latouche (2003), o apelo ao altrusmo e solidariedade mistificador enquanto no for regulado o problema da justia. Diferentes autores apostam na ideia de que a globalizao da economia social far contrapeso globalizao da economia de mercado (Lautier, 2003; Boulianne et al., 2003; Favreau, 2003; Demoustier, 2004). O termo "economia solidria" abrange elementos como sustentabilidade, meio ambiente, diversidade cultural, desenvolvimento local, competitividade, governabilidade, eficincia e uma outra mundializao. Mas fica a interrogao de Latouche (2007): que tipo de tica e economia mundiais podem levar a uma sociedade mais justa? As organizaes no lucrativas constituem uma vasta rea de pesquisa, que passa pela introduo dos comportamentos altrustas por parte dos agentes econmicos no contexto da teoria econmica, pela discusso da eficincia na afectao do bem pblico e da sustentabilidade da poltica social no longo prazo. O campo da Economia Social e Solidria ou do terceiro Sector deve ser entendido na dinmica das relaes entre economia pblica e privada. Ao invs de reduzir o conceito de economia ideia de mercado ou de Estado, parece mais adequado defini-la em termos de economia plural, admitindo uma pluralidade de paradigmas e de princpios de comportamento econmico. Deste modo, torna-se possvel reconhecer, avaliar e compreender, de modo mais adequado, o que se produz fora do circuito do Estado e do mercado, muitas vezes de maneira no monetria e, por isso mesmo, em geral insuficientemente avaliado.
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3. Dinmicas da actividade na economia solidria
3.1. O potencial de criao de emprego

A economia solidria, em todas as suas modalidades, tem despertado interesse crescente na construo de uma Europa de maior coeso social e solidariedade. Destaque-se o trabalho desenvolvido pelo Centro Internacional de Pesquisa e Informao sobre Economia Pblica, Social e Cooperativa (CIRIEC) e a criao de um departamento que enquadra este sector (Unidade de Economia Social na DGXXII - Poltica Empresarial, Comrcio, turismo e Economia Social, 1989). A Unio Europeia reconhece as potencialidades da economia social para a diminuio do desemprego, a criao de emprego e o desenvolvimento local, criando a aco-piloto terceiro sistema e emprego (Cimeira do Luxemburgo, 1997). Assinale-se ainda a criao do Intergrupo Economia Social no Parlamento Europeu (1990) e a Resoluo deste sobre economia social (2009,b), pedra angular do modelo social europeu. Foram publicados relatrios e pareceres do Comit Econmico e Social Europeu, sobre o contributo da economia social para a prossecuo de objectivos de poltica pblica. tambm em Portugal foi criado em 2010 um Conselho Nacional para a Economia Social (CNES). A Unio Europeia (UE) estima ser possvel criar postos de trabalho, com base em necessidades locais no satisfeitas, em sectores como os servios de proximidade, recuperao e reciclagem de materiais, reordenamento da fauna, reabilitao e proteco dos meios naturais, ecoturismo e recuperao do patrimnio urbano. Segundo um estudo sobre o terceiro sector e o emprego, realizado para a Comisso Europeia, a economia social (cooperativas, mutualidades e associaes) empregava quase 9 milhes de pessoas a tempo inteiro na Unio [4], isto , 9% do emprego civil assalariado, para alm de incorporar um volume significativo de trabalho voluntrio (CIRIEC, 2000, p. 25). O relatrio A economia social na Unio Europeia (CIRIEC, 2007) assinalava, em 2005, na UE25, mais de 240 mil cooperativas em diferentes actividades: agricultura, intermediao financeira, sector retalhista e alojamento, indstria, construo e servios. Estas cooperativas davam trabalho directo a 3,7 milhes de pessoas e correspondiam a mais de 143 milhes de filiados. Mais de 120 milhes de pessoas eram assistidas por mutualidades ao nvel da sade e da segurana social, tendo as mtuas seguradoras uma quota de mercado de 23,7%. Se ao sector cooperativo se juntar outras iniciativas da economia social (associaes, fundaes e organizaes afins), os valores ascendem a 11 milhes de pessoas empregues, o que equivale a 7% da populao activa da Unio Europeia. Existem insuficincias de informao estatstica sobre economia social e solidria, nomeadamente nos Estados mem-
bros da UE, apesar de esforos como o das Naes Unidas (2003). Em Portugal, saliente-se igualmente a capacidade empregadora desta economia (Canaveira de Campos, 2006 cit. in Ramos, 2007). As IPSS empregariam mais de 71 mil pessoas, existindo trabalho voluntrio nestas instituies. As cooperativas ocupavam mais de 51 mil trabalhadores, sendo em maior nmero as cooperativas agrcolas, de habitao e construo e as de servios. As misericrdias empregariam mais de 17 mil trabalhadores e as mutualidades 4 mil. As fundaes apresentam objectivos significativos nas reas da solidariedade social, educao e cincia. Apesar da economia social ser responsvel por 4,2% da populao activa em Portugal, este valor est abaixo da mdia dos pases desenvolvidos (7,4%) (Franco, 2005, a partir dos resultados do Comparative nonprofit sector Project da Universidade Johns hopkins, nos EUA vejam-se os trabalhos de Salamon et al., 1999, 2004). As organizaes de apoio ajudam a reestruturar e consolidar sectores da economia social e, segundo Gazier, Outin & Audier (1999) e Spear (cit. in CIRIEC, 2000), so muito diferentes no que concerne s formas de estruturao e de gesto. Podem assumir diversas tipologias (pblicas, semi-pblicas ou outra, local, regional, sectorial ou nacional), reas de actividade (apoios tcnico, econmico e social para a sustentabilidade) e graus de especializao. As estruturas de apoio so cruciais para incentivar o empreendedorismo, a inovao e a manuteno de boas prticas, relativamente s estratgias de emprego na economia social. A Unio das IPSS representa uma estrutura de apoio ao crescimento do sector e assume um papel de representao poltica e de negociao. As actividades das IPSS so importantes no domnio da famlia, velhice, doena, invalidez, desenvolvendo reas de aco social e da sade, que o Estado tem vindo a abandonar, conferindo-lhe este cerca de 70% dos seus encargos financeiros com a aco social (Silvestre, 1997, cit. in Nunes et al, 2001). A grande maioria dos postos de trabalho nas reas da aco social ocupada por mulheres, sendo importante a contribuio voluntria informal feminina. Assinale-se a condicionante mo-de-obra qualificada, sendo o ensino bsico o nvel de habilitao predominante, e o facto de muitos dos empregos no terceiro sector serem de baixa qualidade, precrios e informais. O ganho mdio do terceiro sector de aco social , em mdia, inferior ao observado para o conjunto da economia, e constata-se esta realidade no sector associativo, onde a diferena salarial com o sector privado visvel (Protin, 2001). Demoustier (cit. in CIRIEC, 2000) e 2001 refere a instabilidade do emprego na economia social e solidria, devido ao facto de, por um lado, ser difcil profissionalizar os trabalhadores (nomeadamente, os voluntrios) e, por outro, existir instabilidade de programas e financiamentos. Para alm de absorver o desemprego originado pela incapacidade do Estado e do sector lucrativo em criar emprego,
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h outro contributo importante da economia solidria que o de reinventar a prpria noo de trabalho, atravs da revalorizao do trabalho socialmente til que no ocorre estritamente no contexto da relao salarial, como o caso do significativo trabalho voluntrio (Ferrand-Bechmann, 2000; RFAS, 2002; Anheier, 2003). trabalham na UE25, mais de 5 milhes de voluntrios a tempo inteiro (CIRIEC, 2007, p. 7). Muitas das organizaes da economia social e solidria em Portugal tm uma forte componente de trabalhadores em regime de voluntariado, o que bem visvel nas associaes (de bombeiros voluntrios, de desenvolvimento local, desportivas,), IPSS e fundaes, mas tambm nos partidos, sindicatos, cooperativas, critas, mutualidades, misericrdias e todas as organizaes sem fins lucrativos que cumprem servios de apoio e regulao socioeconmica e realizam tarefas com vista promoo da qualidade de vida, cultura e recreio [5].
3.2. Os servios de proximidade e de solidariedade

Os servios de proximidade na Europa tm contribudo para o desenvolvimento da economia solidria (Laville et al., 1992). Estes servios cruzam necessidades tradicionais (servios de apoio pessoal e social) e outras: servios ao domiclio; servios de natureza domstica prestados no exterior; pequenas reparaes domsticas; segurana e vigilncia; transportes individuais ou colectivos; ordenamento de espaos pblicos urbanos; produtos e servios culturais ligados a identidades locais, formas alternativas de turismo; proteco ambiental, formas de poupana de energia. Os servios de proximidade so "as actividades que se inserem no mbito das funes tradicionalmente asseguradas pela famlia, no espao domstico, e que, uma vez transferidas para a esfera pblica, mantm uma experincia de proximidade relacional entre prestador e utente" (Feio, 2000, p.17). Certos autores identificam os servios de proximidade como "servios de solidariedade" (Cette et al., 1993): ajuda a pessoas idosas, a dependentes e a jovens em dificuldade; guarda de crianas; apoio escolar; ajuda segurana de bens e pessoas e melhoria do habitat; transportes locais; servios ligados ao ambiente; servios de lazer e cultura; comrcio de proximidade. Como explicar o desenvolvimento dos servios de proximidade e da economia solidria? O primeiro argumento de ordem sociopoltica e encontramo-lo nas relaes mercado-Estado. Se, nos anos 60 e 70 do sculo XX, existia sinergia entre estas duas instituies, a crise de 1973/74 veio destabilizar o consenso sobre o qual se baseou o crescimento econmico do ps-guerra. Surgem novas exigncias de maior qualidade de vida, modificao das formas de participao no espao pblico, estando a revitalizao do terceiro sector ligada a esta evoluo do agir colectivo, da co-
operao social e da entreajuda. Um segundo elemento explicativo associa-se s transformaes socioeconmicas que afectaram as estruturas de emprego dos pases desenvolvidos, podendo distinguir-se dois grandes tipos de actividades. O primeiro associa indstrias e servios estandardizados, isto , servios logsticos (transporte, grande distribuio,) e servios administrativos (bancos, seguros, administraes,), com pouca capacidade para criar novos empregos e recrutar pessoal mais qualificado. A situao difere com os servios imateriais e relacionais, onde fundamental a relao de servio, porque a actividade baseada na interaco directa entre fornecedor e beneficirio (Roustang, 1987, cit. in Ramos, 2003). J que os efeitos qualidade e variedade compensam o efeito de substituio entre trabalho e capital, compreende-se porque, apesar das dificuldades econmicas, estes servios (educao, sade, aco social, servios domsticos,), foram, nos ltimos anos, mais do que os precedentes servios, reais fontes de emprego. Outro factor de desenvolvimento do terceiro sector e dos servios de solidariedade tem a ver com razes scio-demogrficas (envelhecimento da populao, diversificao dos perfis familiares e aumento das famlias monoparentais,), com impacto directo na procura de servios, nomeadamente servios ao domiclio (apoio a idosos, limpeza, preparao de refeies,). Laville (1994) sintetiza na Fig. 1, as vias de desenvolvimento dos servios de proximidade em trs modelos diferencia-
Economia no monetria Domnio da reciprocidade
Construo conjunta da oferta e da procura no quadro de espaos pblicos de proximidade
Venda de servios e contratualizao com empresas privadas
Estabelecimento de convenes por objectivos com instituies pblicas e para-pblicas
Democratizao por gnese reciprocitria e hibridao entre economias Economia no mercantil Domnio da REDIStRIBUIO
Economia mercantil Domnio do MERCADO
Figura 1 Ideal-tipo de servio de proximidade, na perspectiva da economia solidria
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dos, sendo a economia contempornea decomposta em trs plos: economia no monetria; economia no mercantil; economia mercantil. O terceiro sector, da economia solidria, uma forma hbrida entre os trs plos da economia, rearticulando os princpios econmicos de reciprocidade, troca e redistribuio. O modelo americano caracteriza-se, fundamentalmente, pela regulao mercantil e tem forte representatividade nos ramos dos servios pessoais dos EUA, onde se verificou importante crescimento do emprego. O modelo sueco procura resolver algumas das ineficincias do Estado-Providncia, atravs da descentralizao dos seus instrumentos: centra-se no plo da redistribuio, garantindo nveis apreciveis de qualidade dos servios prestados e dos empregos, embora no possibilite elevada criao de emprego. Finalmente, as experincias nos diferentes pases em instituies com fins no-lucrativos (o terceiro sector), configuram um terceiro modelo de desenvolvimento, assente numa perspectiva de solidariedade social, fundada no princpio da reciprocidade, enquanto comportamento econmico. Os servios de proximidade aumentam como "subsector", respondendo a necessidades que o Estado no consegue colmatar, no mbito da oferta pblica de servios sociais e muito para alm da economia social e dos servios sociais, na sua forma clssica, obrigam-nos a pensar a sua estruturao aliada s questes da qualidade, da profissionalizao, da capacidade de inovar e flexibilizar respostas" (Evaristo, 1999, p. 84). As ofertas heterogneas neste sector enquadram-se em pequenas iniciativas empresariais ou na esfera da economia social; tm subjacente uma lgica localista, isto , de proximidade, estando, por isso, associados a iniciativas e problemtica do desenvolvimento local" (idem, p. 83). Desde 1995, a Comisso Europeia prope a utilizao das "novas jazidas de emprego" na promoo de iniciativas empresariais e na criao de empregos no quadro do desenvolvimento local. A identificao de jazidas de emprego ou de nichos de mercado resulta da avaliao da existncia de oportunidades tecnolgicas e de necessidades de mercado no satisfeitas ou insuficientemente satisfeitas. No trabalho de Centeno e Abrantes (2000, p. 24), os servios de proximidade so identificados dentro de 5 reas, como 24 jazidas de emprego: - servios da vida quotidiana: servios domsticos, cuidado e guarda de crianas, novas tecnologias da informao e comunicao, assistncia a jovens com dificuldades; servios de melhoramento do nvel de vida: melhoria e manuteno das habitaes, servios de segurana, servios de transportes pblicos locais, revitalizao de reas pblicas urbanas, desporto, comrcio local; servios culturais e recreativos: turismo, sector audiovisual, patrimnio cultural, desenvolvimento cultural local; servios do ambiente: ges-
to de lixos, gesto da gua, proteco e conservao de reas naturais, monitorizao e controlo da poluio, poupana de energia; densificao e aumento da competitividade dos tecidos econmicos locais e regionais: prestao de servios de consultoria a PME, formao profissional, servios de design industrial, servios de marketing, biotecnologias. A dinmica dos servios colectividade, dos servios sociais e dos servios pessoais uma realidade crescente das economias mais desenvolvidas, constituindo um dos principais elementos do processo de terciarizao e de criao de emprego nos pases da OCDE. Os empregos associados aos servios de proximidade necessitam de ser valorizados pela via do estatuto laboral e pelo acesso a formao adequada.
