IDH Brasil 2010
IDH Brasil 2010
IDH Brasil 2010
relatrio de
desenvolvimento
humano
valores e
desenvolvimento
humano
Relatrio de Desenvolvimento Humano Brasileiro 2009/2010
Realizao
Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento Pnud
Jorge Chediek
Coordenador-Residente do Sistema ONU no Brasil e Representante-Residente do PNUD
Arnaud Peral
Representante-residente adjunto do PNUD no Brasil
Maristela Marques Baioni
Representante-residente assistente para Programas
Copyright 2010
Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento PNUD
EQSW 103/104 Lote 01 Bloco D CEP 70670-350 Braslia DF Brasil
www.pnud.org.br
Projeto grfco Marilda Donatelli
Capa "O Abrao" (1973), de Glenio Bianchetti
Reviso Letcia Fres, Rebeca Bolite
Infogrfcos Mario Kanno
Tradutor David Pettigrove
Fotos Gustavo Pellizzon, Raissa Oliveira (p.161)
Primeira edio: dezembro de 2010
Tiragem: 1.000 exemplares
Impresso: Ultra Digital Grfca Editora Ltda.
Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento.
Valores e Desenvolvimento Humano 2010 / Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento.
Braslia, 2010.
xx p.: il.
ISBN 978-85-88201-08-8
1. Desenvolvimento humano valores de vida. 2. Participao social. 3. Anlise de dados. I. Programa das Naes Unidas
para o Desenvolvimento. II. Ttulo.
NLM: BF 713
Ficha Catalogrfca elaborada pela bibliotecria Fernanda Nahuz
Todos os direitos esto reservados. Nenhuma parte desta publicao pode ser reproduzida, armazenada mediante qualquer sistema
ou transmitida, de qualquer forma ou por qualquer meio, seja esse eletrnico, mecnico ou fotocopiado, ou gravado, ou de qualquer
outro tipo, sem a permisso prvia do Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento.
Comit Consultivo
Jos Maurcio Bacelar, Diretor de Relaes com a Imprensa e Sustentabilidade da TIM
Gilda Carvalho, Procuradora Federal dos Direitos do Cidado
Munir Cury, Procurador aposentado do Ministrio Pblico de So Paulo
Lya Luft, Escritora
Mozart Ramos, Presidente do Todos pela Educao
Viviane Senna, Presidente Instituto Ayrton Senna
Maria Alice Setubal, Presidente da Fundao Tide Setubal
Comit Tcnico
Ricardo Paes de Barros, Instituto de Pesquisas Econmicas Aplicadas
Claudio de Moura Castro, Assessor Especial Presidncia do Grupo Positivo
Jos Igncio Cano Gestoso, Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Narcio Aquino Menezes Filho, INSPER SP, Instituto de Ensino e Pesquisa
Marcelo Cortes Neri, Fundao Getulio Vargas/RJ
Hector Riveras Serrato, Universidad Externado de Colombia
Rodrigo Simes, Universidade Federal de Minas Gerais
Equipe Relatrio de Desenvolvimento Humano
Coordenador Geral Flavio Comim
Equipe de Coordenao Anderson Macedo de Jesus, Rogrio Carlos Borges de Oliveira,
Moema Dutra Freire, Anna Davison, Sabrina Galeno, Ana Carolina Vieira Ribeiro
Equipe Tcnica
Pedro Vasconcelos Maia do Amaral, University of Cambirdge
Izete Pengo Bagolin, Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul
David Bridges, University of East Anglia
Paulo Mesquita Dvila Filho, Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro
Shailaja Fennell, University of Cambridge
Alexandre Apsan Frediani, University College London
Tlio Kahn, Secretaria de Segurana Pblica do Estado de So Paulo
Marta Fabiano Sambiase Lombardi, Universidade Mackenzie/SP
Esmeralda Correa Macana, Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Tristan McCowan, Institute of Education, University of London
Ana Magnlia Mendes, Universidade de Braslia
Tatiana Whately de Moura, Universidade de So Paulo
Maria Luisa Mendes Teixeira, Universidade Mackenzie/SP
Elaine Unterhalter, Institute of Education, University of London
Mauro Rehbein, Universidade de Braslia
Valeska Zanello, Universidade de Braslia
Flavia Carvalho, Universidade Federal de Minas Gerais
Alexandre Mendes Cunha, Universidade Federal de Minas Gerais
Alessandra Maia Terra, Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro
Tadashi Hirai, Universidade de Cambridge
Comunicao Percival Caropreso, Daniel de Castro, Fabio Saboya, David Tabalipa, Fernanda Costa, Raphael Pinho, Jorge Maio
Assessoria de Imprensa Amlia Whitaker, Gilmara Oliveira, Kelly Schwarz
Operaes Carolina Vilalva, Maria Claudia Penna Borges Cambraia, Juliana Barbosa, Francine Vaurof
Assessoria Internet Wilton Rossi, Flavio Hideo Mikami
Apresentao
Valores so fundamentais ao desenvolvimento humano. Valores so guias de ao e infuenciam o modo
pelo qual as pessoas elegem suas prioridades e tomam suas decises. Assim, valores impregnam comporta-
mentos e normas sociais e esto na base do que as sociedades decidem fazer para se desenvolver. Uma viso
de desenvolvimento meramente como crescimento econmico desconsidera um aspecto importante: que o
desenvolvimento, para ser humano, precisa de pessoas participando, vivendo valores e construindo razes
sobre o que bom ou desejvel para uma sociedade.
Fiel ao valor da participao, a escolha do tema valores e desenvolvimento humano para o Relatrio de
Desenvolvimento Humano Brasileiro 2009/2010 foi realizada por uma consulta pblica indita no mundo,
a campanha Brasil Ponto a Ponto, que levou uma pergunta aberta populao brasileira: O que precisa
mudar no Brasil para sua vida melhorar de verdade? Esta pergunta foi respondida por mais de meio mil-
ho de pessoas de todas as camadas econmicas e sociais do pas. Essa participao para defnir o tema
deste relatrio no foi apenas instrumental, , mas, em si mesma, foi parte de um processo de construo de
razo pblica e de desenvolvimento humano no pas.
Com base na Campanha Brasil Ponto a Ponto, este Relatrio de Desenvolvimento Humano Brasileiro
2009/2010 est estruturado em quatro partes: a primeira registra a consulta pblica; a segunda examina
conceitualmente o que so valores, suas medidas e a relao entre valores e educao e valores e violncia;
a terceira trata das polticas de valor, nome dado quelas polticas que trabalham valores instrumental-
mente e como um fm; e a ltima parte oferece uma proposta analtica para a formulao de novos ndices
de desenvolvimento humano para o Brasil.
A partir de uma viso de valores como prticas e vivncias, este relatrio procura contextualizar as duas
principais questes setoriais levantadas pela Campanha Brasil Ponto a Ponto: a violncia e a qualidade da
educao no pas. Para tal, o relatrio comea estudando a relao entre as famlias e o desenvolvimento
humano, um tema pouco explorado na literatura. Nota que estilos e prticas parentais so fundamentais
para entendermos melhor o desempenho das crianas na escola e a violncia domstica. Nas escolas, as
prticas so vistas tambm como responsveis pelo desengajamento moral entre pais e professores e por
uma cultura de culpabilizao mtua. Talvez de modo mais dramtico, o relatrio encontra evidncias de
que a percepo de violncia, que inclui a violncia sofrida nos lares, infuencia o comportamento concreto
das pessoas no seu dia a dia.
Na terceira parte, a base das solues propostas est na promoo de vivncias, de prticas, como objeto
central das polticas pblicas chamadas polticas de valor. O relatrio prope prticas concretas que podem
ser seguidas por famlias, por professores, por trabalhadores no seu cotidiano. Defende com isso a ideia de
que polticas pblicas de desenvolvimento humano so aquelas feitas com os cidados, e no simplesmente
para eles. Valores que estimulem uma melhor convivncia nas escolas so igualmente estratgicos para a
melhoria da qualidade da educao no pas. Por isso, o relatrio prope polticas para uma educao de
valor, que estimule um ambiente escolar de mais respeito, tolerncia e responsabilidade, que promova um
melhor desempenho acadmico dos alunos, ao mesmo tempo em que os prepara para a vida. A agenda de
polticas para educao, segurana, sade, trabalho e famlia, proposta por este relatrio, est centrada no
conceito de humanizao das polticas, sejam elas sociais ou trabalhistas. Uma perspectiva de valores tem
o potencial de nos levar a repensar nossas prticas e seus impactos sobre o bem-estar das outras pessoas.
Por essa razo as polticas propostas pelo relatrio requerem uma ao transversal entre pais, professores,
estudantes, governos e empresas.
Seguindo a tradio dos Relatrios de Desenvolvimento Humano desde 1990, este relatrio explora as fron-
teiras da mensurao do desenvolvimento ao introduzir novas estatsticas na rea de valores, assim como
novos estudos que propem um ndice de Desenvolvimento Humano Municipal de Curto Prazo. Essas novas
estatsticas e esses estudos devem ser vistos como exploratrios, como um convite ao dilogo, ao aprimora-
mento de novas formas de avaliao e monitoramento do desenvolvimento humano.
O Relatrio de Desenvolvimento Humano Brasileiro 2009/2010 envolveu um grande nmero de pessoas em
sua elaborao. Foram 43 parceiros institucionais; quarenta seminrios e ofcinas presenciais envolvendo
a participao de mais de cinco mil pessoas, duzentos voluntrios que viajaram a 320 cidades de todas as
regies do pas, mais de quatrocentos artigos e reportagens publicados na mdia durante sua preparao,
cem textos de apoio produzidos em seminrios regionais e a participao de mais de meio milho de pes-
soas na defnio do tema. Promoveu ofcinas com jovens da Escola de Msica do Ibirapuera (em So Paulo,
SP) e com cordelistas de todo o Brasil (em Barbalha, CE) para traduzir as mensagens do relatrio em um
formato mais ldico e comunicativo. Estima-se que a mensagem das duas campanhas pblicas promovi-
das pelo relatrio, o Brasil Ponto a Ponto e o Mostre seu Valor, atingiu mais de cem milhes de pessoas em
todo o pas.
Estes nmeros revelam o comprometimento da equipe do relatrio e de todos seus parceiros e colabora-
dores com os valores de incluso e participao que so caros perspectiva do desenvolvimento humano.
Alm disso, mostram que a busca por um mundo mais justo demanda o esforo constante de vivermos
nossos valores, no somente nos grandes momentos de deciso em nossas vidas, mas no nosso cotidiano,
nas escolas, no trabalho, nos lares, nas pequenas aes e decises que, no fnal de tudo, dizem quem somos
e para onde vamos. Uma abordagem de valores uma pea-chave na construo de estratgias inclusivas
de desenvolvimento para uma vida melhor.
Esperamos que este relatrio contribua para o debate neste estgio de desenvolvimento humano no Brasil.
JorgeChediek
Coordenador-Residente do Sistema ONU no Brasil
e Representante-Residente do PNUD
As opinies expressas neste relatrio so de responsabilidade da equipe coordenadora e no refetem necessariamente
a viso do Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), como tampouco das demais pessoas ou
entidades que ajudaram na sua elaborao.
Agradecimentos
Este relatrio foi concebido e planejado para congregar vozes e esforos de muitas pessoas. Ele foi
estruturado a partir de uma consulta pblica para escolha do seu tema, e se desdobrou em seminrios
regionais, organizados por meio de chamadas abertas a redes acadmicas interdisciplinares e a redes de
organizaes no governamentais. Ele foi sendo produzido em cadernos (cada um planejado com uma base
de dados indita) como documentos vivos, que foram lanados na imprensa aos poucos, ainda em verses
no diagramadas, para estimular o debate pblico e manter o interesse da sociedade no tema durante
a preparao do relatrio. Cada um desses cadernos rodou o Brasil em seminrios acadmicos abertos
populao. Vrias dessas discusses fzeram manchetes de jornais locais e nacionais, estimulando o debate
e a refexo sobre seus temas. Toda a pesquisa foi concebida como uma criao de vivncias, razo pela qual
optou-se pela contratao e capacitao de jovens pesquisadores que atravessaram o Brasil entrevistando
pessoas e conhecendo realidades nos lugares mais remotos de todo o pas. Os agradecimentos feitos aqui
contam a histria do envolvimento de muitas pessoas durante todo o processo, comeando na consulta
pblica, passando pela produo das pesquisas e estudos para o relatrio e terminando com os concursos
Pontos de Valor e Valores fora do Eixo e com as ofcinas com alunos da Escola de Msica do Ibirapuera e com
cordelistas de todo o Brasil.
Atodosqueparticiparamdaconsulta
O nosso primeiro agradecimento vai para cada uma das mais de quinhentas mil pessoas que responderam
a consulta feita atravs da Campanha Brasil Ponto a Ponto. Sem elas no teramos este relatrio.
Aosparceiros
A realizao do relatrio s foi possvel graas parceria de 43 instituies, empresas e organizaes, nessa
empreitada, que juntas trabalharam nas duas campanhas, o Brasil Ponto a Ponto e o Mostre seu Valor, na
logstica da pesquisa e na sua divulgao. Gostaramos de agradecer aqui tanto s instituies como s
pessoas que fzeram parte deste trabalho. Comeamos agradecendo s pessoas que foram decisivas para as
atividades realizadas:
Francisco Gaetani, Octavio Florisbal, Albert Alcouloumbre, Mariano Boni, Flvio Oliveira, Maria da Glria
Ganem Rubio, Washington Olivetto, Melissa Andrade, Lucia Helena Galvo, Caio Piza, Ana Lcia Lima, Rosi
Rosendo, Susy Midori Yoshimura, Gabrielle Oliveira Silva, Denise Jayme, Cleide Romero, Nadia Castro, Priscila
Cruz, Nbia Gonalves, Anglica Nascimento, Bianca Furtado, Fausto Silva, Jayme Praa, Anika Grtner dos
Santos Camilo, Diana Karla Fonseca da Costa, Mauro Dahmer, Nilce Rosa da Costa, Denise Messias, Eduardo
Stranz, Joo Antnio Krebs, Ricardo Jatob, Fernando Jatob, Gustavo de Lima Cesrio, Juliana Soares, Alice
Gismonti, Mariana Migliari, Pedro Parente, Lara Elena Ramos Simielli, Miriam Abramovay, Cristina Rodriguez,
Rodolfo De La Torre, Sergio Malta, Cibelly Almeida, Rosa Maria Corra, Antnia Rangel, Carla Dozzi, Patrcia
Franco, Carlos Eduardo Moreno Sampaio, Liliane Lcia Nunes de Aranha Oliveira, Carla Maria Motta do
Valle Castro, Joo Horta, Michele de Paula Coelho, Vanessa Nespoli de Oliveira, Izete Bagolin, Monica Yukie
Kuwahara, Camila Sande, Soraya Pessino da Rosa, Paulo de Tarso Pinheiro Machado, Paulizena Carmo, Carlos
Eduardo Gomes Macedo, Valria Sartori Bassani, Mario Ameni, Brigida Sacramento, Karen Worcman, Snia
London, Sarah Faleiros, Janana Pena, Marcelo Schulman, Denise Fidalgo, Ricardo Baumstein, Fernanda
Mayrink, Juliana Oliveira, Roberto Ortega, Ione Mendes, Gustavo de Lima Cezrio, Ludmila Jesus da Silva,
Fabiana Marchezi, Ivani Schtz e Alexandre Mansur.
Agradecemos tambm ao Ministrio do Planejamento, ao Ministrio da Cultura, Rede Globo, TIM,
Natura, WMcCann, ao Setor 2 1/2, Visar, ao programa VNU, ao Consed, ao Instituto Paulo Montenegro,
ao Unigente da Unimed, Nova Acrpole, ao Projeto Cooperao, ao Instituto Vivendo Valores, Brahma
Kumaris, MTV, Suzano Papel e Celulose, ao Portal do Voluntrio, Agenda 2020 RS, La Fabbrica do
Brasil, Nike, Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, Universidade Presbiteriana
Mackenzie, Sociedade Inclusiva da Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais, UNIJORGE, ao
Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (CEDEPLAR) da Universidade Federal de Minas Gerais,
ao Todos pela Educao, ao Instituto Faa Parte, Confederao Nacional de Municpios (CNM), ao Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (INEP), ao Atletas pela Cidadania, ao Circuito
Fora do Eixo, ao PNUD Mxico, Superintendncia do Desenvolvimento da Amaznia (SUDAM), Rede de
Informao Tecnolgica da Amrica Latina (RITLA), ao SEBRAE, ao Instituto Criana Vida, ao Governo do
Distrito Federal, Prefeitura de Porto Alegre, ao Governo do Estado de So Paulo e Vita Derm. Os nossos
mais sinceros agradecimentos vo a essas pessoas e instituies que tanto colaboraram para o relatrio.
Aosvoluntrios
Alm das parcerias, contamos muito com a participao de voluntrios de todas as partes do Brasil. Eles
estiverem presentes em todos os estgios de elaborao do relatrio, desde a consulta at a pesquisa de
campo e tabulao. Comeamos expressando nosso imenso agradecimento ao grupo de voluntrios VNU,
que viajou o Brasil para realizar as pesquisas de campo que coletaram dados primrios para o relatrio. Esse
grupo deu uma grande demonstrao de comprometimento e abnegao em prol de um mundo melhor ao
parar suas vidas por meses para adentrarem territrios e mentes desse pas. Agradecemos a Aladya Ellery
Arajo Porto, Alberto Jos Silva Ayres, Aline Batista Vicentim, Aline Pedrassolli de Jesus, Aline Soares de Lima,
Andr Costa Cardoso, Aziz Tuff Saliba, Bruno Cabral, Carla Michele Custdio Corbeti, Daianne Rafael Vieira,
Flvio Augusto de Figueiredo, Guilherme Sheldon Rufno de Lima, Gustavo Figueiredo Campolina Diniz,
Isl Nakano, Joo Carlos Arago Addario Junior, Jonathas de Melo Cristovo Silva, Leila Alves Maranho,
Leonardo Silveira, Lorena Augusta Marina Matos, Luanna de Souza Ribeiro, Lus Davi Vicensi Siqueira, Luiz
Gustavo Crdia Mazetti, Luiza Martins Costa, Madalena Rodrigues da Silva, Mara Bussab Pires, Margarete
Gonalves, Maria Mostafa, Marlia Ismael Lacerda Machado, Marina Brito Ferraz, Mnica Puppin de Oliveira,
Otamires Barbosa Maia de Souza, Priscila Studart Coelho, Rassa Adriano Oliveira, Renato de Oliveira Brito,
Ricardo de Lacerda Ferreira, Rodrigo Martins da Silveira, Valdilene de Jesus Oliveira Santos, Victor Castelo
Branco Rodrigues Alves e Wilson Lopes.
Vrios grupos de voluntrios foram montados atravs de uma rede de universidades formada para a
anlise dos dados gerados pela Campanha Brasil Ponto a Ponto. Dentre esses, gostaramos de agradecer
aos voluntrios articulados pelas parcerias com a PUCRS, a UnB, a Universidade Mackenzie, a UNIJORGE e
a Universidade Catlica de Braslia: Cilane Rosa Vieira, Renato de Oliveira Brito, Mariane Borges, Francieli
Martinazzo, Rosinethe Soares, Dalva Barbosa, Cristiane Messias, Jos Tadeu de Oliveira, Mnica Concha
Amin, Luis Davi Siqueira, Margarete Leniza Gonalves, Luiza Martins Costa, Diego Soares Ribeiro, Camila
Santos Andrade, Isabela Moreno Alves, Mariana Almeida, Flavia Mariane Marra, Silvia Helena Rodrigues,
talo Pereira Gomes, Catarina Malheiros da Silva, Andyara Santis, Ligia Ramos, Pedro Santos Tavares da Silva,
Ycleda de Oliveira dos Santos, Patrcia Vasconcellos Comim, Isadora Romancini Costa, Laura Oliveira Pereira,
Katiuska Xavier Mendez, Paulo Raphael Feldhues, Renato Goulart de Almeida, Leandro Santos Bulhes de
Jesus, Rafael Haddad, Alice Rodrigues Hayer, Aline Nascimento Sacramento, Rosane Andrade Silva, Thayana
Amorim Pereira, Camila Reis, Murilo de Alencar Leite Costa, Natlia Simes Arajo, Maria Emilia Gndala,
Adailton Muniz, Daniane Afonso, Lorena de Matos, Ana Paula Duarte, Thiago Lopes, Alexander Lopez Ruiz,
Lito Nunes Fernandes, Carla Michele Coberti, Eduardo Teixeira, Gustavo Campolina Diniz, Rodrigo Assis,
Silvana Longo, Ana Carolina Aguiar Penha, Ana Fernanda Nascimento, Andr Costa Cardoso, Caio Henrique
Gomes Modesto, Anelise Manganelli, Douglas Mesquita, Volnei Picolotto, Mayana Ribeiro de Almeida,
Letcia Nunes, Larissa Magalhes Atade, Christian Eckert, Nadjane Freitas, Carolina Torres, Paula Matoso
Nunes, Lissa Varjo, Caroline Arajo, G. Machado, Cesar Resende, Cynthia Cunha, Felipe Paku, Guilherme H.
Yamamoto, Guilherme Salado, Cristovo Silva, Marina Brito Ferraz, Matheus Asai Oliveira, Polyany Buranello,
Rassa Oliveira, Ruy de Paula, Salvatore Amato Neto, Mariana Melo, Tania Aparecida Gomes Paes, Fabiano
Gelanzauskas Haidar, Davi Souza, Anna Paula Lopes Almeida, Vanessa Rocha, Erich Maia, Priscila Nogueira
Magalhes, Lais Haanwinckel, Antonio B. Arago, Lorena Pena, Gabriela Lemos, Fernanda Chagas e Rodrigo
Antonio. Um agradecimento especial vai para Luiz Carlos Feliciano Junior, que tabulou sozinho toda a base
de dados da consulta recebida por SMS.
Tambm gostaramos de agradecer ao Cedeplar, na pessoa de seu diretor, o professor Mauro Borges Lemos,
pelo time formado para a tabulao das respostas, que contou com a coordenao de Rodrigo Simes, Pedro
Amaral, Mrcia Pereira e Vernica Lazarini, assim como com a ajuda dos seguintes voluntrios acadmicos:
Bruno Pereira Gama, Aline Pereira Gomes, Ana Clara de Carvalho, Alice do Amaral Fonseca, Matheus de
Souza Oliveira, Luiza Borges Dulci, Joo Paulo de Arajo, Lucas Oliveira Rodrigues, Carlos Eduardo Arantes,
Leonardo de Abreu Etelvino, Kenyth Alves de Freitas, Julia Peracio Rezende Borges, Julia Schmidt Comitti, Yuri
Hollerbach Silva, Marcos Campos Soares, Clarice Batista Farina, Adauton Machado Heringer, Ceclia Ferreira
Chaves, Anna Carolina Londe, Arnobio Alves Morelix, Vanessa Cardoso Ferreira, Fbio Weikert Bicalho,
Camila Machado Soares, Rodrigo Costa de Andrade, Patrcia Vargas, Joana David Avritzer, Lasa Racheter de
Dias, Marina Moreira de Aguiar, Bruna Atayde Signorini, Brbara Freitas Paglioto, Carla Reis e Marcos Pires
de Melo.
Aosparticipantesdasconsultasformais
Somos muitssimo gratos tambm a todas as pessoas que participaram de consultas feitas com Ministrios
do Governo Federal, parceiros do PNUD, mdia, e secretarias de Educao de todo o Brasil, dentre as quais
podemos citar Fernanda de Negri (Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome), Antonio Claret
Campos Filho (Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome), Cludio de Almeida Machado
(Ministrio do Planejamento/Secretaria de Assuntos Internacionais), Mrcia Camargo (Ministrio do Meio
Ambiente), zio Gomes da Mota (Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento), Hliton Ribeiro
Tavares (Ministrio da Educao/INEP), Jorge Ruiz (Controladoria Geral/Secretaria de Portos), Roberta
Alves de Oliveira (Ministrio da Justia/SENASP), Fernanda Alves dos Anjos (Ministrio da Justia/SENASP),
Izabella Teixeira (Ministrio do Meio-Ambiente), Aldenir Paraguass (Ministrio do Meio Ambiente),
Jaime Milman (Ministrio da Defesa), Rosana Fragomeni (Ministrio da Defesa), Jos Augusto de Almeida
(Ministrio das Comunicaes), Teresa Cristina Sousa (Secretaria Especial de Polticas para as Mulheres),
Fbia Oliveira Martins de Souza (Secretaria Especial de Polticas para as Mulheres), Rosana do Carmo
Nascimento Guiducci (Ministrio da Integrao Nacional), Pedro Pontual (Secretaria Especial dos Direitos
Humanos), Frederico Carelli Brito (Ministrio da Cultura), Rodrigo Fraga Massad (Ministrio das Cidades),
Celso Santos Carvalho (Ministrio das Cidades), Sandra Bernardes Ribeiro (Ministrio das Cidades),
Eglaison Pontes Cunha (Ministrio das Cidades), Daniel Ximenes (Ministrio da Educao), Marcelo Bicollo
Beher (Presidncia da Repblica), Ivan Marques (Presidncia da Repblica), Bruno Moretti (Ministrio
do Planejamento), Byron Prestes (Ministrio da Justia), Lcio Santos (Ministrio da Previdncia Social),
Maristela Gonalves (Ministrio do Esporte), Fernanda Caribe (Ministrio da Justia/PRONASCI), Leonardo
Tortoriello Messias (Presidncia da Repblica), Marlia Valle dos Reis (Ministrio da Sade), Mase Rodrigues
de Souza (Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome), Jos Adelmar Batista (Ministrio do
Desenvolvimento Agrrio), Alexandre Paiva da Conceio (Caixa), Catia Rezende (Ministrio da Fazenda),
Ana Lcia Starling (Conselho de Desenvolvimento Econmico e Social), Lauro Aguiar (Ministrio da Justia),
Luiz Fabrcio Vieira Neto (Ministrio da Justia), Antonio de Souza Lobo (ISPN) e Cleuza Rodrigues Repulho
(Ministrio da Educao).
Somos muito agradecidos tambm pelas sugestes que recebemos na elaborao das partes 3 e 4 deste
relatrio. Muito obrigado a Ministra Glaucia Gauch (Itamaraty), Maya Takagi (Gabinete da Presidncia
da Repblica), Raquel Benedeti (Casa Civil), Dionara Barbosa e Maria Cristina Abreu (Ministrio do
Desenvolvimento Social e Combate Fome), Otaliba Morais e Juan Cortez (Ministrio da Sade), Wasmlia
Bivar (IBGE), Jorge Abraho (IPEA), Martim Cavalcanti (Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto),
Erika Morais (Ministrio da Justia), Christiana Freitas (Secretaria de Direitos Humanos), Fernando Chagas
(Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome), Luciana Vega (Senado Federal), Rogrio da
Veiga (INEP), Adriana Giubertti (Ministrio do Trabalho e Emprego), Snia Mariza de Souza (Ministrio da
Agricultura), Maria do Carmo Rebouas (Secretaria de Direitos Humanos), Lourdes Bandeira (Subsecretaria
de Planejamento e Gesto Interna), Daniela Nogueira Soares (Ministrio da Integrao), Milena Souto
Maior de Medeiros (Casa Civil) e Cssia Damiani (Ministrio dos Esportes).
Agradecimentos especiais Ministra Marcia Lopes (Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate
Fome) e a Romulo Paes pela valiosa contribuio sobre a discusso de Desenvolvimento Humano.
Nossa gratido se estende aos comentrios e sugestes que recebemos de Pedro Hagel (British Council), Kota
Sakaguchi e Alexandre Takahashi (JICA), Saori Kawai (Embaixada do Japo), Pierre Liljefeldt (Embaixada
da Sucia), Jan Eriksen (Embaixada da Noruega), Amaya Fuentes Milani (Embaixada da Espanha), Renaud
Carvalho (Embaixada da Frana), Daniel Alker (Embaixada da Alemanha), rica Amorim (Banco Mundial)
e Marcelo Alfaro (BID).
O nosso muito obrigado vai tambm para Elizete Mello (Secretaria de Educao de Santa Catarina),
Afonso Gomes Ferreira Filho (Secretaria de Educao do Rio Grande do Norte), Maurcio Nascimento Filho
(Secretaria de Educao, Sergipe), Joo Almir Manes (Secretaria de Educao de Santa Catarina), ngela
Maria da Silva (Secretaria de Educao de Mato Grosso do Sul), Arlete Spinelli Pedrosi Faria (Secretaria de
Educao de Roraima), Cantaluce Paiva de Barros Lima (Secretaria de Educao de Pernambuco), Vanja
Orico do Nascimento Souza (Secretaria de Educao do Amap), Maria de Ftima Soares da Silva (Secretaria
de Educao da Paraba), Beatriz Cardoso Cordero (Secretaria de Educao de So Paulo), Michelle Sena
Rosa de Arajo (Secretaria de Educao do Maranho), Denise Pereira da Silva (Secretaria de Educao
do Esprito Santo), Marcos Antonio Santos de Pinho (Secretaria de Educao da Bahia), Juliana de Lucena
Ruas Riani (Secretaria de Educao de Minas Gerais), Jos Nilton Nunes Alves (Secretaria de Educao de
Alagoas), Jos Neilton Nunes Alves (Secretaria de Educao de Alagoas), Jos Luiz Domingues (Secretaria de
Educao de Gois), Margarete Maria Dias da Costa (Secretaria de Educao do Par), Ftima Maria Solano
de Andrade Leal (Secretaria de Educao do Piau), Afonso Gomes Ferreira Filho (Secretaria de Educao do
Rio Grande do Norte), Mariza Abreu (Secretaria de Educao do Rio Grande do Sul), Francisco Tadeu Bastos
Correia (Secretaria de Educao do Rio de Janeiro), Arlete Spinelli Pedrosi Faria (Secretaria de Educao de
Roraima), Maurcio Nascimento Filho (Secretaria de Educao de Sergipe) e Thania Maria Fonseca Aires
Dourado (Secretaria de Educao de Tocantins).
Contribuies importantes a consulta foram prestadas tambm por Eduardo Castro (Empresa Brasileira de
Comunicao), Jorge Luiz Guerra (Imprensa Nacional), Ricardo Pedreira (Associao Nacional de Jornais),
Zileide Silva (TV Globo), Lgia Formenti (O Estado de So Paulo), Iuri Dantas (Folha de S.Paulo), Johanna
Nublat (Folha de S.Paulo), Paula Cunha (Empresa Brasil de Comunicao), Alexandro Martello (Portal G1),
Fabrcio Fonseca ngelo (Agncia Envolverde), Fabiano Andrade (CBN/Rdio Globo), Ana Beatriz Magno
(Correio Brasiliense), Juliana Cezar Nunes (Rdio Nacional) e Ldia Neves (TV Brasil/Canal Integracin).
Nossos colegas de Naes Unidas tambm participaram das consultas aportando valiosas crticas e
sugestes. Gostaramos muito de agradecer a Cristina Montenegro (PNUMA), Fabio Eon e Paulo Vincius
Alves (Unesco), Mrcio Carvalho (Unicef), Ricardo Bielschowsky e Carlos Mussi (CEPAL), Giovanni Quaglia,
Carolina Gomma de Azevedo e Nvio Nascimento (UNODC), Florbela Fernandes, Marcelo Britto e Elizeu de
Oliveira Chaves Jnior (UNFPA), Rebeca Tavares (Unifem), Jos Moya e Luciana Chagas (OPAS/OMS), Larissa
Leite, Jean Bernardini e Maria Guallar da coordenao das Naes Unidas no Brasil. Somos muito gratos
a Vincent Defourny e Marlova Jovchelovitch Noleto (Unesco), em parceria com a Rede Globo, que muito
gentilmente introduziu o tema Valores no programa do Criana Esperana de 2010.
A Rede Esporte pela Mudana Social, apoiada pelo PNUD, participou de vrias consultas e discusses que
geraram sugestes e anlises que muito enriqueceram este relatrio. Nossos agradecimentos vo para
Adolfo Vieira, Wagmar Ricardo, Sstenes Brasileiro de Oliveira, ngela Bernardes, Ana Moser, Adriano
Rossetto Jnior, Maria Anglica Gonalves, Guilherme Arajo, Joana Miraglia, Marcelo Moraes, Silvia
Abranches, Eliana Custdio, Janeth Arcain, Karine Batista, Daniela Castro, Fernando Borrielo, Roberta
Dutra, Amlia Fischer, Vanessa Fonseca, Priscila Accorsi, Ana Jlia Ferro, Leriana Figueiredo, Solange Tignola,
Cludia Frana, Joana Dutra, Gianne Neves, Fbio Gavio, Mrcia Corra Castro, ngela Aguiar, Silvana
Silveira, Ricardo Vital e Johnson Sales.
Textosdeapoio
Uma srie de Textos de Apoio ao Relatrio de Desenvolvimento Humano 2009/2010 foi produzida a partir
de seminrios regionais organizados em vrias cidades do pas. Os textos todos encontram-se disponveis
para download no site www.mostreseuvalor.org.br. Queremos deixar registrada aqui nossa gratido a
todos que participaram desse processo rduo de discusses e debates.
Muito obrigado aos palestrantes do seminrio de Braslia:
Jorge Ramn Rivera, Silvia Marcia De Domenico, Alisson Magalhes Soares, Ulisses Ferreira de Arajo, Mrcio
Caniello, Ednaldo Aparecido Ribeiro, Alessandra Maia Terra de Faria, Anelise Gondar, Rosely Pacheco, Anelice
da Silva Batista, Alexandre Braga, Marlene Pessanha de Souza, Maria Adlia Pedra, Marcos Alan Viana, Jos
Maurcio Arruti, Sueli Barbosa Thomaz, Samantha Aparecida Vieira, Robert Lee Segal, Joyce Adam de Paula
e Silva, Leila Maria Ferreira Salles, Adriana Dias de Oliveira, Ftima Paz, Vilmar Ezequiel dos Santos, Sheila
Ferreira Lachtim, Cssia Baldini Soares, Renato Jos de Oliveira, Jos Nildo de Souza, Aline Zeneida da Silva,
Mestre Zulu, Demetrius Demetrio, Maria das Graas Fittipaldi, Adolfo Jos Vieira Pinto, Cristina Elster, Ana
Lise Costa de Oliveira, Raquel Uchoa Fernandes, Fabiane Regino, Juliana de Oliveira, Diene Tavares Silva,
Claudia Remio Franciosi, Rita Freitas, Nvia Barros, Cenira Braga, Marcus Peinado Gomes, Caio Motta de
Souza, Luciana Sobirai Diaz, Guilherme Brunoni, Julieta Ramalho da Silva, Latife Yazigi, Rodrigo Nogueira.
Obrigado especial ao Professor Jos Eli da Veiga, que participou das discusses.
Muito obrigado aos palestrantes do seminrio de Recife:
Ftima Furtado, Edina Alcntara, Geusiani Pereira Silva, Isabela Lopes Versiani, Elisa Rosas Mendes, Nadia
Besciak, Alosio Leoni Schmid, Jenny De la Rosa, Susana Vielitz de Oliveira, Vera Lcia Mayrinck de Oliveira
Melo, Onilda Gomes Bezerra, Cynthia Lucienne da Fonseca, Danielle Costa Guimares, Juliana Maddalena
Dias, Raquel Rosan Christino Gitahy, Ana Carina Stelko Pereira, Liliana Lemus Seplveda Pereira, Jos Carlos
Gonalves, Ronaldo Brilhante, Ana Lcia Galinkin, Luciane Kozicz Reis Arajo, Leandro Durazzo, Camila
Gomes de Lima, Jussara de Cssia Soares Lopes, Aline Soares Lima, Andrea Conceio Mendes, Carlos Magno
Mendes, Naja Kayanna Polichuk , Constantino Ribeiro de Oliveira Junior, Solange Aparecida Barbosa de
Moraes Barros, Marlizete Maldonado Vargas, Ana Maria Magalhes de Carvalho, Fernanda Bassani, Carlos
Aurlio Mota de Souza, Joyce Mary Adam de Paula e Silva, Leila Maria Ferreira Salles, Jose Severino da
Silva, Leonardo Bastos Ferreira, Jos Irivaldo Alves Oliveira Silva, Rachel de Castro Almeida, Marli Palma
Souza, Michela Barreto Camboim Gonalves, Isabel Pessoa de Arruda Raposo, Vanessa Lopes Ribeiro, Maria
Betnia Torres.
Muito obrigado aos palestrantes do seminrio de So Paulo:
Patrick Gremaud, Adriano B. Castorino, Ellen Ramos, Herminia Helena Castro da Silva, Fabola Cerqueira,
BasIlele Malomalo, Milton Elias Ortolan, Slvia Marcia Russi de Domenico, Rodrigo Prando, Cassia Gomes,
Adolfo Vieira, Cludio Marques da Silva Neto, Alexey Carunho.
Muito obrigado aos palestrantes do seminrio de Porto Alegre:
Valdiney Gouveia, Lito Nunes, Ana Gabriela Simes Borges, Marlise Rosane Wagner, Lane Alves A. Scolari,
Ana Luiza Gonalves da Silva, Maria de Lourdes Araujo Pinheiro, Thiele Muller Castro, lvaro Roberto Crespo
Merlo, Olinda Barcellos, Rber Iturriet vila, Luiz F. Valter de Oliveira, Mitcheia Guma Pinto, Manuela Salau
Brasil, Rodrigo Moraes, Luciana Pinheiro, Paulo de Cunha Lana, Jos Milton Andriguetto Filho, Natalia
Hanazaki.
Contamos com a honra de receber orientaes do professor Shalom Schwartz, referncia mundial na rea
de valores e criador do instrumento que foi usado neste relatrio para mensurar o Perfl dos Valores dos
Brasileiros.
Muito obrigado tambem aos professores Helio Henkin (UFRGS), Ricardo Abramovay (USP), Edinea Alcantara
(UFPE)e Fatima Furtado (UFPE) pelo apoio aos seminarios de discussao dos capitulos do relatorio.
Aoscolaboradores
Tivemos o grande privilgio de contar com uma lista de colaboradores(as) renomados(as) que
compartilharam suas refexes sobre os temas deste Relatrio. Somos muito gratos aos professores Eduardo
Giannetti (INSPER), Ubaldo Crepaldi (ECA/USP), Javier Iguiiz e Catalina Romero (Pontifcia Universidade
Catlica do Peru), David Crocker (Universidade de Marlyand, EUA), Des Gasper (Instituto de Estudos Sociais,
The Hague, Holanda), Percival Caropreso (Setor 2 1/2), Amlia Whitaker (Visar), Cludia Gaigher (TV
Morena, Rede Globo), Mauro Dahmer (MTV), Anika Grtner dos Santos Camilo (VNU), Miriam Abramovay
(RITLA), Fbio Otuzi Brotto (Projeto Cooperao), Lcia Kazuko Ogawa Takano (Associao Brasil SGI Soka
Gakkai Internacional), Iramaia Colen (Fundao ArcelorMittal), Antonio Celso Rezende Garcia (Pensare
Desenvolvimento de Pessoas), Ktia Gonalves Mori (Instituto Faa Parte), Melissa Andrade (Nova Acrpole),
Rodrigo Schller de Moraes (Ministrio Pblico). Tivemos contribuies institucionais valiosas, pelas quais
gostaramos de agradecer ao Ministrio da Sade, ao Ministrio da Cultura, Secretaria de Direitos
Humanos da Presidncia da Repblica, ao CONSED e ao Instituto Ayrton Senna. Agradecemos tambm a
Pedro Lpez Ruiz pela ajuda na formulao de alguns infogrfcos no captulo 8.
Aoscordelistasemanifestos
A ofcina realizada com cordelistas de todo o Brasil em Barbalha (em outubro de 2010) foi um marco. Reuniu
poetas interessados em aprender sobre desenvolvimento humano para traduzir em versos as principais
mensagens do relatrio. Temos uma grande dvida com todos cordelistas que se dispuseram a participar
da ofcina e gostaramos de deixar aqui registrado nosso agradecimento a Antonio de Lisboa Filho, Antnio
Francisco Teixeira de Melo, Camilo Barbosa, Carlisson Galdino, Ernane Tavares Monteiro, Fernando Paixo,
Francisca Alencar, Hugo Rodrigues, Jos Augusto Arajo da Silva, Jos Ribamar de Carvalho Alves, Josefa
Oliveira, Lindicssia Nascimento, Lindsy Rainelle do Nascimento Mendes, Lorena Sales, Luiz de Assis Monteiro,
Luiz de Oliveira Campos, Marcos Mairton da Silva, Maria do Rosrio Lustosa da Cruz, Moreira de Acopiara,
Nezite Alencar, Paulinho N Cego, Paulo Roberto Gomes Leite Vieira, Paulo Roxo Barja, Raul Poeta, Salete
Maria da Silva. Fomos honrados no ltimo dia da ofcina com a visita do poeta Pedro Bandeira, que nos
entregou um cordel, especialmente preparado para o relatrio, chamado A falta de educao. A ofcina que
organizamos no seria possvel sem a parceria da Confederao Nacional dos Municpios, da Prefeitura de
Barbalha, dos nossos colegas de PNUD Ieva Lazareviciute e Glayson Ferrari dos Santos e, principalmente, de
Antnio de Luna (Sitoe).
Muito obrigado ao senhor Valdir Bndchen, a Gisele Bndchen, a Patrcia Bndchen, aos Atletas pela
Cidadania e a Percival Caropreso, pelos seus manifestos por um Brasil de Valor.
Muito obrigado tambm a toda equipe da Estao 8, Sandra Jonas, Andrea Pasquini, Guilherme Beloto,
Patrcia Silveira e Elis Pedroso, que produziu o vdeo que conta a histria da campanha Brasil Ponto a Ponto
assim como a Norcal Studios.
Eatodosqueajudaram
Gostaramos de enfatizar nossos agradecimentos s equipes do Jornal Nacional, Globo News, Revista poca,
Editora Abril e IG por todo o apoio recebido. Do mesmo modo, somos extremamente gratos a todas as
pessoas que participaram nas quarenta ofcinas e seminrios em dez cidades do pas para a discusso do
relatrio ao longo de todo o processo. Obrigado a professora Rosa Maria Corra, da Sociedade Inclusiva, que
possibilitou escutarmos cem pessoas com necessidades especiais (mentais, visuais, auditivas e fsicas), que
muito contriburam com suas opinies, sonhos e crticas na primeira fase do relatrio.
Para concluir, gostaramos de expressar nessa lista de agradecimentos toda nossa gratido a muitos colegas
do escritrio PNUD Brasil, que foram uma fonte inesgotvel de boas ideias, contatos, trabalho voluntrio e
de tantas outras ajudas espontneas que fzeram deste relatrio um produto de um grande time.
FlavioComim
Coordenador Geral - Relatrio de Desenvolvimento Humano Brasileiro
Parte 1
Brasil Ponto a Ponto: consulta pblica
Introduo: perguntas e respostas | 19
Sobre o Relatrio de Desenvolvimento Humano | 20
Sobre a Campanha Brasil Ponto a Ponto | 22
Sobre a primeira parte | 24
1 ENTENDENDO O PROCESSO DE CONSULTA | 25
Os fundamentos da consulta: modelos e estratgias | 26
2 RESULTADOS DA PRIMEIRA FASE DA CONSULTA | 29
Critrios de classifcao das respostas | 30
Audincias pblicas | 31
Consulta a gestores governamentais | 38
Consulta Acadmica & Internet | 38
Visitas aos municpios de IDH mais baixo do pas | 38
3 RESULTADOS DA SEGUNDA FASE DA CONSULTA | 41
Resultados das grandes parcerias | 42
Resultados fnais | 46
4 ESTRATGIA DE COMUNICAO | 51
O desenvolvimento humano e a comunicao | 52
5 CONSTRUO DE PARCERIAS E ESTRATGIAS | 57
Princpios para a construo de parcerias | 58
Formatos de Comunicao | 59
6 FUNDAMENTOS CONCEITUAIS E METODOLOGIA | 65
Julgamentos de valor | 67
Crticas consulta pblica| 72
Princpios para a construo de um RDH nacional: comunicao e novas prticas | 73
Consideraes Finais | 76
Anexo 1 - Nota tcnica | 78
Anexo 2 - Tabelas | 81
Sumrio
Parte 2
Valores de Vida e Desenvolvimento Humano
Introduo: do Brasil Ponto a Ponto a ao | 85
7 O qUE SO VALORES? | 87
Valores: entre a psicologia e a sociologia | 88
Caractersticas dos valores | 89
Valores, atitudes, normas e comportamentos | 92
Valores: dimenses principais e estrutura | 95
Valores de vida e valores pblicos | 97
8 COMO OS VALORES SO FORMADOS? O PAPEL DA FAMLIA | 99
Signifcado e importncia da famlia | 101
Transmisso e formao de valores de vida | 103
Prticas parentais na formao de valores de vida | 107
Estilos parentais na formao de valores de vida | 107
Padres demogrfcos e arranjos familiares no Brasil | 115
9 COMO OS VALORES PODEM SER MEDIDOS? | 121
Medidas de valores | 122
Estudos empricos sobre valores no Brasil | 124
O perfl dos valores dos brasileiros | 129
Concluses | 138
Nota metodolgica | 139
10 VALORES E EDUCAO | 145
A educao brasileira | 146
Qual o valor da educao? | 149
Valores, famlia e educao | 156
Concluses | 159
11 VALORES E VIOLNCIA | 161
Valores e a etiologia da violncia | 162
A evoluo do crime e da violncia no Brasil | 164
Valores e violncia vs violncia e valores: uma relao de mo dupla | 175
Concluses | 179
Brasil Ponto a Ponto:
consulta pblica
Parte 3
Polticas de Valor
Introduo: por uma nova viso de polticas | 197
12 FUNDAMENTOS DAS POLTICAS DE VALOR | 199
Polticas pblicas e polticas de governo | 200
Implementao e simplifcao de polticas | 201
Articulao de polticas | 203
Uma concepo pblica de valores | 205
13 POLTICAS DE VALOR NA PRTICA | 207
Polticas de valor com as famlias | 208
Polticas de valor com as escolas | 214
Polticas de valor com os governos | 229
Polticas de valor no trabalho | 239
Concluses | 248
Parte 4
Novos ndices de Desenvolvimento Humano
Introduo: o desafo de pensar indicadores | 257
14 REVISO: 20 ANOS DE CRTICAS AO IDH | 259
Crticas categorizadas | 260
Respostas dos Relatrios de Desenvolvimento Humano | 271
Concluses | 275
15 O IDHM-CP | 285
Metodologia | 286
Defnio de indicadores | 289
Anlise preliminar dos dados | 294
Recomendaes | 298
16 O NDICE DE VALORES HUMANOS (IVH): PROPOSTA METODOLGICA| 301
Justifcativa | 302
Proposta metodolgica | 303
Concluses: polticas de humanizao | 306
CONCLUSO FINAL | 309
| 17
Brasil Ponto a Ponto:
consulta pblica
PARTE 1
O que precisa
mudar no Brasil
para a sua vida
melhorar de
verdade?
| 19
A primeira parte desse Relatrio de De-
senvolvimento Humano do Brasil 2009/2010
comea com a descrio de um amplo processo
de consulta aberta sociedade, denominada
Brasil Ponto a Ponto, para a escolha do tema do
relatrio.
A Campanha Brasil Ponto a Ponto teve por
objetivo estimular o debate em todo o pas sobre
o que precisa ser mudado no Brasil para melhorar
a vida das pessoas. A campanha foi aberta a
todos os brasileiros, que poderiam participar
respondendo pergunta: o que precisa mudar
no Brasil para a sua vida melhorar de verdade?
O PNUD estima que esta questo chegou a
100 milhes de pessoas em todo o Brasil, em
duas etapas. Na primeira etapa, com dura-
o de 3 meses, levamos essa pergunta aos
municpios de pior ndice de Desenvolvi-
mento Humano (IDH), Academia e a sete
capitais do pas. Na segunda etapa, que du-
rou 6 semanas, levamos a questo ao grande
pblico via TV, Internet, rdio, jornais e celular.
No fnal, meio milho de pessoas de todas as par-
tes do Brasil respondeu, levantando uma grande
riqueza de temas e questes. O relato detalhado
de como esta campanha foi idealizada e condu-
zida est descrito neste documento.
Mas por que essa campanha foi feita?
O objetivo principal da realizao dessa
campanha foi escolher o tema do prximo
Relatrio de Desenvolvimento Humano Bra-
sileiro, tambm conhecido, pelas suas iniciais,
como um RDH.
Mas o que um RDH? Quem faz esse relatrio?
Para que serve? E o que desenvolvimento
humano? Isso tem alguma coisa a ver com o
ndice de Desenvolvimento Humano, o tal de IDH?
E como essa consulta vai ser usada? No fnal das
contas, isso vai resultar em alguma coisa?
As respostas a esta e a vrias outras perguntas
importantes sero explicadas a seguir.
iNTroDuo: PErGuNTAS E rESPoSTAS
20 PARTE 1 | Brasil Ponto a Ponto: consulta pblica
O QUE UM RDH?
Um RDH um relatrio. Nele so registra-
dos problemas e questes que so fundamen-
tais para a vida de milhes de pessoas. O pri-
meiro RDH foi feito em 1990. Foi um relatrio
internacional. O objetivo dele era mostrar que
as condies bsicas de qualidade de vida de um
povo dependem no somente da produo de
riquezas mas tambm daquilo que elas podem
usufruir, como uma vida saudvel, conhecimen-
tos e oportunidades para serem felizes.
Depois disso, surgiram os primeiros relatri-
os nacionais, feitos por Bangladesh e Camares
em 1992. De l para c, j foram produzidos mais
de 600 relatrios nacionais em todo o mundo,
incluindo os do Brasil. At hoje o Brasil fez trs
RDHs. O primeiro relatrio foi feito em 1996. Ele
no tinha um tema especfco, mas dava um pa-
norama geral sobre as questes sociais no Brasil.
O segundo relatrio foi, de fato, um Atlas: prepa-
rou os ndices de Desenvolvimento Humano para
todas as cidades brasileiras em 2000. O terceiro,
feito em 2005, tratou de questes relacionadas
a racismo, pobreza e violncia. Este caderno
parte do quarto relatrio do Brasil.
QUEM FAZ ESSE RELATRIO?
O responsvel por fazer esse relatrio o
Programa das Naes Unidas para o Desenvolvi-
mento, conhecido tambm pelas suas iniciais,
PNUD. O PNUD a agncia das Naes Unidas
que trabalha principalmente pelo combate po-
breza e pelo desenvolvimento humano. O PNUD
colabora com governos, iniciativa privada e com
a sociedade civil para ajudar as pessoas a cons-
truirem uma vida mais digna
1
. Na ONU, os pases
so representados, assumindo compromissos
ofciais e coletivos pelo respeito aos direi tos hu-
manos das pessoas e por um mundo melhor
para todos. E o PNUD busca ajudar os pases no
cumprimento de vrios desses compromissos.
Para fazer esse RDH, o PNUD realizou par-
cerias com vrios rgos do governo, empresas
e universidades. Todas eles ajudaram na Cam-
panha Brasil Ponto a Ponto. Entre eles, podemos
citar o Ministrio do Planejamento, Oramento
e Gesto do Brasil, a Natura, a Rede Globo de
Televiso, a TIM, o Conselho dos Secretrios Esta-
duais de Educao (CONSED), a MTV, a Sociedade
Inclusiva da Pontifcia Universidade Catlica de
Minas Gerais (PUC Minas), o Setor 2 1/2, a Visar,
o Portal dos Voluntrios, o UniGente da Unimed
Joo Pessoa, a Superintendncia do Desenvolvi-
mento da Amaznia (SUDAM), a Confederao
Nacional dos Municpios (CNM), o Curso de
Ps-Graduao em Economia (PPGE) da Pontif-
cia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul
(PUCRS), o Centro de Desenvolvimento e Plane-
jamento Regional (CEDEPLAR) da Universidade
Federal de Minas Gerais, o Centro Universitrio
Jorge Amado, o Centro Universitrio da Bahia
(FIB), a Universidade Presbiteriana Mackenzie,
o SEBRAE/RJ, a Agenda 2020 RS, a Companhia
Suzano, o Museu da Pessoa, a Prefeitura de Porto
Alegre, o Governo do Estado de So Paulo, o Go-
verno do Distrito Federal e a Vitaderm. Todos os
parceiros ajudaram, pois apoiaram o princpio
Sobre o Relatrio de Desenvolvimento Humano
1
| 21
Sobre o Relatrio de Desenvolvimento Humano
de que importante escutar as pessoas e con-
cordam que fazer um relatrio escolhendo o
tema atravs de uma consulta ampla e aberta
um sinal de respeito opinio de cada um.
PARA QUE SERVE?
Um relatrio serve, em primeiro lugar, para
informar. Ele pode ser uma ferramenta im-
portante no somente para governos mas
para todos ns, porque com mais informao
podemos estar mais conscientes e atuar mais,
ajudando na soluo dos problemas tratados
pelo relatrio. Isso depende de querermos us-lo
ou no. Um relatrio pode ser apenas um monte
de pginas rodeado por duas capas ou pode ser
parte das nossas ideias. Para isso, importante
por um lado que o relatrio seja escrito de ma-
neira clara, objetiva, e, por outro, que ns possa-
mos acre ditar que o uso dele possa fazer alguma
diferena nas nossas vidas. O fundamental
tirar o relatrio da estante, dando a ele pernas,
para que possa chegar a novas pessoas e novos
lugares.
E O QUE DESEnVOLVIMEnTO HUMAnO?
Sim, vale lembrar que esse no um relatrio
qualquer, mas um Relatrio de Desenvolvimento
Humano (um RDH). Essa ideia de desenvolvi-
mento humano pode ser traduzida pela imagem
de pessoas levando vidas felizes, produtivas e
rea lizadas, nas quais elas te nham ca-
pacidades e oportunidades para
serem aquilo que desejam ser.
Diferentemente da pers-
pectiva do crescimento
econmico, que v o bem-
estar de uma sociedade
apenas pelos recursos
ou pela renda que ela
pode gerar, a abordagem
do desenvolvimento hu-
mano procura olhar direta-
mente para as pessoas, suas
experincias, seus problemas e
a partir disso tentar enxergar o todo. O desen-
volvimento humano feito de baixo para cima
e no de cima para baixo: ele baseado na par-
ticipao de todos e no amadurecimento dessa
participao atravs do estmulo razo pbli-
ca
2
,
isto , na busca de melhores argumentos que
sejam compartilhados por todos.
Mas isso signifca que a renda no impor-
tante para o desenvolvimento humano? Pelo
contrrio. A renda importante, sim, mas como
um dos meios para o desenvolvimento e no
como seu fm. interessante ressaltar essa mu-
dana de perspectiva: com o desenvolvimento
humano, o foco transferido do crescimento
econmico, ou da renda, para o do ser humano.
O desenvolvimento humano envolve esco-
lhas. Envolve um debate sobre o que mais
importante, sobre o que valorizado pelas
pessoas para que suas vidas sejam melhores e
mais felizes.
ISSO TEM ALgUMA cOISA A VER cOM O nDIcE
DE DESEnVOLVIMEnTO HUMAnO, O TAL DE IDH?
O IDH sempre publicado dentro de um
Relatrio de Desenvolvimento Humano. Ele
uma medida resumida das condies bsicas de
vida de uma populao, centrada nas dimenses
sade, co nhecimento e padro de vida/renda.
Geralmente, o IDH o item que chama mais a-
teno dentro do relatrio. Mas um RDH bem
mais do que o IDH. Ele um relatrio
sobre um tema, sobre uma reali-
dade que em geral bem mais
complexa do que pode ser
captado apenas por um
indicador. O IDH tem o
grande mrito de re-
sumir vrias discusses
em nmeros, facilitando
o entendimento, dando
uma sntese da reali-
dade discutida dentro do
RDH. Mas o relatrio trata de
temas em mais profundidade.
22 PARTE 1 | Brasil Ponto a Ponto: consulta pblica
Sobre a campanha Brasil Ponto a Ponto
O QUE FOI A cAMPAnHA
BRASIL POnTO A POnTO?
A Campanha Brasil Ponto a Ponto
foi o nome dado consulta pblica
para escolha do tema do Relatrio
de Desenvolvimento Humano
Nacional 2009/2010 do PNUD.
O argumento desenvolvido par-
te de uma atitude de respeito
opinio dos indivduos. Em socie-
dades to desiguais como a brasi-
leira, existe um abismo que separa
os cidados especialistas daqueles
cidados margem dessa sociedade.
O Brasil Ponto a Ponto se props a ouvir
pessoas de todas as classes sociais, de todas
as partes do pas. Em particular, procurou ouvir
grupos excludos, como mulheres, jovens das
grandes periferias, pessoas com algum tipo de
defcincia e pessoas que vivem naqueles mu-
nicpios que tm o ndice de Desenvolvimento
Humano (o IDH) mais baixo.
O grande desafo consistiu em ver todos es-
ses pontos como parte de um mesmo conjunto,
a partir das experincias das prprias pessoas.
Alm disso, a campanha foi positiva, pois foi
propositiva. Ela no perguntou somente s pes-
soas o que est ruim, mas, positivamente, in-
dagou sobre o que necessrio mudar para que
suas vidas pudessem melhorar de verdade.
cOMO FOI REALIZADA A cAMPAnHA?
Na realidade, foram realizadas vrias con-
sultas, que formaram uma grande campanha.
Enviamos pedidos de sugestes a acadmicos de
4009 cursos de ps-graduao no Brasil. Visita-
mos as dez cidades brasileiras com o IDH mais
baixo do Brasil, procurando a opinio das pes-
soas que vivem em reas rurais, sofrem muitas
privaes e raramente so escutadas. Fizemos
2
sete audincias pblicas em metrpoles brasilei-
ras de todas as regies (Belo Horizonte, So Paulo,
Belm, Distrito Federal, Porto Alegre, Joo Pessoa
e Rio de Janeiro) para escutar diretamente das
pessoas suas opinies. Recebemos a opinio das
pessoas via mensagens de celular (SMS). Tivemos
o envolvimento de secretarias de educao de
vinte estados que ajudaram com a Brasil Ponto
a Ponto nas escolas. Pedimos tambm a opinio
de consultoras da Natura, espalhadas em 95%
do territrio brasileiro. Isso sem falar, claro, na
consulta aberta via Internet, que se multiplicou
em inmeras entradas em sites de todo o Brasil.
Foram assim vrias consultas que, em conjunto,
resumem a ideia de uma consulta nica.
E cOMO ESSA cOnSULTA FOI USADA?
A consulta foi usada para mostrar o que impor-
tante para as pessoas no Brasil e, assim, ajudar
| 23
na escolha do tema do relatrio. Com o relatrio
estruturado ao redor dos principais temas, espe-
ra-se que seu texto seja mais relevante e de in-
teresse de todos.
nO FInAL DAS cOnTAS, ISSO VAI RESULTAR EM
ALgUMA cOISA?
O grande desafo aceito por esse relatrio
no se tornar mais um documento para tomar
p na estante. Por essa razo que, antes de
entrar na fase tcnica, estatstica, objetiva e for-
mal do relatrio, escutamos a opinio de todos
aqueles que quiseram contribuir. Afnal, a maior
riqueza de um pas o seu povo, sua gente, e
nada mais justo do que construir um relatrio
a partir do que os indivduos pensam e sentem.
Com isso, queremos estabelecer no contexto
desse relatrio o incio de uma parceria do PNUD
com cada indivduo que se interessa em ter uma
vida melhor de verdade: o PNUD estudou os
temas sugeridos pela consulta e devolve nesse
relatrio uma anlise dos mesmos, em uma lin-
BRASIL POnTO A POnTO: O ARgUMEnTO
a campanha tambm visou
a estimular o debate em todo
o pas sobre o que precisa ser
mudado no Brasil para
melhorar a vida das pessoas.
a partir desse debate, foi
feita a escolha do tema do
rdh 2009/2010, que
relatada neste caderno.
guagem que procura ser clara, concreta, falando
dos problemas e solues com o desejo de v-las
postas em prtica. E pede a cada pessoa que leia
esse relatrio que faa o seu melhor para colocar
a mo na massa, para aplicar no seu dia a dia,
na sua escola, na sua vizinhana, na sua comuni-
dade a informao que apresentada ao longo
dos vrios captulos desse relatrio.
Sabemos que somente com a participao
contnua de todos os interessados na busca de
solues para nossos principais problemas que
podemos mudar a realidade que nos oprime.
Sabemos que isso pode parecer utpico, mas
acre-ditamos que cada pessoa tem o poder de
contribuir para a construo de um pas mais
justo, atravs de suas atividades e escolhas
dirias. A atitude e compromisso de quem se
sentir parte desse projeto a nica promessa de
mudana concreta que todos ns temos. Com
cada um fazendo a sua parte (governo, empre-
sas, famlias etc.), pode-se fazer desse relatrio
um instrumento til para uma vida melhor.
Cada um sabe da sua vida
e tem um ponto de vista
24 PARTE 1 | Brasil Ponto a Ponto: consulta pblica
to a primeira fase da consulta teve um carter
mais qualitativo, a segunda fase foi mais cen-
trada na compilao quantitativa das milhares
de respostas recebidas.
No quarto captulo discute-se a estratgia
de comunicao montada para a Campanha
Brasil Ponto a Ponto, com algumas ponder-
aes sobre o papel da comunicao para
o desenvolvimento humano. Logo aps,
no quinto captulo, trata-se da im-
portncia da construo de par-
cerias para o sucesso dessa em-
preitada. Por fm, no sexto captulo,
examinam-se os fundamentos teri-
cos que embasaram a organizao da
campanha. L so explicadas algumas mo-
tivaes e justifcativas para as estratgias
escolhidas, fundamentadas na metodologia
utilizada. Conclui-se esta parte com algumas
observaes fnais.
O grande pano de fundo do relatrio e deste
primeiro conjunto de captulos uma viso de
desenvolvimento mais participativa, mais inclu-
siva, mais prxima das ideias de razo pblica e
comunicao que conduzam a questes sobre
transformao do conhecimento em mudanas
comportamentais. Uma reviso dos principais
resultados da campanha sob este vis pode ofe-
recer uma perspectiva diferenciada de desen-
volvimento mais centrada nos indivduos, menos
repetitiva em relao aos paradigmas passados
e mais pragmtica e concreta, que consiga es-
timular e mobilizar o interesse da populao e
dos governos na soluo de srios problemas
que entravam o desenvolvimento humano no
nosso pas.
O objetivo desta primeira parte apenas
explicar o processo de consulta, apresentar sua
justifcativa, mostrar o que foi feito e falar dos
resultados, para que, com isso, de modo concreto
e transparente, possamos avaliar os demais con-
tedos do relatrio como parte de um processo
de construo de solues para os problemas
apontados.
3
A primeira parte desse relatrio relata a ex-
perincia da Campanha Brasil Ponto a Ponto. Ela
est dividida em seis captulos. O primeiro expli-
ca como a consulta foi feita, tratando do modelo
de trabalho e das estratgias utilizadas.
No segundo captulo apresentamos as con-
cluses obtidas durante a primeira fase da con-
sulta e detalhamos os principais resultados das
visitas aos municpios de pior IDH do pas, por se
tratar de uma atividade nica com o uso de tc-
nicas participativas para escutar a voz daquelas
populaes que so raramente ouvidas na maior
parte das pesquisas.
No terceiro captulo tratamos os resultados
obtidos durante a segunda fase da consulta, jun-
to a uma refexo sobre seu signifcado. Enquan-
Sobre a primeira parte
| 25
Entendendo o
processo de consulta
1
26 PARTE 1 | Brasil Ponto a Ponto: consulta pblica
oS FuNDAmENToS DA CoNSulTA:
moDEloS E ESTrATGiAS
A Campanha Brasil Ponto a Ponto nasceu
como resultado de um trabalho que se props
a inovar na maneira de consultar as pessoas.
A campanha assumiu caractersticas distintas
e estratgias at ento inditas, que possibili-
taram uma ampla participao da populao no
debate para defnio do tema do relatrio.
A conformao fnal alcanada pela estrat-
gia de consulta pblica do RDH brasileiro, no en-
tanto, no estava pr-defnida. Como todo pro-
cesso inovador, esta consulta foi continuamente
adaptada e aperfeioada ao longo do desenvol-
vimento dos trabalhos, a partir das novas parce-
rias e necessidades identifcadas. Ou seja, como
muitas questes a serem resolvidas surgiram no
decorrer do trabalho, vivemos uma situao em
que os trilhos tiveram que ser postos com o trem
j em andamento.
O trabalho de gesto gerou lies que foram
amadurecidas durante o processo, culminando
com a tabulao dos resultados da campanha.
No que segue, apresentamos um relato analtico
sobre a experincia da consulta e de seu impacto
sobre a estruturao do RDH. Esse registro visa a
compartilhar as lies aprendidas na implemen-
tao dessa nova estratgia de consulta, bem
como a oferecer subsdios a futuros trabalhos de
consulta pblica que pretendam uma abrangn-
cia semelhante alcanada no caso brasileiro.
EVOLUO DA PROPOSTA DA cOnSULTA
A abertura de espaos para um debate
democrtico uma funo importante de um
Relatrio de Desenvolvimento Humano. Isso sig-
nifca que o processo de consulta deve contem-
plar diversas opinies e mesmo pontos de vista
divergentes. Nesse sentido, a consulta pode e
deve ser mais do que um instrumento de mera
obteno de legitimidade do relatrio, tendo o po-
tencial para ser usada como uma oportunidade
de cons truo refexiva de questes nacionais.
As diretrizes para Relatrios de Desenvolvi-
mento Humano Nacionais do PNUD
3
que ori-
entam a metodologia para defnio dos temas,
bem como todo o processo de redao e dissemi-
nao desses relatrios privilegiam a aplicao
de estratgias participativas para a escolha do
tema a ser abordado em um RDH Nacional.
As diretrizes internacionais para elaborao
de RDHs dividem-se em dois grandes blocos:
1. Padres mnimos de consulta: O documento
defne princpios bsicos para a ela borao de
um relatrio. Dentre esses princpios, so men-
cionados: i) apropriao pelos cidados do pas
ou regio qual o relatrio se refere; ii) elabora-
o participativa; iii) independncia de anlise;
iv) qualidade da anlise; v) criatividade na apre-
sentao e; vi) acompanhamento dos resultados.
sugerida ainda uma estrutura mnima de co-
mits tcnicos e de consulta para a elaborao
participativa e acompanhamento dos relatrios.
2. Boas prticas: os padres mnimos defnidos
devem ser seguidos em todos os relatrios. A
forma de implementar tais padres, entretanto,
ser defnida pela equipe responsvel por cada
relatrio. Para facilitar e inspirar o trabalho das
equipes coordenadoras, o documento traz exem-
plos e sugestes de boas prticas de participa-
o j realizadas em vrias localidades no mun-
do. As boas prticas apresentadas sugerem a
incluso de grupos marginalizados no processo
de consulta, a conduo de pesquisas produzin-
do dados primrios com base amostral, o uso de
tcnicas participativas e promoo de debates
pblicos, entre outras iniciativas.
No entanto, o formato especfco de consulta
a ser seguido pode ser defnido pelas equipes
nacionais de coordenao dos relatrios, a partir
do contexto de cada pas. O processo de consulta
pode, assim, assumir diversos formatos, que po-
| 27
dem diferir quanto abrangncia da consulta e,
consequentemente, quanto s estratgias de co-
municao e disseminao adotadas.
Neste relatrio, a metodologia de consulta
foi aprimorada ao longo de todo o seu processo
de implementao. Esse processo de evoluo
meto dolgica est aqui registrado.
Em linhas gerais podemos classifcar a
evoluo da proposta de consulta desenvolvida
por esse relatrio em duas etapas:
Etapa 1 Modelo Tradicional;
Etapa 2 Modelo Ampliado.
1. MODELO TRADIcIOnAL DE cOnSULTA
O Modelo Tradicional o modelo dos padres
mnimos exigidos para que um RDH seja reco-
nhecido como tal. Ele contempla uma consulta
prvia a representantes do governo (no caso
brasileiro, do Governo Fe deral), das diferentes
agncias da ONU atuando no pas, da mdia,
de parceiros do PNUD e da sociedade civil. A es-
tratgia de consulta consiste na convocao de
reunies, divididas por pblico-alvo, nas quais
ocorre o debate sobre os possveis temas do
relatrio. Todo o debate registrado em ata.
A partir da identifcao desses segmentos de
pblico iniciou-se a elaborao de listas de pos-
sveis convidados para cada uma das reunies.
No entanto, ao abordar a ltima das categorias
listadas a sociedade civil a equipe deparou-
se com um pro blema: o que a sociedade civil?
Em ou tras palavras, que nvel de abrangncia se-
ria dado categoria sociedade civil no contex-
to de elaborao do relatrio? A sociedade civil
poderia compreender apenas as instituies or-
ganizadas do terceiro setor, o que j conformaria
um grande universo de consulta. Mas... e se o ter-
mo sociedade civil fosse associado a toda a po-
pulao brasilei ra? Ou seja, se todos os cidados
estivessem potencialmente representados nessa
ltima categoria? Como planejar uma reunio
que tivesse tal alcance e representatividade?
Essa refexo inicial de que o Modelo Tradi-
cional no possibilitaria um amplo alcance e
apropriao do debate por parte da populao
como um todo, aliada convico quanto im-
portncia da promoo de um amplo processo
de consulta para a construo de razo pblica,
guiaram a mudana de uma estratgia tradi-
cional rumo a uma nova estratgia, de ampla
participao, na defnio do tema do relatrio.
Passamos, assim, a considerar os benefcios do
Modelo Ampliado.
2. MODELO AMPLIADO
As boas prticas apresentadas nas diretrizes
para Relatrios de Desenvolvimento Humano
Nacionais do PNUD nos inspiraram a pensar na
lgica dos processos de consulta alm do Model o
Tradicional e a tentar ampliar essas estratgias
para o seu grau mximo. Considerando a exis-
tncia dessas boas prticas, a equipe do RDH
do PNUD Brasil trabalhou no levantamento de
experincias de outros Relatrios de Desen-
volvimento Humano no mundo que pudessem
colaborar para pensar o caso brasileiro. Essas ex-
perincias foram ento consideradas e serviram
de inspirao para a conformao do Modelo
Ampliado, detalhado a seguir.
O Modelo Ampliado, materializado atravs de
um conjunto de estratgias de consulta formu-
ladas ao redor da Campanha Brasil Ponto a Pon-
to, representa uma extenso do Modelo Tradicio-
nal. Percebemos que poderamos ir alm de uma
consulta ao pblico feita atravs de um insti-
tuto de opinio pblica. Estudamos os trabalhos
feitos pelos principais institutos de pesquisa de
opi nio do Brasil e verifcamos respostas recor-
rentes baseadas em amostras que, apesar de
bem selecionadas, envolvem em geral um nme-
ro no superior a 3 mil indivduos. Levamos em
conta uma das mximas do HDR Toolkit (2004,
p. 38), a de que participao tanto um meio de
preparar um relatrio que seja um catalisador
para mudana como um fm em si prpria, e de-
cidimos elaborar um processo de consulta que
fosse no somente amplo mas tambm aberto
(ou seja, sem categorias pr-selecionadas), possi-
28 PARTE 1 | Brasil Ponto a Ponto: consulta pblica
bilitando o aparecimento de novas informaes
que ajudassem a formulao do relatrio.
Dessa forma, para conduzir um processo
completamente aberto, que permitisse alcan ar
a abrangncia pretendida no processo de consul-
ta e considerasse a heterogeneidade do pblico,
foram delineadas estratgias diversifcadas para
alcanar distintos segmentos:
a) Governos: realizao de reunies com ges-
tores pblicos e parceria com a Confederao
Nacional dos Municpios para consulta aos no-
vos gestores municipais;
b) Mdia: realizao de reunies com represen-
tantes de veculos de comunicao, para dissemi-
nao da proposta e consulta sobre sugestes de
tema;
c) Academia: envio de mensagem eletrnica a
todos os cursos de ps-gra duao cadastrados
na base de dados da CAPES/MEC (4009
cursos ao total), convidando professores
a pesquisadores a enviarem sugestes
de temas para o relatrio;
d) Sociedade civil organizada e popu-
lao como um todo: considerando a
amplitude deste ltimo segmento, as
seguintes aes foram estruturadas:
disponibilizao de enquete no site do
PNUD (www.pnud.org.br), para que os
inte ressados pudessem registrar a sua
sugesto de tema;
lanamento do site para a Campanha Brasil
Ponto a Ponto(www.brasilpontoaponto.org.br)
com informaes sobre o processo e espao para
opinio dos internautas;
realizao de audincias pblicas em todas
as regies do pas. Foram realizadas audincias
pblicas em Belo Horizonte/MG (09/10/2008), So
Paulo/SP (10/11/2008), Belm/PA (26/11/2008),
Braslia/DF (27/11/2008), Porto Alegre/RS
(10/12/2008), Joo Pessoa/PB (15/12/2008) e
Rio de Janeiro/RJ (18/12/2008), nas quais par-
ticiparam representantes de governos estaduais,
polticos, sociedade civil etc.;
visita aos 10 municpios de menor ndice de De-
senvolvimento Humano (IDH) do pas (Traipu/
AL, Manari/PE, Guaribas/PI, Carabas do Piau/PI,
Araioses/MA, Santana do Maranho/MA, Lagoa
Grande do Maranho/MA, Centro do Guilherme/
MA, Jordo/AC e Ipixuna/AM), para que a popula-
o desses municpios tambm pudesse opinar;
parcerias, detalhadas ao longo desse caderno,
para ampliar o potencial de alcance da consulta
populao brasileira.
As estratgias mencionadas acima foram
implementadas em duas partes. Na primeira
parte, que compreendeu os meses de setembro a
dezembro de 2008, foram realizadas as reunies
com o governo e mdia; as audincias pblicas; as
visitas aos 10 municpios de pior IDH do Brasil; a
consulta aos cursos de ps-graduao do Brasil de
todas as reas; alm das primeiras consultas via
Internet atravs do site do PNUD (www.pnud.org.
br) e do portal do V2V (www.portaldovoluntario.
org.br). Na segunda parte, realizada do incio de
maro at a metade de abril de 2009, ocorreu a
grande ampliao do processo de consulta, com
a campanha via site Brasil Ponto a Ponto, em
articulao com as demais parcerias.
O processo de consulta foi construdo sobre
dois pilares fundamentais: uma estratgia am-
pla de comunicao e a construo de parce-
rias, como detalhado nas demais partes deste
relatrio. A estratgia de comunicao adotou
um posicionamento pr-ativo, no qual as dife-
rentes mdias contriburam para motivar os indi-
vduos a participarem da campanha. A formao
de uma ampla rede de parceiros possibilitou o
uso de dife rentes instrumentos de comunica-
o e de distintas
contribuies ao pro-
cesso.
| 29
Resultados da primeira
fase da consulta
2
30 PARTE 1 | Brasil Ponto a Ponto: consulta pblica
A consulta foi aberta: no havia uma lista
prvia de categorias a partir da qual as pessoas
deve-riam fazer sua escolha. Em outras palavras,
as pessoas puderam responder livremente o que
deveria ser mudado no Brasil para que a vida
delas melhorasse de verdade. Essa metodologia
deu origem a uma grande riqueza de informa-
es sobre a vida e opinies das pessoas. im-
portante notar que a grande maioria das pes-
soas no se focou em apenas um tema, mas ao
invs, tratou de vrios temas simultaneamente.
Alm do desafo de desenvolver uma meto-
dologia para transformar essa informao quali-
tativa em quantitativa, para que pudssemos
sistematizar e comparar as vises de diferentes
pessoas, precisou-se lidar com vises integradas,
nas quais as pessoas relacionavam vrios temas
ao mesmo tempo. Com isso, os temas foram sub-
divididos em temas setoriais (educao, sade,
violncia etc.) e em temas transversais (que so
aqueles temas comuns a vrios assuntos ou
setores, como valores, desigualdade etc.).
A necessidade de quantifcar os resultados
deveu-se ao grande nmero de respostas recebi-
das. Por mais que uma pessoa pudesse se dedi-
car inteiramente leitura das respostas, ela no
poderia extrapolar o pequeno universo do qual
daria conta. Elaborou-se um conjunto de regras
(ver Anexo 1 para uma viso detalhada da clas-
sifcao utilizada) para escrita das palavras que
melhor revelassem o signifcado atribudo nas
respostas. A partir dessa lista preliminar, iniciou-
se um processo de discusso dentro da equipe
CriTrioS DE ClASSiFiCAo DAS rESPoSTAS
A consulta aberta ao pblico teve dois momentos. No primeiro momento, principalmente durante os
meses de novembro e dezembro de 2008, foram feitos quatro conjuntos de atividades, comeando pe-
las reunies de consulta mais formal em Braslia (dentro do modelo tradicional) at as visitas aos mu-
nicpios de menor IDH do pas. O nmero total de pessoas ouvidas nessas atividades foi de aproxima-
damente 2.500. Esse nmero, apesar de pequeno quantitativamente, foi muito importante em termos
qualitativos, pois possibilitou uma articulao das primeiras ideias e formatos do RDH.
do relatrio, para o refnamento das categorias, e
uma primeira nota tcnica, com a defnio das
categorias de respostas mais frequentes, foi es-
crita.
Esse trabalho de classifcao das respostas
somente foi possvel com a parceria de um
conjunto de universidades, incluindo a Pontifcia
Universidade Catlica do Rio Grande do Sul
(PPGE/PUCRS), a Universidade Presbiteriana
Mackenzie (Departamento de Economia/
SP), a Universidade Federal de Minas Gerais
(CEDEPLAR/UFMG), a Universidade Jorge Amado
(Departamento de Relaes Internacionais/BA), e
a FIB (Departamento de Direito Belo Horizonte/
MG), mais um conjunto de universitrios da
Universidade de Braslia (vrias reas/DF), da
Universidade Catlica de Braslia (UCB/DF) e
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS), alm de um conjunto de profssionais,
incluindo voluntrios dentro do prprio PNUD,
que ajudaram na tabulao das respostas. Se,
por um lado, a variedade de disciplinas e perfs
dos voluntrios enriqueceu muito a classifcao,
de outro, criou-se um desafo de articular a
contribuio de mais de 160 pessoas.
O mtodo utilizado para a construo de
vises comuns na classifcao das respostas
consistiu de dois instrumentos. O primeiro foi a
criao, para o processamento das respostas, de
uma Intranet em que os voluntrios pudessem
ver em tempo real a evoluo das classifcaes
de todos os demais que estavam ajudando nessa
tarefa. Isso permitiu o uso de expresses mais
| 31
usadas por todos para falar do mesmo fenme-
no, promovendo a convergncia no uso de cate-
gorias. O segundo procedimento foi a elaborao
de vrias Notas Tcnicas at chegar verso fnal
(no Anexo 1). No total, mais de 7 verses foram
produzidas, incorporando comentrios e dis-
tines conceituais que estavam permanente-
mente sendo discutidos medida que se recebia
feedback dos voluntrios.
A essncia do mtodo simples: escrever
de modo direto o que foi dito pelas pessoas. A
maior difculdade encontrada foi referente ao
uso de uma expresso para qualifcar respostas
que de fato incorporavam mltiplas alternati-
vas. Um exemplo: foi comum encontrar pessoas
dizendo que o que tinha que melhorar era a
sade, educao, saneamento, transporte etc..
Nesses casos, poderamos ter desconsiderado
essas respostas pela difculdade de classifcao.
No entanto, reconhecemos que muito frequen-
temente essas respostas se referiam proviso
de bens ou servios pblicos. Quando esses re-
gistros apareceram, utilizamos a expresso pol-
publica para poder utiliz-los. Como ser visto
a seguir, polpublica foi, de fato, uma categoria
bastante utilizada, refetindo certa indefnio
das pessoas sobre o que realmente deveria mu-
dar, mas que revelava certo descontentamento
(e ao mesmo tempo esperana) com a proviso
de bens pblicos.
A caracterstica da multiplicidade de alterna-
tivas em uma mesma resposta mostrou que a
maior preocupao das pessoas no era apenas
setorial: isto , com a sade ou a educao, in-
dependentemente da relao dessas respostas
com outras. Pelo contrrio, a intersetorialidade
ou, em outras palavras, a transversalidade dos
temas foi um aspecto fundamental na escolha
dos temas para o relatrio. Com isso, dividimos os
grupos de temas em dois: os temas setoriais (ou
substantivos) e os intersetoriais (ou transversais).
O respeito caracterstica da intersetorialidade
foi resultado de esse ser um fator constante na
grande maioria das respostas.
AuDiNCiAS PbliCAS
Os principais temas apontados pelos partici-
pantes das audincias esto registrados abaixo.
O relato dos resultados foi dividido em: i) resul-
tados quantitativos, que expressam os temas
mais mencionados pelos participantes nos for-
mulrios respondidos em papel; ii) resultados
qualitativos, que registram um resumo do de-
bate entre os participantes da reunio.
1| Belo Horizonte
A primeira das sete audincias realizadas
para a etapa de consultas do Relatrio de De-
senvolvimento Humano Nacional 2009/2010
foi realizada em Belo Horizonte, como parte do
V Seminrio Internacional Sociedade Inclusiva,
organizado pela Pontifcia Universidade Catli-
ca de Minas Gerais, contando com a participa-
o de mais de 200 pessoas, entre acadmicos e
representantes da sociedade civil. L, a pergunta
utilizada preten dia compreender o que era mais
importante para a vida das pessoas e como elas
projetavam o pas em um futuro prximo, apon-
tando o que poderiam fazer, enquanto cidads,
para evitar os pro-blemas que se tornariam
mais graves em 10 anos, estimulando, assim,
uma refexo sobre o papel que as pessoas pode-
riam ter na construo do pas que queriam. No
entanto, observou-se que dividir a pergunta uti-
lizada sobre o que se precisaria mudar para dar
uma melhorada e o que se precisaria mudar
para melhorar de verdade no levou a diferen-
as de resposta. Na maioria dos casos, as pessoas
no conseguiram diferenciar estas dimenses.
A temtica da educao foi a que mais
apareceu nas respostas ao questionrio aplicado
em Belo Horizonte. Entretanto, raramente
apareceu sozinha, vindo, geralmente, como
uma soluo aos problemas de desemprego,
baixos salrios, violncia, consumo de drogas
e desrespeito ao meio ambiente. Essa ligao
direta entre os diversos temas apresentados
constituiu-se como a maior difculdade na
32 PARTE 1 | Brasil Ponto a Ponto: consulta pblica
classifcao dos dados obtidos. Por outro lado,
foi o seu maior mrito. Percebeu-se que a viso
das pessoas muito mais sistmica do que
setorial. Pode-se assim dizer que a difculdade de
hierarquizao de problemas, que acabou sendo
uma marca constante das respostas recebidas
pela Campanha Brasil Ponto a Ponto, coexistiu
com uma tentativa dos indivduos de mostrarem
as principais relaes entre os dife rentes temas.
Resultados Qualitativos
Nessa audincia pblica, durante o processo
de debate entre os participantes, a qualidade de
ensino foi apontada como a principal causa dos
problemas enfrentados pelas pessoas no Brasil.
Segundo eles, uma educao de qualidade pode-
ria aumentar o nvel de renda e, acima de tudo,
contribuir para uma maior conscientizao da
populao brasi leira de modo a garantir um voto
mais acertado, o que levaria a melhores polticas
pblicas. Tais aes seriam diretamente respon-
sveis por melhorias na sade e pela diminuio
da violncia, seja ela urbana ou domstica. O
aparecimento da questo do meio ambiente se
fez muito como resposta a uma agenda de aes
educativas voltadas manuteno de forestas,
ao correto tratamento de resduos slidos e ao
Belo Horizonte
Os trs temas mais
citados nos formulrios
respondidos durante a
audincia pblica foram:
Foram ainda bastante citados
o tema das polticas pblicas
(8,3%) e dos valores (4,4%).
1
15,5%
14,4%
11,0%
2
3
Educao
Desigualdade
Emprego
MG
no desperdcio da gua.
Outra questo, ligada educao pelos par-
ticipantes da audincia, foi o exerccio da cida-
dania e a humanizao das pessoas, atravs
da construo de uma escola mais inclusiva e
voltada para o ensino de valores ticos, morais e
humanistas, que contribuiriam para diminuir a
desigualdade detectada no pas (educao essa
denominada educao cvica). Essa preocupao
foi tambm relacionada a um enfraquecimento
de instituies tradicionais, como a famlia, ou
a um distanciamento crescente dos jovens da
Igreja. Apenas a ttulo de registro, vale destacar
que a lembrana dessa faceta da educao foi
extremamente presente tambm nas demais
audincias realizadas.
2| So Paulo
A segunda audincia pblica foi realizada em
So Paulo, fruto de uma parceria, com o Governo
do Estado e com a Prefeitura de So Paulo, que
ajudou na mobilizao dos participantes. Essa
audincia se benefciou de uma alta densidade
de redes sociais atuantes na cidade, o que garan-
tiu um pblico de aproximadamente 100 pes-
soas, com representantes do governo estadual e
municipal, Academia, sociedade civil e polticos.
Quanto pergunta utilizada, optou-se por sim-
plifcar a usada em Belo Horizonte (eliminando
a questo sobre o principal problema em 10
anos), deixando somente: O que precisa mudar
no Brasil para a sua vida dar uma melhorada? E
para melhorar de verdade? Com isso a ideia era
estimular uma refexo nas pessoas, baseada na
sugesto de diferentes graus de importncia en-
tre os temas. No entanto, o que se viu foi que as
pessoas perceberam a distino entre uma me-
lhorada e melhorar de verdade com critrios
variados. Um deles foi a diferena entre o que era
bom para o indivduo versus o que era bom para
a sociedade.
Depois desse encontro fcou clara a necessi-
dade de se pensar em uma pergunta que levasse
a res postas em que os respondentes atribussem
| 33
3| Belm
Para a audincia de Belm, j estavam claros
todos os desafos tcnicos surgidos na realizao
de uma consulta aberta no formato proposto
pela Campanha Brasil Ponto a Ponto. Os princi-
pais desafos foram: i) inferir das respostas dos
participantes o que era mais importante para
eles; ii) lidar com diferentes quantidades de
temas apresentados em cada resposta; iii) fazer
com que as pessoas se engajassem questo
a partir de suas experincias de vida, vises de
mundo etc.; iv) entender as razes para as es-
colhas dos participantes e; v) buscar a transver-
salidade dos temas (isto , o que eles tinham em
comum).
Para tentar descobrir o que era mais impor-
tante para os participantes da audincia pblica
de Belm, pediu-se que os 25 participantes desse
encontro (representantes do governo local, Aca-
demia e sociedade civil) hierarquizassem suas
escolhas, apontando trs problemas, em ordem
de importncia e explicando o porqu de suas
opes. Esta experincia gerou resultados posi-
tivos. No entanto, outras difculdades surgiram
posteriormente, na tabulao e interpretao
das respostas, principalmente em relao pon-
hierarquia s suas prioridades, defnindo o que
mais importante. Nessa tentativa, pensou-se em
pedir s pessoas que escolhessem at trs coi-
sas e listassem em ordem de importncia. Essa
forma de perguntar foi posteriormente testada
em Belm.
Resultados Qualitativos
Os temas que mais apareceram durante o
debate nessa audincia foram desigualdade de
acesso e de oportunidades, violncia e falta de
convivncia entre as pessoas e a necessidade
de uma educao cvica. Em outras palavras,
apareceu uma reclamao consistente falta
de uma educao voltada ao ensino de valores
ticos, solidariedade, cidadania, convivncia etc.
sugerindo a a causa de termos no Brasil tanta
violncia, desigualdade, corrupo, incompreen-
so social etc. Para resolver esse problema, as
pessoas apontaram para a necessidade de polti-
cas pblicas voltadas a essas reas. No entanto, a
soluo apontada no pareceu estar endereada
ao problema identifcado pelo grupo: falncia
dos valores da sociedade e a busca pelo que cada
cidado pode fazer pelo outro.
So Paulo
Os trs temas mais
citados nos formulrios
respondidos durante a
audincia pblica foram:
O tema dos valores apareceu
em cerca de 3,8% dos
formulrios respondidos
1
22,7%
16,0%
13,2%
2
3
Desigualdade
Polticas
pblicas
Educao
SP
Belm
Os trs temas mais
citados nos formulrios
respondidos durante a
audincia pblica foram:
1
28,6%
14,3%
2
Liberdade de
ir e vir e violncia
(empatados)
Polticas
pblicas, sade,
valores e desigualdade
de renda (empatados)
No houve um terceiro
tema com grande nmero
de registros
PA
34 PARTE 1 | Brasil Ponto a Ponto: consulta pblica
derao dessas esco lhas hierarquizadas, razo
pela qual essa metodologia foi abandonada
(pelo menos dentro desse estudo, mas poderia
ser me lhor explorada em estudos futuros da
mesma natureza).
Testou-se tambm a aplicao de duas per-
guntas diferentes: uma sugerindo uma anlise
individual e outra uma anlise coletiva. Entretan-
to, em geral, as pessoas tenderam a elaborar an-
lises mais coletivas, colocando-se no lugar das
pessoas mais necessitadas, no diferenciando o
critrio proposto.
Resultados Qualitativos
Os principais resultados dos debates durante
a audincia pblica de Belm foram:
a) Segurana pblica: A questo da violncia
foi bastante destacada. A insegurana, que afeta
o direito de ir e vir dos cidados, amedrontados
com a possibilidade de sofrerem agresses em
seus momentos de lazer, apareceu em diversos
discursos;
b) Educao cvica: O entendimento de que a
educao deve ser pensada de forma mais am-
pla, incluindo a importncia do aprendizado de
valores ticos, de respeito ao outro e de uma ver-
dadeira humani zao dos processos de apren-
dizado des pontou como um tema transversal
em vrias audincia. Belm no foi exceo: essa
questo apareceu em vrias falas, sendo inclu-
sive apontada como soluo para diversas ma-
zelas vividas hoje em nosso pas, como violncia
e corrupo;
c) Meio ambiente e saneamento bsico: Em
Belm, a sujeira das ruas, a poluio e a preocu-
pao com o saneamento bsico, tanto em zonas
urbanas quanto rurais, foi um tema recorrente.
4| Braslia
A audincia pblica de Braslia seguiu o mes-
mo formato da audincia de So Paulo, pois como
foi realizada apenas um dia aps a de Belm, ai-
nda no tinha sido possvel comparar os diferen-
tes modelos testados. Nesse encontro, fcou con-
solidada a noo de que a pergunta que vinha
sendo feita, separada em duas partes (diferena
entre uma melhorada e melhorar de verdade),
no estava rendendo os melhores resultados.
Do mesmo modo, a soluo alternativa tentada
em Belm, de pedir para que as pessoas hierar-
quizassem suas respostas, trouxe problemas de
ponderao de difcil soluo. Por esses motivos,
optou-se por manter uma pergunta nica e pe-
dir aos trinta representantes que compareceram
(secretrios de governo local e representantes de
entidades civis) a esse encontro que fzessem um
esforo de apontar um nico tema, de modo a
criar nelas um estmulo refexo sobre qual o
principal problema nas suas vidas. Desta forma,
optou-se por uma mudana de estratgia e, nas
trs cidades que se seguiram, usou-se a mesma
pergunta, buscando-se tambm o estabeleci-
mento de um denominador comum.
Resultados Qualitativos
Em termos qualitativos, em Braslia, o tema
trabalho recebeu maior destaque durante o
debate do que nas outras cidades. Alm disso,
muitas pessoas falaram em educao, educao
cvica e segurana. Quanto ao tema do trabalho,
a temtica do desemprego e da falta de qualifca-
o profssional esteve bastante presente nos dis-
cursos dos participantes. A proviso de servios
pblicos foi vista como uma fonte importante de
Braslia
Os trs temas mais
citados nos formulrios
respondidos durante a
audincia pblica foram:
1
32%
24%
12%
2
3
Polticas
pblicas
Educao
Emprego
DF
| 35
6| Porto Alegre
Em Porto Alegre, a audincia aconteceu no
escopo do Seminrio de Desenvolvimento Hu-
mano de Porto Alegre, promovido pela Prefei-
tura da Cidade. A mdia, atravs do sistema RBS
de rdio, TV e jornais, teve um importante papel
mobilizador, ao fazer ampla cobertura do evento
nos dias anteriores, o que trouxe mais de 250
pessoas ao evento, entre polticos, secretrios do
governo local, acadmicos e representantes de
organizaes civis. Um parceiro importante foi
a Agenda 2020, que conseguiu mobilizar para o
evento representantes de outras cidades do es-
tado. Por todas essas razes, o pblico que aten-
deu audincia na cidade foi bastante diverso e
representativo, contribuindo, assim, para a quali-
dade das discusses ali levantadas.
Resultados Qualitativos
A educao e o meio ambiente apareceram
como os principais problemas que afetam a vida
das pessoas. A educao foi citada em vrios sen-
tidos, sendo apontada tanto como soluo quan-
to como causa para esses problemas. A falta de
edu cao seria um fator chave para o aumento
das desigualdades e, consequentemente, de vio-
lncia, na viso das pessoas. Por outro lado, a me-
gerao de emprego e renda populao.
Outra questo que cumpre destacar em Bra-
slia foi o aparecimento da ideia de impunidade
como algo que fomenta a corrupo e a violncia.
Segundo alguns participantes dessa audincia,
o sentimento de impunidade, em larga medida,
faz com que as pessoas no respeitem as leis do
pas, aumentando, assim, o sentimento de inse-
gurana da populao com um todo. A educao
apareceu como uma possvel soluo para esse
problema, posto que geraria polticas mais efca-
zes de fscalizao e controle.
5| Joo Pessoa
Em Joo Pessoa, como nas demais audin-
cias, tivemos uma discusso com novos elemen-
tos qualitativos que apareceram por ocasio da
fala das 40 pessoas (representantes do governo
local e da sociedade civil) que participaram do
encontro. Em particular, percebeu-se uma maior
interao entre os participantes em suas falas.
Inclusive, pde-se perceber que essa interao
entre os participantes gerou at uma reavalia-
o completa das respostas de algumas pessoas,
que afrmaram no terem percebido antes a im-
portncia relativa de alguns temas at que eles
fossem levantados por outras pessoas.
Resultados Qualitativos
O debate versou principalmente sobre te-
mas como educao, cidadania e violncia. O
inte ressante que a falta de acesso educao
e cidadania, apontados como principais fa-
tores de desigualdade, apareceram associados,
na mesma fala, na maioria das vezes. Cabe no-
tar que o pblico dessa audincia cobrou uma
maior participao da populao nos debates
polticos. Para eles, preciso maior autonomia e
compreenso social para se atingir uma gesto
pblica tica com igualdade social. Por fm, cabe
destacar que a violncia e o desrespeito aos direi-
tos humanos apareceram em vrias falas. Isso
interessante porque Joo Pessoa uma cidade
pequena, onde os ndices de violncia so baixos
em comparao a outras cidades do pas.
Joo Pessoa
Os trs temas mais
citados nos formulrios
respondidos durante a
audincia pblica foram:
1
38%
11,9%
9,5%
2
3
Educao
Polticas
pblicas
Educao para
valores e desigualdade
de renda
PB
36 PARTE 1 | Brasil Ponto a Ponto: consulta pblica
talvez foi o fato de a violncia no ter aparecido
como principal questo no Rio de Janeiro, lugar
onde se noticia muitos crimes, roubos etc. L,
como na maioria das outras audincias, os temas
que mais apareceram nos discursos dos partici-
pantes foram: educao de valores, desigualdade
e, somente ento, segurana pblica. Para mui-
tos dos participantes, a desigualdade (de tica,
cultural etc.) tem profundos impactos nos va-
lores sociais.
lhoria da qualidade da educao foi vista como
o principal instrumento para o desenvolvimento
da cidadania, posto que, como afrmado por um
participante, no adianta discutir poltica se a
pessoa no tem condies de entender o que
esta sendo discutido. S com pessoas educadas
pode-se almejar uma melhoria na gesto do
pas. Ali s, esse entendimento de que a educa-
o pode ajudar os cidados a se tornarem pes-
soas mais conscientes de seu papel poltico e so-
cial um tema que se destacou nesta primeira
fase do processo de consulta. Em Porto Alegre,
especifcamente, surgiu um novo termo para o
que se decidiu chamar de compreenso social
urbanidade: o ser humano precisa ter mais
respeito a si prprio e ao prximo. A vida em so-
ciedade exige relao e precisa de amor para se
equilibrar, nas palavras de um participante.
Rio de Janeiro
Os trs temas mais
citados nos formulrios
respondidos durante a
audincia pblica foram:
1
23,1%
15,4%
7,7%
2
3
Educao
Corrupo
Polticas pblicas,
gesto tica,
distribuio de renda
e desigualdade
(empatados)
RJ
Porto Alegre
Os trs temas mais
citados nos formulrios
respondidos durante a
audincia pblica foram:
O tema da violncia aparece em
quarto lugar, com 7,4%; e o tema
dos valores aparece com 5,5%.
1
25,8%
12,9%
8,6%
2
3
Educao
Polticas
pblicas
Desigualdade
RS
Resultados Qualitativos
Uma grande nfase foi dada nessa audin-
cia educao voltada para valores como tica,
solidariedade e compreenso social (com relao
ao meio e aos outros), que seriam a base para a
construo de uma sociedade mais justa e igua-
litria, em que a corrupo (pessoal e institucio-
nal) seria controlada. Alis, essa viso de que a
sociedade brasileira corrupta, inclusive no pla-
no pessoal, foi outra questo interessante que
surgiu em vrias das audincias. As difculdades
da burocracia foram apontadas por alguns como
as causas de uma postura que defende o uso do
jeitinho brasileiro para a resoluo dos confi-
tos interpessoais e com o governo.
7| Rio de Janeiro
A ltima audincia desta etapa da consulta
foi realizada no Rio de Janeiro, onde comparece-
ram trinta pessoas. A discusso consolidou al-
gumas percepes que surgiram nas primeiras
audincias sobre a importncia de tpicos como
valores, educao e cidadania. O surpreendente
| 37
audincias pblicas que as pessoas apontaram
para a necessidade de uma educao mais vol-
tada para a noo de valores a fm de se diminuir
os principais problemas (violncia, desigualdade,
corrupo etc.), destacando ainda que uma edu-
cao nesse sentido seria derivada de polticas
pblicas mais efcazes e de uma gesto pblica
mais tica. Outro ponto interessante diz respeito
ao aparecimento do tema da violncia tambm
em cidades menores, onde os ndices ofciais de
violncia so baixos (como Belm e Joo Pessoa),
o que destaca a nfase dada ao tema da insegu-
rana e da violncia proveniente de pequenos
confitos interpessoais cotidianos.
Deste modo, o contraste entre os resulta-
dos quantitativos e qualitativos das audincias
pblicas apontou alguns caminhos interes-
santes para a escolha do tema do relatrio: mais
do que uma lista de assuntos mais mencionados
pelos participantes, a anlise do debate realizado
permitiu a percepo do sentido atribudo pelas
pessoas a alguns temas e seus elos. Ou seja, a
anlise qualitativa das audincias foi impor-
tante para um entendimento mais amplo das
ligaes que as pessoas fazem entre problemas
e solues.
Cidade Tema 1 Tema 2 Tema 3
Belo Horizonte Educao Qualidade da
educao
Valores
So Paulo Desigualdade Violncia Educao cvica
Belm Violncia Educao cvica Meio ambiente e
saneamento
Braslia Trabalho Educao e
Educao cvica
Violncia
Joo Pessoa Educao Cidadania Violncia
Porto Alegre Educao Meio ambiente Educao cvica
Rio de Janeiro Educao cvica Desigualdade Violncia
A educao foi o tema setorial mais mencio-
nado nos formulrios respondidos pelos par-
ticipantes das audincias. A liberdade de ir e vir,
bastante relacionada questo da violncia e
insegurana, juntamente com as polticas pbli-
cas e a desigualdade, tambm apareceram em
destaque.
A tabela 2.1 resume os temas mais citados du-
rante os debates nas audincias pblicas
Ao compararmos os resultados quantitativos
e qualitativos das audincias, observou-se uma
coincidncia no tema educao, que mencio-
nado majoritariamente tanto nos formulrios
como nos debates. No entanto, no h coin-
cidncia absoluta quanto aos outros temas mais
mencionados. A questo da violncia, por exem-
plo, no aparece de forma to destacada nos for-
mulrios respondidos. Esta, no entanto, est for-
temente presente durante os debates. possvel
perceber tambm um destaque para o tema da
educao de valores, que aponta para um sen-
tido especial dado pelos participantes ao tema:
a educao percebida como um instrumento
de promoo de convivncia e respeito ao espao
pblico e ao prximo.
Assim, o que se observou de comum nas
Tabela 2.1 Temas qualitativos
38 PARTE 1 | Brasil Ponto a Ponto: consulta pblica
CoNSulTA A GESTorES
GovErNAmENTAiS
Como parte do processo de consulta, foi
reali-zada reunio com representantes das di-
versas pastas ministeriais do Governo Federal.
Foram enviados convites a todos os Ministrios
e Secre tarias Especiais e, destes, 17 estiveram
representados na reunio. Durante o encontro,
foram propostas duas questes para debate:
1) Quais so os principais problemas do pas?
2) Quais so os melhores temas para o prxi-
mo RDH?
Os temas mais citados durante a reunio
foram direitos e deveres (mencionado por 5
participantes), desigualdade (mencionado por
4 participantes), polticas pblicas, com nfase
em intersetorialidade e articulao de polticas
pblicas (mencionado por 3 participantes), edu-
cao (mencionado por 2 participantes).
interessante observar a grande sobre-
posio existente entre as discusses tidas
durante as audincias pblicas e as principais
anlises fei tas durante essa reunio. O nico el-
emento diferenciador deu-se mais no nvel de
um tema transversal (a questo dos direitos e
deveres) do que em um dos temas substantivos.
Deve-se notar tambm o reconhecimento de
que muitos problemas tm carter intersetorial
e, como tal no, podem ser resolvidos com polti-
cas isoladas.
CoNSulTA ACADmiCA
A academia tambm foi convidada a par-
ticipar do processo, indicando um tema para o
relatrio e justifcando o porqu da importncia
desse tema. Para essa etapa, foram enviados e-
mails aos 4009 cursos de ps-graduao regis-
trados no site da CAPES. A ideia era saber dos
pesquisadores o que vem sendo produzido no
Brasil e o que deveria ser olhado com maior at-
eno, quando da formulao de polticas pbli-
cas, estabelecendo um dilogo com pessoas que
vm pensando nos temas de um ponto de vista
cientfco e estratgico para o pas.
Entretanto, o nmero de respostas no foi
muito grande (apenas 182), em relao a todo
universo possvel, ainda que o prazo para envio
tenha sido prorrogado em um ms alm do pre-
visto. A tendncia geral foi a de que os professo-
res falassem de suas pesquisas, sem relacion-las
com os grandes problemas do pas. Apesar disso,
muitas sugestes interessantes apareceram.
Quanto aos resultados, em termos qualitati-
vos, os temas que mais apareceram na consulta
acadmica foram: meio ambiente (10,9%), edu-
cao (9,3%), polticas pblicas (6,6%), trabalho
(5,5%) e qualidade de vida (5,5%).
iNTErNET
A primeira fase da consulta pblica contou
ainda com uma enquete no site do PNUD (www.
pnud.org.br). A enquete foi respondida por cerca
de 700 pessoas, que apontaram como principais
temas a educao (15,4%), a desigualdade (10,7%),
o meio ambiente (8,8%) e a violncia (5%).
viSiTAS AoS muNiCPioS DE
iDH mAiS bAixo Do PAS
A pergunta chave da consulta foi abordada
de diferentes ngulos durante a visita aos 10
municpios de pior IDH do pas. Sempre que pos-
svel, buscou-se dos entrevistados uma anlise
mais profunda, priorizando e elaborando os
temas que seriam, na opinio deles, mais impor-
tantes. Alm das perguntas, foi pedido tambm
aos entrevistados que identifcassem trs locais
crticos e trs locais de orgulho na sua cidade.
Essas questes procuraram avaliar de uma ma-
neira mais direta o meio em que os entrevista-
dos viviam e as caractersticas de seus povoados.
Foram feitas dez entrevistas por municpio, che-
| 39
gando-se ao total de 100 entrevistas. Alm des-
sas entrevistas, foram feitos grupos focais em
que os participantes identifcaram e priorizaram
problemas e solues. Foram feitos dois grupos
focais de discusso por municpio. A quantidade
de participantes nos grupos variou de 6 a 34,
com o total de participantes nos vinte grupos,
chegando a 230 pessoas. Contando com as entre-
vistas, tivemos uma consulta que envolveu 320
moradores dos 10 municpios com o menor IDH
do Brasil.
Atravs de uma anlise dos dados levantados
foi possvel agrup-los em temas, identifcando
os mais abordados pelas entrevistas e grupos de
discusso. Nas entrevistas individuais, o tema
mais citado foi a gerao de renda. Nos grupos
de discusso, os temas identifcados com maior
frequncia foram sade, educao e infraestru-
tura. Os temas relacionados sade e educao
trataram prioritariamente da falta de acesso a
servios oferecidos por postos de sade e esco-
las. Sobre a falta de infraestrutura, nfase espe-
cial foi dada s defcincias em termos de malha
rodoviria e acesso eletricidade e gua, tanto
para consumo domstico como para irrigao e
criao de animais.
Quando se tratou dos obstculos para a im-
plementao das solues, o maior desses foi a
governana. Em particular, os participantes do
grupo mencionaram tanto a falta de interesse e
competncia do poder pblico como a limitada
capacidade de mobilizao das comunidades
onde eles vivem, como barreiras para a imple-
mentao das solues propostas.
O relatrio preparado pelos consultores do
PNUD que visitaram esses municpios detalha
por localidade a ampla gama de problemas vivi-
dos por essas populaes. Por exemplo, mostra
como nos povoados de P da Serra e Stios Baixa
(em Manari/PE, com um IDH de 0.467) o acesso
gua foi a prioridade identifcada pelos seus mo-
radores. A falta de gua, em uma regio que ca-
rece de infraestrutura, difculta o cultivo agrcola
e torna o dia a dia massacrante para as pessoas,
devido necessidade de terem de ir diariamente
coletar gua no poo mais prximo. As ruas de
acesso so de areia e esburacadas, impedindo a
chegada de carros pequenos. Por outro lado, no
Bairro Sueiro Sales (em Jordo/AC, com um IDH
de 0.475), que recebeu imigrantes depois da que-
bra dos seringais de 1993, quando a borracha
local j no conseguiu competir internacional-
mente, encontramos uma grande demanda por
moradia e alternativas de gerao de renda.
Na Aldeia Acon (em Traipu/AL, com um IDH
de 0.479), onde a populao de origem indge-
na, apareceu nas entrevistas um forte sentimen-
to de opresso das mulheres, mostrando que os
problemas afetados pelas populaes que vivem
em lugares de desenvolvimento humano mais
baixo no se restringem a problemas de falta
de recursos (gua, energia, comida etc.), mas
tambm de relaes humanas. No povoado de
Brejo (em Guaribas/PI, com um IDH de 0.479),
os entrevistados relataram problemas tanto de
falta de gua como de violncia domstica e al-
coolismo. A combinao de mltiplas privaes
como caracterstica dos nveis mais baixos de de-
senvolvimento humano foi tambm encontrada
no Bairro do Jacar (em Centro do Guilherme/
MA, com um IDH de 0.484), que uma invaso
de moradores que viviam na rea rural e foram
buscar emprego no centro urbano. As pessoas vi-
vendo l coexistem com o estigma de moradores
Obstculos Frequncia
Governo no se interessa
nem investe
10%
Prefeito/administrao
8%
Falta de unio
8%
Passividade do povo
7%
Pouca renda
4%
Falta emprego
4%
Tabela 2.2 Obstculos para solues
40 PARTE 1 | Brasil Ponto a Ponto: consulta pblica
de um bairro de marginais, onde a prostituio
e a violncia entre as pessoas imperam. Simul-
taneamente, os moradores que vivem l falaram
sobre o medo de serem expulsos do bairro.
Em muitas dessas localidades, como na Ilha
das Canrias (em Araioses/MA, com um IDH de
0.486), a caracterstica principal das privaes
das pessoas marcada pelo seu sentimento de
isolamento, que poltico, social e econmico. O
acesso a ilha s se faz atravs de barco, e as di-
fculdades para se chegar ao hospital mais pr-
ximo (em Parnaba/PI) so signifcativas. O baixo
desenvolvimento humano marcado pela mul-
tiplicidade de privaes e pelo isolamento espa-
cial das pessoas. A mesma histria aparece no
Bairro Turrufo (em Ipixuna/AM, com um IDH de
0.487), no qual a moradora Antonia Beatriz che-
gou a afrmar que aqui um lugar esquecido.
interessante observar que esse isolamento d
a muitas comunidades o sentimento de impuni-
dade perante a vrios tipos de violncia, como
no caso das reas de Trapi do Rosrio, Chapada
e Vermelho (em Carabas do Piau/PI, com um
IDH de 0.487). Esses povoados fcam distantes do
centro urbano e dependem exclusivamente da
agricultura para a subsistncia.
Em um ambiente com pouca oportunidade de
emprego e alta dependncia do uso de bebidas
alcolicas, encontramos Erneulina dos Santos, de
15 anos, respondendo que o que tinha que mu-
dar no Brasil para a sua vida melhorar era sua
famlia. Essa caracterizao encontrada nessas
entrevistas marca a interseo entre problemas
de recursos e problemas de convivncia encon-
trada nessas localidades.
Por fm, interessante notar que, medida
que se passou para os municpios de maior IDH
relativo, comearam a aparecer questes sobre a
governana local. No Bairro de Itaquip (em San-
tana do Maranho/MA, com um IDH de 0.488),
o grupo entrevistado argumentou que o que
precisa mudar no municpio uma maior par-
ticipao da populao no processo de elabo-
rao e implementao das polticas pblicas,
para combater a corrupo e, com isso, melhorar
os servios para os mais necessitados. Essas lo-
calidades fcam merc de desastres naturais,
como o caso do Centro de Joo Banda (em
Lagoa Grande do Maranho/MA, com um IDH de
0.492), atingido por um deslizamento de terra
que deixou muitas pessoas sem ter onde morar,
mas permanecendo no local, com medo de no-
vos deslizamentos.
Por essas razes apontadas, fca claro que
impossvel ter um julgamento nico sobre a re-
alidade diversa desses municpios. Resultados,
como os apresentados na Tabela 2.3 devem ser
vistos com cautela pelas suas limitaes. Por
outro lado, eles nos trazem uma possibilidade de
uma comparabilidade aproximada entre dife-
rentes realidades.
Na tabela deve fcar claro que a necessidade
por renda e proviso de bens pblicos ape nas
parte dos relatos. Na anlise qualitativa das falas
dos moradores dos municpios, so destacados
outros problemas alm dos presentes no quadro
acima, tais como violncia, apatia social e fraca
governana.
Temas mais
mencionados
Para dar uma
melhorarada
Para melhorar
de verdade Total
N. % N. % N. %
Renda 38 21 44 35 82 27
Governo 23 13 14 11 37 12
Sade 21 12 12 10 33 11
gua 18 10 10 8 28 9
Educao 13 7 14 11 27 9
Moradia 13 7 9 7 22 7
Energia 14 8 4 3 18 6
Transporte 11 6 7 6 18 6
Total 177 100 125 100 302 100
Tabela 2.3 Temas principais
| 41
Resultados da segunda
fase da consulta
3
42 PARTE 1 | Brasil Ponto a Ponto: consulta pblica
Os resultados da segunda fase da consulta foram caracterizados por um grande volume de respostas.
Os principais instrumentos de coleta de informaes foram o site Brasil Ponto a Ponto, o SMS TIM e
formulrios de papel coletados pela rede das vinte secretarias de educao participantes e das consul-
toras da Natura. A campanha foi amplamente divulgada em jornais, revistas, televiso para incentivar
a participao de todas as pessoas interessadas. Aqui so apresentados os resultados da segunda fase
da consulta, de acordo com os diferentes instrumentos utilizados. Os dados foram tratados com base
no registro de apenas um voto por pessoa, ou seja, mesmo que um participante tenha enviado mais de
uma contribuio, sua opinio foi registrada apenas uma nica vez.
rESulTADoS DAS GrANDES PArCEriAS
Estritamente falando, difcil isolar as con-
tribuies das diferentes parcerias, uma vez que
todas contriburam para o esforo de motivao
das pessoas a participarem e tambm porque
fcou a cargo destas a escolha do instrumento
de participao. No entanto, possvel apresen-
tar os principais resultados de acordo com o tra-
balho de alguns parceiros.
Rede Globo
Os efeitos de comunicao da Rede Globo
de Televiso se fzeram sentir principalmente
no pblico atingido pela campanha. O PNUD
estima, com base em dados fornecidos pela Rede
Globo, que um nmero superior a 90 milhes de
pessoas deve ter escutado pelo menos uma vez
a pergunta chave da Campanha Brasil Ponto a
Ponto em um dos vrios programas da emissora.
A Rede Globo coletou entrevistas e depoimentos
em seus vrios programas e sites, mas sua grande
infuncia foi sentida nos apoios que deu, como
por exemplo, semana da Campanha Brasil Ponto
a Ponto nas escolas, ajudando a mobilizao de
professores e alunos, que foi registrada nas mais
de 200 mil mensagens recebidas, cadastradas na
sequncia sob a parceria com o CONSED.
TIM
Dos 12 milhes de mensagens enviadas pela
TIM, 6 milhes pediram s pessoas que envias-
sem suas mensagens via SMS. O retorno delas
gerou uma amostra de 10 mil respostas vindas
de todas as partes do pas.
Os resultados foram separados em dois gru-
pos. No primeiro grupo, mostram-se os prin-
cipais temas substantivos escolhidos. A maior
preocupao expressa foi acerca da insufciente
proviso de bens pblicos. Vale lembrar que essa
Em relao aos temas chamados
transversais, nota-se a predominncia
dos temas valores e corrupo em um
patamar diferenciado dos demais, como
ilustrado pela fgura abaixo:
Educao
Poltica Pblica
Violncia
Emprego
Meio Ambiente
Sade
Judicirio
Infraestrutura
Impostos
Pobreza
Outros
12,0%
10,2%
20,6%
6,5%
9,7%
2,0%
3,7%
6,1%
0,3%
4,4%
2,4%
5,1%
11,8%
5,2%
0,0%
Valores
Corrupo
Desigualdade
Juventude
Tabela 3.1 Resultado TIM
| 43
categoria surgiu da presena exclusiva de vrios
servios e bens pblicos nas respostas das pes-
soas. Dentro dessa amostra, apareceu uma preo-
cupao maior com o emprego do que nos resul-
tados gerais.
interessante indagar por que os temas
acima foram classifcados como transversais, en-
quanto os outros, do grfco anterior, no o foram.
De acordo com a noo de transversalidade, um
tema, por exemplo, como valores, faz mais sen-
tido quando estudado no nele mesmo, mas
como parte de outros temas substantivos, como
educao, sade, violncia, meio ambiente etc. O
mesmo vale para o tema corrupo: pode-se falar
da corrupo na educao, na corrupo e violn-
cia, na corrupo e poltica, na corrupo e im-
postos, entre os outros. No grfco ao lado, o que
vemos que o tema valores foi o mais citado, por
pequena margem, como um tema transversal.
NaTuRa
Os resultados da Natura foram obtidos de
uma amostra de mais de 60 mil respostas em
todo o Brasil constituda, predominantemente,
de mu-lheres (alm disso, outras 10 mil respos-
tas via site Natura entraram no site Brasil Ponto
a Ponto, mas no foram computadas nos resulta-
dos da Natura pela impossibilidade de isol-las).
O padro dos resultados muito semelhante ao
obtido pela amostra da TIM. Existe uma maior
nfase na questo da poltica pblica, a qual, na
classifcao utilizada, refete a baixa qualidade
ou proviso insufciente de mais de um bem
pblico (por exemplo, sade, educao, sanea-
mento etc.) colocados de maneira simultnea.
De forma similar, os principais temas so prati-
camente os mesmos nas amostras de TIM e Na-
tura, com exceo do tema sade, que aparece
mais na seleo desta amostra.
CoNSed
A grande maioria das contribuies origina-
das atravs da parceria com o CONSED entrou
via site Brasil Ponto a Ponto. No entanto, para
aquelas escolas que no dispunham da pos-
Na seleo dos temas transversais,
aparece uma grande incidncia do
tema valores, em um patamar muito
superior aos demais, como mostra o
grfco abaixo. A histria que emerge
da combinao dos temas substanti-
vos com o dos tranversais de preo-
cupao geral com o tema dos valores
relativos proviso de bens pblicos,
em particular com as questes da edu-
cao, emprego e violncia.
Educao
Poltica Pblica
Violncia
Emprego
Meio Ambiente
Sade
Judicirio
Infraestrutura
Impostos
Pobreza
Outros
16,3%
12,3%
22,6%
8,2%
9,7%
4,1%
6,1%
3,5%
1,1%
1,3%
o,4%
3,4%
5,1%
5,4%
0,5%
Valores
Corrupo
Desigualdade
Juventude
sibilidade de retorno de suas respostas via site,
organizou-se, em parceria com o CONSED e as
Secretarias Estaduais de Educao, um esque-
ma de envio e retorno das respostas em papel.
Pode-se dizer com segurana que essas respos-
tas refetem as opinies daquelas pessoas que
frequentam as escolas mais pobres da amostra.
Os resultados mostram uma grande preocu-
pao com temas que j apareceram nas outras
amostras, com a diferena em uma maior nfase
nas questes da educao e violncia. Isso sig-
nifca que a percepo dos estudantes mais fo-
cada nessas questes e menos infuenciada por
uma ideia geral de uma cesta de bens pblicos.
Tabela 3.2 Resultado Natura
44 PARTE 1 | Brasil Ponto a Ponto: consulta pblica
Em relao aos temas transversais,
repete-se aqui o padro apresentado nas
duas amostras anteriores, com maior
incidncia da questo dos valores sobre as
demais, e a temtica exclusiva da juven-
tude (que trata de pontos relativos falta
de oportunidade dos jovens) vindo por
ltimo. Portanto, nota-se que no existe
nenhum fosso entre as preocupaes
geradas pelos subgrupos TIM, Natura e
aquelas provenientes dos grupos mais
pobres, na sua maioria jovens entre 13 e 17
anos.
Educao
Poltica Pblica
Violncia
Emprego
Meio Ambiente
Sade
Judicirio
Infraestrutura
Impostos
Pobreza
Outros
5,5%
20,9%
11,0%
19,5%
14,4%
4,7%
7,9%
1,8%
2,1%
0,4%
0,7%
2,7%
4,1%
3,4%
0,9%
Valores
Corrupo
Desigualdade
Juventude
Resultados semelhantes aos colhidos
pelas amostras anteriores foram vistos
para os temas transversais, consolidando
a importncia do tema valores na preocu-
pao das pessoas que participaram.
Educao
Poltica Pblica
Violncia
Emprego
Meio Ambiente
Sade
Judicirio
Infraestrutura
Impostos
Pobreza
Outros
10,8%
22,5%
12,3%
12,3%
7,8%
7,1%
4,8%
3,9%
2,3%
2,3%
0,8%
2,7%
6,2%
3,3%
1,0%
Valores
Corrupo
Desigualdade
Juventude
INTeRNeT
Os resultados coletados pela Internet foram
superiores a 400 mil participaes e, sem dvida,
marca ram, em termos quantitativos, a compila-
o feita neste relatrio. Perdeu-se uma grande
quantidade de respostas devido a duplicaes
(entradas repetidas vrias vezes) e a palavres
usados nas respostas (estas no foram aceitas).
No fnal, trabalhou-se com uma amostra inferior
a 300 mil respostas. Cabe notar que todos os es-
tados brasileiros foram representados com pes-
soas de mais de 264 cidades participando dessa
amostra.
Os resultados mostram uma preocupao
predominante com o problema da educao
no pas, seguidos dos mesmos pro blemas
levantados pelas outras amostras. No entanto, o
grande diferencial dessa compilao a certeza
de contar com grande quantidade de respostas,
muitas dessas deixadas em vdeo no site www.
brasilpontoaponto.org.br. As contribuies foram
diversas e os resultados abaixo mostram apenas
as categorias mais frequentes.
Tabela 3.4 Resultado Internet
| 45
Uma questo que pode preocupar os leitores
com uma formao mais estatstica diz respeito
ao carter voluntrio das amostras coletadas.
Afnal, promoveu-se uma discusso nacional in-
centivando a participao das pessoas sem for-
-las a nenhum tipo de registro cadastral. Pelo
contrrio, permitiu-se at mesmo a participao
annima das pessoas, com o intuito de encorajar
vises sinceras sobre o que elas pensam. Como
saber ento se o registro que temos no trata
apenas de preocupaes isoladas de uma par-
cela da populao brasileira que, com isso, traria
um vis aos resultados apresentados? Como po-
demos ter segurana que essas preocupaes
so legtimas?
Cabe ressaltar, em primeiro lugar, que a es-
colha do tema no foi o nico objetivo da con-
sulta. Mesmo que ela no ajudasse no tema, ela
seria vlida como um instrumento de promoo
de discusso pblica sobre os problemas vividos
pelas pessoas no Brasil. Nesse sentido, podemos
dizer que a consulta tinha uma fnalidade no
Contribuio especial Professores Javier Iguiz e Catalina Romero da Pontifcia Universidade Catlica do Peru
A preocupao com os valores
H vrios anos vivemos mudanas importantes nas relaes humanas que afetam no somente os pases mas
as empresas, seno maneira de viver das pessoas dentro das famlias, nos lugares de trabalho e nas suas vizinhan-
as. A presso forte, existe uma maior insegurana e violncia, e nos pases com nveis to altos de desigualdade,
que se mantm apesar do crescimento e do progresso, se propaga um sentimento de desigualdade e injustia. Se o
crescimento no melhora a vida das pessoas pobres, o que acontecer com a crise?
Perguntar sobre os valores pode ser uma mostra de interesse pelas pessoas, pelo que elas do valor e tm razes
para dar valor e, portanto, por aquilo que elas tanto buscam em suas vidas e as motiva em suas lutas cotidianas
para serem melhores pessoas, famlias, vizinhos e cidados.
Fundamentalmente, a aspirao ao respeito, justia e paz se refere ao reconhecimento da dignidade huma-
na e ao bom trato s pessoas. A justia se refere grande desigualdade, existente em nossos pases, que atravessa
toda a sociedade, e a paz, s condies de insegurana que se vive.
Os valores se formam constantemente, entram pelos olhos e pelos ouvidos, desde a famlia, as escolas, os meios
de comunicao, a poltica e a propaganda. As prticas sociais so valorizadas e as mesmas pessoas terminam
sendo valorizadas ou no. Assim, esse tema muito central ao enfoque do desenvolvimento humano entendido
como ampliao de capacitaes, que coloca as pessoas no centro de sua preocupao e, como tal, o que elas valo-
rizam, o que orienta sua maneira de viver nesta poca de grandes preocupaes.
apenas instrumental (a escolha do tema do
RDH), mas tambm constitutiva (a promoo
da razo pblica). Por esse motivo que a con-
sulta teve esse formato aberto, deliberativo, que
incentivasse a participao do maior nmero de
pessoas. Se tivssemos estratifcado a amostra,
teramos um processo diferente, que no cum-
priria o objetivo constitutivo da consulta.
Tendo dito isso, o portflio de amostras foi
pensado levando em considerao vrias preo-
cupaes com grupos vulnerveis da sociedade.
A visita aos municpios de menor IDH refetiu
nossa preocupao com os mais pobres e que
difcilmente so ouvidos em pesquisas nacio-
nais consideradas representativas, devido ao seu
isolamento geogrfco e ao alto custo de chegar
at eles. Do mesmo modo, a preocupao com
as mulheres, que muitas vezes sofrem as piores
consequncias da falta de desenvolvimento hu-
mano, foi refetida na parceria com a Natura (em
que mais de 95% das consultoras so mulheres).
Por fm, a preocupao com os jovens e com o fu-
O QUAnTO PODEMOS cOnFIAR nESSES RESULTADOS?
46 PARTE 1 | Brasil Ponto a Ponto: consulta pblica
A escolha do tema no foi um exerccio
mecnico. Ela foi orientada pelas primeiras con-
sultas, feitas nas Audincias Pblicas, que sinal-
izaram que os temas no podiam ser vistos como
uma lista de supermercado. Desde as primeiras
discusses fcou claro para a equipe do RDH que
se tratava de uma escolha de tema que deveria
refetir um alto grau de articulao (ou transver-
salidade) entre as respostas, pois assim estariam
aparecendo as vises das pessoas. Essa refexo
nasceu durante a primeira fase da consulta.
Talvez a grande questo levantada nessa inves-
tigao tenha sido a respeito de uma percepo
pblica sobre a necessidade de pensarmos a in-
tersetorialidade de polticas pblicas e sociais. O
bem-estar dos indivduos multidimensional.
Por que no pensar seus elementos de maneira
integrada?
turo do pas fez com que investssemos na par-
ceria com o CONSED, direcionando uma parte
importante da consulta para as escolas. Tivemos
uma oportunidade de ver a opinio daqueles
que enviaram suas respostas via SMS, refetindo
um outro background socioeconmico distinto
dos demais.
Quando comparadas, as amostras mostram
um alto grau de robustez referente aos 6 temas
de maior incidncia. A nica exceo o tema
judicirio dentro da amostra TIM. No entanto,
os resultados abaixo confrmam que, talvez pelo
grande tamanho de todas as amostras, foi pos-
svel a seleo de temas coe rentes com os resul-
tados fnais.
Os dados fnais revelam uma grande repre-
sentao geogrfca da amostra, cobrindo mais
de 300 cidades brasileiras, com um pequeno vis
de gnero em relao participao das mu-
lheres e em relao a jovens, estudantes de esco-
las pblicas em todo o Brasil.
Estudantes/
Consed
Natura Site Tim Total
TEMAS SETORIAIS
Educao 20,9% 12,3% 22,5% 10,2% 21%
Poltica Pblica 11,0% 22,6% 12,3% 20,6% 14%
Violncia 19,5% 8,2% 12,3% 6,5% 13%
Emprego 14,4% 9,7% 7,8% 9,7% 9%
Meio Ambiente 4,7% 4,1% 7,1% 2,0% 6%
Sade 7,9% 6,1% 4,8% 3,7% 5%
Judicirio 1,8% 3,5% 3,9% 6,1% 4%
Infraestrutura 2,1% 1,1% 2,3% 0,3% 2%
Impostos 0,4% 1,3% 2,3% 4,4% 2%
Pobreza 0,7% 0,4% 0,8% 2,4% 1%
Outros 2,7% 3,4% 2,7% 5,1% 3%
TEMAS TRANSVERSAIS
Valores 5,5% 16,3% 10,8% 12,0% 11%
Corrupo 4,1% 5,1% 6,2% 11,8% 6%
Desigualdade 3,4% 5,4% 3,3% 5,2% 4%
Juventude 0,9% 0,5% 1,0% 0,0% 1%
rESulTADoS FiNAiS
Tabela 3.5
Resultados
Agregados
| 47
Uma comparao parte entre os principais temas transversais
mostra que o tema valores, que inclui as questes de discrimi-
nao (racial, de gnero, sexual, de idade, defcincia etc.), entre
outras, foi o mais mencionado em termos gerais, como mostra a
tabela abaixo. Isso por si s constitui uma surpresa, pois pode-
ria-se esperar que questes mais comentadas, como a prpria
corrupo (que no est desvinculada de todo com a temtica
valores) e a desigualdade (social e de renda), fossem mais cita-
das, o que acabou no acontecendo.
Educao
Poltica Pblica
Violncia
Emprego
Meio Ambiente
Sade
Judicirio
Infraestrutura
Impostos
Pobreza
Outros
11%
21%
14%
13%
9%
6%
5%
4%
2%
2%
1%
3%
6%
4%
1%
Valores
Corrupo
Desigualdade
Juventude
| 47
Uma anlise dos resultados principais agre gados confrmou a predominncia dos temas substantivos da edu-
cao e violncia com a questo dos valores como o grande ponto de articulao possvel entre os principais ele-
mentos setoriais. A preocupao expressa com a poltica pblica servir de base para o caderno de polticas, pois,
no sendo um tema substantivo, precisa de um tratamento diferenciado.
Dado o tamanho do pas e sua complexidade, no se pode fngir que uma seleo de temas possa representar
toda a diversidade de opinies encontrada, que muitas vezes mascara grandes desequilbrios de espao ou sim-
plesmente de estrutura social. No entanto, a compilao de todas opinies nos d um norte a seguir e nos possibi-
lita vrias desagregaes possveis, como as expostas a seguir, que indicam a natureza espacial das preocupaes
expressas por grupo temtico.
Tabela 3.6 Resultados fnais
48 PARTE 1 | Brasil Ponto a Ponto: consulta pblica
17%-19%
19%-23%
23%-30%
30%-38%
EDUCAO POlTICA PBlICA VIOlNCIA
4%-7%
7%-10%
10%-16%
16%-23%
4%-10%
10%-13%
13%-15%
15%-18%
PB: 38,8%
Maior ndice
Menor ndice
MT: 16,8%
SP: 17,1%
AP: 4,6% PB: 4%
SE: 23,2%
EMPREGO VAlORES CORRUPO
5%-6%
6%-8%
8%-13%
13%-17%
3%-4%
4%-6%
6%-8%
8%-12%
4%-6%
6%-8%
8%-11%
11%-18%
PR: 4,3%
PB: 5% SE: 3,2% AL: 18,1%
SP: 17,4% AM: 12,1%
Tabela 3.7 Resultados fnais por regio
| 49
Mas o que signifca fazer um Relatrio de De-
senvolvimento Humano sobre valores, com n-
fase nas questes da educao e violncia? Como
podemos articular os principais temas dentro
de uma perspectiva de, talvez, uma grande crise
de valores individuais e sociais que parece viver
a sociedade brasileira e qual se atribui tantas
mazelas importantes, como os altos nveis de vio-
O pulso da mudana
O que esperar do Brasil? Do ponto de vista lgico, existem trs formas bsicas de se pensar o futuro. A previso
lida com o provvel e responde pergunta: o que ser? A delimitao do campo do possvel lida com o exequvel e
responde pergunta: o que pode ser? E a expresso da vontade lida com o desejvel e responde pergunta: o que
sonhamos ser? As relaes entre esses modos de conceber o futuro no so triviais. H duas direes de causalidade
relevantes em jogo.
De um lado, claro, est o princpio de realidade. Se o desejvel no respeitar os limites do exequvel, ele se
torna vazio e quixotesco (quando no trgico). Desde a sua origem no iluminismo europeu, boa parte da misso
ocupacional da cincia econmica tem sido tentar disciplinar os voos alheios e submeter o voluntarismo de polti-
cos, reformadores e visionrios aos rigores da consistncia e da exequibilidade. Algumas das principais ferramentas
da teoria econmica conceitos como restrio oramentria, custo de oportunidade, trade-off e consistncia
intertemporal trazem a marca desse compromisso com o princpio de realidade. A aritmtica desagradvel
um dos ofcios do economista e o balde de gua fria uma de suas especialidades. No foi toa que a economia
adquiriu a pecha de dismal science.
Ocorre, porm, que a direo de causalidade corre tambm na outra direo: o desejo de mudana modifca o
futuro. A realidade objetiva deve ser conhecida e respeitada, mas ela no toda a realidade. A vida das naes, no
menos que a dos indivduos, vivida em larga medida na imaginao. A capacidade de sonho de um povo fertiliza
o real, expande as fronteiras do possvel e reembaralha as cartas do provvel. Quando a vontade de mudana e
a criao do novo esto em jogo, resignar-se ao provvel e ao exequvel condenar-se ao passado e repetio
medocre.
Se verdade, portanto, que o sonho desligado da realidade vazio, como enfatiza a economia, preciso ter
em mente que o contrrio dessa grande verdade no deixa de ser tambm uma grande verdade: a realidade des-
provida do poder transformador do sonho deserta. O desejo move. No universo das relaes humanas, o futuro
responde fora e ousadia do nosso querer.
Com o que sonham e se preocupam os brasileiros? A ampla enquete de opinio promovida pelo Programa das
Naes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), por meio da Campanha Brasil Ponto a Ponto, permite tomar o
pulso e revelar o norte do desejo de mudana que pulsa na sociedade brasileira. Diante de uma mesma pergunta
O que precisa mudar no Brasil para a sua vida melhorar de verdade? cerca de 500 mil brasileiros tiveram a
oportunidade de oferecer uma resposta e formular sua viso. Os principais resultados da pesquisa so: i) a educa-
o seguida de violncia e emprego a principal aspirao/problema (temas substantivos) de nossa sociedade;
ao passo que ii) valores morais (como respeito, justia e paz) e a formao do carter das pessoas fguram como os
mais frequentes temas transversais, permeando as respostas e escolhas substantivas.
(continua na prxima pgina)
Contribuio Especial Professor Eduardo Giannetti, Instituto de Ensino e Pesquisa Insper, So Paulo
lncia contra a pessoa (para diferenci-la daque-
les tipos de violncia contra a propriedade)?
A tarefa de elucidao dessas e de outras
questes caber ao segundo caderno do RDH,
que conter um estudo sobre os principais pro-
blemas levantados na consulta, sob a perspectiva
dos valores. No entanto, podemos contar com o
benefcio de uma primeira refexo a seguir.
50 PARTE 1 | Brasil Ponto a Ponto: consulta pblica
Duas principais mensagens podem ser depreendidas dos resultados da pesquisa. A primeira a clara explicita-
o da fora do desejo de mudana no Brasil. Existe uma injustifcvel distncia entre o que efetivamente somos,
de um lado, e o que poderamos e desejamos ser como nao, de outro. O pulso da mudana bate com fora na
imaginao dos brasileiros. H um Brasil potencial querendo despertar e desenvolver-se a partir das promessas e
desafos do Brasil real. O reconhecimento claro de nossas difculdades e defcincias civilizatrias, fruto de particu-
laridades de nossa formao histrica e erros de poltica pblica, o primeiro passo neste caminho.
A segunda mensagem do relatrio diz respeito direo da mudana. A identifcao do capital humano, espe-
cialmente na sua dimenso tica de formao de valores e normas de convivncia como a principal aspirao dos
brasileiros em relao a um futuro melhor, confere um contedo substantivo viso do desenvolvimento como a
expanso da capacidade humana para levar uma vida mais livre e digna de ser vivida (Amartya Sen).
O que se demanda no so solues prontas ou medidas particulares que melhorem a renda, as condies ma-
teriais de vida e o bem-estar, mas sim as capacitaes e as virtudes que ampliem o leque efetivo de escolhas diante
dos cidados e permitam sociedade como um todo afrmar os seus valores e viver altura do seu potencial. Os
brasileiros no s reconhecem a extenso do hiato que os separa do que almejam ser como so capazes de identi-
fcar a principal defcincia subjacente a essa realidade.
Em termos de polticas pblicas, o desdobramento prtico desses resultados nada mais faz do que corroborar
a anlise e a recomendao feitas por Eugenio Gudin h exato meio sculo, quando a euforia desenvolvimentista
incendiava a imaginao brasileira e, lamentavelmente, relegava o capital humano a uma posio subalterna
entre os desafos da nao: O problema do desenvolvimento econmico tem sido geralmente encarado no Brasil
sob o prisma do curto prazo e do imediatismo, isto , da execuo de determinados melhoramentos materiais de
resultados tangveis em um perodo governamental. Se h, entretanto, problema que exija planejamento de longo
prazo, com expectativa de resultados seguros mas s gradativamente evidenciveis, este o da formao de gente,
isto , de uma populao sadia, ativa e capaz. a qualidade da populao que constitui o elemento decisivo do
desenvolvimento.
Faz sentido a ideia de uma civilizao brasileira? Uma resposta afrmativa a essa pergunta no precisa implicar
qualquer tipo de arroubo xenfobo, rompante nacionalista ou furor colrico. A construo de uma viso generosa
e original do nosso futuro tarefa da imaginao crtica e criadora de uma antropofagia paciente e criteriosa,
capaz do sonho, mas tambm do senso de realidade e da ponderao.
O que ela implica a identifcao dos nossos valores e uma efetiva adeso a eles. Os brasileiros sabem que
podemos ser mais do que somos e que no devemos nos resignar condio de imitao modesta ou cpia em-
pobrecida do modelo que nos oferecido pelos pases ricos o chamado Primeiro Mundo. Sem viso de futuro
no h futuro. Sob a luz austera do provvel e exequvel, a viso de um Brasil que merea ser sonhado pode parecer
remota. Mas ela no uma abstrao vazia. A fora do seu apelo anima de esperana o caminho e ilumina desde
j o nosso horizonte imaginativo. Sonhar preciso. O futuro ser o que fzermos dele.
| 51
A estratgia de
comunicao
4
52 PARTE 1 | Brasil Ponto a Ponto: consulta pblica
A comunicao no apenas importante para o desenvolvimento humano. Ela essencial a ele. Sem
comunicao no existe a possibilidade da troca de ideias, do surgimento de crticas e de respeito a
divergncias. A comunicao fundamental para a construo da razo pblica, pois ela permite um
engajamento dos indivduos que, de outra forma, no ocorreria.
Cabe comunicao no somente informar os indivduos mas tambm possibilitar canais para que
eles se expressem. Para que isso ocorra importante tambm motivar os indivduos. Na verso tradi-
cional de comunicao, os RDHs so produzidos e ento comunicados ao pblico. Na verso adotada
aqui, antes do RDH poder ser produzido importante coletar as vozes das pessoas, e, para isso, pre-
ciso ir alm: necessrio motivar as pessoas a refetirem sobre diferentes problemas de suas vidas dos
quais elas muitas vezes buscam apenas escapar.
Em um mundo onde as pessoas so cons-
tantemente bombardeadas por informaes,
muitas divertidas e agradveis, a todo momento,
difcil competir com assuntos mais refexivos,
muitas vezes considerados distantes das vidas
das pessoas. Para atrair a ateno dos indivduos
e se comunicar com sucesso preciso ter uma
estratgia que valorize a simplicidade na forma
de levar a mensagem ao pblico.
De fato, o item mais conhecido do Relatrio
de Desenvolvimento Humano (RDH) o ndice
de Desenvolvimento Humano (o IDH), que
ganhou notoriedade mundial em grande parte
pela sua simplicidade. Conceitualmente foi
assim que ele surgiu: como uma tentativa de
ser to simples como o Produto Interno Bruto
(PIB) para avaliar o bem-estar da sociedade. Isso
para que fosse entendido pela populao e por
governantes. A escolha de trs dimenses foi
proposital. Se o ndice tivesse vinte dimenses,
poucos o lembrariam. No por coincidncia
que o IDH muito mais conhecido do que o RDH.
Muitos inclusive chamam o relatrio no Brasil de
o Relatrio do IDH.
Esse princpio de simplicidade grande vir-
tude do IDH foi tambm o pilar da estratgia
Contribuio Especial Percival Caropreso, Setor 2 1/2
(responsvel pela criao da estratgia de comunicao da Campanha Brasil Ponto a Ponto)
Levei boa parte da minha vida vendendo coisas. Fiz campanhas de comunicao que mobilizaram multides
em direo a prateleiras de supermercados, a revendedoras de carros, a agncias bancrias, a restaurantes, a aero-
portos, a lojas de todo tipo e em todos os lugares do mundo. Sei bem o poder da comunicao pra mexer com o
corao, a cabea, a deciso e o arbtrio: vender marcas e produtos para milhes de pessoas.
Este Relatrio de Desenvolvimento Humano nasceu dessas pessoas, consumidores, mas tambm cidados.
Foram eles que nos disseram o que temos que produzir para a sociedade e que mais felmente refete o que todos
querem ter: direitos, valores, respeito, dignidade, qualidade de vida.
Sem comunicao no teramos informado, sensibilizado, conscientizado, mobilizado, oferecido canais de par-
ticipao e provocado a ao de mais de meio milho de brasileiras e brasileiros, que nos deram seus pontos de
vista sobre suas aspiraes e ambies.
Levei boa parte da minha vida vendendo coisas. Participar da campanha de comunicao deste nosso relatrio
foi um privilgio, mais uma lio e um prazer, principalmente pelo que eu ajudei a vender a essa gente toda.
o DESENvolvimENTo HumANo E A ComuNiCAo
| 53
Contribuio Especial Amlia Whitaker, Visar Planejamento
A comunicao tem papel fundamental na mobilizao dos pblicos em torno de uma ideia ou causa. Assim,
se a sensibilizao dos meios para gerar comunicao espontnea cada vez mais importante, como forma de
destacar-se em meio a tantos e variados impactos de publicidade, para as marcas para as quais trabalhamos, em
uma campanha como a Brasil Ponto a Ponto ela vital: sem isso, os comportamentos no se alteram e o que se
quer que acontea no ocorre. Pois ainda mais no caso de uma ao que objetiva envolver pessoas em um es-
foro coletivo de desenvolvimento necessrio mostrar s pessoas o quanto a participao delas importante e
motiv-las a colaborar com aquilo que benefciar a todos, indistintamente.
Com isso em vista, resta conceber as mensagens mais adequadas e planejar a mais efciente forma de divulga-
o, conforme as caractersticas prprias de cada meio e veculo, seja rdio, televiso, revista, jornal ou meio digital,
pois sempre que o planejamento ocorre o resultado costuma ser positivo.
No caso da Brasil Ponto a Ponto, foi montada uma estratgia que envolveu o planejamento de aes de sensi-
bilizao, desenvolvimento de materiais de esclarecimento e agendamento de reunies com profssionais da mdia
para encaminhamento de pautas. Como resultado, veculos de comunicao de todo o Brasil aderiram com sim-
patia, entre os quais podem-se citar A Cidade, Jornal do Brasil, Gazeta do Povo, Meio & Mensagem, Folha de So
Paulo, poca, Zero Hora, Gazeta Catarinense, Gazeta Mercantil, G1, Terra, Globo Online, Portal Editora Abril, Portal
IG, Maplink, TV Globo, RBS, Globo News, Rdio Eldorado, CBN, Rdio Guaba, Rdio Nacional de Braslia e Rdio
Gacha, e o resultado atingido superou as expectativas, indicando com frmeza que uma comunicao efciente
parte fundamental do desenvolvimento humano.
de comunicao adotada na Campanha Brasil
Ponto a Ponto. Por isso que foi feita apenas uma
pergunta para o pblico: o que precisa mudar no
Brasil para a sua vida melhorar de verdade?. Por
essa mesma razo, trabalhou-se a ideia de pon-
to, de unidade, como o princpio organizador de
uma proposta mais complexa. Ser simples no
fcil, e por essa razo foram testadas pelo menos
dez perguntas antes de chegarmos defnitiva.
O resultado foi uma questo que pde ser enten-
dida por um grande nmero de pessoas e com
a qual elas puderam falar de suas vidas de uma
maneira franca e aberta.
No entanto, cabe aqui notar que, quando
falamos de pessoas, tratamos de indivduos que
so extremamente diversos. O entendimento
dessas diversidades um dos grandes princpios
do desenvolvimento humano. No seu livro mais
conhecido, Desenvolvimento como Liberdade, o
Professor Amartya Sen fala de vrias fontes de
diferenas individuais e sociais entre as pessoas,
tais como:
54 PARTE 1 | Brasil Ponto a Ponto: consulta pblica
Diferenas dentro das famlias: As pessoas
podem viver em famlias que seguem princpios
de vida diferentes. Isso vale para como os pais se
relacionam com seus flhos ou como maridos e
mulheres dividem responsabilidades e oportu-
nidades.
Todos esses elementos sugerem que os
padres de comunicao so mltiplos e que es-
tratgias de comunicao podem produzir resul-
tados variados de acordo com as diferenas que
encontramos entre as pessoas. Por essa razo
que, alm de ser simples a comunicao para o
desenvolvimento humano, este pode se benef-
ciar do uso de estratgias diversas, pensadas em
conjunto de modo articulado.
Diferenas pessoais: Pessoas que tm idades
diferentes ou so de gnero distinto, ou tm ca-
ractersticas fsicas diversas, nveis de escolari-
dade distintos, ou mesmo tm habilidades ou
defcincias diferentes;
Diferenas ambientais: Pessoas que vivem
em condies climticas diversas ou que sofrem
poluio ou doenas diferentes;
Diferenas no clima social: Pessoas que
vivem em lugares onde o crime ou a violncia
mais elevada ou onde as pessoas no confam
nas outras, ou onde as leis so seguidas em com-
parao onde no so;
Diferenas em relaes entre as pessoas:
Pessoas podem se relacionar diferentemente,
dependendo dos padres de comportamento no
lugar em que vivem; podem seguir costumes e
tradies diferentes;
| 55
A Inteligncia emergente e a criao coletiva do conhecimento
O que precisa mudar no Brasil para a sua vida melhorar de verdade?
Ao dirigir esta pergunta a milhes de cidados conectados e a milhares de habitantes dos municpios menos
desenvolvidos, alm das audincias pblicas e das consultas ao meio acadmico realizadas, a concepo do tema
deste relatrio adota metodologia que respeita como bsica a capacidade de auto-organizao dos povos.
No haveria sentido em realizar esta escolha de outra forma, pois o prprio conceito de desenvolvimento hu-
mano implica a supresso da opresso e de atos discriminatrios, como, por exemplo, a imposio de alternativas.
O fenmeno recente da popularizao da capacidade de emitir comunicaes traz em seu mago esta tendncia
de transparncia e de multiplicao de manifestaes democrticas e ascendentes.
O Brasil em 2009 se apresenta como solo frtil para esta abordagem, tendo, em termos aproximados, 190 mi-
lhes de habitantes com 152 milhes de celulares, 65 milhes de usurios na rede mundial de dados, sendo 25 mi-
lhes de ligaes residenciais. Esta rede congrega manifestaes sociais, de trabalho e de cultura de comunidades
fncadas nos rinces de um vasto territrio, desde a presena dos povos indgenas na Internet, at as lan houses,
que representam cerca de metade dos acessos e surgem como grande fenmeno sociolgico nas periferias fsicas
das metrpoles, hoje transformadas em centros emissores de comunicao.
Outros fatores que indicam a convenincia desta consulta popular so, alm do aprimoramento do processo
democrtico, o crescente respeito liberdade de expresso, a pirmide etria com mais de 50% dos jovens menores
de 20 anos e a intensa divulgao das expresses culturais nascidas no seio da populao, sobrepondo-se pouca
tradio de cultura clssica. Socializar a autoria do tema adotando a construo coletiva do conhecimento o
mesmo que recorrer s ideias de outros no por erudio, mas como reconhecimento de que o coletivo a for-
mao de um saber ascendente, pois as contribuies dos indivduos concatenam-se entre si e com as instituies
representativas.
Assim sendo, esta iniciativa elabora uma das respostas possveis questo levantada por John Nasbitt, quando
expressa a necessidade de aumentarmos a nossa ateno para aspectos mais humanos, high touch, na utilizao
das solues high tech, trabalhando o fenmeno da perda de sensibilidade e da crescente alienao. o desenvolvi-
mento da tecnologia colocado a servio dos indivduos no empenho de comunicar e ampliar a convivncia entre os
diferentes grupos de indivduos, conectados via rede ou presencialmente em suas comunidades, virtuais ou fsicas.
Cumpre-se, assim, uma necessidade das geraes futuras que, mais do que um pensar diferente, espera uma
ao diferente, em que as solues coletivas partam das iniciativas individuais ousadamente concretizadas atravs
do comprometimento de muitos. E s assim o desenvolvimento sustentvel ser perene.
Uma das principais caractersticas do mtodo adotado a de tratar os cidados como pessoas hbridas, pois ao
mesmo tempo em que so alvos do desejo de desenvolvimento humano, tornam-se parte do processo de criao do
mesmo, ao responder pergunta que busca a defnio do conceito e iniciar assim um crculo virtuoso de interativi-
dade com brasileiros, estabelecendo uma conexo direta entre os mesmos e a entidade mais representativa da hu-
manidade. Esse mtodo contm elementos da teoria do caos, enquanto amplia o processo de estruturao do tema
e, ao mesmo tempo, insere carter de ordem com o resgate expedicionrio garantidor da participao daqueles
sem condio de conectarem-se, com as consultas ao meio acadmico e as audincias pblicas. Assim, coaduna-se
com o nascimento de organizaes cardicas, geradoras de riqueza humana no s no sentido econmico, como
o ponderado por Dee Hook.
(continua na prxima pgina)
Contribuio Especial Professor Ubaldo Crepaldi, Universidade de So Paulo USP,
Escola de Comunicaes e Artes ECA
56 PARTE 1 | Brasil Ponto a Ponto: consulta pblica
A prpria pesquisa a construo de um conhecimento colaborativo, wiki e, portanto, vai alm de um carter
meramente econmico, porque detecta uma autopercepo em termos nacionais at ento desconhecida, e que,
como informao, passa a ser fonte geradora de riqueza, como o ressaltado por Pierre Lvy, Derrick de Kerckhove e
Don Tapscott. Sendo assim, a realizao desta pesquisa evidencia a dinmica de rede, mostra a inteligncia emer-
gente, um macrocomportamento provocado por milhes de micromotivos, como um novo entendimento da com-
preenso da sociedade humana em geral e da brasileira em particular, como o constatado por Steven Jonhson a
partir da observao do funcionamento dos formigueiros, crebros, cidades e softwares.
A Campanha Brasil Ponto a Ponto se assemelha muito observao deste tipo de funcionamento sistmico, no
qual a organizao se faz pela soma do saber agir de cada elemento ou habitante, e no se fundamenta no mito
da rainha, da escolha baseada na autoridade.
O reconhecimento da importncia de todos os pontos, antes perifricos e receptores, hoje centrais e locais para
emissores de mensagens, mesmo que a maioria dos brasileiros ainda no possua conexes virtuais, evidencia a
compreenso do fato de todos fazerem parte das redes, embora alguns, limitados sua vizinhana fsica, neces-
sitem do contato pessoal para captar suas opinies.
Neste caso, a comunicao que se pretende com este relatrio torna-se um processo de disseminao do poder
de escolha, ao compartilhar a construo de solues do interesse de todos. Parte do individual para o coletivo, do
regional para o nacional, do local para o global e agora retorna com o global infuenciando o local, do nacional
para o regional, pretendendo orientar o desenvolvimento coletivo, o qual s pode ser conseguido pela soma dos
planos individuais.
A compreenso do alcance desta escolha inclui a percepo da possibilidade de mapeamentos das ocorrn-
cias nas respostas, pois embasada nas manifestaes individuais, constri um saber coletivo, podendo-se observar
tendncias por regio e categorias traduzindo escalas de valores diversas, embora paradoxalmente formem um
todo em torno do conceito de nao.
As grandes distncias geogrfcas, as diferenas climticas regionais e o mau desempenho nacional no coef-
ciente de Gini, como medida da distribuio da renda, indicando grande disperso em torno da mdia, so fatores
que difcultariam a escolha centralizada de alternativas para este tema. Como paradoxo, a unidade nacional, evi-
denciada pela lngua, pela grande popularidade do futebol, da frequncia s praias, da audincia das novelas e
agora do hbito de navegar na Internet, indica esta preferncia nacional pelo fazer popular na trama do tecido
social, unifcando linguagem, ideais e preferncias, com a consequente criao do todo sem perder as identidades
regionais.
Ouvir todos os pontos de vista possveis, aproveitando a democratizao e a transparncia resultantes da dis-
seminao do poder de emitir comunicaes e consider-los na construo conjunta dos destinos coletivos j , em
si, um passo importante para um Brasil melhor.
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Construo de
parcerias e estratgias
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58 PARTE 1 | Brasil Ponto a Ponto: consulta pblica
1| Foco local: A promoo das audincias pblicas
somente foi possvel atravs do apoio de institui-
es locais, que ajudaram a promover o evento e
a articular a participao dos interessados. Esse
foi o caso das parcerias com a Sociedade Inclusi-
va/MG, com a Prefeitura de Porto Alegre/RS, com
a Agenda 2020/RS, com o Governo do Estado de
So Paulo, com a SUDAM, o Governo do Distrito
Federal, o SEBRAE/RJ, a CNM e com a UniGente;
2| Comunicao em ampla escala: Para que a men-
sagem chegasse a milhes de pessoas em todo
o Brasil foi necessrio a construo de parcerias
que tivessem esse alcance. Esse foi o caso das par-
cerias com a Rede Globo, com a MTV e com a TIM;
3| Redes sociais: A parceria com grandes redes
sociais possibilitou a construo de uma seg-
mentao amostral focada em grupos geral-
mente ignorados, como o dos jovens vivendo
nas grandes periferias ou de mulheres. As par-
A participao das pessoas no algo que
acontea por mgica. Ela precisa ser promovida,
possibilitada e tambm motivada. Como coloca
o manual do PNUD HDR Toolkit promover a par-
ticipao das pessoas toma tempo, recursos,
entendimento e perseverana (p.38). Mas os
benefcios no devem ser desprezados: a par-
ticipao garante a construo de capacidade e
o interesse para que as mensagens do relatrio
sigam adiante, de um modo mais efetivo.
PriNCPioS PArA A
CoNSTruo DE PArCEriAS
O investimento na construo de parcerias
foi a principal estratgia escolhida pela Cam-
panha Brasil Ponto a Ponto para a promoo da
participao das pessoas. De fato, sem a exis-
tncia dessas parcerias a campanha no teria
existido. No total, foram construdas 25 parcerias
com contribuies diferentes para a campanha.
Os princpios utilizados para a construo des-
sas parcerias foram distintos. Eles podem ser
sumarizados em cinco pontos principais:
cerias com o CONSED e a Natura viabilizaram
esse alcance, permitindo no somente uma
grande cobertura nacional mas a possibilidade
de construo de dilogos que possam ser con-
cretizados no futuro em aes positivas em par-
ceria com os membros dessas redes;
4| Fruns: A parceria com redes de comunicao
possibilitou a criao de fruns de discusso en-
tre grupos diferentes, dentre os quais tivemos: o
Portal MTV dentro da Campanha O que Desen-
volvimento?, abrindo espao para a participao
do pblico jovem; o Portal da Revista poca, co-
letando a opinio de atores, cientistas, polticos,
esportistas, entre outros; e o Portal do Volun-
trio, promovendo a participao de uma rede
que congrega mais de 60 mil pessoas;
5| Parcerias complementares: Muitas parcerias
surgiram de oportunidades nicas e do reco-
nhecimento de que colaboraes com o projeto
deveriam ser registradas. Esse o caso da parceria
com: o Museu da Pessoa, para registrar as vidas de
muitos que deram suas opinies campanha; da
Companhia Suzano, que doou papel para que pu-
dssemos consultar as escolas mais pobres do Bra-
sil (que no tm acesso Internet); o Setor 2 1/2 e
a Visar, que trabalharam na comunicao da cam-
panha; e a VitaDerm, que ajudou na divulgao;
6| Suporte acadmico: A parceria com a academia
foi fundamental na tabulao dos milhares de
questionrios que chegaram ao PNUD de todas
as partes do Brasil. No total, foram mais de 160
voluntrios de mais de 10 disciplinas diferentes,
que ajudaram na tabulao das respostas recebi-
das durante a consulta. A troca com os acadmi-
cos foi fundamental na elaborao de um mode-
lo interpretativo fundamentado em signifcados
compartilhados com pessoas de vrias discipli-
nas e com experincias de vida distintas.
Os parceiros contriburam com sugestes,
promoveram suas estratgias e interagiram
com o entendimento de que esse processo pode
tambm contribuir para seus interesses coorpo-
rativos ou pessoais na promoo do desenvolvi-
mento humano.
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FormAToS DE
ComuNiCAo
a) Tradicional
O formato tradicional de comunicao foi ado-
tado no perodo inicial da consulta e corresponde
reali zao de reunies com representantes de
trs setores: Governo Federal, Mdia e Agncias
das Naes Unidas presentes no Brasil. Para a or-
ganizao das reunies, foi realizado um levanta-
mento das institui es que faziam parte de cada
um dos setores a serem ouvidos e, em seguida,
convites para as reunies foram enviados. As in-
stituies convidadas indicaram representantes,
que compareceram s sesses de consulta. Toda
a discusso foi registrada em ata.
Como este formato de comunicao foi im-
plantado ainda durante a fase inicial de consulta
pblica, os participantes puderam opinar no s
sobre os possveis temas para o relatrio mas
tambm sobre estratgias que possibilitariam
a participao do maior nmero de pessoas na
fase de consulta. Como as reunies contavam
com a participao de pequenos grupos de pes-
soas, isso possibilitava um debate mais profun-
do sobre as sugestes levantadas pelos partici-
pantes. Essa dinmica contribuiu muito para o
desenho da fase seguinte da consulta pblica, na
qual foram incorporadas estratgias inovadoras
de comunicao.
b) audincias Pblicas
As audincias foram reunies abertas para
as quais foram convidadas ONGs, governos, aca-
demia e populao em geral. Nelas, o PNUD fez
uma breve apresentao do processo de consulta
que se estava realizando e pediu s pessoas que
respondessem a uma pergunta (ou duas, depen-
dendo da cidade) e depois debatessem com os
outros participantes o porqu de suas escolhas.
As perguntas no foram as mesmas em todas
as audincias, justamente porque foram testa-
das algumas alternativas ao longo do tempo,
medida que se percebia a necessidade de fazer
Evoluo da pergunta chave no processo de consulta
Audincias
Belo Horizonte
So Paulo e Braslia
Belm
Porto Alegre,
Joo Pessoa e
Rio de Janeiro
Perguntas
Foram feitas duas perguntas: 1)
(No presente) O que precisa mu-
dar no Brasil para sua vida dar
uma melhorada? E pra melhorar
de verdade?; 2) (No futuro) Se tudo
continuar como est no Brasil, qual
ser nosso maior problema daqui
a 10 anos? E o que voc mudaria
agora para isso no acontecer?
O que precisa mudar no Brasil para
a sua vida dar uma melhorada?
E para melhorar de verdade?
1) O que precisa mudar no Brasil
para sua vida melhorar? Liste por
ordem de importncia at trs coi-
sas e explique. 2) O que voc acha
que poderia ser mudado para
melhorar a vida dos brasileiros?
Liste por ordem de importncia
at trs coisas e explique.
O que precisa mudar no Brasil para
sua vida melhorar de verdade? Es-
colha apenas uma questo. Sim,
difcil, mas pense naquilo que
mais importante entre tudo o que
importante. Se der, explique a
razo de isso ser mais importante
do que tudo o mais.
ajustes que levariam refexo a que se alme-
java, conforme detalhamento mais adiante.
O elemento mais importante das audincias
foi a possibilidade de se fomentar um debate
entre os participantes, de modo a perceber in-
terligaes entre os temas por eles propostos.
No formato utilizado, as pessoas responderam
ao questionrio no incio da audincia e depois
foram convidadas a trazer suas respostas ao
pblico. Em alguns casos, nas audincias em que
havia muitas pessoas, foi necessrio fazer um
sorteio para a seleo de falas. Em outros, quan-
do havia poucas pessoas, foi dada a possibilidade
para todos que desejassem participar fcassem
vontade para faz-lo. O contato mais prximo
com as pessoas foi fundamental para um en-
tendimento qualitativo dos temas e para a for-
mulao de uma taxonomia preliminar para a
60 PARTE 1 | Brasil Ponto a Ponto: consulta pblica
tabulao das respostas de toda a campanha.
Atravs das diferentes falas foi possvel comear
a entender o que cada palavra signifca nos dife-
rentes contextos utilizados.
A evoluo das perguntas ao longo do tempo
refetiu a busca por uma questo que pudesse
despertar uma refexo, um julgamento de valor,
nos indivduos participantes. O principal nexo
entre as diferentes perguntas foi uma trajetria
de simplifcao desse estmulo refexivo.
c) Tcnicas Participativas em
Municpios de baixo IdH
Paralelamente s audincias pblicas, foram
visitados os dez municpios brasileiros de menor
ndice de Desenvolvimento Humano Municipal
(IDH-M), escolhidos com base no Atlas de Desen-
volvimento Humano do PNUD. Mesmo cientes
de que os dados do Atlas, baseados em informa-
es censitrias de 2000, esto defasados, opta-
mos por trabalhar com a ltima informao dis-
ponvel. O objetivo foi o de incluir as perspectivas
desses moradores no processo de identifcao
do tema do prximo RDH.
Dentro de uma perspectiva de desenvolvi-
mento humano, importante priorizar a voz dos
mais pobres. Esse foi o caso dos moradores dos
municpios (e comunidades carentes vivendo ao
redor) desses lugares, em geral muito isolados
dos demais.
Para essa etapa do processo de consulta, foi feito
um amplo esforo de preparao logstica, de forma
a permitir que os dez municpios fossem visitados
em um perodo de quarenta dias. Para tanto, todas
as prefeituras foram contatadas previamente, e
um detalhado plano de visitas foi desenvolvido.
Duas pessoas foram a campo para registrar os
depoimentos de moradores e realizar atividades
baseadas em tcnicas participativas. Em particular,
foram realizadas: i) entrevistas individuais; ii) visitas
guiadas; iii) grupos de discusso; e iv) tcnicas
audiovisuais. Desse processo, nasceu tambm um
blog (www.podemudar.wordpress.com), em que
foram registrados os principais acontecimentos da
viagem.
Em lugar de serem sugeridos temas, a pes-
quisa e suas atividades foram planejadas para
revelar, a partir das refexes das pessoas, os
temas de maior importncia para os municpios
investigados. A inteno foi estimular o pensam-
ento crtico e as refexes das pessoas, para que
elas pensassem no somente o que precisa mu-
dar mas tambm como mudar. Uma caractersti-
ca importante das atividades foi a fexibilidade
de adaptao aos diversos contextos nos quais
as pessoas participaram. Por exemplo, em gru-
pos em que existia um participante claramente
dominante, em vez de a avaliao das propostas
mais importantes ser feita em grupo, deu-se a
oportunidade para que cada membro votasse
individualmente nas propostas que achasse
mais relevantes, deixando o participante domi-
nante como o ltimo a votar.
d) Internet
O uso da Internet foi um dos grandes diferen-
ciais desta campanha. No incio, a preocupao
era de que a Internet pudesse ser um formato de
comunicao totalmente elitista, pois, afnal de
contas, necessrio um computador e um canal
de acesso (que so geralmente caros) para par-
ticipar. No entanto, atravs da evoluo da par-
ceria com o CONSED, percebeu-se que se poderia
usar a rede de computadores instalada em esco-
las pblicas de todo o Brasil como uma maneira
de possibilitar o acesso de jovens pobres que
estudam em escolas pblicas a esse canal.