4. a economia solidria em prol do desenvolvimento local e da cidadania

O processo de desenvolvimento proposto pelas instituies da economia solidria passa pelo envolvimento da comunidade ao nvel do desenvolvimento local, um desenvolvimento participativo colocando a nfase na participao das pessoas como eixo central do processo de desenvolvimento. A economia solidria tem sido encarada como espao privilegiado para a integrao social e, consequentemente, para o desenvolvimento social/local/participativo, no s porque promove uma variedade de actividades e servios teis comunidade, nomeadamente os servios de proximidade, mas tambm porque abrange uma parte importante da populao com maior dificuldade de insero laboral e, simultaneamente, os voluntrios que procuram ocupar o seu tempo livre, de acordo com as suas aptides [6]. No relatrio do CIRIEC (2007), a economia social apresentada como um plo de utilidade social multidimensional, proporcionando coeso social, desenvolvimento local e regional, inovao e emprego, mas tambm fonte de participao democrtica e integrao social (Noya & Clarence, 2007). A proposta de iniciativas locais de emprego da OCDE, no final dos anos 80 do sculo XX, assumiu importante papel na definio de polticas europeias de combate ao desemprego, pobreza e excluso social. As iniciativas locais de desenvolvimento social e emprego passam pela dinamizao da economia solidria, em domnios como os servios de proximidade ou servios de solidariedade e a recuperao do patrimnio urbano. Para a execuo destas metas, contriburam um conjunto de instrumentos enquadrados no mercado social de emprego (escolas-oficinas; programas e actividades ocupacionais; empresas de insero) e algumas outras medidas, designadamente de formao e de apoio ao microcrdito (Ballet, 2007; Ramos, 2003, 2005). O mercado social de emprego (MSE) constituiu um instrumento promotor do emprego e de combate ao desemprego,
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pobreza e excluso social, de reforo da cidadania e potenciador de maior coeso social, respondendo a necessidades sociais no satisfeitas pelo funcionamento normal do mercado, com os seguintes princpios: aprofundamento do esprito de parceria; estmulo dinamizao scio-local; promoo da capacidade de auto-sustentao econmica; qualidade dos servios prestados; relevncia social das actividades desenvolvidas; reforo de competncias pessoais, sociais e profissionais dos desempregados abrangidos; promoo da empregabilidade de pessoas com possibilidades reduzidas, no sistema formal de emprego; criao adicional de postos de trabalho (Catarino, 1998; Jorge, 2000). O MSE, potencial empresarial no tradicional, () no se reduz a um mercado de emprego social (mercado protegido), nem a um mercado de emprego em servios sociais. trata-se de dinamismos, actividades e entidades privadas sem fins lucrativos, da economia social. trata-se tambm de microempresas e de pequenas empresas com fins lucrativos, criadas para a soluo de problemas de emprego dos seus promotores (henriques, 1999, p. 6). A expanso do mercado social de emprego para a promoo da empregabilidade beneficiou de novas formas organizativas e de uma interveno estatal integrando reas socioeconmicas tradicionais e formas locais especficas, constituindo assim, desafios reestruturao do Estado-Providncia e sua articulao territorial. J em 2000, num Seminrio Europeu sobre "Desenvolvimento Local, Cidadania e Economia Social", foi reconhecida a importncia desta economia: na articulao da actividade econmica com respostas a necessidades sociais e aspiraes colectivas de base local; no potencial de criao de emprego e de desenvolvimento local (apoio social, lazer e cultura, proteco ambiental, educao); na eficcia para a sociedade inclusiva, permitindo a consolidao de competncias nas esferas social, comunitria, profissional e empresarial; na necessidade de polticas activas de promoo do emprego e do desenvolvimento local; na integrao das intervenes do mercado social de emprego e no desenvolvimento scio-local. visvel a ligao entre economia social e desenvolvimento comunitrio, sendo este assente numa perspectiva de valorizao das comunidades locais e das suas aspiraes e capacidades (Amaro, 2009, p. 108). Em Portugal, onde o Estado-Providncia pouco desenvolvido, o crescimento de uma sociedade-providncia no se encerra nas Instituies Particulares de Solidariedade Social, passando tambm pelo desenvolvimento de redes informais de apoio social e de parcerias locais. Com a criao da rede social (Resoluo do Conselho de Ministros n 197/1997 de 18 de Novembro), estrutura local que promove a articulao dos diversos parceiros na resposta aos pro-
blemas sociais, constitui-se uma nova forma de conceber a proteco social, no mbito da aco social. O conceito de "soluo de partenariado" (Ruivo, 2000) combina esforos entre entidades pblicas e privadas, regionais ou locais, no sentido de promover com maior eficcia um conjunto de dinmicas de desenvolvimento. A relevncia das autarquias locais est nesta articulao de esforos, constituindo os municpios um bom instrumento de combate excluso social, nomeadamente pelo facto de beneficiarem de uma maior proximidade dos problemas concretos. O territrio constitui um importante espao de participao e de inovao (Reis, 2007). A economia solidria procura uma perspectiva territorializada de aco e de promoo do desenvolvimento local e sustentvel, aproveitando os recursos endgenos do espao onde se insere e as sinergias com outras actividades econmicas, havendo uma simbiose entre os conceitos de desenvolvimento local e de economia solidria (Demoustier, 2004), que mobiliza as dinmicas socio-econmicas ao Norte e ao Sul e extra-europeias (Defourny et al., 1999; Revue tiers Monde, 2007).
5. economia solidria: desafios para a incluso, a coeso social e os laos sociais e comunitrios
A economia solidria apontada como uma resposta ao agravamento da crise do trabalho e crescente insatisfao com o desempenho do sistema pblico de segurana social. Os limites do modelo de crescimento econmico vigente decorrem de vrios factores, entre os quais: agravamento do fosso entre pases ricos e pases perifricos, sem acesso satisfao das necessidades bsicas; pobreza persistente e excluso social crescente no interior dos pases ricos, onde as desigualdades tm aumentado e constituem uma ameaa coeso social (ILO, 2008); enfraquecimento do poder das instituies polticas nacionais, face orientao das suas economias no sentido do bem-estar dos cidados e da prossecuo da solidariedade. Manuela Silva sintetiza desta forma o recurso economia social: Recorrem economia social os marginalizados e excludos das sociedades afluentes, como estratgia de sobrevivncia. No encontrando lugar no mercado de trabalho, criam a sua prpria empresa individual, com a mediao do Estado, sob diferentes modalidades de ajuda (subsidiao inicial, facilidades de formao profissional, assistncia tcnica na constituio e arranque, etc.). Recorre economia social o sector pblico administrativo, responsvel pela poltica social, como meio de aliviar a presso dos custos sociais sobre o errio pblico, presso essa que tem origem no agravamento da disfuncionalidade social, produzida pelo modelo econmi-
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co dominante. Recorre economia social a sociedade civil, confrontada com a falta de resposta pblica e mercantil para os mltiplos e graves problemas sociais com que se defrontam as sociedades modernas, multiplicando organizaes sem fins lucrativos, destinadas a operar nos vrios domnios sociais (Silva, 2000, p. 30). s organizaes da economia social, atribui-se uma tripla funo: Promover a coeso social, combatendo as diferentes formas de excluso social, estimulando a criao de emprego e melhorando as condies de empregabilidade; Promover a coeso econmica, combatendo as diferentes formas de marginalidade econmica e estimulando a criao de riqueza; Promover uma cultura de participao cvica, combatendo as consequncias negativas do recuo dos programas sociais universais caractersticos do Estado Providncia (Welfare State) e de contextos macroeconmicos de crescimento e de pleno emprego, e estimulando novas formas de governabilidade (governance) ao nvel das comunidades locais (Ferro, 2000, p. 22).
Espera-se que a concretizao destas funes desencadeie, ao nvel das comunidades locais, diferentes impactos positivos: novas iniciativas para maior capacidade empresarial e criao de emprego; desenvolvimento e inovao em actividades diversificadas (ambiente, lazer); consolidao de novas competncias, alargando as fontes locais de aquisio de conhecimentos inovadores e melhorando as condies de empregabilidade; prestao de servios adequados s necessidades locais e meios acessveis s comunidades, para maior equidade no acesso a servios socialmente teis; novas possibilidades de participao cvica, para uma maior autonomia face a instituies e formas de regulao do Estado e do mercado (Neves, 2000, p. 42). A economia social e solidria desempenha um papel importante na insero de populaes vulnerveis, pela via do emprego, da qualificao profissional e do apoio empresarial (criao de postos de trabalho e apoio ao auto-emprego, contratao de servios prestados por estas populaes), contribuindo para o desenvolvimento das suas potencialidades e a sua participao plena na sociedade, isto , para a sua cidadania. As instituies e organizaes da economia social promovem o desenvolvimento social, corrigindo desequilbrios gerados no mercado de trabalho, aumentando a empregabilidade de indivduos com formaes "socialmente teis" e de qualidade, face imprevisibilidade das transformaes laborais. todavia, como afirma Kvacs (2002, p. 147), "no se trata da partilha do emprego
e de reconverso das pessoas com vista ao emprego no sector formal, mas do desenvolvimento de um sector especfico, orientado para os servios e laos comunitrios e guiado pela tica da utilidade social, capaz de contrariar as foras do mercado". So assim atribudas economia solidria capacidades de promoo de coeso social, ao fomentar a participao social e a cultura democrtica ao nvel local e territorial (Barthlemy, 2000), bem como de "distribuio e redistribuio de rendimentos e riqueza de forma mais justa do que a empresa capitalista tradicional" (Chaves & Monzn cit. in CIRIEC, 2000, p. 140). As oportunidades econmicas so decisivas nas situaes de excluso social, a qual implica privao, falta de recursos ou ausncia de cidadania, isto , a participao na sociedade, aos diferentes nveis (cultural, econmico, poltico e social) (Sen, 2003; Costa, 2008). A cidadania plena realiza-se pelo acesso s oportunidades e liberdades econmicas e polticas que o desenvolvimento oferece aos membros da sociedade, entre as quais: oportunidades de educao e de sade; apoio procura de emprego e ao desenvolvimento de actividades por conta prpria; aumento do empreendedorismo e da empregabilidade; acesso formao e qualificao profissional e aos nveis de rendimento e poder de compra elementares. Podemos assinalar dois tipos de aces em favor de populaes desfavorecidas (Amaro, 2000, pp. 37-38): Um quadro de proteco, face competitividade envolvente, atravs de solues de "economia social", como se protagonizou em Portugal, no mbito do mercado social de emprego, da "economia de insero" e/ou de organizaes no lucrativas, de cariz social, nomeadamente as que integram o "terceiro sector", correspondente s formas tradicionais da economia social (IPSS, misericrdias, fundaes, mutualidades, associaes, etc.). A natureza social destas actividades justifica a proteco ou discriminao positiva de que beneficiam face legislao, fiscalidade e regras da concorrncia no mercado, constituindo importantes veculos de insero das populaes, atravs da aquisio e exerccio de competncias profissionais. Um quadro "normalizado", em termos de mercado, mas em que os objectivos sociais so fundamentais, correspondendo "economia social" assumidamente econmica, no mbito de experincias antigas, como o cooperativismo e o mutualismo, ou de iniciativas mais recentes, nomeadamente associadas luta contra a excluso social, desenvolvimento local ou criao de auto-emprego para desempregados. A diferena fundamental, em relao "economia social protegida", que, nestas actividades, se pretendem compatibilizar
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objectivos econmicos e sociais, procurando viabilidade econmica, sem proteco, dando origem a uma "economia social autnoma". De acordo com Vivet e thiry (2000, pp. 42-43), em Portugal, o sector associativo carece ainda de ligaes entre os ramos da economia social, j que est tradicionalmente afastado da dimenso econmica, coexistindo estruturas mais antigas com estruturas mais dinmicas, que tm novas formas organizacionais, e pouco frequente que as polticas pblicas sejam transversais na economia social. No entanto, esta foi reconhecida pelos Planos Nacionais de Emprego e Incluso, Programa de Desenvolvimento Cooperativo e Planos de Aco Regionais e atravs do Programa governamental de Apoio ao Desenvolvimento da Economia Social (PADES). As organizaes da economia social tm contribudo para o reforo da identidade local e visvel o seu forte potencial para colmatar desigualdades sociais e econmicas e, simultaneamente, fomentar o desenvolvimento endgeno de base local e territorial, cada vez mais valorizado em consequncia das fragilidades territoriais incutidas pela globalizao. O desenvolvimento local resulta, por um lado, da resistncia das economias locais e das identidades locais s consequncias () provocadas pela globalizao dominante e que tende a destruir aquelas especificidades. Mas, por outro lado, tambm a resposta (local) aos problemas econmicos, sociais, culturais, ambientais e polticos dela resultantes (Amaro, 2009, p. 112). A economia solidria tem demonstrado grande capacidade para corrigir deficincias no domnio dos servios de bem-estar, tais como, servios socioculturais, muitas vezes denominados por servios de proximidade.
6. fragilidades e constrangimentos do emprego, formao e gesto na economia solidria - necessidade de fomentar a inovao e o empreendedorismo social
Apesar do seu potencial, existem constrangimentos financeiros, legislativos, polticos, organizacionais e de qualificao dos recursos humanos no domnio da economia solidria: fragmentao do sector e das suas instituies; divergncias internas; questes de identidade e pertena; diluio nos sectores convencionais da economia (mercado e Estado); diversidade no reconhecimento das formas de economia social por parte dos Estados; necessidade de enquadramento legal de novas iniciativas face legislao inadequada. A forte dependncia do financiamento pblico pode colocar em causa a prpria autonomia das organiza-
es e limita a capacidade de planeamento a mdio e longo prazo [7]. Nas organizaes da economia social e solidria, aparece como pertinente a promoo de aces de gesto e formao profissional: apoio valorizao de competncias profissionais locais e inovao e eficincia nos processos de trabalho; formao para activos que trabalham no sector, ou que possam vir a ser integrados profissionalmente; programas de modernizao e de profissionalizao dos mtodos de gesto, no existindo um modelo de gesto do terceiro sector, ou estando longe a sua aplicao de forma generalizada. O modelo de empreendedorismo e de gesto da economia convencional no responde s necessidades especficas da economia solidria, nomeadamente de formao organizacional e de gesto, centrando-se na liderana operacional e de topo, visando a viabilizao e modernizao das organizaes. So poucas as instituies a valorizar a formao contnua e quando esta existe, exclusivamente dirigida aos funcionrios, o que assume particular gravidade, dado que, como assinalam Nunes, Reto e Carneiro (2001), h uma baixa escolaridade dos dirigentes deste sector, tornando necessrio que a formao contnua os tenha tambm como alvo [8]. Em grande parte das instituies da economia social, os lderes so voluntrios [9], obtendo como recompensa o reconhecimento pblico e social, a satisfao pessoal, o estatuto e o estabelecimento de uma rede de contactos. As prticas de gesto da maioria do sector no possuem sistemas de avaliao da qualidade e satisfao dos utilizadores. A reestruturao produtiva, decorrente das dinmicas do capital e da globalizao, portadora de transformaes econmicas, sociais e laborais (Ramos, 2008). Constata-se a crescente associao entre terciarizao e flexibilizao, subcontratao e precarizao do trabalho, no quadro das estratgias de organizao laboral e de externalizao de servios pblicos para o sector privado. Entre as novas formas de terciarizao e diversificao da contratao, destaque-se as cooperativas, em todas as actividades e sectores de produo, e as ONG/Entidades sem fins lucrativos. Muitas actividades, sob o signo da economia solidria, fazem parte do processo de deslocalizao da fora de trabalho, antes localizada internamente nas indstrias centrais, para unidades produtivas subcontratadas pelas empresas. A experincia do Brasil nos anos 1990 (Druck & Franco, 2008) mostra o uso e abuso das cooperativas, pelas empresas como intermedirias de mo-de-obra, que, a coberto de legislao especfica, encontraram um meio legal para se desresponsabilizarem dos direitos bsicos e encargos sociais com os trabalhadores. Segundo as autoras, esta situao () garante s grandes empresas contratantes se utilizarem de um contrato que as dispensa de todos os cus-
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tos associados aos direitos garantidos pelo assalariamento formal. Ou seja, os trabalhadores so cooperativados e, nesta condio, no so assalariados, o que lhes retira a proteco social do Estado j que, teoricamente, eles estariam se auto-gerindo (). Muitos trabalhadores perderam o status formal de empregados, passando a scios de cooperativas. Como scios, no tm suas carteiras de trabalho registradas, no lhes sendo assegurados bsicos direitos () (Druck & Franco, 2008, p. 86). As empresas procuram assim baixos salrios, isenes fiscais e flexibilidade contratual, colocando o trabalhador-cooperado numa situao de controlo e dependncia, e resultando desta fragmentao das relaes laborais e de produo, um enfraquecimento do poder de organizao dos trabalhadores e a sua exposio a condies de trabalho e de vida mais precrias. Os estatutos e regimentos das cooperativas so sugeridos pela empresa contratante, que define as normas e regras de admisso, demisso, disciplina, hierarquia, remunerao e frias. () Pode-se considerar as cooperativas como a forma de terceirizao mais perversa que se difundiu durante a dcada, j que precariza o trabalho de forma legal coberta pela legislao e alimenta uma iluso para aqueles trabalhadores que acreditam ser a cooperativa uma alternativa de autogesto e de um trabalho solidrio, muito alm de uma alternativa ao desemprego (Druck e Franco, 2008, p. 87). Assim, muitas cooperativas fazem parte do ncleo produtivo das empresas e, de um modo geral, das relaes de produo do padro actual de acumulao. As organizaes da economia social esto longe de aplicar quotidianamente os seus princpios fundadores de deciso democrtica, aprendizagem permanente, participao, satisfao dos clientes pela qualidade, envolvimento dos trabalhadores e preocupao com a legitimidade da sua aco na comunidade. Por outro lado, o facto do poder ser centralizado no lder ou direco, conduzindo dependncia dos colaboradores e a um entrave no seu crescimento pessoal, pode contribuir para essas limitaes. No que concerne aos objectivos das organizaes do terceiro sector, h uma preocupao cada vez maior, relativamente aos valores democrticos de igualdade, partilha e cidadania e, tambm, com a melhor utilizao dos recursos locais e com o desenvolvimento econmico, poltico e social integrado. Em toda a Europa, as aces em matria de emprego e de formao das colectividades territoriais aumentaram fortemente, desde meados dos anos 70 do sculo XX (Greffe, 1988). Um dos eixos de interveno das polticas de emprego passa pelo desenvolvimento da economia social e do ter-
ceiro sector, atravs do estabelecimento de parcerias na implementao de polticas sociais activas. tais parcerias, entre o Estado e a sociedade civil, envolvem actores de servios pblicos (Administrao Central e Autarquias) e organizaes no governamentais (IPSS, Associaes locais e de desenvolvimento local e outras) e assentam em complementaridades e articulaes das respectivas competncias em matria de incluso social, interveno territorial e partilha de responsabilidades, na deteco dos problemas e nas solues encontradas. Surgem conceitos como o de empreendedorismo social e de empresa social (Ballet, 1994; OCDE, 1999, 2009; Nyssens, 2006), designando toda a actividade organizada a partir de uma estratgia empresarial, no tendo como razo principal a maximizao do lucro, mas a satisfao de certos objectivos econmicos e sociais, assim como a capacidade de, para a produo de bens e servios, encontrar solues inovadoras para os problemas do desemprego e da excluso. As empresas sociais adoptam objectivos explcitos de prestarem servio comunidade e a sua dinmica de gesto participativa, envolvendo diferentes etapas da actividade e distribuio limitada dos lucros (Borzaga & Defourny, 2001). Desenvolvem-se assim iniciativas socioeconmicas que, no sendo da esfera privada nem da iniciativa pblica, promovem um conceito de empreendedorismo com finalidades sociais, que integra grupos vulnerveis e populaes desfavorecidas em iniciativas, adoptando frmulas empresariais e procurando resultados econmicos positivos, mas sem fins lucrativos, tendo como principal objectivo, a luta contra a excluso scio-laboral (Yunus, 2008; Gaiger, 2009) e cuja incidncia econmica territorial de dimenso micro importante (Portela, 2008; hespanha, 2009). torna-se, pois, necessrio apoiar iniciativas empresariais na economia solidria, colocando-se desafios profissionalizao dos agentes de mudana que so os empreendedores sociais e os microempresrios.
7. Cidadania empresarial, responsabilidade social e tica e economia de comunho

Em contraponto predominncia da racionalidade econmica utilitarista, h uma incorporao de outros tipos de agir no processo de gesto, vinculados a princpios ticos multidimensionais de responsabilidade social. As experincias empresariais de economia de comunho indiciam um direccionamento superao do modelo de racionalidade exclusivamente utilitarista. Ao nvel europeu (sobretudo na tradio francesa), so mais usados os termos de "responsabilidade social" e "coeso social", enquanto que a influncia americana sugere, sobretudo, a expresso "cidadania empresarial". Esta ganha importncia e desperta responsabilidades alargadas na comunidade empresarial, traduzindo a noo de que a liber-
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dade de competir e obter lucros tem de ser acompanhada da obrigao de ser socialmente responsvel. A constatao de que o Estado no pode assumir sozinho a responsabilidade dos grandes problemas da sociedade, num contexto de globalizao e consequente aumento da concorrncia, refora o interesse pela responsabilidade social empresarial a partir do final dos anos oitenta do sculo XX. O desenvolvimento das preocupaes ticas nas empresas, leva-as cada vez mais a justificar os seus meios de aco e a finalidade das suas actividades e a assumir responsabilidades em relao aos seus membros e sociedade (Ballet & Bry, 2001; Pesqueux & Biefnot, 2002; Ramos, 2005; Capron & Quairel, 2010). Alguns sinais nesse sentido so visveis em empresas mercantis, integrando cdigos de conduta tica, finalidades de solidariedade social, equilbrio ecolgico e ambiental, empresas solidrias para a aplicao tica de fundos de penses e outras aplicaes e bancos concedendo crdito s classes desfavorecidas. (Amouroux, 2003; Carvalho et al., 2003; Notat, 2003; Chaveau & Rose, 2003). As empresas preocupam-se com os impactos gerados no macroambiente em que se inserem, constituindo-se agentes de desenvolvimento econmico e social. Ser boa cidad, para uma empresa, no somente respeitar escrupulosamente as leis e os regulamentos do pas onde ela opera, , ao mesmo tempo, contribuir com uma mais valia econmica, constituir um elemento vivo do ambiente social (Ramos, 2003, p. 99). Como dissemos nesta obra, criando riqueza e emprego, dispensando formao, desenvolvendo aces sociais, educativas e culturais, a empresa envolve-se na luta contra o desemprego e a excluso, a solidariedade em relao aos mais desprotegidos, a insero de jovens e desempregados de longa durao, a melhor afectao do territrio, melhorando a qualidade de vida e o bem-estar das colectividades locais. A reflexo tica na empresa diz respeito responsabilidade desta, em relao aos actores internos e externos e com os diferentes parceiros. Segundo a "teoria das partes participantes" (traduo livre), citada por Mercier (1999, pp. 6061), uma empresa que assume as suas responsabilidades sociais reconhece, por um lado, as necessidades e prioridades dos intervenientes da sociedade; por outro lado, avalia as consequncias das suas aces no plano social, a fim de melhorar o bem-estar da populao em geral, ao mesmo tempo que protege os interesses da sua organizao e dos seus accionistas. A questo dos direitos humanos, das prticas de boa gesto em matria de emprego, condies de higiene e segurana no trabalho, vigentes nas unidades produtivas, ganha terreno na imagem externa da empresa e influencia o consumidor. No Livro Verde, a Comisso Europeia define responsabilidade social empresarial como um conceito
() segundo o qual as empresas decidem, numa base voluntria, contribuir para uma sociedade mais justa e para um ambiente mais limpo. (). Esta responsabilidade manifesta-se em relao aos trabalhadores e, mais genericamente, em relao a todas as partes interessadas afectadas pela empresa e que, por seu turno, podem influenciar os seus resultados (Comisso Europeia, 2001, p. 4). Este conceito remete-nos para duas dimenses da responsabilidade social empresarial (RSE). A dimenso interna diz respeito aos trabalhadores e, nomeadamente, ao investimento no capital humano, gesto dos recursos humanos, sade e segurana no trabalho, gesto e adaptao mudana (critrios de reestruturaes), gesto do impacto ambiental e dos recursos naturais. A dimenso externa da RSE incide sobre comunidades locais, parceiros comerciais, fornecedores e consumidores, autoridades pblicas e ONG, direitos humanos e preocupaes ambientais. Se a crise estrutural do Estado-Providncia exige o envolvimento de todos no combate pobreza e excluso social, necessrio adoptar polticas econmicas e sociais inclusivas e estimular comportamentos empresariais de responsabilidade social. Defende-se que os processos de reestruturao e modernizao empresariais no provoquem rupturas susceptveis de afectar a coeso social, com a optimizao dos recursos disponveis e a implementao de boas prticas de solidariedade, instrumentos preventivos de novas excluses. Na apreciao dos resultados, ser desejvel introduzir outros parmetros, para alm do mero objectivo de maximizao do lucro, muitas vezes obtido custa da precariedade do vnculo laboral e de nveis salariais e condies de trabalho pouco dignificantes para a pessoa humana. Para Bartoli (1999), a economia indissocivel da tica, tem como objectivo primeiro ser obra de vida, servir a vida. importante analisar as relaes entre a tica, a economia e a responsabilidade. Bartoli (1991, 1999, 2003) e Sen (1987, 2004) consideram a economia empobrecida pelo distanciamento entre a economia (e a sua viso mecanicista e positivista) e a tica. Estas questes sublinham a indispensvel redefinio do papel da economia e das empresas na governao e consistncia do tecido social no territrio onde operam, no podendo continuar omissas nas suas responsabilidades sociais e na apreciao dos resultados empresariais. A reflexo tica interroga-nos ao nvel do trabalho, economia, sociologia, organizaes, sobre a finalidade de uma empresa, a sua descoberta como uma comunidade humana, ajudando introduo de novos mtodos de gesto de recursos humanos e de organizao do trabalho e elaborao de novas relaes sociais (Ramos, 1996). Diferentes autores apelam assim a uma nova viso da economia e da empresa, na qual se integra devidamente a di-
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menso social da mesma, isto , o papel que a empresa desempenha na economia e na sociedade, como um todo, e assuma a responsabilidade tico-poltica da decorrente. Estando o ser humano muito para alm dos estreitos limites do "homem econmico" em que assenta, ainda, a teoria econmica, surgem projectos como o de economia de comunho e de empresas movidas por motivaes ideais. A empresa , naturalmente, gerida de modo a promover o incremento dos lucros, que os empresrios decidem, livremente, destinar, com igual cuidado: para crescimento da empresa para ajudar pessoas com dificuldades econmicas, comeando por quem compartilha a cultura do dar para a difuso dessa cultura (), segundo critrio determinado anualmente pelos rgos de direco da empresa (Molteni, 2000, p. 92). Encontram-se entre as empresas associadas ao projecto de economia de comunho, preocupaes de desenvolvimento humano, com solues organizativas favorveis assuno de responsabilidades por parte de cada um, envolvimento dos colaboradores no processo de deciso, ateno segurana e qualidade do ambiente de trabalho, oportunidades de formao permanente, promoo de um ambiente humano marcado por respeito, confiana, estima recproca e cooperao. A fora dos empreendimentos solidrios, influindo tanto no momento da distribuio da riqueza, como no da produo, reside no facto de combinarem, tanto o esprito empresarial, na procura de resultados atravs de planificao e optimizao dos factores produtivos, humanos e materiais, quanto o esprito solidrio, a cultura de partilha, de tal forma que a cooperao produz vantagens reais, comparativamente aco individual. Lanando a comunho como novo paradigma econmico que prope um novo agir de gratuidade e de encontro com o outro (Bruni, 2010), este movimento desafia as empresas para a cultura do dar e a prtica de economia de comunho, conjugando rendibilidade, solidariedade e equidade (Bruni & zamagni, 2010). Competitividade e responsabilidade social reforam-se mutuamente nas modernas estratgias empresariais, sendo mltiplas as vantagens das empresas que associam a compatibilizao entre a melhoria da performance econmica e da performance social (Porter & Kramer, 2006; Orlitzly, 2008): imagem e reputao melhoradas junto da comunidade; colaboradores mais satisfeitos e motivados para enfrentar de forma mais competitiva novos desafios; melhoria das competncias de gesto; maior produtividade e resultados; capacidade acrescida de resistncia a crises conjunturais. Algumas empresas disponibilizam funcionrios para aces de interesse social, orientam estgios e apoiam actividades circum-escolares, organizam aces de voluntariado, nas reas da aco social e da proteco
ambiental [10]. A divulgao de boas prticas de gesto empresarial, em reas distintas como aco social, educao, cultura, desporto, ambiente, sade, cincia, constitui um objectivo das organizaes promotoras: facilitar a prtica do voluntariado pelos trabalhadores e desenvolver programas que envolvam tambm os familiares; patrocinar projectos de interesse social, cultural, ambiental; promover formao junto de pblicos vulnerveis; apoiar instituies sem fins lucrativos; negociar parcerias com organizaes no governamentais, visando implementar projectos de cidadania empresarial. Ser socialmente responsvel cada vez mais concebido como uma vantagem competitiva e faz parte de uma gesto de excelncia, onde existem valores de qualidade e inovao. Em Portugal e na Europa tm surgido iniciativas em favor do investimento responsvel e da aceitao voluntria de princpios bsicos de tica empresarial [11]. No nosso pas o Conselho Econmico e Social aprovou um parecer neste domnio, em 2003, e esta preocupao aparece nas Estratgias Europeias para a Incluso, assim como no nmero crescente de empresas que entram em parcerias, no mbito de programas de luta contra a excluso social e de iniciativas de desenvolvimento local, contribuindo para uma economia mais inclusiva e solidria (OECD, 2003).