No incio da campanha, a Internet comeou
a ser usada para veicular as questes piloto. Isso
foi o que aconteceu na enquete promovida no
site do PNUD e no site Portal dos Voluntrios, com
um alcance mais limitado em termos de classes
sociais. Depois, com a criao do hotsite em par-
ceria com a campanha promovida juntamente
com o CONSED e a Rede Globo, atingiu-se outro
perfl de usurio, com muitas pessoas jovens e
pobres participando.
Esse formato de comunicao no teria sido
possvel h dez anos. A popularizao da Inter-
net entre o pblico (muitos em associaes de
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Brasil Ponto a Ponto. Duas emissoras de televiso
foram parceiras nesse processo: Rede Globo de
Televiso e MTV.
A Rede Globo, lder de audincia no pas,
com um share de 50% da audincia total, dis-
ponibilizou distintos canais para a divulgao
da campanha:
Cobertura no jornalismo dirio (duas reporta-
gens foram exibidas no Jornal Nacional, uma no
Jornal Hoje e vrias na Globo News, e o jorna-
lismo local providenciou uma ampla cobertura
da campanha);
Divulgao em programa de entretenimento
semanal (duas reportagens foram exibidas no
Fantstico);
Disseminao da consulta por meio do portal
de jornalismo da emissora na Internet (G1);
Espao em programa de auditrio, exibido aos
domingos (divulgao em dois programas do
Fausto);
Elaborao e veiculao de anncios curtos (15
segundos) incentivando a populao a partici-
par da campanha. Os anncios foram divulga-
dos 7.215 vezes ao longo da programao diria
da emissora, durante todo o ms de maro e
primeira quinzena de abril de 2009.
moradores, lan houses, escolas pblicas etc.)
possibilitou uma compilao de vozes de todas
as partes do Brasil e de vrios tipos e perfs socio-
demogrfcos. No entanto, cabe enfatizar que o
uso da Internet isolado talvez no tivesse o mes-
mo efeito. O grande nmero de respostas s foi
vivel atravs do uso complementar de outras
formas de comunicao, como a televiso, telefo-
nia e uso de redes sociais.
No site Brasil Ponto a Ponto as pessoas foram
convidadas a deixar sua mensagem por escrito
ou por vdeo. Existia um espao para que elas se
identifcassem, mas o anonimato tambm era
possvel. Deste modo, procurou-se incentivar a
participao franca, irrestrita e pessoal de todos.
e) Telefonia
A telefonia celular foi um dos meios de comu-
nicao que mais cresceu, no somente no Brasil
mas no mundo inteiro, nesta ltima dcada. O
telefone mvel, diferentemente daquele de linha
fxa, est diretamente associado a indivduos e
no ao domiclio deles. No Brasil, estima-se que
se tenha mais de 180 milhes de celulares em
uma populao de 191 milhes de pessoas. O ce-
lular, no seu formato ps ou pr-pago, encontra-
se amplamente difundido na maior parte das
classes sociais.
O uso do SMS (mensagem de texto via celular)
surgiu como uma possibilidade de acessar
indivduos que no conheceram a campanha por
outros meios. A parceria com a TIM foi natural pelo
fato de essa companhia pautar sua ao social
em bases de desenvolvimento humano. Foram
enviadas 12 milhes de mensagens SMS para
todo o Brasil, durante um perodo de 3 semanas,
em que 6 milhes de SMS convidavam as pessoas
a acessar o site www.brasilpontoaponto.org.
br e outros 6 milhes pediam s pessoas para
responderem diretamente por celular.
f) Televiso
A busca por parcerias que possibilitassem a
divulgao da consulta pela televiso foi impres-
cindvel para ampliar o alcance da Campanha
62 PARTE 1 | Brasil Ponto a Ponto: consulta pblica
Contribuio especial Cludia Gaigher, TV Morena, afliada da Rede Globo
Quero falar!
Foi este o sentimento que percebi nas pessoas aqui em Mato Grosso do Sul: a necessidade de falar e a certeza
de que sero ouvidos.
Quando comeou a consulta da Campanha Brasil Ponto a Ponto me surpreendi ao ver no site do PNUD de-
poimentos de diferentes regies daqui do estado. Gente de cidadezinhas isoladas, que esto longe do padro de
qualidade de vida e de oportunidades das grandes metrpoles brasileiras, escrevendo os seus anseios, as suas crti-
cas, dando a sua opinio. Eu me encantei ao perceber o quanto o nosso povo est atento. No importa a situao
social, acesso ou escolaridade: todos sabem certinho aquilo que precisam no seu universo prximo e no pas como
um todo.
Em Campo Grande as pessoas se perguntavam: Voc j respondeu a Brasil Ponto a Ponto?. Uma adeso que
revelou o quanto somos carentes de algum que possa verdadeiramente prestar ateno naquilo que dito.
Nas escolas pblicas e particulares, um enorme movimento transformou a consulta em disciplina. Os profes-
sores aproveitaram a chance para aulas de cidadania em que todos podiam discutir o que pensam da cidade, do
estado, do pas. Nas aulas de portugus, a campanha surgiu como uma grande oportunidade de exercitar a escrita,
elaborar um texto. Isso em um universo bem conhecido dos jovens: o mundo da informtica. Houve at uma as-
sociao de bairro que cedeu os computadores utilizados em aulas gratuitas de informtica para que os moradores
participassem com as suas opinies.
Nos nossos telejornais locais a gente estimulava as pessoas, lamos alguns depoimentos. Imediatamente as pes-
soas ligavam na redao dizendo que queriam participar ou que concordavam com aquele pensamento mostrado.
No site do nosso grupo tinha sempre um lembrete para as pessoas participarem.
Uma prova de que nesse gigante, que o Brasil, as diferenas culturais, sociais, econmicas e geogrfcas no im-
pedem a participao quando o povo tem um canal para ser ouvido. Mais que isso, a campanha Brasil Ponto a Ponto
foi um incentivo a todos. Ns nos sentimos importantes como indivduos essenciais na formao da nao brasileira.
Espero que tanta expectativa seja consumada em aes, para que todos vejamos as nossas necessidades atendidas.
A MTV j planejava realizar, no primeiro se-
mestre de 2009, uma campanha sobre desen-
volvimento sustentvel. A parceria do PNUD com
a emissora possibilitou, ento, a divulgao da
consulta pblica no contexto das atividades da
MTV. A emissora produziu e veiculou:
Uma vinheta de 30 segundos sobre desenvol-
vimento, divulgada 1.300 vezes, que convidava
a populao a participar da Campanha Brasil
Ponto a Ponto;
Um frum no Portal da MTV para as pessoas
registrarem e discutirem suas opinies sobre a
pergunta da campanha;
Programas de debate, como o Debate MTV, so-
bre O que precisa mudar no Brasil para sua vida
melhorar de verdade?.
Alm das atividades de divulgao realiza-
das com o apoio das duas emissoras parceiras,
a campanha foi divulgada tambm por meio de
entrevistas concedidas pela equipe do relatrio a
diversas emissoras nacionais e locais.
Considerando o amplo alcance pretendido
pela Campanha Brasil Ponto a Ponto, a adoo da
estratgia de comunicao por meio de emisso-
ras de televiso foi fundamental para o alcance
do grande nmero de participaes registradas
na fase de consulta pblica do relatrio.
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Contribuio Especial Mauro Dahmer, MTV Brasil
A MTV e a Campanha Brasil Ponto a Ponto
O Brasil enfrenta muitos desafos para o seu pleno desenvolvimento. Desafos de crescimento econmico, dis-
tribuio de renda, sade, melhora da educao, segurana pblica, entre diversos pontos que muitas vezes pare-
cem no se unir num pas de tamanho e complexidades to grandes. Se ainda levarmos em conta que, numa
sociedade democrtica, o prprio modelo de desenvolvimento no apenas fruto de presses de grupos com inte-
resses especfcos no presente, mas tambm herana de decises passadas que produzem custos e consequncias
ao longo do tempo para as geraes futuras, temos ento um quadro em que raramente jovens e estudantes
participam ou mesmo so ouvidos nos processos de deciso.
Nesse contexto, os veculos de comunicao tm um papel fundamental no s para disseminar informao
mas tambm para formular debates que refitam os anseios da sociedade e unam os diferentes pontos do Brasil.
A MTV participou da Campanha Brasil Ponto a Ponto, promovida pelo PNUD com o propsito de defnir o tema do
prximo Relatrio de Desenvolvimento Humano, com o objetivo de ouvir nossa audincia e entender como uma
parte signifcativa dos jovens brasileiros v os desafos do desenvolvimento, e com a responsabilidade de quem en-
tende que este deve ser apenas o ponto de partida para uma nova relao entre a sociedade brasileira, seus anseios
e expectativas, e o modelo de desenvolvimento do pas.
g) Interpessoal
A comunicao face a face ainda uma das
melhores maneiras de disseminao de informa-
o. Grandes redes sociais que operam no pas
perceberam o valor das redes como instrumento
de ao social e privada, como o caso da Na-
tura. O valor dessas redes uma grande riqueza,
no somente pelo que elas produzem mas pelas
relaes de confana, reciprocidade e comunica-
o que elas representam. O que importa, quase
sempre, no apenas transmitir informao,
mas pass-la com confana, com segurana de
que ela sria. A credibilidade no formato de co-
municao interpessoal um ativo fundamen-
tal nessa modalidade.
Utilizando o princpio da comunicao face a
face, foi estabelecida parceria com a Natura para
o processo de consulta pblica. A Natura conta
com uma rede de mais de 600 mil consultoras
que atuam em todo o pas. As coordenadoras
da rede Natura participaram de um processo de
capacitao e sensibilizao sobre a Campanha
Brasil Ponto a Ponto, que viabilizou a distribuio
de formulrios impressos com a pergunta da
campanha grande parte da rede de consul-
toras. Estas puderam registrar suas respostas,
repassando a questo tambm para mais uma
pessoa da sua rede. Esse processo de comunica-
o permitiu um retorno efetivo de respostas de
mais de 70 mil pessoas em todo o Brasil.
64 PARTE 1 | Brasil Ponto a Ponto: consulta pblica
Conselho Nacional de Secretrios de Educao (CONSED)
A Campanha Brasil Ponto a Ponto foi aberta participao de todos os brasileiros. No entanto, foi realizado um
esforo adicional para ouvir tambm as vozes das crianas, adolescentes e jovens do pas. Assim, na semana de 16 a
21 de maro de 2009 foi realizada uma grande mobilizao nas escolas, para que as crianas, adolescentes e jovens
pudessem participar desse processo.
Para possibilitar a mobilizao das escolas, o PNUD fez uma parceria com o Conselho Nacional de Secretrios
de Educao (CONSED). Vinte estados aderiram campanha: Alagoas, Amap, Bahia, Esprito Santo, Maranho,
Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Par, Paraba, Pernambuco, Piau, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Rio Grande
do Sul, Roraima, Rondnia, Santa Catarina, So Paulo, Sergipe e Tocantins. A adeso das Secretarias de Educao
estaduais foi voluntria.
As Secretarias de Educao foram responsveis pela mobilizao das escolas de sua rede (escolas da rede pbli-
ca estadual) para participao na campanha. As escolas puderam participar de duas formas:
As escolas que possuam acesso Internet, participaram por meio do site da campanha;
As escolas que no possuam acesso Internet participaram por meio do registro da resposta dos alunos em
formulrios em papel.
As Secretarias de Educao dos estados foram parceiras diretas na mobilizao das escolas da rede estadual.
No entanto, as escolas da rede pblica municipal e as escolas particulares tambm puderam participar. As escolas
interessadas puderam acessar o site da campanha e buscar o espao destinado exclusivamente s escolas. Nesse
espao, foram disponibilizadas todas as informaes para participao das escolas interessadas.
A atuao do CONSED e das Secretarias de Educao estaduais foi fundamental para os resultados alcana-
dos pela campanha. Grande parte da participao registrada no site foi estimulada pela atuao das escolas. A
parceria com a Rede Globo tambm foi imprescindvel nesse processo, pois a emissora atuou na divulgao das
atividades que seriam realizadas nas escolas, incentivando a participao dos alunos e a adeso de outras escolas.
Outra importante parceria acionada nesse
processo foi a da Confederao Nacional dos Mu-
nicpios (CNM). Esta agrega todos os municpios
brasileiros e possui canal de comunicao direto
com grande parte dos gestores municipais. A
CNM apoiou a Campanha Brasil Ponto a Ponto,
disponibilizando um link de divulgao em seu
site na Internet e produzindo uma chamada para
rdio que foi divulgada em cerca de 1.500 emis-
soras de radiodifuso cadastradas no seu banco
de contatos.
Baseando-se no princpio da diversidade dos
indivduos, um dos pilares do desenvolvimento
humano, procurou-se montar um portfolio de
formatos de comunicao, isto , um conjunto
de maneiras diferentes de se comunicar com o
pblico. A seleo desses formatos dependeu ba-
sicamente da disponibilidade de diferentes tec-
nologias, tais como a Internet, telefonia mvel
e redes sociais. Cada uma, separadamente, pos-
sui o grande mrito de se dirigir ao pblico de
uma maneira em particular, mas o maior mrito
de todas foi a possibilidade de fazerem parte de
uma estratgia articulada.
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Fundamentos conceituais
e metodologia
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66 PARTE 1 | Brasil Ponto a Ponto: consulta pblica
O campo da avaliao social no pode
ser dominado por uma espcie de en-
genharia de valor neutro. importante
que novos desafos avaliativos sejam en-
frentados, levando-se em considerao
a forma como juzos de valor so feitos,
como podem ser julgados e questionados
(ao invs de serem apenas colocados em
prtica).
Amartya Sen
(no prefcio do livro "Desenvolvimento Humano",
organizado por Sakiko Fukuda-Parr e A.K. Shiva
Kumar, OUP, 2003)
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JulGAmENToS DE vAlor
Relatrios e indicadores so geralmente trab-
alhos tcnicos. Eles envolvem nmeros, estatsti-
cas, grfcos e termos difceis de entender, a no
ser por especialistas. No entanto, poucas vezes se
percebe que relatrios e indicadores so cons-
trudos levando-se em considerao julgamen-
tos de valor. Isto , julgamentos sobre o que
bom e o que ruim, sobre o que importante e
sobre o que no . Chamamos esses julgamentos
de normativos pois tratam dessas normas sobre
o que certo, sobre o que correto e importante
e, portanto, merece ateno.
Podemos ento perguntar quais so os jul-
gamentos normativos que a formulao de um
RDH envolve? O primeiro tipo de julgamento nor-
mativo sobre a escolha dos temas (ou tpicos)
a serem tratados pelo relatrio. A identifcao e
seleo de diferentes questes a serem exami-
nadas em um RDH devem refetir no somente o
que considerado tecnicamente relevante mas,
principalmente, o que importante para os in-
divduos e sociedades para os quais os relatrios
so feitos. Afnal, um Relatrio de Desenvolvi-
mento Humano deve homenagear a voz e o
sentimento das pessoas. Esse reconhecimento
crucial estrategicamente e por essa razo merece
toda a nossa ateno.
Entretanto, essencial mencionar tambm
um segundo tipo de julgamento normativo que
possui um carter ideolgico. A principal ideo-
logia que divide a formulao de RDHs sobre
como os mercados, em comparao aos governos,
podem ajudar as diferentes sociedades a ter um
desenvolvimento econmico que seja efciente e
que gere justia social. Na maior parte das vezes,
a disputa entre efcincia e equidade como obje-
tivo de polticas sociais infuenciada por cren-
as ideolgicas. O pragmatismo defendido pela
perspectiva do desenvolvimento humano de-
manda o aceite desses dois objetivos de poltica
social, considerando tanto os mercados como os
governos como partes importantes na promoo
do desenvolvimento humano.
Finalmente, cabe tambm mencionar um
outro tipo de julgamento de valor que muito
comum no campo da formulao de indicadores.
Usualmente, os indicadores so justifcados com
base em consi deraes tcnicas. No entanto,
cabe perguntar por que se escolhe um indicador
e no outro? Por que se assume um peso e no
outro? O que normalmente se esconde nesses
procedimentos so escolhas que refetem jul-
gamentos de valor. Com tudo isso difcil dizer
que um Relatrio de Desenvolvimento Humano
neutro, livre de valores. Por isso, o melhor cami-
nho reconhecer essa fundamentao norma-
tiva (leia-se de julgamentos de valor) e tentar
colocar na prtica o que a teoria do desenvolvi-
mento humano j argumenta conceitualmente
h muito tempo.
68 PARTE 1 | Brasil Ponto a Ponto: consulta pblica
Sempre que se elabora um RDH h vrios tipos
de consultas que podem ser feitas em relao a
vrios julgamentos de valor que so necessrios
para a elaborao de um relatrio deste tipo. O
pior cenrio seria estar em uma situao em
que no h nenhuma consulta, ou seja, uma
situao na qual o relatrio no dividido com
ningum fora do PNUD antes de ser publicado.
A outra alternativa seria optar pela realizao de
consultas na formulao do relatrio. Mas uma
consulta sempre realizada da mesma forma?
Pelo contrrio. Existem pelo menos cinco formas,
ou graus diferentes de valor de consulta (do mais
baixo ao mais alto), que podem ocorrer:
Grau 1
O tema do relatrio j
foi defnido. O relatrio
j foi preparado e aberto
consulta bem no fnal
apenas para reviso com
alguns parceiros nacionais.
Esse o nvel mais baixo
conceitualmente de
participao, dado que
apenas um nmero
muito limitado
de mudanas
possvel;
Grau 2
O tema do relatrio j
foi defnido, mas so
feitas reunies para a
incluso de questes
adicionais. Essas sesses
so feitas com parceiros
nacionais e representam
uma oportunidade para
a considerao de como o
tema deve ser tratado;
Grau 3
O tema do relatrio ainda
no foi escolhido e os
parceiros nacionais so
chamados a ajudar nessa
escolha, mas dentro de
uma escolha limitada na
qual eles somente podem
eleger entre tpicos pr-
defnidos. Aqui pode existir
algum grau de liberdade
dependendo do nmero de
opes abertas as pessoas;
Grau 4
O tema do relatrio
no foi escolhido e a
consulta aberta sem
impor alternativas pr-
defnidas para que as
pessoas possam refetir
sobre as questes mais
apropriadas de acordo com
a relevncia e importncia
para suas vidas. A consulta
no entanto limitada
participao de poucos
grupos;
ESColHA DoS TEmAS
68 | Brasil Ponto a Ponto: consulta pblica
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Grau 5
O tema do relatrio
no foi escolhido e a
consulta ampla e aberta
a toda a populao,
dando total liberdade de
expresso a um grande
nmero de pessoas, que,
voluntariamente, pode
registrar sua voz.
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70 PARTE 1 | Brasil Ponto a Ponto: consulta pblica
O processo de consulta pode, assim, assumir
diversos formatos, que podem diferir quanto
abrangncia da consulta e, consequentemente,
quanto s estratgias de comunicao e disse-
minao adotadas.
O processo de consulta pblica na elaborao
do RDH Brasil 2009/2010 optou pela adoo do
grau mximo de consulta (grau 6), escolhendo
estratgias at ento inditas, que possibili-
taram uma ampla participao da populao
no debate para defnio do tema do relatrio.
A motivao dessa iniciativa foi clara: realizar a
misso do desenvolvimento humano de explici-
tar os julgamentos normativos contemplados
na busca do que desenvolvimento para uma
sociedade.
Escolher o tema de um RDH atravs de per-
guntas abertas populao no uma tarefa f-
cil, pelos problemas logsticos que envolve. Mas
tanto do ponto de vista terico como do empri-
co, esse tipo de consulta faz parte da essncia
Com base no trabalho classifcatrio de Bina Agarwal, J. N. Pretty, John Gaventa, e Jay Drydyk,1 no livro Ethics
of Global Development: Agency, Capability, and Deliberative Democracy,
2
eu gostaria de distinguir, ampliando a
classifcao sugerida por eles indo do mais fraco at o mais forte um espectro de modalidades de participao
nos processos de tomada de deciso em grupos:
i) Participao nominal: Esta a forma mais fraca na qual algum pode participar em um processo de tomada
de deciso em grupo. Ela acontece quando algum um membro de um grupo, mas no vai aos seus encontros.
Algumas pessoas so membros de grupos, mas so incapazes ou preferem mesmo no ir aos encontros, porque, por
exemplo, sentem-se perseguidas ou acreditam que no so bem-vindas;
ii) Participao passiva: Na participao passiva, as pessoas so membros de grupos e vo as reunies ofciais
dos grupos para tomada de deciso. No entanto, elas apenas escutam passivamente relatos sobre decises que
outros j tomaram. A elite informa no elite o que a elite far ou j fez, e as pessoas que no fazem parte da elite
participam apenas fazendo perguntas, quando muito, ou apenas escutando;
iii) Participao consultiva: Nesse modelo, as pessoas que no fazem parte da elite participam dando infor-
mao e expressando suas opinies (insumos, preferncias, ou mesmo propostas) para os membros da elite. No
entanto, a no elite nem delibera entre si nem toma nenhuma deciso. Os que decidem so apenas aqueles que
fazem parte da elite. Apesar de escutarem as pessoas que no fazem parte da elite, eles no assumem nenhuma
obrigao em faz-lo;
Contribuio especial Professor David Crocker, Universidade de Maryland, Estados Unidos
(Continua na prxima pgina)
de um Relatrio de Desenvolvimento Humano,
pois o respeito opinio dos indivduos a base
de tudo para o desenvolvimento humano. Essas
opinies devem ser qualifcadas pelo debate, pela
troca de ideias, pela criao de oportunidades e
estmulos que apelem razo de cada um.
A participao das pessoas pode se dar
de maneiras distintas, muitas das quais so
superfciais, no se envolvendo nos processos de
tomada de deciso. Essa foi uma preocupao
do PNUD ao organizar as audincias pblicas:
estruturar um modelo de participao em que os
indivduos tivessem uma oportunidade efetiva
de se expressarem. No que segue, o Professor
David Crocker esclarece os diferentes sentidos
em que participao pode ser considerada. Essa
uma discusso fundamental para a luta por
um modelo de desenvolvimento humano mais
participativo, no qual sejam estimuladas as
capacitaes e autonomia dos indivduos.
| 71
iv) Participao por pedidos: Aqui as pessoas que no fazem parte da elite pedem para as autoridades tomarem
certas decises e fazerem certas coisas, normalmente para remediar grandes problemas. Embora seja prerrogativa
da elite decider o que fazer, a no elite tem aqui o direito de ser ouvida, e a elite tem a obrigao de escutar e re-
ceber os pedidos, pelo menos. Este modelo participativo, assim como o modelo de participao consultiva, muito
usado nos processos tradicionais de tomada de deciso;
v) Implementao participativa: As elites determinam os objetivos e os meios principais, e as no elites imple-
mentam os objetivos e decidem, quando podem, somente a respeito das tticas a serem seguidas. Nessa modali-
dade, as no elites fazem mais do que apenas escutar, comentar e expressar suas opinies. Do mesmo modo que
jogadores de futebol, eles acabam tomando decises, mas o plano geral sobre o que fazer pretence ao tcnico do
time;
vi) Barganha: Com base em qualquer poder coletivo ou individual que eles tenham, as no elites, neste modelo,
barganham com as elites. Nessa posio, aqueles que barganham so mais adversrios do que parceiros. Cada
lado , em grande parte, seno na totalidade, motivado pelo autointeresse, e a infuncia das no elites no acordo
fnal depende do que elas esto dispostas a abrir mo ou de sua capacidade de extrair concesses. Quanto maiores
forem os desequilbrios entre o poder das elites em comparao com o das no elites, menor ser a infuncia das
no elites nos resultados fnais. Uma elite pode aceitar uma perda agora para alcanar um ganho maior no futuro.
Alianas e apoios de atores fora da barganha tendem a melhorar o poder de barganha das no elites;
vii) Participao deliberativa: Nesse modelo as no elites (algumas vezes entre si, outras vezes com as elites) de-
liberam juntos, alternando propostas e razes para fundamentar acordos sobre polticas que, ao menos, a maioria
estaria contente em aceitar.
Quanto mais progredirmos na lista, mais forte ser o modelo participativo, no sentido de maiores garantias
dadas autonomia e agncia individual ou coletiva. preciso ter mais agncia para ir a uma reunio, do que
fcar em casa mesmo sendo um membro. Necessita-se muito mais agncia ainda para comentar ou solicitar algo
do que meramente escutar as decises tomados pelos outros, ou fazer algo que mandam. Tanto na participao
por barganha ou na deliberativa, encontramos um tipo de participao dos indivduos que no fazem parte da
elite que manifesta uma agncia ainda mais robusta, porque elas fazem parte dos processos de deciso nos quais
os indivduos no so recipientes passivos das decises dos outros.
Deve-se notar tambm que diferentes tipos de participao podem ser diferentes em relao s suas conse-
quncias. De interesse particular para a abordagem das capacitaes que focam o papel da agncia na vida dos
indivduos a extenso na qual as no elites podem atravs de diferentes tipos de participao fazer uma
diferena positiva no mundo, por exemplo, por meio da promoo do desenvolvimento humano. Em um contexto
particular, por exemplo, alguma forma de participao no-deliberativa, tal como a barganha ou os pedidos, pode
ser mais efcaz do que a participao deliberativa na promoo do desenvolvimento como expanso de agncia
e capacitaes. Alm disso, vale dizer que um modelo no deliberativo de participao pode agora ter um papel
muito importante na gerao de uma participao deliberativa no futuro.
1. Cf. PRETTY, J. N. Alternative Systems of Enquiry for Sustainable Agriculture, IDS Bulletin, 2: 25, 37-48; GAVENTA,
John. The Scaling Up and Institutionalizing of PRA: Lessons and Challenges. In: BLACKBURN, J. and HOLLAND, J.
(Eds.). Who Changes: Institutionalizing Participation in Development. London: Intermediate Technology Publica-
tions, 1998, p. 157; DRYDYK. When is Development More Democratic? 259-260.
2. Cambridge: Cambridge University Press, 2008, p. 342-344.
72 PARTE 1 | Brasil Ponto a Ponto: consulta pblica
A escolha da pergunta, dentro da consulta,
no foi uma tarefa trivial. Primeiro, porque den-
tro de uma perspectiva de desenvolvimento hu-
mano interessante desenvolver uma pergunta
que seja respondida a partir da experincia dos
indivduos e de como eles se sentem sobre as
possibilidades de melhoria de suas vidas. Uma
pergunta que fosse simplesmente sobre a me-
lhoria do Brasil no faria isso. Segundo, porque
a questo deve evitar vieses previsveis, suge-
rindo a existncia de uma nica resposta certa.
fundamental, dentro da perspectiva do de-
senvolvimento humano, a promoo e respeito
diversidade humana. Finalmente, formular
uma pergunta desse tipo difcil, pois ela deve
inspirar uma atitude valorativa e refexiva sobre
os estilos de vida que as pessoas tm razes para
considerar importantes. Depois de muitas tenta-
tivas, como discutido em detalhe mais adiante,
chegamos questo: o que precisa mudar no
Brasil para a sua vida melhorar de verdade?.
importante notar que, nessa frase, o Brasil
um meio para melhorar a vida das pessoas, e no
um fm em si mesmo. Muitas vezes se inverte
essa lgica, perguntando s pessoas simples-
mente o que preciso para melhorar o Brasil. No
entanto, o pas, na sua estrutura econmica, ad-
ministrativa e funcional pode estar muito bem,
escondendo com isso a vida real dos brasileiros,
que o que importa descobrir. Por esta razo
que a pergunta da consulta deixa claro que o es-
pao avaliativo o ser humano, a sua vida.
Do mesmo modo, mesmo sabendo que vrios
fatores infuenciam a vida de todos, pediu-se as
pessoas que falassem sobre o que preciso para
sua vida melhorar de verdade. O conceito aqui
simples: quando tudo considerado importante,
fca difcil ver o que mais essencial de tudo. Um
exerccio de hierarquizao de prioridades deve
fazer parte de qualquer discusso sobre julga-
mentos de valor. Por isso o uso da expresso me-
lhorar de verdade, com o objetivo de estimular
uma refexo sobre as prioridades das pessoas.
CrTiCAS
CoNSulTA PbliCA
Os crticos ideia de consulta podem contra-
argumentar que a consulta um processo caro
e que, alm disso, todos ns j conhecemos a
rea-lidade dos fatos. Realmente, pode ser um
processo caro, no somente em termos mone-
trios mas tambm em termos de tempo e
foco dos times que preparam o RDH. Contudo,
esses custos, muitos deles no monetrios, po-
dem ser compartilhados atravs de parcerias
com grandes redes, tais como companhias de
telefone, redes de televiso, bancos e agncias
governamentais, entre outros. A construo de
parcerias, no entanto, vai muito alm de uma
mera diviso de tarefas. Ela pode ser uma fonte
de ideias, de vises de mundo e de sensibilidade
social que muito pode contribuir para o suces-
so do projeto. Os crticos, no entanto, poderiam
argumentar ainda que se leva tempo para a f-
nalizao e articulao entre essas parcerias. E
teriam toda a razo.
No entanto, a construo de parcerias e
alianas estratgicas deve ser considerada no
somente como um instrumento para uma con-
sulta. Esta deve ser pensada muito alm disso,
como uma grande riqueza em si mesma, que
fundamentalmente necessria no somente
para o relatrio mas para levar a mensagem do
desenvolvimento humano no pas. Sendo assim,
a questo sobre o gasto de energia e tempo na
construo de parcerias estratgicas no parece
ser uma questo de sim ou no, mas uma questo
de quando. E no unicamente para um RDH, mas
para outras atividades que visem a promover o
desenvolvimento humano com a resposta b-
via de que extremamente desejvel ter todos
os parceiros juntos desde o princpio de um RDH.
Alm disso, argumentamos que a formao de
parcerias a coisa certa a fazer, porque sempre
que possvel relevante respeitar a noo de que
a escolha de um tema/assunto uma questo
normativa e, por essa razo, fundamental es-
| 73
cutar as pessoas atravs de uma ampla gama de
parceiros.
Em outras palavras, tanto quanto possamos
simpatizar com a ideia de que j conhecemos
a realidade dos fatos, permanece o respeito
consulta aos indivduos como uma questo de
princpio e comprometimento, e o fato de que
os resultados fnais desse tipo de argumento po-
dem ser estabelecidos apenas empiricamente.
Os crticos podem tambm argumentar que
a realizao de uma consulta ampla e aberta
pode gerar expectativas entre as pessoas que
participaram, e que essas no poderiam ser hon-
radas pelo PNUD. Isso de fato pode acontecer. No
entanto, importante enfatizar que o PNUD, ao
implementar um processo amplo de consulta,
realiza um exerccio em transparncia e com-
prometimento com a sociedade, com o objetivo
de honrar essas expectativas geradas. E esse
caderno parte desse exerccio, pois explica em
detalhe a toda a sociedade os critrios utilizados
para escolha dos temas para o relatrio.
Este exerccio tambm muito benfco para
a dinmica do desenvolvimento humano no
pas, pois ele utiliza a consulta como uma base
para o dilogo e aes futuras uma das men-
sagens centrais do desenvolvimento humano.
Essas mesmas expectativas podem aumentar
o interesse e envolvimento das pessoas no pro-
cesso de elaborao do relatrio, oferecendo no-
vas e melhores condies para a implementao
de quaisquer recomendaes que surjam no
processo. A responsabilidade do PNUD de fato
aumenta, mas os retornos do engajamento da
sociedade parecem ser ainda maiores.
PriNCPioS PArA CoNSTruo
DE um rDH NACioNAl:
ComuNiCAo E
NovAS PrTiCAS
As vantagens em escutar as pessoas na forma
de uma consulta aberta para a escolha do tema
de um RDH no param aqui. Um novo mundo
vem luz quando o foco do relatrio passa a
estar nas parcerias e compromissos assumidos.
Em particular, a questo da comunicao vem
tona novamente. Geralmente, os RDH so feitos
e, depois de prontos, so ento comunicados ao
pblico. Mas, com o processo de consulta, surge a
necessidade da criao, desde o incio, de canais
de comunicao permanentes com a sociedade,
demandando o uso de novas abordagens e cria-
o de novas estratgias para o estabelecimento
de fuxos de informao constantes e efcientes.
O impacto dessa necessidade sobre a es-
truturao do relatrio evidente: ele deve ser
mais amigvel, escrito de forma concreta, menos
formal, possibilitando o acesso no somente a
governos e Academia mas tambm a parceiros
da sociedade civil e ao grande pblico. No longo
caminho promovido por um RDH mais partici-
pativo, transparente e comprometido com a re-
alidade exposta pelas pessoas, a consequncia
lgica uma mudana no seu formato e natu-
reza. Por essa razo, este relatrio composto de
cadernos, e deve buscar novas formas de lingua-
gem para divulgar seus resultados.
Uma vez que entendamos que a consulta
uma caracterstica marcante do desenvolvimen-
to humano, que pode orientar conceitualmente
e empiricamente o trabalho de um RDH, parece
natural extrapol-la ao seu limite lgico, propon-
do lev-la ao seu mximo grau de uma consulta
ampla e aberta a toda populao do pas.
Dessa foram, podemos resumir os argumen-
tos apresentados em dois princpios, essenciais
para a construo de um RDH Nacional neste
novo formato:
74 PARTE 1 | Brasil Ponto a Ponto: consulta pblica
1| Princpio da essencialidade da consulta: Em out-
ras palavras, esse o princpio de que escutar as
pessoas importante para a elaborao de um
RDH. De fato, esse princpio a pedra fundamen-
tal de um relatrio, tal como j colocado pela pu-
blicao do PNUD, o HDR Toolkit (que orienta so-
bre a elaborao de RDHs). Uma vez que passemos
dos padres mnimos para uma preocupao
com os padres mximos, chegamos concluso
lgica que uma consulta deve ser aberta e ampla.
A estratgia decorrente desse princpio deve ser o
fortalecimento de boas prticas de consulta j em
ope rao com a criao de novos mecanismos;
2| Princpio do relatrio que se entenda: Ou seja,
evitando a produo de documentos que sejam
de difcil leitura para o grande pblico, que se-
jam obscuros em seus argumentos. Isso no sig-
nifca evitar o trabalho tcnico necessrio, mas
simplesmente enfatizar uma traduo desses
resultados em formatos mais compreensveis
pelas pessoas, tais como cartilhas, jogos, pro-
gramas de TV ou rdio e outros formatos inova-
dores a serem discutidos com os parceiros.
Esses dois princpios so interdependentes. As-
sim, sempre que a consulta for ampla e que forem
estabelecidos compromissos com o pblico, maior
ser o incentivo para que os relatrios sejam es-
critos diretamente para o grande pblico.
Escrever para o grande pblico, em um con-
texto de construo de parcerias, , por si s, um
grande resultado de desenvolvimento humano,
porque somente atravs do estmulo ao debate
e discusso pblica que o desenvolvimento
pode ganhar a sua ncora normativa (isto ,
uma base a partir da qual se quer ir socialmente,
fundamentada nos valores do grande pblico).
Uma consulta ampla e aberta serve s funes
de cons cientizao das pessoas ao mesmo tem-
po em que confere legitimidade aos resultados
obtidos. Certamente, atravs da promoo da
participao do pblico, do estmulo ao debate
e troca de ideias pode-se realizar no somente
o papel instrumental da consulta (a defnio
do tema do RDH) mas a misso de promoo de
liberdade de pensamento e voz, que to cara
perspectiva de desenvolvimento humano.
No existem muitas ocasies nas quais os ci-
dados possam ser ouvidos sobre os seus pro-blemas
em bases regulares. Existe o voto. Existe a eleio.
Mas, depois disso, muitas vezes a gesto pblica pro-
cede sem a devida ateno s reais necessidades das
pessoas. Algumas experincias inovadoras no Brasil
mostram que o conceito de poltica pblica pode
transcender o de poltica gover namental.
Isso de modo algum nega a grande respons-
abilidade que o Governo (em todas suas esferas)
tem sobre o bem-estar de seus cidados. Mas
essa perspectiva acredita que os indivduos po-
dem potencialmente ser autnomos, senhores e
senhoras de seus prprios destinos. A superao
de barreiras to grandes ao desenvolvimento
humano precisa de sinergias entre diferentes
nveis de esfera pblica. As polticas governa-
mentais tm um grande papel a cumprir, as-
sim como as aes de responsabilidade social e
daqueles indivduos que se sentem responsveis
no pela criao dos problemas passados, mas
pelas solues futuras.
A implicao prtica desse conceito mais
amplo de poltica pblica direta: importante
escrever o RDH no somente para os governos
mas para todos aqueles que se sintam parte das
solues dos problemas. Com isso, o relatrio
pode ser visto no como um fm em si mesmo,
mas como um instrumento na obteno de um
resultado social concreto, tratando de problemas
reais e relevantes para todos, a serem resolvidos
no somente pelos governos mas por todos que
estiverem na posio de ajudar.
O oposto a isso seria a gerao de um relatrio
morto, que consumiria recursos humanos e
fnanceiros para a mera gerao de algumas
manchetes televisivas por um par de dias. Para
se evitar isso, a consulta deve ser seguida de um
relatrio que seja prtico, objetivo e concreto em
suas anlises e recomendaes. Disso depende o
interesse, reconhecimento e comprometimento
que ele pode gerar.
| 75
Contribuio especial Professor Des Gasper, Instituto de Estudos Sociais, The Hague/Holanda
Ouvindo as pessoas e ouvindo com as pessoas para que todos possam se ver
Escutar as pesssoas para defnir o que desenvolvimento frequentemente uma metfora. Isso porque o
que est em jogo no apenas escutar, como uma forma de prestar ateno aos sons. Mas sim, na maior parte
das vezes, escutar traduzido na prtica como participar e expressar-se de forma escrita, a qual ento resumida
e comunicada de vrios modos. O uso de tais meios de participao e expresso se referem ao que os ouvintes
fazem: participao signifca no somente falar mas, principalmente, escutar. Signifca tambm escutar alm do
que as palavras dizem atravs dos seus signifcados explcitos. Pense na forma pela qual qualquer pessoa com ha-
bilidades sociais aprende a ser sensvel a mensagens expressas pela linguagem corporal.
Metforas utilizando a ideia de viso so mais comuns em poltica pblica e planejamento para o desenvol-
vimento: ns vemos os problemas, as causas e efeitos, e ns vemos ou pensamos que vemos as solues cor-
respondentes. Ver uma atividade mais unilateral do que escutar, na vida diria. Enquanto podemos ver os outros
mesmo quando eles esto silenciosos, somente podemos ouvi-los quando ns estamos silenciosos. E eles falam, e
somente podemos escut-los se prestarmos ateno. Na nossa vida no podemos realmente ver se no escutar-
mos. Muitas coisas importantes no so visveis na superfcie, e suas implicaes e importncia dependem em
grande parte dos valores e signifcados que as pessoas tm razes atravs da refexo e discusso para dar. Os
valores e signifcados devem ser expressos, discutidos e considerados.
Quando ns escutamos no planejamento ou nas polticas, muitas vezes esta escuta se d de modo restrito e
particular: escutando a sinais de mercado. Os mercados so canais essenciais de informao, mas eles do tipos
de informao bem limitados. Muitas motivaes bsicas no conseguem ser refetidas em valores de mercado,
tais como as necessidades por identidade, signifcado, estima ou segurana. Os mercados so insufcientes para
muitos tipos essenciais de escuta, incluindo o aprendizado daquilo que no pode ser comprador ou vendido, ou o
aprendizado do que motiva as pessoas alm do dinheiro e tambm para que as pessoas se vejam se reconheam,
se respeitem, mantendo suas bases de afliao e cooperao. Uma escuta respeitosa ensina sobre a realidade das
motivaes das pessoas e evita suprimir a sua motivao e o seu conhecimento de suas prprias situaes sobre
um aparato de uma melhor prtica, estipulada monolgica e centralizadamente. Os planejadores e gestores de
polticas necessitam de habilidades para poderem Escutar para Mudar (esse o ttulo de um livro escrito por Hugo
Slim e Paul Thompson [Londres: Panos Institute, 1993]). Experimentos em dilogos pblicos transformativos e
democracia deliberativa, incluindo o Brasil, oferecem lies interessantes.
Assim, as razes para escutar so muitas e no so reconhecidas em apenas uma perspectiva ideolgica ou de
religio. Somente se escutarmos uns aos outros que ns poderemos fazer sentido, de maneira confvel, a ns
como uma representao coletiva, evitando o autismo social. Somente se escutarmos podemos esperar que nos
escutem. E, somente atravs disso, podemos aprender tal como em uma investigao apreciativa, na qual tenta-
mos descobrir o que as pessoas acham que so os sucessos nas suas vidas e em suas organizaes, indo alm dos
problemas, para tentar construir o futuro com base nesses sucessos, identifcando tambm os signifcados dados
ao sucesso.
76 PARTE 1 | Brasil Ponto a Ponto: consulta pblica
CoNSiDErAES FiNAiS
A Campanha Brasil Ponto a Ponto foi, em vri-
os sentidos, um projeto piloto. A ambio de levar
o dever da consulta pblica ao seu mximo po-
tencial lgico, o de uma consulta ampla e aberta,
trouxe um conjunto de difculdades que foram
enfrentadas medida que os problemas surgi-
ram. Grandes desafos de logstica foram supera-
dos atravs do desejo de se fazer algo inovador
pelo desenvolvimento humano. Foi assim que
esse relatrio pde contar com o entusiasmo e
participao de mais de 25 parceiros, para no
falar no exrcito de mais de 160 voluntrios, de
todas as partes do Brasil, que ajudaram na ela-
borao desse documento.
O grande pano de fundo da realizao da
Campanha Brasil Ponto a Ponto, como parte do
RDH, uma viso de desenvolvimento humano
mais participativa, mais prxima a novos con-
ceitos de comunicao e transformao do co-
nhecimento em mudanas comportamentais.
Uma leitura da metodologia proposta e de re-
sultados dentro dessa perspectiva pode oferecer
uma possibilidade de desenvolvimento humano
mais centrada no indivduo e menos repetitiva
em relao aos paradigmas de desenvolvimento
passados.
O tema escolhido centrado na questo dos
valores o principal foco dos captulos a se-
guir. Na segunda parte, tratamos de elementos
que compem um diagnstico da questo de
valores em termos tericos e empricos. Na ter-
ceira parte, examinamos solues concretas e
boas prticas que possam contribuir para uma
melhoria efetiva da vida dos brasileiros que nos
honraram com sua participao nessa consulta,
assim como da vida de todos ns.
76 PARTE 1 | Brasil Ponto a Ponto: consulta pblica
| 77
nOTAS PARTE 1
1. Para maiores informaes, visite <www.pnud.org.br>.
2. O conceito de razo pblica muito utilizado na discusso de liberdades constitucio nais (por exemplo, ver Freeman, S. Rawls.
London: Routledge, 2007.), mas aqui mais amplamente usado para referir-se a razes compartilhadas (polticas, flosfcas etc.)
com outras pessoas na sociedade.
3. O documento HDR Toolkit for national and regional human development teams est disponvel em:
http://hdr.undp.org/external/toolkit/index.html
78 PARTE 1 | Brasil Ponto a Ponto: consulta pblica
5) Se a resposta envolver uma mistura entre bens
pblicos e outros privados, do tipo sade, educao,
meio ambiente, drogas, valores, corrupo general-
izada na sociedade, ento a regra escolher apenas a
primeira resposta, neste caso, sade. claro que muita
informao perdida, mas por outro lado no h nada
nessa regra que sugira algum vis particular na res-
posta.
Importante: antes de usar a regra 4 ou 5, observar se
no possvel seguir uma das regras anteriores (1, 2
ou 3).
6) Por fm, quando no for possvel traduzir a resposta
em apenas uma palavra ou categoria, busque com-
binar duas palavras. No entanto, esta opo deve ser
usada apenas em ltimo caso, quando no for pos-
svel resumir a resposta seguindo as orientaes do
item anterior. Observe tambm que a combinao
no deve ultrapassar duas palavras. Combinaes de
trs ou mais palavras no devem ser adotadas.
Resumindo:
Categorias mais frequentes
A seguir esto listadas as categorias mais frequentes,
identifcadas at o momento. Se possvel, procure clas-
sifcar as respostas encontradas segundo uma das
categorias listadas. Se realmente no for possvel en-
caixar as respostas em uma das categorias listadas,
crie uma nova categoria, observando as regras gerais
explicadas no incio deste documento. As categorias a
seguir esto agrupadas em sub-temas:
Esta Nota Tcnica foi distribuda para todos os vo-
luntrios que participaram da tabulao dos dados
da Campanha Brasil Ponto a Ponto. Ela a nota fnal,
depois de todas as discusses conceituais sobre os
temas utilizados, foram produzidas mais de 7 verses
desta mesma nota.
Regras Gerais
a) Como escrever as palavras ou categorias?
1) Usar apenas caracteres minsculos (no usar letras
maisculas). Exemplo: emprego (e no Emprego)
2) No usar acentos ou outros sinais grfcos (, -, &, $,
espao etc.). Exemplo: educacao (e no Educao)
3) Se houver a necessidade de combinar duas palavras,
no usar espao ou e. Exemplo: violenciadrogas (e
no violenciaedrogas ou violencia drogas)
b) Como escolher as palavras ou categorias para
sistematizar a resposta?
1) Preferencialmente, usar apenas uma palavra ou
categoria para traduzir a ideia registrada na resposta.
Exemplo: educacao, emprego, desigualdadesocial, pol-
publica
c) Como escolher apenas uma palavra ou categoria?
1) Tente identifcar se no h uma categoria mais am-
pla, qual possam ser incorporados todos os sub-
temas listados pela pessoa. Exemplo: A pessoa men-
ciona na resposta a questo das drogas, da violncia
domstica, da falta de policiamento e da educao,
para que as pessoas no usem a violncia para resol-
ver os seus problemas. Neste caso, a resposta pode ser
classifcada como violencia.
2) Se possvel, procure identifcar qual tema foi men-
cionado como o mais importante pela pessoa que
registrou a resposta. Exemplo: A pessoa menciona trs
temas (educao, sade e transporte), mas concentra
grande parte da sua resposta em explicar por que a
educao a base de tudo e como acredita que, com
educao, o pas se desenvolveria melhor. Neste caso, a
resposta poderia ser resumida a educacao.
3) Outra possibilidade verifcar se no h uma rela-
o de meios e fns na lgica da resposta. Neste caso,
deve ser privilegiado o fm elegido pela pessoa.
Exemplo: A pessoa menciona que gostaria de ter mais
renda para ter acesso a uma boa educao e, ento,
conseguir um bom emprego no futuro. Neste caso, a
educao aparece como meio para o alcance do em-
prego. A resposta, aqui, poderia ser classifcada como
emprego.
4) Se a resposta envolver a proviso de bens pblicos,
isto , bens ou servios ofertados pelo estado, tais
como sade, educao, segurana pblica, usar a cat-
egoria polpublica. Em linhas gerais, essa categoria diz:
A pessoa no sabe muito bem o que precisa mudar,
mas ela identifca essa mudana com a atuao do
estado.
Tentar identifcar categoria
mais ampla na resposta
Tentar identifcar tema ao qual
foi atribudo maior importncia
pela pessoa
Tentar identifcar relao entre
meios e fns e registrar os fns
mencionados
Meno a bens pblicos, que
no se encaixe em nenhuma
das categorias anteriores: usar
polpublica
Resposta com mistura de bens
pblicos e outros temas, que
no seja possvel usar nenhuma
das regras anteriores: registrar
o primeiro tema que aparece na
redao da resposta
1
2
3
4
5
ANExo 1 - Nota Tcnica
| 79
Temas relacionados EDUCAO
Temas relacionados CORRUPO
Temas relacionados POlTICA
Temas relacionados DESIGUAlDADE
Obs: Evitar usar a palavra igualdade. Sempre que surgirem
temas relacionados a igualdade ou desigualdade, devem ser
usadas uma das categorias acima.
Temas relacionados a SEGURANA E VIOlNCIA
Temas relacionados a EMPREGO E TRABAlHO
Categoria mais geral. Usada quando:
i) h meno, na mesma resposta, a
diversos elementos relacionados
educao (ex: estrutura das escolas,
qualidade da educao, salrio dos
professores etc.); ou ii) aparece ape-
nas a palavra educao, sem maiores
detalhes.
Usada quanto h meno espec-
fca a temas ligados qualidade do
ensino (ex: melhoria da qualifcao
dos professores, novas tcnicas ped-
aggicas etc.).
Usada quanto a resposta faz refer-
ncia educao como meio para a
formao de valores, quando a edu-
cao vista como alternativa para
formar cidados melhores (com
mais respeito aos outros, mais com-
prometidos com a sociedade etc.).
Usada quando a resposta menciona
como problema apenas a alfabetiza-
o ou o analfabetismo
Categoria Explicao
educacao
educquali
educvalores
alfabetizacao
Categoria mais geral. Usada quanto
a resposta identifca como tema a
corrupo de forma geral, que deve
ser usada tambm para incluir a cor-
rupo dos polticos (quando no h
a limitao a um tipo especfco de
corrupo).
Usada quando mencionada espe-
cifcamente a corrupo das pessoas
no dia a dia (e no a corrupo dos
polticos).
Categoria Explicao
corrupcao
corrupcaosocial
Categoria mais geral. Usada quando
a resposta menciona como problema
a poltica de forma geral, no iden-
tifcando nenhum tema especfco
dentro dessa questo. Ex: A poltica
no levada a srio no pas.
Usada quando a resposta estiver
relacionada necessidade de maior
participao dos cidados nos te-
mas polticos ou na gesto de polti-
cas pblicas.
Categoria Explicao
politica
participacaopol
Usada quando a resposta estiver
relacionada forma de atuao dos
polticos ou funcionrios pblicos na
gesto dos temas pblicos (defnio
de polticas pblicas, falta de imple-
mentao de programas, deciso
quanto alocao de recursos etc.).
Mas exclui a meno especfca
corrupo, que seria classifcada no
bloco anterior de temas.
Categoria Explicao
gestaopublica
Categoria mais geral. Usada quando
a resposta faz meno a vrias di-
menses de desigualdade, que so
maiores do que a desigualdade ap-
enas de renda. Quando h meno
desigualdade de renda associada a
outros fatores de desigualdade, a re-
sposta pode ser classifcada tambm
como desigualdadesocial.
Usada quando mencionado como
problema apenas a desigualdade de
renda.
Usada quando h referncia a
qualquer forma de discriminao
(por raa, etnia, gnero, idade etc.).
Inclui tambm a questo do precon-
ceito.
Categoria Explicao
desigualdadesocial
desigualdaderenda
discriminacao
Categoria mais ampla, inclui
questes de violncia (em suas vrias
formas domstica, nas escolas, nas
ruas etc.) bem como questes rela-
cionadas a segurana pblica.
Categoria Explicao
violncia
Usada quando a resposta faz refer-
ncia a emprego ou a trabalho como
forma de gerao de renda. O foco
aqui a renda.
Categoria Explicao
emprego
80 PARTE 1 | Brasil Ponto a Ponto: consulta pblica
Temas relacionados CONVIVNCIA EM SOCIEDADE,
RElAO COM O MUNDO
Temas relacionados PROVISO DE BENS PBlICOS
Obs.: Quando h a meno demanda por diversos servios
pblicos, procure identifcar se um deles no destacado
como mais relevante ou se estes no podem ser classifcados
dentro de uma categoria mais ampla. Apenas se no for pos-
svel, use a classifcao polpublica. E se o agrupamento for
mais amplo, escolha apenas o primeiro da lista.
Temas relacionados QUESTO DA JUSTIA
Alguns outros temas frequentes
Usada quando a resposta faz refer-
ncia a emprego ou a trabalho, mas
com preocupaes relacionadas
satisfao no trabalho, carreira,
qualidade de vida etc. Aqui o foco
no apenas renda, mas condies
e qualidade do trabalho (valorizao
profssional).
Categoria Explicao
trabalho
Faz referncia difculdade de os
indivduos compreenderem o que
acontece sua volta, de conseguirem
captar uma informao e aplic-la
em sua realidade. Compreende ain-
da a percepo dos indivduos sobre
como as pessoas sua volta vivem.
O foco aqui a relao do indivduo
com a sociedade na qual vive.
Categoria mais geral. Abrange todos
os pro-blemas relacionados a valores
problemas da falta de respeito, ho-
nestidade, reciprocidade etc. entre
as pessoas. Engloba as duas catego-
rias abaixo.
Categoria Explicao
compreensaosocial
valores
Usada quando a resposta faz men-
o demanda por diversos servios/
polticas pblicos oferecidos pelo Esta-
do, sem destacar nenhum deles como
mais importante. Exemplo: educao,
sade, saneamento, transporte etc.
Categoria Explicao
polpublica
Categoria mais ampla. Envolve rela-
o com as leis, com o judicirio.
Obs.: No usar o termo injustia, reg-
istrar como justia.
Categoria Explicao
justica
Usada quando mencionado espe-
cifcamente o tema de obedincia
s leis.
Usada quando so mencionado es-
pecifcamente problemas de funcio-
namento do judicirio.
Registrar quando a questo da im-
punidade referida especifcamente,
com o uso dessa palavra especfca.
Categoria Explicao
leis
judiciario
impunidade
Autoexplicativa.
Autoexplicativa.
Problema dos altos impostos pagos.
Vale aqui para todas as reas em que
o que falta esteja relacionado falta
de infraestrutura.
Usar como referncia aos problemas
que so mais especfcos, quando in-
dicados, dos jovens.
Categoria geral em que se pode in-
cluir problemas de poluio, lixo etc.
Autoexplicativa.
Autoexplicativa. Seria categorizada
como infraestrutura, mas, de fato,
como importante, merece uma
entrada prpria, se o problema for
mencionado especifcamente como
saneamento.
Autoexplicativa.
Deve-se usar transporte como
categoria geral para problemas de
trnsito, distncia etc.
Categoria Explicao
drogas
fome
impostos
infraestrutura
juventude
meioambiente
pobreza
saneamento
saude
transporte
| 81
ANExo 2
Acre 21,9 14,4 13,2 5,7 7,1 5 5,1 2,6 1,7 0,2 100
Alagoas 21,2 9,7 20,2 18,1 3,8 7,1 1,7 1,4 0,3 0,7 100
Amazonas 29,5 15,4 6,1 3,6 5,8 2,8 5,8 3,6 4 0,3 100
Amap 23,1 4,6 20,8 7,2 6,9 10,6 1,5 7,5 0,3 1,1 100
Bahia 25,1 13,9 7,5 9,7 4,9 3,9 5,1 2,1 2,6 0,5 100
Cear 20,5 17,6 9,4 10,9 2,7 5,1 4,3 1,3 0,8 0,4 100
Dist. Federal 24,3 14 6,6 7,2 3,7 5,2 7 2 2,1 0,5 100
Esprito Santo 17,2 12,5 14,3 7,2 6,2 6,5 4,2 2,3 2,4 0,7 100
Gois 26,9 12 5,4 5,4 12,4 2,1 4 2,9 2,9 0,2 100
Maranho 24,6 12,3 14,2 11,3 3,9 6,5 2,3 1,6 1 0,8 100
Minas Gerais 21,8 12,1 12,4 7,6 8,2 5 4,2 2,1 2 0,7 100
Mato G. do Sul 19 12,5 13 10,8 8,9 6,7 2,9 3,4 2,8 0,6 100
Mato Grosso 17,6 16,8 6,9 14,6 5,1 5,7 3,8 2 1,8 0,4 100
Par 18,3 14,6 14,1 7,3 6,8 7,6 3,7 1,4 0,8 0,3 100
Paraba 38 8,3 4 6,9 8,2 1,7 5,2 3,3 4,2 0,3 100
Pernambuco 22,4 12,9 14,3 14,9 4,7 6,5 2,3 1,4 0,8 0,8 100
Piau 22,2 12,4 16,1 13,2 2,6 4,9 3,2 1,4 0,7 0,3 100
Paran 30,9 14,2 5,3 4,3 4,7 2,4 6,3 1,6 5 0,3 100
Rio de Janeiro 24 14,3 8,4 6,1 5,8 4,1 6,3 1,5 3,4 0,5 100
R. G. do Norte 23,1 9,8 13,4 7,9 6,8 7,9 4,7 1,7 1,7 0,6 100
R. G. do Sul 25,4 10,8 10,4 7,2 7,2 3,4 4,5 1,6 3,7 0,5 100
Rondnia 25 10,3 8,6 7,3 13,3 4,5 3,9 5,1 2,4 0,5 100
Roraima 26,5 8,7 16,2 10,1 4,8 7,4 2,2 2 0,6 0,9 100
Sta. Catarina 18,2 16,1 6,7 5,8 7,1 4,5 4,9 1,8 2,3 0,4 100
Sergipe 25,6 10,9 23,2 10,3 6,1 3,9 1,7 2,2 0,8 0,7 100
So Paulo 17,1 14,9 12 6,5 5,3 5,5 2,9 1,8 1,3 1,1 100
Tocantins 21 11,2 21,5 9,1 8,2 6,1 2,1 3 0,6 1,1 100
% dos temas
setoriais por
Estado
E
d
u
c
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o
P
o
l
t
i
c
a
P
b
l
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V
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P
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b
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e
z
a
J
u
d
i
c
i
r
i
o
Total
Acre 6,2 5,3 7,1 1,1 100
Alagoas 5,3 4,7 2,8 1 100
Amazonas 7 12,1 2,2 0 100
Amap 5,9 4,2 2,8 1 100
Bahia 11,3 6,2 4,1 0,6 100
Cear 11,3 5,6 5,2 1,9 100
Dist. Federal 12,1 8,1 4,9 0,5 100
Esprito Santo 13,1 5,5 3,4 1,3 100
Gois 10,1 8,3 3,4 0,4 100
Maranho 9,4 4,9 2,5 0,8 100
Minas Gerais 10,3 5,3 4,6 0,7 100
Mato G. do Sul 6,2 5,5 3,6 1,1 100
Mato Grosso 10 6,9 5,5 0,6 100
Par 10,3 7,5 2,9 0,9 100
Paraba 5 9,9 2,3 0,4 100
Pernambuco 8,2 3,9 3,2 1,2 100
Piau 5,8 4,8 4,5 1,7 100
Paran 10,4 7,5 3,4 0,3 100
Rio de Janeiro 12,2 6,2 3,7 0,4 100
R. G. do Norte 9,4 7,5 2,8 0,4 100
R. G. do Sul 9,3 6,2 5,2 0,9 100
Rondnia 7,5 5,9 2,4 0,8 100
Roraima 7,7 7,1 2,4 0,6 100
Sta. Catarina 15,1 7,8 3,9 0,5 100
Sergipe 4,8 3,2 3,2 0,8 100
So Paulo 17,4 6,4 2,6 1,1 100
Tocantins 5,2 3,7 3,7 1,1 100
% dos temas
transversais
por Estado
Total V
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l
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C
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p
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a
d
e
J
u
v
e
n
t
u
r
d
e
Valores de vida e
desenvolvimento humano
| 83
Valores de vida e
desenvolvimento humano
PARTE 2
Era uma vez um menino
Que tinha pena de tudo
Do pobre, por no ter nada,
E do rico, por ter tudo.
Por ser to penalizado
Logo foi apelidado
Com o nome Z Penudo.
Penudo se preocupava
Vendo que o povo sofria,
Sem poder dormir de noite,
Sem querer sair de dia,
E vendo na sociedade
Faltar solidariedade,
Tolerncia e alegria.
Z Penudo ento cresceu,
Estudou, fez faculdade,
Depois arranjou emprego
Em uma grande entidade,
Onde lhe deram a misso
De estudar uma nao
E sua sociedade.
Foi na ONU o emprego
Que Penudo conseguiu
E, ao saber de sua misso,
Ficou feliz e sorriu.
Disseram que ele estudasse,
Entendesse e explicasse
Os problemas do Brasil.
Mas falar s de problemas
No iria lhe agradar,
Penudo, ento, resolveu
s pessoas perguntar:
De tudo o que voc viu,
O que mudar no Brasil
Para a vida melhorar?.
Assim, quando algum falasse
Das suas preocupaes,
Apontaria os problemas,
E daria condies
De, na mesma ocasio,
Fazer uma previso
Das possveis solues.
Pensando dessa maneira,
Penudo pegou a estrada.
De cidade em cidade
A pergunta era levada.
E as respostas que eram dadas
Eram todas anotadas,
Foi assim sua jornada.
Z Penudo percorreu
Todo o solo brasileiro
Dos pampas Amaznia
De Belm a Juazeiro.
Com o relatrio pronto
O Brasil, de ponto a ponto,
Fora visto por inteiro.
Mas no foi s viajando
Que Penudo trabalhou,
Atravs da Internet
Ele tambm perguntou
E, assim, quinhentas mil
Pessoas, pelo Brasil
Z Penudo entrevistou.
Foram muitas as respostas,
Que Z Penudo ouviu,
Para essa mesma pergunta
Que ele sempre repetiu:
Para a vida melhorar,
Voc pode me apontar
O que mudar no Brasil?
Estudando as respostas
Mostrou-se uma evidncia,
Duas coisas no Brasil
Tiram nossa pacincia:
Em toda a nossa nao,
T faltando educao,
T sobrando violncia.
Outra coisa importante,
Que tambm foi percebida
No estudo de Penudo,
No deve ser esquecida:
que muitas coisas boas
Dependem s das pessoas
Pra melhorar nossa vida.
De acordo com a pesquisa,
As pessoas apontaram
Coisas muito valiosas
Que elas consideraram.
Coisas como a amizade,
Respeito e tranquilidade,
Elas sempre desejaram.
So bens que no se adquirem
Pela fora do dinheiro
E nem o governo tem
Para dar ao brasileiro.
Precisam ser conquistadas
Pelas aes praticadas
Todo dia, o ano inteiro.
Governo faz uma escola,
Hospital, delegacia,
Organiza a previdncia,
Intervm na economia.
Mas a famlia que ensina
O menino e a menina
A saudar com um Bom dia!.
No pense, ento, que o Governo
Cura todas nossas dores
Pois dos fatos sociais
Ns tambm somos atores
E a pesquisa de Penudo
J mostrou que, sobretudo,
Precisamos de valores.
Valores nos orientam
Ao tomarmos decises
E nos servem como guias
Para todas as aes.
Moldam o comportamento
E nos levam ao momento
Das grandes transformaes.
Valores como a esperana,
O amor, a liberdade,
O respeito pelo outro
Chamado de alteridade,
No se compra nem se vende
Na famlia que se aprende
Desde nossa tenra idade.
Foi assim que, Z Penudo,
Concluiu, em sua pesquisa:
Desenvolver os valores
o que o Brasil precisa.
Com valores se avana,
Pratica-se a esperana
E tudo se realiza.
Penudo fcou feliz
Com a sua concluso
E agora est cuidando
De toda a divulgao
Das coisas que concluiu,
Contando para o Brasil
Como foi a sua misso.
Dizer que a vida melhor
Que estamos desejando,
Se alcana com atitude,
Com todo mundo ajudando,
Cada um faz sua parte,
Assim, com engenho e arte,
A vida vai melhorando.
Voc, que leu essa histria,
J mostrou que tem pendor
Para de grandes mudanas
Ser um colaborador.
Por isso est convidado
A tambm dar o seu recado
E mostrar o seu valor.
Contribuio Especial Marcos Mairton, cordelista
Z PENUDO E O DESENVOLVIMENTO HUMANO NO BRASIL
| 85
iNTroDuo:
Do brASil PoNTo A PoNTo
A Ao
Como vimos na Parte 1 desse relatrio, que
descreveu a consulta Brasil Ponto a Ponto,
as pessoas disseram que para suas vidas
melhorarem preciso que haja mais respeito,
tolerncia, responsabilidade, paz, menos
discriminao, mais fraternidade (entre muitos
outros valores levantados) no somente em suas
casas, mas nas escolas, no trabalho, no trnsito,
enfm, no seu dia a dia. importante observar
que no meio da multiplicidade de problemas
apresentados surgiu uma voz clara falando da
necessidade de uma melhoria de valores de
convivncia na sociedade brasileira como um
fator importante na busca por uma vida melhor.
Mas o que so valores? Como eles so
formados? E no nosso pas, possvel dizer
que h um perfl de valores dos brasileiros?
Podemos falar de valores pblicos para tratar
das questes de convivncia levantadas durante
a consulta? Qual a relao dos valores com
grandes problemas nacionais, apontados pelo
Brasil Ponto a Ponto, como a violncia e a baixa
qualidade da educao? para responder essas
questes que a Parte 2 do caderno do Relatrio
de Desenvolvimento Humano existe.
A mensagem central dessa discusso
objetiva: precisamos de valores humanos, valores
de vida e valores pblicos para a promoo
do desenvolvimento humano. Precisamos de
valores para ter paz nas nossas casas, na rua
e ter uma esperana de futuro por meio de
uma educao de qualidade. Trataremos, no
decorrer desta seo, de explicar melhor esses
conceitos, de revelar o quo relevantes so para
entender nossa realidade e de propor uma nova
perspectiva para o desenvolvimento humano,
consolidada no estmulo formao de uma
razo pblica inclusiva, qualitativa, participativa
e positiva.
A discusso sobre valores pode parecer mo-
ralista, subjetiva e anacrnica. Frequentemente,
o discurso sobre valores usado para condenar
os outros, para reprimir, para julgar. Em socie-
dade, cada indivduo tem direito sua voz, sua
opinio. Sempre que confrontados, sentimos
que ningum tem o direito de nos impor suas
prprias preferncias ou julgamentos morais.
Ento, por que devemos nos importar com os
valores, que podem servir mais para agravar do
que para resolver os problemas?
Primeiro, porque parece que no Brasil a vio-
lncia urbana e a degradao dos valores de
vida invadiram todas as reas. Essa ausncia de
valores de vida, isto , de valores vivos, postos
em prtica, pode ser percebida no trabalho, no
trnsito, na escola, nos esportes, nos servios de
sade, na poltica, em casa, entre outros espaos.
Nesse sentido, tratar os valores uma maneira
de entendermos o enfraquecimento dos vn-
culos interpessoais, o esvaziamento do sentido
das aes coletivas, a banalizao da violncia,
a violao dos direitos humanos, a proliferao
do preconceito e o desengajamento moral que
marca muito da vida cotidiana no pas.
Segundo, porque pensar a questo dos valores
nos abre novas perspectivas para encararmos
velhos problemas, como a desigualdade, as
instituies polticas e as regras de sociabilidade
que caracterizam no somente a histria do
nosso pas, mas de toda a Amrica Latina.
Terceiro, porque a discusso sobre valores
nos permite entender melhor as relaes
interpessoais em nvel micro, como nas famlias,
entre amigos, em pequenos grupos, abrindo
a possibilidade de pensarmos estratgias de
promoo de compromissos sociais duradouros,
de laos de solidariedade, quebrando a
tendncia de afastamento e descompromisso
que existe com os prximos. Podemos, assim, ver
a excluso moral e a desumanizao do outro
como forma de violncia que nos impede buscar
o desenvolvimento humano com autonomia
tica dos indivduos.
86 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
Finalmente, cabe mencionar que pensar os
valores nos possibilita tratar do desenvolvimento
humano construdo a partir do dilogo e da
democracia, em que valores so vistos como
resultados de prticas sociais e experincias
subjetivas compartilhadas, concretizando em
aes e instituies que simbolizam e mediam
diferentes interesses polticos e sociais.
Entender os problemas levantados o
primeiro passo para pensar em como resolv-
los. Mas aqui tratamos apenas em compreend-
los, deixando para o bloco seguinte o foco
nas melhores prticas e alternativas para a
promoo de polticas de valor que levem a um
avano no desenvolvimento humano do pas.
No entanto, de modo indireto, muitas solues e
polticas acabam naturalmente transparecendo
aqui. Nesse contexto, devemos ver esta Parte 2 do
relatrio como um passo importante na busca
por solues prticas e concretas que possam
contribuir para a melhoria na vida de todos.
| 87
O que so valores?
7
88 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
Valores so crenas, guias, metas gerais que
nos informam sobre como agir melhor na vida.
Valores fazem parte da nossa vida. Eles so im-
portantes no apenas nas nossas grandes de-
cises, mas nos acompanham no cotidiano, nas
nossas conversas, nas nossas pequenas escolhas
e aes dirias. No entanto, nem todos os va-
lores so vividos. Alguns fazem parte apenas do
nosso discurso; no se refetem em nossas prti-
cas sociais, gerando contradies entre nossa
subjetividade e forma de vida. Outros so ditos
e vividos. A estes chamamos de valores de vida,
isto , aqueles valores que vivemos. Alguns va-
lores podem ser individuais, outros podem ser
compartilhados ou coletivos. Chamamos aos va-
lores coletivos que promovem o bem comum de
valores pblicos. Alguns valores podem ser mais
circunstanciais, comuns em determinada etapa
de nossa vida, outros podem ser mais perma-
nentes. O importante, no entanto, notar que
os valores so construdos dentro de culturas
diferentes, sofrendo a infuncia de normas,
costumes, instituies e regras distintas dentro
das quais os indivduos exercem suas decises.
Por isso, dizemos que os valores so uma cons-
truo sociopsquica. Mais do que isso, as priori-
dades que damos a diferentes valores chegam a
infuen ciar a percepo que temos da realidade
1
.
Valores podem ser facilmente confundi-
dos com atitudes, culturas, normas, costumes,
tradies e motivaes. Para entender melhor
o que valores signifcam e como se diferenciam
de outros conceitos, comeamos com uma breve
caracterizao nas duas reas que mais deram
ateno ao tema: a sociologia e a psicologia. De
maneira nenhuma isso signifca que outras con-
tribuies importantes no possam ser encon-
tradas em disciplinas como a flosofa
2
, antro-
pologia, economia, cincia poltica, arquitetura,
entre outras, como veremos no decorrer deste
caderno. Apenas refete uma opo por concen-
trar esforos nas reas nas quais o tema valores
tem recebido mais ateno da literatura con-
tempornea.
vAlorES: ENTrE A
PSiColoGiA E A SoCioloGiA
3
SOcIOLOgIA: PRIMEIRAS cOnTRIBUIES
Dentro da sociologia encontramos orienta-
es distintas sobre o tema dos valores. Estes
podem ser vistos em relao a atividades e ex-
perincias
4
, conectando motivaes a atitudes
(vistas aqui como um processo no qual algum
entende uma situao e decide depois como
agir). Os valores seriam, assim, gerados pelas
pessoas em situaes concretas. Ou podem ser
vistos como compromissos com critrios refe-
renciais para refexo e ao, servindo de com-
ponentes fundamentais para todo o sistema
social
5
, podendo ou no ser observados. Nesse
contexto, podem orientar as normas (mais es-
pecfcas), infuindo assim na determinao do
comportamento dos indivduos.
ESTRUTURA SOcIAL E VALORES
A sociologia
6
mostrou tambm que existe
uma relao entre a estrutura social (por
exemplo, a estrutura familiar ou ocupacional)
e valores, entendidos tanto como antecedentes
como consequentes dessa estrutura. Em
particular, trataram da relao entre a
motivao de realizao e determinadas
estruturas ocupacionais que permitem maior
autonomia estimulam valores maiores de
realizao. Esses valores podem ser transmitidos
tambm para flhos e podem diferir entre
classes sociais. Assim, classes sociais mais altas
dariam uma maior importncia aos valores de
autodireo, enquanto as classes sociais com
menos recursos tenderiam a enfatizar os valores
de conformidade
7
.
PSIcOLOgIA:
PRIMEIRAS cOnTRIBUIES
O debate sobre valores na psicologia
comeou na dcada de 1950 com as primeiras
teorias procurando esclarecer se valores
| 89
eram propriedades que estavam nos objetos
ou nas pessoas. Uma dessas teorias tratava
esse conceito dentro de um contexto de uma
hierarquia das necessidades humanas, sendo
algumas fsiolgicas (comida, bebida etc.),
outras de segurana (estabilidade, proteo etc.)
ou mesmo de pertencimento e estima
8
. Deste
modo, novos valores estariam relacionados
satisfao progressiva de algumas necessidades
humanas. Outra dessas teorias
9
colocava valores
como crenas estveis que davam origem a
sistemas de valores. Valores seriam crenas
prescritivas, isto , balizadoras do melhor curso
de ao, que seriam usadas como critrio para
orientar o nosso comportamento. Alguns desses
valores fariam parte do ncleo fundamental de
nossa personalidade enquanto outros seriam
menos estveis.
TEORIAS TRAnScULTURAIS
nOS PLAnOS cULTURAL
E InDIVIDUAL
Mais recentemente, a partir das dcadas
de 1980 e 1990, a psicologia voltou-se para o
objetivo de encontrar valores transculturais, isto
, comuns a vrias culturas, que permitiriam
comparar as sociedades e pessoas em todo o
mundo. No plano cultural, os valores seriam
materializados em polticas voltadas para a
resoluo de problemas coletivos, podendo
ser vistos, em prioridades oramentrias ou
em iniciativas para a resoluo de problemas
particulares
10
. No plano individual, os valores
serviriam para caracterizar as prioridades
das pessoas e suas decises, atitudes e
comportamentos
11
. Essas teorias transculturais
no plano cultural (para diferenciar do plano
individual) apontam para problemas bsicos que
todas as sociedades enfrentam. Aqui, o grande
debate parece envolver uma medida de quo
coletivista ou individualista uma sociedade.
No plano individual, procuram categorizar os
indivduos em tipologias de valores relacionadas
s suas motivaes.
A PSIcOLOgIA SOcIAL
Na psicologia social o estudo sobre valores
procura explorar a interao entre as dimenses
sociais e psicolgicas. Ela se interessa em como
as diferentes situaes podem infuir nas
decises que as pessoas tomam, de seguirem
normas ou determinados comportamentos. Mas
as dimenses sociais e culturais no podem ser
vistas em bloco. Ao contrrio: elas so diversas
e, portanto, preciso especifcar caso a caso os
elementos em questo. Os principais princpios
de interao relacionados ao estudo de valores
focalizam os planos da cultura, da estrutura
familiar e da socializao dos indivduos como
realizao de sua autonomia. Podemos assim
tentar descobrir como as variveis sociais,
polticas ou econmicas infuem na formao
dos valores ou como os valores podem afetar
as atitudes e comportamentos dos indivduos e
grupos.
CArACTErSTiCAS
DoS vAlorES
A expresso valores usada com muita
frequncia em contextos diferentes. Polticos
reclamam da eroso de valores familiares, a
mdia discute a falta de valores na poltica,
flsofos tratam da falta de valores ticos,
psiclogos tratam de valores morais distorcidos,
campanhas de marketing pregam novos
valores para um mundo melhor. O conceito de
valores pode s vezes parecer muito abstrato,
multifacetado e difcil de ser entendido de forma
unifcada. Parte da difculdade em entender o
que so valores advm de sua multiplicidade.
Falamos de valores humanos, valores morais,
valores culturais, valores pessoais, valores de
famlia, valores religiosos, valores universais,
entre outros. importante tentar caracterizar
os valores segundo categorias de anlise para
que possamos simplifcar esses universos
de discursos. No que segue, exploramos as
90 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
principais classes diferenciadoras de valores
12
com o propsito de esclarecer o que afnal so
valores e quais tipos de valores existem.
VALORES PESSOAIS, SOcIAIS, InSTITUcIOnAIS
E ORgAnIZAcIOnAIS
As pessoas no tm apenas seus valores
individuais. Elas tambm olham para os
valores das outras pessoas e para aqueles
incorporados em normas institucionais e
culturas organizacionais. Enquanto os valores
pessoais tratam das crenas que os indivduos
tm sobre como agir melhor em suas vidas, os
valores sociais refetem as percepes que as
pessoas tm sobre os valores dos outros. Isso
signifca que elas no possuem apenas um
conjunto de valores, mas podem ter mais do que
um conjunto de valores sociais de acordo com
quem sejam os outros aos quais esses valores
se referem.
importante notar a possibilidade de
confitos entre os valores pessoais e sociais e a
existncia de estratgias de reconciliao entre
esses dois conjuntos de valores para a sade
psicolgica das pessoas. De um lado extremo
podemos encontrar estratgias de reconciliao
conformistas. De outro, podemos encontrar
formas distintas de hedonismo, vistas como
negao dos valores sociais.
Valores institucionais ou organizacionais
diferem de valores pessoais e sociais porque no
so intrapsquicos, isto , no so propriedades
da psique dos indivduos. Em lugar disso, so
conhecidos por meio de metas, de normas e de
culturas estabelecidas dentro das instituies
ou organizaes
13
.
Em resumo, pode-se dizer que existem
diferentes nveis nos quais os valores podem
ser avaliados. A escolha do nvel apropriado
vai depender muito do propsito da anlise. O
Diferentes valores fazem parte da nossa estrutura cognitiva e emocional, expressando diferentes tipos
de motivao. Quando pensamos em um valor particular, geralmente no pensamos nos demais valores.
Mas quando agimos, nosso comportamento de fato um resultado que refete um balano relativo
de todos os valores que guiam a ao de acordo com os contextos diferentes. Para melhor entender
os valores importante olhar para a forma como eles so priorizados pelas pessoas. Os valores no
so importantes por si prprios, mas como parte de uma arquitetura de escolhas e infuncias. Um
sistema de valores uma expresso usada para organizar as diferentes prioridades dadas a distintos
valores. Podemos considerar que a estrutura do sistema de valores humanos pode ser a mesma, embora
pessoas possam ser diferentes em termos das prioridades que elas do a distintos valores.
Dentro desse contexto, os sistemas de valores so caracterizados pela existncia de uma ordem de
prioridades entre os valores e por certa estabilidade e previsibilidade nessa relao hierrquica entre
eles. As pessoas podem diferir na organizao dinmica de suas prioridades de valores, mas espera-se
um mnimo de estabilidade entre eles para que possamos caracterizar um sistema de valores.
interessante notar que sistemas de valores so permeados por laos de afetividade. Tais laos
produzem objetivos motivacionais que orientam a priorizao de valores, pois as pessoas podem buscar
fortalecer determinados tipos de emoo ao hierarquizar um ou outro valor.
Quadro 7.1 Sistemas de valores
| 91
foco da discusso vai determinar se os valores a
serem avaliados sero os pessoais, os sociais ou
os institucionais/organizacionais.
FUnES DOS VALORES
Uma caracterstica essencial dos valores
que eles podem servir vrias funes
14
. Isto
, eles podem ser teis para a obteno de
determinados fns.
Uma primeira funo dos valores o
estabelecimento de padres e critrios sociais
sobre o que desejvel. Como tal eles podem
ser importantes para a confgurao de
nossas opinies em questes sociais, polticas
ou religiosas. Podem ser usados para que
possamos avaliar e julgar aos outros ou a ns
mesmos. Desse modo, valores podem ser vistos
como um padro de valor. Por essa razo, so
peas centrais no dilogo como elemento de
convencimento e persuaso das outras pessoas,
infuenciando a formao de crenas, atitudes e
comportamentos.
Uma segunda funo dos valores servir
como guia da conduta dos indivduos. Como
guias, eles no determinam, mas apenas
infuenciam e motivam a ao dos indivduos.
Os valores podem, dessa forma, representar
objetivos sonhados ou desejados e, como tal,
podem explicar parte do comportamento
das pessoas. Sistemas de valores, por refetir
diferentes prioridades atribudas aos distintos
valores, ajudam as pessoas a escolherem entre
alternativas e tomarem suas decises fnais
sobre o que fazer e como agir. O mesmo vale
para valores organizacionais ou institucionais.
Sendo assim, infuem na confgurao da ordem
social particular de determinada sociedade.
Uma terceira funo dos valores de
natureza psicolgica: eles podem nos ajudar
a racionalizar, a entender diferentemente
situaes que vivemos, ajudando a melhorar
e a manter nossa autoestima. A racionalizao
importante como um mecanismo de defesa
psicolgica e precisa de valores como uma base
racional de autojustifcao.
Essas trs funes principais dos valores,
quais sejam, de padro de julgamento, guia
de conduta e racionalizao, podem ser vistas
separada ou conjuntamente em ao, como
por exemplo, em situaes de confito nas
quais as pessoas tm que julgar se os valores
expressos pelos outros so persuasivos ou no,
decidindo posteriormente que ao tomar (por
exemplo, decidindo agir independentemente,
com respeito, educadamente, ou no) e como
entender o que passou (por exemplo, um
comentrio impiedoso de um amigo pode
ser racionalizado como uma expresso de
sinceridade).
DURAO E PERMAnncIA DOS VALORES
Valores, e as prioridades que damos a
eles, no so nem totalmente estveis nem
totalmente instveis. Se fossem totalmente
estveis qualquer mudana de valores
seria completamente impossvel. Se fossem
totalmente instveis no haveria nenhuma
possibilidade de persistncia e transmisso
de valores. Valores possuem algum grau de
permanncia e estabilidade que importante
para a caracterizao de personalidades e
padres de socializao
15
mas so dinmicos.
Valores podem ser desejveis em termos
absolutos, mas uma vez integrados fazem parte
de um sistema de valores e suas prioridades
podem ser relativas. Por isso se pode dizer que
os valores tm um carter duradouro do ponto
de vista absoluto (por exemplo, desejvel
que sejamos sempre honestos, no somente
de vez em quando), mas relativo segundo sua
priorizao na hierarquia de valores.
Valores e prioridades podem mudar de acor-
do com a faixa etria, fases da vida e envelhe-
cimento fsico. Valores so inicialmente apren-
didos, quando se criana, mas medida que
so encontradas novas situaes sociais, como
por exemplo, na adolescncia, novos valores
se tornam importantes, competindo por um
92 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
melhor espao na hierarquia de valores dos in-
divduos. Tambm possvel que as pessoas se
tornem mais conservadoras quando se tornem
pais/mes, com maior foco na organizao e um
menor foco no hedonismo. Valores e suas prio-
ridades podem ser assim vistos como duradou-
ros, embora mutveis. Isso porque, quando as
circunstncias das pessoas mudam, seus julga-
mentos de valor podem mudar tambm.
InTEnSIDADE DOS VALORES
Alguns valores so mais intensos que outros
quando so considerados mais importantes
dentro do processo de formao de uma
hierarquia de valores. Portanto, a intensidade de
um valor manifesta na sua priorizao quando
da formao ou mudana de sistemas de valores.
Dentro da viso transcultural de valores, eles
se integram de alguma forma em um sistema
organizado, dentro do qual alguns valores so
ordenados em oposio ou semelhana a outros.
Isso quer dizer que a importncia relativa dos
valores, e consequentemente seus diferentes
graus de intensidade, depende de como os
diferentes valores so comparados e ordenados
aos demais.
OUTRAS cARAcTERSTIcAS DOS VALORES
Valores so crenas, concepes, e como
tal no esto em objetos, mas nas mentes
das pessoas, ou consolidados em hbitos,
normas, culturas e instituies. Mais do que
isso, valores tratam daquilo que desejvel
(em contraposio a preferncias que tratam
daquilo que desejado). Alm disso, valores so
transituacionais, isto , so princpios gerais que
vo alm de aes ou situaes especfcas. Por
exemplo, a honestidade um valor que pode ser
relevante independentemente do contexto que
trata, pois pode ser importante para diversos
contextos, tais como, no trabalho, no esporte, na
poltica, na famlia ou entre amigos.
Valores so quase sempre tratados como
elementos positivos
16
. O que muda o grau de
prioridade que as pessoas atribuem a eles. Um
valor positivo pode ser desprezado por uma
pessoa. Nesse caso, temos o oposto do valor, mas
no um valor negativo em si.
interessante notar que o conceito de valores
mais geral que o conceito de valores morais,
pois esses ltimos tratam principalmente do
comportamento dos indivduos, e no incluem
necessariamente valores que tratam de
consideraes sobre o quo desejvel podem ser
determinados fns e suas consequncias, sem
estarem ligados a situaes especfcas como no
caso dos valores morais.
vAlorES, ATiTuDES, NormAS
E ComPorTAmENToS
Muitas vezes os termos valores, atitudes,
normas e comportamentos so tratados de
forma semelhante
17
. Ao no diferenciar os temas,
perdemos a cadeia de antecedentes diretos
e indiretos do comportamento humano cuja
origem encontra-se nos diferentes sistemas de
valores. A compreenso dos distintos conceitos e
elos importante no apenas conceitualmente,
mas principalmente em termos prticos, em
que podemos pensar diferentes dinmicas de
atitudes, normas e comportamentos.
Como j foi dito, o termo valores trata
de crenas, que so abstratas, pois refetem
princpios gerais de conduta que podem ser
aplicados em vrias situaes. Por outro lado,
o termo atitudes usado para situaes
particulares e concretas, nas quais se observa
com mais especifcidade como determinado
valor aparece em certo contexto ou situao.
Desse modo, as atitudes incorporam os
resultados das experincias e atributos pessoais
dos indivduos em suas particularidades.
Enquanto um valor trata de uma nica
crena sobre um estado desejvel, uma atitude
considera um conjunto de crenas sobre uma
situao ou objeto especfco
18
. Alm disso,
| 93
atitudes so situacionais em contraposio
com os valores, que so transituacionais isto
, atitudes dependem da caracterizao de
uma situao especfca. So poucos os valores
que uma pessoa tem, mas ela pode ter muitas
atitudes, pois essas variam de acordo com
situaes ou objetos especfcos. Tambm vale
mencionar que enquanto um valor constitui um
padro, uma atitude no. Por tudo isso, valores
ocupam uma posio muito mais central
na personalidade de uma pessoa ou de uma
organizao, enquanto atitudes podem ser mais
dinmicas, diversas e heterogneas.
Valores so tambm diferentes de normas
(sociais). Eles podem ser mais gerais do que
normas, pois tratam tanto de modos de
comportamento quanto dos fns gerados por
eles. Similarmente a atitudes, normas tambm
dependem das caractersticas especfcas de
uma situao. Nesse sentido, uma norma
uma prescrio de como se comportar de
determinado modo em uma situao especfca.
Quando tratamos de normas sociais, vale
tambm mencionar que enquanto um valor
intrapsquico, uma norma externa as pessoas
e, muitas vezes, consensual.
Por fm, cabe mencionar que comportamen-
tos diferem de valores, pois so constitudos
por aes observadas, que podem ser positivas,
tais como conversar com os amigos, tratar bem
colegas de trabalho, ler para seus flho etc. ou
negativas, como agredir pessoas de forma fsica
ou psicolgica, estacionar em lugar proibido,
colar em provas etc. Comportamentos podem
ser infuenciados por normas, culturas e valores.
A associao entre eles segue vrios passos (ver
Figura 7.1):
1. Valores no infuenciam comportamentos
apenas diretamente, pois aqueles so tambm
consolidados em normas e culturas, que por sua
vez afetam comportamentos escolhidos.
2. Valores formam sistemas de valores, que
moldam atitudes, que por sua vez infuenciam
comportamentos.
3. Comportamentos infuenciam valores,
pois estes no so aprendidos com discursos
ou de memria, mas sim a partir da prtica, da
observao e do exerccio de comportamentos
19
.
Essa lio fundamental para a formulao de
polticas de valores direcionadas reformulao
Figura 7.1 A relao entre
Valores, Normas, Culturas
e Comportamento
NORMAS,
CULTURAS
COMPORTAMENTO
VALORES
94 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
de prticas e vivncias que infuam na formao
de valores.
interessante observar tambm nessa
relao a possibilidade da existncia de confitos
dentro e entre essas diferentes dimenses. Pelo
fato de os valores serem mais centrais em relao
ao autoconceito e autoestima das pessoas,
so mais estveis e os que menos mudam em
situaes de confito. mais fcil que as atitudes
e condutas das pessoas, que so mais variadas
e dependentes de diferentes contextos, se
modifquem para restabelecer a coerncia entre
valores e comportamentos. Nem sempre somos
conscientes dos valores que possumos, o que
torna mais difcil o processo de ajustamento
dos valores a novas situaes e circunstncias.
Isso pode explicar o porqu de as pessoas
frequentemente no se comportarem de acordo
com seus valores prioritrios. Para se ajustar
aos seus confitos de valores, tomam atitudes
que podem depender, por exemplo, mais do
contexto do que daquilo em que acreditam.
De qualquer modo, importante reconhecer a
existncia de confitos potenciais entre valores e
comportamentos e entre diferentes valores.
Em uma viso mais completa do processo
de interao entre valores, normas, culturas,
atitudes e comportamentos (Figura 7.2), deve-se
notar que a passagem de valores para normas
e atitudes fundamentalmente marcada
pelo contexto cultural no qual os indivduos
vivem e que do sentido aos valores como
guias prticos gerais para a vida. Tambm
importante remarcar que comportamentos
no so inteiramente explicados pelas normas,
atitudes e valores (direta e indiretamente), mas
que possuem suas prprias dinmicas. Isto ,
prticas infuenciam e so infuenciadas por
novas prticas independentemente de uma
racionalizao ou incorporao das mesmas em
normas, atitudes ou valores.
Outra maneira de conceber a interao entre
esses diferentes conceitos em relao aos seus
diferentes nveis. Enquanto valores tratam de
termos mais macro, comportamentos referem-
se a questes micro, com o universo de questes
sobre atitudes, normas e culturas caracterizando
problemticas tipicamente mdio. Esta dis-
tino em termos de nveis relevante porque
representa diferentes possibilidades de atuao
e entendimento da cadeia de infuncia dessas
construes.
Domnios Motivacionais
Universais
Coletivo
Individual
Culturas e Contextos
Sociais
Figura 7.2 O modelo completo de
valores a comportamentos
NORMAS
ATITUDES
COMPORTAMENTO VALORES
Domnios das
Prticas
| 95
vAlorES: DimENSES
PriNCiPAiS E ESTruTurA
Quando consideramos as dimenses motiva-
cionais que esto por trs dos valores, podemos
tentar categoriz-las em tipos universais
20
. Isso
no quer dizer que todas as pessoas tenham os
mesmos valores, pois a importncia relativa que
cada indivduo d a cada valor diferente. Alm
disso, os valores podem ter manifestaes con-
textualizadas diferentes de acordo com culturas
distintas etc. O esforo na busca de uma estru-
tura para valores se refere tentativa de siste-
matiz-los em grupos, representando diferentes
tipos de valor que as pessoas podem ter. Nesse
contexto, a chave para essa sistematizao est
baseada em uma srie de anlises dos confi-
tos e compatibilidades entre diferentes valores.
Assim, tipos de valores similares devem fcar
prximos, e tipos de valores que so diferentes,
devem fcar em dimenses opostas e distncias
mximas.
Figura 7.3 Valores como tipos motivacionais
21
B
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e
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C
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Hedonismo
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V
A
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Fonte: Schwartz e Boehnki, K. (2004)
"Evaluating the Structure of Human Values with confrmatory factor analysis",
Journal of research in Personality, 38, pp 230-255
96 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
tabela 7. 1 Tipos Motivacionais e Valores
tipos motivacionais
de valores universais
exemplos
de valores
autodeterminao: independncia,
criatividade e liberdade
Independncia, liberdade, curiosidade,
escolha das suas metas, auto-respeito,
auto-confana
universalismo: compreenso, apreo,
tolerncia e ateno com o bem-estar
de todas as pessoas e natureza, mesmo
as que no conhece
Tolerncia, igualdade, proteo
ao meio-ambiente, justia social,
mente aberta, harmonia interior,
preocupao com os mais fracos, no
guerra e aos confitos, sabedoria
Benevolncia: interesse no bem-estar
das pessoas prximas com quem se tem
contato freqente
Honestidade, sinceridade, disposio
de perdoar aos outros, ajuda, no-
rancoroso, amizade, responsabilidade,
lealdade
tradio: respeito e aceitao dos
costumes e idias dadas pelas culturas
ou religies tradicionais
Humildade, devoo, honra aos
pais e mais velhos, vida espiritual,
moderao, cumpridor de deveres
conformidade: seguimento a normas
sociais e expectativas, conteno das
aes para no incomodar ou ferir os
outros
Polidez, obedincia, bons modos, auto-
disciplina, respeito
segurana: estabilidade e harmonia
na sociedade, relaes interpessoais e
pessoais
Idoneidade, segurana familiar e
nacional, ordem social, sentido de
pertencimento, sade, limpeza
Poder: status social, controle sobre
pessoas e recursos
Autoridade, riqueza, reconhecimento
social, preservao da imagem
pblica, direito de comandar
realizao: sucesso pessoal resultado
de competncia segundo critrios
sociais
Ambio, xito, infuncia, inteligncia,
competncia
hedonismo: prazer e gratifcao
sensual para s mesmo
Prazer, gratifcao de desejos,
desfrutar a vida (comida, sexo, lazer,
etc)
estimulao: entusiasmo, novidade e
desafos na vida
Audcia, vida excitante e variada,
experincias estimulantes
| 97
Dentro do Modelo de Valores de Schwartz,
que constitui a grande referncia na psicologia
social contempornea no tratamento de valores,
as principais dimenses, ou tipos motivacionais
(ver Figura 7.3), so defnidos em funo das
condies bsicas necessrias para a existncia
humana, como:
- necessidades biolgicas;
- requisitos para interao social coordenada;
- demandas para sobrevivncia do grupo.
Os valores que esto em confito seguem em
direes opostas a partir do centro do diagrama
em funo de dois eixos principais:
1. abertura mudana versus conservado-
rismo (ser que as pessoas enfatizam mais as
novas oportunidades ou a ordem?);
2. autopromoo versus autotranscendncia
(ser que as pessoas focam mais em resultados
individuais ou sociais?).
Dez valores, entendidos como tipos moti-
vacionais, so distribudos ao longo desses
dois eixos principais. A vantagem do uso dessa
categoria de tipos motivacionais que ela
permite uma grande variedade de manifestao
de valores, como ilustrados pela Tabela 1.
Resumidamente, pode-se caracterizar essa
estrutura de valores como: i) universal; ii)
entendida em termos de tipos motivacionais; e iii)
estruturada a partir de confitos e similaridades
entre valores. importante esclarecer que os
valores no so universais individualmente,
mas sim as motivaes que os sustentam. Os
tipos motivacionais seriam estruturas latentes,
isto , potenciais, que poderiam ser realizadas
por valores concretos, segundo circunstncias
especfcas. Mais intuitivamente, pode-se dizer
que os valores precisam ser agrupados para que
se possa enxergar a relao que existe entre eles.
A razo simples: valores no so importantes
isoladamente, mas em relao aos demais
valores. no balano entre diferentes valores
que atitudes e decises so tomadas e normas
sociais e culturais so estabelecidas.
vAlorES DE viDA E
vAlorES PbliCoS
A separao conceitual entre valores, ati-
tudes, normas, culturas e comportamentos
importante por razes que no so meramente
tericas. Ela permite um questionamento
fundamental sobre o papel dos valores na
nossa vida e na promoo do desenvolvimento
humano. Afnal, qual o valor dos nossos valores
e por que so importantes? E se de fato so
importantes, possvel termos desenvolvimento
humano sem a prtica de valores humanos?
Se de algum modo essas questes j foram
respondidas quando tratamos das funes
dos valores, faltou enfatizar que os valores so
importantes quando eles so vividos, isto ,
quando eles efetivamente se tornam guias de
ao para nossas vidas.
Para destacar esse aspecto de efetividade
dos valores, usamos a expresso valores de vida.
Com ela, salientamos que valores de vida so
aqueles valores que no so apenas ditos, mas
que infuenciam efetivamente nas aes dos
indivduos. Chamamos, assim, ateno para os
hiatos que existem entre as prticas discursivas
e as comportamentais. As pessoas podem dizer
que respeito um valor importante para elas.
Mas o quo relevante esse valor nas suas
prticas dirias? Ser que os confitos entre
valores, normas sociais e comportamentos so
resolvidos na direo da integridade dos valores
que as pessoas dizem ter? Ou ser que os valores
so princpios muito fracos e que a realidade
dos comportamentos dominada pelas suas
prticas?
Essa questo no simples, pois como vimos
acima os valores no so o nico fator que afeta
(direta ou indiretamente) os comportamentos
das pessoas. Para tal preciso entender os
sistemas de valores e a estrutura de tipos
motivacionais dos valores pessoais e sociais,
tabela 7. 1 Tipos Motivacionais e Valores
tipos motivacionais
de valores universais
exemplos
de valores
autodeterminao: independncia,
criatividade e liberdade
Independncia, liberdade, curiosidade,
escolha das suas metas, auto-respeito,
auto-confana
universalismo: compreenso, apreo,
tolerncia e ateno com o bem-estar
de todas as pessoas e natureza, mesmo
as que no conhece
Tolerncia, igualdade, proteo
ao meio-ambiente, justia social,
mente aberta, harmonia interior,
preocupao com os mais fracos, no
guerra e aos confitos, sabedoria
Benevolncia: interesse no bem-estar
das pessoas prximas com quem se tem
contato freqente
Honestidade, sinceridade, disposio
de perdoar aos outros, ajuda, no-
rancoroso, amizade, responsabilidade,
lealdade
tradio: respeito e aceitao dos
costumes e idias dadas pelas culturas
ou religies tradicionais
Humildade, devoo, honra aos
pais e mais velhos, vida espiritual,
moderao, cumpridor de deveres
conformidade: seguimento a normas
sociais e expectativas, conteno das
aes para no incomodar ou ferir os
outros
Polidez, obedincia, bons modos, auto-
disciplina, respeito
segurana: estabilidade e harmonia
na sociedade, relaes interpessoais e
pessoais
Idoneidade, segurana familiar e
nacional, ordem social, sentido de
pertencimento, sade, limpeza
Poder: status social, controle sobre
pessoas e recursos
Autoridade, riqueza, reconhecimento
social, preservao da imagem
pblica, direito de comandar
realizao: sucesso pessoal resultado
de competncia segundo critrios
sociais
Ambio, xito, infuncia, inteligncia,
competncia
hedonismo: prazer e gratifcao
sensual para s mesmo
Prazer, gratifcao de desejos,
desfrutar a vida (comida, sexo, lazer,
etc)
estimulao: entusiasmo, novidade e
desafos na vida
Audcia, vida excitante e variada,
experincias estimulantes
98 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
assim como o papel das normas e culturas. Alm
disso, como valores so heterogneos, difcil
descartar que algum agindo sob motivaes
individualistas ou de autopromoo no esteja
seguindo seus valores. Por essa razo, usamos
a expresso valores pblicos para destacar
aqueles que so essenciais para uma convivncia
saudvel e humanamente enriquecedora
(o conceito de valores pblicos mais bem
elaborado na Parte 3 deste relatrio). Esses tipos
de valores possuem um parentesco estreito com
a perspectiva de desenvolvimento humano
22
,
porque promovem processos e resultados que
tratam de temas como educao para saber viver,
humanizao da sade, reduo da violncia
contra a pessoa, culturas organizacionais com
trabalhos com mais prazer e menos sofrimento
entre tantos outros tpicos caros agenda do
desenvolvimento humano.
Mais do que isso, valores pblicos esto
na base de sociedades em que h condies
para um maior estmulo razo pblica e um
maior engajamento moral de seus cidados.
Por sua vez a razo pblica, entendida como um
debate social amplo, inclusivo e democrtico,
fundamental como guia para escolhas racionais
e justas de polticas, estratgias e instituies
necessrias para o desenvolvimento humano
23
.
A razo pblica tambm um elemento de
objetividade na formao de crenas ticas e
polticas.
Valores pblicos so valores que contribuem
para o bem comum e para a existncia
de vida social. Como tal, so valores que
facilitam a convivncia com as diferenas
sociais, com a diversidade interpessoal, com a
multiculturalidade, sem perder os elementos
que permitam as pessoas fazerem suas escolhas
individuais. importante esclarecer que valores
pblicos no precisam ser padronizados ou
iguais para todas as pessoas. Eles podem
representar tipos motivacionais associados,
por exemplo, ao universalismo e benevolncia,
mas que permitam uma grande variedade de
manifestaes e coexistncia com outros tipos
de sistemas de valores.
Os valores pblicos so fruto da prpria
convivncia, prticas e consensos (mesmo que
provisrios) construdos socialmente. Alguns
desses valores pblicos so simplesmente
compartilhados culturalmente por normas (que
so infuenciadas pelos valores consolidados).
Outros podem aparecer incorporados em
princpios constitucionais, leis e bases
contratuais, por meio do papel do Estado.
Assim, argumenta-se aqui que os valores
pblicos so importantes para a promoo
do desenvolvimento humano
24
. Respeito,
tolerncia, responsabilidade, amizade, justia
e igualdade (entre tantos outros valores que
podem ser agrupados nos tipos motivacionais
de universalismo, benevolncia, conformidade
e segurana) so fundamentais para o bem-
estar e a justia social. A seguir, esses elementos
podem ser vistos na discusso sobre valores,
educao e violncia. No entanto, antes disso
importante tratarmos a questo de como os
valores so formados privilegiando o papel da
famlia nesse entendimento.
| 99
Como os valores so formados?
O papel da famlia
8
100 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
Valores de vida no podem ser ensinados
ou aprendidos como simples conhecimento. O
processo de transmisso e construo de valores
frequentemente mediado pelas prticas,
pela observao, pelo exerccio, pela refexo
crtica de prticas (prprias e dos outros). Isto ,
valores no so aprendidos com discursos ou de
memria
25
. Por isso fundamental entendermos
as prticas nos contextos mais importantes de
socializao dos seres humanos, quais sejam,
a famlia e a escola. Outros contextos como as
amizades (ou redes de relacionamento) ou a
mdia tambm so extremamente importantes,
mas optou-se aqui por tentar uma anlise mais
aprofundada daquelas primeiras instncias
de socializao, citadas anteriormente, em
funo dos resultados da campanha Brasil
Ponto a Ponto. Sabemos que os valores no so
formados de maneira eventual, mas por um
processo cumulativo de experincias e refexes
marcadas pelo contexto cultural e social no qual
as pessoas se desenvolvem.
No processo de formao de valores, a famlia
desempenha um papel muito importante, uma
vez que representa o primeiro ambiente de
socializao que a criana conhece e em meio
do qual os pais ou as pessoas que cumprem a
funo parental so responsveis por estimular,
transmitir, ensinar e reforar os valores que
devem orientar a vida e o comportamento das
crianas. Posteriormente, sero os pais que
infuenciaro os valores adotados na passagem
da criana fase adolescente e adulta, de forma
que ela se insira na sociedade e a se desenvolva
como pessoa plena e autnoma.
Na pesquisa emprica feita para este relatrio
(ver Captulo 9 para resultados completos), per-
guntou-se para uma amostra representativa na-
cionalmente: Quem tem a responsabilidade de
ensinar valores? Em primeiro lugar, com 43,1%
dos votos, fcou a famlia, o que um regis-
tro do reconhecimento de que a famlia uma
instncia-chave de socializao para o entendi-
mento da formao de valores (Grfco 8.1).
Compreender a dinmica e os determinantes
da formao de valores dentro das famlias de
vital importncia para ampliar o entendimento
do desenvolvimento humano, uma vez que
este pode ser promovido ou restringido
dependendo de como se d esse processo de
construo e transmisso de valores nos flhos,
que impacta nos modos de comportamento e
interaes sociais e, portanto, no bem-estar das
pessoas. Condies que facilitem esse processo
de construo de valores dentro da famlia
aumentam a propenso a comportamentos
desejveis e propiciam uma convivncia
harmnica.
Em contraste, se um ambiente inadequado
caracterizado pela ausncia dos pais ou pela
agressividade fsica e moral entre os cnjuges
ou com os flhos, predomina a transmisso e
construo de valores pode ser inconsistente,
podendo prejudicar o desenvolvimento do
indivduo e de seus relacionamentos. Dinmicas
internas da famlia, como as prticas utilizadas
pelos pais para educar seus flhos, podem
infuenci-los tanto a comportamentos pr-
sociais, relacionados empatia, solidariedade
e gratido, quanto a comportamentos
antisociais, como a mentira, a evaso escolar e
o uso de drogas
26
. Nesse sentido, consideramos
a famlia como uma unidade de formao
grfico 8.1 Quem tem a responsabilidade
de ensinar valores? (%)
24,75 Escola
14,05 Religio
4,55 Amigos
2,3 Mdia
11,25 Governo
Famlia 43,1
| 101
social que pode potencialmente moldar a
estrutura de valores que uma pessoa possui,
podendo tambm infuenciar a propenso
para certas atitudes e comportamentos e
afetar positivamente ou negativamente seu
desenvolvimento humano.
Tendo isso em conta, o desenvolvimento
humano compreendido a partir de uma
perspectiva microsocial, em que os processos
de expanso de capacitaes podem ser
infuenciados por trajetrias de formao de
valores pessoais, sociais e institucionais.
SiGNiFiCADo E imPorTNCiA
DA FAmliA
No existe um nico modo de se pensar a
famlia. Existem diversas concepes ideolgi-
cas, polticas, sociolgicas ou mesmo religio-
sas, cada qual com um conjunto particular de
funes atribudas que variam histrica e cul-
turalmente. Independentemente dessa diver-
sidade de concepes, o que se pode destacar
em princpio que a famlia considerada uma
das referncias mais importantes da histria de
vida de uma pessoa no Brasil e valorizada pelos
brasileiros acima de outras realizaes, como o
estudo, o trabalho, o lazer e o dinheiro
27
.
Mas, por que a famlia parece ser to
importante para as pessoas? As pesquisas de
opinio no permitem mostrar isso com clareza,
mas em entrevistas com crianas de seis a dez
anos
28
, perguntando o signifcado da famlia,
encontrou-se de forma geral uma concepo
de famlia como uma rede de cuidados,
perpassando um conjunto de signifcados,
como afeto, ajuda, companhia, sentido da vida e
sustento. Assim, a percepo dessas crianas nos
revela que a famlia importante pelo cuidado
que ela nos oferece, pelo suporte afetivo e pela
rede de proteo e apoio que nela encontramos.
Outras pesquisas
29
, realizadas com jovens,
adultos e idosos, tambm consideram a famlia
importante por constituir um espao de amor e
reciprocidade.
A famlia considerada responsvel pela
proteo e pela socializao de seus membros,
sustentada por laos de afetividade e/ou
afnidade, organizada em torno de relaes de
gerao e de gnero
30
. No Brasil, at o advento da
Constituio Federal de 1988, o conceito jurdico
da famlia era extremadamente limitado e
taxativo, visto que o Cdigo Civil vigente era
o do ano de 1916 e somente conferia status
de famlia queles agrupamentos originados
do instituto do matrimnio. Assim, apenas o
casamento poderia legitimar sua formao.
Com a Constituio Federal Brasileira de 1988
e o Cdigo Civil de 2002, formulou-se um novo
conceito da famlia, que agora representa
tambm a unio estvel entre o homem e a
mulher e a comunidade formada por qualquer
dos pais e seus descendentes, no qual se
alegam que os direitos e deveres da sociedade
conjugal so exercidos conjuntamente entre
o homem e a mulher, enfatizando a proteo
aos membros dependentes como crianas,
adolescentes e idosos. A partir disso, observou-
se que a entidade familiar passou a ser encarada
como uma comunidade de afeto e ajuda. Assim,
o entendimento do relacionamento entre
os familiares ganhou uma nova roupagem,
passando a ser mais aberto, democrtico e
plural
31
.
A famlia, entendida como uma rede de
cuidados e afetos, possui funes importantes
para garantir o desenvolvimento da pessoa,
como a funo biolgica, psicolgica e social.
Como funo biolgica, a famlia vela pelos
primeiros cuidados e necessidades do beb e da
criana, permitindo seu desenvolvimento fsico
e cognitivo adequado. A funo psicolgica
central existncia da famlia por estabelecer
interaes afetivas ao longo da vida de um
indivduo, essenciais como suporte para seu
desenvolvimento emocional e cognitivo. A
funo social decorre da transmisso dos
102 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
Valores importantes para famlias aracajuanas e valores transmitidos de gerao em gerao
Em um estudo sobre crenas e valores com famlias residentes em ocupaes no regularizadas e de menos recursos
do municpio de Aracaj, constatou-se que apesar das restritas condies econmicas, o valor mais importante para
elas o amor entre o casal e os flhos (e no, por exemplo, a realizao material), seguido da valorizao da educao
dos flhos (Grfco A). Por outro lado, o valor que essas famlias aracajuanas consideram mais importante de ser
transmitido de gerao em gerao a honestidade (ver Grfco B), seguido da importncia dos estudos e o cuidado
com os mais velhos.
Valores transmitidos em famlias paulistas
Em uma pesquisa com famlias paulistas observou-se uma maior importncia na transmisso de gerao em
gerao do valor dos estudos, seguido das tradies do casamento e tradies religiosas
36
.
aracaju
26,5
24,0
19,1
11,8
8,8
7,3
2,0
grfico B - Aracaju Valores transmitidos
de gerao em gerao (%)
Honestidade
Importncia dos estudos
Cuidado com os mais velhos
Virgindade antes do casamento
Respeitar a hierarquia
A famlia em primeiro lugar
Tradies religiosas
so Paulo
71
36
36
26
9
2
6
grfico C Valores transmitidos
de gerao em gerao (%)
Importncia dos estudos
Tradio do casamento
Tradies religiosas
Preservao do patrimnio familiar
Virgindade antes do casamento
Seguir as profsses dos pais
Outros
47,6
21,4
16,7
11,9
2,4
grfico A Valores importantes
para as famlias (%)
Amor entre o casal e flhos
Valorizao do estudo dos flhos
Dilogo entre pessoas da famlia
Preservao dos valores religiosos
Preparao para uma velhice tranquila
aracaju
Fonte: Vargas, Marlizete. Valores familiares e concepes de causas e
consequncias da violncia em famlias de Aracaju. Mimeo. Texto de Apoio
ao Relatrio de Desenvolvimento Humano Brasileiro, PNUD, 2009
Nota: Levantamento realizado em 2009 com uma amostra de 174 famlias
residentes em ocupaes no regularizadas do municpio de Aracaju/SE.
Mais de 50% destas famlias tem uma renda familiar de 1 at 2 salrios
mnimos. Por outro lado, o valor que essas famlias aracajuanas consideram
mais importante de ser transmitido de gerao em gerao a honestidade
(ver Grfco B), seguido da importncia dos estudos e o cuidado com os mais
velhos.
Fonte: Vargas, 2009, obra citada
Nota: Levantamento realizado em 2009 com uma amostra de 174 famlias
residentes em ocupaes no regularizadas do municpio de Aracaju/SE.
Mais de 50% destas famlias tem uma renda familiar de 1 at 2 salrios
mnimos.
Fonte: Cerveney e Berthoud, 1997, obra citada
Nota: Levantamento realizado em 1996 com uma
amostra de 1.105 famlias paulistas de classe mdia.
Quadro 8.1 Valores familiares
| 103
padres culturais, educao de valores e
princpios de vida e de convivncia
32
.
A famlia como instituio caracteriza-se
por ser dinmica e estruturalmente diversa,
a qual, ao passo das transformaes sociais,
econmicas e polticas, vem adaptando-se e
confgurando-se entre distintos tipos e modelos,
como os casais com ou sem flhos, a famlia
monoparental formada por qualquer dos pais e
o(s) flho(s), entre outras. Mesmo com a gama e
pluralidade de formas e tipos com que a famlia
tem se manifestado atualmente, ela identifca-
se como um fenmeno universal e histrico, que
sustenta uma herana de geraes atravs do
tempo e que permite, a partir de suas vivncias
e prticas internas, a construo e transmisso
de saberes, hbitos, tradies e valores de vida
33
.
Apesar das transformaes estruturais
pelas quais as famlias vm passando
34
, elas
continuam como uma referncia na histria
de vida dos indivduos. O ponto central a
carga de afetividade gerada pela famlia
35
, que
permite aos pais certa infuncia, pelo menos
inicial, na formao dos valores dos flhos.
importante notar que a mesma famlia que d
afeto pode tambm ser um fator de risco para
seus membros, podendo apresentar prticas
negativas como o maltrato fsico e psicolgico, a
negligncia, as brigas, as normas inconsistentes,
a indiferena e a insegurana, com impacto
direto sobre a formao de valores dos mesmos.
Fatores externos, como o contexto social no
qual a famlia atua, podem tambm afet-la,
como a falta de oportunidades de trabalho,
ou uma proviso insufciente (qualitativa e
quantitativamente) de bens pblicos, como
sade, segurana pblica e educao. preciso
reconhecer esses fatores de risco que as famlias
enfrentam para que se possam incentivar suas
funes de proteo e afeto como ambientes
adequado para a formao e transmisso de
valores de vida.
TrANSmiSSo E FormAo
DE vAlorES DE viDA
As pessoas, quando nascem
37
, e medida que
se socializam e se desenvolvem, vo adquirindo,
aprendendo e escolhendo os valores e padres de
vida em processos mediados tanto pela famlia
quanto por outras esferas de socializao.
Conforme aumentam suas interaes com
agentes externos, como amigos ou professores
na escola, o indivduo vai ampliando, reforando,
mudando e adaptando seu repertrio inicial
de valores de vida, construdo e transmitido
originalmente pela famlia.
A formao e aprendizado de valores que
comea na infncia so moldados por meio de
um processo denominado socializao, que
se refere maneira pela qual o indivduo
assistido na aquisio de valores e de habilidades
necessrias para funcionar adequadamente
como membro do seu grupo social. Esse processo
caracterizado, na maioria das vezes, como no
consciente, e permite, pelas interaes entre
seus membros, que as crianas e adolescentes
assimilem e internalizem conhecimentos,
hbitos, atitudes, valores e normas sociais,
passando a distinguir o estilo de adaptao ao
ambiente social ao longo da sua vida.
Nesse processo de socializao ou formao
de valores podemos distinguir vrios aspectos.
Primeiro, existem diversos agentes de
socializao que podem infuenci-lo, incluindo
os pais, irmos, professores, amigos, grupos
de convivncia, como coletividades religiosas
ou ideolgicas e a mdia, porm, so os pais
ou as pessoas que assumem o papel parental
que exercem maior potencial de infuncia
na formao de valores
38
. Esse potencial de
infuncia parental ocorre por diversos motivos,
entre eles por se tratar das primeiras pessoas de
contato com as quais se estabelecem relaes de
maior afetividade, por contar com maior tempo
e oportunidade de compartilhamento com a
criana e pela maior autoridade para monitorar
104 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
e corrigir suas aes
39
. Segundo, devemos
considerar que a estrutura de valores que os
pais apresentam para seus flhos impregnada
pela cultura local, o que condiciona o sistema
de valores que os flhos acabam adotando.
Terceiro, e considerando que h outros agentes
de socializao que intervm na adoo de
certos valores, devemos ter presente que o
padro de infuncia da famlia sobre os flhos
muda conforme o ciclo de vida: da infncia
adolescncia e fase adulta
40
. Crianas, pelo
menos no incio, se adquam mais facilmente
s vivncias e infuncia dos pais. Esse padro
muda radicalmente j na pr-adolescncia e
adolescncia, momento em que a busca pela
independncia e ampliao da infuncia dos
demais crculos de socializao (como o crculo
dos colegas e amigos) gera novas vivncias com
impactos diretos sobre a formao de valores
dos indivduos.
Portanto, a socializao de valores deve ser
vista como um processo amplo, de comparti-
lhamento de informaes e experincias entre
as famlias, e que pode operar com as crianas
e adolescentes tambm infuindo sobre os va-
lores dessas mesmas famlias
41
. A socializao
em grande parte um produto da interao entre
pais e flhos, permitindo uma construo diria
dos sujeitos psquicos e sociais que levam a uma
constante redefnio das prioridades valorati-
vas de cada membro da famlia. Ser pai e flho
(e me e flha) uma construo e no uma
condio dada, nem imediata, do ponto de vista
da socializao dos valores.
O processo de formao de valores pode
tambm ser caracterizado por um aspecto
de contedo e outro de forma. O contedo diz
respeito ao que transmitido ou construdo,
ou seja, aos valores que so inculcados e/ou
formados e que dependem das concepes dos
pais e da estrutura de valores dominante no
contexto sociocultural. Por outro lado, a forma
tem a ver com os estilos parentais de criao
ou clima emocional que permeia a socializao,
bem como s prticas e mecanismos usados
pelos pais para regular a conduta e transmitir
a estrutura de valores. Essas prticas podem
ser de disciplina, controle de comportamentos
indesejados e imposio de limites
42
. Neste
ponto, importante mencionar que mais do
que o contedo de valores, so os estilos e as
prticas parentais que tm maior impacto na
socializao das crianas e, consequentemente,
sobre o sistema de valores e a conduta social
adotada por elas
43
.
Mais do que o contedo
dos valores so os estilos e
as prticas parentais que
tm maior impacto na
socializao das crianas e,
consequentemente, sobre o
sistema de valores e a conduta
social adotada por elas.
A socializao que inicia no meio da
famlia muito importante, porque determina
vrias qualidades da criana, tais como o
desenvolvimento da autorregulao da emoo,
do autoconceito, do pensamento crtico e do
comportamento. Tambm determina o modo e
a disposio com que as crianas internalizam
e estruturam os valores apresentados pelas
fguras de autoridade
44
. Assim, no processo de
socializao no meio da famlia que a criana
recebe as primeiras instrues normativas de
como se comportar e se relacionar e, a partir
disso, comea a identifcar o outro, a si mesmo
e a defnir sua prpria estrutura de valores.
Desse modo, a socializao e a formao de
| 105
valores procura fazer com que o sujeito adquira
autonomia, de maneira a se comportar de acordo
com os padres sociais inculcados, tomados pelo
indivduo como adequados.
Cada ser humano , ao mesmo tempo, um
agente transmissor e receptor do contedo de
valores. Esse processo envolve a transferncia de
informaes e vivncias, bem como a interna-
lizao ou assimilao por parte dos receptores.
Fala-se de internalizao quando o indivduo
assume como prprios os valores e atitudes que
lhes foram apresentados, passando a constituir
motivaes internas e no externas com respei-
to aos valores e comportamentos aceitveis na
sociedade
45
. a partir desse conjunto inicial de
valores j constitudos dentro da sociedade e da
cultura que os indivduos passam a redefnir e
reorganizar valores posteriores, afetando a sua
prpria percepo da realidade.
importante mencionar que, sob esta
tica, a transmisso e a internalizao de
valores no se d de forma exata ou uniforme
entre as pessoas envolvidas, pois o que
transmitido pode ser assimilado distintamente
e transformado de gerao em gerao. No se
pode afrmar, portanto, que os valores que os
pais desejam transmitir sejam os mesmo que os
flhos adotam. Os valores adquiridos podem ser
similares aos dos pais, mas no idnticos. Pode-
se dizer que os valores humanos, mesmo tendo
carter duradouro, esto sujeitos a mudanas no
processo de transmisso na medida em que so
adaptados e reinventados pelas novas geraes.
Mas eles so o ponto de partida.
Mas como os valores e normas de convivn-
cia so formados em primeiro lugar? A for-
mao dos valores se origina em um processo
interligado do desenvolvimento afetivo e cog-
nitivo da criana, mediado pelas experincias e
interaes afetivas com os pais ou responsveis.
Pode-se dizer que esse processo comea com os
sentimentos, com formas de afetividade, que
avaliam as experincias vividas como boas ou
negativas, e, simultaneamente, com o desen-
volvimento cognitivo, vo se convertendo em
estruturas mentais interligadas afetividade,
que so adaptveis e acomodveis conforme
aos novos estmulos
46
. At os dois anos a criana
passa por um estgio chamado sensrio-motor,
e os sentimentos so de carter intuitivo e intra-
individuais, ligados s percepes das experin-
cias imediatas, como alegria, prazer, dor, tristeza,
ou ligados s aes primrias, como aprender a
caminhar, que pode gerar contentamento ou de-
sapontamento, sucesso ou fracasso.
Com base nas experincias, a criana comea
a sentir confana, simpatia ou desgosto com
relao aos objetos ou s pessoas. J a partir dos
2 e at os 7 anos criana aprende, reorganiza e
interioriza cognitivamente as aes vividas e
alguns comportamentos normativos ditados
pelos pais, como por exemplo, a obedincia;
paralelamente ao surgimento da linguagem,
ocorre uma progressiva estruturao afetiva e os
sentimentos tornam-se mais estveis e durveis,
dando lugar aos sentimentos morais, associados
ao relacionamento com as outras pessoas,
como afeto, simpatia, antipatia, certo grau de
reciprocidade, respeito de forma unilateral ou
fgura de autoridade e obedincia
47
.
Nessa fase a criana ainda centrada em si
mesma e tem difculdade em se colocar no lugar
do outro. A partir dos 7 e at os 11 anos, as cri-
anas comeam a ser mais autnomas, sendo
capazes de realizar operaes concretas e de fa-
zer suas prprias avaliaes morais. As crianas
identifcam o que desejvel normativamente,
desenvolvendo e interiorizando valores de res-
peito mtuo, de responsabilidade, reciproci-
dade, honestidade, honradez, justia e de coope-
rao com os outros por vontade prpria e no
por imposio externa. Dessa forma, origina-se
uma organizao de valores de forma autno-
ma na medida em que a criana estrutura um
conhecimento complexo com respeito: i) s nor-
mas morais; ii) relao com suas aes; e iii)
aos impactos sobre os outros e sobre si mesmo
48
.
J na fase dos 12 at os 15 anos de idade, os
106 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
adolescentes experimentam o ltimo estgio
do desenvolvimento intelectual, com maior
capacidade de refexo, de formulao de
hipteses e resoluo de problemas. Inicia-
se a defnio da identidade com possveis
confitos e surgimento de valores idealistas.
Em geral, a evoluo dentro desses estgios
de desenvolvimento e formao de valores
depender em parte das caractersticas
particulares de cada indivduo e do grau de
estmulos e interaes com o ambiente e com as
pessoas, que se d inicialmente na famlia.
Com respeito ao papel dos pais no processo
de formao de valores poderamos pensar que
tudo que as crianas necessitam de uma boa
conversa, mas, de fato, explicaes e discursos
so insufcientes para que elas assimilem valores
e os transformem em valores de vida. Nesse
processo, as vivncias positivas e as interaes
afetuosas, resultado de prticas parentais
adequadas e de um clima familiar saudvel
so um guia muito mais confvel. Para tanto,
necessrio comunicar e ensinar os valores por
meio das prticas, ou seja, pelas aes ou pelas
experincias
49
.
Por exemplo, se uma me pretende ensinar a
importncia de no mentir ou de ser tolerante e
ter respeito pelos outros, ainda que ela converse
com seus flhos sobre esses temas, o que ela
faz na prtica que realmente conta para que
sua mensagem seja transmitida de forma clara
e consistente. mais difcil entender a essncia
e a importncia de certos valores e normas
simplesmente com palavras, quando o que se
observa no cotidiano so aes contraditrias ao
que ensinado. Colocar em prtica o que se diz
com respeito a valores e normas fundamental
para a transmisso desses valores e um melhor
relacionamento e convivncia social.
A vivncia de valores no depende somente
dos estilos e prticas parentais. Ela depende
tambm da infuncia do ambiente externo
nas vivncias e comportamentos de todos
os membros da famlia. O desemprego ou as
condies precrias de trabalho dos membros
da famlia podem representar uma situao
de estresse capaz de afetar o estado de nimo
dos pais e, portanto, o clima familiar e as
prticas exercidas para criar seus flhos. Outras
condies podem afetar a dinmica familiar,
tal como ter um membro da famlia doente e
no ter acesso a um tratamento ou servio de
sade necessrio, no ter acesso a educao de
qualidade para os flhos, ter precrias condies
de moradia, ser vulnervel violncia e contar
com espaos de lazer degradados. Podemos
tambm incluir como infuncia os valores
predominantes na sociedade, bem como alguns
valores promovidos pela mdia.
Negligncia, abuso
fsico e psicolgico,
disciplina relaxada,
punio inconsistente,
monitoria estressante e
comunicao negativa
Comportamento moral,
monitoria positiva,
expresses afetivas,
dilogo, envolvimento,
reforo e disciplina
adequada
Figura 8.1 Prticas parentais
| 107
PrTiCAS PArENTAiS NA
FormAo DE vAlorES
DE viDA
Prticas parentais incluem aes, tcnicas e m-
todos especfcos usados para ensinar um deter-
minado valor ou chamar a ateno das crianas
para adotar ou corrigir certas atitudes e com-
portamentos. Se a meta dos pais, por exemplo,
transmitir aos seus flhos a importncia do bom
desempenho escolar, a prtica parental apro-
priada acompanhar seus flhos na realizao
das tarefas escolares em casa. Se o propsito
desenvolver a autoestima dos flhos, as prticas
parentais devem contemplar atividades dos pais
com os flhos, mostrando atravs dela um maior
interesse pelo bem-estar deles.
As prticas parentais podem desenvolver
qualidades nas crianas como, por exemplo, o
no egosmo, ao incentiv-las a emprestarem
seus brinquedos, ou o bom comportamento
mesa, com o uso de expresses como por favor
na interao com os demais. Os impactos das
prticas parentais podem inclusive ser bem
mais amplos, infuenciando no desempenho
acadmico, na independncia, na cooperao
e na empatia social
50
. Entretanto, assim como
existem prticas parentais positivas, que
facilitam a adoo de normas convencionadas
na sociedade e comportamentos pr-sociais,
tambm h casos em que so exercidas
prticas parentais negativas, que podem
prejudicar o aprendizado de valores e conduzir
a comportamentos antissociais nas crianas e
adolescentes, como vandalismo, brigas de rua,
fuga de casa, evaso escolar ou agressividade.
Dentre as prticas parentais negativas mais
comuns podemos citar a negligncia, o abuso
fsico e psicolgico, a disciplina relaxada, a
punio inconsistente e a monitoria estressante.
Essas prticas sero mais bem exploradas no
Captulo 13 deste relatrio. Neste momento,
entretanto, fca o registro de que como os valores
so formados por prticas, importante que
entendamos melhor a natureza das mesmas.
ESTiloS PArENTAiS
NA FormAo
DE vAlorES DE viDA
Os estilos parentais contemplam um uni-
verso amplo de atitudes e emoes dos pais em
relao aos flhos, confgurando o contexto ou
ambiente familiar dentro dos quais as prticas
parentais ocorrem. Incluem-se os aspectos de
interao e comunicao de emoes entre pais
e flhos, como gestos, tom de voz, linguagem
corporal e mudanas de humor. Nesse sentido,
a criana tratada como sujeito com qualidades
particulares que, ao interagir com os pais, con-
stri o clima emocional que caracteriza as inte-
raes em meio da famlia. Os estilos parentais,
de maneira diferente das prticas, descrevem
como se criam as interaes por meio de um
amplo leque de situaes. Entretanto, as prti-
cas parentais so de domnio especfco que
remetem a determinadas aes educativas
51
.
Tanto as prticas quanto os estilos parentais
so determinados pelas metas e valores dos
pais, bem como pelo contexto sociocultural no
qual as crianas e adolescentes so socializados
(Figura 8.2, setas 1 e 2). Porm, as prticas
exercem infuncia direta nos resultados
fnais, por especifcarem certos valores e
comportamentos (seta 3). Em contraste, os
estilos parentais infuenciam indiretamente
o desenvolvimento da criana, medida
que determinam a efetividade das prticas
parentais (seta 4) e alteram a capacidade e
a disposio de assimilao da criana aos
valores transmitidos (seta 5). Nesse sentido, o
estilo parental condiciona o contexto no qual a
socializao ocorre por transformar a natureza
da interao entre pais e flhos e por moderar
a infuncia de especfcas prticas parentais
sobre os resultados da criana (seta 6).
108 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
Figura 8.2 Estilos parentais e impactos nas crianas e adolescentes
Estilos Parentais
disposio
da criana ou
adolescente para
ser socializado
e
f
e
i
t
o
i
n
d
i
r
e
t
o
e
f
e
i
t
o
i
n
d
i
r
e
t
o
2
4 6
1 5
3 Prticas Parentais efeito direto
Metas e
valores
parentais
| 109
Aquisio de valores
Auto-estima elevada
Modos adequados de
comportamentos
Desempenho escolar
Cooperao e empatia
com os outros
comportamento
Qualidades
Resultados
110 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
Na Tabela 8.1, a seguir, apresentam-se as
qualidades de cada estilo parental.
possvel afrmar que um desses estilos ga-
rante mais sucesso na socializao de valores do
que outro? Possivelmente sim, mas no de for-
ma determinista. O que se pode dizer que no
h frmula nica que possa ser aplicada indis-
tintamente a todos os contextos e criao de
todos os indivduos, devido heterogeneidade
das pessoas e tambm s diversas formas em
que foram criados os pais. Contudo, as evidn-
cias indicam que certos estilos parentais levam
a melhores resultados e competncias sociais do
que outros. Assim, por exemplo, estudos confr-
mam
57
que, enquanto o estilo participativo leva
a um bom desempenho escolar, os estilos per-
missivos e negligentes conduzem a um baixo
rendimento. De igual forma, os adolescentes cria-
dos em famlias mais participativas mostram ser
mais confantes, seguros, otimistas, com menos
expectativas de fracasso em vrias reas de sua
vida, com maior responsabilidade social e tam-
bm apresentam menores ndices de disfuno
comportamental
58
. A isso, talvez, possa-se atribuir
o fato de o estilo participativo conciliar a afetivi-
dade e a adequada disciplina. O maior apoio, a
promoo de experincias positivas, incentivos,
engajamento dos pais nas atividades dos flhos,
assim como a demonstrao de confana em
suas capacidades e a defnio de limites, criam
um clima de aceitao, de autoestima, de maior
Os estilos parentais so defnidos pela per-
sistncia de certos padres de atuao e pelo cli-
ma gerado na interao entre pais e flhos
52
. Es-
tes se distinguem conforme o controle parental
na tentativa de socializao
53
sendo os seguintes:
Participativo ou cuidador
54
: os pais exer-
cem cuidados e controles conjugando a empa-
tia, a compreenso e a comunicao aberta e
bidirecional com os flhos. Os pais se mostram
como suporte emocional e oferecem orienta-
es claras e consistentes. So pais exigentes,
mas do apoio e afetividade.
Autoritrio: caracteriza-se pela avaliao
rigorosa do comportamento dos flhos con-
forme as normas estabelecidas, dando elevada
punio e pouca empatia. So pais que querem
comandar a vida dos flhos sem dar muito espa-
o para que eles tomem suas prprias decises;
so muito exigentes e no oferecem suporte
emocional, o que acaba levando a um distancia-
mento entre pais e flhos.
Permissivo: so pais que favorecem todos
os desejos e aes das crianas sem assumir um
papel orientador. Apresentam elevada afetivi-
dade e empatia, mas com baixo nvel de controle
e imposio de limites. Podem ser pais que, por
estarem ausentes, se sentem culpveis e preten-
dem compensar os flhos ou sentem medo de
no serem aceitos por eles.
Negligente: predomina a falta de interesse
e envolvimento dos pais com os flhos, trato com
desleixo e a insensibilidade. Os pais gastam me-
nos tempo com a famlia, e existe um baixo nvel
de aceitao, de suporte e de controle. So pais
considerados como ausentes e pouco presente
na vida dos flhos.
Os estilos parentais podem ser caracteriza-
dos em funo de dimenses como a responsa-
bilidade, o grau de exigncia
55
e o nvel de dilogo
na famlia. A responsabilidade contempla as ati-
tudes de aceitao, aprovao, apoio, afeto e en-
corajamento. A exigncia compreende as atitudes
dos pais que envolvem controle e monitoramento
dos flhos, bem como imposio de limites
56
.
tabela 8.1
Caractersticas dos Estilos Parentais
estilo
dimenso
Responsi-
vidade /
Aceitao Exigncia
Dilogo /
Explicaes
Participativo Alta Alta Alto
Autoritrio Baixa Alta Baixo
Permissivo Alta Baixa Alto
Negligente Baixa Baixa Baixo
| 111
autonomia e habilidades dos adolescentes para
tomar decises e confrontar confitos.
Crianas e adolescentes cujos pais so
autoritrios e negligentes tendem a apresentar
comportamentos externalizantes como a
mentira, agresso fsica e verbal, hiperatividade e
atitudes desafantes
59
. Do mesmo modo, podem
ter comportamentos internalizantes como
o medo, a ansiedade e a depresso
60
. Outros
estudos
61
demonstram que adolescentes com
pais autoritrios em determinados contextos
podem apresentar um bom desempenho
escolar por conta de uma disciplina rigorosa,
porm, apresentando padres de depresso,
baixa autoestima e defcientes habilidades
sociais. No Brasil, na cidade de Curitiba, h
evidncia de um predomnio de pais negligentes
sobre outros tipos de estilos parentais
62
e
parece haver uma incompatibilidade entre a
percepo que os flhos tm dos estilos dos pais
e a prpria percepo dos pais. Assim, a criana
pode no estar assimilando as informaes
dos pais da mesma forma que eles se veem.
Esse aspecto relevante, na medida em que os
pais podem achar que no esto atuando de
forma negligente, enquanto os flhos sentem e
percebem um estilo negligente em seus pais.
Desta forma, crianas e adolescentes podem
apresentar comportamentos antissociais sem
os pais estarem conscientes do impacto do
ambiente familiar sobre as atitudes dos flhos.
Existem pesquisas
67
com adolescentes
que permitiram identifcar alguns fatores
que determinam o estilo parental criado na
famlia. Assim, por exemplo, distinguiram-se
os estilos parentais de acordo com a idade; o
estilo autoritrio e o participativo so mais
associados a jovens de menor idade (13 e
14 anos), enquanto os estilos permissivos e
negligentes, relacionados com adolescentes
mais velhos (15 a 16 anos). Isso pode signifcar
perda de controle dos flhos medida que estes
crescem. Por outro lado, famlias com ambos os
pais trabalhando tendem a ser mais permissivas
Tabela 8.2 Estilos parentais e efeitos
em termos de valores ou qualidades
adquiridas pelos flhos
68
estilo
valores ou qualidades que os
flhos adquirem
Participativo Valores de auto-direo,
autodeterminao, segurana,
realizao, curiosidade,
promove comportamentos
pro sociais como a empatia, a
solidariedade e a gratido.
Desenvolve habilidades sociais,
otimismo, boa auto-estima e
auto-efccia.
autoritrio Valores de conformidade,
obedincia. Inibe valores de
estimulao e auto-direo.
Gera flhos temerosos,
apreensivos, temperamentais
ou mal-humorados, vulnerveis
ao estresse.
Permissivo Favorece valores de auto-
direo como autonomia e
independncia.
Inibe comportamentos pro
sociais como a solidariedade.
Promove valores mais
hedonistas e de estimulao.
Pode gerar comportamentos
rebeldes, baixo auto-controle,
impulsividade, assim
como atitudes agressivas e
autoritrias.
negligente Inibe valores de auto-direo e
realizao.
Facilita comportamentos
internalizantes como a
depresso e o estresse.
Promove comportamentos
externalizantes como a
agressividade, hiperatividade e
atitudes desafantes.
Maior propenso ao consumo
de drogas e lcool.
112 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
Quadro 8.2 Consequncias dos estilos parentais
Pesquisas realizadas na cidade de Curitiba
63
, com crianas e adolescentes entre 8 e 17 anos de idade
64
,
oferecem evidncias sobre algumas consequncias em termos de desenvolvimento social e psicolgico
do predomnio de determinado tipo de estilo parental na criao dos flhos.
Por um lado, foram encontrados maiores indcios de depresso em crianas cujos pais so negligentes
(Grfco A). As crianas que participaram na pesquisa responderam questo aberta: O que mais me
deixa triste ..., e parte das respostas ilustrou o fato de os pais no se importarem quando a criana
tira notas altas na escola, ou quando tiram 9, os pais se mostram insatisfeitos, perguntando se no
poderia ter sido 10, deixando transparecer criana que seu rendimento na escola nunca bom o
sufciente. Algumas crianas tambm responderam que escutam da me palavras de desprezo sobre
elas. Do mesmo modo, a maior proporo de crianas com estresse foi encontrada entre aquelas com
pais negligentes, com elevado ndice de interaes negativas (Grfco B).
Por outro lado, baixa autoefccia est presente em crianas e adolescentes com pais negligentes
e autoritrios e alta autoefccia em aqueles que tm pais participativos (Grfco C). A autoefccia
consiste na autopercepo de capacidades e habilidades de organizar e programar atividades, assim
como de afrontar situaes desconhecidas, imprevisveis e geradoras de estresse. A percepo de efccia
determina comportamentos, pensamentos e emoes na pessoa e infuencia tambm suas escolhas de
atividades e defne quanto a pessoa persistir diante de um desafo.
A autoestima tambm muito importante para o desenvolvimento de uma pessoa, uma vez que se
refere avaliao que faz de si mesma. Contempla a viso, pensamentos e sentimentos que a pessoa tem
de seu prprio valor, capacidades, competncias e aparncia
65
. Uma autoestima elevada encontrada
em adolescentes cuja famlia mantm melhor relacionamento afetivo, com pais mais carinhosos e
que demonstram afeto atravs de beijos e abraos e que elogiam e valorizam seus flhos. Uma boa
comunicao familiar ajuda a manter uma elevada autoestima, com pais que escutam as dvidas de
seus flhos, do conselhos e orientaes. Entretanto, a baixa autoestima presente em adolescentes
que receberam punies inadequadas, com pais que batem e brigam por coisas de pouca importncia,
que costumam castigar de forma inconsistente, pais que, pelo mesmo motivo, algumas vezes castigam
e outras vezes no. A baixa autoestima tambm produzida quando os pais no apresentam uma
comunicao positiva com seus flhos e, ao contrrio, gritam, ameaam e criticam exageradamente seus
flhos. Uma boa autoestima presente em crianas e adolescente com pais participativos, enquanto
uma baixa autoestima est relacionada a pais autoritrios e negligentes (Grfco D).
Habilidades sociais, como capacidade de relacionamento interpessoal, capacidades de expresso de
pensamentos e sentimentos, cooperao, entre outras, so desenvolvidas mais facilmente em crianas
e adolescentes cujos pais so participativos e so menos propicias quando os pais so negligentes e
autoritrios (Grfco E).
Entretanto, um lar com pais participativos e que explicam os erros e os acertos adequadamente
aos flhos contribui ao desenvolvimento do otimismo nos flhos (Grfco F). Essa qualidade muito
importante, e, quando no desenvolvida, contribui para que as crianas e os adolescentes acreditem
que os problemas so para sempre, sintam-se incapacitados de fazer novas tentativas diante desafos,
desistam de novas oportunidades e sejam passivos diante as derrotas. Entre as consequncias do
pessimismo, podem-se destacar a depresso, a resignao e a sade fsica frgil
66
.
| 113
CRIANAS COM SINTOMAS DE DEPRESSO (%)
Participativo
14,0
26,3 56,1
3,5
Autoritrio Negligente
Permissivo
Grfico A depresso
CRIANAS SEM SINTOMAS DE DEPRESSO (%)
Participativo
Autoritrio
40,6
17,5
25,9
16,0
Negligente
Permissivo
Grfico B estresse (%)
5,0
11,0
73,0
11,0
Participativo
Autoritrio
Negligente
Permissivo
Participativo
Autoritrio
Negligente
Permissivo
Grfico C Boa auto-efccia (%)
75,0
4,0
2,0
19,0
Grfico D auto-estima elevada (%)
63,0
11,0
5,0
21,0
Participativo
Autoritrio
Negligente
Permissivo
Participativo
Autoritrio
Negligente
Permissivo
Grfico E Boas habilidades sociais (%)
62,0
7,0
6,0
25,0
Participativo
Autoritrio
Negligente
Permissivo
Grfico F otimismo (%)
54,0
7,0
29,0
11,0
Quadro 8.2 Consequncias dos estilos parentais
e menos autoritrias, enquanto famlias cujos
pais contam com maior instruo tm maior
probabilidade de ter um estilo participativo e
menos permissivo.
Em termos de resultados nos adolescentes,
o melhor desempenho escolar encontrado
naqueles cujos pais so participativos
(ou cuidadores), e o pior desempenho, em
adolescentes com pais negligentes. Jovens
com maiores problemas de contexto familiar
e atitudes negativas dos flhos com os pais
so tambm integrados defcientemente no
contexto escolar, refetindo atitudes negativas
que dizem respeito escola. Sobre o bem-
estar psicolgico, h maior probabilidade que
adolescentes com pais negligentes e com
problemas de relacionamento com eles sofram
de estresse psicolgico, independentemente
do tipo de famlia qual pertenam (pais
solteiros, reconstitudos, divorciados) e das
condies socioeconmicas que enfrentem.
Entretanto, famlias com o estilo mais
participativo apresentam menores sintomas de
comportamentos internalizantes (estresse) nos
flhos.
Enquanto o estilo
participativo leva a um
bom desempenho escolar,
os estilos permissivos e
negligentes conduzem a um
baixo rendimento.
114 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
As evidncias coletadas por esse relatrio,
como indicadas acima, apontam que o
estilo participativo o que produz o melhor
desenvolvimento dos indivduos, o qual inclui
um bom relacionamento entre pais e flhos.
Nessa relao, os pais oferecem suporte afetivo
e mostram interesse pelos afazeres e gostos dos
flhos, mantendo o acompanhamento escolar
e a dedicao de tempo famlia, bem como a
defnio adequada de limites e controle aos
flhos.
Portanto, o estilo parental participativo pode
constituir um ambiente familiar mais saudvel.
Para promover esse estilo necessrio que os
pais assumam seu papel como tal, respondendo
s necessidades da criana, com maior
comprometimento na educao dos flhos,
demonstrando maior interesse, favorecendo o
dilogo, oferecendo um suporte de afeto, auxlio
e apoio. De igual forma, com um ambiente
amoroso deve coexistir um monitoramento
adequado, estabelecendo regras e exigindo a
obedincia, no por imposio absolutista, mas
procurando o entendimento da criana como
sujeito.
A evidncia analisada acima sugere que os
valores materializados em estilos e prticas
parentais exercem uma infuncia relevante no
somente sobre a escolaridade dos indivduos,
mas sobre um grande universo de dimenses
importantes para a sua qualidade de vida e
formao como ser humano. A famlia defnida
como uma rede de cuidados e afeto tem papel-
chave, via formao de valores, na construo do
desenvolvimento humano de um pas. O dilogo,
as expresses afetivas, monitoria positiva,
disciplina adequada, reforo, envolvimento e
comportamento moral devem fazer parte do
forescimento dos indivduos. Dessa forma,
ainda que as famlias enfrentem possveis
desafos, podem tornar as experincias de vida
muito mais gratifcantes, bem como conduzir
a uma adequada convivncia da sociedade e
expanso do bem-estar humano.
Essas mesmas famlias podem tambm
constituir-se em um espao de risco e privao
do bem-estar das pessoas quando predomina
um clima de negligncia e hostilidade,
ocorrendo prticas negativas como a violncia
fsica e psicolgica, falta de ateno pelas
necessidades fsicas e emocionais, disciplina e
punies inconsistentes, monitoria estressante
e comunicao negativa. Este clima familiar
negativo pode aumentar a propenso a
comportamentos indesejados na sociedade,
assim como prejudicar o desenvolvimento fsico,
cognitivo e emocional das pessoas.
Nesse contexto, tambm importante
analisar os padres e caractersticas dos
arranjos familiares do Brasil, uma vez que isso
pode infuir na caracterizao dos contextos nos
quais est ocorrendo a socializao de valores
e criao dos flhos. Padres como aumento da
gravidez na adolescncia, da populao idosa e
famlias monoparentais, bem como aumento
de separaes e divrcios podem refetir as
prioridades valorativas de uma sociedade.
Portanto, estes assuntos sero tratados na
prxima seo.
A famlia defnida como
uma rede de cuidados
e afeto tem um papel-
chave, via formao de
valores, na construo do
desenvolvimento humano
de um pas.
| 115
Os arranjos familiares no Brasil sofreram
fortes transformaes nessas ltimas dcadas.
A taxa de fecundidade brasileira comeou
a diminuir a partir da dcada de 1960, com
maior ritmo a partir de meados dos anos
1970
69
, chegando a 1,8 flhos por mulher em
2009
70
. Os desdobramentos dessa constatao
so importantes. Primeiro, cabe notar que a
taxa de fecundidade tem sido mais elevada
nas camadas sociais com renda mais baixa e
com menos anos de estudo
71
. Segundo, apesar
da diminuio geral da fecundidade, cabe
notar que ela decresce em ritmo menor entre
adolescentes de 15 e 19 anos
72
. Terceiro, quando
olhamos mais detalhadamente, por condio
de domiclio, para as mulheres adolescentes
que tiveram flhos, nota-se que tem diminudo
a proporo de adolescentes que so cnjuges,
porm tem aumentado o nmero de mes
adolescentes que ainda vivem com seus pais ou
outros parentes
73
(ver Grfco 8.2).
gRAVIDEZ nA ADOLEScncIA
A gravidez na adolescncia e seus impactos
na dinmica familiar so bem conhecidos, prin-
cipalmente quando se trata de uma gravidez
no planejada de forma consciente. Ela pode
ser causa da mudana do plano de vida e do
projeto profssional dos adolescentes, levando
ao abandono escolar e probabilidade de ocupar
trabalhos no qualifcados
74
. O Relatrio de De-
senvolvimento Humano Global de 2010 destaca,
na elaborao do seu novo ndice de Desigual-
dade de Gnero para a taxa de fertilidade na
adolescncia, a gravidez na adolescncia como
uma varivel que impede o desenvolvimento
humano potencial das mulheres e, por conse-
quncia, de toda a sociedade. Assim, a gravi-
dez nesse perodo da vida traz um contexto de
maior dependncia fnanceira dos pais e confi-
tos emocionais que podem surgir de uma unio
indesejada, com claro impacto sobre a formao
de valores na famlia.
H evidncias que sugerem associao entre
mes adolescentes e risco de negligncia e
maus-tratos no cuidado de seus flhos
75
. Entre os
componentes de risco, encontra-se fortemente
relacionado o despreparo da adolescente
para assumir o papel parental, referente
concepo inadequada sobre habilidades
e prticas parentais, assim como a falta de
conhecimento sobre o desenvolvimento da
criana
76
. Comparado com mes mais maduras
e do mesmo status socioeconmico, as mes
adolescentes tendem a ser menos afetuosas
e a usar prticas de disciplina mais severas,
sinalizando defciente suporte emocional no
desenvolvimento da criana. Por sua vez, estas
crianas tm maior probabilidade de abandono
escolar, incidncia de depresso e risco de
PADrES DEmoGrFiCoS E ArrANJoS FAmiliArES No brASil
Grfico 8.2 Proporo de Mulheres
de 15 a 19 anos que Tiveram Filhos
por Condio no Domiclio, Brasil
Fonte: IPEA, 2010a, p. 16
1992 2000 2009
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
Chefe
Conjuge
Filha
Outra parente
55,8%
40,3%
28,4%
36,9%
12,4%
14,6%
1,9% 6,2%
116 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
ser me ou pai na adolescncia
77
. As mes
adolescentes no so as nicas responsveis,
tambm so seus parceiros, os quais na
maioria das vezes tambm so adolescentes. A
paternidade na adolescncia passa por desafos
que prejudicam sua participao no perodo da
gravidez, nascimento e criao dos flhos, como
o estresse, dvidas da capacidade parental,
isolamento, desemprego, entre outros confitos
78
.
Deste modo, os pais mais jovens tenderiam a
acompanhar menos os flhos do que os pais mais
velhos, podendo apresentar prticas parentais
menos participativas na sociedade.
Mas os jovens no devem ser culpados. As
evidncias
79
sugerem que as famlias dos jovens
tm infuncia nos padres de incidncia da
gravidez na adolescncia, por motivos como fal-
ta de dilogo e orientao sexual, confitos mari-
tais dos pais, disciplina rigorosa, falta de moni-
toramento e baixa afetividade. Similarmente,
v-se que os padres intergeneracionais tendem
a se repetir, nos lugares em que pelo menos um
membro da famlia da jovem esteve na mesma
condio anteriormente. Outras pesquisas
80
in-
dicam que o comportamento sexual de risco (ou
seja, manter relaes sexuais sem preservativos
ou ter mltiplos parceiros) menor entre ado-
lescentes com pais participativos. Mulheres ado-
lescentes que tiveram o pai ausente desde mais
cedo e que pertencem a famlias reconstitudas
tm maior probabilidade de apresentar com-
portamento sexual de risco e gravidez precoce
81
.
Portanto, prticas parentais positivas infuenci-
am intergeneracionalmente valores de vida que
confguram os arranjos familiares.
No entanto, alguns fatores contribuem
para contornar as difculdades decorrentes da
gravidez na adolescncia e resultados nos flhos,
entre eles destaca-se a possibilidade de a me
completar seus estudos, ter ativa participao
em programas de cuidado pr-natal com
incluso do parceiro
82
, menor isolamento
social, adequada interao entre a criana e
o pai, estabilidade marital e apoio familiar
inicialmente no cuidado do beb
83
. Estudos
demonstram que mes adolescentes com
maior suporte social
84
apresentam melhores
resultados psicossociais e tendem a usar prticas
parentais menos agressivas e coercitivas do que
aquelas que no tm esse suporte
85
.
OS IDOSOS
Outra tendncia importante a ser notada
tambm est relacionada desacelerao do
crescimento da populao, pois isso, associado ao
aumento da expectativa de vida, tem ocasionado
uma mudana na distribuio etria, levando
a um aumento da populao idosa no pas
86
.
No Brasil as pessoas idosas correspondem a
11,4% da populao em 2009
87
. Esse aumento
implica maior convvio e aprendizagem com
diferenas geracionais. De fato, no Brasil em
2007, a proporo de crianas, adolescentes e
jovens morando em domiclios com pelo menos
um idoso foi de 30%; 45% desses idosos viviam
na condio de chefes de famlia
88
.
Uma maior convivncia com idosos pode
gerar um ambiente de confitos entre valores
tradicionais e valores dos jovens, os quais buscam
novas experincias e maior abertura mudana.
Por outro lado, pode signifcar a criao de novas
experincias com a troca de valores em diferentes
mbitos intergeneracionais. A convivncia com
os avs pode propiciar uma oportunidade para
escutar, ser paciente, respeitar, ser solidrio e
aprender valores diferentes da sua gerao. A
convivncia entre pessoas com valores diferentes
(cuja natureza seja intergeneracional) estimula
vivncias que oferecem um potencial mais rico
de promoo do desenvolvimento humano dos
jovens e crianas.
Essa maior convivncia tambm pode
signifcar que os avs podem passar a assumir
um papel parental mais ativo, como acontece
nas famlias aps o divrcio ou em famlias
monoparentais. Com os idosos ajudando no
sustento de casa por meio de seu trabalho ou
de sua aposentadoria
89
, podem-se reforar
| 117
valores de solidariedade dentro da famlia
perante situaes adversas, como o desemprego
do chefe de famlia. Mas a populao idosa
tambm pode trazer para a famlia um universo
de difculdades, tais como problemas no acesso
sade, menores condies fnanceiras e um
confito potencial de valores entre avs e netos
adolescentes.
PRESSO SOBRE AS MULHERES
Com respeito s estruturas familiares, no
Brasil ainda predomina o casal com flhos. No
entanto, como se observa no Grfco 8.3, a par-
ticipao desse arranjo familiar vem diminuin-
do, passando de 62,8% em 1992 para 49,9% em
2009. Dentro desse tipo de arranjo familiar, em
geral o homem quem exerce o papel de chefe
de famlia . Porm, a chefa por parte da mulher
vem aumentando em todos os tipos de famlia
(casal com e sem flho, me com flho e mulher
sozinha) passando de 27% em 2001 para 35,2%
em 2009 . Similarmente, tem havido crescimen-
to do tipo de famlia monoparental, principal-
mente formada por me com flho, representan-
do 15,4% das formas alternativas de famlia em
2009. Sobre isto, o fato que uma maior respon-
sabilidade da criao dos flhos tende a recair
sobre as mulheres, signifcando uma maior
presso para o exerccio de sua funo parental.
Geralmente a mulher quem constitui o
lar monoparental, sendo a ela outorgada, na
maioria das vezes, a guarda dos flhos em even-
tos de separaes e divrcios, como ocorreu no
Brasil em 87,6% dos divrcios em 2009
92
. Essa
condio da me associada ao estresse do tra-
balho e dos afazeres domsticos pode afetar
o seu grau de participao nas atividades dos
f lhos. Estudos
93
apontam que mes solteiras
experimentam maiores nveis de estresse, tra-
balham mais horas, porm, tm maiores difcul-
dades fnanceiras
94
, tendem a ser isoladas, com
elevada exposio violncia
95
e contam com
menor suporte social, se comparadas com mes
casadas. Estas circunstncias esto correlacio-
nadas com prticas parentais agressivas
96
, de
menor proteo e comunicao negativa com
os flhos. Outros estudos
97
sugerem que mes
solteiras conhecem menos os fatores de estres-
se de seus flhos adolescentes, e isso se deve ao
menor monitoramento e falta de comunica-
o. Como consequncia, possvel que os ado-
lescentes apresentem ansiedade, depresso e
agressividade. Apesar de esses resultados e das
diversas difculdades que enfrentam as fam-
lias monoparentais, importante destacar que
quando a me solteira (ou o pai) consegue exer-
cer um estilo parental mais participativo, o risco
de resultados negativos nos flhos decresce
98
.
Por outro lado, apesar do aumento da
participao das mulheres no mercado de
trabalho
99
e de sua importncia no reforo
de valores de independncia, autonomia,
dedicao ao trabalho e responsabilidade nos
flhos, nota-se que a situao da mulher que
chefe de famlia muito mais difcil, devido
maior vulnerabilidade que ela enfrenta no
mercado de trabalho, convivendo com maiores
taxas de desemprego, trabalhos sem carteira
assinada e com o trabalho domstico e familiar
no remunerado
100
. Assim, os domiclios
chefados por mulheres so geralmente
mais pobres do que aqueles chefados por
homens
101
, e as condies de vida dos membros
desses domiclios so muito mais restritas.
Nessas circunstncias, a falta de liberdades
(capacitaes) das mulheres muito grande,
forando-as a passarem menos tempo com seus
flhos, aumentando a vulnerabilidade destes a
infuncias externas, muitas vezes negativas.
Alm disso, considerando a participao dos
pais como um elemento-chave para o progresso
escolar das crianas, isso pode signifcar maior
evaso escolar. De igual forma, pertencer a uma
classe social menos favorecida tambm pode
implicar viver em comunidades mais expostas
violncia, principalmente em centros urbanos, o
que, por sua vez, pode aumentar o contato das
crianas e dos jovens com as drogas e o crime
102
.
118 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
Em resumo, pode-se dizer que as precrias
condies de trabalho da me que chefe de
famlia, assim como sua baixa disponibilidade
de recursos, maior exposio violncia,
menor grau de instruo, o fato de ser me
solteira e ter maior nmero de flhos podem
causar um grande estresse, presso e falta de
liberdades nessas mulheres, o que pode afetar
suas funes parentais na socializao dos
flhos, atrapalhando o exerccio de prticas
parentais positivas, difcultando a comunicao
e participao na vida dos flhos. Desta forma,
condies socioeconmicas podem afetar estilos
parentais e at mesmo valores transmitidos aos
flhos
103
.
SEPARAES, DIVRcIOS E
FAMLIAS REcOnSTITUDAS
A trajetria de casamentos no Brasil
ascendente desde 2003
104
. Enquanto a proporo
de casamentos conforme o estado civil da
pessoa continua sendo maior entre mulheres e
homens solteiros (apesar da reduo de 90,1%
para 82,4% do total de casamentos entre 1997 e
2009), se observa um aumento dos casamentos
entre homens divorciados e mulheres solteiras
(de 4,4% para 7,2%), maior do que os casamentos
entre mulheres divorciadas e homens solteiros
(de 1,9% para 5,3%). Ao mesmo tempo, tem
aumentado a proporo de casamentos entre
cnjuges divorciados (de 1,1% para 2,9%). A
partir disso nota-se o aumento das famlias
reconstitudas, nas quais os vnculos ampliam-
se com os flhos dos casamentos anteriores e
os flhos do casamento atual, dando lugar a
relaes entre enteados, madrasta e padrasto.
Em relao s dissolues dos casamentos, as
separaes
105
mantm um padro estvel desde
2004, com uma taxa geral de 0,8 por cada mil
habitantes em 2009. Os divrcios, por outro lado,
vm aumentando a taxas maiores desde sua
implementao em 1984, chegando a ser de 1,4
para cada mil habitantes de 20 anos ou mais em
2009.
interessante considerar as percepes
dos adolescentes sobre esses novos arranjos
familiares. Em pesquisas
106
sobre crenas e
valores dos adolescentes de famlias originais
(FO) e reconstitudas (FR), observaram-se
algumas diferenas. Por um lado, foi encontrado
que os adolescentes de FO consideram suas
famlias mais unidas e companheiras do que
jovens de FR. Enquanto os adolescentes de FO
esperam do casamento maior felicidade, os de
FR esperam mais amor. Entre as caractersticas
familiares que mais desagradam tanto a
grfico 8.3 Distribuio percentual dos arranjos familiares brasileiros
1992 2009
Casal sem
flhos
Casal com
flhos
Mulher
sozinha
Me com flhos Homem
sozinho
Pai com
flhos
11,7
16,2
62,8
49,9
6,2
8,9
12,3
15,4
5,4
7,5
1,6 2,0
Fonte: IPEA, 2010a p. 17
| 119
adolescentes de FO quanto de FR foi a presena
de brigas. Do mesmo modo, para ambos os
grupos a separao signifca uma vivncia
desagradvel. Em outro estudo
107
, observou-se
que uma elevada percentagem de adolescentes
de FO (43%) no desvaloriza nenhum membro
da famlia, em contraste com uma percentagem
bem menor (23%) de jovens de FR. Nesse ltimo
grupo, o membro mais desvalorizado da famlia
foi a madrasta (33%). O ponto importante aqui
no tratar de como novas confguraes
familiares podem de fato modifcar ou no
a felicidade, amor ou vivncias dentro das
famlias, pois cada caso nico. No entanto, o
importante notar como essas confguraes
podem afetar as percepes dos jovens. Em
jovens de FR que vivenciaram a perda e a tristeza
da separao dos pais, pode-se explicar o fato de
eles esperarem maior amor pelo casamento.
Os desafos na criao dos flhos e a construo
de valores existem independentemente de
tratarmos de FO ou FR. Mas as crianas e
adolescentes de FR podem enfrentar desafos
maiores, com comportamentos ambivalentes,
entre outros confitos. O problema normalmente
associado a experincia da separao ou do
divrcio da famlia original. As separaes e os
divrcios no so eventos isolados, fazem parte
de um processo que comea muito antes do
evento em si e pode levar a profundas sequelas
psicolgicas e perda de bem-estar nos flhos.
Esses episdios podem adicionar mais presso
aos estilos e prticas parentais na transmisso
e construo de valores de vida.
Separaes e divrcios produzem mudanas
radicais na vida familiar, que podem afetar
tanto aos pais quanto aos flhos. Mudanas
de papis, rotinas, responsabilidades e
prioridades ocorrem. Crianas e adolescentes
podem sofrer os impactos das separaes pela
disputa que comea pela guarda dos flhos, e
se em crise, podem produzir neles sentimentos
de culpa e abandono, bem como induzi-los
a comportamentos internalizantes, como
depresso, e a comportamentos externalizantes,
como o desrespeito e a desobedincia. No Brasil
68,7% das separaes judiciais concedidas em
primeira instncia em 2009 foi em famlias com
flhos menores de idade, representando quase
91 mil flhos entre crianas e adolescentes que
vivenciaram a experincia de separao dos pais
nesse ano
108
.
A desagregao familiar associada a
problemas psicolgicos que podem permanecer
da infncia at a vida adulta. Quando se trata de
crianas e adolescentes de pais divorciados, alm
do baixo bem-estar psicolgico, eles tm maior
probabilidade de comportamentos antissociais,
como abuso de lcool e drogas, problemas
com as autoridades, vandalismo
109
, fuga de
casa, sexualidade de risco e evaso escolar,
tudo isso comparado com aqueles de famlias
originais
110
. Com respeito a resultados na fase
adulta de crianas que vivenciaram o divrcio,
os estudos longitudinais
111
mostram que esses
experimentam maiores sentimentos de rejeio,
depresso, ansiedade, baixa autoestima,
problemas de relacionamento marital, medo
de fracasso e maior propenso a pensamentos
e efetivao de divrcio do que aqueles adultos
que cresceram sem essa experincia na famlia.
Os impactos negativos sobre os flhos nas dis-
solues dos casamentos dependem da idade,
caractersticas pessoais, gnero e principal-
mente da forma como se d o processo de sepa-
rao, que inclui o grau em que se apresentam
fatores de risco tais como
112
: i) grau de exposio
a intensos confitos maritais; ii) deteriorao das
prticas e estilos parentais, usando disciplinas
mais duras ou inconsistentes, menor afetivi-
dade, menos sensibilidade s necessidades dos
flhos, estilos mais permissivos, autoritrios ou
negligentes
113
; iii) Reduo de condies fnan-
ceiras, que implicam mudanas do padro de
vida que os flhos levavam, mudana da escola,
do bairro etc.; iv) perda de redes sociais, pelo dis-
tanciamento com alguns avs, familiares, pro-
fessores e amigos da famlia; v) unio ou novo
120 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
casamento por algum dos pais pouco tempo de-
pois do divrcio, o que pode tornar mais difcil o
ajustamento da criana ou adolescente.
Em resumo, o que possvel constatar,
independentemente dos valores particulares
das pessoas, que diferentes tendncias
demogrfcas relacionadas gravidez na
adolescncia, aumento da populao de idosos,
presso sobre as mulheres e aumento de
separaes e divrcios podem condicionar o
ambiente no qual se d a formao de valores
em um indivduo e, portanto, sua propenso
a determinados comportamentos desejveis.