8. microfinana e microcrdito, instrumentos de politicas sociais activas de luta contra o desemprego, a pobreza e a excluso
Uma proposta integral de economia solidria deve articular-se com outros esforos de promoo de actividades econmicas solidrias, tais como finanas solidrias e comrcio justo. Este comrcio definido por Cortera e Ortiz (2009) como o processo de intercmbio de produo-distribuio-consumo, visando um desenvolvimento solidrio e sustentvel (p. 60). Os defensores do comrcio justo desejam maior igualdade, solidariedade, reformas e transparncia nas relaes comerciais internacionais, podendo um sistema econmico mais justo constituir um instrumento de reduo da pobreza (Stiglitz & Charlton, 2007). As microfinanas verificam um crescimento rpido nos ltimos anos, confirmando a sua capacidade de responder a necessidades no satisfeitas. O Banco Mundial (Ledgerwood, 1999) define microfinanciamento como a "prestao de servios financeiros a clientes de baixo rendimento, incluindo os do auto-emprego", acrescentando que, apesar de algumas instituies de microfinana forneerem servios de desenvolvimento empresarial, tais como formao profissional, marketing e servios sociais (alfabetizao e cuidados de sade), estes no so includos na definio de microfinanciamento. O microcrdito diz respeito ao acto de conceder crdito, enquanto a microfinana se refere proviso de ser-
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vios financeiros, incluindo poupana e seguros, sendo, portanto, um conceito mais abrangente e que engloba o microcrdito (Sengupta & Aubuchon, 2008). Na concepo do Grameen Bank (Banco dos pobres), que tem em Yunus (2010) a sua principal referncia, o microcrdito traduz uma realidade complexa e pressupe um mecanismo formal ou semi-formal de prestao de servio de crdito. O microcrdito tem um papel importante no combate pobreza, excluso social e desemprego, contribuindo para o desenvolvimento econmico local e a melhoria da vida das pessoas, com uma multiplicidade de iniciativas geradoras de rendimentos (Johnson & Rogaly, 1997; Gurin & Vallat, 1999). O sucesso das experincias de microfinana e de microcrdito, enquanto produto financeiro, deve-se a alguns factores (Gibbons, 1999; ACEP, 2000): relaes prximas entre o banco e os clientes; capacidade de acesso aos pobres; imagem do banco transmitida pelos tcnicos; participao significativa das mulheres; reforo das capacidades das comunidades e grupos locais; promoo do bem-estar atravs da criao de microempresas e da cooperao de entre-ajuda tradicionais. A ideia do Grameen Bank expandiu-se mundialmente (Khandker et al., 1995; Attali & Arthus-Bertrand, 2007), tendo sido o ano de 2005 consagrado ao microcrdito, por deciso das Naes Unidas. O microcrdito foi encorajado na Unio Europeia e pelo Parlamento Europeu (2009,a), aprovando-se em Julho de 2009, a criao de uma Estrutura de Microfinanas Europeia para o Emprego e a Incluso Social. O microcrdito tem sido adaptado realidade europeia e as perspectivas esto a melhorar no sentido de o tornar um instrumento eficaz de polticas sociais (Jayo et al., 2010). A sua eficcia baseia-se em acreditar que os pobres e os socialmente excludos, sem possibilidades de recorrerem s oportunidades de crdito na banca, podem desenvolver um pequeno negcio e criar o seu prprio posto de trabalho, mediante a atribuio de um pequeno emprstimo, concedido na base da confiana nas pessoas, nas suas capacidades e responsabilidades (Evers, Lahn & Jung, 2007; Nowak, 2008). O microcrdito possibilita assim aos cidados desfavorecidos, a participao nos mecanismos econmicos integradores e a participao cidad, afirmando o crdito como direito humano fundamental a relacionar com outros direitos, devendo todos usufruir dos mesmos direitos formais e efectivos (Sen, 2003). Em Portugal, o microfinanciamento no constitui ainda um importante mecanismo de integrao social das populaes excludas, mas em conjunto com outras polticas activas de emprego, tem um potencial inovador para desenvolver o empreendedorismo e o microempresariado em populaes com dificil integrao scio-profissional, reforando o seu rendimento familiar, empowerment e autoestima (Mendes, 2007). Desde 1998, ano da criao da Associao Nacional de Direito ao Crdito (ANDC), em Portugal,
foram concedidos emprstimos a pessoas que puderam iniciar a sua prpria actividade econmica e criar postos de trabalho, sendo a taxa de retorno dos emprstimos elevada. trata-se, essencialmente, de pequenos negcios de produo de bens ou prestao de servios: limpezas, pequenos comrcios, costura, reparaes domsticas, restaurao, vesturio, artesanato. A ANDC trabalha em parceria com diferentes pessoas e instituies: voluntrios que se quotizam para financiar a associao; instituies financeiras que concedem crditos aos microempresrios, seleccionados pela Associao; organismos pblicos que implementam medidas de luta contra o desemprego e a excluso (IEFP); instituies locais prximas das populaes; organizaes estrangeiras congneres, nomeadamente no quadro da Rede Europeia de Microfinanas. Aparece como necessrio articular o trabalho da ANDC com outras instituies de economia solidria, com as autarquias locais e com os servios pblicos de promoo do emprego e aco social, no sentido de desenvolver relaes de parceria e aprofundar o trabalho em rede, dinamizando o desenvolvimento local e a sensibilizao dos tcnicos para identificarem potenciais microempresrios e agentes de desenvolvimento no terreno. h necessidade de promover os sistemas de microfinana, incluindo o microcrdito, fomentadores de mudanas socio-econmicas, e de questionamentos sobre as suas responsabilidades sociais (Revue tiers-Monde, 2002, 2009). Quando se apela cada vez mais tica e responsabilidade social empresarial, a aplicao em fundos para financiar microprojectos um instrumento pertinente, para a incluso social dos mais desfavorecidos. Os modelos de interveno do microcrdito podem ser implementados ao nvel das micro e pequenas organizaes do terceiro sector. Questiona-se o estatuto do microempresrio e das organizaes de microfinana, entre as medidas reparadoras activas de integrao social, atendendo s mutaes em curso, aos dinamismos da globalizao das economias, das culturas e das sociedades e aos rumos das polticas sociais. Os banqueiros solidrios constituem um grupo profissional que se autonomiza progressivamente da profisso de banqueiro clssico, ocupando um espao de cruzamento entre a finana, a banca e o trabalho social (Moulvrier, 2010). Seria desejvel que os organismos financeiros revissem o seu paradigma de desenvolvimento e as suas prticas, de forma a integrar a economia solidria como uma componente incontornvel do desenvolvimento sustentvel. A microfinana pouco objecto de investigao ou de estudo nas Universidades, quando a anlise do seu dispositivo e funcionamento necessita a tomada em conta de dimenses econmicas, sociais, polticas e culturais.
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9. Consideraes finais
h dificuldades em estabelecer critrios definidores de economia social e solidria e insuficiente informao estatstica sobre o chamado terceiro sector. Este no mais um fenmeno residual, mas continua mal contabilizado, insuficientemente teorizado, com ausncia de metodologias e indicadores especficos para avaliar a sua verdadeira dimenso. Apesar da sua importncia, a economia solidria/ social no uma realidade estabilizada e os seus contornos, assim como o seu futuro, esto em aberto, questionando-se o impacto da actual conjuntura internacional recessiva no sector. A globalizao e a natureza sistmica da crise condicionam as prioridades de aco do Estado-nao em domnios tradicionais da poltica social, como o emprego e a proteco social, colocando-se o desafio de manter e, se possvel, aumentar os nveis de proteco, dadas as restries de financiamento. No contexto sociopoltico de crise do Estado-Providncia, os Estados, incapazes de manter as polticas sociais em vigor, apelam interveno da sociedade civil e dos actores privados no lucrativos, num projecto de reinveno do prprio Estado-Providncia. A economia social e solidria procura inovar na implementao de politicas activas de emprego e na criao de novas parcerias entre o Estado e a sociedade civil. A economia social coloca o princpio da solidariedade, da gratuidade e da ddiva no centro da actividade econmica, contrariamente ao individualismo econmico, e a democratizao da economia a partir do envolvimento dos cidados. No possvel negligenciar o papel da economia solidria na regulao da sociedade, sendo apresentada como uma soluo para os dfices de cidadania, por parte das instncias oficiais, nomeadamente do Estado-Providncia. As organizaes da economia social e solidria procuram outras formas de organizao do trabalho, que no sejam as impostas pela exclusiva racionalidade capitalista, conjugando utilidade e solidariedade. Para alm de absorverem o desemprego, outro contributo importante o de revalorizarem o trabalho socialmente til, como o caso do voluntariado, e tambm o de fomentar a entreajuda social, a mutualizao e o mecenato. Apoiar as instituies da economia solidria significa valorizar um importante instrumento de incluso e aco social, um potencial de empregabilidade, de coeso, de cidadania, de desenvolvimento local e comunitrio, com fortes possibilidades de crescimento, especialmente nos servios de proximidade ou servios de solidariedade e comunidade. h, assim, desafios reestruturao do Estado-Providncia e sua articulao territorial, indissociveis de novas formas de organizao das competncias estatais e da sociedade civil, na mobilizao colectiva para criao de emprego, combate pobreza e excluso social. As Institui-
es Particulares de Solidariedade Social (IPSS), por exemplo, respondem a diferentes carncias sociais, com particular relevo nas reas da infncia e juventude, invalidez, reabilitao e terceira idade. O crescimento de uma sociedade-providncia no se encerra nas IPSS, passando tambm pelo desenvolvimento de redes informais de apoio social e de parcerias locais. de referir, na incluso social, o papel das empresas, vinculadoras de valores e prticas sociais, as quais, assumindo uma gesto empresarial com responsabilidades sociais e reconhecendo as necessidades dos intervenientes na sociedade, avaliando as consequncias das suas aces no plano social, melhoram o bem estar das populaes e contribuem para o desenvolvimento social, cultural e ambiental da comunidade. A importncia das vrias formas de investimento socialmente responsvel ultrapassa o crescimento da economia e do emprego, incentivando o exerccio da cidadania, acautelando a dimenso tica dos negcios, participando no desenvolvimento sustentvel e no reforo da coeso social. As crescentes preocupaes ticas na empresa contribuem para introduzir novos mtodos de organizao do trabalho e elaborar novas relaes sociais. Lanando a comunho como novo paradigma econmico e propondo um novo agir de gratuidade e de encontro com o outro, o movimento de economia de comunho desafia as empresas para a cultura do dar, conjugando rendibilidade e solidariedade. Um projecto integral de economia solidria articula-se com outros movimentos de promoo de actividades econmicas solidrias, tais como finanas solidrias, empreendedorismo social, empresa social e comrcio justo. A microfinana e o microcrdito, cresceram rpidamente nos ltimos anos, confirmando a sua capacidade de responder a necessidades no satisfeitas, e constituindo um instrumento de politica social activa de luta contra o desemprego, a pobreza e a excluso. Este mecanismo de integrao scio-profissional de populaes desfavorecidas, em conjunto com outras polticas activas de emprego, tem um potencial inovador para desenvolver o empreendedorismo e o microempresariado. Aparece como pertinente promover os sistemas de microfinanca e de microcrdito, e apoiar iniciativas empresariais na economia solidria, assim como a profissionalizao dos agentes de mudana que so os empreendedores sociais e microempresrios. Os modelos de interveno do microcrdito podem ser implementados ao nvel das micro e pequenas organizaes do terceiro sector. A economia social e solidria apresenta fragilidades ao nvel dos recursos humanos, tcnicos e financeiros e instabilidade dos programas e financiamentos. h necessidade de investir na qualificao das organizaes da economia solidria, na qualidade dos bens que produzem e dos servios que prestam, na melhoria da qualificao dos recursos humanos e garantia de empregabilidade: valorizar os empre-
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gos pela via do estatuto laboral e pelo acesso a formao adequada; desenvolver aces de educao e formao dos trabalhadores, incluindo a rea do voluntariado; modernizar as estruturas de gesto das organizaes; formar tcnicos ao nvel do desenvolvimento organizacional e qualidade da gesto e da formao vocacionada para a abordagem holstica da cultura organizacional e profissional. As organizaes da economia social nem sempre aplicam os seus princpios fundadores de aprendizagem, participao, satisfao dos clientes, envolvimento dos trabalhadores e legitimidade da sua aco na comunidade. A economia solidria procura sedimentar uma abordagem alternativa e plural da economia, admitindo uma pluralidade de paradigmas e de princpios de comportamento econmico, e repensar uma nova articulao entre Estado, sociedade civil e mercado, catalizando recursos para uma utilidade social que no ignore exigncias de rentabilidade econmica e competitividade, mas valorize a promoo do emprego e do desenvolvimento sustentvel. Uma economia, como cincia moral, tica e poltica no pode ignorar a busca de um modelo econmico comprometido com a justia social e uma aco pblica renovada. O conceito de economia solidria reveste-se de uma construo ideal nem sempre encontrando nos seus alicerces capacidade de mudana estrutural do modo de produo capitalista. Impe-se uma anlise critica interdisciplinar da economia solidria, e havendo necessidade de fundamentar solidamente as teorias, metodologias, conceitos e indicadores que permitiro apreender a complexidade da realidade e indicar as transformaes sociais, econmicas e politicas de que esta economia portadora, ousando suplantar pressupostos arreigados do paradigma tradicional do trabalho e da economia.