Variveis demogrfcas podem infuir no clima
emocional ou ambiente familiar adequado,
no dilogo e na disciplina adequados. Elas no
so determinantes, pois diversos outros fatores
e caractersticas pessoais e individuais so
importantes na categorizao dos resultados
fnais. No entanto, possvel dizer que o
desenvolvimento humano e a promoo dos
valores de vida dependem fortemente do clima
familiar gerado na interao entre pais e flhos,
assim como no exerccio de prticas parentais
positivas.
O desenvolvimento humano
e a promoo dos valores de
vida dependem fortemente
do clima familiar gerado na
interao entre pais e flhos
assim como do exerccio de
prticas parentais positivas.
| 121
Como os valores podem
ser medidos?
9
122 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
Valores no podem ser observados
diretamente. O que podemos observar so as
suas consequncias, que frequentemente so
afetadas por outros fatores, tais como normas,
culturas, instituies e comportamentos
de outras pessoas. Estritamente falando, a
estratgia de observar aes das pessoas
pode nos dar mais informaes sobre
comportamentos e atitudes do que diretamente
sobre seus valores. De fato, a proposta de medir
valores a partir da observao da conduta das
pessoas pode estar sujeita a vrias limitaes
114
.
Para que a mensurao de valores seja possvel,
temos que acreditar que as pessoas conheam
seus valores, ainda que pouco e mesmo que elas
no os pratiquem. Sendo assim, podemos tentar
medir os valores por conversas ou aplicao de
questionrios com as pessoas. A partir disso
podemos verifcar quanto os comportamentos e
atitudes se aproximam dos valores.
importante lembrar que os valores no so,
em geral, importantes individualmente, mas sim
como parte de um sistema, no qual prevalece o
grau de importncia dado a cada valor (tambm
conhecido como prioridade axiolgica) dentro
de uma estrutura que pondera o papel de cada
valor em relao aos demais valores.
A escolha das medidas a serem usadas
depende muito das linhas de pesquisa e das
abordagens postuladas. Na cincia poltica,
os valores so muitas vezes medidos como
uma expresso da cultura cvica e poltica
das sociedades
115
. Na sociologia, eles retratam
atitudes das pessoas em relao a estruturas de
poder, instituies, necessidades sociais etc., que
orientam suas aes sociais
116
. Por sua vez, na
psicologia, os valores so medidos para mostrar
caractersticas e estruturas motivacionais dos
indivduos
117
. Na cincia poltica e sociologia, as
medidas mais comumente usadas atualmente
so o World Values Survey (WVS)
118
e o
Latinobarmetro
119
, com foco na Amrica Latina.
Ambos surveys foram infuenciados pelo
marco terico do materialismo e do ps-
materialismo, sugerido pelo Prof. Ronald
Inglehart, o qual considera que os valores
polticos das pessoas surgem de suas
necessidades individuais. Ele argumenta que
as pessoas que passam por insegurana e
vulnerabilidade fnanceira desenvolvem valores
materialistas, isto , valores de segurana e
estabilidade. Por outro lado, aqueles que vivem
ou viveram uma segurana maior buscam um
conjunto maior de necessidades associadas
s relaes sociais, autorrealizao etc.,
chamadas ps-materialistas. Ele adiciona a essa
dimenso outra chamada de modernizao/
ps-modernizao, que contempla a evoluo
da autoridade de natureza religiosa para a
autoridade do estado moderno.
Na psicologia social, as medidas mais
usadas so o Schwartz Values Survey (SVS)
e o Portrait Value Questionnaire (PQ). Dado
que este relatrio focaliza a viso de valores
caracterizada pela psicologia social, natural
que nossa ateno seja dada s medidas SVS e
PQ. No entanto, antes de tratar dessas medidas,
importante falarmos um pouco dos elementos
gerais que so pertinentes na escolha dos
instrumentos de medio.
mEDiDAS DE vAlorES
Frequentemente, os estudos de valores
buscam registrar resultados comparativos
entre indivduos ou grupos
120
. A escolha dos
instrumentos depende da disponibilidade de
verses existentes ou de sua adaptao, assim
como da possibilidade de construo e validao
de novos instrumentos que sejam adequados
aos objetivos da pesquisa. Os mtodos mais
utilizados para a defnio das prioridades
axiolgicas so:
1. ordenamento (ranking): os indivduos
classifcam uma lista de valores conforme a
sua importncia. Pode no ser adequado para
anlises multivariadas, para comparaes
| 123
entre indivduos e grupos e para quando a lista
de valores for muito extensa. Pode fazer com
que as ordens das pessoas sejam foradas,
gerando classifcaes arbitrrias, quando por
exemplo, as representaes dos indivduos no
so to fnas quanto s sugeridas pela ordem
hierrquica investigada;
2. avaliao (rating): os indivduos avaliam os
valores separadamente, segundo a importn-
cia
121
. de fcil execuo, e mais adequado para
o uso em grandes amostras. No diferenciam
tanto as prioridades axiolgicas quanto o orde-
namento, pois pode acontecer que as pessoas
no faam uma distino dentre muitos valores.
Os diferentes mtodos
122
dependem tambm
dos objetivos da pesquisa, que podem ser a
busca por caractersticas de valores universais
(tambm conhecidos como etic) ou de
caractersticas especfcas de cada indivduo
ou cultura (tambm conhecidos como emic).
Quando os objetivos forem etic, o uso da
avaliao mais apropriado, mas quando forem
emic, o ordenamento tem melhores resultados
123
.
De qualquer modo importante estar
ciente de que a aplicao de questionrios
para a elaborao de medidas de valores
sempre permeada por difculdades, que podem
abranger:
- questionrios longos, cansativos, que fazem
o entrevistado perder interesse na metade do
caminho;
- medo que os resultados do questionrio
possam ser usados contra ele ou ela;
- dissimulao estratgica por achar que
o pesquisador no deveria estar pesquisando
pontos to especfcos de sua vida;
- ignorncia de seus valores, tornando suas
respostas pouco confveis.
Entre os questionrios mais usados pelas
teorias transculturais de valores, da psicologia
social, temos:
a) Inventrio de Valores de Schwartz
(conhecido por SVS da verso em ingls)
Segundo as teorias do Professor Shalom
Schwartz os valores representam tipos ou
metas motivacionais que expressam tendncias
universais, que so pessoais e transituacionais,
isto , que representam guias pessoais de ao
que podem ou no serem materializados em
todas as situaes vividas pelos indivduos. Cada
tipo motivacional vem acompanhado de uma
frase que o explica. Os valores so classifcados
de acordo com ncoras subjetivas, isto , com
a determinao daqueles valores que so de
extrema importncia e de seus opostos
124
.
O SVS j foi validado para 46 lnguas
125
. Ele
composto de 56 valores, distribudos em
duas listas, com uma escala tipo intervalar,
que vai de -1 a 7. Os valores mais prximos no
espao possuem uma correlao maior, os
mais distantes sinalizam uma maior oposio
entre eles. Atravs de uma anlise de confitos e
compatibilidades possvel validar ou no o SVS
para diferentes culturas.
b) Questionrio de Perfs de Valores Pessoais
(conhecido como PQ ou PVQ da verso em ingls)
Esse questionrio foi desenvolvido para ser
uma verso menos abstrata e mais simplifcada
do SVS. O nvel da linguagem foi tambm
facilitado, o que torna essa medida muito mais
adequada para acessar pessoas com baixo
nvel de escolaridade, assim como a crianas
126
.
O princpio-base a estrutura de similaridade
entre as pessoas, sugerida por meio da pergunta:
Quanto essa pessoa se parece comigo?.
Esse questionrio tem tambm um nmero
menor de questes, geralmente nas verses
40 e 21 (de acordo com o nmero de questes).
O PQ funciona muito bem com amostras
representativas, fornece medidas consistentes
dos dez tipos motivacionais-chave e tambm
ndices razoveis de sete orientaes culturais
127
.
At hoje foram feitas amostras nacionais
representativas para o PQ para trs pases
somente: Frana, Alemanha e Mxico.
Existem muitos outros questionrios
desenvolvidos especifcamente para tratar de
questes relacionadas ao trabalho e culturas
124 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
organizacionais, tais como o Inventrio de
Signifcado do Trabalho (IST), a Escala de
Valores Organizacionais (EVO), o Inventrio
de Valores Organizacionais (IVO) e o Perfl de
Valores Organizacionais (PVO), entre outros.
Essas medidas, no entanto, so restritas s
problemticas dos objetos que retratam.
Antes de abordar como foi escolhido o instru-
mento para a elaborao do Perfl dos Valores
dos Brasileiros (PVB), importante fazermos uma
breve reviso sobre como os diferentes estudos
sobre valores tm sido conduzidos no Brasil.
ESTuDoS EmPriCoS SobrE
vAlorES No brASil
A literatura sobre valores no Brasil tem sido
focada em temas como: i) valores relativos
ao trabalho e organizaes
129
; ii) valores e
violncia
130
; iii) valores e educao
131
; iv) valores e
Um estudo
135
publicado em 1993 foi o primeiro no Brasil a perguntar se existiam valores tipicamente
nacionais. Foram compostas duas amostras
136
de professores e estudantes universitrios das cinco
regies do pas. A pesquisa usou o SVS, procurando identifcar os tipos motivacionais de valores ao longo
de uma estrutura dinmica que foi complementada por valores postulados como sendo tipicamente
brasileiros. Nas duas amostras foram encontradas as oposies esperadas na teoria entre abertura
mudana versus conservao e autopromoo versus autotranscendncia.
Foram testados quatro valores que seriam tipicamente brasileiros, quais sejam, sonho, esperteza,
vaidade e trabalho. A ideia do sonho pareceu ser a de evitar ou minimizar o impacto de frustraes.
O valor esperteza aproximou-se da motivao sucesso pessoal atravs de uma demonstrao
de competncia. A vaidade apareceu especialmente na teoria de Schwartz para os professores
mais prximos da regio de poder, enquanto para os estudantes esteve prxima das noes de
tradio+conformidade+ segurana. Assim, a vaidade apareceu como um meio de ter status social
e prestgio. Por sua vez o trabalho apareceu prximo da regio da benevolncia, revelando tratar-se
da busca do bem-estar de pessoas prximas. Isso interessante, pois mostrou que a necessidade pelo
trabalho no apenas de natureza pessoal, mas tambm social. Isso signifca que o trabalho pode ser
visto muito mais como um meio de subsistncia do que de oportunidade de autopromoo.
Em um estudo
137
subsequente publicado em 2007, fcou comprovado que trabalho um dos valores
mais importantes e que de fato est a servio de interesses coletivos, como da famlia. Os demais valores
tambm provaram ser importantes na hierarquia das motivaes dos brasileiros. Nesse contexto, o valor
esperteza continuou sendo visto como uma forma de autorrealizao.
Quadro 9.1 Existem valores tipicamente brasileiros?
meioambiente
132
; com vrios desenvolvimentos
tericos que estendem o modelo original de
Schwartz
133
ou propem alternativas
134
.
Os primeiros estudos
138
de valores no
Brasil comprovaram a estrutura terica de
valores proposta por Schwartz, mas ainda sem
aprofundar as comparaes entre os diferentes
grupos de pessoas. Em geral, as pesquisas
foram feitas com estudantes e professores
universitrios em poucas cidades brasileiras.
Subsequentemente, em 2007, foi possvel ter
foco na produo de uma hierarquia para tipos
motivacionais e em uma anlise das diferenas
intergrupais no Brasil. Os resultados mostraram
que o primeiro lugar da hierarquia foi ocupado
por valores relativos autodeterminao, quais
sejam, a liberdade de pensamento, criatividade,
a independncia, entre outros. Em segundo
lugar, fcaram a benevolncia e o universalismo.
Isso mostra que os valores cuja meta o bem-
estar da famlia e das pessoas mais prximas
| 125
mais importante do que o bem-estar de todos de
modo geral. Em terceiro lugar fcaram os valores
de autorrealizao, seguido do hedonismo,
conformidade, segurana, estimulao e
tradio, com o poder por ltimo.
Na anlise dos valores pelas diferenas
intergrupais, o hedonismo e a estimulao,
valores que so individualistas, apareceram mais
altos para os homens do que para as mulheres.
Por outro lado, as mulheres mostraram ter
valores mais coletivos, como a benevolncia,
a tradio, a conformidade, a segurana e o
universalismo. Em outras palavras, podemos
dizer que o perfl axiolgico das mulheres
mais centrado na coletividade e nos seus grupos
mais prximos, enquanto o dos homens mais
caracterizado por traos que servem a valores
individualistas. Mais especifcamente, pode-se
dizer que as prioridades valorativas dos homens
tendem a valores pessoais e de experimentao,
enquanto as mulheres apresentaram maiores
pontuaes
139
nos demais valores do tipo
interacional, suprapessoal e existencial.
Ao longo dos anos 2000, os estudos
sobre valores se tornaram mais numerosos
e mais diversos no Brasil. Um dos eixos de
preocupao dos pesquisadores foi o embate
entre o individualismo versus coletivismo.
Em uma comparao
140
entre os valores dos
jovens brasileiros versus os jovens espanhis,
utilizando-se questionrios sociodemogrfcos
e de individualismo-coletivismo, constatou-se
predomnio de valores coletivistas nos jovens
dos dois pases, com forte infuncia dos valores
relacionados religiosidade.
Uma nova linha de trabalho
141
foi inaugurada
no incio dessa dcada, focalizada na preocupa-
o com o prazer e o sofrimento no trabalho e
na relao destes com os valores. Dentro do uni-
verso de trabalho de uma empresa pblica, foi
identifcado o predomnio de sentimentos de
prazer, os quais estavam relacionados ao exerc-
cio da autonomia, domnio e de uma estrutura
igualitria e harmnica dentro da organizao.
Nesse momento surgem tambm os pri-
meiros questionamentos
142
e indagaes a re-
speito da pertinncia ou no do modelo de
Schwartz para o Brasil. A base do questionamen-
to do mo delo foi construda a partir de refexes
tericas sobre a existncia ou no de valores
confitantes na vida das pessoas. Essa discusso
deu origem Teoria Funcionalista dos Valores
Humanos, defendida pelo Prof. Gouveia
143
. A evi-
dncia sobre a existncia de valores confitantes
ou no mista
144
.
Outras contribuies
145
derem ateno para
o tema do materialismo versus ps-materialis-
mo, buscando mapear a relao entre valores e
atitudes democrticas, em um universo de es-
tudantes. Utilizando os tipos motivacionais de
Schwartz e a teoria de Inglehart sobre as tendn-
cias materialistas versus ps-materialistas, foi
possvel identifcar que entre os estudantes
pesquisados os valores se organizavam dentro
de trs sistemas: valores religiosos, materialis-
tas e ps-materialistas. Os valores religiosos se
relacionavam negativamente com os valores
democrticos e positivamente com os valores
ps-materialistas.
No mundo do trabalho, foi tambm inves-
tigada a existncia da infuncia dos valores
dos pais sobre os valores laborais dos flhos
146
, e
se constatou que, de fato, ela ocorre, predomi-
nando a transmisso de valores relacionados
realizao profssional e estabilidade oferecida
pelo trabalho. A infuncia ou transmisso de va-
lores se d em diferentes fases da infncia e ado-
lescncia
147
. Eles podem ser vistos pela formao
de esquemas mentais que se desenvolvem de
acordo com o meio cultural em que as crianas
e adolescentes vivem. O elemento-chave para a
transmisso de valores seu desenvolvimento
cognitivo e afetivo. Do ponto de vista do desen-
volvimento humano, esse resultado mostra que
o trabalho no apenas um meio de garantir o
bem-estar econmico dos indivduos e de suas
famlias, mas uma maneira de construir e trans-
mitir valores intergeneracionalmente.
126 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
Trs estudos
148
mostraram em 2003-2004
que os valores dos trabalhadores entrevistados
podiam ser agrupados em quatro eixos, que eram
realizao no trabalho, relaes sociais, prestgio
e estabilidade. Alm disso, mostrou-se tambm
que o civismo nas organizaes benfco
para a sobrevivncia e alcance da efetividade
organizacional. Por civismo entende-se um
conjunto de cinco tipos de comportamento que
contemplam: sugestes criativas ao sistema;
proteo do sistema; criao de um clima
favorvel organizao no ambiente externo;
autotreinamento e cooperao com os colegas.
Outros estudos
149
destacaram a relao entre
tipos particulares de valores, como a tendncia
ao individualismo e o aumento da violncia
150
.
Os resultados encontrados corroboraram o
argumento de que as condutas antissociais e
as condutas delitivas esto sim correlacionadas
positivamente com os valores de experimentao.
Desse modo, o aumento da violncia pode ser
dependente da maneira pela qual os valores
so formados. Essa infuncia muitas vezes
extrapola a formao individual de valores, uma
vez que depende da formao e identifcao
de valores dentro de grupos, principalmente
entre os jovens. A evidncia
151
gerada confrma
que a formao de valores sociais depende das
tradies intragrupo e de fatores geo-espaciais.
Os valores que preveem a identifcao social
so diferentes entre as culturas, especialmente
aqueles que dependem de identifcao geo-
espacial. Os valores humanos relativos tradio
e ao pertencimento foram especialmente
importantes para explicar as identidades
sociais. As pessoas que atriburam mais valor
privacidade so menos identifcadas com as
tradies intragrupos, independentemente da
cultura nacional. A identifcao geo-espacial, no
caso dos brasileiros, baseada na religiosidade
e no pertencimento, no caso dos espanhis
baseada na tradio, ordem social, honestidade
e poder.
Um argumento amplamente compartilhado
na psicologia social
152
de que os valores sempre
esto associados satisfao de importantes
necessidades humanas, de acordo com diferentes
critrios de orientao. Essas necessidades
podem ser fundamentadas em necessidades
biolgicas, estratgias coordenadas de interao
social e demandas de sobrevivncia de grupos.
Cada um desses critrios de orientao pode
ser dividido em duas funes psicossociais:
pessoal (experimentao e realizao), central
(existncia e suprapessoal) e social (interacional
e normativa), levando a uma reduo do nmero
de tipos motivacionais em comparao com a
teoria de Schwartz
153
. A estrutura de sua teoria
foi tambm criticada
154
por no diferenciar
conformismo e tradio, que se localizaram
empiricamente lado a lado, e no um atrs do
outro, como previsto pelo modelo terico.
A relao entre valores, meio ambiente e com-
portamento ecolgico foi tambm investigada
no Brasil
155
. Os resultados, baseados em pesqui-
sas com estudantes de instituies pblicas de
ensino mdio e superior, comprovaram que o
comportamento ecolgico dos estudantes est
relacionado a suas crenas e aos valores que tm
sobre o meio ambiente. Quando usadas escalas
de atitudes ecocntricas e antropocntricas,
notou-se que os valores de autotranscendncia
e de orientao universalista levam a atitudes
pr-ambientais
156
.
O modelo de Schwartz foi verifcado mui-
tas vezes
157
no Brasil principalmente, usando-
se amostras de estudantes universitrios.
Foram identifcados os sistemas subjacentes
a organizao dos valores como o materialista,
hedonis ta, religioso e ps-materialista.
Para concluir, importante mencionar que
a lista de temas apresentada acima est longe
de querer ser uma anlise completa do campo
de valores no pas, que j se tornou bastante
complexa. Em lugar disso, ela procurou ilustrar
os principais argumentos desenvolvidos no Bra-
sil na rea de valores humanos. Inicialmente, os
estudos empricos eram apenas verifcatrios de
| 127
A evidncia disponvel para o Brasil
158
, baseada nos dados do World Values Survey (WVS) dos anos
de 1991, 1997 e 2006, sugere que no perodo 1991-1997 os brasileiros caminharam em direo aos
chamados valores ps-materialistas. No entanto, entre 1997 e 2006, teria ocorrido uma retomada
dos valores materialistas. Esses resultados mostram-se a priori contraditrios com os indicadores de
desenvolvimento humano. Esse um ponto importante, pois o modelo de Inglehart, que a base do WVS,
argumenta que o desenvolvimento humano est associado emergncia de valores ps-materialistas.
O que essa evidncia talvez esteja ilustrando que a tese de valores materialistas e ps-materialistas
no seja a mais adequada para anlise da relao entre os valores e o desenvolvimento humano dos
brasileiros, em comparao com pases europeus.
O impacto das mudanas no nvel tecnolgico e econmico sobre a dimenso cultural, entretanto, no
to simples e direto quanto a hiptese da
escassez pode deixar transparecer quando
tomada isoladamente. Por isso, Inglehart
alerta para o fato de que esse processo
depende do sentimento de segurana
material que subjetivo e no do nvel
econmico objetivo dos indivduos. A
percepo que o indivduo desenvolve
sobre a sua situao no depende apenas
do quanto suas necessidades fsiolgicas
so satisfeitas, pois os nveis de satisfao
de cada pessoa variam enormemente em
razo do entorno cultural em que a mesma
est inserida e, sobretudo, no qual foi
socializada.
Dentro dessa perspectiva nota-se a
evoluo comparada dos valores sobre
respeito e tolerncia no Brasil em relao a
outros pases da Amrica Latina.
Quadro 9.2 Qual a infuncia dos valores polticos no desenvolvimento humano?
hipteses tericas de modelos de valores. Poste-
riormente, levaram a um questionamento des-
ses modelos com o surgimento de novas reas
de interesse, como o meio ambiente, violncia,
valores no trabalho e organizacionais etc. O de-
bate sobre individualismo versus coletivismo
permanece um ponto de discrdia na literatura.
Apesar dessa riqueza de contribuies, teri-
cas, empricas e prticas, clara a inexistn-
cia de estudos com abrangncia nacional que
permitam identifcar o perfl dos valores dos
brasileiros e suas respectivas particularidades
regionais. Os estudos foram predominante-
mente desenvolvidos com amostras restritas a
determinados estados ou cidades e focalizadas
em grupos especfcos, predominantemente em
professores e estudantes universitrios. Essa
limitao reparada no presente estudo, com a
discusso de resultados obtidos pela aplicao
de uma amostra elaborada em escala nacional.
90
70
40
10
80
50
20
60
30
0
1984 90 91 95 96 97 99 00 01 05 06 08
Fonte: European and World Values Surveys four-wave Integrated data fle, 1981-
2004, v. 20060423, 2006 e World Values Survey, 2005-2008, vs2005a_v20081015.
Argentina Brasil Chile Peru
n
d
i
c
e
d
e
P
s
-
M
a
t
e
r
i
a
l
i
s
m
o
128 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
Contribuio especial Anika Grtner dos Santos Camilo, Coordenadora do programa VNU no Brasil
A pesquisa de campo: efeitos alm do relatrio
O programa de Voluntrios das Naes Unidas (VNU) a organizao das Naes Unidas que contribui
para a paz e o desenvolvimento por meio do voluntariado em todo o mundo. O voluntariado benefcia
tanto a sociedade como um todo quanto o voluntrio individualmente, por meio do fortalecimento da
confana e da solidariedade mtua entre cidados e por ter como objetivo a criao de oportunidades
para participao.
O programa VNU promove o reconhecimento do trabalho voluntrio, trabalhando com parceiros para
a integrao do voluntariado em programas de desenvolvimento e mobilizando um nmero crescente, e
cada vez mais diverso, de voluntrios em todo o mundo. O VNU assume o voluntariado como universal, in-
clusivo e o reconhece dentro da sua diversidade, alm de enaltecer os valores que o envolve: escolha prpria,
comprometimento, engajamento e solidariedade.
A parceria entre o Relatrio de Desenvolvimento Humano e o programa de Voluntrios das Naes Uni-
das (VNU) no Brasil uma iniciativa onde o cidado participa como ator principal. Trata-se de uma inicia-
tiva que estimula a participao da sociedade no desenvolvimento e na melhoria da prpria vida. Assim o
voluntariado ajuda a concretizar uma mudana social positiva. No simplesmente o impacto da pesquisa
que infuenciar no desenvolvimento do pas. Destacam-se muito mais o cuidado com o processo, com o
fato de ouvir as pessoas e o de valorizar a opinio dos cidados comuns do pas inteiro. Por meio do envolvi-
mento dos voluntrios VNU durante a pesquisa de campo e a tabulao das respostas, foi possvel sentir o
impacto positivo dessa experincia para o resultado fnal e, sobretudo, durante o processo que conseguiu
canalizar essa energia positiva do esprito do voluntariado para a pesquisa como um todo.
A parceria foi uma experincia extremamente positiva para os responsveis do RDH e para os os volun-
trios VNU e mostrou que o cuidado com pessoas e processos essencial para promover o desenvolvimento
humano. Alm de pensar simplesmente em resultados fnais importante destacar que pode haver uma
mudana muito mais positiva e sustentvel por meio da construo de processos baseados em alguns dos
elementos que sustentam o trabalho do programa VNU, tais como solidariedade, comprometimento com
causas humanitrias e sociedades inclusivas.
O voluntariado ajuda a desenvolver normas de solidariedade e reciprocidade que so essenciais para
comunidades estveis. Neste sentido, o voluntariado um elemento essencial da democracia e contribui
para a construo de comunidades fortes e coesivas, fomentam sociedades inclusivas que respeitam a di-
versidade, a igualdade e a participao de todos, alm da confana entre os cidados.
Sendo assim, o efeito positivo e sustentvel dessa experincia vai muito alm da simples publicao do
relatrio e resulta impossvel captar e mostrar o impacto positivo para o prprio PNUD, os voluntrios VNU,
os parceiros e, sobretudo, para as comunidades visitadas e ouvidas, que so o corao desta pesquisa.
| 129
o PErFil DoS vAlorES
DoS brASilEiroS
Quais so os valores do brasileiro mdio? Ser
que esses valores so diferentes, dependendo
do sexo das pessoas, de sua faixa etria, do seu
nvel de renda ou de escolaridade? Existe relao
entre os valores das pessoas e suas atitudes, em
especial naquelas atitudes sobre a educao
e violncia? Com essas e outras perguntas em
mente empreendemos um estudo sobre o
Perfl dos Valores dos Brasileiros (PVB), usando
para isso a fundamentao terica advinda da
psicologia social e a orientao direta do Prof.
Shalom Schwartz, que nos aconselhou a usar
o Questionrio de Perfs de Valores Pessoais na
sua verso de 21 perguntas (PQ21). Segundo o
Prof. Schwartz
159
, apenas trs pases do mundo
j empreenderam esse questionrio em escala
nacional: Frana, Alemanha e Mxico. A principal
vantagem em usar esse questionrio que ele
mais acessvel para populaes com menores
nveis de educao, portanto parece mais
adequado para pases em desenvolvimento,
como o Brasil. Alm disso, ele produz bons
resultados com amostras nacionais.
Sendo assim, o estudo teve por base a
teoria de valores do Professor Schwartz, a qual
prope uma estrutura bidimensional e bipolar,
contrapondo valores de autotranscendncia e
autopromoo; os primeiros dizem respeito a
valores que contemplam o bem-estar das outras
pessoas, enquanto os valores opostos tratam dos
prprios interesses dos indivduos. A segunda
dimenso contrape valores relativos abertura
a mudana com valores que buscam preservar
o status quo, orientando os comportamentos
para a conservao. Subjaz a estas duas
dimenses um conjunto de dez valores, tambm
considerados tipos motivacionais, devido ao
componente motivacional ou intrnseco aos
valores humanos. Esses dez valores, ou tipos
motivacionais, resguardam entre si relaes de
compatibilidade e oposio. A anlise teve como
objeto e foco as duas dimenses de valores. Para
mais detalhes, ver Nota Metodolgica, no fnal
desse captulo.
Na tentativa de explicar as diferenas
encontradas entre as pessoas no Brasil, foram
analisadas as relaes entre valores e: a) gnero;
b) faixa etria; c) escolaridade; d) escolaridade
da me; e) situao de trabalho; f) faixa de renda
individual; g) faixa de renda da famlia.
Os dados foram coletados, sob a
responsabilidade do PNUD em uma parceria
com o Instituto Paulo Montenegro/Ibope e o
programa de Voluntrios das Naes Unidas
(VNU) e analisados em parceria com o MackGVal
(Grupo de Estudo de Valores da Universidade
Mackenzie). Foram contratados 39 voluntrios
de todas as partes do Brasil e dos mais variados
backgrounds acadmicos para a pesquisa
de campo que contou com uma capacitao
oferecida conjuntamente entre Instituto Paulo
Montenegro/Ibope, VNU e PNUD.
QUAIS SO OS VALORES DOS BRASILEIROS?
Se nem sempre os valores so vividos, por
que mape-los? Prioritariamente, porque eles
incorporam e expressam uma forte desejabili-
dade social. Isso no quer dizer que as pessoas
orientem de fato suas vidas pelos valores que
elas se sintam mais confortveis em expressar,
mas no podemos neg-los como uma refern-
cia indispensvel na orientao de suas atitudes
e comportamentos.
Os resultados evidenciaram que os
brasileiros so principalmente orientados por
valores relativos autotranscendncia. O que
isso quer dizer? Autotranscendncia o nome
dado ao grupo (ou dimenses) de valores que
vai alm do interesse que os indivduos possam
ter com si mesmos. Isso quer dizer, em outras
palavras, que os brasileiros percebem-se com
valores mais orientados para os outros do que
para si mesmos, ao terem o conjunto de valores
relativos autotranscendncia em primeiro
130 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
lugar na pontuao. A autopromoo, por outro
lado, situa-se em ltimo lugar na percepo de
quem respondeu o questionrio. Os resultados
tambm sugerem que os brasileiros mostraram-
se um pouco mais conservadores do que abertos
a mudanas.
Cientifcamente, os valores so calculados em
uma escala que vai de 1 at 6, mas para tornar
a sua leitura mais intuitiva, foram escalonados
mais uma vez, para fcarem em uma escala
decimal, como podemos observar na Tabela 9.1.
Podemos assim ver que os brasileiros deram uma
nota 8,6 para os valores de autotranscendncia e
uma nota 6,3 para autopromoo, indicando que
eles se percebem valorizando mais a igualdade,
a compreenso e o bem-estar das pessoas do
que a obteno de sucesso e reconhecimento
social.
Na teoria de Shalom Schwartz, proposta
inicialmente em conjunto com o seu colega
Wolfgang Bilsky, em 1987, os valores se
organizam em duas dimenses que possuem
polos opostos: autotranscendncia versus
autopromoo e abertura mudana versus
Tabela 9.1 As principais dimenses dos valores dos brasileiros
Autotranscendncia 8,6 1
Conservao 7,6 2
Abertura Mudana 7,4 3
Autopromoo 6,3 4
conservao. Isto no quer dizer, que as pessoas
sejam orientadas em seus valores apenas por
um ou outro polo, pelo contrrio, todos os seres
humanos orientam suas vidas tanto por valores
de autotranscendncia, quanto por valores de
autopromoo, que so, em princpio, opostos,
assim como por valores relativos abertura
mudana e valores de conservao. Logo, todas
as pessoas tm alguma preocupao com o
bem-estar dos outros e tambm se preocupam
consigo mesmas, em menor ou maior grau.
De acordo com os resultados desta pesquisa,
os brasileiros so mais autotranscendentes do
que preocupados consigo mesmo, mas isso no
quer dizer que no valorizem a autopromoo.
Da mesma forma, no quer dizer que no
sejam orientados para a abertura mudana,
mas que so um pouco mais orientados para a
manuteno do status quo do que para mudar,
no signifcando que no sejam criativos ou
avessos ao risco, mas que possivelmente tendem
a ponderar ao tomarem decises que impliquem
em mudana, assim como, possivelmente,
tendem a ponderar decises que envolvam os
| 131
seus interesses e os dos outros, no deixando
que estes sejam simplesmente desconsiderados.
Esta predominncia de orientao para a
autotranscendncia
160
foi tambm encontrada a
partir de evidncia encontrada em 13 pases com
amostras nacionais, 56 pases com amostras
de professores e 54 pases de amostras com
estudantes. Os resultados foram inequvocos:
a benevolncia, a autopromoo vistas como
valores universais so consistentemente mais
importantes para todos eles.
i) Autotranscendncia versus autopromoo
De fato, os brasileiros percebem-se como
benevolentes, com uma nota 8,8 neste quesito.
Isso signifca que eles esto preocupados em
preservar o bem-estar das pessoas mais prximas
e que por isso valores como honestidade,
sinceridade, amizade e responsabilidade so
particularmente importantes. Isso no quer
dizer que a preocupao com a humanidade
de forma geral e com preservao da natureza
seja pouco importantes, uma vez que o conceito
que capta esse conjunto de valores mais
transcendentais, o universalismo, alcanou uma
nota de 8,5.
A valorizao da benevolncia fundamental
para a sobrevivncia humana, pois dela
depende a cooperao, particularmente entre os
indivduos que compem os grupos primrios,
como a famlia. a benevolncia que vai permitir
a preservao do tecido social, mediante a
cooperao, possibilitando a transmisso dos
valores, ainda que o processo de socializao
seja imperfeito.
A valorizao do poder, isto , exercer domnio
sobre os outros e obter status social, o que
menos traduz na percepo dos brasileiros um
valor importante; obteve nota 5,3. No que se refere
realizao, foi obtida nota 7,2, indicando que os
brasileiros valorizam obter sucesso mediante
demonstrao da sua competncia. Assim, entre
os valores que envolvem autopromoo, nota-se
uma clara preferncia por realizao ao invs do
poder
161
.
Em suma, pode-se dizer que os brasileiros
possuem, entre suas principais motivaes, a
benevolncia, isto , a preocupao com o bem-
estar das pessoas com quem convivem com
maior frequncia, sem desconsiderar o bem-
estar da humanidade, acreditando que todos
devem ter a mesma oportunidade na vida e da
preservao da natureza, ao mesmo tempo em
que valorizam obter sucesso pessoal mediante
a demonstrao das suas competncias, sem, no
entanto, querer dominar os outros para obter
status social.
ii) conservao versus abertura mudana
A segurana, particularmente no que se
refere a viver em um lugar seguro e sentir-
se protegido de ameaas, juntamente com a
tradio, isto , a manuteno dos costumes,
so os valores que mais so percebidos pelos
brasileiros como aqueles capazes de traduzir
seu lado conservador. Em contrapartida, apesar
de conservadores, valorizam menos a obedincia
a regras e normas sociais de comportamento,
expressos por valores de conformidade.
Dos valores que mais caracterizam a
orientao dos brasileiros para a abertura
mudana, destaca-se o hedonismo, que
obteve nota 7,8. Este concentra a valorizao
do desfrutar a vida, quer tratando bem de
si mesmo, passando bons momentos, quer
valorizando oportunidades de divertimento. A
autodeterminao tambm apareceu valorizada
nos resultados da pesquisa; obteve nota 7,4. Esta,
porm, diz respeito criatividade e liberdade
para tomar decises. Por sua vez, valores de
estimulao, isto , valores de se ter uma vida
excitante e variada ou experincias estimulantes
parecem fgurar como os mais baixos na lista de
valores de abertura mudana.
Portanto, no que se refere orientao para
abertura mudana ou para a conservao, os
brasileiros percebem-se mais conservadores
do que abertos mudana, principalmente
valorizando a segurana contra qualquer
tipo de ameaa e preservando os costumes.
132 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
interessante, no entanto, notar que se d
menos importncia obedincia a normas e
regras. Ou seja, a valorizao da conservao,
enquanto dimenso de valores, se expressa
mais pela segurana do que pela tradio ou
conformidade. Historicamente, levando em
conta estudos anteriores no Brasil
162
, nota-se que
a segurana era um dos tipos de valores menos
importantes. A mudana na valorizao da
segurana pode ser um indicativo importante
de como os valores relativos ao sentido de
pertencimento do indivduo, de ordem social e
de segurana familiar e idoneidade podem estar
passando por transformaes recentes.
Sempre importante manter em perspectiva
de que falar do perfl dos valores dos brasileiros
signifca falar de seu perfl mdio
163
, isto , de algo
que estritamente falando no existe, mas que
pode nos oferecer uma primeira aproximao
para entender os valores que as pessoas tm
de fato em toda sua diversidade. Isso signifca
que devemos esperar que o perfl mdio seja
diferente do perfl que cada um de ns tem
como indivduo, mas que isso no signifque que
no possamos entender aspectos importantes
dos valores de nossa sociedade atravs desses
nmeros.
Assim, tendo como base a mdia das notas
que os respondentes da pesquisa atriburam
para si, pode-se dizer que os brasileiros se
percebem valorizando em primeiro lugar o bem-
estar das pessoas que lhe so prximas, com
quem convivem mais amide e mantm algum
lao afetivo, acreditando que importante
ajudar e ser leal a elas. No entanto, o brasileiro
no orientado apenas para o seu ncleo de
convivncia, mas valoriza tambm o bem-estar
da humanidade, acreditando que todos devem
ter oportunidades iguais e que importante
preservar a natureza. Ele deseja viver em paz e
em ambiente seguro, onde se sinta protegido
de qualquer ameaa; valoriza os costumes, mas
prefere a criatividade e a liberdade de tomar
decises a obedecer a regras e normas sociais.
Coerente com a valorizao de segurana, prefere
no correr riscos ou enfrentar muitas situaes
novas na vida. No se percebe valorizando o
poder sobre as pessoas e o status social. Acredita
que a realizao deve vir da demonstrao de
suas competncias, sendo admirado pelo que
capaz de fazer.
cOMPARAnDO VALORES
Analisando as notas obtidas pelos brasileiros
para cada um dos dez valores, encontramos
algumas diferenas quando comparamos
a hierarquizao das referidas mdias com
aquelas encontradas em pesquisas nacionais
e internacionais anteriores
164
(Tabela 9.2). A
principal refere-se importncia atribuda
segurana e autodeterminao. Enquanto
no Brasil, atualmente, a segurana um valor
que aparece como mais importante do que a
autodeterminao, tanto em 2001 como em
2007 a situao no era essa, quando o valor
autodeterminao apareceu mais importante
do que segurana, tanto nacional quanto
internacionalmente.
Com base nessa constatao possvel
pensar na hiptese de que o valor segurana
tenha subido em importncia para os brasileiros,
Grfico 9.1 Valores dos brasileiros
valores nota
BENEVOLENCIA
8,8
UNIVERSALISMO
8,5
SEGURANA
8,3
AUTODETERMINAAO
8,2
TRADIAO
8,1
HEDONISMO
8,0
REALIZAAO
7,2
CONFORMIDADE
6,5
ESTIMULAAO
6,1
PODER
5,3
| 133
o que pode, talvez, justifcar por que atualmente
o polo conservao aparece como tendo maior
importncia do que o polo abertura mudana.
Como se pode verifcar pelos resultados
apresentados, o valor segurana destaca-se
entre os valores relativos conservao, seguido
do valor tradio; a conformidade foi a menos
valorizada.
Nota-se tambm que no PVB, os valores
detectados de conformidade so relativamente
mais baixos em relao aos valores detectados
nos outros estudos, com um maior peso dado
aos valores de tradio.
VALORES nAS REgIES BRASILEIRAS
Regies no tm infuncia nos valores
das pessoas, alm dos contextos culturais
que elas propiciam. Mas as pessoas vivem em
regies e por isso interessante investigar se
os habitantes das distintas regies diferem nos
seus valores.
Embora aparentemente os habitantes da
regio sul e sudeste tenham apresentado
as maiores mdias para os valores de
autotranscendncia, as diferenas no foram
Tabela 9.2 Comparando valores
valores
internacionais
(2001)
valores
nacionais
(2007)
Perfl dos valores
dos Brasileiros
(2010)
1
Benevolncia Autodeterminao Benevolncia
2
Autodeterminao Benevolncia Universalismo
3
Universalismo Universalismo Segurana
4
Segurana Realizao Autodeterminao
5
Conformidade Hedonismo Tradio
6
Realizao Conformidade Hedonismo
7
Hedonismo Segurana Realizao
8
Estimulao Estimulao Conformidade
9
Tradio Tradio Estimulao
10
Poder Poder Poder
Fonte: Schwartz and Bardi (2001), Tamayo (2007) e PVB/PNUD
estatisticamente signifcativas; no se pode
afrmar que os habitantes dessas regies sejam
mais autotranscendentes do que os das demais.
Da mesma forma, os habitantes das diferentes
regies tambm no se diferenciaram quanto a
valores relativos autopromoo.
Quanto abertura mudana, os
habitantes da regio centro-oeste foram os que
apresentaram a menor mdia para abertura
mudana, e uma das maiores mdias para
conservao. As regies menos conservadoras
foram as regies sudeste, norte e sul. Essas
diferenas foram estatisticamente signifcantes,
de acordo com o teste Scheffe.
A anlise dos dados, mediante testes
estatsticos de signifcncia, mostrou que
os valores relativos benevolncia no
diferenciaram os habitantes das regies entre
si, e que so os valores de universalismo que
fazem com que a amostra se agrupe em dois
conjuntos distintos: o grupo dos habitantes das
regies sudeste e centro-oeste, que se percebe
valorizando mais o universalismo, e o grupo dos
habitantes da regio nordeste, que so os menos
universalistas.
134 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
Os valores de autopromoo so compostos
por realizao e poder. Os brasileiros habitantes
das diferentes regies no se diferenciam
quanto valorizao do poder, porm, quanto
realizao, os habitantes da regio nordeste
so os que menos se percebem valorizando-a,
enquanto os habitantes das regies norte e sul
so os que mais a valorizam.
Os habitantes do nordeste so os que mais
valorizam a determinao e os que menos
valorizam hedonismo, em contrapartida aos da
regio norte que valorizam mais o hedonismo,
a estimulao e menos a autodeterminao.
Os residentes na regio centro-oeste tambm
valorizam mais o hedonismo e menos a
estimulao, que por sua vez mais valorizada
pelos habitantes do sul.
Os valores relativos conservao so
a segurana, tradio e conformidade. Os
brasileiros que habitam as diferentes regies
no se diferenciam quanto ao valor tradio, j
a regio nordeste destaca-se por ser a que mais
valoriza segurana e conformidade, sendo estes,
tambm, mais valorizados pela regio centro-
oeste, enquanto os habitantes das regies norte
e sul so os que menos o valorizam, assim como
tambm as regies sul e sudeste so as que
menos valorizam segurana. No que segue, so
avaliadas diferenas de valores nos indivduos
de acordo com distintas caractersticas scio-
demogrfcas
165
.
VALORES E FILHOS
A maior parte da amostra (62,24%) possui
flhos, e quem tem flhos mais conservador (com
uma diferena de 3,6%), menos orientado para
a autopromoo (com uma diferena negativa
6,4%) do que quem no os tem. O Grfco 9.3
ilustra essa comparao entre dimenses de
valores entre pessoas com flhos em relao
aos que no os tem. interessante notar que a
presena de flhos no determinante para que
as pessoas sejam mais autotranscendentes, mas
sufciente para que sejam menos orientadas
por interesses prprios, sendo menos orientadas
autopromoo.
grfico 9.3 Diferena de dimenses de
valores das pessoas com flhos em
relao a quem no os tem
6%
4%
2%
0%
-2%
-4%
-6%
-8%
Conservao Mudana
grfico 9.2 Valores de Abertura Mudana e Conservao por regio
MUDANA
4,50
4,45
4,40
4,35
4,30
4,25
4,15
4,20
Sul Sudeste Norte Nordeste C.-Oeste
CONSERVAO
4,70
4,65
4,60
4,55
4,50
4,45
4,35
4,40
Sul Sudeste Norte Nordeste C.-Oeste
| 135
VALORES: MULHERES E HOMEnS
Os resultados da pesquisa mostraram que
as mulheres se percebem mais autotranscen-
dentes (com uma diferena de 2,1%) e mais con-
servadoras (com diferena de 1,5%) do que os
homens, enquanto estes valorizam mais a au-
topromoo (com uma diferena de 1%). Esse
um resultado importante: se o desenvolvimento
humano est relacionado a valores da categoria
autotranscendente, fundamental investigar o
que faz com que os homens tenham menos in-
teresse pelo bem-estar das pessoas prximas e
das que no conhecem.
Esse resultado foi confrmado tambm por
outras pesquisas
167
envolvendo diferenas de
valores entre homens e mulheres. Os homens
identifcaram-se como pessoas que valorizam
mais a autopromoo do que as mulheres, e as
mulheres mostraram compartilhar mais valores
conservadores do que os homens
168
.
grfico 9.4 Valores das mulheres em
relao aos dos homens
2,5%
2,0%
1,5%
1,0%
0,5%
0%
-0,5%
-1,0%
Conservao Mudana Autopromoo
VALORES DOS JOVEnS
As pessoas entrevistadas pela pesquisa
foram divididas em quatro grupos etrios. O
primeiro grupo foi formado por pessoas de 16 a
25 anos. O segundo, por pessoas de 26 a 36 anos.
O terceiro, por pessoas de 37 a 49 e, fnalmente,
o grupo quatro foi formado por pessoas de 50 a
86 anos. Como era de se esperar, os mais jovens
so os menos conservadores. Comparando os
grupos 1 e 2 com os grupos 3 e 4, tem-se 5,8% de
diferena negativa em relao a estes.
Os mais jovens (16 a 25 anos), tambm so
os mais abertos a mudana, se comparados
ao grupo 4 (50 a 86 anos), em 14,6%. Os mais
jovens, associados aos grupos 1 e 2 (16 a 36
anos) valorizam mais a autopromoo do que
os grupos 3 e 4 (37 a 88 anos), em 7,4%. Por sua
vez, as pessoas com mais idade (grupos 3 e 4)
valorizam mais a autotranscendncia do que os
grupos 1 e 2, mais jovens, em 1%.
Os resultados apontando que os mais jovens
so menos conservadores esto em consonncia
com outros estudos que mostram que com a idade
as pessoas tornam-se mais conservadoras
169
.
VALORES E nVEL DE EScOLARIDADE
A escolaridade das pessoas afeta seus valores.
medida que as pessoas adquirem maior nvel
de escolaridade tambm se tornam mais abertas
mudana e menos conservadoras
170
. Esse
impacto pode ser apreciado quantitativamente,
a ttulo de exemplo, pela diferena quanto aos
valores de conservao e abertura mudana de
pessoas com nvel de escolaridade superior e ps-
graduao com relao quelas que no sabem
ler nem escrever. As primeiras apresentaram
diferena positiva de 15,5% em relao s
segundas e, coerentemente, so tambm menos
conservadoras, com uma diferena negativa
de 3,6% em relao s que no sabem ler nem
escrever.
Os resultados encontrados confrmam as
evidncias sugeridas por estudos anteriores
171
,
segundo os quais pessoas com maior nvel
grfico 9.5 Valores dos jovens em
relao aos mais velhos
20%
15%
10%
5%
0%
-5%
-10%
-15%
Conservao Autotrans-
cendncia
Auto-
promoo
Mudana
136 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
de escolaridade so mais orientadas para
abertura mudana e menos conservadoras do
que aquelas que possuem um grau menor de
escolaridade. A escolaridade pode infuenciar,
positivamente, na adaptao s circunstncias
da vida. medida que as pessoas vo escola,
experimentam maior liberdade de ao e
aprendem a solucionar problemas complexos,
alm de serem estimuladas a pensar de
forma independente, o que pode lev-las ao
questionamento de verdades estabelecidas,
tornando-as menos conservadoras e mais
preparadas para as mudanas da vida.
VALORES E nVEL DE EScOLARIDADE DAS MES
As pessoas cuja me possui nvel de
escolaridade mais elevado (equivalente ao
ensino mdio, superior ou ps-graduao) so
menos conservadoras do que aquelas cuja me
no sabe ler nem escrever ou tem o primrio
incompleto, com uma diferena negativa
em relao a estas de 8,95%. Coerentemente,
tambm, quem descende de me com nvel
de instruo mais elevado mais aberto
mudana, em 11,3%, do que quem descende de
me analfabeta.
A valorizao da autotranscendncia
independe da escolaridade da me, mas quem
tem me com curso superior ou de ps-graduao
quem mais valoriza a autopromoo, com
grfico 9.6 Valores das pessoas com
escolaridade superior em relao s
que no aprenderam a ler e escrever
20%
15%
10%
5%
0%
-5%
Conservao Mudana
uma diferena de 7,3%, em relao ao grupo 1 e
2. Isso quer dizer que o nvel de escolaridade das
mes no infuencia a possibilidade das pessoas
desenvolverem valores que tratem do bem-estar
da famlia e das pessoas prximas, assim como
do bem-estar de todos, como justia social, paz
e importncia ao meio ambiente, mas infui em
valores relacionados liberdade de pensamento,
de ao e de escolha.
Quantitativamente chama ateno o
impacto que a educao da me tem sobre a
reduo do conservadorismo das pessoas, muito
mais do que a educao do prprio indivduo,
bem como sobre o efeito sobre a autopromoo.
Esses resultados so inditos nas pesquisas e
no foram encontrados parmetros comparati-
vos que envolvessem o impacto da escolaridade
da me na formao de valores dos indivduos.
grfico 9.7 Valores e efeito da
escolaridade das mes
15%
10%
5%
0%
-5%
-10%
Conservao Auto-
promoo
Abertura
mudana
Diferenas de mes com instruo superior ou
ps-graduao com pessoas de menos instruo
grfico 9.8 Valores das pessoas que
trabalham e as que no trabalham
3,5%
3,0%
2%
2,5%
0%
-0,5%
-1%
1%
-1,5%
1,5%
0,5%
Conservao Abertura
mudana
| 137
VALORES E TRABALHO
O trabalho importante na vida das pessoas
no somente porque fornece um meio de
subsistncia. O trabalho tem tambm impacto
sobre os valores das pessoas, que similar ao
efeito da educao. Resumidamente, pode-
se dizer que quem est trabalhando menos
conservador e aberto mudana do que quem
no trabalha.
Quem trabalha em situaes que comportem
liberdade e autonomia aumenta a importncia
atribuda a valores relativos abertura mu-
dana, porque as pessoas adaptam sua hierar-
quia de valores de acordo com as experincias
que vo tendo ao longo da vida. Sendo assim,
possvel que as pessoas que trabalham viven-
ciem maior experincia de liberdade e autono-
mia do que aquelas que no trabalham. Esse
um resultado importante dessa discusso, pois
adiciona uma dimenso-chave, de formao de
valores, aos debates sobre o trabalho decente no
Brasil
172
. O trabalho importa ao desenvolvimento
humano, porque, entre outros fatores, promove
valores de abertura mudana, mesmo que em
uma escala inferior aos efeitos da educao. Isso
explica porque a remunerao do trabalho
algo muito mais amplo do que o retorno mon-
etrio que ele oferece.
VALORES E ESTADO cIVIL
Os valores dos brasileiros independem do
seu estado civil. interessante notar que, se h
diferenas de valores com relao idade, era
de se esperar que tambm fossem identifcadas
diferenas associadas ao estado civil, tendo
como pressuposio a associao entre idade e
estado civil, no entanto, no foram encontradas.
VALORES E RELIgIOSIDADE
Os valores dos brasileiros tambm no variam
com o nvel de religiosidade. Este um resultado,
em princpio, no esperado, uma vez que a
religio associada a valores que contemplam
a conservao dos costumes e das normas
173
.
A evoluo das sociedades de materialistas
(valores mais associados conservao) para
ps-materialistas (valores mais associados
com abertura mudana) no implica que a
espiritualidade deixe de ser valorizada, mas sim
que os valores religiosos tradicionais passem a
ser menos importantes na organizao social,
passando a vigorar valores seculares.
VALORES E REnDA InDIVIDUAL
Os brasileiros que ganham at um salrio
mnimo (1 SM) so mais conservadores do que
aqueles que ganham mais de cinco salrios
mnimos estes tambm so mais abertos
mudana do que os primeiros. Porm, os resul-
tados somente permitem fazer essa afrmao
sobre esta questo; eles no permitem afrmar
que quanto mais a pessoa ganha, mais ela se
torna aberta mudana, ou menos conservado-
ra. O que existe uma diferena detectada entre
at 1 SM e mais de 5 SM.
Os impactos so semelhantes aos obtidos
com um nvel maior de escolaridade e com
um envolvimento no trabalho. Os resultados
sugerem que sociedades mais abertas e menos
conservadoras so aquelas nas quais existe
maior oportunidade de trabalho, de educao e
onde as pessoas possam ganhar mais do que o
necessrio estritamente para sua sobrevivncia
alimentar. Portanto, o crescimento econmico e
o desenvolvimento humano no so neutros na
formao de valores.
grfico 9.9 Valores e renda individual
5%
4%
2%
1%
3%
0%
-4%
-3%
-2%
-1%
Conservao Abertura
mudana
Diferenas entre renda mais elevadas e mais baixas
138 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
VALORES E REnDA FAMILIAR
As pessoas cujas famlias ganham mais de
5 SM so menos conservadoras e mais abertas
mudana do que as demais. Por outro lado,
as pessoas que vivem em famlias que ganham
mais de 2 SM tendem a valorizar mais a
autopromoo do que aquelas que vivem com
menos de 2 SM, principalmente em relao
s que ganham at um salrio mnimo. Esse
um efeito de formao de valores que no
captado no mbito individual, mas que aparece
no mbito familiar. O Grfco 9.10 mostra
as diferenas de quem ganha mais de cinco
salrios mnimos em relao a quem ganha at
dois salrios mnimos.
Estes resultados sugerem que a renda
grfico 9.10 Valores e renda da famlia
Auto-
promoo
8%
6%
4%
2%
-0%
-2%
Conservao Abertura
mudana
Diferenas entre pessoas cujas famlias possuem renda mais
elevada em relao a pessoas de famlias de renda mais baixa
familiar infui na orientao das pessoas para
a autopromoo e abertura mudana e que
a renda individual e a renda familiar esto
associadas abertura mudana.
CoNCluSES
Os resultados obtidos sugerem que a
orientao para abertura mudana sofre a
infuncia das experincias vividas envolvendo
uma maior autonomia, liberdade de ao e
intelectual
174
. Por outro lado, a orientao para a
autopromoo parece sofrer infuncia do nvel
social e econmico da famlia. possvel que
homens mais jovens de famlias mais abastadas
e com a me com maior escolaridade tendam a
defender mais os valores de autopromoo do
que as mulheres nas mesmas condies.
Os resultados evidenciaram que os brasileiros
orientam-se em suas vidas, principalmente,
pelos valores de autotranscendncia, e que o polo
oposto autopromoo o menos valorizado; os
brasileiros no diferem entre si quanto a esses
valores, se considerada a regio geogrfca em
que habitam. Por outro lado, diferenas foram
encontradas entre os habitantes das regies
sudeste, sul e norte, menos conservadores, e
os habitantes da regio centro-oeste, menos
abertos mudana, se comparados com os
Tabela 9.3 Resumo da associao de valores com caractersticas dos indivduos
autotranscendncia autopromoo conservao abertura mudana
Mulheres Renda familiar Ter flhos Maior renda familiar
Mais velhos Nvel superior da me Mulheres Maior renda individual
Mais jovens Acesso ao trabalho
Nvel superior
Nvel superior da me
Mais jovens
| 139
habitantes das demais regies. Frente a esses
resultados, possvel supor que outras variveis
de ordem cultural possam ser responsveis
pelas referidas diferenas entre os valores dos
brasileiros das diferentes regies, o que aponta
para a necessidade da realizao de pesquisas
adicionais no sentido de encontrar fatores
explicativos.
Como foi visto tambm, as pessoas que so
oriundas de famlias com renda superior a cinco
salrios mnimos e de famlias cuja me tem
nvel de escolaridade superior tendem a levar
em considerao os valores relativos auto-
promoo, se comparadas com famlias menos
abastadas e com mes com baixa escolaridade.
As pessoas que tm flhos e as mulheres tendem
a serem mais conservadoras. J os homens, as
pessoas que trabalham, que tm renda superior
a cinco salrios mnimos, oriundas de famlias
com renda do mesmo nvel e com escolaridade
de nvel superior, tendem a orientarem-se mais
por valores relativos abertura mudana, as-
sim como as pessoas mais jovens.
Dessa maneira, mulheres com flhos, com
mais idade, que recebem baixa remunerao,
isto , at no mximo dois salrios mnimos, com
baixa escolaridade e oriundas de famlias com
mes com baixa escolaridade, possivelmente,
sero o segmento mais conservador da
sociedade. Os homens mais jovens so os
menos autotranscendentes, isto , os indivduos
para os quais os valores de benevolncia e
universalismo, isto , valores cuja meta o bem-
estar das pessoas prximas e o bem-estar da
humanidade, importam menos nas suas vidas.
Pessoas cuja renda familiar baixa, que j no
sejam to jovens e que suas mes tenham um
nvel de escolaridade igualmente baixo so as
que tm os valores mais baixos de autopromoo.
Essas concluses podem ser importantes para
a defnio de estratgias de desenvolvimento
humano que busquem promover a autonomia
das pessoas, ou uma cultura de paz e de respeito
pelos indivduos
175
.
NoTA mEToDolGiCA
O tratamento de valores humanos apresen-
tado neste relatrio teve como orientao, a
Teoria de Valores Bsicos
176
, segundo a qual os
valores so organizados em duas dimenses
bipolares. Uma dimenso representa, num ex-
tremo, a aber tura mudana e no outro a con-
servao. Esta dimenso relativa ao confito de
motivar-se pelos prprios interesses intelectuais
e emocionais numa direo no prevista e incer-
ta versus a preservao do status quo e do relacio-
namento com os outros, instituies e tradies.
A outra dimenso representa, em um extremo
a autopromoo, e no outro, a autotranscendn-
cia, relativa ao confito de ser motivado pela pro-
moo e interesses prprios, mesmo a custa de
outros, em oposio a ser motivado pela trans-
cendncia do egosmo e promover o bem-estar
dos outros, quer prximos ou distantes, e da na-
tureza. Cada polo de cada uma das dimenses
representa um valor de ordem superior e rene
um conjunto de valores que consistem em me-
tas motivacionais que orientam as pessoas ao
longo da vida, tambm chamadas de tipos mo-
tivacionais. O que distingue um valor de outro
o tipo de objetivo ou motivao que o valor
expressa; esses tipos motivacionais tendem a
ser universais porque esto baseados em um ou
mais dos trs requisitos bsicos existncia hu-
mana, com os quais todos eles ajudam a lidar.
Teoricamente, os valores so identifcados
pelas seguintes caractersticas: (1) valores so cren-
as; (2) valores so um construto motivacional; (3)
valores transcendem situaes e aes especfcas;
(4) valores guiam a seleo e avaliao das aes,
polticas, pessoas e eventos; (5) valores so ordena-
dos pela importncia relativa aos demais. Valores
so organizados em sistemas, que fornecem uma
estrutura para investigao das coordenadas fun-
damentais do comportamento, propondo relaes
entre as prioridades de valores pessoais e sociais,
vises de mundo, ideologias e decises com base
em atitudes e comportamentos.
140 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
EScOLHA DO InSTRUMEnTO DE PESQUISA
A Teoria de Valores Bsicos, usada nesse
relatrio, tem sido validada mediante diferentes
instrumentos de pesquisa. Inicialmente, foi ope-
racionalizada mediante a escala SVS (Schwartz
Values Survey). Em sua primeira verso, o SVS
comps-se de 56 itens, numa escala do tipo mista
envolvendo avaliao normativa e ipsativa com
nove pontos, numerada 7 (suprema importn-
cia), 6 (muito importante), 5 e 4 (no rotulados),
3 (importante), 2 e 1 (no rotulados), 0 (no im-
portante), -1 (oposto aos meus valores). Antes de
responder aos itens, o respondente deve ler todos
em cada uma das listas, escolhendo os itens de
suprema importncia e aqueles opostos a seus
valores, em um processo denominado ancora-
mento, evitando o uso distorcido da escala
177
.
Apesar da ampla aceitao do instrumento
na comunidade acadmica, essa escala tem
apresentado resultados insatisfatrios em
relao estrutura de valores obtidos em
aplicaes do SVS em reas rurais de pases
menos desenvolvidos e em sociedades com
sistema educacional no ocidental, assim como
em amostras de jovens e adolescentes, devido
ao elevado grau de abstrao necessrio para
responder ao instrumento
178
.
Tais limitaes levaram ao desenvolvimento
de um novo instrumento: o Portrait Value
Questionnaire (PVQ ou PQ), que mede os valores
dos indivduos mediante curtas descries
verbais. Inicialmente com 29 e posteriormente
com 40 perfs de indivduos, frente aos quais
cada respondente se compara, indicando
o quanto se parece com cada um deles,
respondendo seguinte pergunta: Quanto
essa pessoa se parece com voc? As cinco
alternativas possveis de resposta, oferecidas
em uma escala no numrica, so: ela se
parece muito comigo, ela se parece comigo, ela
se parece mais ou menos comigo, ela no se
parece comigo, ela no se parece nada comigo.
Aplicado inicialmente em amostras de adultos,
universitrios e adolescentes em diversos
pases da Europa, Amrica do Sul e Indonsia, os
resultados do PVQ apoiaram a estrutura terica
de relaes entre os tipos motivacionais.
Em busca de instrumentos sempre mais
parcimoniosos, uma nova verso do PVQ foi
desenhada com quase a metade de itens,
para atender aos requisitos de uma pesquisa
online, quando comum haver limitao
de espao
179
. Realizada pela European Social
Survey e conduzida em mais de 30 naes
(ESS EDUCATION NET), os dados coletados tm
servido para diversos pesquisadores realizarem
seus estudos
180
.
O PVQ21 segue as mesmas caractersticas
contempladas no PVQ-40, com a distino de
conter 21 itens retirados da verso original.
Alguns foram revisados com a preocupao de
abranger o mximo do contedo motivacional
de cada um dos dez valores bsicos
181
. Cada tipo
motivacional fcou representado por dois itens,
exceto o universalismo, que conta com trs, o
que reduziu os ndices de confabilidade () no
que diz respeito aos dez tipos motivacionais,
variando entre 0,36 (tradio) e 0,70 (realizao).
No entanto, o uso dos quatro polos das
dimenses bipolares pode ser usado com
elevada confabilidade
182
. Tendo em vista a
parcimnia da escala PVQ21 e seu uso para
pesquisas no mbito nacional, como a pesquisa
realizada bianualmente pelo European Social
Survey, esta foi a escala escolhida para estudar
os valores dos brasileiros neste projeto.
cOLETA DE DADOS
A coleta de dados foi realizada pelo sistema
face a face, por 39 pesquisadores previamente
treinados, em parceria com o Instituto Paulo
Montenegro/Ibope e o programa VNU (ou pro-
grama de Voluntrios das Naes Unidas tendo
coberto a diversidade dos municpios brasileiros,
quanto ao seu nvel socioeconmico, contempla-
do todos os estados e regies brasileiras. Foi se-
guido o plano amostral feito por duas amostras-
padro usadas pelo Ibope.
| 141
TRATAMEnTO DOS DADOS
A qualidade dos dados da amostra foi
verifcada por procedimentos de validade
amostral, que compreendeu aproximadamente
0,002% de todos as Unidades da Federao (UF)
do Brasil, totalizando 4.017 respondentes.
Em seguida, foi analisado o percentual
aceitvel de dados faltantes, respeitando o
limite de 23,8%, segundo recomendao do ESS
Grfico 9.11 Proporcionalidade
da amostra por regio
Centro-
Oeste
Nordeste
Sul
Nordeste
Sudeste
Populao
Estimada
2009(IBGE)
Amostra
Pesquisa
de Valores
%
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
Milhes
Tabela 9.4 Proporo da amostra vlida e
populao dos Estados
regies /
ufs
amostra da
Pesquisa
valores
Populao estimada
2009 (iBge)
% da
amostra
por regio
CO 262 13.895.375 0,002%
DF 53 2.606.885 0,002%
GO 109 5.926.300 0,002%
MS 49 2.360.498 0,002%
MT 51 3.001.692 0,002%
N 264 15.359.608 0,002%
AC 14 691.132 0,002%
AM 55 3.393.369 0,002%
AP 14 626.609 0,002%
PA 125 7.431.020 0,002%
RO 28 1.503.928 0,002%
TO 28 1.292.051 0,002%
NE 989 53.591.197 0,002%
AL 55 3.156.108 0,002%
BA 270 14.637.364 0,002%
CE 155 8.547.809 0,002%
MA 105 6.367.138 0,002%
PB 76 3.769.977 0,002%
PE 190 8.810.256 0,002%
PI 45 3.145.325 0,001%
RN 40 3.137.541 0,001%
SE 53 2.019.679 0,003%
S 561 27.719.118 0,002%
PR 202 10.686.247 0,002%
RS 243 10.914.128 0,002%
SC 116 6.118.743 0,002%
SE 1.701 80.915.332 0,002%
ES 81 3.487.199 0,002%
MG 411 20.033.665 0,002%
RJ 317 16.010.429 0,002%
SP 892 41.384.039 0,002%
Total 3.777 191.480.630 0,002%
(2010); parmetro este no ultrapassado pelos
dados da amostra. Outra anlise procedida foi
a verifcao de repetio de respostas, cujo
percentual mximo recomendado pelo ESS
(2009) de 76,2%, relativo ao PVQ 21; foram
detectados 243 casos, os quais foram retirados
da amostra, resultando em uma amostra
fnal de 3.777 itens. A anlise de repetio das
respostas se faz necessria tendo em vista a
desejabilidade social inerente expresso dos
valores humanos
184
.
Tabela 9.5 Dados retirados por excederem
repetio de respostas permitidas
Nmero de questionrios por UF
AL
1
AM
1
BA
10
CE
14
DF
3
ES
3
GO
4
MA
8
MG
11
MS
8
MT
5
PA
8
PB
8
PE
6
PI
9
PR
22
RJ
20
RS
12
SC
24
SE
3
SP
63
Total
geral
243
142 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
Os estados que tiveram a maior quantidade
de questionrios considerados foram: Bahia,
Cear, Minas Gerais, Paran, Rio de Janeiro, Rio
Grande do Sul, Santa Catarina e So Paulo. Tendo
em vista a quantidade de questionrios glosada
por estado, devido desejabilidade social
refetida pelo ndice de repeties, optou-se por
no realizar de modo uniforme o tratamento
de dados, considerando os questionrios
respondidos por estado, mas apenas por regio.
As respostas em branco ou com nmeros
incorretos para a escala PVQ 21, foram limpas e
preenchidas pela mdia de todas as respostas,
conforme orientaes
184
para o tratamento de
dados faltantes. Por fm a amostra vlida para
tratamento fcou composta de 3.777 registros. As
respostas em branco ou com nmeros incorretos
para a escala PVQ 21, foram limpas e preenchidas
pela mdia de todas as respostas.
VALIDAO DA EScALA PVQ21
Tendo em vista ter sido a primeira vez que
o PVQ21 foi aplicado face a face numa amostra
representativa para a populao brasileira,
cobrindo todo o territrio nacional, fez-se
necessria a validao da escala para mensurar
valores segundo a Teoria de Valores Bsicos de
Schwartz (ESS, 2009), uma vez que aplicaes
anteriores no Brasil tinham at ento sido feitas
apenas no modelo paper and pencil
185
.
Para a validao da escala foi empregada
a anlise Escalonamento Multidimensional
Confrmatria (MDS Confrmatria), conforme
melhores procedimentos estabelecidos na
literatura
186
.
Para a realizao da referida anlise
confrmatria faz-se necessrio optar entre a
estrutura original proposta por Schwartz (1992)
e a revisada conforme Schwartz e Sagiv (1995)
187
.
No estudo realizado por Bilsky e Janik (2009),
embora a estrutura de valores seja compatvel
tanto com o modelo original quanto com o
modelo revisado, neste, os valores tradio e
conformidade compartilham o mesmo espao
angular, resultando num crculo fracionado
em nove regies, em vez de dez, como na
estrutura original, em que os valores tradio e
conformidade ocupam espaos adjacentes. De
acordo com os autores, a confgurao original
foi considerada a melhor por ser mais simples e
parcimoniosa. Por esta razo o modelo escolhido
para orientar a anlise MDS Confrmatria
realizada neste artigo foi o modelo original de
Schwartz (1992).
A anlise MDS Confrmatria
188
foi realizada
considerando a matriz de desenho proposta
por Bilsky, Gollan e Doring (2008), em que as
coordenadas correspondem aos centros dos
arcos determinados pelos distintos setores de
valores
189
, modifcada uma vez que aquela estava
adequada ao modelo revisado de Schwartz e
Sagiv (1995), e o modelo escolhido para esta
pesquisa foi o modelo original de Schwartz
(1992).
O Multidimensional Scaling (MDS)
PROXSCAL
190
um tratamento que permite
montar a estrutura de medidas de proximidade
em um conjunto de objetos. Este processo
realizado pela atribuio de observaes
em locais especfcos num espao conceitual
multidimensional, de tal forma que as distncias
entre os pontos no espao coincidem com
as semelhanas dos dados, neste caso, tanto
quanto possvel.
A escala PVQ21 mostrou-se, neste estudo,
vlida para testar a teoria de valores
bidimensional e bipolar de Schwartz (1992),
tendo obtido os seguintes ndices de de
Cronbach: a) 0,631 para abertura mudana
(seis itens); b) 0,513 para autopromoo (4 itens);
c) 0,602 para autotranscendncia (5 itens); d)
0,579 para conservao (seis itens).
Os ndices de de Cromback encontrados no
estudo esto dentro do limite mnimo aceitvel
para pesquisas exploratrias
191
. O fato de no
se haverem encontrado ndices acima de 0,7
192
pode ser devido coleta de dados face a face
por diferentes pesquisadores com populaes
| 143
de diferentes nveis socioeconmicos num pas
como o Brasil, com diferenas socioeconmicas
e culturais signifcativas entre o pblico
entrevistado. Note-se que pesquisar campo
no Brasil, um pas de dimenses continentais,
com realidades rurais de extrema pobreza
e outras, rurais e urbanas, equiparadas a
pases desenvolvidos, envolve peculiaridades
e difculdades que em princpio no podem
ser comparadas s de outros pases, quando se
aplica uma escala de mensurao desenvolvida
sob uma perspectiva etic e quando todas essas
realidades foram consideradas na amostra,
como no caso deste estudo. Por este motivo, os
ndices da de Cronbach encontrados podem
ser considerados admissveis para o estudo.
HIERARQUIA DE VALORES E DE DIFEREnAS DE
VARIVEIS DE AcORDO cOM gRUPOS cOnTROLE
A hierarquia de valores foi calculada medi-
ante as mdias a partir dos dados brutos; para a
realizao de testes estatsticos foram utilizadas
as mdias a partir de dados centralizados, con-
forme indicao de Schwartz (ESS, 2009), tendo
em vista o controle de tendncias de resposta,
visando ao controle de vis de lenincia.
Para os testes estatsticos de anlise das
diferenas de valores envolvendo variveis
controle, foram empregados testes paramtricos
ou no paramtricos, segundo o atendimento do
critrio de distribuio normal dos dados. Foram
empregado testes paramtricos ANOVA, Scheffe
e t, para amostras independentes, e testes no
paramtricos Kruskall Wallis e Mann Whitney.
APRESEnTAO DOS DADOS PARA
O PBLIcO EM gERAL
Tendo em vista a necessidade de comunicar
os dados para o pblico em geral, de forma
a poderem ser compreendidos por pessoas,
capazes de ler, mas de diferentes nveis de
escolaridade, buscou-se desenvolver uma
metodologia de clculo que permitisse o
entendimento quase intuitivo dos resultados.
No Brasil, as pessoas desde que frequentam a
escola so treinadas para entender graduaes
que variam de 1 a 10 e medidas expressas como
percentuais. Por este motivo escolheram-se
estes dois critrios para comunicar os dados.
Para tanto, os dados referentes a cada um
dos polos das dimenses bipolares foram
calculados a partir dos pontos percentuais que
cada indivduo obteve, considerando-se o total
de pontos possveis para cada polo de cada uma
das dimenses, e em seguida transformados em
escores de 0 a 10.
Depois de realizados os testes estatsticos e
identifcadas as diferenas de valores de acordo
com as variveis controle, retornaram-se aos
dados, desta vez em forma de dados percentuais
transformados em escores, e calcularam-se as
mdias dos escores, apresentando as diferenas
signifcativas encontradas estatisticamente,
em forma de percentuais. Esta foi uma forma
inovadora de apresentao de dados para
pblico leigo em tratamento estatstico, sem
correr o risco de distoro dos resultados
encontrados nos testes estatsticos.
Deixar entulho na rua
Depois de uma construo
Quem pratica assim atua
Na falta de educao
Jogar lixo na calada
No asfalto ou no porto,
Alm de ser palhaada
falta de educao
Deteriorar escola
Quebrar iluminao,
imbecil que se atola
Por falta de educao
Cortar rvore, quebrar grade
Ser contra arborizao,
Alm de perversidade
falta de educao
Todo patrimnio pblico
Merece conservao
Destruir o que do pblico
falta de educao
Bater em porta de carro
Com toda fora da mo,
outro boal bizarro
Que no tem educao
Perguntar pela idade
Sem a mnima preciso,
Alm de infelicidade
falta de educao
No respeitar os mais velhos,
No ouvir um ancio,
De acordo com os evangelhos
falta de educao
Falar mal de So Francisco
Padre Ccero e Frei Damio,
Alm de ser grande risco
falta de educao
Sobre faltas me aprofundo
Em alta meditao,
A falta maior do mundo
falta de educao
O povo que desperdia
Manteiga, caf e po
incauto e por preguia
Tem falta de educao
Quem no lava as mos primeiro
Na hora da refeio
Prova que rude e grosseiro
Por falta de educao
No se trata de diploma
De cultura e de instruo,
O relaxado quem soma
falta de educao
Brincadeiras de mau gosto
Piadas e cutuco
So ftas que esto no posto
Da falta de educao
A programao suspeita
Que sai na televiso
Quem assiste s aceita
Por falta de educao
Nossas rdios brasileiras
De pssima programao,
S tocam tantas besteiras
Por falta de educao
Se a flha se prostitui
Se o flho d pra ladro,
o pai que no possui
O mnimo de educao
A alta velocidade
De muitos na direo
pouca mentalidade
falta de educao
Onde existe preconceito
Contra o negro ou posio
Alm de ser um defeito
falta de educao
Ser trombudo e insolente
Carrancudo e violento,
muita feze na mente
falta de educao
Questo de temperamento
Raiva, dio, irritao
Controle o comportamento
Se valha da educao
No saber cumprimentar
Sorrir e pegar na mo,
Perdoar, nem dispensar
falta de educao
Chegar e cortar a fla
Sem ter autorizao,
Quem procede assim vacila
falta de educao
Usar som alto demais
Abalando o quarteiro,
Queimar revista e jornais
falta de educao
Gastar gua em demasia
Ligar luz sem preciso,
falta de economia
falta de educao
Depois da falta de flego
Que leva o corpo ao caixo,
A falta maior do mundo
a falta de educao
Contribuio Especial Poeta Pedro Bandeira, cordelista
A FALTA DE EDUCAO
| 145
Valores e educao
10
146 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
At aqui o relatrio procurou tratar do
que so valores, como eles so formados e
que instrumentos existem para medi-los. Fez-
se uma escolha por olhar os valores a partir
de uma perspectiva da psicologia social, por
essa combinar tantos elementos sociais como
individuais na modelagem e explicao do que
so valores. Os captulos que agora seguem
sobre Valores e Educao e Valores e Violncia
tentam relacionar a problemtica dos valores
a duas das questes que mais foram citadas
pelas pessoas na consulta prvia que motivou
a escolha do tema deste relatrio. Em outras
palavras, o objetivo da discusso que segue
entender a relao entre valores e problemas na
esfera da educao e segurana pblica no Brasil.
Isso no signifca de modo algum que outros
fatores no sejam importantes para entender
a educao e o fenmeno da violncia no Brasil
de hoje, mas apenas que o recorte feito foca na
relao com valores, de modo complementar a
outros estudos feitos
193
.
A EDuCAo brASilEirA
Existem muitas instituies, culturas e prti-
cas por meio das quais as diferentes sociedades
educam suas crianas e jovens. Podemos dizer
que existe um sistema informal de educao
que formado pelas instncias de socializa-
o, de criao e de treinamento que as pes-
soas recebem dos seus pais e de suas famlias,
ou de outros membros de sua comunidade, de
empregadores, da mdia, de grupos sociais a
que pertencem, e da prpria escola enquanto
um espao pblico responsvel tambm pela
socializao das pessoas. Essa educao infor-
mal pode nos deixar alguns aprendizados muito
importantes para nossa vida. vivendo a vida
que aprendemos as lies mais importantes de
como devemos nos relacionar com as outras
pessoas e de quais valores e princpios tornam
essa vida social possvel.
Por isso que se as pessoas vivem em
uma sociedade onde o autointeresse mais
importante do que o cuidado pelo prximo,
onde as injustias sociais so ignoradas,
gerando frustraes, onde a violncia vista
como o mtodo padro de resoluo de confitos,
natural que suas crianas e jovens sejam
treinados a viver esses valores como parte de
sua educao informal
194
.
Por outro lado, o sistema formal de
educao inclui escolas pblicas e privadas e
universidades. H sempre uma esperana de
que as escolas possam reparar qualquer m
promoo de valores feita pelo sistema informal.
Se as famlias e comunidades so incapazes
de cultivar os valores e os comportamento
de que a sociedade necessita para o seu bom
funcionamento, ento volta-se s escolas para a
reparao dessa falha. Mas como tem andado o
sistema educacional formal no Brasil? Quais so
os seus principais desafos? Como entender a
relao entre seu desempenho e a questo dos
valores?
A REALIDADE DA EScOLA BRASILEIRA
O debate brasileiro sobre suas escolas mudou
de foco recentemente
195
. O que antes era uma
preocupao quanto oferta educacional de
vagas junto s esferas pblicas se transformou
em uma discusso acerca da qualidade do
ensino oferecido, uma vez que que o acesso ao
ensino fundamental entre a populao de 7 a 14
anos quase universalizado no pas.
Do ponto de vista da qualidade da educao,
dois pontos se destacam. Primeiro, uma parcela
no desprezvel das crianas e jovens brasileiros
tem cursado o ensino fundamental e mdio fora
de sua faixa de idade, principalmente por conta
de reprovaes e abandono. Segundo, em exames
peridicos de desempenho escolar promovidos
pelo Inep (Instituto de Pesquisas Educacionais
vinculado ao Ministrio da Educao), como o
Saeb (Sistema de Avaliao da Educao Bsica),
Prova Brasil e Enem (Exame Nacional do Ensino
| 147
Mdio), verifca-se que o contedo adequado a
cada srie vem sido assimilado com difculdades
pelos alunos.
As reprovaes, as evases e os abandonos
podem ser captados em uma variedade de
indicadores diretos ou indicadores snteses,
como a Taxa de Distoro Idade-Srie ou o mais
recentemente criado Iaia (ndice de adequao
idade-anos de escolaridade), que parece
sumarizar de forma mais intuitiva se o aluno
acompanha o aprendizado em progresso
regular. O ideal um valor prximo de 1, que
indica uma perfeita correspondncia entre
a idade das crianas e jovens e o ano escolar
frequentado. No entanto, o que vemos na
realidade no isso. Conforme ilustrado pelo
Grfco 10.1, nota-se principalmente para as
regies Norte e Nordeste do pas um baixo Iaia,
indicando uma grande defasagem mdia, da
ordem de 40% dos alunos nessas regies em
relao srie adequada para a sua idade.
Esse problema aumenta para o Brasil como
um todo medida que se progride para idades
mais avanadas. Inicialmente, aos 9 anos, 14%
das crianas no esto na srie adequada para
a sua idade. No entanto, quando elas chegam
aos 16 anos, mais de 40% dos jovens j no
Centro-Oeste Sudeste Nordeste Norte Sul
grfico 10.1 ndice de Adequao Idade-Anos de Escolaridade
2006 2005 2008 2007
0,78
0,75 0,76
0,60
0,61
0,78
0,82
0,58 0,58
0,81 0,82
0,61 0,61
0,83 0,83
0,77
0,58
0,59
0,83
0,82
frequentam a srie considerada adequada para
a sua idade. O fenmeno da distoro srie-idade
apenas uma manifestao de um conjunto de
problemas mais gerais.
Essa estatstica chama ateno para os pro-
blemas de convivncia nas escolas brasileiras, en-
tre alunos, entre professores e alunos e entre as
escolas e as famlias
196
. Existe uma ampla gama
de fenmenos associados a essa problemtica:
bullying, indisciplina escolar, adoecimento de
professores, desvalorizao da educao por
parte de vrios grupos sociais
197
, diminuio da
autoestima de alunos e professores
198
, nos quais
a reprovao e o abandono dos estudos pelos es-
tudantes apenas a face visvel de um conjunto
de fatores de desfuncionalidade nas escolas re-
lacionados a problemas de convivncia
199
.
Estima-se que em um nico dia letivo, no
Estado de So Paulo, 12 mil professores efetivos
estejam ausentes das salas de aula, acarretando
mais de 90 horas-aula perdidas por no haver
substituio. O problema no entanto no pode
ser resumido a questo dos contratos e gesto
de recursos humanos
200
. Existe uma dimenso
relacionada s condies de trabalho dos
professores e de sua qualidade de convivncia
nas escolas que no pode ser ignorada.