classificao internacional do Sector no Lucrativo, International Classification of Non-Profit Organizations (ICNPO), apresentada por Salamon e Anheier (1992), corresponde a 7 grupos: cultura e recreio; instruo e investigao cientfica; sade; servios sociais; ambiente; promoo da comunidade local, tutela de inquilinos e desenvolvimento do patrimnio habitacional; promoo e tutela de direitos civis; intermediao filantrpica e promoo do voluntariado; actividade internacional; organizaes empreendedoras, profissionais e sindicais (cit. in Barros, 1997, p. 15). [4] As associaes fornecem a grande maioria (71% dos empregos), seguido das cooperativas (25,7%) e das mutualidades (3,1%). [5] Cerca de 70% das instituies acolheram voluntrios em 2005. Nas organizaes de escuteiros e das critas essa percentagem ascendeu aos 100% (Almeida, 2008). Neste inqurito ao voluntariado em Portugal, estima-se em 360 600 o nmero de voluntrios a colaborar com as Instituies, dos quais: 105 200 voluntrios dos rgos sociais, 119 400 outros voluntrios regulares e 136 000 voluntrios ocasionais. A proporo de voluntrios face aos trabalhadores remunerados nas Instituies era a seguinte: cooperativas 10,7%; mutualidades 17,9%; fundaes 25,9%; associaes em geral 181,1%. Segundo Franco (2005), cerca de 30% dos trabalhadores do sector no lucrativo em Portugal so voluntrios. [6] Voluntrio o indivduo que de forma livre, desinteressada e responsvel se compromete, de acordo com as suas aptides prprias e no seu tempo livre, a realizar aces de voluntariado no mbito de uma organizao promotora (Art. 3, Lei n 71/98 de 3 de Novembro). [7] Em Portugal, 48% dos fundos das organizaes no lucrativas so receitas prprias, 40% provm das transferncias do Estado e apenas 12% resultam de filantropia (Franco, 2005). [8] No Inqurito ao Voluntariado do OEFP, cerca de 60% das instituies indicaram necessidades de formao especfica para voluntrios dos rgos sociais, dos regulares e do responsvel pela coordenao de voluntrios (Almeida, 2008).
Notas [1] Esta concepo inspirou o trabalho da Revue du MAUSS (movimento antiutilitarista nas cincias sociais), desde a sua fundao, em 1981. Ver La Revue du MAUSS (1993, 1995) e Ramos (1996) O MAUSS: da crtica do utilitarismo construo do paradigma da ddiva, pp. 251-253. [2] Diferentes economistas realizaram uma reflexo epistemolgica, sobre a sua cincia. Veja-se nomeadamente Bartoli (1977, 1991), Perroux (1987), Sen (1987, 2004), Marechal (2000), e, em Portugal, Reis (2007). Nos ltimos anos, vrias reas disciplinares, debruaram-se sobre a economia solidria, a outra economia (por exemplo, Laville & Cattani, 2006; Revista Katlysis, 2008; Revista Crtica de Cincias Sociais, 2009). [3] As questes do altrusmo e do sector no lucrativo no mercado de trabalho, na literatura e na teoria econmica foram abordadas por Stinberg (1990) e Rose-Ackerman (1996). tambm Drucker (1997) se debruou sobre as organizaes sem fins lucrativos. A
[9] Como nota o Inqurito ao Voluntariado (Almeida, 2008), em Portugal, as actividades empresariais, profissionais e sindicais tm essencialmente voluntrios nos rgos sociais, predominando os do sexo masculino. [10] Em Portugal, foi criada a Confederao Portuguesa de Voluntariado e o Conselho Nacional para a Promoo do Voluntariado (CNPV). No entanto, no existe no pas uma forte cultura de participao cvica e empresarial e o nvel de voluntariado considerado relativamente baixo (Mathou, 2010). O ano de 2011 foi designado como ano europeu do voluntariado. [11] O Grupo de Reflexo e Apoio Cidadania Empresarial (GRACE), associao sem fins lucrativos, procura sensibilizar a comunidade empresarial para a adopo de polticas de responsabilidade social e partilhar as melhores prticas nesta rea. A Rede Portuguesa de Empresas para a Coeso Social, integrada no movimento da Rede Europeia, visa impulsionar, coordenar e divulgar boas prticas de responsabilidade social das empresas portuguesas e europeias. Assinale-se, ainda, o Projecto Econo-
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mia de Comunho, envolvendo empresrios, iniciado em Itlia (Bruni, 2000), e que foi lanado pela fundadora do Movimento dos Focolares, Chiara Lubich, em 1991, no Brasil (Leite, 2007).
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economa solidaria, plural y tica, en la promocin del empleo, de la ciudadana y de la cohesin social
resumo Atravs de uma abordagem multidisciplinar, propomos caracterizar a economia social e solidria, terceiro sector, organizaes sem fins lucrativos, mostrando a sua importncia nas sociedades contemporneas e a sua visibilidade crescente nas cincias sociais. Apresentamos diferentes conceptualizaes e abordagens tericas da economia solidria; especificidades desta economia plural no desenvolvimento local e seu potencial de emprego; responsabilidade social e tica no financiamento solidrio, na promoo da cidadania e equidade e na construo de um paradigma econmico alternativo; papel da cidadania empresarial na incluso social e desenvolvimento de iniciativas que promovem o empreendedorismo social, o microcrdito e o voluntariado. Conclumos que a sedimentao de uma economia alternativa no apenas de importncia econmica, mas tambm tica e poltica. A acentuada crise no mercado de trabalho, as fortes desigualdades e os riscos de excluso social exigem dos diferentes actores da sociedade, pblicos e privados, novas formas articuladas de interveno social e comunitria. As potencialidades da economia solidria so mltiplas: valorizar a promoo do emprego e do empreendedorismo, o desenvolvimento social e territorial, o reforo da coeso social e da cidadania, a luta contra o desemprego e a pobreza. Esta economia coloca assim desafios e oportunidades de inovao nas suas relaes com o Estado e a sociedade civil, e na reinveno do prprio Estado-Providncia. palavras-chave economia social, terceiro sector, responsabilidade social e tica, microcrdito, economia alternativa e plural.
conomie solidaire, plurielle et thique dans la promotion de lemploi, de la citoyennet et de la cohsion sociale
rsum travers une approche multidisciplinaire, nous proposons de caractriser lconomie sociale et solidaire, le tiers secteur, les organisations sans but lucratif, en montrant son importance dans les socits contemporaines et sa visibilit croissante dans les sciences sociales. Nous prsentons diffrentes conceptions et approches thoriques de lconomie solidaire, les spcificits de cette conomie plurielle dans le dveloppement local et son potentiel demploi ainsi que sa responsabilit sociale et thique dans le financement solidaire, dans la promotion de la citoyennet et de lquit et dans la construction dun paradigme conomique alternatif. Nous abordons le rle de la citoyennet entrepreneuriale dans linclusion sociale et le dveloppement dinitiatives que promeuvent lentrepreneuriat social, le microcrdit et le volontariat. Nous avons conclu que la consolidation dune conomie alternative na pas seulement une importance conomique, mais aussi thique et politique. En effet, la crise aggrave du march du travail, les fortes ingalits et les risques dexclusion sociale exigent de la part des diffrents acteurs de la socit, publics et privs, de nouvelles formes articules dintervention sociale et communautaire. Lconomie solidaire peut apporter des rponses par ses multiples potentialits qui sont : valoriser la promotion de lemploi et de lentrepreneuriat, favoriser le dveloppement social et territorial, renforcer la cohsion sociale et la citoyennet, lutter contre le chmage et la pauvret. Cette conomie pose ainsi des dfis et offre des opportunits dinnovation dans les rapports avec lEtat et la socit civile et dans la rinvention de lEtat-providence mots-cl conomie sociale, tiers secteur, responsabilit sociale et thique, microcrdit, conomie alternative et plurielle.
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the role of solidarity, plural and ethical economy in the promotion of employment, citizenship and social cohesion
abstract we aim to characterise the social and solidarity economy, the tertiary sector and nonprofit organisations, showing their importance within contemporary societies and how they are becoming increasingly visible in social sciences, through a multidisciplinary approach. In addition to presenting different theoretical conceptualisations and approaches to solidarity economics, we look at: the specific nature of the plural economy in local development and its potential for employment; its social and ethical responsibility in solidarity financing, in the promotion of citizenship and equity and in the construction of an alternative economic paradigm; the role of business citizenship in social inclusion and the development of initiatives that promote social entrepreneurship, microcredit and volunteer work. we conclude that it is important to consolidate an alternative economy not only economically, but also ethically and politically. The acute crisis in the job market, the vast inequalities and the risks of social exclusion mean that the various public and private actors in society need to find new ways to tackle social and community intervention. Solidarity economy has several benefits: it emphasises the promotion of employment, entrepreneurship and social and territorial development while strengthening social cohesion and citizenship and boosting the fight against unemployment and poverty. This type of economy poses both challenges and opportunities for innovation in its relations with the State and the civil society, as well as for reinventing the welfare State itself. Keywords social economy, tertiary sector, social and ethical responsibility, microcredit, alternative and plural economy.
Como referenciar este artigo? RAMOS, M. C. (2011). Economia solidria, plural e tica, na promoo do emprego, da cidadania e da coeso social.. Laboreal, 7, (1), 81-104. http://laboreal.up.pt/revista/artigo.php?id=48u56o tV658223533894:245552
Manuscrito recebido em: Outubro/2010 Aceite aps peritagem: Dezembro/2010
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teXtos histriCos
Introduo ao texto higiene pblica: estatstica de acidentes de trabalho de Armand Imbert & Antonin Mestre
marcel turbiaux
Groupe de Recherche et dEtude sur lhistoire du Travail et de lorientation (GREShTo) Centre de Recherche sur le Travail et le Dveloppement (CRTD) Conservatoire National des Arts et Mtiers (CNAM) 41, Rue Gay Lussac 75005 Paris, France mturbiau@club-internet.fr
A traduo deste artigo para portugus foi realizada por Andreia Ferreira e Joo Viana Jorge.