Fonte: MEC/INEP/Deed
148 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
O contexto da universalizao do ensino
fundamental no pas levanta alguns elementos
dessas problemticas. A rpida expanso da
oferta educacional pode ter afetado a qualidade
da formao dos professores dentro de uma
nova situao, na qual uma populao diferente
chegou escola. Parte da questo que o pblico
novo no teria acesso a bens culturais da mesma
forma e intensidade que os pblicos anteriores,
tornando a tarefa dos professores muito mais
difcil
201
. O novo contingente de estudantes
includos veio naturalmente de lares cujos pais
no frequentaram muito a escola e que por isso
estariam menos preparados para interagir com
as necessidades escolares dos flhos
202
.
Mais especifcamente, a formao dos pais
(principalmente a da me) o fator que parece
mais relevante ao compararmos diretamente
os resultados dos alunos, paralelamente aos
recursos fnanceiros, culturais e simblicos das
famlias
203
. A evidncia disponvel
204
sugere
que o papel da famlia muito importante
para o desempenho cognitivo de seus flhos.
E no apenas por uma questo de acesso a
recursos. Trata-se aqui de efeitos de longo prazo
que devem ser considerados no processo de
socializao dentro da famlia. Parte disso o
investimento pedaggico feito pelas famlias.
Outra parte a ordem moral domstica e os
estilos parentais, como discutidos no Captulo 8
deste relatrio.
Os valores dos pais so traduzidos em um
universo de atitudes em relao escola e seus
flhos, tais como a atitude em relao leitura,
as preferncias no consumo de bens culturais
(como teatro, museus, bibliotecas), os horrios
das refeies em casa, o acompanhamento dos
flhos nas suas lies de casa, entre tantas outras
atitudes. O importante que a vida em famlia
talvez contenha elementos estruturadores, que
podem facilitar uma ordem cognitiva nas crian-
as e adolescentes, facilitando uma harmonia
entre a autoridade dos pais e a autoridade esco-
lar que pode estimular a produtividade escolar
205
.
Enquanto o acesso escola no se confgura
em impedimento, pelo menos nas classes
iniciais do ensino fundamental, problemas
de desinteresse dos alunos tm marcado a
trajetria recente da educao no pas
206
. Por sua
vez, o desinteresse dos alunos pela escola estaria
associado falta de sentido da escola para eles.
Se a criana ou o jovem no se identifca com
a escola, se a sua famlia no coloca o estudo
no topo de suas prioridades, se os estudantes
no se sentem parte do contexto escolar, se
eles se sentem vtima de violncia explcita ou
simblica, se eles se sentem desrespeitados
ou se simplesmente no conseguem antever
nenhum benefcio signifcativo advindo do
processo educativo, pouco se pode fazer para
que a educao faa sentido para eles.
A trajetria dos estudantes que evadem
apresenta uma confgurao bastante irregular,
com uma quantidade maior de reprovaes
do que aqueles que se mantm no sistema,
indicando uma alta correlao entre um baixo
desempenho anterior e o abandono escolar.
Quando colegas abandonam os estudos, fca
mais forte ainda a infuncia negativa sobre a
trajetria educacional de uma pessoa
207
.
A forte desigualdade da oferta educacional
no pas tambm pode contribuir para que alunos
desmotivados faam um clculo (consciente ou
inconsciente) a respeito do retorno da educao
(tanto econmico quanto pessoal) para suas
vidas. Por exemplo, para quantidades iguais
de anos de estudo, os resultados em termos de
emprego e renda dos estudantes podem ser
diferentes segundo os estratos da populao e da
rede de ensino frequentada (privada, municipal,
estadual ou federal). Permanecer na escola por
mais tempo, porm em uma rede de ensino
precria com problemas de funcionalidade
e convivncia , pode no proporcionar um
retorno posterior que justifque, para aquele
aluno, o esforo de permanecer na escola
208
.
O Ideb (ndice de Desenvolvimento da
Educao Bsica)
209
integra informaes de
| 149
fuxo escolar (aprovao e reprovao), dados do
Censo Escolar da Educao Bsica e os resultados
da Prova Brasil, que aplicada pelo Inep com
estudantes ao fnal de cada etapa da Educao
Bsica. Como tal ele serve como uma boa medida
da qualidade de educao do pais, combinando
aspectos de desempenho com processos.
Os nmeros do Ideb mostram um progresso
consistente da qualidade da educao no pas
para todas as faixas (Tabela 10.1). No entanto,
cabe alertar que a mdia dos resultados dos
testes padronizados puxada para baixo pelos
alunos com alta distoro srie-idade. Pode-se
assim dizer que problemas de convivncia na
escola brasileira, que podem estar associados
prtica de valores no somente nas escolas mas
nas famlias, difcultam uma evoluo do Iaia e
Ideb para todos os nveis bsicos de escolarizao
no pas. Por essa razo estrategicamente
importante investigar o papel da educao e
sua relao com valores de vida.
crucial mencionar que a questo valores
& educao tem chamado bastante ateno
no somente no Brasil, mas tambm em todo
o mundo. A educao para valores se tornou
recentemente parte do currculo de escolas do
ensino fundamental e mdio em muitos pases
como a Austrlia e o Mxico e se encontra em vias
de implementao em pases como a Espanha.
Na Inglaterra, o Relatrio Layard
210
, publicado
em 2009, sobre a educao naquele pas, sugere
que existe um individualismo excessivo entre as
crianas que torna a tarefa de transmisso de
valores como justia e generosidade muito difcil,
afetando o bem-estar dos alunos na escola. A
educao uma atividade transformadora e
possui efeitos multiplicadores em vrias reas
do desenvolvimento humano que engloba no
somente uma educao para valores, mas o
que chamamos de uma educao de valor,
como discutido a seguir.
QuAl o vAlor DA EDuCAo?
No existe uma nica defnio comum
a todos atores envolvidos (alunos, pais,
professores, gestores pblicos etc.) sobre qual
seja o objetivo da educao formal. Existem
vrias ideias diferentes sobre o objetivo da
escolarizao, gerando muitas vezes grandes
ciclos de culpabilizao principalmente entre
professores e famlias
211
e entre escolas e
gestores pblicos
212
. Os professores, apoiados
por tericos da pedagogia e da psicopedagogia,
frequentemente se queixam de ter uma grande
cobrana sobre si para ensinar aos alunos os
comportamentos esperados na vida social,
formando indivduos crticos, autnomos, ticos
e refexivos, alm do ensino dos contedos das
disciplinas, para a qual muitas vezes foi a nica
tarefa para a qual foram preparados
213
. Por
outro lado, os pais reclamam dos professores
e escolas pela difculdade de engajamento de
crianas e jovens no ensino
214
. A tenso existente
trata principalmente das expectativas sobre as
responsabilidades e funes de cada uma.
Os documentos que regem a Educao
no pas, como a Lei de Diretrizes e Bases da
Educao Nacional Brasileira (LDB) e o Plano
Nacional de Educao (PNE), entendem a
Tabela 10.1 IDEB Brasil 2005-2009
ndice de Desenvolvimento da Educao Bsica por
Etapas de Ensino - Brasil - 2005 e 2009
ensino fundamental ideB
Anos Iniciais 2005 3,8
2007
2009
4,2
4,6
Anos Finais 2005 3,5
2007
2009
3,8
4,0
ensino mdio
2005 3,4
2007
2009
3,5
3,6
Fonte: MEC/Inep/Deed.
150 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
educao como parte de processos formativos
que se desenvolvem dentro da vida familiar,
no trabalho, nas instituies, nos movimentos
sociais e manifestaes culturais que tratem
da convivncia humana. O artigo 2 da LDB
de 1996 registra que A Educao, dever da
famlia e do Estado, inspirada nos princpios da
liberdade e nos ideais de solidariedade humana,
tem por fnalidade o pleno desenvolvimento
do educando, seu preparo para o exerccio da
cidadania e sua qualifcao para o trabalho.
O artigo 205 da PNE reconhece que Ao tratar
do fnanciamento da Educao, preciso
reconhec-la como um valor em si, requisito
para o exerccio da plena cidadania, para o
desenvolvimento humano e para a melhoria da
qualidade de vida da populao.
Similarmente, nos Parmetros Curriculares
Nacionais de 1997 afrma-se que o ensino de
qualidade que a sociedade demanda atualmente
expressa-se aqui como a possibilidade de
o sistema educacional vir a propor uma
prtica educativa adequada s necessidades
sociais, polticas, econmicas e culturais da
realidade brasileira, que considere os interesses
e as motivaes dos alunos e garanta as
aprendizagens essenciais para a formao de
cidados autnomos, crticos e participativos,
capazes de atuar com competncia, dignidade
e responsabilidade na sociedade em que vivem.
Fica claro que educar as crianas e os jovens
uma tarefa por natureza compartilhada
entre famlias, professores, escolas, gestores
envolvendo os prprios alunos. Valores
cooperativos so fundamentais para uma boa
convivncia entre todos. Nesse contexto, um
aprofundamento do entendimento do papel
dos valores na promoo dessa convivncia
necessria parece ser fundamental para
a melhoria dos processos educativos com
consequente impacto sobre a qualidade da
educao no pas.
A despeito de muitas verses e interpretaes
sobre o valor da educao, dois signifcados
parecem ser os mais proeminentes:
i) educao como formao para o mercado
de trabalho: um cidado escolarizado tem maior
capital humano e consequentemente maiores
chances de conseguir um emprego. Com maiores
qualifcaes, maior tambm a chance de um
maior rendimento pelo seu trabalho;
ii) educao como formao para a vida
215
:
responsvel por dar aos indivduos um sentido
de humanidade e civilizao, incluindo normas
de convivncia e comportamentos socializantes,
dando um ideal comum e um sentido de perten-
cimento social.
Dentro da perspectiva do desenvolvimento
humano, a educao a maneira pela qual um
indivduo adquire no somente conhecimentos,
mas habilidades para a vida, contribuindo para
a autonomia das pessoas, sua participao na
sociedade, suas escolhas, sua formao crtica
e tica. Nesse sentido a educao no apenas
instrumental, preparando para o mercado de
trabalho, mas tambm importante em si mesma,
ajudando as pessoas a tomarem decises sobre
o que realmente importa em suas vidas. Em
outras palavras, podemos dizer que educao
no pode ser reduzida a ensino. Chamamos,
assim, de uma educao de valor aquela
educao que tanto prepara para o mercado de
trabalho quanto para a vida, englobando aqui
o desenvolvimento da capacidade psicolgica e
moral dos indivduos de desenvolverem valores
importantes para eles e a sociedade onde vivem.
Fonte: PVB, 2010. O Efeito famlia percebido o quanto as
pessoas acham que a famlia infuencia no desempenho
escolar dos estudantes.
77,2%
Figura 10.1 Efeito
famlia percebido
| 151
Tanto a teoria quanto a prtica da educao
so inevitavelmente permeadas, implcita ou
explicitamente, por valores sobre:
a) o que ser uma boa pessoa? Que tipos
de qualidades, capacidades, potenciais, carter
procura-se cultivar nos estudantes? Em muitas
culturas
216
, grande parte dos argumentos sobre
uma boa educao tem sido sobre a promoo
de virtudes;
b) o que ter uma boa vida? Que tipo de
conhecimentos, habilidades e entendimentos
devemos buscar como prioridades para
apresentar a novas geraes? Que tipos
de atividades e modos de vida
217
devemos
apresentar a elas? Que estados e atos de valor
devemos promover?;
c) o que viver em uma boa sociedade? Que
tipo de vida social e ordem de grupos social pode
ser considerada desejvel? Que habilidades e
atitudes precisam ser desenvolvidas nos jovens
para que eles possam fazer parte dessa ordem
social? Que modelo de justia, de proteo, de
resoluo de confitos e de punio o melhor
para a sociedade?
Tais vises encontram lugar frequentemente
nos objetivos e misses das escolas, mas, mais
importante, elas aparecem nas prticas das
instituies educacionais em todos os nveis,
mesmo que no totalmente articuladas. Esses
trs pontos de referncia sobre uma boa
pessoa, uma boa vida e uma boa sociedade
se reforam e juntos oferecem os principais
elementos de qualquer flosofa da educao. A
educao formal repassa valores por meio de
suas prticas e procedimentos.
Em uma sociedade cujo pilar a competio
se procura cultivar principalmente valores
de autopromoo, de ambio, de poder e de
realizao. Nesse contexto, a boa vida aquela
na qual o indivduo vence por virtude de seu
potencial competitivo e as instituies esto
organizadas para premiar a autopromoo,
penalizando a dependncia das pessoas ao
estado e reduzindo o papel desse estado a
um mnimo. Esses mesmos valores acabam
refetidos no somente nos currculos escolares,
mas tambm nas prticas escolares, e o ethos
escolar promove competitividade, premiando
mais o sucesso individual do que o coletivo.
Por outro lado, em uma sociedade cujo pilar
a democracia liberal se procura valorizar
principalmente a autonomia pessoal como um
objetivo do sistema educacional, procurando
desenvolver o sentimento de respeito das
pessoas, como cidads, diversidade e s
diferentes escolhas que as demais pessoas
podem exercitar na sociedade. Do mesmo modo,
procura-se ensinar o respeito s aspiraes dos
outros e resoluo de confitos de maneira
justa e pacfca. Nesse contexto, a educao
pode ser vista como um conjunto de prticas
que amplia o entendimento das pessoas para
as possibilidades de desenvolvimento que a vida
tem a oferecer
218
.
Na prtica, nenhuma sociedade puramente
competitiva ou liberal, mas contm elementos
de ambos. Da mesma forma, a educao
comporta as diferentes concepes sobre o
que importante para uma boa vida, boas
pessoas e uma boa sociedade e quais valores
correspondentes constituem os pilares dessa
educao em toda sua diversidade.
VALORES nAS EScOLAS
Se tanto a teoria quanto a prtica da
educao so de fato permeadas por valores,
parece ser justo perguntar onde eles aparecem
no cotidiano das escolas. De forma simplifcada,
pode-se dizer que eles se manifestam em trs
dimenses principais da vida escolar:
1. o currculo escolar representa em si
uma seleo feita aps tendo sido avaliados
uma ampla gama de conhecimentos sobre o
que importante para a vida das crianas e
dos jovens. Os conhecimentos escolhidos para
serem transmitidos podem ser introduzidos
devido ao seu valor instrumental (por exemplo,
relevncia para um emprego futuro) ou valor
152 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
intrnseco (por exemplo, porque enriquece a
vida das pessoas tornando-as melhores seres
humanos). De qualquer modo, essa escolha feita
para a formao do currculo escolar envolve
vrios elementos valorativos e inicialmente
um espao no qual podem ser observados os
valores que regem a atividade escolar;
2. os mtodos escolares, talvez de uma
maneira menos bvia que os currculos,
tambm incorporam parmetros normativos
que infuenciam os valores que as crianas e
os jovens podem desenvolver
219
. Os professores
claramente precisam exercer algum tipo de
autoridade social na classe, mas qual a infuncia
desejvel de sua autoridade epistemolgica?
Quanto que os estudantes devem ser levados a
aceitar verdades somente porque assim afrmam
os professores? Quanto que os professores
tentam infuenciar a formao dos argumentos
e razes dos alunos? Ser que existe espao para
criatividade e um posicionamento crtico dos
alunos na sala de aula? E se essas qualidades
so ausentes na sala de aula, que mensagem
est sendo passada para os estudantes, como
futuros cidados?;
3. a organizao social da escola e da classe
tambm expressa e ensina certos valores
220
. As
escolas so espaos nos quais se demonstram
como disputas podem ser resolvidas e como
respeito pode ser construdo. A organizao
social da escola e das classes ensina, por meio
de suas prticas e das vivncias que ajuda a
construir, quais valores e condutas sociais so
importantes para a vida. Na Europa, debates
221
sobre a composio social e tnica das escolas
tm sido alimentados pela preocupao de
que, se estudantes de diferentes etnicidades,
religies ou classes sociais frequentarem escolas
Quadro 10.1 Os valores dos professores brasileiros
Em pesquisa coordenada por Maria Tereza Perez Soares intitulada As Emoes e os Valores dos Professores
Brasileiros de 2007 (Fundao SM), registra-se uma crise de confana e de identidade profssional com o magistrio
no Brasil que extrapola as fronteiras da sala de aula incluindo coordenao, professores, pais e alunos.
A pesquisa, que escutou mais de 3.500 docentes de todas as regies do pas, observa como (p. 9) O trabalho no
ensino se baseia principalmente nas relaes interpessoais com os alunos e com os outros colegas, de modo que
as experincias emocionais so permanentes. O transcorrer de vivncias positivas ou negativas pode ter grande
infuncia sobre a prevalncia de emoes positivas ou negativas no ambiente escolar. Fatores histricos de uma
sociedade em transformao provocam tenses emocionais que so impactadas tambm pelo fenmeno de
violncia na sociedade. interessante notar que a pesquisa classifca o magistrio como uma profsso moral pelo
seu potencial de transformao de vidas e da sociedade.
A grande maioria dos professores entrevistados (53%) ensina porque gosta e se sente muito desvalorizado pela
sociedade (79.5%), pelos rgos responsveis pela educao (76.7%) e mesmo pelos pais de seus alunos(as) (51%).
Esse um problema grave uma vez que os sentimentos que do mais satisfao ao trabalho dos professores (81.4%)
esto relacionados ao reconhecimento (por ser bom professor, boa pessoa ou bom colega).
O respeito & reconhecimento uma categoria-chave para entender os valores dos professores. A pesquisa
mostra como para 53.5% dos professores a falta de respeito o que mais incomoda na relao com os alunos. Eles
gostariam que seus alunos fossem pessoas felizes, justas e com grandes conhecimentos e acreditam que a virtude
que mais deveria ser inculcada nos jovens a responsabilidade (61.3%).
Essa pesquisa mostrou que o magistrio de fato uma profsso que possui uma forte carga de valores e que
existe um potencial muito grande de melhoria da qualidade de vida dos professores e da qualidade da educao que
depende de uma viso mais ampla da escola como um ambiente de valor.
| 153
separadas, divises sociais sejam exacerbadas
em um estgio de formao das vidas das
pessoas. No Brasil, a separao socioeconmica
das crianas e jovens em tipos diferentes de
escolas parece ter sido naturalizada.
Essa ltima dimenso da vida escolar, sobre
sua organizao social, muito mais difcil de
ser percebida, pois diversa e fragmentada.
Por outro lado, por estar no campo das aes e
prticas muito mais efetiva como soluo por
conceber que o aprendizado de valores depende
do gerenciamento e construo de vivncias e
experincias as quais os jovens e crianas esto
expostos.
No devemos assumir que estar na escola
leve sempre a um efeito positivo sobre os jovens
e crianas
222
. Se os jovens e crianas estiverem
sujeitos a violncias e humilhaes, de natureza
fsica ou psicolgica, ou mesmo se as vivncias
escolares no conseguirem ensinar valores de
respeito, tolerncia, responsabilidade, o impacto
sobre a educao para a vida deles pode no ser
positivo. A preocupao com uma educao de
valor leva em conta no somente os impactos
da escola para uma educao de qualidade,
mas tambm para uma educao para a
vida. Pensar nos valores que fazem parte do
currculo e mtodos escolares importante, mas
parece essencial tambm olhar para a prpria
organizao social da escola e das classes como
parte dessa problemtica.
VALORES E QUALIDADE DA EDUcAO
Os ideais escolares so muitas vezes transfor-
mados pelo cotidiano no qual problemas de im-
plementao levam a resultados imprevisveis e
muitas vezes inconsistentes com os planos esco-
lares. Uma representao simplifcada desse pro-
cesso pode ser feita levando-se em considerao
dois eixos principais: um eixo que separa o ideal
do real e outro que separa os fns e os meios
dos processos escolares (Figura 10.2).
Entre esses quatro estgios existem hiatos
que a educao enfrenta cotidianamente.
Inicia-se com uma viso de que tipo de pessoa
e sociedade se deseja formar e as difculdades
em traduzir esses ideais em um programa
curricular (passo 1 ao 2). Depois, seguem
as difculdades de implementao desse
programa na prtica (passo 2 ao 3). Muitas
vezes o currculo implementado funciona como
um currculo oculto que no se encontra
em nenhum lugar escrito, mas que de fato
constitui parte da pedagogia escolar, regido
pelos preconceitos, representaes e valores
prprios aos seus implementadores. O currculo
oculto assim informa todos os aspectos da
educao, envolvendo a maneira de ensinar, a
organizao da escola e o prprio sistema de
ensino. Por fm, existe o desafo de transformar
o currculo implementado em resultados para a
vida dos estudantes (passo 3 ao 4). Esses passos,
e os hiatos por eles gerados, envolvem a criao
de meios para a obteno de fns desejados e a
traduo de ideias em planos de ao.
Convencionalmente, os meios so vistos
como ligados aos fns em termos de relaes
causais verifcveis empiricamente. Essa forma
de relao deixa aberta a possibilidade de que
quaisquer meios sejam adotados para atingir
um resultado particular, mas no considera
que alguns meios possam ser rejeitados pelos
valores que traduzem em suas aes. Por
exemplo, poderia haver um sistema educacional
muito efciente na alfabetizao de crianas que
Figura 10.2 Entre a Escola Ideal e Real
223
I
D
E
A
l
R
E
A
l
FINS MEIOS
Sociedade/
pessoas ideais
Efeitos nos
estudantes
Programa
curricular
Currculo
implementado
4
2
3
1
154 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
levasse formao de valores sexistas ou racistas.
Portanto, a seleo de meios deve ser harmnica
em relao aos fns idealizados. Isso signifca
que se o objetivo a criao de uma sociedade
inclusiva, ento a preparao (meio) dada aos
estudantes deve ser ela mesma inclusiva. A
implicao direta da aplicao desse princpio
de harmonia ou coerncia que as escolas
precisam ser democrticas para a formao de
cidados para a democracia. Do mesmo modo,
os mtodos e vivncias escolares que visam a
formao de crianas e jovens com valores de
convivncia devem ser implementados com
os mesmos princpios de respeito e tolerncia
que querem transmitir. Mas nem sempre essa
uma tarefa fcil. Sendo assim, que fundamentos
pedaggicos so normalmente usados na
promoo de uma educao de valor?
1. Na abordagem do esclarecimento de
valores o objetivo desenvolver nos estudantes
um maior entendimento das crenas que eles
possuem, mas sem tentar mud-las. No entanto,
dada a natureza transformadora da educao,
nem sempre essa uma posio estvel, pois
muitos tericos
224
sustentam que a educao
deve levar promoo de virtudes como parte do
processo educacional, como o prprio respeito a
processos democrticos na sociedade.
2. Na abordagem da coero em valores o
objetivo transmitir aos estudantes certos va-
lores especfcos, forando-os a adotarem certas
predisposies ou posicionamentos. Essa abor-
dagem consideravelmente incerta nos seus re-
sultados particularmente no contexto social em
que muitos jovens se rebelam e muitas vezes at
mesmo rejeitam o sistema escolar;
3. Na abordagem da exemplifcao de
valores, o objetivo deixar aos estudantes a
refexo sobre que valores adotar, transmitindo
a eles vivncias e prticas por meio de aes
praticadas pelos professores e incorporadas
no ethos da escola. No fnal, valores podem ser
adotados por intermdio de uma refexo crtica
e entendimento por parte dos alunos. No h
certeza, entretanto, dos resultados.
Pode-se assim contemplar com clareza a
natureza problemtica do objetivo de transmitir
valores aos alunos. claramente indesejvel
que os valores sejam simplesmente impostos
aos alunos, ou do mesmo modo absorvidos de
maneira coercitiva, sem eles autonomamente
os endossarem. Por outro lado, o respeito
autonomia do estudante torna o processo
altamente incerto. Mas, como visto acima, produz
a nica rota harmnica ou coerente com a busca
por uma sociedade com valores. A difculdade
de transmisso de valores nas escolas est no
corao dos problemas relacionados aos hiatos
de defnio e implementao curricular que
esto na base da busca por escolas funcionais
que promovam uma educao de qualidade
para todos.
InFRAESTRUTURA E VALORES
O desenvolvimento de valores humanos
uma tarefa rdua. Uma parte do problema,
como vimos anteriormente, uma questo de
atribuio de responsabilidades e expectativas
entre pais, professores e gestores da educao.
Outra parte est relacionada necessidade
de investimentos familiares e a prticas
parentais positivas. Uma terceira parte
de natureza pedaggica. Uma quarta parte
parece estar associada existncia ou no de
certos investimentos em infraestrutura fsica
nas escolas. verdade que o desempenho das
escolas no pode ser avaliado unicamente pela
quantidade de recursos que elas comandam.
Pesquisas
225
sobre gesto e clima escolar tm
caracterizado a contribuio das escolas, pelas
suas polticas e prticas internas, ao desempenho
dos alunos atravs do chamado efeito-escola
226
.
O conceito carrega consigo a ideia de que
cada escola deve ser analisada a partir de seus
processos de ensino-aprendizagem e de criao
de valores e hbitos prprios. A despeito das
difculdades metodolgicas em estimar o efeito-
escola possvel tecer algumas consideraes
| 155
sobre a disponibilidade de recursos de
infraestrutura e a formao de espaos de
convivncia no sistema de ensino brasileiro.
Os valores so formados desde bem cedo
227
na vida das crianas, onde suas primeiras
impresses emocionais j so registradas na sua
memria implcita (que no necessita lembrana
consciente, pois no armazenam o qu, mas
sim o como do que aconteceu), criando padres
reativos e estados emocionais que afetam o
modo como as crianas se relacionam com os
outros posteriormente. Muitas vezes as relaes
familiares so construdas conjuntamente com
o envio das crianas a creches (de zero a 3 anos)
e posteriormente as pr-escolas (de 4 a 6 anos
de idade).
Dentro da LDB, a educao infantil tem
uma importncia estratgica, pois proporciona
s crianas um espao-chave para o seu
desenvolvimento psicolgico e social, que para
sua efetivao precisa de correspondentes
espaos fsicos que possam prover a
infraestrutura adequada para essa construo
social. O espao fsico tambm importante
para que as crianas possam gostar da escola.
A presena de parques infantis nas escolas
permite s crianas um maior contato social e
troca de experincias, fatores que contribuem
para a formao de valores de convivncia e
percepo das relaes sociais.
Uma breve anlise da infraestrutura de
parques infantis por regio no pas mostra
que as regies Norte e Nordeste possuem uma
baixa cobertura desses espaos (Grfco 10.2).
A questo do espao fsico e sua relao com a
formao de valores trabalhada no Captulo
12, mas desde j se pode argumentar que
espaos fsicos so fundamentais enquanto
possibilidades de encontros entre pessoas, o que
seguramente chave na questo da escola, vista
enquanto um espao pblico. O baixo nmero
de parques no ensino infantil emblemtico da
questo dos espaos de convivncia nas escolas.
Outra varivel-chave a mdia de alunos
228
por turma na creche e na pr-escola (Grfco
10.3), pois afeta a capacidade e as possibilidades
do professor interagir com as crianas, no o
dei xando infuir de maneira mais decisiva sobre
a implantao dos currculos e moderao do
comportamento entre elas. Fica tambm mais
difcil para os professores identifcarem as diver-
sas necessidades de seus alunos.
Fonte: MEC/INEP/Deed
Centro-
Oeste
Sudeste Nordeste Norte Sul
Grfico 10.2 Percentual de
Estabelecimentos com Parque
Infantil por Regio
75,7
77,3
63,5
58,7
14,2
11,4
61,2
58,6
13,4
11,7
2008 2009
Fonte: MEC/INEP/Deed
Centro-
Oeste
Sudeste Nordeste Norte Sul
Grfico 10.3 Mdia de Alunos por
turma (Pr-Escola) por Regio -
2005 a 2008
2005 2006 2007 2008
25
20
15
10
5
0
156 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
vAlorES, FAmliA
E EDuCAo
Na pesquisa sobre o Perfl dos Valores
dos Brasileiros (PVB) um dos mdulos foi de
questes relacionadas educao. Da amostra
entrevistada, a maior parte (62,24%) tinha f-
lhos. Dos resultados anteriores sabemos que
quem tem flhos mais conservador (com uma
diferena de 3,6%) e menos orientado para a
autopromoo (com uma diferena negativa de
6,4%) de quem no os tem. A presena de flhos
no determinante para que as pessoas sejam
mais autotranscendentes, mas sufciente para
que sejam menos orientadas para si prprias
(menor autopromoo).
Esses mesmos pais responderam, em
primeiro lugar, que seu principal papel em
relao aos flhos ensinar valores (33,2%),
seguido do papel assegurar uma educao
de qualidade (27,8%) e cuidar da sade e
alimentao (14%), estar atento s amizades
(13%). Surpreendentemente, proteger contra a
violncia no foi considerado um dos papis
mais importantes dos pais em relao aos flhos.
Quando as respostas so analisadas por sexo,
alguns resultados interessantes aparecem.
As mulheres foram responsveis por 58%
das respostas que indicam que o papel de
ensinar valores o mais importante para os pais,
enquanto os homens responderam por 52.5%
daqueles que indicaram que o principal papel
dos pais garantir uma educao de qualidade
a seus flhos. Frente a esse resultado, a primeira
pergunta que surge qual ser a relao entre
os valores e as preferncias quanto ao papel dos
pais na educao?
Os principais resultados
229
sugerem que,
aqueles pais que escolheram ensinar valores
em primeiro lugar, obtiveram uma nota para
autotranscendncia superior a quem escolheu
os demais papis e que quem preferiu os
demais papis valoriza mais a autopromoo.
Essa evidncia indica que pais com valores mais
autotranscendentes entendem o espao escolar
como prioritariamente uma esfera de formao
de valores enquanto pessoas com valores de
autopromoo entendem as escolas como uma
maneira de alavancar o potencial de realizao
de seus flhos.
Se considerarmos que as mulheres so as
que mais entendem ser o principal papel dos
pais ensinar valores, e que mulheres so mais
orientadas para autotranscendncia do que ho-
mens, frente aos resultados encontrados quanto
diferena de valores com relao ao papel dos
pais, possvel supor que o gnero associado a
valores de autotranscendncia possa explicar a
preferncia pelo papel de ensinar valores.
interessante observar que quando se
analisa o perfl das pessoas que responderam a
questo sobre quem tem a responsabilidade de
ensinar valores, nota-se que:
aqueles que acreditam ser o governo ou os
amigos ou a escola o principal responsvel pelo
ensino de valores no variam entre si quanto aos
seus valores;
Grfico 10.4 Papel dos pais
em relao aos flhos
O principal papel dos pais em relao aos flhos
33%
Ensinar
valores
28%
Educao de
qualidade
14% Cuidar
da sade e
alimentao
13%Estar atento
as amizades e
uso de drogas
6% Proteger
contra
violncia
4% No
respondeu
2%
Outros
| 157
Tabela 10.3 Principal Papel dos Pais em relao a seus flhos
mdia
autotranscendentes
mdia
autopromoo
1 Sobrevivncia fsica 8,34 C
2 Proteger contra violncia 8,43 6,30
3 Acesso Educao de qualidade 8,59 6,34
4 Rede de amizades 8,55 6,43
5 Ensinar Valores 8,84 6,28
Mdia 1, 3, 2, 4 8,48 6,33
Diferena Ensinando
Valores em relao aos demais
4,2% -1%
quanto mais as pessoas valorizam a
conservao mais atribuem importncia
religio para transmitir valores, ou
alternativamente pode-se dizer que as pessoas
que acreditam ser a religio a principal
instituio para transmitir valores so mais
conservadoras em relao quelas que
atriburam essa responsabilidade a outros
atores sociais;
quanto mais as pessoas so abertas a
mudana, menos elas valorizam a religio como
a principal instituio para transmitir valores.
Mais de 60% das pessoas que responderam
pesquisa consideram que a famlia tem (entre 80
a 100%) uma grande infuncia sobre a educao
das crianas. Por outro lado, comparativamente,
aqueles que atriburam uma baixa infuncia
da famlia sobre a educao das crianas (entre
0 a 40%) valorizam menos a conservao e
autotranscendncia e mais a autopromoo, do
que aqueles que acreditam que a famlia tem
uma infuncia igual ou superior a 80%. Em
outras palavras, as pessoas que acreditam na
infuncia da famlia na educao dos flhos so
mais conservadoras e mais autotranscendentes.
Os resultados indicam que a educao
pode a ajudar a resolver uma ampla gama de
problemas sociais, em particular os problemas
de desemprego, violncia, sade, fome, misria
e falta de respeito na sociedade.
Tabela 10.2 Papel dos pais, homens e mulheres
S
o
b
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e
v
i
v
n
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a
f
s
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P
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Feminino 230 124 497 251 733 1 50 5 78 1.969
% 6,1% 3,3% 13,2% 6,7% 19,4% 0% 1,3% 0,1% 2,1% 52,2%
Masculino 286 104 551 227 519 2 26 13 77 1.805
% 7,6% 2,8% 14,6% 6,0% 13,8% 0,1% 0,7% 0,3% 2,0% 47,8%
Total 516 228 1.048 478 1.252 3 76 18 155 3.774
% 13,7% 6,0% 27,8% 12,7% 33,2% 0,1% 2,0% 0,5% 4,1% 100,0%
158 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
interessante notar que, desses problemas, a
indicao da violncia no varia de acordo com
os valores, assim como tambm a corrupo e a
baixa expectativa de vida. Quem acredita, porm,
ser o desemprego o problema mais importante
a ser resolvido pela educao mais orientado
para a autopromoo, enquanto aqueles que
valorizam mais a autotranscendncia acreditam
que a educao pode resolver o problema de
falta de respeito na sociedade. J quem pensa ser
a qualidade de vida, tende a ser mais orientado
para abertura mudana, e quem acredita
ser a fome e a misria tende a valorizar mais a
conservao.
Foi perguntado tambm aos entrevistados
com flhos se eles conhecem (ou conheceram)
os professores que do (ou deram) aula ao seu
flho(s) at o fnal do primeiro ciclo do ensino
fundamental. Como esperado, a maioria dos
respondentes declararam conhecer todos os
professores ou a maioria. No entanto, alguns
resultados interessantes apareceram em relao
ao perfl de valores dos respondentes:
a) quanto mais autotranscendente foram
as pessoas maior o interesse que tiveram em
conhecer os professores de seus flhos, porm
no se pode afrmar que quanto mais orientados
para a autopromoo,menos interesse tenham
por conhecer os professores dos flhos;
Grfico 10.5 O que a educao pode ajudar a resolver (%)
20
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r
o
s
b) o interesse em conhecer os professores dos
flhos no afetado pelos valores de abertura
mudana ou conservao;
c) comparando o grupo que respondeu que
conheceu todos os professores dos flhos e o
grupo que no conheceu nenhum, possvel
identifcar que, o que de fato difere os dois grupos
que o primeiro mais autotranscendente
do que o ltimo, e este, alm de ser menos
autotranscendente, mais aberto para a
mudana, o que implica ser mais livre, incomodar-
se menos com controle do comportamento dos
outros e possivelmente preocupar-se menos em
controlar o comportamento dos flhos.
A promoo de valores de autotranscendncia
entre os pais ou responsveis parece ser
um elemento necessrio para aumentar a
participao dos mesmos nas atividades
escolares.
Dentre os valores ou qualidades que as
pessoas consideram mais importantes para
ensinar os flhos destacam-se a responsabilidade,
ser trabalhador, tolerncia e respeito pelos
outros e independncia. Avaliando os valores
segundo as primeiras opes das pessoas,
chegamos a alguns resultados, como vemos na
Tabela 10.4.
| 159
Tabela 10.4 Qualidades mais importantes
para ensinar aos flhos
Qualidades %
1
Independncia 12,19%
2
Ser trabalhador 19,66%
3
Responsabilidade 30,92%
4
Criatividade 2,12%
5
Tolerncia e respeito 12,45%
6
Saber economiza 1,22%
7
Determinao 3,13%
8
Ter f religiosa 5,38%
9
No ser egosta 2,73%
10
Obedincia 6,44%
Quem escolheu em primeiro lugar tolerncia
e respeito no mais autotranscendente
do que os demais. Por outro lado, quem
escolheu responsabilidade em primeiro lugar
apareceu como mais orientado por valores
autotranscendentes. O mesmo aconteceu com
aqueles que valorizam a f religiosa, que tambm
possuem valores mais autotranscendentes.
Aqueles que escolheram em primeiro lugar
independncia, determinao e perseverana
valorizam mais a abertura mudana, do que
quem escolheu f religiosa e ser trabalhador.
A escolha pela independncia tambm foi
caracterstica das pessoas mais orientadas por
valores de autopromoo.
guisa de concluso pode-se notar quais
valores infuenciam as atitudes (e talvez
comportamentos) que as pessoas tm em
relao educao (de seus flhos e de modo
geral). As opinies e atitudes das pessoas se
distribuem sobre questes acerca do papel dos
pais, da importncia da famlia na educao
das crianas, nas qualidades que as crianas
devem aprender em casa, nos problemas que a
educao pode ajudar a resolver e sobre a quem
cabe a responsabilidade de ensinar valores.
Quanto mais importante for um valor
para uma pessoa maior ser a sua infuncia
na confgurao de seu comportamento,
na elaborao de seus planos de ao e da
formao de suas expectativas. Valores so
importantes fontes de motivao e, assim como
as necessidades das pessoas, podem ajudar a
explicar a atratividade de determinadas aes
mesmo sem uma ponderao consciente de
alternativas e suas consequncias.
Os valores dos professores podem ajudar
no seu foco, na sua percepo, na interpretao
de situaes dentro de sala de aula. Os valores
dos pais podem defnir o estudo como uma
prioridade para suas famlias, seu sentimento
de responsabilidade e seu engajamento nas
solues para a educao de seus flhos.
CoNCluSES
O principal argumento desenvolvido neste
captulo de que a educao uma atividade
essencialmente de valor, pois simplesmente ela
no pode ser meramente reduzida ao ensino.
Mas mesmo quando pensamos apenas em
ensino, h um mundo a descobrir. Valores so
importantes para a melhoria da convivncia
nas escolas, para a promoo de atitudes
cooperativas, para o interesse e permanncia
dos alunos na escola. No h como pensar a
escola sem pensar nas famlias, por isso uma
educao de valor um desafo transversal.
De certa forma, a pesquisa emprica conduzida
para este captulo confrmou a importncia que
os pais do formao de valores, e identifcou
que seus posicionamentos dependem dos seus
prprios perfs de valores.A proposta conceitual
oferecida neste captulo de um pensar as
escolas a partir de suas prticas, dissociando a
escola ideal da escola real e procurando visualizar
a interao entre diferentes abordagens para a
promoo de uma educao de valor junto com
as restries apresentadas de natureza fsica,
como a inexistncia de espaos de convivncia.
Em outras palavras, a questo dos valores nas
escolas transversal e multifacetada.
Quando minha bisav
Vivia pelo serto
Era um tempo de aperreio
Era grande a preciso
Mulher no tinha direito
Pro homem tudo era feito
S ele era cidado
Era comum se ouvir
Que mulher vive calada
Faz a vontade do homem
Para no fcar falada
A mulher era um objeto
Casava pra ter um teto
E cuidar da flharada
A mulher tambm no tinha
Nenhum prazer sexual
Nem mesmo sonho ou desejo
Vivia como animal
Servia sempre seu dono
Ou caa no abandono
Era o destino fatal
Se quisesse trabalhar
Seria dentro de casa
Estudar era um perigo
Pois podia criar asa
A famlia exigia
Qela se casasse um dia
Pra ver se desencalhava
Era grande o sofrimento
Da mulher daqueles dias
No se falava em direito
Tudo isso era utopia
Bastante coisa mudou
Mas ela continuou
Vtima da covardia
Variadas so as faces
Dos crimes contra a mulher
A violncia velada
Ningum v, ningum d f
Mas quando ostensiva
O mundo todo se esquiva
e ningum mete a colher
H casos onde a vtima
tida como culpada
O mundo todo pergunta
Pelo que fez a fnada
Como querendo saber
Se ela fez por merecer
Ter a vida abreviada
A opresso feminina
algo muito cruel
E apesar dos direitos
Insculpidos no papel
A violncia avana
Matando at criana
De forma torpe e cruel
Aqui no meu Cariri
Dos limites j passou
Pois diversas companheiras
O machismo j matou
Foi crime de toda forma
E que ningum se conforma
Passe quanto tempo for
Mulher de todas as classes
De idades variadas
Algumas desconhecidas
Outras identifcadas
Morreram barbaramente
Mas seus algozes contentes
Esto soltos, a dar risadas
Mas vamos somando braos,
Mos, cabeas, corao
Sigamos os nossos passos
Nenhuma luta em vo
A conquista do presente
Foi no passado a semente
Que se plantou nesse cho
Vamos mostrar que pensamos
E procriamos idias
E que no s menstruamos
Gritemos em assemblia
Cidadania se quer
E tem nome de mulher
Eis a nossa epopia
Uma questo de justia
Estamos a colocar
Ningum pode ser omissa
O tempo de lutar
Cidadania-Mulher
tudo que a gente quer
No podemos mais calar
No justo que hoje em dia
Nada possamos fazer
Pois se vov no queria
Desta maneira viver
Como poderemos ns
Quase cem anos aps
opresso nos render?
Eis o nosso desafo
preciso matutar
Vov no tinha direito
Mas hoje direito h:
Para que cidadania?
S pra rimar com Maria?
Ou pra se exercitar?
Contribuio Especial Salete Maria, cordelista
CIDADANIA: NOME DE MULHER!
| 161
Valores e violncia
11
162 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
Este captulo aborda o tema da violncia e sua
interao com os valores de vida. O tema violncia
foi registrado pelos participantes da Campanha
Brasil Ponto a Ponto principalmente como uma
preocupao com a deteriorao das relaes
sociais, manifesta na falta de respeito ao outro
e no crescimento das incivilidades cotidianas.
Nesse sentido, a violncia aqui mencionada
notadamente a violncia interpessoal, presente
nas comunidades, nos lares e nas escolas. H
tambm a preocupao com o crescimento
do crime organizado, com os crimes contra a
propriedade e com o funcionamento do Sistema
de Justia. No entanto, a violncia cotidiana
na relao com o outro com os vizinhos, a
famlia, os colegas de escola e professores foi
a que recebeu o maior destaque, constituindo-
se, deste modo, no ngulo a ser investigado
neste relatrio.
vAlorES E A ETioloGiA
DA violNCiA
Por que importante falar de violncia e
no de crimes ou de crimes violentos? Pois h
violncias que no so crimes e h crimes que
no ocorrem por meio de atos violentos
230
. Para
a discusso de valores importante falar sobre
violncia e no sobre crimes, pois a violncia
um comportamento que se aprende, e
muitos comportamentos violentos no so
criminalizados ou, mesmo que sejam, podem
no ter notifcao e no chegar justia
231
. Mas
o que violncia afnal?
A violncia conceituada, no contexto
da produo acadmica, de muitas formas
diferentes. Embora no seja exaustiva, dada a
riqueza da produo terica sobre o tema, so
aqui destacados alguns conceitos de violncia
presentes na literatura, com o objetivo de
auxiliar a delimitao do conceito aqui adotado.
A Organizao Mundial da Sade (OMS)
232
defne a violncia como o uso intencional da
fora fsica ou do poder, real ou em ameaa,
contra si prprio, contra outra pessoa, ou contra
um grupo ou uma comunidade, que resulte
ou tenha grande possibilidade de resultar em
leso, morte, dano psicolgico, defcincia de
desenvolvimento ou privao. A defnio
utilizada pela OMS destaca a intencionalidade
do ato violento e incorpora, alm do dano
causado a outras pessoas, o suicdio como uma
forma de violncia
233
.
Pode-se dizer ainda que h violncia quando
uma ou vrias pessoas agem de maneira
direta ou indireta causando danos a outras,
seja em sua integridade fsica, seja em sua
integridade moral, seja em suas posses ou em
suas participaes simblicas e culturais
234
.
Outra defnio considera a violncia como o
modo mais agudo de revelar o total desrespeito
e desconsiderao pelo outro, implicando no
s o uso da fora fsica, mas a possibilidade ou
ameaa de us-la
235
.
Ao considerarmos a questo dos valores,
importante destacar a dimenso simblica
da violncia. A ideia de violncia simblica
est intimamente relacionada aos valores
compartilhados pela sociedade, pois os
valores atribuem contedos e signifcados
realidade e so continuamente produzidos e
reproduzidos na interao social dos indivduos
em determinado grupo social, sendo capazes de
gerar situaes de desrespeito. Nesse sentido, o
preconceito e as vrias formas de discriminao
podem ser entendidos tambm como formas de
violncia
236
.
Esses conceitos, embora diferentes,
apresentam elementos semelhantes na
defnio do que violncia, como a importncia
conferida ao uso ou a ameaa de aplicao da
fora fsica, alm do destaque dado dimenso
psicolgica e simblica da violncia.
Outra caracterstica relevante incorporada
em algumas defnies de violncia a
importncia atribuda forma como diferentes
pessoas percebem de forma distinta esse
| 163
fenmeno. Ou seja, a caracterizao de um
ato como violncia depende de percepes
culturais e histricas, que mudam ao longo do
tempo. Nesse sentido, o limite a partir do qual
um ato percebido como violento no algo
predefnido e imutvel, mas delineado cultural
e historicamente
237
. Segundo essa defnio,
alguns comportamentos no percebidos como
violentos, por exemplo, h algumas dcadas,
podem hoje no ser mais admitidos. O mesmo
ocorre com percepes divergentes sobre o que
considerado ou no violento entre diferentes
culturas.
A partir dos conceitos apresentados,
possvel destacar trs elementos recorrentes na
caracterizao de violncia:
a relao com a fora fsica, seja em sua
aplicao direta ou mesmo na ameaa de uso
da fora;
a violncia que atinge a psicolgica dos
indivduos; e
a ligao da percepo de violncia com o
contexto cultural e histrico.
A associao da violncia com a fora
fsica a representao mais corriqueira do
fenmeno. Tanto na etimologia como no seu
uso cotidiano, a palavra violncia est presente
preponderantemente associada aplicao de
fora fsica. No entanto, a relao do conceito
com a dimenso moral e valorativa do fenmeno
nem sempre to evidente. E essa relao
fundamental para analisarmos a relao entre
violncia e valores de vida.
Sempre que uma violncia cometida, vem
acompanhada de uma agresso moral. Ou seja,
no possvel analisar uma manifestao de
violncia ou mesmo defnir esse conceito sem
considerar a dimenso moral implicada nas
agresses
238
. Em outras palavras, no basta,
por exemplo, considerar o uso da fora fsica,
mas importante examinar o signifcado
atribudo pelas pessoas quela aplicao da
fora. Esta pode ser interpretada como um
fenmeno corriqueiro. Ou como um grave
desrespeito e, consequentemente, violncia. Ou
seja, a dimenso das crenas e signifcados
essencial para a compreenso de como se d a
classifcao de um ato como violento
239
.
Essa constatao sugere uma mudana de
foco na anlise da violncia: em vez da nfase
apenas nos impactos fsicos ou materiais,
prope uma maior compreenso dos efeitos do
fenmeno sobre a esfera dos valores. Mas quais
as implicaes dessa mudana de foco? Esta
ressalta que a dimenso dos valores relevante
para o estudo da violncia, ou seja, que uma
anlise baseada em valores importa para a
compreenso do fenmeno da violncia. Ou
seja, impossvel compreender esse fenmeno
sem se interrogar sobre os sentidos, os valores
e as crenas que estruturam e presidem a vida
social
240
. Em suma, o conceito de violncia
aqui adotado considera no apenas a sua
manifestao material ou fsica, mas incorpora
tambm a sua dimenso valorativa.
Por fm, para aprimorar essa delimitao
conceitual, necessrio estabelecer ainda a
distino entre violncia e crime. Em contraste
com o conceito de violncia que enfatiza
que a classifcao de um fenmeno como
violncia depende fortemente de interpretaes
e signifcados , o conceito de crime pode
ser entendido como o comportamento que
transgride a legislao vigente e, dessa forma,
legalmente classifcado como crime. Nesse
sentido, o conceito de crime est diretamente
relacionado ao arcabouo legal vigente em
determinado pas, podendo sofrer alteraes
de acordo com as modifcaes legislativas
realizadas. Ou seja, em resumo, crime aquilo
que defnido em lei como tal.
E por que adotamos aqui o conceito de
violncia e no de crime? As pessoas que
participaram da Campanha Brasil Ponto a Ponto,
ao mencionarem a violncia como problema
destacaram a preocupao no s com os
comportamentos que violam a lei, mas tambm
com todas as atitudes que demonstram o
164 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
desrespeito ao outro e s normas de convivncia
cotidianas. Atitudes essas nem sempre defnidas
legalmente como crime. Assim, considerando
uma abordagem mais ampla, e estritamente
relacionada ao conceito de desenvolvimento
humano e justia social
241
calcada na noo de
valores, optou-se aqui por adotar um conceito
de violncia mais amplo na elaborao deste
relatrio.
Muitos autores, ao analisarem o fenmeno
da violncia, referem-se a ele como violncias,
no plural. Essa maneira de apresentao do con-
ceito justifca-se tal a variedade de formas sob
as quais a violncia se manifesta na sociedade.
A Organizao Mundial da Sade (OMS)
242
classifca as manifestaes de violncia em trs
tipos:
violncia dirigida a si mesmo;
violncia interpessoal; e
violncia coletiva.
Essa tipologia faz a distino entre a violncia
que uma pessoa infige a si mesma, a violncia
cometida por outra pessoa ou por um pequeno
grupo de pessoas, e a violncia causada por
grupos maiores como, por exemplo, Estados,
grupos polticos organizados, grupos de milcia
e organizaes terroristas.
Outra forma de classifcao proposta pela
Unesco. Segundo pesquisa realizada por esta
instituio
243
a violncia pode ser classifcada
em trs nveis:
violncia dura: golpes, ferimentos, violn-
cia sexual, roubos, crimes, vandalismos;
incivilidades: agresses, humilhaes, pa-
lavras grosseiras, desordens, falta de respeito,
discriminao;
violncia simblica ou institucional: abuso
de poder baseado no consentimento que se es-
tabelece e se impe mediante o uso de smbolos
de autoridade e que dissimula as relaes de
fora e poder.
Durante a Campanha Brasil Ponto a Ponto,
as pessoas manifestaram uma preocupao es-
pecial com a violncia interpessoal, ou seja, com
aquela violncia que representa uma agresso
ou desrespeito direto a outro indivduo. E ao
mencionarem as manifestaes de violncia,
citaram tanto a violncia dura como as incivi-
lidades cotidianas, que tanto prejudicam a con-
vivncia em sociedade.
Assim, as manifestaes da violncia in-
terpessoal so de especial interesse para este
relatrio. Segundo a classifcao da OMS, a vio-
lncia interpessoal pode ser dividida em duas
subcategorias:
violncia da famlia e de parceiro ntimo: vi-
olncia entre membros da famlia e parceiros n-
timos, normalmente (mas no exclusivamente)
dentro de casa;
violncia comunitria: violncia entre
pessoas sem laos de parentesco e que podem
conhecer- se ou no, geralmente fora de casa.
Nesse sentido, a populao que participou
da Campanha Brasil Ponto a Ponto registrou
preocupao com a violncia que ocorre nas
relaes cotidianas, sendo essa tanto a violncia
da famlia e de parceiro ntimo como a violncia
comunitria. Quanto a essa ltima forma de
violncia, especial destaque foi dado para a
violncia nas escolas. E a preocupao com a
violncia interpessoal aparece no s associada
aos efeitos fsicos desse fenmeno, mas tambm
s manifestaes de incivilidade agresses
verbais, humilhaes, falta de respeito,
discriminao que tornam conturbada a
relao com o outro.
A Evoluo Do CrimE E
DA violNCiA No brASil
E qual a situao atual do crime e da
violncia no Brasil? Alguns dados permitem a
construo de um panorama dessa situao. Nas
ltimas duas dcadas do sculo XX, ocorreu um
grande aumento dos ndices de criminalidade,
caracterizado pela propagao dos homicdios e
pelo aumento da violncia nas aes criminosas.
| 165
A taxa de homicdios por 100 mil habitantes no
Brasil cresceu 153,5% no perodo, saltando de
11,4 em 1980 para 28,9 em 2003
244
, com uma
melhoria recente desde ento (que pode ser
vista no grfco 11.1).
Os dados apontam ainda que a dinmica de
circulao e posse de armas de fogo contribuiu
fortemente para esse acrscimo. Entre 1991 e
2000, a taxa de mortalidade por homicdios
cresceu 27,5%. Observa-se que, nesse mesmo
perodo, o nmero de homicdios praticados
com armas de fogo aumentou 72,5%
245
. Nesse
sentido, no fosse o aumento da taxa de
homicdios praticados com arma de fogo, a
taxa de homicdios no Brasil difcilmente teria
aumentado 27,75% de 1991 para 2000
246
.
Nos anos 1980 e 1990, alm do crescimento
dos crimes violentos, os crimes contra o patri-
mnio tambm cresceram signifcativamente,
com a ampliao do nmero de roubos e furtos
a residncias, veculos e transeuntes e consi-
dervel evoluo no grau de organizao social
do crime
247
. Nesse contexto surge tambm o
crime organizado relacionado ao trfco de
drogas e ao comrcio ilegal de armas, dois
fatores que se consolidam e se expandem a
partir dos anos 1980 e tornam-se determinantes
para a generalizao da violncia e a exploso
da criminalidade
248
.
A progressiva diversifcao e especializao
do crime e dos criminosos no pas se iniciam com
o aparecimento de quadrilhas de assaltantes de
bancos e instituies fnanceiras e se intensifca
gradualmente pela migrao ou incorporao
de outros ramos de atividades, interligando-se
sob uma rede invisvel de prticas ilcitas. Os
sequestros extorsivos, fraudes, contrabando,
falsifcaes e lavagem de dinheiro comeam a
ocupar espao no universo do crime, somando-
se ao roubo e ao furto de veculos, ao roubo e ao
furto de cargas e ao trfco de armas e drogas
249
.
O alcance da violncia tambm signifcativo,
pois um tero da populao brasileira declara
j ter sido vtima desse fenmeno em algum
momento de suas vidas
250
.
A partir dos anos 2000 tm-se observado
indcios de mudana nessas tendncias, com
queda nacional de 13,7% dos homicdios de 2003
para 2007. No entanto, apesar desses indcios
de queda em algumas taxas de criminalidade,
o sentimento de medo e insegurana continua
presente de forma signifcativa. O sentimento da
populao brasileira de que a violncia um
fenmeno que no para de crescer no pas e que
a tendncia que esta continue aumentando
nos prximos anos
251
.
O sentimento de insegurana muitas vezes
no corresponde diretamente aos registros de
criminalidade. No entanto, tambm muito
prejudicial dinmica das relaes sociais, pois,
com o aumento da desconfana e do medo, os
laos de solidariedade social so afetados e a
convivncia prejudicada. O medo e a insegurana
encorajam as pessoas a levantarem barreiras
fsicas para proteo e, consequentemente,
pode reduzir as possibilidades de contato entre
os vizinhos, as oportunidades para trocas de
informao e aumentar a desconfana entre
as pessoas
252
. O Grfco 11.2 mostra os principais
resultados dessa percepo de violncia em
termos de mudana de rotina das pessoas. Como
pode ser visto, essas mudanas so amplas
afetando reas de convivncia fundamentais
Grfico 11.1 Homicdios no Brasil
1980 a 2007
Taxa de homicdio por 100 mil
1980 1990 2000
25,4
25,4
25,2
19,8
11,4
2007
Fonte: SIM/DATASUS
30
25
20
15
10
5
0
166 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
para a formao de valores. O resultado claro:
o medo da violncia muda as vivncias das
pessoas. As vivncias infuenciam a formao
dos valores. E assim o ciclo vicioso valores-
violncia alimentado.
No que diz respeito especifcamente vio-
lncia interpessoal, importante destacar ainda
que esse tipo de violncia muitas vezes est in-
trinsecamente ligado dinmica das relaes
sociais. Atitudes de desrespeito e incivilidade
adotadas no cotidiano, bem como brigas e con-
fitos no administrados devidamente, podem
ter como efeito a ocorrncia de mortes violentas.
Nesse sentido, alguns dados indicam que parte
considervel dos homicdios praticados no Brasil
deriva justamente de relaes interpessoais co-
tidianas conturbadas, que acabam por se desin-
tegrar em manifestaes violentas graves.
Na grande So Paulo, 92,4% dos homicdios de
autoria conhecida ocorrem a partir de confitos
interpessoais diversos, como brigas domsticas,
em bares ou entre vizinhos, nas quais as partes
j possuam anteriormente algum tipo de
relao estabelecida
253
. Em Salvador e no Distrito
Federal, 38% de todas as agresses com armas
de fogo so protagonizadas por conhecidos,
companheiros ou familiares
254
. Esses dados
indicam que o agravamento de confitos
naturais convivncia cotidiana acaba por
originar manifestaes violentas que trazem
impactos tambm na esfera fsica ou material,
com a ocorrncia de homicdios.
Nesse sentido, entender os elementos que
compem a dinmica das relaes entre as
pessoas fundamental para compreender a
ocorrncia da violncia interpessoal. E os valores
de vida ao representarem guias, metas gerais,
que nos informam sobre como agir melhor na
vida so parte dessa dinmica. Os valores, ao
infuenciarem o comportamento, importam na
compreenso da razo de a violncia ter sido
escolhida como mecanismo que orienta muitas
das relaes cotidianas na atualidade.
Sobre o perfl das vtimas e dos agressores,
observa-se que, nos homicdios dolosos, tanto
vtimas como agressores so majoritariamente
jovens (entre 18 e 24 anos) e do sexo masculino.
No entanto, quando se observa o perfl para os
crimes de leso corporal, apesar do perfl dos
Teve difculdade de
dormir por medo da
violncia
32,6
Procurou evitar ver
programas de televiso
que falassem sobre
violncia
42,7
Procurou evitar
conversar sobre
violncia com amigos e
parentes
32,6
Mudar o trajeto da
casa para o trabalho,
ou de casa para escola
37
Deixar de usar uma
linha de nibus
19
Deixar de circular por
alguns bairros/ruas da
cidade
51
No sair a noite
42
Evitar conversas com
vizinhos
19
Grfico 11.2 Medo da Violncia
e Mudanas de Rotina
% pessoas que j tiveram alguma mudana
Acham que a violncia vem crescendo
Fonte: PVB, 2010. Esse nmero revela a percepo das
pessoas sobre o crescimento da violncia no pas.
90,1%
Figura 11.1
| 167
agressores ser o mesmo, h uma mudana
importante na caracterstica das vtimas: estas
so majoritariamente mulheres, entre 35 e 64
anos
255
. Esses dados enfatizam a importncia da
incorporao de um recorte de gnero e de
sua dimenso valorativa associada na anlise
da violncia.
A violncia interpessoal recebeu destaque
durante a Campanha Brasil Ponto a Ponto, e, por
isso, sua anlise especialmente relevante para
este relatrio. Dentre as formas de violncia in-
terpessoal identifcadas, foram mencionadas
principalmente a violncia que ocorre no con-
texto das famlias e das escolas
256
. Vejamos ento
outros detalhes sobre essas formas de violncia.
VIOLncIA DEnTRO DE cASA
A hiptese de que o ambiente familiar, pelas
ligaes afetivas, protegeria seus membros
mais vulnerveis tem se mostrado bastante
falha, principalmente quando observamos os
registros de violncias que ocorrem no mbito
domstico
257
. A violncia domstica pode
ser classifcada em violncia fsica, violncia
psicolgica, negligncia ou violncia sexual.
Dentre as formas de violncia que perpassam
as famlias, recebem destaque a violncia
praticada contra a mulher e contra crianas e
adolescentes
258
.
A violncia praticada contra as mulheres
um fenmeno mundial, sendo que os
agressores so, frequentemente, conhecidos das
vtimas
259
. No Brasil, o percentual de mulheres
que afrmam ter sofrido violncia domstica
e familiar de 19%, sendo que a agresso
praticada, predominantemente, por homens
com quem mantm relaes ntimas: 81% so
maridos, companheiros e namorados
260
. E o
lcool e o cime so os fatores mais referidos
como desencadeadores das agresses
261
.
Na pesquisa emprica (Grfco 11.2) feita para
esse relatrio verifcou-se, como esperado, que
56% dos entrevistados se dizem incomodados
pela violncia dos bandidos. No entanto, pareceu
surpreendente que 23% das pessoas se digam
incomodadas pela violncia dentro da famlia,
como a principal fonte de violncia a que esto
submetidos.
Quadro 11.1 Tipos de Violncia domstica
A violncia fsica ocorre quando algum causa ou tenta causar dano por meio de fora fsica, de algum tipo de
arma ou instrumento que possa causar leses internas, externas ou ambas.
A violncia psicolgica inclui toda ao ou omisso que causa ou visa a causar dano autoestima, identidade
ou ao desenvolvimento da pessoa.
A negligncia a omisso de responsabilidade de um ou mais membros da famlia em relao a outro, sobretudo
queles que precisam de ajuda por questes de idade ou alguma condio fsica, permanente ou temporria.
A violncia sexual toda ao na qual uma pessoa, em situao de poder, obriga outra realizao de prticas
sexuais, utilizando fora fsica, infuncia psicolgica ou uso de armas ou drogas.
Fonte: Day, Vivian Peres et al (2003), obra citada.
Grfico 11.2 A violncia que
mais incomoda
56%
bandidos
6%
escola
8%
bairro
23%
famlia
7%
trnsito
168 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
Analisando o tipo de violncia que mais
incomoda juntamente com o perfl de valores
das pessoas pode-se afrmar que:
a) o grupo que se incomoda mais com a
violncia na famlia mais autotranscendente
do que os demais, sugerindo que quanto mais
as pessoas so autotranscendentes mais se
incomodam com a violncia na famlia;
b) quem se incomoda mais com a violncia
dos bandidos mais conservador do que quem
se preocupa com a violncia no trnsito e nas
escolas;
c) quem se incomoda mais com a violncia
nas escolas mais aberto a mudana do que
quem se incomoda mais com a violncia no
bairro;
d) quem se incomoda mais com a violncia
no trnsito mais orientado para autopromoo
do que quem se incomoda mais com a violncia;
e) quem se incomoda mais com a violncia
dos bandidos mais orientado para a
autopromoo do que em se incomoda com a
violncia na famlia;
f) quem se incomoda mais com a violncia no
bairro mais orientado para a autopromoo do
quem se incomoda com a violncia na famlia.
O risco de uma mulher ser agredida em sua
prpria casa pelo pai de seus flhos, ex-marido
ou atual companheiro nove vezes maior do
que o de ser vtima de alguma violncia na rua
ou no local de trabalho
262
, e quatro em cada dez
mulheres j presenciaram violncia domstica
contra outra mulher, o que mostra que essa
prtica no , necessariamente, escondida ou
camufada.
Outro dado preocupante que uma em cada
duas mulheres que foram vtimas de violncia
domstica foi violentada quatro vezes ou mais.
Este dado agrava ainda mais a situao das
mulheres brasileiras, visto que caracteriza
a violncia domstica como uma prtica de
repetio. E a violncia comea muito cedo,
pois a grande maioria (77%) sofre sua primeira
agresso antes dos 29 anos
263
.
No entanto, o percentual de mulheres vtimas
de violncia domstica que efetivamente
denuncia o agressor ainda muito baixo: cerca
de 28%
264
. Apesar de o medo ser a principal
causa, outras motivaes impedem a denncia
dos agressores A impunidade e a falta de
abrigos para as mulheres vtimas de violncia
domstica um grave problema, pois cerca de
70% das mulheres que recorrem polcia tm de
retornar a seus lares e encontrar o agressor aps
a queixa
265
.
A violncia contra a mulher e, mais
especifcamente, a violncia domstica contra a
mulher, oferecem vrios riscos e consequncias
para a vtima e para as testemunhas desse tipo
de violncia. As consequncias para a vtima
podem ser dos seguintes tipos
266
:
Fsicas: leses leves ou graves, cicatrizes,
mutilaes, doenas crnicas e morte.
Psquicas e psicolgicas: estresse ps-
traumtico, apatia, depresso, ansiedade,
distrbios sexuais, distrbios do sono, pnico,
neuroses e psicoses especfcas, padro confitivo
de relacionamento conjugal.
Sociais: Abuso do lcool e de outras drogas,
excluso social, isolamento, despreparo dos
profssionais das instituies pblicas e privadas
para receber e encaminhar as vtimas etc.
Culturais: naturalizao da violncia,
preconceito, expectativas estereotipadas
sobre papis de gnero, idealizao da vida
familiar, aprovao da violncia, reproduo
de comportamentos violentos aprendidos
e sancionados culturalmente, veiculao de
imagem degradante das vtimas.
Incapacidade para o trabalho: faltas, atrasos,
baixa produtividade e aposentadoria precoce.
Essas violncias so vivncias construdas
com um impacto profundo na formao dos
valores das pessoas. Quando as testemunhas
da violncia domstica so os flhos, as
consequncias podem abranger diversos
problemas psicolgicos e comportamentais,
como ansiedade, depresso, desobedincia,
| 169
delinquncia, baixo aproveitamento escolar,
abandono de casa para viver nas ruas ou, ainda,
a reproduo de comportamentos violentos. A
violncia testemunhada pela criana, alm do
sofrimento associado, aumenta ainda a chance
de reproduo do comportamento violento na
vida adulta
267
.
A questo de gnero um fator importante
na diferenciao da forma que so vivenciadas
as experincias traumticas. As mulheres so
mais suscetveis de desenvolver Desordem de
Estresse Ps-Trauma (DEPT) do que os homens.
As mulheres desenvolveriam depresso e
ansiedade, enquanto os homens reagiriam com
irritabilidade e impulsividade e recorreriam,
com maior frequncia, a substncias txicas. E os
fatores socioculturais que diferenciam os papis
dos homens e das mulheres na estrutura social
constituem um fator importante na explicao
das diferentes formas de reao
268
.
Ainda no contexto da violncia que ocorre
nos lares, alm da violncia contra as mulheres,
importante examinar tambm a incidncia
de violncia contra crianas e adolescentes.
Segundo dados disponveis no Sistema de
Informao para a Infncia e Adolescncia
(Sipia)
269
, desde 1999, foram registrados 1.003.833
fatos de violncia de direitos de crianas e
adolescentes. E os pais so apontados como
principais agentes de violao.
A violncia domstica contra crianas e ado-
lescentes pode ser classifcada em distintas for-
mas: violncia fsica, violncia sexual, violncia
psicolgica, negligncia e violncia fatal. Dentre
essas, a negligncia aparece como a forma de
violncia mais notifcada, o que aponta para o
fato da possvel existncia de uma cultura ca-
mufada do abandono infantil no pas
270
.
A violncia fsica aparece fortemente
associada aos castigos corporais infigidos s
crianas, que podem variar de uma palmada
a espancamentos e homicdios. Essa aparece
muitas vezes associada com a violncia
psicolgica, que pode deixar profundas marcas
no desenvolvimento emocional das crianas
271
.
As consequncias da violncia sofrida dentro
de casa se alastram para outras esferas das vidas
das crianas e adolescentes e trazem impactos
para a dinmica da violncia na comunidade.
Adolescentes que sofrem maus-tratos familiares
sofrem mais episdios de violncia na escola,
vivenciam mais agresses na comunidade e
transgridem mais as normas sociais, fechando
assim um crculo de violncia
272
.
Como a maioria das agresses contra mu-
lheres e crianas acontece no mbito domstico,
importante ressaltar alguns pontos da pro-
blemtica da violncia familiar. Independente da
formatao que a famlia assuma, ela pode ser
considerada uma unidade de relaes sociais, no
interior das quais os hbitos, valores e padres
de comportamento so transmitidos a seus no-
vos membros confgurando assim unidades de
socializao e de reproduo ideolgica
273
.
Tabela 11.1 Violncia domstica contra crianas e adolescentes
Modalidade de
violncia domstica
Incidncia Pesquisada
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 TOTAl
Violncia Fsica 525 1.240 2.804 2.620 4.330 6.675 5.721 6.497 6.066 36.478
Violncia Sexual 95 315 578 649 978 1.723 1.728 2.599 2.573 11.238
Violncia Psicolgica 0 53 2.105 893 1.493 3.893 2.685 2.952 3.097 17.171
Negligncia 572 456 7.148 2.512 4.205 7.713 5.798 8.687 7.799 44.890
Violncia Fatal - - - - 135 257 42 22 17 473
Total 1.192 2.064 12.635 6.674 11.141 20.261 15.974 20.757 19.552 110.250
Fonte: Ver Azevedo, G.; Guerra, V. Um cenrio em (des)construo. In Unicef. Direitos negados. A violncia contra a criana e o adolescente no Brasil. Braslia: UNICEF, 2005. p.17.
170 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
Assim, se a famlia um espao de socializa-
o e mediao entre o sujeito e os costumes,
normas e tica, quando a violncia permeia esse
espao ela passa a fazer parte desse universo de
referncia, ou seja, essa exposio pode encora-
jar o sujeito a desenvolver um estilo cognitivo vi-
olento
274
. Os valores vivenciados e reproduzidos
no contexto familiar infuenciam, dessa forma, a
manifestao de padres de relacionamento vi-
olento, que trazem impacto especialmente para
as vidas de mulheres e crianas.
VIOlNCIA NAS ESCOlAS
Quando se fala em violncia nas escolas,
geralmente se remete violncia criminalizada,
ou seja, o uso de drogas, o trfco, o consumo de
lcool dentro da escola, o porte de armas, furtos
e roubos. Mas necessrio considerar que,
alm dos diversos tipos de crimes que podem
acontecer dentro da escola, existem alguns
tipos de violncia que afetam a construo
e reproduo de valores e que so prprios
do ambiente escolar, como as relaes de
arbtrio, discriminao, excluso e falhas na
administrao dos atos de indisciplina ocorridos
nas escolas.
Dessa forma, a violncia nas escolas se
manifesta no s por meio da violncia
criminalizada. H uma srie de atos de
incivilidade ocorridos no cotidiano escolar e
que desrespeitam as regras da boa convivncia
tais como empurres, grosserias, palavras
ofensivas, desordens, piadas, injrias e outros
tipos de ataques pessoa que tambm so
extremamente prejudiciais a formao de
valores. So pequenas violncias cometidas no
apenas pelos alunos, mas tambm pelos agentes
educacionais que podem ter uma consequncia
to desestabilizadora quanto um nico ataque
grave, revelando que a violncia nas escolas
pode ser tanto uma questo de atitudes brutais
quanto da opresso diria
275
.
Segundo os professores, a violncia nas
escolas est aumentando no somente do
ponto de vista quantitativo como tambm do
qualitativo. Os tipos de violncia assinalados por
eles como estando mais presentes no dia a dia
escolar so as ameaas e agresses verbais entre
alunos e entre estes e os adultos. Os professores
em seus relatos tm destacado que a violncia,
principalmente o desrespeito, uma constante
no meio escolar. Eles indicam que a violncia nas
escolas est banalizada, provocando inclusive
que vrios atos deixem at de serem percebidos
como violentos. Embora menos frequentes, as
agresses fsicas tambm esto presentes
276
.
A ocorrncia de violncia sexual nas escolas
tambm signifcativa: entre 5% e 12% dos
alunos relatam a ocorrncia de estupro e/
ou violncia sexual no ambiente escolar
277
.
importante destacar que este percentual refere-
se aos alunos que relataram a ocorrncia, o que
sugere que o percentual de ocorrncia pode
ser ainda maior se considerarmos que alguns
alunos podem no notifcar a ocorrncia por
medo ou vergonha.
As violncias contra a propriedade mais
comuns nas escolas so pichaes, depredao
de muros, janelas e paredes, destruio de
equipamentos e dilapidao do patrimnio da
escola. A prtica de roubo e furto dentro das
escolas tambm comum e possui um agravante
quando alunos, coordenadores e diretores
diminuem a gravidade destes acontecimentos
atravs da omisso, evitando a punio. Este tipo
de reao omite o signifcado de desrespeito ao
outro e pode levar aceitao destes atos como
normais
278
.
As agresses verbais, xingamentos e
constrangimentos podem ocorrer tanto
de alunos para professores, quanto de
professores para alunos, ou entre alunos. As
consequncias mais comuns dessas agresses,
para os professores e funcionrios, so perda de
estmulo para o trabalho, sentimento de revolta,
difculdade de se concentrar nas aulas e perda da
vontade de trabalhar. Alm das consequncias
subjetivas mencionadas, esta violncia impacta
| 171
diretamente a qualidade do ensino, pois estimula
a rotatividade dos professores atrapalhando o
bom funcionamento da escola
279
. Os alunos, por
sua vez, so afetados por traumas e sentimento
de medo e insegurana, o que traz impactos
negativos sobre o desempenho escolar
280
.
frequente tambm a ocorrncia de brigas
no ambiente escolar e, grande parte dessas,
surgem de pequenos confitos rotineiros, o que
sugere a legitimao da violncia como forma
de resoluo de confitos nesse meio
281
. A relao
confituosa entre alunos e professores tem
gerado um medo constante entre professores,
que apelam para a segurana policial o que afeta
a qualidade da interao educativa e o clima
escolar. Os estudos apontam tambm para uma
crise da funo socializadora da escola. Ou seja,
esses atos violentos sinalizam as difculdades da
unidade escolar em criar possibilidades para que
tais condutas assumam a forma de um confito
capaz de ser acertado no mbito da convivncia
democrtica
282
. E o porte de armas pode agravar
essa situao, pois leva as brigas a um desfecho
mais violento
283
.
Tm recebido destaque tambm os maus
tratos ocorridos entre os alunos, conhecidos
como bullying
284
. Por ocorrerem entre iguais,
estas agresses tm maiores possibilidades de
passarem despercebidas e no serem castigadas.
Os estudos evidenciam que os agressores so
fsicamente mais fortes, reagem com maior
agressividade, so provocadores, apresentam
tendncia hiperatividade, manifestam pouca
empatia com os demais e inclusive se mostram
satisfeitos com o sofrimento que provocam.
Mantm ainda uma relao insatisfatria e
hostil com a escola, pois no gostam dela e
nem dos professores. No entanto, so populares
especialmente dentro de seu grupo
285
.
Na pesquisa sobre o Perfl de Valores dos
Brasileiros, perguntou-se s pessoas porque h
violncia nas escolas. O resultado indica um
problema de responsabilizao e culpabilizao
entre famlias e professores, que pode ser
denominado de desengajamento moral. Isto
, perante problemas como a violncia e baixa
qualidade do ensino, os professores culpam os
pais e os pais culpam os professores. No total,
as variveis que representam esse fenmeno
chegam a 53% do total, como podem ser vistas
no Grfco 11.3. Os resultados indicam que a
maior parte dos respondentes apontou como
a principal causa da violncia nas escolas a
postura da famlia.
Grfico 11.3 Violncia nas escolas (%)
Pais acham que responsabilidade da escola
Alunos no tem vontade de aprender
Comportamento violento fora da escola
Famlias no ligam para escola
Professores no se importam com os alunos
Professores acham que responsabilidade dos pais
Drogas
Desempenho dos alunos
Diferena de classe social
Preconceito racial
Gangues de alunos
Numero grande de alunos por classe
Alunos bebem lcool
Alunos armados
Outros
32
10
9
8
7
6
6
5
4
3
3
2
2
2
1
172 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
Quando essas respostas foram cruzadas com
o Perfl dos Valores dos Brasileiros, foi possvel
detectar que as atitudes das pessoas dependem
de seus valores, o que gerou vrios resultados
interessantes:
a) Quem considerou o vandalismo juvenil
a principal causa da violncia nas escolas o
grupo mais conservador da amostra;
b) Quem considerou a postura dos professo-
res como a principal causa da violncia mais
autotranscendente do que os demais e mais
aberto mudana do que quem considera ser a
principal causa o vandalismo juvenil;
c) Quem considerou serem fatores relativos
ao desempenho dos alunos a principal causa
da violncia na escola, como falta de vontade
de aprender, mais autotranscendente e mais
aberto a mudana do que quem considera ser o
vandalismo juvenil, mas mais orientado para
a autopromoo do que quem considera ser a
postura dos professores;
d) Quem considerou ser a discriminao
a causa da violncia nas escolas mais
aberto mudana do que quem acredita ser
o vandalismo juvenil e mais orientado para
a autopromoo do que quem acredita ser a
postura dos professores;
e) Quem acreditou ser a postura da famlia
mais autotranscendente do que quem considera
o vandalismo juvenil e mais autotranscendente
do que quem considera ser a discriminao.
Em resumo, pode-se apontar como o principal
resultado a postura conservadora de quem
acredita ser o vandalismo juvenil a principal
causa de violncia na escola e a importncia do
entendimento do papel da famlia a partir de
valores autotranscendentes.
comum acontecer nas escolas que as
vtimas em geral so mais frgeis fsicamente e
s vezes tem uma aparncia fsica desvalorizada
socialmente. As vitimas so, por exemplo, as
crianas acima do peso mdio, as pessoas
pertencentes s minorias tnicas ou as que
possuem alguma defcincia fsica ou mental.
Contribuio especial Miriam Abramovay- pesquisadora RITLA Rede de Informao Tecnolgica Latino-Americana
A convivncia escolar como valor
A iniciativa empreendida pelo Programa das Naes
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), no sentido de
promover e aprofundar a discusso sobre valores em to-
das as camadas da populao inclusive para as escolas
, revela no apenas uma nova maneira de trabalhar o
Relatrio de Desenvolvimento Humano, como tambm,
e principalmente, o respeito pela palavra dos diversos
segmentos da sociedade brasileira, incluindo adolescen-
tes e jovens. Assim, possibilita-se a anlise de uma plu-
ralidade de vozes e opinies de sujeitos sobre diversas
facetas dessa questo.
Com relao aos estabelecimentos de ensino,
a violncia aparece como um dos principais temas
discutidos na atualidade, tendo como um desdobramento
possvel os chamados projetos de convivncia escolar,
enfocados na mudana de valores, no respeito e na
diversidade.
Partindo-se da ideia de que as escolas no so meros
espaos neutros de transmisso de conhecimento, mas
sim lugares de reproduo, construo e ressignifcao
de valores, normas e relaes sociais, pode-se afrmar
que o conceito de convivncia escolar est atrelado
construo de uma coexistncia positiva, por meio
da qual os centros de ensino (e as relaes que ali se
entabulam) deveriam confgurar-se em locais educativos
e seguros.
Indagar sobre questes relacionadas violncia e
convivncia suscita, nos sujeitos, atitudes e reaes que
revelam a profunda centralidade do tema em suas vidas.
De fato, estas questes no so de menor importncia
para os atores envolvidos nas escolas, e nem devem s-
lo quando se trata da formulao de polticas pblicas.
O entendimento da realidade existente primordial
quando o intento aprimor-la. Nesse sentido, vale
| 173
Contribuio especial Miriam Abramovay- pesquisadora RITLA Rede de Informao Tecnolgica Latino-Americana
discorrer sobre as maneiras pelas quais se apresentam as relaes de violncias no ambiente escolar.
A escola pode ser locus de produo e reproduo de violncias nas suas mais variadas formas, na medida
em que sua estrutura e seu modo de organizao acabam por impossibilitar que ela cumpra o seu papel, qual
seja, formar, de maneira positiva, crianas, adolescentes e jovens. De uma maneira geral, podem-se classifcar os
diversos tipos de violncia que acontecem no ambiente escolar em violncias duras, microviolncias e violncias
simblicas.
A categoria violncia dura bastante funcional e proveitosa ao informar sobre o tipo de relao em jogo: so
aquelas interaes facilmente reconhecidas como violentas, seja pelos envolvidos ou por observadores, inclusive
por estarem tipifcadas no cdigo penal. Alguns exemplos so as agresses fsicas, os furtos, as ameaas, o comrcio
e trfco de drogas e o porte de armas.
As microviolncias, por sua vez, so aqueles atos no corriqueiramente nomeados como violncia, que nor-
malmente no contradizem a lei, apesar de ferirem as regras da boa convivncia. Usualmente, este tipo de violn-
cia no aparece como um problema de polcia. Ou seja, ao contrrio do crime, que exige interveno estatal, as
microviolncias cotidianas tendem a passar despercebidas aos olhos institucionais. s vezes, estes atos no so
sequer considerados hegemonicamente violncias, o que impede que providncias de combate e preveno sejam
tomadas em relao a eles. Assim, so consideradas microviolncias ou incivilidades as pequenas desordens, to-
madas inicialmente como pouco graves: agresses verbais, pequenas ameaas, ofensas, algazarras, barulhos, etc.
Chama-se violncia simblica, de acordo com Pierre Bourdieu, quele tipo de violncia que nega ao sujeito
violentado possibilidade de resposta. Em outras palavras, a violncia simblica se exerce por meio do discurso que
oprime, destri ou recusa ao outro sua existncia. A se inserem as discriminaes que tomam parte no contexto
escolar. Nesse sentido, notvel o poder da discriminao sofrida de infuncia na conformao das identidades
individuais, especialmente quando se trata de alunos, em sua grande maioria crianas, adolescentes e jovens.