Armand Imbert (1850-1922) foi nomeado, aps a sua agregao, professor de fsica mdica da faculdade de medicina de Montpellier, o que lhe permitiu estar diariamente em contacto sobretudo com acidentados do trabalho no hospital de Santo Eli daquela cidade. Antes de 1898 os acidentes de trabalho eram considerados, como os outros acidentes, como azares da vida. Assim, cair de um telhado era visto como um risco profissional para o trabalhador que o construa. Em caso de acidente de trabalho, o assalariado, para ser indemnizado, tinha que provar a responsabilidade do seu empregador que disso se escusava frequentemente invocando fora maior ou o fortuito do caso. A lei de 9 de Abril de 1898 permitia ao assalariado, vtima de um acidente de trabalho, requerer a reparao sem ter de provar a culpa do seu empregador, tendo este a possibilidade de fazer um seguro para a isso fazer face. De uma famlia da burguesia, Armand Imbert descobriu, devido sua actividade profissional, o mundo dos operrios, as suas dificuldades e sofrimentos. Assim, para ele, a lei de 9 de Abril de 1898 era uma das melhores da Repblica, mas os operrios no tardaram a queixar-se do rigor das companhias de seguros que imaginavam ser por eles exploradas, acusando-os de simular incapacidades e de exagerar na durao da sua inaptido, enquanto os patres se queixavam dos aumentos de encargos. A fadiga e o esgotamento estavam ento na ordem do dia. No seu relatrio de 1903 sobre a aplicao das leis do trabalho no seu sector, Antonin Mestre, inspector departamental do trabalho em Montpellier tinha endereado ao inspector divisionrio de toulouse, Le Roy, um estudo sobre os acidentes de trabalho, ocorridos em l`hrault, relacionados com as causas que os tinham provocado para concluir que havia razo para ter em conta um factor tanto mais grave quanto dominante em todos os acidentes de trabalho, aumentando-os em nmero e agravando-lhes por vezes a sequncia; esse factor a fadiga dos operrios. A conselho de Armand Imbert encarregado de apresentar ao XI congresso internacional de higiene e demografia, em Bruxelas, em Setembro de 1903, um relatrio sobre Em
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Introduo ao texto higiene pblica: estatstica de acidentes de trabalho de Armand Imbert & Antonin Mestre Marcel turbiaux
que medida se pode, a partir de medies fisiolgicas, estudar a fadiga, as suas modalidades e gradao nas diversas profisses?, Antonin Mestre estabeleceu, para cada profisso, um levantamento dos acidentes segundo as horas a que tinham ocorrido. Baseado neste levantamento, Armand Imbert publicou, em Junho de 1904, um estudo sobre os efeitos desta lei e as crticas de que foi objecto que lhe permitiram afirmar que um grande nmero de acidentes resulta directamente do estado de fadiga fsica ou cerebral do operrio no momento em que vitimado e fcil apresentar provas desta assero (p.715), anunciando a publicao de estatsticas detalhadas, que alis resume neste artigo. este estudo que est reproduzido na Revue Scientifique da qual Edouard toulouse (1865-1947) director da redaco, sob o ttulo Higine Publique. Statistique daccidents de travail. Encontrou o estudo grande eco na imprensa que se limitou geralmente a publicar um simples resumo mas so de assinalar algumas reaces: J. Legendre, em Le phare de la Loire de 30 de Setembro, preconiza a educao do operrio enquanto Ernest Lesigne, no Radical, do 5 de Outubro, advoga a jornada de oito horas. Por sua vez, impressionado pelas concluses deste estudo, o inspector divisionrio do trabalho de toulouse, Le Roy, solicitou aos outros inspectores departamentais da sua circunscrio que procedessem ao mesmo levantamento: os grficos estabelecidos pelos Srs. Imbert e Mestre eram perfeitamente sobreponveis aos obtidos pelos outros departamentos (Le Roy Estudo dos acidentes de trabalho, Bulletin de linspection du travail et de lhigine sociale, n 3 e 4, 1906, p.219-230). Como confirmao o Sr. Le Roy estabeleceu os grficos de 1903 e 1904 para cada agrupamento industrial e para o conjunto de todos os agrupamentos. O seu exame revelou uma similitude que no deixa qualquer dvida sobre o valor das concluses do seu estudo. todas essas constataes levam fatalmente a considerar a fadiga como uma das causas principais dos acidentes (p.221222). Fernand Mazel, mdico numa fbrica de Nmes, nos Archives gnrales de medecine, de Janeiro de 1905 (p.129-141) fez, tambm ele, construir a lista horria dos acidentes ocorridos durante quatro anos com os operrios desse estabelecimento. Confirma assim os resultados de Armand Imbert e Antonin Mestre: o prolongamento das horas de trabalho aumenta o nmero de acidentes mas estima que a fadiga no o nico elemento a considerar. necessrio, afirma ele, acrescentar-lhe o consumo de lcool, a obscuridade relativa devida iluminao elctrica, etc. No entanto, o mdico belga Lopold Dejace, num artigo do Scalpel, reproduz na Revue de mdecine lgale de 1906 (pp.82-85, apoiado na sua experincia de vinte anos numa fbrica da baciade Lige, pe, tambm ele, em causa, mas mais incisivamente que Fernand Mazel, a influncia do l-
cool s refeies, sem todavia contradizer as concluses de Armand Imbert e de Antonin Mestre. A crtica mais aguda proveio de um engenheiro, Philibert Delahaye, antigo aluno da escola politcnica, na Revue industrielle de 8 de Outubro (n 41, p.408), que contestava as concluses de Armand Imbert e Antonin Mestre, pouco conciliveis com as condies do trabalho na indstria. Se ocorrem acidentes porque o operrio, segundo ele, ao fim de duas ou trs horas no presta ao seu trabalho a ateno necessria e suficiente. Armand Imbert e Antonin Mestre responderam-lhe na mesma revista (n 45, 5 de Novembro 1905, p.449-450) censurando-o por proceder por simples afirmao sem juntar provas objectivas, enquanto eles tinham abordado sem preconceito, sem querer impor nada a ningum, com o simples anseio de descobrir a verdade substituindo as discusses apaixonadas dos interessados, os dados da cincia experimental. Philibert Delahaye voltar carga (Revue industrielle, 10 de Fevereiro, 1906, p.57-58) para retomar e criticar o valor das estatsticas publicadas por Armand Imbert e Antonin Mestre que se absteriam de lhe responder. todavia para Raphael Lpine, professor de clnica mdica na faculdade de medicina de Lyon, num clebre artigo em que sada o trabalho de Armand Imbert e Antonin Mestre: difcil encontrar argumentos mais positivos a favor da limitao das horas de trabalho (p. 713), salientando as concluses dos dois autores. Sublinha ele que o Sr. Imbert no se deteve em to bela caminhada. Com efeito, como relembrar Jules Amar em Le moteur humain (Paris, h. Dunod e F. Pinot, 1914, p. 369) o Professor Imbert foi o primeiro a mostrar todo o partido que era possvel tirar do mtodo grfico para registar os esforos musculares sobre os instrumentos dos operrios, mtodo que utilizou nas suas pesquisas sobre o manobrar de cargas em carroas de traco animal e em carrinhos de mo, os trabalhos com lima e com alicates de corte e que fazem dele, no somente um dos pioneiros mas um dos mais eminentes representantes do que se denominou a cincia do trabalho no incio do sculo XX.
Introduo ao texto higiene pblica: estatstica de acidentes de trabalho de Armand Imbert & Antonin Mestre Marcel turbiaux
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introduccin al texto higiene pblica: estadstica de accidentes de trabajo de armand imbert & antonin mestre
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introduction au texte hygine publique. statistique daccidents de travail de armand imbert & antonin mestre
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introduction to the text public health: work accidents statistics by armand imbert & antonin mestre
Como referenciar este artigo? turbiaux, M. (2011/1904). Introduo ao texto higiene pblica: estatstica de acidentes de trabalho de Armand Imbert & Antonin Mestre. Laboreal, 7, (1), 105-107. http://laboreal.up.pt/revista/artigo.php?id=48u56o tV658223533894:355562
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higiene Pblica: estatstica de acidentes de trabalho
armand imbert1 & antonim mestre2
1. Professor na Faculdade de Medicina de Montpellier 2. Inspector do trabalho no Departamento de hrault
A traduo deste artigo para portugus foi realizada por Joo Viana Jorge
Artigo original: Imbert, A., & Mestre, A. (1904). hygine Publique : statistique daccidents de travail. Revue Scientifique, n13, tome11 (p. 385-390).
uma verdade, a ser difundida para alm dos meios cientficos, a de que os mtodos e aparelhos de laboratrio podem ajudar a resolver alguns dos mais agudos problemas existentes entre o capital e o trabalho. Por evidente que esta verdade o seja para aqueles que se tm preocupado com este gnero de utilizao prtica dos dados da cincia experimental, os prprios interessados, patres e operrios, nem dela suspeitam, e os esforos feitos para a divulgar constituem, cremos, uma obra essencialmente til e proveitosa para o interesse geral. De entre as questes que envolve o actual problema social e cuja soluo imparcial pode assim ser procurada fora das discusses apaixonadas dos interessados, figuram, em particular, as da durao da jornada (de trabalho) e, mais genericamente, as da organizao do trabalho [1]. Se a produo do trabalho necessria para assegurar e conservar o bom funcionamento do motor animado que somos, impeditivo, sob pena de deteriorao do organismo, que o fornecimento de energia que temos de satisfazer ultrapasse determinados limites; perigoso, alm disso, tendo em vista o desenvolvimento completo desse organismo e o seu rendimento futuro, fazer uma utilizao excessivamente precoce e intensiva; no indiferente, por outro lado que para um mesmo nmero de horas de trabalho efectivo, que essas horas de ocupao profissional sejam consecutivas ou entrecortadas por um ou vrios perodos de repouso. Os efeitos nocivos de prticas que seriam desde logo condenveis podem ser investigados por mtodos diversos, dos quais alguns exigem pr em prtica tcnicas de laboratrio enquanto outros consistem simplesmente na interpretao de constataes feitas frequentemente com vista a outra finalidade. No conjunto destas ltimas deve incluir-se o estudo das estatsticas dos acidentes de trabalho declarados oficialmente por aplicao da lei de 9 de Abril de 1898 [2]. Por consistir, na aparncia, num simples agrupamento de nmeros, o mtodo no deixa de ser verdadeiramente cientfico, ou, mais rigorosamente, fisiolgico, em termos do seu princpio de base. Com efeito, o trabalho engendra a fadiga, e esta traduz-se, em particular, por modificaes que sobrevm no modo de
higiene Pblica: estatstica de acidentes de trabalho Armand Imbert & Antonim Mestre
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funcionamento do motor que trabalha, o msculo, e que consistem num abrandamento e numa diminuio da intensidade da contraco. Sem entrar no detalhe dos fenmenos, em rpida sucesso, que se manifestam num operrio, a partir do momento em que ele advertido de que um acontecimento sbito surgiu at que efectue os movimentos de defesa ou de recuo destinados a subtra-lo ao perigo que o ameaa, digamos apenas que um operrio est tanto menos apto a efectuar esses movimentos com a rapidez e a energia necessrias quanto mais notrio o estado de fadiga que apresenta. Segue-se que o nmero de acidentes deve ser tanto maior quanto mais fatigados esto os operrios e a distribuio desses acidentes segundo a hora da jornada de trabalho durante a qual se verificaram deve fornecer um meio para avaliar o grau de fadiga dos trabalhadores vitimados. tal mtodo de observao sem dvida indirecto e estatsticas desse tipo apresentam sempre algumas incertezas; em contrapartida a distribuio dos acidentes pelas horas a que aconteceram implica a vantagem de fornecer informaes referentes ao conjunto de operrios. As particularidades individuais, o nvel de treinamento mais ou menos perfeito, a maior ou menor resistncia, etc, desaparecem, e os resultados representam uma mdia da qual se deduziro indicaes precisas sobre as modificaes que podem ter de ser introduzidas na organizao do trabalho de cada profisso. tais estatsticas foram talvez organizadas no estrangeiro; pelo menos encontramos-lhe alguns traos em diversos trabalhos sem todavia conseguir encontrar as prprias estatsticas. Pelo contrrio no parece que se tenha ainda, em Frana, distribudo os acidentes pela hora de trabalho e as noes que decorrem deste modo de classificao no parecem habituais entre os principais interessados, operrios, patres e companhias de seguros. Pode todavia avaliar-se, pelo que segue, o interesse que apresenta o estudo dos dados numricos que resultam da aplicao da lei de 9 de Abril de 1898 sobre os acidentes de trabalho. Esta lei, entre outras prescries, torna obrigatrio, para certas profisses, a declarao de qualquer acidente que provoque uma incapacidade de trabalho de mais de quatro dias, e essas declaraes so centralizadas, em cada departamento, nas mos de um funcionrio, o inspector departamental do trabalho. So estes documentos oficiais que utilizmos em primeiro lugar no departamento de hrault que conta 56458 operrios de diversas profisses submetidas quela lei, os quais foram, no seu conjunto, vtimas de 2065 acidentes declarados. A curva, a trao contnuo, da fig.63 representa, distribudos segundo a hora a que aconteceram, os 660 acidentes relativos s profisses qualificadas oficialmente como de Manuteno e transportes que englobam 16695 operrios. Decorrem imediatamente do exame desta curva as seguintes indicaes gerais:
1 > O nmero de acidentes aumenta progressivamente de hora em hora durante a primeira metade da jornada de trabalho; 2 > Depois do repouso bastante longo do meio-dia, nas primeiras horas da segunda metade da jornada de trabalho o nmero de acidentes notoriamente menor que na ltima hora da manh; 3 > No decurso da segunda metade da jornada de trabalho os acidentes tornam-se de novo progressivamente mais numerosos; 4 > O nmero mximo de acidentes por hora, perto do fim da segunda metade da jornada de trabalho notoriamente mais elevado que o correspondente mximo da manh. No se poderia, ao que parece, desejar priori uma mais rigorosa confirmao das dedues extradas da influncia que a fadiga dos operrios exerce sobre o aparecimento de acidentes; importa todavia garantir em primeiro lugar que os acidentes ocasionados pelo exerccio de outras profisses conduzem aos mesmos resultados.
Figura 63
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o que mostram as curvas a tracejado e a ponteado da figura 63 bem como as da figura 64 que representam a distribuio horria dos acidentes ocorridos nas seguintes profisses: Figura 63 Indstrias qumicas (tracejado) 1453 operrios, 326 acidentes Indstrias da madeira (ponteado) 4528 operrios, 189 acidentes
duraes variveis com intervalos para repouso com diferente distribuio, e por outro lado, a que cada grupo engloba na realidade profisses diferentes para as quais as horas de trabalho e de repouso no so exactamente as mesmas. O inspector da diviso residente em toulouse, o senhor Leroy entendeu comunicar-nos os resultados de estatsticas anlogas que espontaneamente se ofereceu para fazer implementar pelos inspectores departamentais sob as suas ordens (Aude, Arige, Aveyron, Cantal, haute-Garonne, Lozre, Pirnes Ocidentales, tarn-et-Garonne). Sem reproduzir aqui as curvas que representam essas diversas estatsticas, diremos somente que todas, sem excepo, apresentam as caractersticas gerais que enunciamos acima. Estas mesmas caractersticas devem ento encontrar-se nas curvas globais relativas ao conjunto de todos os acidentes ocorridos nas diversas profisses. o que mostra a figura 65 na qual a curva a trao contnuo representa, com distribuio horria, os 2065 acidentes de que foram vtimas os 56458 operrios do departamento de hrault e em que a curva a ponteado representa, numa outra escala, a distribuio horria dos 5534 acidentes que ocorreram com os 140467 operrios dos nove departamentos da circunscrio de toulouse. A menos que srias crticas possam ser formuladas contra as estatsticas baseadas em documentos oficiais, a distribuio dos acidentes pelo horrio de trabalho a que se produzem mostra bem a influncia crescente da fadiga, do incio ao fim de cada meia jornada de trabalho com o mximo mais acentuado tarde. Ora as nicas crticas a formular parecem-nos ser as seguintes: a) de temer, e sabemos que algumas vezes assim foi, que nem todos os acidentes sejam declarados, caso em que os nmeros acima citados e as curvas que deles deduzimos no corresponderiam realidade. Mas pode considerar-se, a este respeito, que essas omisses talvez bastante numerosas no incio da aplicao da lei de 1898, devem ser agora cada vez mais raras. Ora as nossas estatsticas dizem respeito ao ano de 1903 e alis, as omisses, se as h, no podem referir-se a uma hora especial e infirmar assim os resultados gerais verificados. Estes, salvo outras objeces, podem portanto ser considerados como adquiridos com o grau aproximado de exactido que se pode esperar atingir em apreciaes semelhantes. A crtica que se segue, inicialmente parece mais grave. Se a fadiga uma causa de acidentes, o seu nvel no o menos, geralmente proporcional gravida-
Figura 64 terraplanagens e construes em pedra (trao contnuo) 4686 operrios, 280 acidentes trabalho em metais comuns (tracejado) 8237 operrios, 149 acidentes Comrcio e banca (ponteado) 15567 operrios, 237 acidentes Comparando estas curvas umas com as outras notam-se algumas diferenas quanto s horas do mximo de acidentes. Mas h motivo para acreditar que essas diferenas so devidas, por um lado, a que essas estatsticas se referem a um ano inteiro, vero e inverno, e portanto a jornadas de
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de deste, porque essa gravidade, ela prpria, depende de circunstncias completamente fortuitas. Ora a lei no exige seno a declarao de acidentes que tenham implicado uma incapacidade de trabalho com a durao de pelo menos quatro dias. Em consequncia um bom nmero de acidentes que possam ser devidos fadiga escapam declarao legal e no esto includos nas nossas estatsticas que assim se encontrariam falseadas. Mas podem apresentar-se, a este respeito, as seguintes consideraes: Aqueles dos acidentes ligeiros, no submetidos declarao legal, que no so devidos fadiga, devem, como os acidentes no declarados, e para estatsticas incidindo em nmeros de alguma relevncia, distribuir-se de modo aproximadamente uniforme pelas diversas horas da jornada de trabalho, o que em nada altera a forma geral das curvas das figuras precedentes nem as consequncias que deduzimos dessas formas. Por outro lado, se um certo nmero de acidentes, no submetidos a declarao em consequncia da sua pequena gravida-
de, so apesar de tudo devidos fadiga, devem ser mais numerosos nas ltimas horas de cada meia jornada e trabalho e a sua introduo nas estatsticas acentuaria desde logo as caractersticas gerais das curvas das figuras 63, 64 e 65. Pode portanto concluir-se que as nossas estatsticas dos acidentes referidos hora de trabalho qual ocorrem mostram claramente a influncia que a fadiga profissional exerce, com o nosso modo de organizao do trabalho, sobre a ocorrncia de acidentes. Feita esta constatao que pode dela concluir-se? Porque, sobretudo em assuntos deste tipo, o valor de um facto tanto maior quanto mais consequncias prticas dele se puderem retirar. Ora dado que a fadiga a consequncia inevitvel de qualquer dispndio de energia, que no se pode portanto suprimi-la sem suprimir ao mesmo tempo todo e qualquer trabalho, seria pelo menos necessrio impedir que atingisse o grau a partir do qual a sua influncia no ocorrer dos acidentes sobretudo nefasta.