O preconceito e a discriminao esto intimamente ligados difculdade de se lidar com o tido como
diferente da norma construda socialmente. Nesse sentido, vale observar que a norma, na sociedade brasileira
contempornea, tende a ser personifcada pelo masculino, as classes privilegiadas economicamente, os brancos,
heterossexuais e catlicos. imperioso apontar tambm que as discriminaes, muitas vezes, no aparecem de
maneira isolada, podendo se entrelaar, coexistir e infuenciar-se mutuamente, dentro do emaranhado de relaes
e dinmicas sociais. A discriminao religiosa, por exemplo, pode se vincular ao preconceito pela pobreza e ao
preconceito racial (especialmente no tocante s religies afro-brasileiras), enquanto a homofobia (tratamento
discriminatrio sofrido por indivduos de ambos os sexos tidos como homossexuais) pode relacionar-se com
questes de fliao religiosa.
Alguns dos tipos mais recorrentes de preconceito no mbito escolar. Entre eles esto a homofobia, a
discriminao por raa/cor, as discriminaes relacionadas s desigualdades econmicas, a discriminao
pelas roupas usadas, a discriminao religiosa, a discriminao relacionada s pessoas com defcincia fsica
e a discriminao pela esttica. Aparece, pois, como imperiosa a conformao da diversidade como valor a ser
atingido na construo da convivncia escolar.
174 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
Em geral, aparentam insegurana e apresentam
uma atitude submissa. Suas reaes so poucas
assertivas com tendncia a reagir chorando
e com o abandono da situao. Tambm, em
geral, apresentam uma baixa autoestima, baixa
autoconfana e uma autoimagem negativa.
Tm poucas relaes com seus companheiros,
so isoladas, pouco respeitadas e impopulares
286
.
Essas agresses e incivilidades entre alunos
so cometidas principalmente nos intervalos
entre as aulas, nos ptios, no recreio e nos
corredores. Na sala de aula sua incidncia
menor embora esteja presente de uma forma
mascarada, isto , disfarada como uma
brincadeira. Isto sugere uma relao entre o
aumento de maus tratos e agresses a uma
maior possibilidade de impunidade, pela no
presena de professores
287
. E essas agresses
ocorrem principalmente pela intolerncia ao
diferente, o que refora a importncia dos
valores para a anlise das causas da violncia no
ambiente escolar.
As violncias e incivilidades que perpassam
as relaes sociais construdas na escola
muitas vezes passam despercebidas pela
sociedade, mas so, muitas vezes, responsveis
pelo desencadeamento de outros processos
de violncia graves dentro ou mesmo fora
das escolas. O desrespeito aos direitos dos
alunos, dos professores e dos funcionrios e
o descumprimento das obrigaes da escola
pode reforar um padro de desrespeito mtuo,
pois se os alunos veem que seus direitos e de
outros so constantemente desrespeitados, eles
no tero motivos para respeitar os direitos de
outras pessoas fora da escola. A violncia que
ocorre nas escolas, assim, no apenas o refexo
das violncias presentes na sociedade como
um todo, mas tambm produtora de novos
processos violentos. Ou seja, a escola no apenas
refete a violncia que acontece fora dela, mas
tambm contribui para produzi-la
288
.
Pesquisas tm apontado ainda para a
importncia do contexto familiar na produo
da violncia no mbito escolar
289
. Ao abordarem
o contexto familiar, os estudos destacam uma
relao entre violncia infantil e juvenil e
problemas nas relaes familiares sejam estas
entre o prprio casal ou entre os pais e seus
flhos. As investigaes evidenciam uma relao
entre conduta violenta e ruptura da estrutura
familiar, existncia de relacionamentos
familiares confitivos, pouca habilidade dos pais
em lidar com as crianas e a permissividade
deles.
Os estilos parentais de imposio de
disciplina marcados por prticas disciplinares
autoritrias, inconsistentes e punitivas e
permissivas contribuem para que as crianas
sejam excludas por seus iguais e para a
ocorrncia de comportamentos violentos
290
. O
comportamento agressivo que se manifesta
no interior das famlias pautadas por este
tipo de comportamento se generaliza. Os
comportamentos violentos que at ento
apareciam apenas no contexto privado da
famlia surgem ento tambm no meio escolar,
tanto na sala de aula quanto na relao com os
amigos, e depois nas ruas.
Os estudos que analisam as caractersticas
dos familiares dos agressores tm apontado
para trs fatores relacionados com as normas
de socializao paterna. Em primeiro lugar,
uma atitude bsica do principal responsvel,
em geral a me, negativa em relao ao flho,
com pouca demonstrao de afeto. Soma-se a
isso uma permissividade para comportamentos
agressivos em casa e, mesmo em alguns casos,
o incentivo dos pais para que os flhos exeram
violncia. E, por fm, predomina o uso de mtodos
disciplinares agressivos com castigos fsicos e
emocionais muito violentos
291
.
A socializao dos alunos em um ambiente
de desrespeito, de indisciplina, de resoluo
de confitos atravs de atitudes violentas pode
resultar na banalizao da violncia. Em outras
palavras, os alunos aprendem que determinadas
atitudes violentas podem ser utilizadas para
| 175
resolver confitos e podem deixar de perceber
essas atitudes como atos de violncia e passam
a reproduzi-las dentro e fora da escola. Nesse
sentido, a escola deixa de ser um ambiente
seguro de integrao social e socializao para
se tornar um ambiente hostil de reproduo de
relaes permeadas de abusos, transgresses e
outras violncias
292
.
A relao entre alunos e professores e ensino
e aprendizagem muito importante para a
resoluo de confitos e para a construo e
vivncia de valores. Nesse sentido, esta deve ser
pautada pela disciplina e respeito, de modo a
construir um ambiente que ao mesmo tempo
apresente limites e espaos de participao e
expresso
293
, tornando o ambiente escolar um
espao de construo e transmisso de valores
voltados convivncia pacfca e ao respeito
mtuo.
vAlorES E violNCiA
vS violNCiA E vAlorES:
umA rElAo DE mo DuPlA
A anlise dos resultados da campanha
Brasil Ponto a Ponto indicou uma possvel
relao entre os valores que vivemos e a
manifestao da violncia interpessoal nas
relaes sociais. As pessoas que participaram
da campanha destacaram uma preocupao
com a infuncia das nossas crenas e princpios
nos comportamentos adotados pelas pessoas
no cotidiano. E apontaram o crescimento
da violncia interpessoal notadamente
no desrespeito ao outro, nas incivilidades
demonstradas nas relaes sociais e na adoo
de comportamentos agressivos em contextos de
confito como possuindo alguma relao com
os valores que vivenciamos.
A partir dessa anlise, emergem uma srie
de questes: Qual a relao entre valores e
violncia? Como as crenas e princpios que
orientam a vida das pessoas podem infuenciar
na adoo de comportamentos violentos? Ser
que o contato com a violncia poderia ter efeitos
nos valores aplicados pelas pessoas em suas
vidas?
As crenas e valores de uma sociedade
podem afetar seus nveis de violncia, assim
como os nveis de violncia podem afetar as
crenas e valores presentes em uma sociedade.
Essa constatao indica a existncia de uma
relao de dupla direo entre valores de vida
e violncia. Mas, como poderamos ilustrar essa
relao? Vejamos alguns exemplos.
cOMO OS VALORES PODEM AFETAR A VIOLncIA?
Como exemplo da relao entre valores e vio-
lncia, temos que as crenas e valores com rela-
o utilidade da arma de fogo como meio de
proteo contra a criminalidade bem como ao
direito de port-la podem afetar os nveis de
homicdio da sociedade. Assim, quanto maior a
legitimidade das armas numa sociedade, maior
a aquisio e circulao de armas de fogo e, con-
sequentemente, maiores os ndices de suicdios,
homicdios e acidentes com armas de fogo
294
.
Outro exemplo so as crenas e valores com
relao a como solucionar casos de traio ex-
traconjugal. Em muitos lugares ainda se acred-
ita e se aceita que a traio da mulher deve ser
punida com a morte da parceira e durante mui-
tos anos esta foi uma prtica comum no Brasil.
Muitos assassinatos ainda so cometidos diari-
amente no pas em funo das crenas e valores
da populao com relao s ofensas contra
a honra e como resolv-las: duvidar da mascu-
linidade, ofender a dignidade e outras ofensas
verbais resultam em confitos entre as partes e
freqentemente terminam em homicdios, prin-
cipalmente sob efeito do lcool
295
.
Estas ofensas moralidade da comunidade
e a desconfana na efcincia da justia so
a causa tambm de muitos linchamentos
e infuenciam a demanda popular sobre
como lidar com pessoas que cometeram
determinados tipos de crimes, principalmente
176 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
quando estes envolvem o estupro e morte de
crianas. Nesses casos, comum, por exemplo, a
demanda pelo linchamento do agressor. Ainda
ocorrem tambm no Brasil episdios de tortura
de presos por parte dos rgos policiais e este
comportamento social, apoiado por parcela da
sociedade, est intimamente atrelado s crenas
e valores com relao aos limites do uso da fora
contra criminosos por parte da polcia. Tambm
a prtica comum de bater em crianas que no
se comportam como uma forma de disciplina
est ligada s nossas crenas e valores sobre
como tratar flhos desobedientes e os limites
dos castigos fsicos
296
.
A maior exposio violncia afeta ainda
a imagem da polcia
297
. E as crenas e valores
associados polcia numa sociedade acabam
por afetar os nveis de criminalidade. Assim, por
exemplo, o medo de se envolver em investigaes
criminais ou a desconfana com relao
polcia diminui a participao da comunidade
nas atividades promovidas pela polcia, bem
como o fuxo das informaes sobre crimes e
criminosos. Essa tendncia difculta a obteno
de informaes e prejudica o planejamento da
atuao policial e das polticas de Segurana
Pblica, podendo ter impactos na efetividade
da preveno e controle da criminalidade. Esta
mesma descrena nas instituies diminui a
notifcao de crimes, com impactos negativos
sobre a preveno e a investigao. Como a
informao a matria prima do trabalho
policial, numa comunidade onde a polcia
goza da confana e prestgio, aumentam as
chances da polcia desenvolver um trabalho
mais efciente e essa atuao ter impactos na
diminuio da criminalidade
298
.
Nesse sentido, talvez no seja por acaso que
as polcias brasileiras detenham, a exemplo do
que ocorre na maior parte dos pases latino-
americanos, nveis consideravelmente negativos
de percepo popular se comparados, por
exemplo, com as polcias europeias e norte-
americanas, o que ajudaria a explicar os baixos
nveis de notifcao de crimes e a pouca
colaborao da populao com as instituies
de justia e com as polcias
299
. Por outro lado, a
perda de legitimidade das instituies policiais,
evidenciada pelos valores negativos a elas
aferidos pela populao, podem atuar tambm
no sentido de infuenciar os processos de
transformao no perfl destas instituies e em
suas estratgias de atuao
300
.
Com relao a este ltimo ponto, pode-se
destacar, por exemplo, o papel que a adoo
de modelos de polcia comunitria em alguns
estados brasileiros agregou em termos de
percepo populacional sobre as polcias
301
.
Pesquisas demonstram que a confana
depositada na polcia proporcional ao grau de
simpatia que ela possui perante a populao
302
.
O policiamento comunitrio, mais prximo da
populao considerado menos violento e menos
corrupto e possui mais apoio da populao.
Os prprios policiais tambm consideram o
policiamento comunitrio mais educado e
prestativo do que o tradicional. No entanto,
quando o quesito avaliado a efcincia, h uma
avaliao predominantemente negativa dessa
forma de policiamento, quando comparada
forma tradicional de atuao policial
303
.
Em outras palavras, simpatia e educao
parecem no ser percebidas como associadas
efcincia da polcia, tanto na percepo
popular como policial. Nessa situao, pode-se
perceber claramente a infuncia dos valores
na construo da imagem das instituies
percebida socialmente.
Os valores so importantes ainda na anlise
do comportamento dos jovens e das motivaes
que aumentam a sua vulnerabilidade ao
envolvimento em situaes de violncia e
gangues. Pesquisas indicam que o envolvimento
de jovens em gangues est fortemente
relacionado busca por reconhecimento social
e poder
304
. As gangues representam um espao
alternativo para os jovens, constituindo-se em
uma esfera de relaes em que eles so levados
| 177
em conta, respeitados e protegidos. Para esses
jovens, pertencer a uma gangue mais do que
passar o tempo, a busca de um lugar, de uma
posio, a procura de uma identidade social.
A gangue apresenta-se, portanto, como uma
forma de socializao de jovens que se sentem
socialmente excludos e que buscam formas
alternativas de incluso
305
. E, embora no seja o
objetivo da maior parte das gangues, a violncia
acaba por surgir nesse contexto determinando
formas de relacionamento entre esses jovens.
O desrespeito s leis e s normas de
convivncia em sociedade tambm originam
confitos e manifestaes de violncia. Existem
diversas hipteses para explicar porque as
pessoas obedecem s leis numa sociedade
e porque esta obedincia varia de local para
local e tambm de acordo com os grupos
sociais. O medo de serem pegas e punidas
uma explicao importante, assim como a
presso da opinio e reprovao pelos pares,
amigos e famlia principalmente. A tradio e
o hbito tambm ajudam a entender em parte
esta obedincia, assim como a percepo da
populao quanto legitimidade do processo
legislativo e das normas vigentes.
Estudos indicam ainda que a congruncia
entre as regras formais (leis) e as regras
informais (moral e cultura) que regulam os
comportamentos em sociedade fundamental
para garantir o cumprimento das regras de
convivncia pactuadas, sejam essas escritas ou
costumeiras
306
. Dessa forma, os valores tambm
infuenciam a percepo quanto legislao
vigente e quanto s regras informais pactuadas
e, por consequncia, afetam os comportamentos
rumo obedincia ou desobedincia.
cOMO A VIOLncIA PODE AFETAR OS VALORES?
Por sua vez, nveis elevados de criminalidade
e violncia numa comunidade tambm afetam
direta ou indiretamente as crenas e valores das
pessoas. O grande crescimento da criminalidade
em todo o pas a partir dos anos 80 pode
infuenciar o apoio da populao a medidas
repressivas e punitivas, a percepo sobre o
criminoso e como ele deve ser tratado, bem
como sobre a polcia e sua forma de atuao
307
.
Outro efeito da exposio violncia que
esta afeta o desenvolvimento moral de crianas
e jovens, pois infuencia as crenas, os valores e
as expectativas em relao ao comportamento
dos outros. Pesquisas indicam que criana
expostas a frequentes punies corporais e
outros episdios violentos em casa tendem
a desenvolver aes agressivas, j que estas
imitam o comportamento dos pais
308
. Assim,
uma grande exposio a atos de violncia,
principalmente nos crculos sociais mais
prximos, como na famlia e na escola, pode
encorajar a criana a desenvolver um estilo
cognitivo violento
309
.
Assim, consequncias psicolgicas e
fsiolgicas adversas esto associadas no s ao
fato das pessoas serem vtimas de violncia, mas
aparecem tambm em situaes nas quais estas
testemunham atos violentos
310
. As crianas so
especialmente sensveis a esses contextos
311
. E a
famlia, considerada a maior fonte de proteo
contra os efeitos malfcos dessa exposio,
pode ser ela mesma fonte de agravamento
do problema, quando a violncia ocorre no
contexto domstico. Nesse sentido, a presena
de violncia dentro da famlia agrava os efeitos
da violncia sofrida ou presenciada nas ruas ou
na escola
312
.
As crianas so mais vulnerveis violncia
vivenciada dentro de casa do quela vivida
no bairro, pois o padro de relacionamento
violento no contexto da famlia infuencia
os padres de relacionamento que sero
desenvolvidos por essa criana no futuro. Dessa
forma, o relacionamento entre pais e flhos
extremamente importante, pois este pode tanto
impedir como encorajar o desenvolvimento
de padres violentos pelas crianas e jovens.
Nesse sentido, pais que possuem um forte
vnculo com seus flhos e estabelecem uma
178 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
relao de respeito mtuo tendem a ter menos
problemas com padres de delinquncia juvenil
em seus flhos, j que estes sentem um forte
compromisso em relao a seus pais e evitam
decepcion-los
313
.
A exposio violncia ocasiona tambm
efeitos importantes sobre os jovens.
Considerando que a faixa etria de 18 a 24 anos
apontada freqentemente como o grupo no
qual se concentram a maior parte tanto das
vtimas de violncia como dos agressores
314
,
especialmente relevante examinar o impacto
da violncia sobre as crenas e percepes
da populao jovem. Essa exposio provoca
sintomas fsicos em jovens como distrbios
do sono, ansiedade, depresso, que podem
afetar o desempenho acadmico. A exposio
violncia tambm pode provocar frustrao
e preocupao com o bem estar pessoal e da
famlia e pode ocasionar at mesmo fobias. Essas
consequncias fsicas e mentais podem gerar
processos de dessensibilizao e de ampliao
dos comportamentos de risco, de fuga ou de
adaptao situao
315
.
Esse processo de dessensibilizao corres-
ponde a uma dinmica de normalizao da
violncia, ou seja, os jovens passam a no se-
rem mais sensveis ao sofrimento das vtimas
e acreditarem que se algo aconteceu de ruim a
uma pessoa porque esta mereceu este tipo de
acontecimento. Em outras palavras, a exposio
violncia afeta o desenvolvimento moral dos
jovens ao implicar em um processo de desliga-
mento do outro e do seu sofrimento. A norma-
lizao da violncia diminui ainda a interdio
quanto prtica da violncia, alm de afetar a
capacidade de confana no outro, reduzindo
as possibilidades de estabelecimento de vncu-
Figura 11.2 O Ciclo da Violncia
Desengaja-
mento moral
e negao de
riscos
Confana
reduzida
Dessensi-
bilizao
Normalizao
da violncia
Sintomas
psicolgicos;
frustrao,
preocupao
Sintomas
fsicos; sono,
depresso, etc.
VIOlNCIA
FAMIlIAR
| 179
los interpessoais. Outro efeito desse processo
a maior propenso adoo de comportamen-
tos de risco pelos jovens como o consumo de
drogas e lcool, uso de armas, ou envolvimento
em disputas fsicas , por sentirem que no tem
mais nada a perder, o que pode aumentar seu
envolvimento em outras situaes de violncia
316
.
Em suma, esse processo tem efeitos no de-
senvolvimento de uma forma de relacionamen-
to violenta por parte dos jovens um estilo cog-
nitivo violento aumentando a agressividade e
a legitimando, o que aumentaria a vulnerabi-
lidade desse grupo violncia
317
. Desse modo, a
violncia vivida estimula valores violentos, mais
distantes da autotranscendncia em direo a
formas mais brutas de autodeterminao
CoNCluSES
A violncia vivida muito maior do que
a violncia dos jornais. Ela pode ser sentida
pelas incivilidades, pelas agresses invisveis,
simblicas, psicolgicas que complementam o
universo constitudo tambm pelas violncias
das agresses fsicas. O crime no pas parte
dessa histria, assim como a violncia domstica
e em particular como a violncia contra crianas
e adolescentes. Esse captulo focou no universo
violncia familiar e nas escolas para ilustrar a
relao de mo-dupla entre violncia e valores.
Vimos aqui que as crenas e valores de uma
dada sociedade podem afetar seus nveis de
criminalidade e violncia, assim como os nveis
de criminalidade e violncia podem afetar as
crenas e valores da sociedade. Para muitos dos
problemas aqui mencionados, a anlise da rela-
o entre os valores de vida e as manifestaes
de violncia ressalta a importncia da consi-
derao da dimenso das crenas e signifcados
para a formulao e implantao de polticas
pblicas e prticas que possam melhor atender
essa problemtica. Nesse sentido, a anlise da
relao entre valores e violncia aponta que
no basta apenas a proviso da estrutura para
certas mudanas. necessrio tambm que as
cons cincias se modifquem.
180 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
nOTAS PARTE 2
1. Este ponto foi argumentado por Gordon Allport no seu livro Becoming: basic considerations for a psychology of personality. New
Haven: Yale University Press, 1955. p. 89.
2. Ver, por exemplo, as publicaes da profa. Adela Cortina, como El mundo de los valores, de 1997. Bogot: Editorial El Buho, ou tica
de la razn cordial, de 2007. Oviedo: Nobel, obras que exploram flosofcamente o conceito de valores trazendo-o para consideraes
prticas cotidianas.
3. Para uma anlise aprofundada das diferentes escolas de valores, ver: Maria Ros no artigo Psicologia social dos valores: uma
perspectiva histrica. In: Ros, M. e Gouveia, V. (orgs.). Psicologia social dos valores humanos. So Paulo: SENAC, 2006. p. 23-53. No
entanto, nem todos os autores da psicologia social concordam com essa viso de Ros. Para vises alternativas, ver Teixeira, Maria
Luisa (org.). Valores humanos e gesto: novas perspectivas. So Paulo: SENAC, 2008.
4. Esta a viso de W. Thomas e F. Znaniecki, na obra The Polish Peasant (1918-1920) apontada por muitos, como Ros (2006), como a
primeira das contribuies sociolgicas para o estudo dos valores humanos.
5. Esta perspectiva foi defendida por Talcott Parsons (1951), no livro com E. Shils, Towards a General Theory of Action. Cambridge:
Harvard University Press, e adotada tambm por C. K. M. Kluckhohn. In: Values and Value Orientations in the Theory of Action,
publicada no mesmo livro.
6. As principais referncias aqui so D. C. MacClelland (1961). The Achieving Society. Princeton: Van Nostram; S.W. Koch (1965)
Management and Motivation. Helsinque: Sweddish School of Economics e S. W. Koch (1969) Class and Conformity: a study in values.
Homewood: Dorsey Press.
7. Ver Kock (1969), citado anteriormente.
8. No seu livro Motivation and Personality. Nova York: Harper and Row, A. H. Maslow (1954) deu a verso mais acabada da sua teoria
da motivao que trata da relao entre valores e sua hierarquia das necessidades.
9. A teoria de Milton Rokeach no livro The Nature of Human Values. Nova York: The Free Press de 1973 uma referncia na confgurao
de todas as teorias contemporneas de valores e ser descrita em mais detalhes no decorrer desse caderno.
10. A principal referncia aqui so as teorias do Prof. Ronald Inglehart. Para maiores informaes sobre suas publicaes, ver sua
pgina na Universidade de Michigan: http://polisci.lsa.umich.edu/faculty/ringlehart.html.
11. Ver, por exemplo, a exposio de S. H. Schwartz, Are There Universal Aspects in the Structure and Contents of Human Values? no
Journal of Social Issues,1994, n. 50, p. 19-45.
12. Tomamos como base a classifcao proposta por Rivera, Jorge Ramon DAcosta e De Domenico, Silva Mrcia Russi em Valores
humanos: um olhar a partir de categorias de anlise. Texto de apoio ao RDH Brasileiro, disponvel no www.mostreseuvalor.org.br.
13. Referncias importantes nessa rea incluem, Tamayo, A. & Gondim, M. Escala de valores organizacionais, Revista de Administrao.
USP, 1996, 31(2): 62-72 e Tamayo, A., Mendes, A. & Paz, M. Inventrio de Valores Organizacionais. Estudos de Psicologia, Natal, 2002,
5(2): 289-315, entre outros.
14. Essa discusso est fundamentada principalmente em Rokeach, Milton. The Nature of Human Values. Nova York: The Free Press/
Macmillan, 1973.
15. Esses argumentos foram originalmente trabalhados por Kluckhohn, C. K. M. Values and value orientation in the theory of action.
In: Parsons, T & Shilds, E. (orgs.). Toward a General Theory of Action. Cambridge: Harvard University Press, 1951. p. 388-433.
16. Autores como Kluckhohn (1951), obra citada acima, consideram a existncia de valores positivos e negativos, que tambm so
considerados por Schwartz ao tratar da possibilidade de resposta oposta aos meus valores na validao de sua teoria.
17. Para uma anlise completa desse problema, ver Ros, Maria Valores, Atitudes e Comportamento: uma nova visita a um tema
clssico. In: Ros, Maria e Gouveia, Valdiney. A psicologia social dos valores humanos. So Paulo: Senac, 2006.
18. Para mais detalhes, ver Rokeach (1973, obra citada, p. 17-18).
19. Esses argumentos so elaborados por Xus Martn Garcia e Josep Puig Rovira no livro Las siete competencias bsicas para educar
en valores. Barcelona: Gra, 2008.
20. Esta tem sido a abordagem dominante na psicologia social, liderada pelo Prof. Shalom Schwartz em seus diversos artigos. Por
exemplo, ver Schwartz, S. Are there universal aspects in the structure and contents of human values? Journal of Social Issues, 1994,
50, p. 19-45 ou Schwartz, S. A Theory of Cultural Values and some Implications for Work. Applied Psychology: an international review,
1999, 48, p. 23-47.
21. Schwartz, S. H aspectos universais na estrutura e no contedo dos valores humanos?. In: Ros, M. e Gouveia, V. (orgs.). Psicologia
social dos valores humanos. So Paulo: Senac, 2006.
22. Para ver a relao entre aspectos universalistas (como justia social) e desenvolvimento humano, ver Sen, Amartya. The Idea of
Justice. Londres: Allen Lane/Penguin, 2009.
23. Esses aspectos so mais bem trabalhados pelo caderno de polticas desse Relatrio de Desenvolvimento Humano
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24. Estritamente falando, todos os valores so pblicos, assim como a linguagem (antropologicamente, todo o valor compartilhado).
A construo dos valores sempre uma ao pblica, porque nenhum indivduo vive no vcuo. Mas os valores podem esconder tipos
motivacionais diferentes. Nesse sentido, algumas motivaes centradas no autointeresse so distintas de motivaes benevolentes,
nas quais o cuidado com o outro maior. esse carter de bem comum, distinto, mas de forma nenhuma oposto, do bem privado,
que a noo de valores pblico carrega.
25. Ver Garcia e Rovira (2008), obra citada.
26. Ver Gomide, P. Estilos parentais e comportamento antissocial. In: Del Prette, Z. Del Prette (orgs.). Habilidades sociais e
aprendizagem. Campinas: Alnea, 2003.
27. Em 2007, aps nove anos, o Datafolha realizou a segunda pesquisa de opinio sobre os valores e comportamentos familiares
dos brasileiros. Foram ouvidas 2.095 pessoas de 211 municpios do Brasil nos dois primeiros dias do ms de agosto. Em contraste
com a primeira pesquisa de 1998, em 2007 a famlia liderou sobre outras realizaes, considerada como muito importante para os
brasileiros (69%), acima dos estudos (65%), trabalho (58%), religio (45%), lazer (32%), casamento (31%) e dinheiro (30%). Tambm
foi considerado muito importante ter um relacionamento prximo com os pais (78%), irmos (67%), avs (57%) e tios (42%). As
perguntas questionavam o grau de importncia, considerando-se a seguinte escala: muito importante, importante, mais ou menos
importante, um pouco importante e nada importante (DATAFOLHA. Famlia fca ainda mais importante para os brasileiros, 2007.
Disponvel em: http://datafolha.folha.uol.com.br/po/ver_po.php?session=795. Acesso em 2 de dezembro de 2009).
28. Ver Robinovich, E. e Moreira, L. Signifcados de famlia para crianas paulistas. Psicologia em Estudo, Maring, 2008, v. 13, n. 3, p.
447-455, jul./set.
29. Ver por exemplo Cerveney, C. M., e Berthoud, C. Famlia e ciclo vital: nossa realidade em pesquisa. So Paulo: Casa do Psiclogo,
1997. Outros trabalhos sobre famlia apresentados nos diversos seminrios organizados pelo PNUD para a elaborao deste relatrio
durante 2009, que reuniu pesquisadores de distintas reas, regies e universidades de todo o pas, destacaram a famlia como
unidade social bsica, importante na construo e transmisso de valores essncias para a vida e a convivncia, como a dignidade
da pessoa, a confana, o bom uso da liberdade, a solidariedade, a obedincia, o respeito autoridade, a honestidade, entre muitos
outros, e que, por isso, a famlia torna-se uma infuncia importante na adoo de determinadas atitudes, comportamentos e
escolhas do sujeito. Ver Alves, Maria de Ftima. Transformaes religiosas e culturais no contexto brasileiro: refetindo a partir de
um cenrio pentecostal de Recife/PE. Mimeo. Texto de Apoio ao Relatrio de Desenvolvimento Humano Brasileiro, PNUD, 2009; Dias,
Juliana. O lugar da favela: refexes a partir do olhar da criana. Mimeo. Texto de Apoio ao Relatrio de Desenvolvimento Humano
Brasileiro, PNUD, 2009; Diaz, Luciana., Brunoni, Guilherme., Da Silva, Julieta e Yazigi, Latife. Violncia e transtornos da personalidade:
a morte da alma. Mimeo. Texto de Apoio ao Relatrio de Desenvolvimento Humano Brasileiro, PNUD, 2009; Vargas, Marlizete.
Valores familiares e concepes de causas e consequncias da violncia em famlias de Aracaju. Mimeo. Texto de Apoio ao Relatrio
de Desenvolvimento Humano Brasileiro, PNUD, 2009; Polichuk, Naja; Junior, Constantino; Barros, Solange. Violncia domstica: a
difculdade de romper com valores socialmente construdos pensando sobre o cotidiano. Mimeo. Texto de Apoio ao Relatrio de
Desenvolvimento Humano Brasileiro, PNUD, 2009; De Moraes, Rodrigo Valores: o seu surgimento nos ciclos dos extremos e do
equilbrio/harmonia e o seu desenvolvimento atravs da metodologia de Planejamento e de Gesto Sistmicos. Mimeo. Texto de
Apoio ao Relatrio de Desenvolvimento Humano Brasileiro, PNUD, 2009; Scolari, Lane. A. Comunidade em Rede. Mimeo. Texto de
Apoio ao Relatrio de Desenvolvimento Humano Brasileiro, PNUD, 2009; Uchoa- Fernandes, Raquel; Regino, Fabiane; De Oliveira,
Juliana; e Silva, Diene. Valores da vida e desenvolvimento humano: o espao domstico e os valores da sociedade brasileira. Mimeo.
Texto de Apoio ao Relatrio de Desenvolvimento Humano Brasileiro, PNUD, 2009.
30. Ver Brasil, Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome, Secretaria Nacional de Assistncia Social. Norma Operacional
Bsica NOB / Sistema nico de Assistncia Social SUAS, 2005. Disponvel em: http://www.servicosocial.ufsc.br/ferramentas/
ferramentas/upload/arquivos/d/nov_versao_fnal.pdf.
31. Ver Goldani, A. M. As famlias no Brasil contemporneo e o mito da desestruturao. Cadernos Pagu, 1993, 1. p. 67-110 e Wagner,
A., Levankowski, D. Sentir-se bem em famlia: um desafo frente diversidade. Revista Textos e Contextos Porto Alegre, 2008, v. 7, n.
1, p. 88-97.
32. As funes biolgica, psicolgica e social da famlia so tratadas por OSRIO, Luiz Carlos. Famlia Hoje. Porto Alegre: Artes Mdicas,
1996.
33. Ver Roudinesco, lisabeth. La familia en desorden. Fondo de Cultura Econmica: Mxico, 2006.
34. Por exemplo, as mudanas nas relaes de gnero levaram insero da mulher no mercado de trabalho e permitiram mudar a
percepo do seu papel social e do homem, uma vez que a fgura de provedor da famlia deixa de ser exclusiva dele, sendo tambm
assumida pela mulher. Ao mesmo tempo, houve mudanas enquanto s responsabilidades domsticas, cuidado dos flhos e direo
da casa, sendo compartilhadas entre o casal (ver Cerveney, C. e Berthoud, C. Famlia e ciclo vital: nossa realidade em pesquisa. So
Paulo: Casa do Psiclogo, 1997.). As revolues sexuais e contraceptivas tambm constituem fatores de mudana na estrutura
familiar ao permitir dissociar a sexualidade da reproduo e do casamento, o que tem infudo na reduo da taxa de fecundidade,
no inicio da vida sexual mais cedo, na gravidez na adolescncia, casamentos mais tardios e no aumento de casais sem flhos.
35. Ver Fres-Carneiro, T., Ponciano, E. e Magalhes, A. Famlia e casal: da tradio modernidade. In: Cerveney, Ceneide Maria.
Famlia em movimento. So Paulo: Casa do Psiclogo, 2007.
36. Ver Cerveney e Berthoud (1997), obra citada.
37. A viso adotada pelo relatrio considera que os valores so uma construo sociopsquica e no simplesmente por infuncia de
predisposies genticas. Isso no signifca que se desconsiderem certos determinantes genticos na defnio da personalidade e
inclinao por certos valores, mas o que estamos tratando que a famlia, a sociedade e a cultura em geral determinam fortemente
as condies pelas quais o sujeito vai assimilando, adotando, acomodando e escolhendo os princpios ou valores que guiam sua vida.
Segundo a teoria do desenvolvimento cognitivo de Jean Piaget, cientista reconhecido na rea da psicologia, o indivduo apresenta
algumas organizaes hereditrias necessrias para seus primeiros contatos com o meio e seu posterior desenvolvimento: do lado
cognitivo teria refexos e instintos presentes no nascimento; do lado afetivo, tambm teria orientaes instituais e as reaes afetivas
inatas. No entanto, os valores vo sendo formados e construdos na criana em um processo interligado do desenvolvimento afetivo
e cognitivo, mediado inicialmente pelas vivncias e interaes afetivas com os pais ou os cuidadores. Estas ideias so tratadas no
transcurso deste captulo.
38. Ver Grusec, J. E. Parental socialization and childrens acquisition of values. In: M. Bornstein (org. da srie). Handbook of parenting:
vol. 5. Practical issues in parenting. p. 143-168. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum, 2002.
39. Obviamente, se essas condies no estiverem presentes, a infuncia parental deixa de ser a mais relevante, o que levanta um
ponto importante a ser considerado nesse relatrio.
40. Consultar para mais informaes Roest, A. M. C., Dubas, J. S., Gerris, J. R. M. Value transmissions between parents and children:
Gender and developmental phase as transmission belts, Journal of Adolescence, 2009, v. 30, p. 1-11.
41. H evidncias de que os flhos podem infuenciar os pais com respeito utilidade da tecnologia, na adoo de comportamentos
pr-ecolgicos e na mudana de hbitos de tabagismo. Contudo, esse tipo de infuncia somente possvel em famlias onde os
flhos tm maior voz e oportunidades de opinar. Ver Pinquart, M. & Silbereisen, R. K. Transmission of values from adolescents to their
parents: the role of value content and authoritative parenting. Adolescence, 2004, 39, 83100.
42. Ver Musitu, Gonzalo. Socializacin familiar y valores en el adolescente: un anlisis intercultural. Anuario de psicologa, v. 31, n. 2,
p. 15-32, 2000.
43. Mais informaes podem ser encontradas em Darling, N., Steinberg, L. Parenting style as context: An integrative model.
Psychological Bulletin, 1993, 113, 487-496 e Schnpfug, U. Intergenerational Transmission of Values: The Role of Transmission Belts.
Journal of Cross-Cultural Psychology, 2001, v. 32, p. 174-185.
44. Ver Grusec, 2002, obra citada.
45. Ver Grusec, J. E. e Goodnow, J. J. Impact of parental discipline methods on the childs internalization of values: a reconceptualization
of current points of view. Developmental Psychology, 1994, 30, 4-19.
46. Estes argumentos so tratados com base na teoria de desenvolvimento de Jean Piaget em uma leitura feita por Andrada, Maria
W. Estudo sobre o desenvolvimento dos valores humanos da infncia adolescncia. Tese (Doutorado em Psicologia) Programa de
Ps-Graduao em Psicologia, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2006.
47. Andrade, Maria (2006), obra citada
48. Ver Hoffman, M. L. Discipline and internalization. Developmental Psychology, 1994, 30, 26-28.
49. Ver Gomes, Cassia. Prticas parentais positivas como estratgia para o aprendizado de comportamentos pr-sociais. Mimeo,
Texto de Apoio ao Relatrio de Desenvolvimento Humano
50. Ver Darling, N. e Steinberg, L. Parenting style as context: An integrative model. Psychological Bulletin, 1993, 113, 487-496.
51. Ver Darling, N. e Steinberg, L. Parenting style as context: An integrative model. Psychological Bulletin, 1993, 113, 487-496. O
diagrama 5 expande um esquema similar proposto por esse texto.
52. Ver Moraes, R.; Camino, C.; Cruz, C. et al. Socializao parental e valores: um estudo com adolescentes. Psicologia: Refexo e
Crtica, 20 (1), 167-177, 2007.
53. Ver Baumrind, D. Current patterns of parental authority. Developmental Psychology, 1971, 4, 1-101 e Maccoby, E. e Martin, J.
Socialization in the context of the family: Parent-child interaction. In: P. H. Mussen (org. da srie) & E. M. Hetherington (org. do
volume), Handbook of child Psychology: Vol. 4. Socialization, personality and social development (4th ed., p. 1-101). Nova York: John Wiley
& Sons, 1983.
54. O termo participativo foi adotado como correspondente ao termo em ingls authoritative, que tambm usado nos estudos da
pesquisadora Lidia Weber e colaboradores (Weber et al., 2004). Pesquisadores brasileiros utilizam como traduo o nome autoritativo
(Costa et al., 2000), outros nomes usados para este estilo so: democrtico-recproco (Oliveira et al., 2002) ou competente (Bee,
1996). Consideramos no entanto que o elemento mais destacado desse termo o seu carter participativo, e para evitar confuso
entre os termos autoritrio e autoritativo evitamos o uso dessa ltima expresso e de outras correlatas.
55. Ver Maccoby e Martin (1983), obra citada.
56. Ver Moraes, Camino e Cruz (2007), obra citada.
57. Ver Dornbush, S. M., Ritter, P. L., Leiderman, P. H., Roberts, D. F., Fraleigh, M. J. The relation of parenting style to adolescent school
performance. Child Development, 1987, 58, 1.244-1.257.
58. Ver Lamborn, S. D., Mounts, N. S., Steinberg, L., Dornbusch, S. M. Patterns of competence and adjustment among adolescents
from authoritative, authoritarian, indulgent, and neglectful families. Child Development, 1991, 62, 1049-1065 e Weber, L. N. D.,
Brandenburg, O. J., & Viezzer, A. P. A relao entre o estilo parental e otimismo da criana. PSICO-USF, 2003, 8, 71-79 e Weber, L. N. D.,
Prado, P. M., Viezzer R., A. P., & Branderburg, O. J. Identifcao de estilos parentais: o ponto de vista dos pais e dos flhos. Psicologia:
Refexo e Critica, 2004, v. 17, 323-332.
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59. Ver Ferreira, M. C. T. e Marturano, E. M. Ambiente familiar e os problemas do comportamento apresentados por crianas com
baixo desempenho escolar. Psicologia: Refexo e Critica [online]. 2002, vol.15, n.1, p. 35.
60. Ver Oliveira, E. A., Marin, A. H., Pires, F. B., Frizzo, G. B., Ravanello, T. e Rossato, C. Estilos parentais autoritrio e democrtico-
recproco intergeracionais, confito conjugal e comportamentos de externalizao e internalizao. Psicologia Refexo e Crtica,
2002, 15 (1), 1-11.
61. Ver Cohen, D. A. e Rice, J. Parenting styles, adolescent substance use, and academic achievement. Journal of Drug Education, 1997,
27, 199-211 e Darling, N. Parenting style and its correlates. Clearinghouse on Elementary and Early Childhood Education. ERIC/EECE
Publications, 1999. Disponvel em: http://www.athealth.com/Practitioner/ceduc/parentingstyles.html#Baumrind91. Acesso em 20
de outubro de 2009
62. Ver Weber, Prado, Viezzer e Brandenburg (2004), obra citada.
63. Muitas dessas pesquisas so realizadas e coordenadas pela Dra. Lidia Weber do Ncleo de Anlise do Comportamento da
Universidade Federal do Paran. Para saber mais consultar http://www.nac.ufpr.br/.
64. No total mais de 10 mil crianas tm participado destas pesquisas.
65. Ver Gecas,V.e Schwalbe, M. L. Parental behavior and adolescent self-esteem. Journal of Marriage and the Family, 1986, 48(1):
37-46.
66. Ver Weber et al. (2003), obra citada.
67. Ver Shucksmith, J., Hendry, L.B. e Glendinning, A. Models of parenting: implications for adolescent well-being within different
types of family contexts. Journal of adolescence, v. 18, p. 253-270. 1995,
68. Elaborada com base em Shaffer, David. Development Psychology: Childhood and Adolescence. 2th ed. Pacifc Grove: Brooks/Cole
Publishing Company, 1989.
69. As razes so mltiplas, tais como o resultado de maior informao e acesso a contraceptivos ou a consolidao de movimentos
de mulheres que proclamavam um novo papel social e liberdade com respeito s decises reprodutivas e de sexualidade. Para mais,
ver Carvalho, J. A. e Brito, F. A demografa brasileira e o declnio da fecundidade no Brasil: contribuies, equvocos e silncios. R. bras.
Est. Pop., So Paulo, v. 22, n. 2, p. 351-369, jul./dez. 2005.
70. Usamos aqui a TFT (Taxa de Fecundidade Total), que representa o nmero de flhos que, em mdia, teria uma mulher, pertencente
a uma coorte hipottica de mulheres, que durante sua vida frtil tiveram seus flhos de acordo com as taxas de fecundidade por
idade do perodo em estudo e no estiveram expostas aos riscos de mortalidade desde o nascimento at o trmino do perodo
frtil. Para mais informaes, ver IPEA Instituto de Pesquisas Econmicas Aplicadas. PNAD 2009 Primeiras anlises: tendncias
demogrfcas. Comunicados do IPEA, n. 64, Braslia: IPEA, 2010a.
71. Para o ano de 2009, as mulheres com renda mais baixa tinham 2.4 flhos a mais do que as mulheres de renda mais alta. No
mesmo ano, as mulheres com menos anos de educao tinham 1.3 flhos a mais que as mulheres com mais anos de estudo. Ver IPEA,
2010a obra citada.
72. A taxa de fecundidade de adolescentes entre 15 a 19 anos passou de 91 flhos por cada mil mulheres em 1992 para 63 flhos por
cada mil em 2009. Ver IPEA, 2010 obra citada. Percebe-se uma mudana no padro de fecundidade quanto idade, pois na dcada
de 1970 as mulheres que se tornavam mes tinham de 25 a 34 anos de idade. A partir da dcada de 1980 passou a concentrar-se nos
grupos de mulheres mais jovens, entre 20 e 24 anos. Ver IBGE Instituto Brasileiro de Geografa e Estatstica. Estatsticas do Registro
Civil, v. 35, 2008.
73. Tambm aumentou o nmero de mes adolescentes que so chefes de famlia, atingindo uma proporo de 6.2% em 2009,
segundo o IPEA, 2010a, obra citada.
74. Ver Gonalves, S. D., Parada, C. M., e Bertoncello, N. M. (2001). Percepo de mes adolescentes acerca da participao paterna na
gravidez, nascimento e criao do flho. Rer Esc Enferm USP, v. 35, n. 4, p. 406-413
75. Ver Woodward, L. J., e Fergusson, D. M. (1999). Early conduct problems and later risk of teenage pregnancy in girls. Development
and Psychopathology, v. 11, p. 127141.
76. Nesse estudo foram avaliados quatro fatores de risco do potencial abuso e maus-tratos nos flhos de mes adolescentes, sendo
estes: i) o suporte social, que inclui suporte fnanceiro e emocional; ii) ajustamento psicolgico materno, que se refere a aspectos
internalizastes como depresso, ansiedade, e comportamentos externalizantes, como delinquncia e desajustamento social; iii)
preparao materna para assumir o papel parental, que se refere crena da me sobre o desenvolvimento da criana e seu papel
parental; iv) temperamento da criana. Para mais detalhes, ver Dukewich, T. L., Borkowski, J. G., Whitman, T. L. (1996). Adolescent
mothers and child abuse potential: in an evaluation of risk factors. Child Abuse & Neglect, v. 20, n. 11, p. 1031 1047.
77. Ver American Academy of Pediatrics. Committe on Adolescence and Committe on Early Childhood, Adoption, and Dependent
Care. Care of adolescent parents and their children. Pediatrics, 2001, v. 107, n. 2, p. 429 434.
78. Para mais detalhes, ver Gonalves et al. (2001), obra citada.
79. Veja por exemplo Cerveney, Ceneide Maria de Oliveira. Famlia em movimento. Casa do Psiclogo: So Paulo, 2007 e, da mesma
autora, Gravidez na adolescncia: uma perspectiva familiar. In: Macedo Rosa Maria Stefanini de (org.): Famlia e comunidade
(Coletneas da Anpepp, n. 2, p. 35-50). Rio de Janeiro: Associao Nacional de Pesquisa e Ps-graduao em Psicologia, 1996.
184 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
80. Ver Xavier, Anita. Comportamento sexual de risco na adolescncia: aspectos familiares associados. 2005. Dissertao (Mestrado em
Psicologia) Programa de Ps Graduao em Psicologia do Desenvolvimento, Instituto de Psicologia, Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre, 2005.
81. Ver Ellis, B. J., Bates, J. E., Dodge, K. A., Fergusson, D. M., Horwood, L. J. Pettit, G. S. e Woodward, L. Does Father Absence Place
Daughters at Special Risk for Early Sexual Activity and Teenage Pregnancy? Child Development, May/June 2003, v. 74, n. 3, p. 801-821.
82. Ver Zelenko, M. A., Huffman, L. C., Brown, B. W., Daniels, K., Lock, J., Kennedy, Q., Steiner, H. The child abuse potential inventory and
pregnancy outcome in expectant adolescent mothers. Child Abuse & Neglect, 2001, v. 25, p. 1481 1495.
83. Ver Gonalves et al. (2001), obra citada.
84. Suporte social tem a ver com a qualidade e quantidade de interaes e redes sociais em varias reas funcionais, incluindo
suporte fnanceiro e emocional assim como participao social em geral. Ver Budd, K., Heilman, N. e Kane, D. Psychosocial correlates
of child abuse potential in multiply disadvantaged adolescent mothers. Child Abuse & Neglect, 2000, v. 24, n. 5, p. 611-625.
85. Ver Crockenberg, S. (1987). Predictors and correlates of anger toward and punitive controlo f toddlers by adolescent mothers.
Child Development, v. 58, p. 964 -975.
86. Considera-se populao idosa aqueles com 60 anos ou mais. Ver IPEA, 2008, obra citada.
87. Ver IPEA, 2010a, obra citada.
88. Ver IBGE, 2008, obra citada.
89. De fato, tnhamos em 2009 42.1% dos homens e 18.6% das mulheres idosas trabalhando. Os idosos na condio de chefes ou
cnjuges contribuam com 54.8% da renda familiar. Entretanto, aqueles que moravam em casa de flhos ou outros parentes, estes
contribuam com 21.3% da renda familiar (ver IPEA, 2010a obra citada).
90. A categoria de chefe de famlia no defnida por critrios econmicos. Segundo o IBGE, chefe de famlia indica a pessoa de
referncia, que responsvel pela unidade domiciliar (ou pela famlia) ou que assim fosse considerada pelos demais membros e
cnjuge (IPEA, 2008, p. 21, obra citada).
91. Ver IPEA Instituto de Pesquisas Econmicas Aplicadas. PNAD 2009 Primeiras anlises: Investigando a chefa feminina de
famlia. Comunicados do IPEA, n. 65. Braslia: IPEA, 2010b, obra citada.
92. Ver IBGE (2009). Instituto Brasileiro de Geografa e Estatstica. Estatsticas do Registro Civil, v. 36. Rio de Janeiro: IBGE.
93. Ver Weinraub, M. e Wolf, B. Effects of stress and social supports on mothers-child interactions in single and two-parent families.
Child Development, 1983, v. 54, p. 1.297-1.311.
94. Ver Brown, G. W. e Moran, P. M. Single mothers, poverty and depression. Psychological Medicine, 1997, v. 27, p. 21-33.
95. Ver Estrada, F. e Nilsson, A. Exposure to threatening and violent behavior among single mothers: the signifcance of lifestyle,
neighborhood and welfare situation. The British Journal of Criminology, 2004, v. 44, p. 168-187.
96. Os resultados do estudo mostram que as mes solteiras que so pobres e com elevada e moderada exposio violncia no
bairro onde vivem tm 1,7 e 1,8 vezes, respectivamente, de aumentar a probabilidade de praticar violncia psicolgica como seus
flhos, comparado com mulheres que no esto expostas violncia. Alm disso, estas mes tm 2,1 e 2,4 vezes mais probabilidade
de usar a violncia fsica com os flhos do que as mes que no esto expostas violncia. Para mais detalhes, ver Zhang, S. e
Anderson, S. G. Low-income single mothers community violence exposure and aggressive parenting practices. Children and Youth
Services Review, 2010, v. 32, p. 889-895.
97. Ver Hartos, J. L. e Power, T. G. Relations among single mothers awareness of their adolescents stressors, maternal monitoring,
mother-adolescent comunication, and adolescent adjustment. Journal of Adolescent Research, 2000, v. 15, n. 5, p. 546-563.
98. Este resultado tambm destacado em Avenevoli, S., Sessa, F. M., Steinberg, L. Family Structure, Parenting Practices, and
Adolescent Adjustment: An Ecological Examination. In: Hetherington, M. (org.). Coping with divorce, single parenting, and remarriage:
a risk and resiliency perspective. Mahwah, Nova Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, 1999.
99. interessante notar como o maior acesso da mulher ao mercado de trabalho no signifcou um abandono dos afazeres
domsticos. Por exemplo, em 2007, as mulheres cnjuges ocupadas dedicam em mdia 26,36 horas por semana (em comparao
com 9,63 horas para os homens) para atividades domsticas. No h evidncias que indiquem que os homens estejam se ajustando
s responsabilidades dos afazeres domsticos. Por exemplo, os homens desocupados dedicam 15.16 horas por semana aos afazeres
domsticos, enquanto as mulheres na mesma posio dedicam 37.98 horas (ou seja, h uma diferena de 22,82 horas). As mulheres
ainda com o mesmo nmero de horas de trabalho continuam sendo as que mais dedicam tempo para os cuidados do lar. Ver Ipea,
2008, obra citada. Uma interpretao desse fenmeno e das distintas transformaes da famlia pode ser encontrada em Singly, De
Franois. Sociologia da Famlia Contempornea. Editora FGV: Rio de Janeiro, 2007.
100. Ver DIEESE Departamento Intersindical de Estatstica e Estudos Socioeconmicos. A mulher chefe de domicilio e a insero
feminina no Mercado de trabalho. Boletim DIEESE edio especial, maro, 2004.
101. Os grupos mais pobres so aqueles que concentram o maior nmero de domiclios com mulheres sendo as nicas provedoras
da famlia. Para mais ver Marri, I. G. e Wajnman, S. Esposas como principais provedoras de renda familiar. R. bras. Est. Pop., So Paulo,
v. 24, n. 1, p. 19-35, jan./jun. 2007.
102. Em tese, adolescentes de pais (ou mes) solteiros tm maior probabilidade de se envolverem em atividades delinquentes do
| 185
que jovens que coabitam com ambos os pais, segundo evidncias geradas por Seltzer, J. A. Consequences of Marital Dissolution for
Children. Annual Review of Sociology, 1994, v. 20, p. 235-266.
103. importante aqui esclarecer a natureza do argumento, usando para isso uma linguagem mais tcnica. O que se est dizendo
que essas condies demogrfcas podem afetar as capacitaes (isto , as liberdades, tais como defnidas, por exemplo, por
Amartya Sen no seu livro Desenvolvimento como liberdade, 2000, Companhia das Letras) e no funcionamentos. Assim, o que se
afeta so as liberdades das pessoas e no necessariamente suas realizaes, que podem ocorrer ou no devido a uma ampla gama
de fatores motivacionais ou circunstanciais.
104. Apesar da taxa de nupcialidade ter uma tendncia decrescente desde 1974, observa-se um crescimento a partir de 2003,
passando de 5.8 casamentos por mil habitantes em 2003 a 6.5 em 2009. A maior taxa de nupcialidade foi nos grupos de mulheres
entre os 20 e 24 e nos homens entre 25 e 29 anos de idade. Ver IBGE, 2009 obra citada e IBGE, 2007, Estatsticas do Registro Civil, v. 34.
105. A taxa geral de separao obtida pela diviso do nmero de separaes concedidas pela populao e multiplicando-se o
resultado por 1.000. O mesmo procedimento adotado para o clculo da taxa geral de divrcio. So consideradas as separaes e a
populao de 20 anos ou mais de idade. Ver IBGE (2009) obra citada.
106. Ver, por exemplo, Wagner, A., Falcke, D. e Meza, E. Crenas e valores dos adolescentes acerca de famlia, casamento, separao e
projetos de vida. Psicologia: Refexo e Crtica, 1997, v. 10, n. 1, Porto Alegre. Essa pesquisa utilizou uma amostra de 60 adolescentes,
da qual 30 pertenciam a famlias originais (FO) e 30 a famlias reconstitudas (FR).
107. Ver Wagner, A.e Bandeira, D. O desenho da famlia: um estudo sobre adolescentes de famlias originais e reconstitudas. In: R. M.
Macedo (org.), Coletneas da ANPEPP: Famlia e comunidade (pp.115-126). So Paulo, Press Grafc. 1996 e Wagner, A.e Levandowski, D.
Sentir-se bem em famlia: um desafo frente diversidade. Revista Textos e Contextos Porto Alegre, v. 7, n. 1, p. 88-97, 2008.
108. De acordo com o IBGE, 2009, obra citada, foram 90.834 flhos menores de idade.
109. Ver Valk, I. V., Spruijt, E., Goede, M., Maas, C. e Meeus, W. Family structure and problem behavior of adolescents and young adults:
a growth-curve study. Journal of Youth and Adolescence, 2005, v. 34, n. 6, p. 533-546.
110. Ver Portnoy, S. (2007). The psychology of divorce: a lawyers primer, part 2: The effects of divorce on children. American Journal
of Family Law, v. 21, n. 4, p. 126-134.
111. Este estudo longitudinal realizou um seguimento a 131 crianas e adolescentes entre trs e 18 anos que tiveram seus pais
divorciados nos anos 1970. Foram realizadas entrevistas clnicas em intervalos regulares por um perodo de 25 anos. Para fns de
comparao, o estudo tambm investigou um grupo de pessoas da mesma idade e condies socioeconmicas, mas de famlias
intatas. Para maiores detalhes, ver Wallerstein, J. e Lewis, J. The unexpected legacy of divorce: Report f a 25-years study. Psychoanalytic
Psychology, 2004, v. 21, n. 3, p. 353 370.
112. Ver Portnoy (2007), obra citada
113. Seltzer (1994), obra citada.
114. Rokeach (1973), obra citada, comenta que o tempo pode ser muito longo, limitando com isso sua aplicao a um maior nmero
de pessoas. Alm disso, o prprio ato de interpretao pode ser difcil, adicionando maior complexidade e possibilidade de que a
montagem dos experimentos seja infuenciada pelos valores dos prprios pesquisadores.
115. Entre os estudos clssicos dessa rea podemos citar Inglehart, R. Modernization and postmodernization: cultural, economic and
political change in 43 societies. Princeton: Princeton University Press, 1997.
116. Um bom exemplo disso o estudo de C. Kluckhohn sobre Values and Value Orientations in the Theory of Action no livro
organizado por T. Parsons e E. Shils Towards a General Theory of Action ou o tambm clssico Thomas, W. e Znaniecki, F. The Polish
Peasant in Europe and America. Boston: University of Chicago Press, 1918-1920.
117. Isso acontece principalmente nas teorias transculturais de valores, como a do Prof. Shalom Schwartz.
118. O World Values Survey, ou Pesquisa Mundial de Valores, foi criado a partir do European Values Survey, no incio da dcada de
1980, a partir da pesquisa do Prof. Ronald Inglehart, da Universidade de Michigan, Estados Unidos. Ela est presente em 97 pases
e representa quase 90% da populao do mundo. Desde 1981 foram realizadas cinco ondas, focalizando em mudanas de valores
polticos, democrticos, religiosos, de tolerncia e ambientais. O questionrio aplicado o mesmo em todos os pases, para facilitar
a sua comparabilidade internacional. Para mais, ver www.worldvaluessurvey.org.
119. O Latinobarmetro uma pesquisa de opinio focada na democracia e valores polticos na Amrica Latina. A pesquisa realizada
anualmente nos 18 pases da regio com uma amostra de mais de 19 mil questionrios. H algum overlap com o WVS, com vrias das
perguntas sendo as mesmas. Para mais ver www.latinobarometro.org.
120. Para mais ver Porto, Juliana. Mensurao de Valores no Brasil. Mimeo.
121. Normalmente, so usadas escalas do tipo Likert, isto , escalas nas quais os entrevistados especifcam o seu nvel de concordncia
para cada item. So comumente utilizadas em pesquisas de opinio. Usualmente so utilizados cinco nveis de resposta, mas
possvel ver tambm escalas de 7 e 10. Ver Vera Martnez, J. (2001) Procedimentos de escala para a medio de valores em Ros e
Gouveia (2006), obra citada, que tambm faz uma anlise detalhada entre as vantagens e desvantagens do ranking versus o rating.
122. Um dos problemas mais interessantes sobre a reao das pessoas a aplicao de questionrios sobre o grau de ipsatividade
dos instrumentos, isto , quando a soma das pontuaes dos atributos constante para cada entrevistado. Sendo assim, todos os
atributos acabam tendo uma mdia parecida para todas as pessoas.
186 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
123. Ver Vera Martinez, obra citada.
124. Os resultados so avaliados por um procedimento estatstico conhecido como Anlise das Distncias Mnimas (ou Espaos
Mnimos) de Guttman-Lingoes, originalmente formulado em 1968.
125. Ou mais. Essa informao foi dada por Tamayo, Alvaro. In: Contribuies ao Estudo dos Valores Pessoais, Laborais e
Organizacionais, Psicologia: Teoria e Pesquisa, 2007, vol. 23, p. 17-24.
126. Tamayo (2007: 19-20), obra citada, comenta que O PVQ menos abstrato que o SVS e, em consequncia, mais adaptado para
crianas e adolescentes e para pessoas com baixo nvel de escolaridade. Estas caractersticas do PVQ mostram o seu potencial para
realizao de pesquisa no Brasil.
127. As informaes sobre o PQ foram dadas pelo prprio Prof. Shalom Schwartz em comunicao pessoal, por email, no dia 23 de
novembro de 2009.
128. Para uma boa coleo recente de textos sobre valores do trabalho e organizacionais ver Teixeira, Maria Luisa (org.). Valores
Humanos & Gesto: novas perspectivas. So Paulo: Senac, 2008.
129. Ver por exemplo, Porto, J. B.; Tamayo. (2003) A escala de valores relativos ao trabalho EVT. Psicologia Teoria e Pesquisa, Braslia, v.
19, n. 2, p. 145-1523; Teixeira (2008), obra citada e Mendes, A. M. & Tamayo, A. Valores organizacionais e prazer-sofrimento no trabalho.
PsicoUSF, 2001, 6(1), 39-46.
130. Ver por exemplo Anchieta e Galinkin. Policiais civis: representando a violncia. Psicologia & Sociedade, 2005, v. 17 (1). P. 17-28.
Jan/abr e Galinkin, A. L. e Ameida, A. M. O. Representaes sociais da violncia entre adolescentes e professores da classe mdia. In:
Rabelo de Castro L, Correa J. organizadoras. Juventude contempornea: perspectivas internacionais em sade, educao e cidadania.
Rio de Janeiro, 2005.
131. Ver por exemplo Formiga, N. S. Yepes, C. F. e Alves, I. Prioridades valorativas do rendimento escolar: sua predico a partir dos
valores humanos. Rev. Teoria e Prtica da Educao, 2005, v. 8, n. 2, p. 227-243. Mai/ago; Andrade, M. W. C. L (2006). Estudo sobre o
desenvolvimento dos valores humanos da infncia adolescncia. Tese de doutorado. Universidade Federal de Pernambuco. Recife e
Porto, J. B. (2004). Estrutura e Transmisso dos Valores Laborais: Um Estudo com Estudantes Universitrios. Tese de Doutorado. UNB.
Braslia.
132. Ver, por exemplo, Pato, C. Comportamento ecolgico: relaes com valores pessoais e crenas ambientais. Tese de doutorado,
Universidade de Braslia, Braslia, 2004, e Pato, C. Ros, M. Tamayo, A. Creencias y Comportamiento Ecolgico: un estudio emprico con
estudiantes brasileos. Medio Ambiente y Comportamiento Humano, 2005, 6(1), 5-22.
133. Ver, por exemplo, Tamayo, A. Hierarquia de Valores Transculturais Brasileiros. Psicologia: Teoria e Pesquisa. 2007, vol. 23. N. especial,
pp.7-15 e Resende et al. A estrutura universal dos valores humanos. Univ. Ci. Sade, Braslia, 2005, v. 3, n. 2, p. 227-248, jul./dez.
134. Podem ser includos aqui as diversas contribuies como as de Gouveia, V. V., Martinez, E., Meira, M., Milfont, T. L. A estrutura e
o contedo universais dos valores humanos: Anlise fatorial confrmatria da tipologia de Schwartz. Estudos de Psicologia, 2001, 6,
133-142 e Gouveia, V.V. A natureza motivacional dos valores humanos: Evidncias acerca de uma nova tipologia. Estudos de Psicologia,
2003, 8, 431-443.
135. Ver Tamayo, lvaro e Schwartz, Shalom. Estrutura Motivacional dos Valores Humanos Psicologia: Teoria e Pesquisa, 1993, vol. 9,
n. 2, p. 329-348.
136. A primeira amostra foi composta por 154 professores e a segunda por 244 estudantes universitrios.
137. Ver Tamayo, A. Hierarquia de Valores Transculturais e Brasileiros, Psicologia: Teoria e Pesquisa, 2007, vol. 23, n. especial, p. 7-15.
138. As principais referncias aqui so Tamayo e Schwartz (1993), obra citada e Tamayo, A. Infuncia do sexo e da idade sobre o
sistema de valores. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 1988, 38, p. 91-104, que focalizou a anlise da escala ordinal de Rokeach.
139. Formiga, N. S. et al. Valores Humanos e Gnero. Psicologia em foco, 2008, v. 1., n. 1, jul./dez, Aracuju. Faculdade Pio Dcimo.
140. Ver Gouveia, V. V. & Clemente, M. O individualismo-coletivismo no Brasil e na Espanha: Correlatos sciodemogrfcos
(Individualismo-coletivismo in Brazil and Spain: Sociodemographic correltes). Estudos de Psicologia, 2000, 5, 317-346.
141. Ver Mendes, A. M. & Tamayo, A. Valores organizacionais e prazer-sofrimento no trabalho. PsicoUSF, 2001, 6(1), 39-46.
142. O trabalho de Gouveia, V. V., Martinez, E., Meira, M., Milfont, T. L. A estrutura e o contedo universais dos valores humanos: anlise
fatorial confrmatria da tipologia de Schwartz. Estudos de Psicologia, 2001, 6, 133-142 representativo dessa literatura.
143. Ver por exemplo Gouveia, V.V. A natureza motivacional dos valores humanos: evidncias acerca de uma nova tipologia. Estudos
de Psicologia, 2003, 8, 431-443.
144. Por exemplo, Gouveia et al. (2001), obra citada, produzem resultados que confrmam a existncia de valores confitantes entre
os tipos motivacionais.
145. Pereira, Ccero; Lima Marcuas Eugnio; Camino, Leoncio. Sistemas de Valores e Atitudes Democrticas de Estudantes
Universitrios de Joo Pessoa. Psicologia: Refexo e Crtica, 2001, 14(1), pp.177-190
146. Ver Porto, J. B. & Tamayo, A. Desenvolvimento e validao da Escala de Valores relativos ao Trabalho. In: Anais da XXXII Reunio
Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia. Florianpolis, 2002.
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147. Ver Andrade, M. W. C. L. Estudo sobre o desenvolvimento dos valores humanos da infncia adolescncia. Tese de doutorado. 2006,
Universidade Federal de Pernambuco. Recife.
148. Ver Porto, J. B.; Tamayo. A escala de valores relativos ao trabalho EVT. Psicologia Teoria e Pesquisa, 2003, Braslia, v. 19, n. 2, p.
145-1523, Porto, J. B.; Tamayo. Desenvolvimento e validao da Escala de Civismo nas Organizaes. Estudos de Psicologia. 2003b, v. 8,
393-402 e Porto, J. B. Estrutura e transmisso dos valores laborais: um estudo com estudantes universitrios. Tese de Doutorado. 2004,
UNB, Braslia.
149. Ver Formiga, N. S. Os indicadores do bom estudante e sua relao com os endogrupos dirios. Perspectivas para uma prtica
educativa participativa. Revista Psicologia Argumento, 2002, 20 (31), 21-27.
150. O autor utilizou uma amostra de 710 alunos do ensino fundamental e mdio. Eles so predominantemente solteiros e com idade
variando entre 15 e 22 anos de idade, estudantes do ensino fundamental e mdio de escolas pblicas e privadas de Joo Pessoa.
151. Gouveia et al. (2002), obra citada, identifcaram a correlao entre os valores e as identidades sociais. Os pesquisadores
utilizaram cinco instrumentos para coletar os dados (Individualism-Collectivism Questionaire, the Basic Value Survey, the In-group
Identifcation Scale, the Geospatial Identifcation Scale e um questionrio com questes demogrfcas). Para isso pesquisaram 228
homens e 719 mulheres com idades entre 16 e 55 anos de idade em trs estados brasileiros e trs estados espanhis.
152. Ver por exemplo Gouveia, V. V., Andrade, J. M., Jesus, G. R., Meira, M. & Formiga, N. S. Escala Multifatorial de individualismo e
coletivismo: elaborao e validao de construto. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 2002, 18, 203-212. 15
153. Esse resultado caracteriza a contribuio terica de Gouveia, como exposta em Gouveia (2003), obra citada.
154. Ver Porto (2004), obra citada para o estudo emprico que gerou essas concluses.
155. Ver Pato, C. Comportamento ecolgico: relaes com valores pessoais e crenas ambientais. Tese de doutorado, 2004, Universidade
de Braslia, Braslia e Pato, C. Ros, M. Tamayo, A. Creencias y comportamiento ecolgico: un estudio emprico con estudiantes
brasileos. Medio Ambiente y Comportamiento Humano, 2005, 6(1), 5-22.
156. Ver Coelho, Jorge Artur Peanha de Miranda; Gouveia, Valdiney Veloso e Milfont, Taciano Lemos. Valores humanos como
explicadores de atitudes ambientais e inteno de comportamento pr-ambiental. Psicol. estud. [online]. 2006, vol.11, n.1, p. 199-2
157. Ver Pereira, C. Camino, L. Costa, J. B. Um estudo sobre a integrao dos nveis de anlise dos sistemas de valores. Psicologia:
Refexo e Crtica, 2005, 18(1), p. 16-25.
158. Ver Ribeiro, Ednaldo (2009). Mudana de Valores e Tolerncia entre os Brasileiros: uma anlise longitudinal e comparada.
Mimeo, Texto de Apoio ao Relatrio de Desenvolvimento Humano 2009/2010.
159. Comunicao pessoal a Flvio Comim, coordenador do relatrio, em 23/11/2009 por e-mail. Tambm deve ser levado em
conta que durante o estudo-piloto feito durante a capacitao dos pesquisadores de campo, em parceria com o Instituto Paulo
Montenegro/Ibope, no qual se aplicou o PQ40 foram escutadas muitas reclamaes do pblico referentes ao que foi entendido
como uma duplicao das perguntas. Esses dois fatores, quais sejam, a sugesto do Prof. Schwartz em usar o PQ21 mais o mau
desempenho na aplicao do instrumento PQ40, fez com que se optasse por aplicar o PQ21 em escala nacional.
160. A evidncia foi gerada por Schwartz, S. e Bardi, A. Value Hierarquies Across Cultures: taking a similarities perspective. Journal
of Cross-Cultural Psychology, 2001, 32, p. 268-290.
161. O poder foi tambm o valor considerado menos importante na pesquisa realizada por Schwartz e Bardi (2001) e, assim, como no
PVB, o valor realizao localizou-se na hierarquia acima do poder.
162. A principal referncia aqui Tamayo (2007), obra citada. Mesmo que ela tenha sido feito com uma amostra menos representativa,
utilizamos seus resultados como um indicativo histrico dos tipos motivacionais no pas.
163. No se pode pensar, no entanto, que todos os brasileiros apresentam a mesma hierarquia de valores, nem com relao
importncia atribuda a cada um dos plos e nem com relao aos valores que cada polo compreende. Caso contrrio, estaramos
incorrendo no que outro estudioso de valores, Hofstede, denominou de falcia ecolgica, isto quer dizer considerar que a hierarquia
de valores relativa ao conjunto dos habitantes (hierarquia mdia dos valores), se aplica, tambm, a cada um dos indivduos (hierarquia
individual dos valores). Ver Hofstede, G. Cultures consequences: comparing values, behaviors, institutions, and organizations across
nations. 2. ed. Sage: Thousand Oaks, 2001
164.Ver Schwartz and Bardi (2001), obra citada e Tamayo (2007), obras citada, como principais referncias para essa comparao. Nota-
se que a pesquisa de Schwartz e Bardi (2001) contemplou amostras de professores e estudantes brasileiros. Nessa poca a hierarquia
de valores encontrada para os brasileiros pesquisados apresentava uma correlao de 0,98 para as amostras de professores e de
0,95 para a amostra de brasileiros, o que signifca que a hierarquia de valores encontrada para brasileiros era muito parecida com
hierarquia mdia encontrada por aqueles autores para os demais pases. Apesar do instrumento de coleta de dados empregados
por aqueles autores no ser o mesmo, pois Schwartz e Bardi (2001) empregaram o SVS (Schwartz Values Survey), e nesta pesquisa
foi utilizado o PVQ21 (Portrait Values Questionnaire de 21 itens), ambos mensuram os mesmos valores e tm como base a mesma
teoria, isto , a Teoria de Valores Bsicos de Schwartz; logo, possvel fazer uma comparao qualitativa dos resultados encontrados.
165. Os resultados apresentados nesta seo foram obtidos mediante testes estatsticos t para amostras independentes, e ANOVA e
Scheffe, a partir de dados centralizados pelas medias dos indivduos conforme sugere Schwartz (2005). Aps a identifcao de quais
polos das dimenses de valores apresentaram diferenas signifcativas ao nvel de 0,05, tendo em vista apresentar os resultados
para o pblico no acadmico, os dados originais foram transformados em contagens (scores) percentuais, e na sequncia, em uma
escala de 0 a 10. Em seguida, calcularam-se as diferenas percentuais entre os grupos que se diferenciavam entre si no teste Scheffe,
188 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
seguindo as indicaes dos resultados deste teste, ou mostrando os grupos que mais se diferenciaram entre si.
166. Utilizou-se para isso a signifcncia estatstica avaliada pelo teste t.
167. Ver por exemplo Dio, L., Saragovi, C, Koestner, R. e Aub, J. Linking Personal Values to Gender. Sex Roles, v. 34, Nos.9/10, 1996.
168. No entanto, Schwartz (2005), obra citada, comenta que os resultados quanto diferena de valores envolvendo gnero so
menos consistentes do que os resultados encontrados para idade, cultura e escolaridade, possivelmente devido ao contexto
econmico e sociocultural.
169. Ver Lima, F.P. B. O indivduo e a organizao: a relao entre valores, personalidade e tipos de cultura organizacional. Dissertao
de Mestrado. Universidade Presbiteriana Mackensie. So Paulo, 2009, Tamayo (2007), obra citada, e Schwartz (2005), obra citada.
Schwartz (2005), Tamayo (2007) e Lima (2009) esto entre os pesquisadores que encontraram resultados que mostram que com o
passar dos anos as pessoas vo se tornando mais conservadoras. No entanto, os resultados encontrados com relao Autopromoo
contrariam os estudos de Lima (2009), uma vez que essa autora no encontrou diferenas relacionando idade a autopromoo. Esta
diferena de resultados pode ser decorrente do fato de Lima (2009) ter realizado a sua pesquisa apenas com profssionais que
trabalhavam em empresas localizadas no Estado de So Paulo, enquanto, que nesta pesquisa, a amostra compreende brasileiros de
diferentes regies e estados, assim como de diferentes ocupaes.
170. O teste Scheffe mostrou diferenas entre todos os grupos.
171. Ver principalmente Schwartz (2005), obra citada.
172. Veja por exemplo a publicao Emprego, Desenvolvimento Humano e Trabalho Decente, 2008, produzida pelo PNUD em
parceria com a Organizao Internacional do Trabalho e Comisso Econmica para a Amerca Latina e Caribe, tambm disponvel
em http://www.pnud.org.br/publicacoes/emprego/index.php.
173. Ver Inglehart, R. (1997) Modernization and Postmodernization: Cultural, Economic, and Political Change in 43 Societies, Princeton:
Princeton University Press e Inglehart, R. e Baker, W. E. (2000) Modernization, cultural change, and the persistence of traditional
values. American Sociological Review; Feb. Os resultados diferentes, no entanto podem ser explicados pelo modo como as questes
do WVS e PVB foram formulados, indicando para um estudo futuro a possibilidade de uso da mesma questo do WVS para fns
comparativos.
174. Esses resultados foram obtidos tambm por Schwartz (2005), obra citada.
175. O Caderno 3 deste Relatrio de Desenvolvimento Humano focaliza em polticas e boas prticas, por isso elas no so tratadas
aqui.
176. Ver Schwartz, Shalom H. Universals in the content and structure of values: theoretical advances and empirical tests in 20
countries. Advances in Experimental Social Psychology, v. 25, p.1-65.
177. Ver Schwartz, S. H. Validade e aplicabilidade da teoria de valores. In: Tamayo, A.; Porto, J. B. (orgs.). Valores e Comportamento nas
Organizaes. Petrpolis: Vozes, 2005.
178. Ver Schwartz, S. Valores humanos bsicos: seu contexto e estrutura intercultural. In: Tamayo, A.; Porto, J.B. (orgs.). Valores e
Comportamento nas Organizaes. Petrpolis: Vozes, 2005b.
179. Ver Schwartz, S. Les valeurs de base de la personne: Thorie, mesures et applications [Basic human values: Theory, measurement,
and applications]. Revue franaise de sociologie, 2006b, v. 42, p. 249-288.
180. Veja por exemplo Baslevent e Kirmanoglu (2008) que avaliaram o papel dos valores pessoais nas opes de voto em eleies na
Turquia e Davidov et al. (2008) que empregaram as mensuraes de valores fornecidas pela ESS em estudo transcultural a respeito
dos efeitos destes na atitude quanto imigrao.
181. Ver Schwartz, S (2006a) H aspectos universais na estrutura e no contedo dos valores humanos? In: Ros, M.e Gouveia, V.
Psicologia Social dos Valores Humanos. So Paulo: Senac, 2006.
182. Ver Verkasalo, M.; Lnnqvist, J. E., Lipsanen, J. e Helkama K. (2008) European norms and equations for a two dimensional
presentation of values as measured with Schwartzs 21-item portrait values questionnaire. European Journal of Social Psychology,
v. 38, p.1-13.
183. Ver Schwartz (2005a), obra citada.
184.Essas orientaes so dadas em Hair, J. F. Anlise multitivariada de dados. 5 ed. Porto Alegre: Bookman, 2006.
185. Ver Sambiase, M.F.; Teixeira, M.L.M.; Bilsky, W.; Felix, B. e Domenico, S.M.R. Confrontando Estruturas de Valores: Um Estudo
Comparativo entre PVQ-40 e PVQ-21. VI Encontro de Estudos Organizacionais da ANPAD; de 23 a 25 de maio de 2010; Florianpolis/
SC. Disponvel em http://www.anpad.org.br/evento.php?cod_ evento_edicao=51; acessvel em 13/04/2010.
186. Esse padro para anlise confrmatria foi estabelecido por Bilsky, W.; Gollant,T. e Dring, A. Anlise confrmatria de
escalonamento multidimensional (EMD) de valores baseada em uma matriz de desenho: uma nota de pesquisa. In: Teixeira, Maria
Luisa M. Valores Humanos e Gesto. So Paulo: Senac, 2008, e Bilsky, W. e Janik, M. Investigating value structure: Using theory-based
startingconfgurations in Multidimensional Scaling. Research Note, 2009, University of Muenster.
187. Schwartz, S.H. e Sagiv, L. Identifying culturespecifs in the content and structure of values. Journal of Cross-Cultural Psychology,
1995, 26, 92-116.
| 189
188. Trabalhos empregando a MDS Confrmatria so raros, sendo excees os realizados por Borg, Groenen, Jehn, Bilsky &
Schwartz (2008), conforme mencionado por Bilsky e Janik (2009), obra citada. No Brasil o nico estudo em valores, que se tem
notcia, com a aplicao da MDS confrmatria desenvolvida por Bilsky, Gollan e Doring (2008) e Bilsky e Janik (2009) o estudo
realizado por Sambiase et al. (2010), obra citada.
189. Ver Bilsky, Gollan e Doring (2008: 215), obra citada.
190. Ver Rosenberg e Kim (1975 in SPSS, 2009).
191. Conforme sugere Hair (2006), obra citada.
192. Como por exemplo, aqueles encontrados por Verkasalo et al. (2008), obra citada.
193. Veja por exemplo, UNICEF (2009) O Direito de Aprender: potencializar avanos e reduzir desigualdades. Braslia, UNICEF.
194. Existe claramente aqui uma tenso entre os resultados do Perfl dos Valores dos Brasileiros e as hipteses usadas para
entender os problemas educacionais e de violncia no pas. Essa tenso permeia todo esse estudo, entre o que as pessoas dizem
e o que realmente fazem. A identifcao dessas tenses e contradies importante para seu enfrentamento.
195. Ver por exemplo Alves, Maria Teresa Gonzaga e Franco, Creso. (2008) A Pesquisa em Efccia Escolar no Brasil. Evidncias
sobre o efeito das escolas e fatores associados efccia escolar. In: Brooke, N. e Soares, J. F. (orgs.). Pesquisa em Efccia Escolar:
Origens e Trajetrias. Belo Horizonte: Editora UFMG e UNICEF (2009), obra citada.
196. Ver por exemplo Fante, Clo (2005) Fenmeno Bullying: como prevenir a violncia nas escolas e educar para a paz. Campinas:
Verus e Lopes Neto, Aramis A. Bullying: comportamento agressivo entre estudantes. In: Jornal de Pediatria. Rio J, 2005, n.81,
5 Supl., para uma discusso mais aprofundada sobre os problemas de relacionamento entre os estudantes e S Earp, Maria
de Lourdes (2006) A Cultura da Repetncia em Escolas Cariocas. Rio de Janeiro: UFRJ, Instituto de Filosofa e Cincias Sociais,
Programa de Ps Graduao em Antropologia e Sociologia. Tese de Doutorado e Oliveira, Romualdo Portela (org.) (2006). Poltica
Educacional: impasses e alternativas. So Paulo: Cortez Editora para uma anlise dos problemas educacionais envolvendo as
famlias.
197. Ver Ramos, Ellen. Educao de Jovens e Adultos e a (des) Valorizao da Educao. Mimeo, Texto de Apoio ao Relatrio de
Desenvolvimento Humano Brasileiro, PNUD, 2009.
198. Ver Asbahr, Flvia da Silva Ferreira e Lopes, Juliana Silva. (2006) A culpa sua. Psicologia USP, So Paulo, v.17, n.1, p.53-73, mar.
199. Ver Baquero, Fabola Gomide (2001) O fracasso escolar de jovens e adultos e o imaginrio social. Dissertao de Mestrado em
Psicologia Universidade Catlica de Braslia, Braslia. Disponvel em: <http://www.ged.letras.ucb.br/sites/100/118/00000033.
pdf> Acesso em: 28 Jul. 2009 e Crochik, Jos Leon. (1997) Aspectos que permitem a segregao na escola pblica. In. Conselho
Regional de Psicologia de So Paulo. Educao Especial em Debate. So Paulo: Casa do Psiclogo, p. 13-22.
200. Dados do Departamento de Recursos Humanos, Secretaria de Educao do Estado de So Paulo. Calculado para maio de
2009, refere-se ao nmero de faltas dirias. Ver Tavares, Priscilla, Camelo, Rafael e Kasmirski, Paula (2009) A falta faz falta? Um
estudo sobre o absentesmo dos professores da rede estadual paulista de ensino e seus efeitos sobre o desempenho escolar.
Apresentado na Conferncia de 2009 da ANPEC.
201. Ver Silva, N. e Hasenbalg, C. (2000) Tendncias da Desigualdade Educacional no Brasil. Dados, Rio de janeiro, v. 43, n. 3.
202. Ver Lahire, B. (1997) Sucesso Escolar nos Meios Populares: as razes do improvvel. So Paulo: tica.
203. De fato, dentro da mesma faixa de renda, o chamado capital social, medido muitas vezes pelo status ocupacional dos pais e
de sua formao, tem efeitos positivos estatisticamente signifcativos no desempenho escolar dos flhos. Ver Goldstein, H. et al.
(1999) The Use of Value Added Information in Judging School Performance. Londres: OFSTED.
204. Ver por exemplo Setton, M. (2005) Um Novo Capital Cultural: pr-disposies e disposies cultura informal nos segmentos
com baixa escolaridade. Educ.Soc. Campinas, vol. 26, n. 90, p. 77-105.