Figura 65
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Se nos reportamos ao que temos constatado durante as primeiras horas da retoma do trabalho da parte da tarde parece que seria suficiente, para determinar uma notria diminuio do nmero de acidentes, intercalar a meio de cada uma das duas partes da jornada de trabalho um perodo de repouso, evidentemente menor que o do meio-dia, porque a fadiga seria ento menor, com uma durao a determinar segundo as diversas consideraes a ter em conta em semelhantes matrias. Ao editar tais prescries mais no se faria do que aplicar ao trabalho mecnico e a adultos as medidas que h longo tempo foram postas em prtica com as crianas no que diz respeito ao trabalho intelectual. Estatsticas anlogas quelas de que demos a conhecer os resultados mas nas quais os acidentes seriam agrupados segundo o dia da semana mostrariam na mesma se o repouso dominical suficiente para fazer desaparecer todos os traos da fadiga semanal ou se haveria justificao fisiolgica para aumentar a durao desse repouso. Ocupamo-nos a estabelecer estatsticas semelhantes para um certo nmero de departamentos do sul e daremos, ulteriormente, conhecimento das consequncias. Podemos, pelo menos, acrescentar desde j, que tendo encontrado no Bulletin du travail de Belgique os acidentes agrupados por dia da semana, a comparao dos nmeros no acusa nenhum aumento de segunda a sbado. Mas esta uma questo que nos propomos retomar. Os dados oficiais que resultam da aplicao da lei de 9 de Abril de 1898 permitem avanar ainda outras constataes interessantes. Qualquer declarao de acidente comporta a indicao sumria das condies nas quais ocorreu o acidente e a seguir da causa a que devido. torna-se ento fcil agrupar esses acidentes segundo as suas causas, o que conduz a resultados que tambm podem ser representados graficamente como fizemos nas figuras 66, 67 e 68 para as profisses oficialmente qualificadas: Manuteno e transportes, Indstrias da Madeira, terraplanagens e Construes em Pedra. Resulta, do exame destas figuras, que existe, para cada profisso, uma espcie de acidente tipo, caracterstico do gnero de trabalho prprio dessa profisso, e por isso causa da frequncia mxima de acidentes.
Figura 66 A importncia de uma tal noo evidente. Se se pretende de facto tentar reduzir o nmero de acidentes suprimindo outras causas que no a fadiga, conhece-se assim, para cada profisso, qual a via em que o esforo e a vigilncia, a do inspector do trabalho em particular, devem mais especificamente incidir. ainda possvel, considerando a relao do nmero N de operrios de uma profisso e o nmero n dos que de entre eles foram vtimas de um acidente, avaliar o risco mdio que o exerccio dessa profisso acarreta. Eis, a ttulo de indicao os resultados fornecidos, para o departamento de hrault, pelo clculo da relao que acabamos de definir.
PROFISSES Manuteno e transportes Indstrias qumicas Indstrias da madeira terraplanagens e construes em pedra Comrcio, banca trabalho em metais comuns RELAO N/N 10,14 4,15 23,95 16,73 236,45 21,72
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Resulta destes nmeros que, se as diversas profisses so muito desigualmente perigosas como mostram os nmeros de uma tabela precedente, a importncia do acidente tipo, para cada uma delas, oscila somente entre, aproximadamente 1/5 e 1/3. terminando aqui o nosso estudo estatstico, no cremos ter extrado, dos dados oficiais resultantes da aplicao da lei de 9 de Abril de 1898, tudo o que esses dados poderiam fornecer, como nos propomos comprovar posteriormente. S pretendemos mostrar, com alguns exemplos, quo importantes so as noes que se podem extrair dos documentos oficiais relativos a acidentes de trabalho e qual o interesse que apresenta, para os interessados, operrios e Companhias de seguros, bem como para o legislador, a utilizao destas noes a fim de levar a bom termo um projecto que est ainda longe de conduzir aos resultados que se podem razoavelmente propor alcanar.
Figura 67 As profisses mais perigosas so portanto as includas na rubrica Indstrias qumicas; imediatamente a seguir vm Manuteno e transportes, etc. h, sem dvida, algumas reservas a incidir sobre a exactido absoluta destes resultados, as Indstrias qumicas, por exemplo, no empregariam no departamento de hrault mais do que 1458 operrios, nmero relativamente pouco elevado; os valores numricos da relao N/n da tabela precedente no estaro, todavia, muito afastados da realidade e no se pode seno ser dolorosamente impressionado pelas constataes de que em cerca de cinco anos, nas Indstrias qumicas, e em dez ou onze anos na Manuteno e transportes, todos os operrios so sucessivamente vtimas de acidentes, a menos que, conforme o adgio bis repetita ainda que este adgio no tenha sido formulado para os acidentes de trabalho, um certo nmero de entre eles seja atingido vrias vezes. ainda interessante fazer uma outra constatao, a que diz respeito, em cada profisso, importncia relativa do acidente tipo, importncia que pode avaliar-se calculando a relao nx100/n representando n o nmero de acidentes tipo e n o nmero total de acidentes devidos a qualquer causa. O clculo conduz aos seguintes resultados
PROFISSES Manuteno e transportes Indstrias qumicas Indstrias da madeira terraplanagens e Construes em pedra Comrcio, banca NX100/N 39,7 22,1 38 29,2 33,2
Notas [1] A. IMBERt. Les accidents du travail et les Compagnies dassurances, (Revue Scientifique 4 juin 1901.) [2] trata-se de uma lei baseada no cdigo de trabalho francs.
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es
higiene pblica: estadstica de accidentes de trabajo
fr
hygine publique : statistique daccidents de travail
en
public health: work accidents statistics.
Como referenciar este artigo? IMBERt, A., & MEStRE, A. (1904). Introduo ao texto higiene Pblica: estatstica de acidentes de trabalho. Laboreal, 7, (1), 108-114. http://laboreal.up.pt/revista/artigo.php?id=37t45n SU5471124227839344461
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o DiCionrio
Utopia
renato Di ruzza
Institut dErgologie de lUniversit de Provence 29, Avenue Robert-Schuman 13621 Aix-en-Provence renato.diruzza@univ-provence.fr
Na histria das ideias, os utopistas ocupam um lugar particular: o seu problema no era o de teorizar sobre a sociedade na qual viviam at para melhor a compreender para melhor a transformar, mas de mostrarem os seus defeitos, as taras e as contradies contrapondo-lhe uma organizao econmica e social imaginria na qual uns e outros estavam abolidos. Imaginar uma sociedade ideal era para eles fazer a demonstrao que ela era possvel, e era possvel aceder-lhe por menos que sejam respeitados os grandes princpios como a Justia, a Moral ou a Razo. Mesmo se o nascimento oficial datado da obra de thomas More (1487-1535) intitulada Utopia em 1516 (utopia: lugar que no existe, mas tambm lugar de felicidade, habitual fazer remontar a tradio utpica a Plato (A Republica). Mas na realidade, a grande poca do utopismo situa-se no sculo XIX: os malefcios do capitalismo e da industrializao conduzem a que numerosos pensadores a tentarem imaginar um outro mundo possvel, e de mostrar assim que a sociedade capitalista no era de todo uma ordem natural como pretendiam fazer crer os seus defensores. E como frequentemente, o capitalismo venc-los-: sob ataques violentos da ideologia liberal e do pensamento marxista, so apresentados no sculo XX como sonhadores do impossvel. Neste incio do sculo XXI, a questo permanece em aberto: os malefcios do capitalismo, que se prendem particularmente com o trabalho, voltaro a dar um novo vigor tradio utpica, ou deveremos considerar que todo o projecto de uma sociedade ideal impensvel?
pensar o possvel
Os primeiros setenta anos do sculo XIX assistem concluso da instalao do capitalismo. A burguesia triunfa: a industrializao da Gro Bretanha e da Frana prossegue, o maquinismo desenvolve-se, as grandes fbricas aparecem, agrupando centenas, por vezes milhares de operrios cujas condies de vida e de trabalho so deplorveis. Os dirigentes das empresas exigem dos seus assalariados jornadas de trabalho cada vez mais longas em contrapartida de sal-
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Utopia Renato Di Ruzza
rios cada vez mais reduzidos; eles substituem, sempre que possvel, os homens pelas mulheres e pelas crianas que produzem o mesmo trabalho por salrios mais baixos. Os relatos das condies de trabalho nas fbricas comeam a comover uma certa franja da opinio pblica, como no caso em 1829, uma revista britnica publica a histria de Robert Blincoe, uma das crianas empregada numa fbrica: rapazes e raparigas, com a idade de dez anos, so a chicoteadas de dia e de noite no apenas devido mais ligeira falta, mas para estimular a sua produtividade; para se alimentarem, devem disputar com os porcos um caldo repugnante numa manjedoura comum, os seus chefes batem-lhes com pontaps e socos, abusam sexualmente deles; estas crianas estavam praticamente nuas no frio do inverno, os seus dentes estavam limados e eles trabalhavam de catorze a dezasseis horas por dia! desde logo compreensvel que relatrios oficiais mais aprofundados, mais globais e mais rigorosos sejam produzidos: os relatrios Ashley e Villerm publicados por volta de 1840 do da classe operria uma imagem to deplorvel que, por um lado, a Igreja se sente obrigada a intervir [1] e que, por outro lado, apaream e se desenvolvam as primeiras criticas do capitalismo. A primeira metade do sculo assim o palco de um confronto entre duas ideologias: de um lado, um liberalismo incondicional, seguro de si e dominador, que alcana a sua plenitude com Frderc Bastiat (1801-1850); de outro lado um socialismo romntico, para o qual a utopia a razo de acreditar num mundo melhor devendo substituir o capitalismo, e que se encarna em personagens frequentemente fantasiosas e aventureiras [2] que tm como nome Robert Owen (1771-1858), o conde de Saint-Simon (1760-1823), Charles Fourier (1772-1837), Louis Blanc (1811-1882), Auguste Blanqui (1798-1854), Pierre-Joseph Proudhon (18091866), ou ainda William Godwin (1756-1836). todos, mesmo se em graus diversos, pensaram simultaneamente outros possveis e tentaram coloc-los em prtica. todos so hostis ao sistema capitalista e ao seu fundamento essencial, a propriedade privada e desejam a sua substituio por uma sociedade de propriedade colectiva. Dois exemplos permitem delimitar a natureza da utopia desses personagens. Owen certamente o mais romntico dentre eles. Nascido numa famlia pobre do Pas de Gales, torna-se aprendiz de tecelo com a idade de 9 anos, e o seu destino parecia ento completamente traado: a vida dura e cinzenta de um trabalhador gals. Mas o seu gosto pela aventura, as suas ideias sobre a justia social, e uma imaginao transbordante, desviaram-no desse caminho. Depois de numerosas peregrinaes, compra um conjunto de fbricas na srdida aldeia de New Lanark e funda a uma comunidade. Em 5 anos, a aldeia tornara-se irreconhecvel, e em 10 anos, era mundialmente c-
lebre. New Lanark respirava limpeza, nas fbricas pintadas a branco ou a amarelo, no trabalhava nenhuma criana, sendo a escola obrigatria; toda a punio era interdita e a disciplina livremente consentida; a assembleia-geral dos trabalhadores decidia as grandes opes respeitando a gesto das fbricas, como a da populao determinava as regras da vida em comunidade. Alm disso, New Lanark era prspera e rentvel, e era este conjunto que conferia a sua celebridade. Owen estava convencido que a humanidade valia o que valia o seu meio, e este dava-lhe a prova experimental. No havia portanto nenhuma razo, pensava ele, de no alargar esta experincia ao mundo inteiro. Proudhom era igualmente de origem modesta : operrio tipgrafo muito jovem, autodidacta, e guardar toda a sua vida a obsesso de se ver desprezado para aqueles que fizeram estudos e que herdaram uma cultura que impossvel de adquirir sendo adulto. Defende a abolio pura e simples da propriedade (a propriedade o roubo clamar ele). Recusando na base toda a autoridade (neste sentido, frequentemente considerado com um dos fundadores do movimento anarquista), prope uma soluo mutualista na qual os indivduos iguais fazem contratos entre si; ele imagina um banco de trocas que faria crdito gratuitamente e emitiria uma nova moeda repousando sobre a garantia mtua de todos os participantes, e ele estabeleceu o projecto de uma exposio permanente onde cada trabalhador viria entregar os produtos do seu trabalho contra cupes utilizveis para a compra de outros produtos, sendo a hora de trabalho o instrumento de medida.
sonhar o impossvel
No incio dos anos 1870, o sistema capitalista entra na sua primeira grande crise. Esta durar at ao fim do sculo e ser marcada pelas depresses de 1873, de 1879, de 188284, de 1890; as crises bolsistas sucedem-se aos craques; vaga de livre mercado sucede um acentuar do proteccionismo a partir de 1882; a pobreza contnua a desenvolver-se Este longo perodo de dificuldades pe em causa o optimismo incondicional dos liberais da primeira metade do sculo, e parece dar razo s anlises marxistas. Por um lado, a burguesia deve renovar a sua ideologia econmica, dando um aspecto cientfico s teses que justificam o seu poder e a sua prtica: necessitam uma teoria cuja aparente neutralidade susceptvel de tornar credvel o capital e o lucro, e que demonstre a superioridade da livre concorrncia sobre qualquer outra forma de organizao social. A Economia Poltica, pelas suas caractersticas demasiado crticos e to pouco neutras, cede o seu lugar
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Cincia econmica, disciplina que utiliza os mtodos matemticos do clculo marginal para analisar as aces dos indivduos face raridade dos recursos de que dispem (da o termo de marginalismo frequentemente utilizado para designar esta teoria). A prova seria assim cientificamente produzida de que o capitalismo a organizao econmica e social a mais eficaz e a mais justa, e que todos os que propem um outro tipo de sociedade no passam de sonhadores que nada compreendem das leis da cincia. Por outro lado, a teoria de Karl Marx (1818-1883) afirma-se e propaga-se. Prope no apenas uma anlise crtica do capitalismo, mas uma cincia da histria: o socialismo cientfico. E em nome desta cincia que convocada a classe operria a libertar-se do jugo da burguesia, e assim libertar toda a humanidade. O socialismo cientfico opor-se- violentamente ao socialismo utpico, o qual no teria nenhuma base cientfica e no forneceria nenhum meio classe operria para conseguir instaurar uma sociedade melhor. A revoluo russa de 1917 culminar esta fraseologia: o mundo melhor, o socialismo, existe, no mais de parte nenhuma, a sociedade sem classes devendo conduzir ao comunismo construiu-se realmente; o sonho realiza-se e deporta a utopia para os caixotes do lixo da histria. assim em nome da cincia que a histria se inverte: querendo pensar outros possveis, a utopia ser apresentada no sculo XX como um sonho impossvel, tal como o testemunham os envios sinonmicos dados pelo dicionrio Petit Robert ao artigo utopia: quimera, iluso, miragem, sonho, devaneio.
las, bem como todos aqueles que pediam o impossvel para retomar uma palavra de ordem de 1968 Vivemos hoje, neste incio do sculo XXI, uma espcie de paradoxo. As capacidades transformadoras fornecidas pelas tecnologias da informao e da comunicao so considerveis, e todas as razes de querer mudar o trabalho e a vida esto presentes: a nossa sociedade deveria ser portadora de um desejo utpico exacerbado, como foi o caso no momento da revoluo industrial, simultaneamente por esprito crtico e por vontade de imaginar um outro possvel. E portanto, no vislumbramos nenhum impulso utpico, mas pelo contrrio uma crise do futuro, uma paralisia da nossa imaginao do futuro, um esgotamento das vanguardas, um enfraquecimento dos grandes discursos de emancipao O papel da utopia parece comprometido e parece apagar-se do nosso horizonte. Esta crise do pensamento utpico tem certamente vrias causas, da anlise das quais deveria poder deduzir-se uma sada possvel: O desmoronamento da fora propulsiva dos modelos, quer sejam capitalistas, socialistas, autogestionrios ou outros, ningum quer mais imagin-los enquanto modelos ideais, e ningum aceita mais viv-los enquanto modelos de governabilidade; as experincias do sculo XX, nomeadamente a experincia sovitica (mas seria necessrio acrescentar as experincias nazi e fascistas, as experincias de desenvolvimento nos pases do terceiro Mundo, etc.) mostraram todas que a felicidade da humanidade no podia conceber-se no quadro de sociedades modelo s quais os seres humanos devem conformar-se e obedecer s suas normas; Os efeitos das crises que acompanharam o desmoronamento dos modelos (deteriorao das condies de realizao do trabalho, crescimento da pobreza e das desigualdades, colocao em causa da proteco social, etc.) conduziram inevitavelmente a no imaginar um futuro melhor, mas a mistificar o passado; alguns (talvez no muito numerosos) lamentam o desaparecimento da sociedade sovitica e o papel que ela desempenhava no plano internacional, nomeadamente no apoio que prestava aos povos do terceiro Mundo lutando contra o imperialismo; e muitos consideram que o crescimento industrial, o pleno emprego e a proteco social que os trinta gloriosos traziam aos pases ocidentais so referncias incontornveis para o hoje e amanh; Enfim, o insucesso das experincias social-democratas, tanto nos pases do Norte como nos do Sul, na sua vontade anunciada de mudar a vida reduz ainda as perspectivas transformadoras globais, e marginaliza as tentativas de viver e trabalhar de outra forma.
novo sculo, novas utopias ?

Certamente podemos pensar que ao longo de todo o curto sculo XX (E. hobsbawm), tanto a sociedade da concorrncia pura e perfeita como o comunismo funcionaram no imaginrio social como utopias, isto como quimeras, iluses, miragens, e no estaramos completamente enganados [3] . Mas mais fcil de pens-lo agora, depois das crises que afectaram o mundo capitalista e o mundo sovitico no ltimo tero do sculo tenham mostrado o seu verdadeiro rosto. A partir do fim da segunda guerra mundial, e at meados dos anos 1970, as utopias eram reais: os trinta gloriosos no pareciam dever terminar-se, e os sucessos da Unio Sovitica serviam de modelo a um nmero crescente de pases tendo acedido sua independncia e para as classes operrias das naes mais desenvolvidas. Nesta poca, eram considerados como utopistas, e portanto como sonhadores marginais, esses que pensavam que era possvel trabalhar duas horas por dia (Adret), aqueles que reivindicavam o direito preguia (Lafargue), esses que criavam comunidades mais ou menos agrco
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Nestas condies, se a vontade utopista pretende sair da crise que atravessa, preciso que pense outros mundos possveis em vias novas. Algumas premissas podem eventualmente nidificar das teses sobre o decrscimo ou sobre a ecologia. Mas o essencial encontra-se certamente noutro lugar: na procura de uma sociedade democrtica, na qual todas as pessoas humanas seriam admitidas como iguais em todas as dimenses da igualdade, da cidadania ao reconhecimento dos seus saberes, renovando assim o esforo que foi feito desde h trs sculos pela filosofia das luzes.
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Notas [1] A doutrina social da Igreja no sculo XIX ainda hoje um domnio fortemente controverso. inegvel contudo que algumas importantes figuras crists reagem perante as injustias sociais. Em Frana, preciso citar Flicit de Lamennais (1783-1854) e henri Lacordaire (1802-1870). todos sero no entanto desaprovados pela Igreja. [2] E frequentemente misticos : Saint-Simon dar origem a seitas fortemente hierarquizadas e submetidas a ritos duvidosos, Fourier tomava-se como Jesus e Newton simultaneamente [3] No filme francs tout le monde na pas eu la chance davoir des parents communistes, a herona consola uma amiga que acaba de ser abandonar pelo seu amado dizendo-lhe: tu vers, com o comunismo, deixar de haver desgostos de amor.!
Como referenciar este artigo? DI RUzzA, R. (2011). Utopia. Laboreal, 7, (1), 115-118. http://laboreal.up.pt/revista/artigo.php?id=48u56o tV658223533894:555582
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o DiCionrio
Visibilidade
serge volkoff
CREAPT, CEE 29, promenade Michel-Simon 93166 Noisy-le-Grand Cedex serge.volkoff@cee-recherche.fr
Os debates sociais, polticos e mediticos condicionam a visibilidade das questes que acabam por abordar. Frequentemente submetem-se a trs imperativos : so privilegiados os factos manifestos, imediatos, e simples. Porm, no campo das condies de trabalho e da sade no trabalho assim como em outras reas, certamente -, o respeito desses imperativos empobrece a compreenso dos problemas e as pistas de aco. Focalizar-se nos aspectos manifestos fecha o acesso a causas importantes de dificuldades e de danos sade, que somente uma anlise precisa, uma abordagem maiutica com os trabalhadores envolvidos, permitiria elucidar (teiger & Laville, 1991). Aproximar as caractersticas simultneas do trabalho e da sade pode conduzir a deixar de lado os efeitos diferidos das exposies profissionais, que a epidemiologia elucida cada vez melhor (Lasfargues, 2005). Enfim, optar sempre pelas constataes simples, as afirmaes categricas, as concluses de valor universal, impede de considerar o carcter multiforme, multifactorial das relaes entre sade e trabalho, e de respeitar essa complexidade (Volkoff, 2005). Por isso, a visibilidade das condies de trabalho deve ser continuamente estabelecida, ou restabelecida. Esta elaborao encontra muitos obstculos, cuja envergadura e formas variam ao longo do tempo. A recolha de informaes sobre as patologias profissionais, sobretudo as mais graves como os cancros, depende de dispositivos administrativos e eles prprios resultam de compromissos sociais efmeros (thbaud-Mony, 2006). As organizaes produtivas actuais que recorrem subcontratao ou justapem vrias empresas num mesmo estaleiro, so propensas a falta de conhecimento dos efeitos do trabalho sobre a sade (thbaud-Mony, 2007). Acontece o mesmo com a precariedade do emprego, quer seja de direito (contratos de durao determinada, trabalho temporrio) ou de facto : a compreenso das condies de trabalho e dos seus efeitos dificultada na ausncia de colectivos estveis. Alguns constrangimentos de trabalho so naturalizados porque mobilizam qualidades supostamente inatas como a robustez ou a bravura fsica dos homens (Dejours, 2000), a mincia, a pacincia ou a dedicao das mulheres (Messing,
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2000). Um constrangimento pode assim ser percebido como inerente ao exerccio da profisso, ou at mesmo como uma componente da identidade profissional (Sorignet, 2006). De maneira mais global, a emergncia de uma preocupao em matria de sade no trabalho o objecto de uma construo social, resultante de um questionamento s vezes longo e que implica numerosos actores (Loriol, 2000). Os efeitos de barreira, de camuflagem, reforam as atitudes de negao quanto s relaes entre sade e trabalho : preconceitos relativos a diversas categorias de trabalhadores (as mulheres, os operrios, os mais velhos, os jovens); interpretaes que individualizam o que est em jogo, ou que at mesmo estigmatizam as pessoas ; incredulidade quanto aos balanos estatsticos ou demonstraes cientificas que estabelecem tais relaes e sobrevalorizam os estudos que as colocam em dvida; enfim, a crena num progresso natural, que enviaria para o passado os efeitos nocivos principais. No caso das PME (Perturbaes Msculo-esquelticas), por exemplo, o carcter epidmico da patologia no impediu que predominem durante muito tempo as abordagens centradas na vida pessoal (com este argumento de que as dores apareciam mais durante o repouso do que durante o trabalho) e sobre as caractersticas dos indivduos : estas perturbaes eram analisadas como manifestaes neurticas, sobretudo femininas (Messing, 2000). De maneira geral, foi difundida a ideia de uma substituio massiva das exigncias mentais pelas solicitaes fsicas : o nmero de operrios da indstria diminui, a mecanizao e a automatizao se desenvolvem, ento as exposies corporais durante a actividade de trabalho so consideradas como cada vez mais raras. Da mesma forma, assistiramos a um aumento das qualificaes, das responsabilidades, da autonomia no trabalho, que se acompanhariam ento de um enriquecimento intelectual e de uma extenso do poder de agir no trabalho. O espao falta-nos aqui para desmontar estas ideias pr-concebidas; vamos contentar-nos de lembrar que os inquritos estatsticos e os estudos de campo as contradizem largamente desde muito tempo (Gollac & Volkoff, 2007). Propcios s denegaes, e incria que as acompanham, os defeitos de visibilidade podem tambm, de maneira paradoxal, conduzir a polarizar temporariamente a ateno em torno de tal ou tal preocupao, sem sempre se preocupar em melhor definir os termos ou em verificar a sua novidade (Loriol, 2000). Seria interessante analisar por exemplo porque o stresse no trabalho fez, estes ltimos anos, a manchete de numerosas revistas e jornais. Podemos ns supor que o trabalho dos prprios jornalistas se intensificou, que as suas condies de trabalho so mais difceis, o que os colocou em situao de melhor compreender problemas que so prximos dos deles problemas que alis atingem um nmero crescente de pessoas socialmente e culturalmente prximas deles? Podemos tambm nos di-
zermos que o stresse constitua, nas suas utilizaes comuns, uma denominao suficientemente vaga e desta forma facilmente manipulvel e apresentvel para englobar as sensaes cujo enunciado directo incomodaria mais : medo, tdio, sobrecarga, fingimento, dependncia, desvalorizao do seu prprio trabalho? Quando os trabalhos cientficos, os testemunhos dos intervenientes, as controvrsias dos actores sociais fazem progredir a visibilidade das condies de trabalho, as dificuldades podem deslocar-se para as causas das ms condies de trabalho e, ainda mais, para a possibilidade de as melhorar. As primeiras origens das penosidades e dos riscos devem, para serem percepcionadas, fazer elas tambm objecto de um trabalho de objectivao o que no nada fcil. Assim, a ideia de uma intensificao do trabalho, anteriormente questionada, hoje largamente admitida (Askenazy et al., 2006), assim como o seu impacto sobre as condies de trabalho e a sade dos trabalhadores (Volkoff, 2008). Contudo, muitos dirigentes de empresas, mesmo desejando melhorar as condies de trabalho por razes ticas ou econmicas, aderem ideia de que a intensidade do trabalho a garantia de prosperidade (ou at mesmo de sobrevivncia) econmica; eles fazem disto quase um sinnimo de produtividade sem que o sentido desta ltima palavra seja na verdade sempre interrogado. Construir, reunir, difundir os conhecimentos sobre as condies de trabalho e os seus determinantes mantm-se uma exigncia para que a sua visibilidade progrida. No entanto, esta progresso eventual ir depender muito do contexto social: a feminizao da mo-de-obra, o seu envelhecimento (mas tambm a rejeio de algumas tarefas pelos jovens), a melhoria das qualificaes, poderiam aumentar as exigncias qualitativas na vida no trabalho. Inversamente, a manuteno de um desemprego alto, a individualizao das formas de mal-estar que resulta dos modos de organizao actuais e de avaliao das performances, comprometem o exame atento das situaes vividas. A grande questo ento de relacionar estes desafios entre si. Dar uma visibilidade s condies de trabalho supe que estas sejam trazidas para um debate de maior mbito, no somente restrito aos crculos de especialistas aos quais elas so frequentemente confiadas
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Como referenciar este artigo? VOLKOFF, S. (2011). Visibilidade. Laboreal, 7, (1), 119-121. http://laboreal.up.pt/revista/artigo.php?id=37t45n SU5471124227839554481

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