205. Ver Lareau, A. (2003) Unequal Childhoods: class, race and family life. Berkeley: University of California Press.
206. Ver Neri, Marcelo (2007) Motivaes e Metas Educacionais. In: Conjuntura Econmica, IBRE FGV, maio. Sobre o desinteresse
na faixa etria correspondente ao Ensino Mdio, Neri (2007) destaca: As primeiras razes de demanda so aquelas ligadas
necessidade de gerao de renda, atingindo 10,6% das crianas de 10 a 14 anos e 23% daquelas entre 15 e 17 anos. Portanto, dando
suporte linha que est sendo proposta pelo plano de estender a idade mxima dos subsdios educacionais do Bolsa-Famlia
de 15 para 17 anos. Exerccios contrafactuais indicam que um rapaz, afrodescendente pobre de 17 anos se passasse a receber os
incentivos do Bolsa-Famlia a probabilidade de evaso dele cairia de 9,3% para 4,1%. H que se notar a mais alta prevalncia de
outras razes intrnsecas falta de demanda por escola do tipo no quero nos dois grupos etrios: 37,7%, de 10 a 14 anos, e 45,1%,
de 15 a 17 anos. Ou seja: a falta de percepo sobre o papel da escola nas suas vidas particularmente alta.
207. Ver Costa, M (2005) Jovens Estudantes do Rio de Janeiro: hbitos, valores e expectativas segundo o prestgio de suas escolas.
Boletim SOCED, Rio de Janeiro, n. 1.
208. Palestra proferida pelo Prof. Amaury Patrick Gremaud no Ciclo de Palestras Valores de Vida e Qualidade do Desenvolvimento,
na Universidade Presbiteriana Mackenzie, So Paulo, em preparao ao Relatrio de Desenvolvimento Humano Brasileiro,
durante setembro e outubro de 2009.
209. A frmula do Ideb conta com um fator relacionado taxa de aprovao e outro fator que considera os resultados dos alunos
190 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
nos exames. A escala vai de zero a dez. Sua frmula : Idebji = Nji x Pji, onde N = mdia da profcincia em portugus e matemtica
padronizada para um indicador entre zero e dez, e P = indicador de rendimento baseado na taxa de aprovao: j = unidade de ensino;
i = ano do exame e do censo escolar.
210. Ver Layard, R. e Dunn, J. (2009) A Good Childhood: searching for values in a competitive age. Londres: Penguin and The Childrens
Society.
211. Veja por exemplo Patto, M. H. (2005) A Produo do Fracasso Escolar: histrias de submisso e rebeldia. So Paulo: Casa do Psiclogo.
212 .Ver Maggie, Y. (2006) A Escola no seu Ambiente: polticas pblicas e seus impactos. Relatrio Parcial de Pesquisa. Rio de Janeiro,
junho. Disponvel em www.observa.ifcs.ufrj.br/relatorios/rel_escola_ambiente_yvonne.pdf. e Batista, S. (2000) Teoria Crtica e
Teorias Educacionais: uma anlise do discurso sobre educao Educao & Sociedade. So Paulo, ano XXI, n. 73, p. 182-205, dez.
213. Ver Pinto, J. M. (2002) O Ensino Mdio. In: Oliveira, R.P. e Adrio, T. Organizao do Ensino no Brasil. Nveis e Modalidades na
Constituio Federal e na LDB. So Paulo: Xam e Arajo, Ulisses (2009) A Construo Social e Psicolgica dos Valores. Mimeo, Texto
de Apoio ao Relatrio de Desenvolvimento Humano Brasileiro, PNUD, 2009;
214. Ver Sayo, R. e Aquino, J.G. (2006) Famlia: modos de usar. So Paulo: Papirus para uma caracterizao das tenses e confitos que
caracterizam a relao entre famlias e escolas centrados na questo da atribuio de responsabilidades entre elas.
215. Ver White, P. (1996) Civic Virtues and Public Schooling: educating citizens for a democratic society. Nova York: Teachers College Press
and Walker, M (2006) Towards a Capability-based Theory of Social Justice in Education. Journal of Education Policy, 21(2), p. 163-185
216. Para aprofundar esse argumento ver Lawton, D. e Cowen, R. (2001) Values, Culture and Education: an overview. In: Cairns, J.,
Lawton, D e Gardner, R. Values, culture and education: world yearbook of education 2001. Londres: Kogan.
217. Ver Sen, A. (1993) Capability and Well-Being. In: Nussbaum, M. And Sen, A. (eds) The Quality of Life. Oxford: Clarendon Press.
218. Ver Nussbaum, Martha (2006) Frontiers of Justice. Cambridge: Harvard University Press.
219. Ver Starratt, R. (1994) Building an Ethical School: a practical response to moral crisis in schools. Londres: Falmer Press.
220. Ver Strivens, J. (1986) Values and the social organization of schooling. In: Tomlinson, P. e Quinton, M. Values Across the
Curriculum. Londres: Falmer Press.
221. Para uma caracterizao mais completa dos desafos na Europa ver Rix, J., Simmons, K., Nind, M. e Sheehy, K. (eds) (2005) Policy
and Power in Inclusive Education: values into practice. Londres: Routledge Falmer com a Open University.
222. Ver Unterhalter, E. (2003) The Capabilities Approach and Gendered Education: an examination of South African complexities.
Theory and Research in Education, Vol 1, n.1, p. 7-22
223. Ver McCowan, T. e Unterhalter, E. (2009) Education for Democratic Citizenship: a capabilities perspective. Mimeo, Texto de Apoio
ao Relatrio de Desenvolvimento Humano Brasileiro, PNUD, 2009; e McCowan, T. (2008) Curricular Transposition in Citizenship
Education. Theory and Research in Education, 6(2), p. 153-172.
224. Ver por exemplo White, P. (1996) Civic Virtues and Public Schooling: educating citizens for a democratic society. Nova York: Teachers
College Press e Callan, E. (1997) Creating Citizens: political education and liberal democracy. Oxford: Clarendon Press.
225. Ver Brooke, N. e Soares, J. (orgs) (2008) Pesquisa em Efccia Escolar: origens e trajetrias. Belo Horizonte: Editora UFMG.
226. A maior difculdade desse conceito defnir como efeito-escola apenas o que a escola acrescenta aos alunos em termos de
desempenho. Isso s possvel atravs de estudos que acompanhassem os alunos ao longo do tempo, medindo antes e depois
ou se fosse possvel isolar os fatores extraescolares (basicamente o background familiar) para saber o que a escola fez de fato em
benefcio daqueles alunos. O problema seria simplesmente classifcar como boas aquelas escolas que recebem alunos com forte
background familiar, mesmo que elas no acrescentem muito a seus alunos.
227. Ver Garca, X. e Rovira, Josep. (2008) Las Siete Competencias Bsicas para Educar en Valores. Barcelona: Editora Gra e Moraes,
Rodrigo (2009) Valores: o seu surgimento nos ciclos dos extremos e do equilbrio/harmonia e o seu desenvolvimento atravs da
metodologia de Planejamento e Gesto Sistmicos. Mimeo., Rio Grande.
228. Em maro de 2010 o CONAE (Conferncia Nacional da Educao) aprovou a proposta de que as pr-escolas tenham no mximo
15 alunos por turma. Apesar dessa determinao no ter fora legal ela importante prescritivamente como um parmetro do que
seria desejvel para a educao das crianas na sua primeira infncia.
229. Essa anlise foi feita de acordo com os testes estatsticos Krukskall Wallis e Mann-Whitney, comparando resultados dois a dois.
230. Como exemplo de crimes que, muitas vezes, no so percebidos como violncia, poderamos mencionar os furtos, a corrupo,
a pirataria, etc. Por exemplo: produzir ou comprar um CD pirata pode ser defnido como crime, mas geralmente estes atos no so
percebidos como violncia pela populao.
231. Kahn, T. e Moura, T. (2010). Valores e Violncia. Mimeo, Texto de Apoio ao Relatrio de Desenvolvimento Humano Brasileiro,
PNUD, 2009.
232. Ver: Organizao Mundial da Sade. Informe mundial sobre violencia e sade. Genebra: OMS, 2002.
233. Defnio semelhante pode ser encontrada em Cano, I. (1997) Anlise Territorial da Violncia. ISER, Rio de Janeiro.
234. Ver Michaud, Y. A Violncia. So Paulo: tica, 1989.
| 191
235. Ver Velho, Gilberto et al. (1996) Cidadania e violncia. Rio de Janeiro:FGV.
236. Ver Motta, C. Gomes, M. (2009) Valores, Racismo e Violncia Simblica: uma anlise da discriminao racial no Brasil a partir
da ideia de luta por reconhecimento. Mimeo, Texto de Apoio ao Relatrio de Desenvolvimento Humano Brasileiro, PNUD, 2009.
Disponvel em http://www.mostreseuvalor.org.br/publicacoes/arquivos/Caio%20Motta.doc, acesso em 28/04/10; e Bandeira, L. e
Batista, A. Preconceito e discriminao como expresses de violncia. Rev. Estud. Fem. 2002, vol.10, n.1, p. 119-141.
237. Ver Zaluar, A. Violncia e crime. In: Miceli, S. (Org). O que ler na cincia social brasileira (1970-1995). So Paulo: Sumar; ANPOCS,
1999, p. 13-107.
238. Ver Cardoso de Oliveira, L. Existe violncia sem agresso moral?. In: Revista Brasileira de Cincias Sociais, bol. 23, no. 67, 2008.
239. Como exemplo dessa relao poderamos pensar nas seguintes situaes: uma pessoa esbarra em outra acidentalmente; uma
pessoa demonstra preconceito com relao a outra e esbarra nessa como sinal desse desrespeito. Provavelmente, o segundo caso
geraria um tipo de ressentimento no presente no primeiro. Alm do sentimento de desrespeito sentido pela vtima, esta situao
poderia provocar tambm a indignao moral de outros que presenciassem a cena e percebessem as intenes envolvidas na ao.
O agressor aqui comete um insulto dignidade da vtima e, nesse sentido, atinge valores relacionados a respeito e tolerncia ao
outro.
240. Ver Porto, M. S. Crenas, valores e representaes sociais da violncia. Sociologias. 2006, n.16, p. 250-273.
241. Esse argumento aparece em Sen, A. (2009) The Idea of Justice, obra citada
242. Ver Organizao Mundial da Sade (2002), obra citada.
243. Charlot apud Abramovay, Miriam e Rua, Maria das Graas. Violncia nas Escolas. Braslia: Unesco, Instituto Ayrton Senna, UNAIDS,
Banco Mundial, USAID, Fundao Ford, CONSED, UNDIME, 2002.
244. Comparada com outros pases das Amricas e da Europa, essa taxa consideravelmente alta: Nos Estados Unidos, em 1999, a
taxa foi de 5,22 por 100 mil habitantes, na Alemanha, em 1997, 4,86, na Frana, 4,11, no Reino Unido 2,43, na Itlia, 4,9, na Espanha
2,43, no Canad, 1,99, no Chile, em 1994, 5,9. Na Amrica do Sul, o Brasil fca atrs apenas da Colmbia, cuja taxa em 2000 foi de 63
por 100 mil habitantes, e da Venezuela, com 33,5 em 2000. Ver Pinheiro, P. Almeida, G. Violncia Urbana. So Paulo: Publifolha, 2003.
245. Peres, M. F.; Santos, P. Mortalidade por homicdios no Brasil na dcada de 90: o papel das armas de fogo. Revista de Sade Pblica,
2005. Disponvel em http://www.nevusp.org/downloads/down087.pdf, acesso em 03/05/2010.
246. Mesquita Neto, P. Homicdios e Armas de Fogo no Brasil e em So Paulo. Disponvel em http://www.nevusp.org/downloads/
down129.pdf, acesso em 03/05/2010.
247. Ver Pinheiro, P. Almeida, G. (2003), obra citada; Lima, K, Misse, M. Miranda, A. Violncia, Criminalidade, Segurana Pblica e Justia
Criminal no Brasil: Uma Bibliografa. BIB, Rio de Janeiro, n. 50, 2 semestre de 2000, p. 45-123.
248. Ver Cato, Y. Mortes Violentas Um Panorama dos Homicdios no Brasil. Rio de Janeiro, Departamento de Populaes e
Indicadores Sociais IBGE, 1999; Soares, L. Meu Casaco de General Quinhentos dias no front da Segurana Pblica do Rio de Janeiro.
So Paulo, Companhia das Letras, 2000; e Zaluar, A. A Globalizao do Crime e os Limites da Explicao Local. In: Velho, G. e Alvito,
M. (ogs.). Cidadania e Violncia. Rio de Janeiro: UFRJ; FGV, 2000.
249. Ver Pinheiro, P. Almeida, G. (2003); e Lima, K, Misse, M. Miranda, A. (2000), obras citadas.
250. Ver Data Senado, Senado Federal. Violncia no Brasil. Pesquisa de Opinio Pblica Nacional, 2007.
251. Pesquisa do DataSenado indica que 86% da populao brasileira acredita que a violncia hoje maior do que nos ltimos 12
meses e 61% aposta que esta vai continuar aumentando. Ver Data Senado, Senado Federal. (2007), obra citada.
252. Ver Cardia, N. Exposio violncia: seus efeitos sobre valores e crenas em relao violncia, polcia e direitos humanos. In:
Lusotopie, 2003.
253. Ver Lima, R. Criminalidade Urbana Confitos Sociais e Criminalidade Urbana: uma anlise dos homicdios cometidos no
municpio de So Paulo. So Paulo: Sicurezza, 2002.
254. Ver Kant de Lima, R. et al. Constituio e Segurana Pblica: exerccio de direitos, construo de verdade e a administrao de
confitos. In: OLIVEN, Ruben et al. (orgs). A Constituio de 1988 na Vida Brasileira. So Paulo: Ed. Hucitec e ANPOCS, 1988.
255. Ministrio da Justia. Perfl das Vtimas e Agressores das Ocorrncias Registradas pelas Polcias Civis (Janeiro de 2004 a Dezembro
de 2005). Disponvel em http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJCF2BAE97ITEMID78EA9AA6C582483FA694D19FA0A90410PTBRIE.
htm, acesso em 03/05/2010.
256. Relatrio de Desenvolvimento Humano 2009-2010: Brasil ponto a ponto; consulta pblica. Braslia: PNUD, 2009.
257. Ver Day, Vivian Peres et al. Violncia domstica e suas diferentes manifestaes. Rev. psiquiatr. Rio Gd. Sul [online]. 2003, vol.25,
suppl.1, p. 9-21. Disponvel em http://www.scielo.br/pdf/rprs/v25s1/a03v25s1.pdf, acesso em 04/05/2010.
258. As violncias praticadas contra idosos e pessoas com defcincia tambm aparecem fortemente no contexto domstico. No
entanto, considerando o contexto das respostas obtidas na campanha Brasil Ponto a Ponto, optou-se aqui por enfatizar a anlise dos
aspectos envolvidos na violncia contra a mulher e contra as crianas.
259. Ver World Health Organization. Multi-country study on womens health and domestic violence against women: summary report
192 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
of initial results on prevalence, health outcomes and womens responses. Geneva, 2005.
260. Ver DataSenado, Senado Federal. Violncia Domstica e Familiar Contra a Mulher. Pesquisa de Opinio Pblica Nacional. Braslia,
2009.
261. Ver Fundao Perseu Abramo. Violncia contra a mulher. 2002.
262. Ver BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Magnitude, custos econmicos e polticas de controle da violncia no Rio
de Janeiro. Srie Documentos de Trabalho R-347. 1998.
263. Ver DataSenado, Senado Federal. Violncia Domstica Contra a Mulher. Relatrio de Pesquisa. Braslia, 2005.
264. Ver DataSenado, Senado Federal (2009), obra citada.
265. Ver DataSenado, Senado Federal. Violncia Domstica Contra a Mulher. Relatrio de Pesquisa. Braslia, 2005.
266. Ver Soares, B. Mulheres invisveis violncia conjugal e novas polticas de segurana. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1999
267. Ver Fonseca, A. et al. Padres de violncia domiciliar associada ao uso de lcool no Brasil. In: Revista de Sade Pblica, 43 (5), 2009,
p. 743-9.
268. Ver Soares, Glucio; Miranda, Dayse; Borges, Doriam. As vtimas ocultas da violncia na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:
Civilizao Brasileira, 2006.
269. http://portal.mj.gov.br/sipia/, acesso em 03/05/2010.
270. Ver Azevedo, G.; Guerra, V. Um cenrio em (des)construo. In: UNICEF. Direitos negados. A violncia contra a criana e o
adolescente no Brasil. Braslia: UNICEF, 2005; e Ricas, J. et al. A violncia na infncia como uma questo cultural. Texto contexto
enferm. 2006, vol.15, n.1, p. 151-154.
271. Day, Vivian Peres et al.(2003), obra citada.
272. Ver Azevedo, G.; Guerra, V. (2005), obra citada. p.18; e Maldonado, D. e Williams, L. O comportamento agressivo de crianas do sexo
masculino na escola e sua relao com a violncia domstica. Psicol. estud. [online]. 2005, vol.10, n.3, p. 353-362. Disponvel em http://
www.scielo.br/pdf/pe/v10n3/v10n3a02.pdf, acesso em 04
273. Ver Vasconcelos, R.; Pimentel, E. Violncia e criminalidade em mosaic. Macei: EDUFAL, 2009.
274. Ver Cardia, N. Exposio violncia: seus efeitos sobre valores e crenas em relao violncia, polcia e direitos humanos. In:
Lusotopie, 2003.
275. Ver Oliveira. A. (2009) Violncia escolar: verso e reverso das sociabilidades contemporneas. Disponvel em http://www.
mostreseuvalor.org.br/publicacoes/arquivos/Adriana%20Dias%20de%20Oliveira.pdf, acesso em 28/04/10.
276. Ver Ver Silva, J. Salles, L. (2009). A violncia na escola: abordagens tericas e propostas de preveno. Disponvel em http://www.
mostreseuvalor.org.br/publicacoes/arquivos/silva_sales_recife.doc, acesso em 28/04/10.
277. Ver Unesco (2003/2004), obra citada.
278. Ver Abramovay, M. (2006), obra citada.
279. Ver Abramovay, M. (2006), obra citada.
280. Charlot apud Abramovay, Miriam e Rua, Maria das Graas. Violncia nas Escolas. Braslia: Unesco, Instituto Ayrton Senna, UNAIDS,
Banco Mundial, USAID, Fundao Ford, CONSED, UNDIME, 2002.
281. Ver Abramovay, Miriam. A violncia urbana e seus refexos na escola. In: IV Congresso Internacional de Tecnologia na Educao,
2006.
282. Ver Sposito, M. P. Um breve balano da pesquisa sobre violncia escolar no Brasil. Revista Educao e Pesquisa, So Paulo, v. 27,
n.1, p. 87-103, jan./jun., 2001.
283. Alguns nmeros demonstram a gravidade dessa situao: cerca de 35% dos alunos (aproximadamente 585 mil estudantes)
e 29% dos adultos j viram algum tipo de arma na escola. As armas mais vistas so as armas brancas, que se destinam a cortar
ou perfurar. No entanto, apesar das armas mais vistas serem canivete e faca, o percentual de alunos que viram revlver dentro da
escola relativamente alto 12%, que equivale a 204.696 estudantes. Ver Unesco, Pesquisa Cotidiano das Escolas: entre violncias,
2003/2004.
284. O mau trato defnido pela presena de relaes assimtricas entre agressores e vtimas e por ser uma relao que implica em
continuidade de tempo.
285. Revilla Castro, J. C. La violencia de los alumnos en los centros educativos. Revista de Educacin. Madri, n. 329, p. 513-532, 2002.
286. Ver Silva, J. Salles, L. (2009), obra citada.
287. Camacho, L.M.Y. A violncia nas prticas escolares de adolescentes. ANPED-CDROOM, GT Sociologia da Educao, 2001.
288. Ver Oliveira, A. (2009), obra citada.
| 193
289. Ver Silva, J. Salles, L. (2009), obra citada.
290. Para outras informaes, vide Patterson, G. R. Coercive family process. Eugene: Castalia, 1982. e Patterson, G. R.; Reid, J.; Dishion,
T. Antisocial boys. Eugene: Castalia, 1992.
291. Ver Silva, J. Salles, L. (2009), obra citada; Melo, Z. M. de. Familia y violencia; supervivencia en la casa y en la calle. Una vivencia en
la ciudad de Recife. Universidad de Deusto. 1998. Tese de Doutoramento; Revilla Castro, J. C. (2002), obra citada.
292. Ver Abramovay, M. Violncia nas escolas: O caso do Brasil. Unesco, 2002.
293. Ver ILANUD. Violncia nas escolas. In: Revista do Ilanud,n. 16. 2000.
294. Mesquita Neto destaca que o debate sobre a proibio do comrcio de armas de fogo infuenciado no apenas por teorias,
pesquisas e dados empricos, mas tambm por valores ticos e polticos de cada indivduo, grupo ou comunidade. Aponta ainda
que a disponibilidade da arma de fogo em casa e na comunidade aumenta o risco de suicdios e homicdios dentro de casa e o risco
de suicdios, homicdios e roubos na comunidade. Vide Mesquita Neto, P. Homicdios e Armas de Fogo no Brasil e em So Paulo.
Disponvel em http://www.nevusp.org/downloads/down129.pdf, acesso em 03/05/2010.
295. Kahn, T. Moura, T. (2010), obra citada.
296. Kahn, T. Moura, T. (2010), obra citada.
297. Para quem tem pouca exposio violncia, a polcia percebida como gil e efciente. Aqueles que so mais expostos
violncia, tm a imagem reversa. Ver Cardia, N. Exposio violncia: seus efeitos sobre valores e crenas em relao violncia,
polcia e direitos humanos. In: Lusotopie, 2003.
298. Kahn, T. Moura, T. (2010), obra citada.
299. Dados coletados por pesquisas de vitimizao para o conjunto dos pases europeus e em alguns pases em desenvolvimento
(Brasil, Peru, Argentina, Moambique, Camboja e frica do Sul) em 2003/2004 pelo International Crime Victimization Survey (ICVS)
e pelo European Crime Victimization Survey (EU-ICS) so ilustrativos desta relao. Enquanto a mdia de notifcao de crimes
para os pases europeus foi de 47%, a mdia nos pases desenvolvidos foi de apenas 19%. Dados coletados tambm pelo ICVS e EU-
ICS em 2004/2005 mostraram que enquanto a mdia daqueles que acreditam que a polcia est fazendo um bom trabalho, nos
pases europeus, foi de 70%, a mdia entre os pases em desenvolvimento foi de 42%. Ver Dijk, Van et ali. Criminal Victimization in
International Perspective. Amsterdam: United Nations Offce on Drugs and Crime UNODC and United Nations Interregional Crime
and Justice Research Institute UNICRI, 2007
300. Um bom exemplo disso a infuncia que a queda de popularidade das polcias a partir de meados dos anos 1970 em diversos
pases, junto s preocupaes especfcas com sua efccia na resoluo de problemas relacionados ao crime, teve na gestao de
novos modelos e estratgias de policiamento, como o policiamento comunitrio e o policiamento orientado ao problema.
301. O policiamento comunitrio consiste em um modelo de policiamento constitudo por uma srie de caractersticas particulares
voltadas a uma maior participao da comunidade nas estratgias e atividades policiais. Entre estas caractersticas destacam-se o
patrulhamento a p, o estabelecimento de bases fxas, muitas vezes construdas em conjunto com a comunidade, policiais fxos na
comunidade e participao em encontros e reunies comunitrias.
302. Ver Kahn, T. Policiamento comunitrio em So Paulo; a viso dos policiais. In: Policiamento Comunitrio: Experincias no Brasil.
So Paulo: Pagina Viva, 2002.
303. O policiamento comunitrio recebe 11% de muito apoio da populao, contra 9,3% do policiamento tradicional. Para os prprios
policiais, o policiamento comunitrio mais educado (46,6%) e prestativo (43,7%) do que o tradicional. No entanto, no quesito
efcincia, apenas 20% consideram a polcia comunitria mais efciente, proporo que permanece mesmo entre os policiais
comunitrios (20%). Ver Kahn, T. (2002), obra citada.
304. Ver Abramovay, M., Waiselfsz, J., Andrade, C., Rua, M. G. Gangues, galeras, chegados e rappers: juventude, violncia e cidadania
nas cidades da periferia de Braslia. Rio de Janeiro: Garamond, 1999.
305. Ver Guimares, S.; Campos, P. Norma social violenta: um estudo da representao social da violncia em adolescentes. Psicol.
Refex. Crit. 2007, vol.20, n.2, p. 188-196.; e Abramovay, M.et al (1999), obra citada.
306. Ver Mockus, A. Anfbios culturales y divorcio entre ley, moral y cultura. In: Anlisis Poltico n. 21, 1994, p. 37-48.
307. Kahn, T. Moura, T. (2010), obra citada.
308. Cardia, N. (1999) Os impactos da exposio a violncia: aceitao da violncia ou horror continuado? O caso de So Paulo.
Disponvel em http://www.nevusp.org/downloads/down195.pdf, acesso em 06/05/10.
309. Ver Cardia, N. (2003), obra citada.
310. Para uma anlise da relao entre violncia e transtornos mentais, vide Diaz, L. et al. Violncia e transtornos da personalidade:
a morte da alma. (2009) Disponvel em http://www.mostreseuvalor.org.br/publicacoes/arquivos/Luciana%20Diaz.doc, acesso em
28/04/10.
311. Ver Shakoor, B. Chalmers, D. Co-Victimization of African-American Children who Witness Violence: Effects on Cognitive, Emotional
and Behavioral Development. Journal of the National Medical Association, 83, 1991. pp. 233-238.
194 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
312. Ver Cardia, N. (2003), obra citada.
313. Ver Cardia, N. (1999), obra citada.
314. Jovens do sexo masculino e negros aparecem predominantemente nesse perfl. Para outros detalhes sobre o perfl das vtimas e
agressores no Brasil, acesse http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJCF2BAE97ITEMID78EA9AA6C582483FA694D19FA0A90410PTBRIE.
htm. importante destacar tambm que a indicao dos jovens como principais vtimas e agressores no pretende criminaliz-los,
mas sim destacar a vulnerabilidade desse pblico a situaes de violncia.
315. Ver Ver Shakoor, B. Chalmers (1991), obra citada; e Cardia, N. (2003), obra citada.
316. Ver Cardia, N. (2003), obra citada, de onde se deriva o diagrama 8.
317. Ver Cardia, N. (2003), obra citada; e Cardia, N. Atitudes, normas culturais e valores em relao violncia em 10 capitais brasileiras,
1999 (Banco de dados). So Paulo: NEV-USP/ SEDH/ PNUD, 1999. In: Consrcio de Informaes Sociais, 2006. Disponvel em: http://
www.cis.org.br. Acesso em 03/08/2009.
Polticas de Valor
| 195
Polticas de Valor
PARTE 3
196 PARTE 2 | Valores de vida e desenvolvimento humano
Agora as Naes Unidas
Pelo desenvolvimento
Em respeito s nossas vidas
- considerando o momento-
Inovam c no Brasil
E traam nosso perfl
Destacando sentimentos
Seu mais novo relatrio
Sobre nossas condies
Entrecruza parlatrio
Questionrios e vises
Criando indicadores
Que consideram valores
Como guia de aes
Por no ser sufciente
Medir riqueza em tabela
Mudou seu expediente
E foi ouvir a favela
O serto e a beira-mar
Deixando o povo soltar
O grito preso na guela
E foi esta voz do povo
Que deu o mote da vez
Trazendo algo de novo
Para renovar a tez
Do nosso I. D. H.
Que ter que ampliar
O conceito de escassez
Foi perguntado s pessoas
O que preciso mudar
- dentre tantas coisas boas-
Para a vida melhorar
Responderam comovidas:
Faltam valores de vida!
Para tudo se ajeitar
Pois foi depois de colher
Uma gama de opinio
Que se pde compreender
O que diz meio milho
De cidados brasileiros
Que muito mais que dinheiro
Querem paz e educao
Trabalho, casa e sade
Tambm so reivindicados
E se bem entender pude
tambm considerado
Como de suma importncia
O cuidado com a infncia
Por quase todos citado
Dentre os opinadores
Mulheres e jovens so
Especfcos atores
Cuja preocupao
o nvel da violncia
Que invade residncia
E escola, pblica ou no
Mesmo assim falam de crena
No papel da educao
Demonstrando conscincia
De que preciso ao
''Mas de baixo para cima
A fm de que nos redima
Do mal que afige a nao''
Nas falas de cada um
H um denominador
Que chega a ser comum
E emerge como um fator
Que requer refexo
Pois sugere a adoo
De polticas de valor:
Prticas humanizadas
Feitas com o cidado
Que sendo efetivadas
Permitem a satisfao
Pra l de material
Pois envolve o emocional
E promove a unio
Poltica como dilogo
E amplo engajamento
Em pensamento anlogo
Visando o aprimoramento
Das relaes sociais
Que pode levar paz
E extirpar o tormento
Pois respeito e tolerncia
possvel aprender
A comear na infncia
Pra nunca mais esquecer
Na famlia e na escola
E at brincando de bola
Se aprende a conviver
E no trabalho ou na rua
Onde se possa estar
''Que cada um contribua
Pra violncia evitar''
Respeitando as diferenas
E as variadas crenas
Que cada um professar
Desemprego e violncia
Problemas familiares
Intolerncia e doena
E poluio dos ares
''So coisa que venceremos
Desde que nos espelhemos
Em prticas exemplares''
Polticas com o cidado
necessrio fazer
Pois boas prticas esto
J a se desenvolver
Por este Brasil afora
Mas chegada a hora
De muito mais se fazer
Cada um responsvel
Para cumprir seu papel
''Pois vida boa e saudvel
Jamais cair do cu''
Governo e sociedade
Tm responsabilidade
No preparo do pastel
''Pois pra no comer o po
Que o diabo amassou
preciso comunho''
E hbitos de valor
Ao comunicativa
Entre a sociedade viva
Em aquele que for gestor
Pois alm do investimento
Na poltica social
preciso envolvimento
De cunho individual
Desenvolvendo valores
Que minimizem as dores
Do cidado em geral
Valores so importantes
Como guias de ao
Levam o pas adiante
Quando h integrao
Entre culturas e normas
Comportamentos e formas
Tudo educao!!
Conclui-se que aferir
A evoluo social
muito mais que medir
O volume de capital
Distribudo per capita
Pois este ndice no capta
O que fundamental
O povo foi quem falou
O que preciso mudar
Bastante se destacou
Que ''sem valores no d!''
Pois tudo sendo bem feito
Mas no havendo respeito
Uma vida boa no h!
Contribuio Especial Salete Maria, cordelista
RELATRIO DO PNUD
| 197
iNTroDuo:
Por umA NovA viSo
DE PolTiCAS PbliCAS
No campo da poltica pblica, quase sempre,
relatrios tm apenas um nico objetivo: traar
recomendaes para polticas governamentais.
Esse sem dvida um objetivo fundamental,
mas no esgota todo o potencial que a poltica
pblica tem na esfera do desenvolvimento
humano. Em particular, no contempla o poder
das polticas com o cidado, que so aquelas
que reconhecem a importncia do engajamento
dos indivduos como agentes do seu prprio
desenvolvimento. Polticas para e com o cidado
devem dar poder para que ele possa agir. Devem
ainda oferecer instrumentos de liberdade que
os motivem e permitam que eles transformem
seus prprios destinos, por meios materiais
ou imateriais (como informao, apoio,
motivao). No campo da construo de valores
humanos, objeto da Parte 3 deste relatrio, essa
diferenciao entre polticas governamentais
e polticas com o cidado crucial para que
elas possam ser pensadas de maneira integrada,
sinrgica, visando a uma atuao mais efcaz.
Desse modo, o propsito desta parte
caracterizar, examinar e discutir quais seriam
as melhores polticas pblicas, entendidas
nesse contexto mais geral, para a promoo de
valores de vida na sociedade brasileira. Com isso,
pretende-se contribuir para os dois objetivos
principais, comunicados pela populao na
Campanha Brasil Ponto a Ponto e que levaram
escolha do tema Valores de Vida para este
relatrio, identifcados como a reduo da
violncia e a melhoria da qualidade da educao.
Aqui outros objetivos tambm so discutidos
nas reas de assistncia social, sade e trabalho.
A promoo de valores humanos aparece neste
documento como principal instrumento e fm
das estratgias apresentadas.
De nenhum modo se sugere com isso que
essas polticas sejam as nicas ou as mais
importantes para a realizao desses fns. O
argumento construdo neste relatrio enfatiza
a importncia das polticas de valor como
complementar a outras polticas sociais para a
educao e a segurana. O conceito de polticas
de valor salienta a construo e escrutnio de
valores como forma de criao de vivncias e
experincias que promovam valores pblicos
de respeito, tolerncia, responsabilidade, entre
outros, que so importantes para a promoo
do desenvolvimento humano. As polticas de
valor no so, no entanto, apenas polticas
que constroem e transformam valores. Elas so
polticas que geram resultados de valor, que
podem ser a possibilidade de uma vida pacfca,
em que as escolas ofeream reais oportunidades
de vida a todas as crianas e a todos os jovens e
que estimulem prticas parentais e trabalhistas
que faam desses respectivos ambientes
lugares onde as pessoas possam ser mais felizes
e realizadas.
Na Parte 2 deste relatrio viu-se que valores
no so formados por simples discursos, mas
por vivncias, prticas e aes. Por essa razo,
enfatiza-se aqui, na anlise de polticas, a
construo e a promoo desse lado pragmtico
que reconhece as grandes difculdades existentes
para que valores sejam vistos como objeto de
poltica pblica. Isso de modo algum sugere que
os discursos no sejam aliados importantes na
busca de uma transformao social que seja
muito mais qualitativa do que quantitativa. A
discusso, o pensamento e a razo pblica so
elementos-chave na construo dos consensos
necessrios para a mudana social. Precisamos
falar e conversar sobre valores, examinar as
consequncias individuais e sociais da adoo
de determinados valores, discutir o que nos
parece correto ou no, tratando de suas razes.
Somente com o envolvimento dos indivduos
possvel a promoo de polticas pblicas
que tenham alcance, amplitude e sejam
devidamente apropriadas
1
pelos cidados.
198 PARTE 3 | Polticas de Valor
Com essa fnalidade, a Parte 3 do relatrio
dividida em trs captulos. O primeiro explica
os fundamentos conceituais dessas polticas
de valor defendidas aqui. O segundo procura
destacar exemplos e boas prticas de polticas
de valor
2
que foram encontradas na preparao
deste relatrio e que buscam, com a promoo
e transformao de valores, uma educao de
melhor qualidade e uma sociedade com menos
violncia. Por fm, conclui com a introduo de
um novo ndice, construdo a partir da lgica do
desenvolvimento humano, denominado IVH (n-
dice de Valores Humanos). A originalidade desse
ndice consiste na introduo e sistematizao
de variveis que ilustram como valores infuen-
ciam na evoluo do desenvolvimento humano
de uma sociedade.
Para concluir essa introduo preciso
chamar ateno para um ponto fundamental. A
Parte 3 foi elaborada como um convite refexo
sobre a importncia dos valores para o desen-
volvimento e ao da sociedade. Como tal, cabe
a cada pessoa julgar o que apropriado ou no,
o que deve ser modifcado, o que faz sentido ou
no no contexto em que vive. No entanto, ofere-
cemos aqui materiais para essa refexo, instru-
mentos para que um primeiro passo na consi-
derao de polticas de valor possa ser dado.
| 199
Fundamentos das
Polticas de Valor
12
200 PARTE 3 | Polticas de Valor
Polticas de valor so aquelas que trabalham
tanto a formao, educao e transmisso de
valores como visam a resultados de valor para
a sociedade. Procura-se, desse modo, com o uso
dessa terminologia evitar a dicotomia entre
instrumentos (meios) e resultados (fns) das
polticas. frequente vermos na poltica pblica
a sugesto de remdios amargos para a
obteno de um fm social maior desejvel. Essa
separao e leitura confituosas entre meios
e fns da poltica pblica desnecessria ao se
tratar do tema promoo de valores de vida e
desenvolvimento humano.
As polticas examinadas e sugeridas nesta
parte possuem alta sinergia entre os seus
elementos instrumentais e constitutivos
3
. Em
outras palavras, pode-se dizer que a promoo de
valores de vida e valores pblicos importante
em si mesma, gerando tambm consequncias
positivas e importantes na vida das pessoas, em
particular, nas reas de segurana e educao.
PolTiCAS PbliCAS E
PolTiCAS DE GovErNo
Polticas so normalmente denominadas
pblicas quando informam a ao
governamental, entendida como resultado da
atividade poltica. Nesse sentido, ser pblico
mais do que ser coletivo
4
, pois contempla a fora
produzida pela autoridade soberana do governo,
adquirida pela atividade poltica. Assim, sua
dimenso pblica defnida no somente pela
quantidade de pessoas atingidas pela sua ao,
mas pela autoridade que carrega. Desse modo,
as polticas pblicas envolvem os fns e as
aspiraes gerais de uma sociedade, assim como
os meios que so utilizados para alcan-los.
OS FUnDAMEnTOS DAS POLTIcAS PBLIcAS:
O MODELO TRADIcIOnAL
Dentro dessa viso de polticas pblicas,
suas principais caractersticas so: i) natureza
institucional, na qual a autoridade formal
legalmente constituda pelo processo poltico
executa um mandato por meio do aparato
do governo; ii) carter decisrio, envolvendo
uma sequncia de decises sobre meios e fns
como resposta a problemas e necessidades; iii)
comportamental, com impacto sobre o curso de
ao dos indivduos; e iv) causal, produto de uma
ao com efeitos no sistema poltico e social. A
necessidade da intencionalidade na execuo
das polticas pblicas faz com que essas
tenham que ser elaboradas, implementadas,
monitoradas e avaliadas.
O processo de formulao de polticas
pblicas tradicionalmente composto por trs
fases fundamentais
5
: insumo primrio, insumo
intermedirio e produto fnal. O insumo primrio
defnido por demandas sociais apresentadas
por diversos atores (cidados, ONGs, iniciativa
privada, associaes, fundaes etc.) aos atores
polticos. Nesse estgio os formuladores de
poltica pblica (tambm conhecidos como
policymakers) iniciam a defnio da agenda
governamental por meio da priorizao de
temas que se encaixam em uma agenda pblica
e uma agenda formal. Chamamos de agenda
pblica aquela lista de temas que alcanou
alto nvel de interesse pblico. Por outro lado,
a agenda formal a lista daquelas questes
que so formalmente reconhecidas pelos
formuladores de polticas (deveria coincidir com
a agenda pblica, mas nem sempre o caso)
6
. O
estgio dos insumos primrios aquele em que
os problemas so identifcados, ajudando na
focalizao das aes governamentais. natural
que alguns problemas tenham mais visibilidade
do que outros, por isso importante pensar em
quais processos fazem chegar essas informaes
aos tomadores de deciso. comum que alguns
problemas mobilizem a sociedade mas no
cheguem a afetar a percepo dos tomadores de
deciso, fazendo com que as agendas pblicas
no cheguem a ser traduzidas em agendas
formais.
| 201
No estgio de insumo intermedirio, o pro-
cessamento das demandas ocorre de acordo com
a participao dos atores visveis e invisveis da
poltica. quando a atividade poltica, entendida
como atendimento de demandas sociais, defne
os temas que sero escolhidos como prioritrios
pelos governos. Enquanto os atores visveis (alto
escalo do poder executivo, membros do poder
legislativo, entre outros) so os que geralmente
defnem a agenda governamental, h um es-
pao para os atores invisveis (acadmicos, pes-
quisadores, populao, entre outros) infurem
no estabelecimento das alternativas.
Finalmente, o processo de formao da
poltica pblica conclui com a escolha das aes
selecionadas e da montagem das estratgias de
implementao. Assim o processo tradicional,
que exerce uma importncia-chave na formula-
o e realizao de polticas pblicas.
UMA nOVA VISO DE POLTIcAS PBLIcAS
A formulao da poltica pblica pode ser
melhorada dando um papel mais ativo ao
cidado na sua formulao
7
. Partindo da tica do
desenvolvimento humano, o grande desafo das
polticas pblicas fazer com que os cidados
se apropriem das solues e faam parte
delas, deixando de ser apenas coadjuvantes da
poltica pblica. A abordagem das capacitaes
8
,
fundamento do desenvolvimento humano,
prega que importante olhar para os processos
de formao de polticas nos quais os indivduos
possam ver estimuladas suas habilidades de
participao ativa e autnoma na construo
das solues. Nesse contexto, a capacidade das
pessoas formularem objetivos e esforarem-
se para obt-los faz parte da realizao de
suas aspiraes e agncia
9
e, portanto, do
desenvolvimento humano.
Assim, a poltica pblica pode ser formulada
no somente para guiar a poltica governamental
no sentido descrito acima, mas para orientar os
cidados, caso em que podemos fazer referncia
s polticas com o cidado. Para que sejam
efetivas necessrio que esssas polticas:
levem em conta o dia a dia dos indivduos,
em suas aes e peculiaridades;
sejam polticas empoderadoras, fornecendo
opes e cursos diferenciados de ao s pessoas;
respeitem a diversidade dos indivduos e
de realizao dessas polticas de acordo com as
condies de cada um;
contemplem micropolticas, baseadas
em pequenas aes, mas que podem ter
grandes efeitos se feitas por mais gente ou
persistentemente no tempo.
Resultados so importantes. Mas os processos
que do origem aos resultados tambm devem
fazer parte das polticas, procurando respeitar
uma estrutura de baixo para cima (bottom-up)
na formulao e implementao de solues
que sejam compatveis com uma viso de
desenvolvimento humano criador de liberdades
substantivas para as pessoas.
dentro desse contexto que esta parte do
Relatrio de Desenvolvimento Humano Brasileiro
apresenta boas prticas e polticas dentro de
vivncias e experincias abertas no somente
aos tomadores de deciso governamentais,
mas tambm para a populao brasileira. Por
isso, quanto trata de polticas pblicas, refere-
se a polticas governamentais, essenciais pelo
poder poltico que tm quanto a polticas para
o cidado, pela necessidade da promoo do
desenvolvimento humano como um processo
de expanso de liberdades para a populao.
imPlEmENTAo E
SimPliFiCAo DE PolTiCAS
Em termos gerais, o momento de colocar a
poltica pblica em prtica aquele a partir do
qual as aes previamente escolhidas passam a
ser colocadas em prtica (ou operacionalizadas).
Frequentemente na poltica pblica, dada
ateno quase exclusiva ao desenvolvimento
de planos e projetos governamentais. Esse o
202 PARTE 3 | Polticas de Valor
modelo em que a execuo feita para as pessoas.
Diferentemente, no modelo de polticas com o
cidado, fundamentado no desenvolvimento
humano, a implementao o momento em
que as pessoas tm poder para ajudar a colocar
em prtica essas solues. Portanto, o modelo
em que feita com as pessoas.
Obviamente, podemos estar tratando de
casos em que as pessoas no possuem as
condies mais fundamentais para atuarem
em prol das solues, mas mesmo assim deve-
se tentar adaptar o processo de defnio de
estratgias para que estas sejam compatveis
com as difculdades que caracterizam o
desenvolvimento humano de um pas ou regio.
Trabalhar no somente para as pessoas, mas com
elas, signifca adaptar a execuo de polticas
pblicas aos contextos e difculdades impostas
pelas condies de baixo desenvolvimento
humano.
Nessa perspectiva, o processo de realizao
envolve uma srie de decises e interaes
sociais bem como um processo de aprendizagem
para o cidado e para os tomadores de deciso.
A efetividade das polticas pblicas depende
da existncia ou no de dfcits no processo de
implementao, que, por sua vez, dependem
da existncia ou no de falhas nos elos entre o
cidado e os tomadores de deciso. possvel
que a poltica pblica seja pensada e feita de
cima para baixo, sem que exista muita interao
entre os atores, fazendo com que o formulador
de poltica pblica no dialogue com aquele que
a coloca em prtica e que este, por sua vez, no
dialogue com o cidado. O cidado fca, assim,
sendo mero espectador do desenvolvimento
humano, sem ao, sem participao e, muitas
vezes, sem voz.
No entanto, se a implementao da poltica
pblica for feita com o cidado, sua operaciona-
lizao passa a ser um processo continuado de
trocas de ideias e decises conjuntas. A poltica
pblica passa a ser constituda por um governo
que informa, organiza as ideias, motiva as pes-
soas a participarem, devolve as informaes
para a mobilizao das pessoas. Os benefcios
dessa abordagem so inmeros, porque:
os tomadores de deciso (governamen-
tais) no tm como saber de todas as condies
presentes no momento da implementao das
polticas. Somente uma poltica com o cidado
pode chegar a processos decisrios que levem
em conta obstculos, interesses e realidades di-
versas;
o conhecimento tcnico no a nica for-
ma de conhecimento que precisa ser respeitada.
As razes das pessoas e seus julgamentos de val-
or so partes essenciais do processo de tomada
de deciso;
a participao das pessoas importante
para o entendimento de confitos, apa-
rentemente insolveis, decorrentes de interesses
locais, que muitas vezes entravam os planos de
desenvolvimento e que somente o dilogo pode
resolver;
a participao das pessoas importante para
dar clareza aos objetivos dos programas gerando
sinergias com as polticas governamentais;
o envolvimento das pessoas pode evitar
com que tomadores de deciso sucumbam a
tentao de expressar seus interesses particula-
res na formulao das polticas.
Para que seja possvel a implementao das
polticas com o cidado preciso que sua forma
de elaborar e construir seja feita de modo simples.
A simplicidade um quesito importante no
por qualquer hiptese de hiato cognitivo entre
o formulador de poltica governamental (bem
amparada tecnicamente) e o cidado com baixo
nvel educacional (por mais que isso seja de fato
verdade), mas principalmente pela necessidade
de transparncia, clareza e articulao que a
poltica pblica deve ter para que seja trabalhada
com diferentes agentes, ou seja, por uma
necessidade de comunicao. A simplicidade
ajuda na minimizao de dissonncias cognitivas
no repasse dos argumentos e ideias, isto , sendo
simples, evita confuses entre as pessoas.
| 203
Sendo assim, a simplicidade um ponto
importante para a formao da razo pblica
12
.
Esta pode ser entendida como um processo de
participao ativado pela discusso pblica.
Com isso, vrias vozes podem ser escutadas,
participando da formao da agenda pblica,
como defnida anteriormente. A simplicidade
das polticas e das mensagens (nos casos em
que isso for possvel) permite a interao e
participao do cidado.
Por meio da razo pblica, a justia social
pode ganhar vozes e mentes. Embora o processo
de discusso pblica seja menos especializado
e mais aberto, permite a explorao de uma
pluralidade de razes e de justifcativas para
seguir um curso ou outro de ao. A simplicidade
potencializa a razo pblica.
Assim, a implementao e simplifcao
so importantes para que todos participem
do desenvolvimento com justia social,
considerando opinies convergentes e
divergentes, chegando a concluses dentro
de um contexto de respeito diversidade dos
indivduos e pluralidade de possibilidades e
cursos de ao. Pela razo pblica e pelo respeito
diversidade, pode-se chegar mais prximo
de argumentos imparciais sobre os melhores
cursos da ao pblica.
Todos os seres humanos tm habilidades
humanas bsicas, como a capacidade para o
entendimento, a empatia, o argumento. As
pessoas no precisam de formao tcnica para
reconhecer a importncia da comunicao, da
cooperao e do que signifca uma vida melhor.
O conhecimento tcnico, se simplifcado quelas
dimenses traduzidas em pontos abertos a
julgamentos de valor, pode ajudar a motivar e
engajar as pessoas na soluo de problemas
complexos.
ArTiCulAo DE PolTiCAS
A poltica pblica engloba vrias dimenses
do processo de desenvolvimento. Muitas vezes,
deve enfrentar o embate de presses conjun-
turais em relao a presses de estrutura, ou
ao confito de interesses legtimos de diferentes
parcelas da sociedade, ou a objetivos que em
determinado momento parecem ser irreconci-
liveis do ponto de vista da sua implementao.
Existem vrios tipos de problemas de concilia-
o entre aspectos da poltica pblica que so
frequentemente resolvidos por meio de polti-
cas que privilegiam solues focadas em setores
especfcos, como sade, educao, transporte
etc. Como resultado, prioridades so resolvidas
intrasetorialmente, sem em considerar uma
harmonizao de objetivos e prticas
13
. Perde-se
assim uma viso de todo.
Na perspectiva do desenvolvimento humano,
as polticas precisam ser pensadas, elaboradas,
executadas e avaliadas de forma articulada
e interligada. Os problemas de conciliao
podem assim ser enfrentados por um requisito
de compatibilidade cruzada entre diferentes
aspectos do desenvolvimento. As metas
estabelecidas devem ter consistncia recproca,
e os problemas devem ser vistos de maneira
sistmica
14
. Mas o que isso signifca?
No caso deste relatrio signifca ver os
diferentes atores e problemas como parte de um
mesmo cenrio para os quais aes integradas
so necessrias para o enfrentamento de uma
problemtica mais complexa. A integrao de
atores e questes adiciona complexidade a
uma viso setorial dos problemas, pois explicita
os elos entre as diferentes dimenses. A Figura
12.1 exemplifca o problema da integrao
para as principais questes analisadas aqui.
O primeiro resultado evidente: em lugar de
tentar entender separadamente os desafos
da violncia, da baixa qualidade da educao,
das mudanas das prticas parentais e do
fenmeno do sofrimento no trabalho (que afeta
204 PARTE 3 | Polticas de Valor
principalmente o setor educacional), procura-se
juntar esses elementos para v-los todos como
parte da mesma questo.
As prticas parentais so afetadas pelo
mundo do trabalho e impactam na relao
entre pais e professores (seja do lado daqueles
pais superocupados que no dispem de tempo
nenhum para os flhos, ou daqueles que com
tempo abundante, por desemprego ou doena,
passam por problemas de autoestima etc.), a
qual, por sua vez, afeta a formao de crianas
e jovens, moldando padres de interao entre
os indivduos que infuenciam o mundo do
trabalho. Buscando-se uma leitura pela tica
dos valores, objeto deste relatrio, nota-se como
uma viso sistmica, ou integrada, pode sugerir
um novo conjunto de solues para velhos
problemas.
Em outras palavras, a diferena prtica
de uma viso sistmica ou integrada reside
na identifcao de opes que alinhem de
modo mais efetivo o nvel de atuao conjunta
requerida para o entendimento e resoluo
das questes. Em particular, deve-se chamar
ateno para:
as sinergias que podem ser obtidas atravs
da atuao conjunta entre duas ou mais reas;
os trade-offs
15
existentes entre opes de aes;
o desenrolar dos impactos espacial e tem-
poralmente.
Assim, uma viso sistmica fundamental
para que se possa avaliar melhor os processos,
mesmo que em um primeiro momento no se
possa ir alm do reconhecimento de alguns links
entre diferentes setores, agentes e problemticas.
No entanto, mesmo esse pequeno passo permite
uma viso de que os processos de tomada de
deciso envolvem no somente a considerao
de elementos tcnicos setoriais, mas tambm
de elementos valorativos de comparao entre
diferentes setores e agentes.
Uma viso sistmica ou integrada permite
a melhor compreenso de como polticas
governamentais e polticas com o cidado podem
ser vistas de maneira a explorar suas sinergias,
evitando trade-offs que violem direitos dos
cidados e confitos de interesse desnecessrios,
como no caso, por exemplo, confitos entre
famlias e escolas. Quando o problema
entendido em toda a sua complexidade,
sintomas parciais como culpabilizao ou
desengajamento moral, explorados na Parte
2 deste relatrio, podem ser contextualizados,
melhor compreendidos e melhor atacados.
Figura 12.1
Integrao de
polticas
Prticas
parentais
Qualidade
da educao
Violncia nas
casas e escolas
Sofrimento
no trabalho
P
R
O
F
E
S
S
O
R
E
S
F
A
M
L
I
A
S
E
M
P
R
E
S
A
S
C
R
IA
N
A
S
E
J
O
V
E
N
S
| 205
umA CoNCEPo PbliCA
DE vAlorES
O relatrio defende uma concepo poltica
ou pblica de valores. Com isso espera-se evitar
trs armadilhas possveis ao traduzir uma viso
de valores em polticas concretas. Mais especif-
camente, tenta-se: i) no partir de um conceito
de valores baseados em essncias imutveis
16
;
ii) no se limitar a uma mera descrio dos va-
lores diversos e plurais do mundo que nos con-
duz a inao
17
; e iii) no fcar apenas reiterando o
carter imparcial dessa perspectiva
18
.
Os valores so imersos em culturas e
concepo pblica de cultura esto sempre em
relaes de negociao, confitos e emprstimos
mtuos de signifcados. Quando entramos em
contato com diferentes culturas, comunicamos
nossa cultura e tambm nos transformamos,
alterando nosso ponto de vista valorativo, nossas
prticas e nossos costumes. Por isso dizemos
que os valores e as culturas esto vivos em um
processo constante de mutao
19
.
Por isso, falar em valores pblicos pode
parecer estranho, pois, de algum modo, todos
os valores so pblicos, no sentido de serem
coletivamente compartilhados, assim como
a moral e a linguagem
20
. A rigor, no existe
uma linguagem pessoal. A linguagem
uma construo intersubjetiva, socialmente
produzida. Para que haja comunicao
necessrio que compartilhemos os sentidos das
palavras no que podemos chamar de lngua
em uso
21
. Mesmo que seja possvel afrmarmos
valores pessoais, somos portadores de valores
que so construdos intersubjetivamente.
Ainda que os valores sejam pblicos
por defnio, faz-se necessrio distinguir a
abordagem que este relatrio faz de outras duas
possveis compreenses da questo. Uma delas
deriva da perspectiva tratada acima. Esta forma
de encarar os valores corresponde perspectiva
antropolgica
22
, que se refere maneira como
os valores culturais relacionam aos sistemas de
crenas e de signifcao. Seria possvel tambm
considerar valores pblicos aqueles que de
alguma forma esto associados ao conjunto
de leis e normas ou princpios constitucionais
que regem determinada sociedade. Tanto em
uma como em outra possibilidade, estes valores
exercem signifcativo constrangimento moral
aos que deles compartilham.
A perspectiva aqui outra. Trata-se de apre-
sentar uma concepo poltica ou pblica de va-
lores. A expresso concepo poltica de valores
visa a diferenciar a proposio deste relatrio
de outras formas de se encarar os valores pro-
venientes de sustentaes fundamentalistas ou
metafsicas, ancoradas em alguma ideia de ver-
dade epistemolgica ou de ontologias flosfcas
abrangentes. A concepo aqui apresentada
poltica, no porque esteja relacionada a alguma
perspectiva poltico-partidria, mas porque
fruto de acordos. Assim, se por um lado pos-
svel identifcar certa inspirao em John Rawls
em sua teoria da justia
23
, a proposio inova na
direo de um acordo dialgico, reconstrutivo
24
.
O sentido do termo poltica nessa expresso a
ideia de dialogia; artefato humano, arranjo pre-
crio, artifcio contingente, pois mutvel, renego-
civel, ou, em outras palavras, aberto ao dilogo.
A denominao concepo poltica de va-
lores, portanto, no tem nada a ver com partidos
polticos, mas com a ideia de poltica como dilo-
go, acordo. Isso porque uma concepo poltica
ou pblica de valores est constantemente aber-
ta discusso, baseada em um formato fexvel,
mas que pode resultar objetivamente como
produto desse mesmo dilogo. Vrios documen-
tos importantes, como a Declarao Universal
dos Direitos Humanos ou os Objetivos de Desen-
volvimento do Milnio da ONU, retratam uma
concepo pblica de valores
25
. No Brasil, as re-
centes conferncias nacionais organizadas para
a discusso de prioridades nas reas de segu-
rana e educao tambm retratam a formao
e formulao dessa concepo de valores.
206 PARTE 3 | Polticas de Valor
O resultado que valores se transformam
no tempo na medida em que se tornam obje-
to do debate pblico, sendo sempre um pouco
precrios e provisrios, pois so sempre frutos
de acordos com certo grau de contingncia. As
assimetrias sociais existentes no invalidam
os valores como resultantes dos processos de
dilogo. Podemos assim, dentro dessa perspec-
tiva de uma concepo poltica ou pblica dos
valores, enfatizar a importncia da diversidade e
ainda assim buscar a construo de um discur-
so poltico e afrmativo, em torno de princpios
para uma vida boa, para os valores de vida
26
.
Valores pblicos so, portanto, aqueles nos
quais discursos pela tolerncia, respeito, in-
cluso, compreenso e convivncia consideram
a diversidade pelo reconhecimento do carter
democrtico e potencialmente inclusivo que
representam. Democrtico, porque reconhece
o debate e o dilogo como meio de expanso
desses valores pblicos. Inclusivo, porque aber-
to ao acrscimo de novas agendas em funo
da ampliao da esfera pblica produzida pela
aceitao de novas discursividades e subjetivi-
dades. A esfera pblica, ou o mundo pblico,
produzem novos dilogos que so incorporados
aos valores, como produtos do agir poltico das
partes envolvidas.
Outra maneira de defender uma concepo
de valores pblicos argumentar por uma
concepo de esfera pblica que seja democrtica
e inclusiva como geradora de consensos sociais
intersubjetivos. Esses consensos, entretanto,
so formados no somente por discursos, mas
por prticas ou aes que so resultados de
interaes sociais
27
. Por isso importante refetir
sobre nossas prticas, entender boas prticas,
promover boas prticas. Alguns princpios,
derivados dessa concepo de valores pblicos
que podem ajudar na leitura de prticas, so:
Compromisso com o respeito diversidade
humana;
Compromisso com o carter democrtico e
dialgico dos valores;
Compromisso com a alteridade e com o res-
peito a perspectiva do outro;
Compromisso com os direitos individuais,
humanos e da natureza;
Compromisso com a valorizao dos espa-
os pblicos.
Espaos pblicos por si s no aumentam ou
diminuem a violncia. Eles oferecem esferas de
interao, conjuntos de possibilidades, cuja exis-
tncia enseja a existncia de dilogos, fundamen-
tais para a formao da razo pblica e de uma
base compartilhada de valores na sociedade.
No contexto desses princpios, o dilogo deve
emergir como estratgia central de promoo de
valores pblicos, incluindo diferentes culturas e
intersubjetividades, sem tentar colocar debaixo
do tapete caractersticas confitivas e assimtri-
cas da sociedade na qual vivemos.
No que segue, dividimos as polticas por
agentes e diferentes espaos pblicos, como na
famlia, na escola, no trabalho e no governo. No
entanto, fca claro que as distintas polticas, den-
tro de uma perspectiva de polticas de valor e de
polticas com o cidado precisam ser integradas.
Deste modo, procuramos identifcar as contri-
buies de todos para os objetivos comuns deste
relatrio, quais sejam, a melhoria da educao, a
busca por uma vida com paz e felicidade. Dedi-
camos ateno questo do trabalho, que ape-
sar de no estar diretamente ligada promoo
dos objetivos da educao e da reduo da vio-
lncia, foi a terceira questo setorial mais popu-
lar, logo abaixo da violncia (com 9%), segundo a
consulta Brasil Ponto a Ponto. Mesclamos listas
de polticas com boas prticas como um convite
para o debate pblico e formao de valores p-
blicos na sociedade brasileira.
Figura 12.2
Espaos
e valores
pblicos
| 207
Polticas de valor
na prtica
13
208 PARTE 3 | Polticas de Valor
Polticas de valor so aquelas que trabalham
elementos de valores de vida para a obteno de
resultados de valor. Uma vida com paz e a edu-
cao de qualidade para todos so objetivos de
valor. Estratgias para que isso possa acontecer
dentro de uma concepo pblica ou poltica de
valores sero tratadas a seguir, com ilustraes
e argumentos que pretendem traduzir desafos
complexos de poltica pblica em aes concre-
tas simples, abertas a qualquer cidado e aos
governos que queiram encoraj-las.
PolTiCAS DE vAlor
Com AS FAmliAS
As famlias so frequentemente deixadas de
lado na formao das polticas pblicas
28
, no
como benefcirias, mas como protagonistas.
Pensa-se muitas vezes em polticas para as
famlias
29
, mas no em polticas com as famlias,
em que elas possam exercer seu papel de
agente na construo do desenvolvimento
humano e da justia social no pas. No debate
sobre a formao de valores a famlia exerce
papel fundamental. Quando entendemos que
esses valores so formados pelas prticas e
estilos parentais, como visto no Captulo 8 deste
relatrio, natural que o foco das polticas esteja
na construo de vivncias e experincias que
promovam prticas de valores pblicos. Mais
ainda, quando se elegem os problemas da baixa
qualidade de educao e da violncia como
prioritrios para o desenvolvimento do pas,
passa a ser fundamental pensar de maneira
transversal a importncia da famlia como
elemento transformador das relaes sociais
com impacto no que acontece nas escolas e no
cotidiano de todos
30
. A explicao simples:
a promoo de valores pblicos pea-chave
na melhoria do cotidiano e da convivncia nas
escolas; isso pode contribuir tambm para a
melhoria da qualidade da educao ao fazer da
escola um espao mais atraente, motivador e
acolhedor para os alunos.
A famlia tambm importante para a
diminuio da violncia e a melhoria da relao
escola-famlia no processo de aprendizagem
dos alunos. O conhecimento sobre as condies
de vida das crianas, com a participao ativa
das famlias, viabiliza a criao de atividades
inclusivas e participativas, fortalecendo a
equidade educacional e a diminuio da violncia
no mbito escolar, familiar e comunitrio. Alm
disso, as polticas de valor estabelecem a vital
importncia da participao democrtica
como motor propulsor para a educao de
valores, uma vez que esse procedimento visa a
potencializar a consolidao do respeito mtuo,
da compreenso recproca, da solidariedade, da
cooperao e da integrao coletiva
31
.
As pessoas possuem a capacidade de projetar
sentimentos de acordo com as suas vivncias
34
.
A formao de nossos valores infuenciada
por esse processo. Por essa razo, nossos valores
so construdos a partir de nossas interaes
cotidianas e projees afetivas. Por exemplo,
na relao de uma criana com aquela pessoa
que cuida, abraa, alimenta, escuta e lhe d
carinho, h uma possibilidade muito grande de
que ela projete sentimentos positivos sobre tal
pessoa, enfm, que goste dessa pessoa e que esta
se torne um valor para ela. Pelo contrrio, se a
pessoa que cuida dela o faz de maneira rspida,
violenta, sem afeto, provvel que no seja alvo
de projees afetivas positivas.
Pequenas aes dirias de cuidados e afeto
podem construir um ambiente em que seja mais
provvel o exerccio dessas projees afetivas
positivas. Uma educao em valores pode se
benefciar de discursos, mas somente discursos
no vo resolver a questo. A construo de
projees de sentimentos positivos se d pela
organizao de vivncias e aes cotidianas.
O isolamento social fonte de grandes
problemas dentro da famlia
35
. Para combat-
lo, estratgica a manuteno de rituais de
convivncia familiares, isto , de vivncias
| 209
familiares, como estabelecer o domingo como
dia de reunio do grupo familiar com a famlia
extensa. O estabelecimento de vivncias
regulares importante para o fortalecimento
das relaes afetivas e de cooperao entre
as famlias, pois ela proporciona maior
sensibilizao ao sofrimento dos familiares
36
. A
criao de vivncias no garantia de nada, mas
pode abrir espao para que os indivduos possam
resgatar sua afetividade e humanidade
37
por
meio de uma troca mais intensa com as pessoas
que esto mais prximas.
Quadro 13.1 Diminuindo a violncia
A violncia familiar (domstica) pode ser combatida e prevenida por meio de atividades socioeducativas com
agentes de sade. Para isso, importante compreender melhor como se d a violncia domstica, como se pode
melhor identifc-la e escolher as estratgias de interveno mais efcazes.
O projeto de extenso Conhecer, capacitar e prevenir: uma proposta de enfrentamento da violncia familiar
contra crianas e adolescentes no municpio de Ponta Grossa PR
32
capacita os agentes comunitrios de sade sobre
a violncia domstica e o estatuto da criana e do adolescente. Os objetivos especfcos do projeto so: contribuir
com a diminuio dos ndices de violncia; possibilitar a refexo sobre uma nova cultura de valorizao da infncia
e adolescncia: e contribuir para a construo de uma sociedade mais tolerante baseada na cultura da paz
33
.
O projeto desenvolve atividades de carter socioeducativo, promovendo a identifcao, a notifcao e a
preveno da violncia familiar, bem como a denncia nos casos detectados pelos agentes. Esse projeto possui duas
reas principais de atuao: 1) a interveno social e 2) a produo de conhecimento. Com relao interveno
social, o projeto trabalha diretamente com palestras, capacitaes e ofcinas, promovendo troca de conhecimentos e
experincias entre profssionais da rea da infncia e da adolescncia e as diversas questes sociais que permeiam
a realidade das famlias brasileiras. Ele tambm assessora os Conselhos Tutelares e os Conselhos Municipais dos
Direitos da Criana e do Adolescente dos municpios da regio dos Campos Gerais e demais entidades, para a
refexo sobre alternativas de trabalhos com famlias e com crianas e adolescentes. Com relao produo de
conhecimento, o projeto organiza grupos de estudos, seminrios, pesquisas e produo acadmica para contribuir
com o debate sobre o tema.
As atribuies do agente comunitrio de sade incluem o atendimento aos indivduos e famlias, a interveno
para preveno de agravos ou para o monitoramento de grupos ou de problemas especfcos e tambm para a
insero da sade no contexto geral de vida, no sentido de organizao da comunidade, de transformao e melhoria
na qualidade de vida dos indivduos. A metodologia que norteia o projeto de extenso constituda pelo trinmio
conhecer capacitar prevenir. Nesse sentido, o trinmio possibilita: a construo coletiva de conhecimento entre
a equipe executora do projeto e a populao atingida; a capacitao junto aos profssionais que atuam diretamente
com crianas, adolescentes e profssionais das Equipes da Sade da Famlia; bem como a ao preventiva em
instituies que atendam esta populao.
Pequenas aes dirias de
cuidados e afeto podem construir
um ambiente em que seja mais
provvel o exerccio dessas
projees positivas de afetividade.
210 PARTE 3 | Polticas de Valor
Para que a criao de oportunidades em que
vivncias positivas possam acontecer, talvez
seja preciso reorganizar dentro das famlias
os tempos e espaos em que a vida acontece.
A convivncia cotidiana precisa ser nutrida.
No entanto, seria um equvoco pensar que tais
processos so garantidos, pois eles podem sofrer
uma srie de revezes e contingncias. Podemos
conseguir com vivncias e aes um aumento
da probabilidade de que essas projees afetivas
sejam estimuladas no ambiente familiar. De
outra forma, pode-se dizer que as polticas com
as famlias devem oferecer suporte a elas para
que seus membros se sintam mais capazes de
estimular o dilogo, criticidade, escuta ativa e
respeito mtuo
38
.
Mas as prticas parentais podem ir muito
alm do que acontece na relao com as
escolas. Elas podem incluem aes, tcnicas
e mtodos especfcos usados para ensinar
um determinado valor ou chamar a ateno
das crianas para adotar ou corrigir certas
atitudes e comportamentos. Se a meta dos
pais, por exemplo, transmitir aos seus flhos
a importncia do bom desempenho escolar, a
prtica parental apropriada acompanhar seus
flhos na realizao das tarefas escolares em casa.
Se o propsito desenvolver a autoestima dos
flhos, as prticas parentais devem contemplar
atividades dos pais com os flhos, mostrando por
meio dela maior interesse pelo bem-estar deles.
As prticas parentais podem desenvolver
qualidades nas crianas, como, por exemplo, o
no egosmo, ao incentiv-las a emprestarem
seus brinquedos, ou o bom comportamento
mesa, ou ao uso de expresses como por favor
na interao com os demais. Os impactos das
prticas parentais podem inclusive ser bem
mais amplos, infuenciando o desempenho
acadmico, independncia, cooperao e
empatia social
41
. Entretanto, assim como existem
prticas parentais positivas, que facilitam a
adoo de normas convencionadas na sociedade
e comportamentos pr-sociais, tambm h
casos em que so exercidas prticas parentais
negativas, que podem prejudicar o aprendizado
de valores e conduzir a comportamentos
antissociais nas crianas e adolescentes, como o
vandalismo, brigas de rua, fuga de casa, evaso
escolar ou agressividade.
PRTIcAS PAREnTAIS nEgATIVAS
As principais prticas parentais negativas que
levam ao desenvolvimento de comportamentos
Quadro 13.2 Melhoria da relao famlia-escola
O projeto Pais e Paz na Escola um projeto de iniciativa de uma nica escola localizada em Tocantins. Esse projeto
conta com a parceria dos pais e de outros colaboradores (Governo do Estado de Tocantins, universidade e outros),
cujo objetivo principal prevenir a violncia dentro e fora da escola. Para isso, a escola capacita a famlia com o
intuito de torn-la uma forte aliada na identifcao das necessidades reais do aluno. Dessa forma, a escola visa a
cultivar a autodisciplina, as relaes interpessoais e o fortalecimento da relao famlia-escola
39
.
Alm disso, aquelas famlias que participam mais ativamente das atividades escolares (ajudando a amenizar a
escassez de servidores) tem, em contrapartida, uma cesta bsica doada por alguns dos parceiros do projeto. Por meio
da parceria escola-universidade so desenvolvidas aes com as famlias, com o objetivo de identifcar situaes de
confito e desagregao familiar.
Essas aes j renderam aumento da frequncia dos pais nas reunies escolares, reduo das taxas de abandono
e repetncia, satisfao da comunidade com a escola, diminuio da evaso etc.
40
A qualidade da educao depende
por caminhos menos bvios dos valores formados com a ajuda de todos. Os resultados prticos da criao de alteri-
dade entre pais e famlias se revertem em processos escolares mais efcazes e no melhor desempenho dos alunos.
| 211
antissociais nas crianas e adolescentes so:
a negligncia, o abuso fsico e psicolgico, a
disciplina relaxada, a punio inconsistente, a
monitoria estressante e a comunicao negativa.
A negligncia a atitude parental de
omisso, falta de ateno na criana, despreo-
cupao, descaso, ausncia e falta de afeto. Es-
tudos
42
demonstram que este tipo de prtica na
socia lizao das crianas leva ao desenvolvim-
ento de comportamentos antissociais e confi-
tos com a lei, entre adolescentes. A negligncia
materna tambm a associada a problemas de
compreenso e de ateno dos seus flhos
43
.
Os maus-tratos fsicos podem ser aplicados
em distintas intensidades, em diferentes partes
do corpo e com distintos instrumentos. muito
provvel que se obtenha resultados opostos
aos procurados, quando os pais utilizam
essa medida de correo, aprofundando
ainda mais o comportamento inapropriado.
Os maus-tratos psicolgicos, como insultos,
humilhaes e desprezo, tambm prejudicam o
desenvolvimento psicolgico e social do sujeito.
A disciplina relaxada consiste na prtica
dos pais em colocar regras aos flhos e no faz-
las cumprir, bem como deixar de impor limites
e evitar correes diante comportamentos ina-
dequados. Essa prtica negativa pode produzir
na criana trs atitudes: associao de que as
regras so feitas para no serem cumpridas, des-
respeito autoridade e manipulao emocional
das situaes para no acatar as regras.
A punio inconsistente se d quando os
pais tm atitudes diferentes frente a situaes
semelhantes, agindo conforme seu estado
de nimo, exagerando em algumas ocasies
e ignorando em outras os comportamentos
inadequados dos flhos. Alguns pais aprovam
que os flhos respondam agressivamente contra
uma ofensa de algum, mas em outras ocasies
desaprovam. Outro exemplo em relao
mentira, pois ao mesmo tempo em que alguns
pais procuram incentivar que os flhos no
mintam, eles mesmos o fazem algumas vezes
julgando ser uma mentirinha de nada. Esse
tipo de prtica faz com que a criana cresa
com difculdades de discernir o certo do errado,
sem compreender a essncia do valor ou a
norma e atuando conforme as situaes. A
punio inconsistente tambm pode facilitar
a baixa autoestima, pois os pais em algumas
ocasies tendem a omitir os comportamentos
inapropriados dos flhos e, em outras,
descarregam tenses externas sobre eles.
A monitoria negativa consiste no controle
estressante e excessivo dos flhos, exagerada
vigia e repetio das instrues. Os pais ten-
dem a invadir a privacidade e a manipular emo-
cionalmente os flhos. Adolescentes cujos pais
praticam a monitoria negativa no conseguem
desenvolver plenamente o autodirecionamento
e a autonomia, so inseguros, dependentes dos
pais e propensos a cometer atos escondidos e
a mentir
44
. Uma superviso estressante, como,
por exemplo, em tarefas de limpeza e ordem,
ainda que no seja percebida pelos pais como
negativa, pode criar um ambiente hostil, que in-
duz os jovens a sair de casa e a manter maior
convivncia com pares desviantes. A monitoria
negativa tambm propicia o desenvolvimento
de comportamentos agressivos e, quando a me
exerce este tipo de prtica, conduz a comporta-
mentos internalizantes, como a ansiedade e a
depresso
45
.
A comunicao negativa entre pais e flhos
baseada na ameaa, com gritos, xingamentos,
excesso de crticas, insultos e ironias. Este tipo de
prtica gera um ambiente de desconfana e de
insegurana nos flhos
46
.
Como podemos separar o mundo privado
do mundo pblico, quando o que acontece nas
famlias molda tanto a sociedade na qual vivemos
quanto a agenda nacional de prioridades? Uma
abordagem que focaliza os valores resgata a
importncia de uma viso sistmica para a
soluo de problemas complexos, destacando
no somente sua integrao, mas a simplicidade
das aes que os compe.
212 PARTE 3 | Polticas de Valor
Grande povo brasileiro,
Para os pais mando um recado:
Na pesquisa do PNUD
que ele foi baseado
Chega em forma de cordel
Pra ser bem interpretado.
A famlia importante
Por ser ponto de partida
Na construo dos valores
Que marcam a nossa vida.
Deve ser rede de afeto
Em todo instante da vida.
Nos momentos mais difceis
Quando a gente est doente
Ou precisa trabalhar
Mesmo ardendo em febre quente
Sempre bom poder contar
Com a ajuda de um parente.
Pra dar um futuro aos flhos
Com sade, inteligncia,
No preciso que os pais
Usem de clarividncia:
Pelo exemplo que se mostra
Como bom ter conscincia.
O pai e a me do exemplo
Dividindo os afazeres;
Se houver respeito e carinho,
Tarefas viram prazeres:
bom perceber que, juntos,
Vocs cumprem seus deveres.
Criana aprende na escola,
Mas tambm aprende em casa.
Est sempre atenta a tudo,
Em ateno ela arrasa
Como vai ser pontual
Se o seu pai sempre se atrasa?
Apoiar o flho sempre
Nos trabalhos escolares,
Valorizando os acertos
Com ateno nos olhares,
um gesto simples que cria
Harmonia em nossos lares.
Comportar-se bem mesa
Saber dizer por favor
Se o seu flho aprende isso,
V ele pra onde for,
Vai causar boa impresso
E mostrar o seu valor.
Pais e mes, fundamental
Na educao em famlia
deixar claro que o flho
Tem deveres como a flha:
Pode arrumar o seu quarto
E cuidar bem da moblia.
Conheo muito menino
Que at mesmo loua lava.
No sei se vocs sabiam,
Mas Lampio costurava
E era mesmo bem vaidoso
Dele ningum duvidava!
No v dizer pro menino
No chorar de forma alguma
Quem nunca sofreu na vida?
Chorando a gente se apruma.
Mostrar a sua emoo
No vergonha nenhuma!
Menina, por outro lado,
Tambm pode jogar bola,
Minha flha, por exemplo,
Sempre que chega da escola
Faz a lio, vai pro campo
E s vezes at se esfola!
O respeito entre os irmos,
Tratados com igualdade,
Deve ser incentivado
Independente da idade
Compartilhando os brinquedos
E a responsabilidade.
Quando os pais so permissivos
Deixando o flho vontade
Ele cria autonomia
Ganha total liberdade
Mas vira individualista
E arrogante, com a idade.
H mil jeitos de ser pai
Pai tambm tem que aprender
A dizer s vezes: No
Pro flho reconhecer
Que nem tudo que ele quer
Se pode ou deve fazer.
Se os pais so autoritrios
E do ordens toda hora
Os flhos fcam com medo
Confana vai embora
Criam mil ressentimentos
Que nem sabem pr pra fora.
E se o pai negligente
Com o flho no se importa
O menino fca triste
Nada na vida o conforta
E s vezes essa atitude
Para as drogas abre a porta.
O melhor caminho mesmo
ser participativo,
Mostrar afetividade,
Estmulo positivo
Assim o menino cresce
Confante, bom e ativo.
Dentro e fora da famlia
Faz bem mal a violncia
Pois alm de criar traumas
uma triste experincia
A vida em famlia boa
Quando boa a convivncia.
Simplesmente almoar junto
J bem interessante
Pois o tempo de convvio
por demais importante
Ver um pai ouvindo o flho
sempre gratifcante.
Outra boa sugesto
(quando digo, ningum vaia)
Arrumar toalha e cesta
Sem deixar que nada caia
E fazer um piquenique
Seja no campo ou na praia
Coisas que alegram a alma
De um pai e de uma criana:
Andar com os ps na terra
Brincar de ciranda e dana
e em roda de cantoria
A gente nunca se cansa.
Jogar bola at parece
Uma diverso toa
Mas vivncia em grupo ajuda
A formar uma pessoa
Pai e flho criam laos
Nessa brincadeira boa.
Terminando este recado
Deixo aqui um grande abrao
Aos pais que do bons exemplos
Dizendo: Faa o que eu fao
Por fm, a grande verdade:
Amar no tira pedao!
Contribuio Especial Paulo Roxo Barja, cordelista
RECADO AOS PAIS
| 213
PRTIcAS PAREnTAIS POSITIVAS
Entre as prticas parentais positivas que
favorecem o aprendizado dos valores de vida e
dos comportamentos pr-sociais, encontram-se
a monitoria positiva, o comportamento moral, as
expresses afetivas, o dilogo ou a comunicao
positiva, entre outros.
A monitoria positiva consiste na superviso
adequada dos flhos, no conhecimento das
suas amizades, no local onde se encontram e
em suas atividades. Esta monitoria exercida
sem presso e sem exageros, conjugando boa
comunicao e disposio de dilogo entre
pais e flhos. Essa prtica reduz a possibilidade
de comportamentos antissociais nos jovens,
produz maior apego familiar e maior motivao
para comportamentos pr-sociais. A prtica da
monitoria positiva inclui a demonstrao de
carinho e apoio diante algum desafo. Estudos
47
confrmam que a monitoria positiva por parte
da me facilita a sociabilidade das crianas.
O comportamento moral ensina deter-
minados valores e normas a partir da prpria
prtica dos pais. Trata-se da modelagem paren-
tal para que a criana possa se identifcar com
os comportamentos dos pais. Entre os compo-
nentes que integram o comportamento moral
esto o sentimento de culpa e de vergonha por
ter cometido uma ao ou atitude inadequada,
prticas que demonstram generosidade, justia,
compaixo, honestidade, empatia pelas pessoas
e ausncia de prticas antissociais. Dessa forma,
pelo prprio comportamento dos pais, cria-se
um ambiente favorvel para o aprendizado de
valores, sendo possvel refetir com a criana a
importncia de se colocar no lugar dos outros e
das consequncias das aes.
Expresses afetivas permitem a comu-
nicao de sentimentos entre pais e flhos, as
quais ajudam a estabelecer um relacionamento
saudvel de orgulho e de valorizao da pessoa,
o que contribui para o desenvolvimento da au-
toestima em crianas e adolescentes
48
. Em um
levantamento das opinies dos jovens
49
sobre os
pontos positivos e negativos do relacionamento
com seus pais, destacaram-se como mais impor-
tantes o dilogo e os aspectos afetivos, como o
amor, a amizade, o carinho, a compreenso e a
dedicao. Esses aspectos foram tambm con-
siderados importantes como fatores que prote-
gem os jovens do uso de drogas. interessante
notar que esses aspectos predominaram acima
de questes valorativas como a honestidade,
respeito e lealdade com os pais. Isso permite
inferir que estilos e prticas parentais so mais
importantes do que o contedo particular dos
valores transmitidos.
O dilogo ou a comunicao positiva
consiste na troca de explicaes pacientes e no
esclarecimentos de dvidas e de expresses de
sentimentos e pensamentos, que incentivam um
clima de confana no qual os flhos se sentem
vontade para conversar sobre diferentes
temas, inclusive sobre assuntos muito pessoais.
Por meio do dilogo, possvel a aproximao,
a intimidade e um relacionamento familiar
de qualidade, alm de ser importante na
reduo de comportamentos inapropriados
entre jovens
50
. O dilogo importante em todas
as etapas de crescimento dos flhos, porm,
na adolescncia se faz muito mais necessrio,
pois podem surgir possveis confitos entre as
concepes dos pais e a dos jovens, o que gera
tenses. Questes como a iniciao precoce da
vida sexual, o uso de substncias psicoativas e
outros comportamentos considerados de risco
fazem parte desse universo. A interao entre
pais e crianas, o envolvimento dos pais nas
atividades dos flhos, conselhos nos momentos
difceis, assim como prticas de apoio e
incentivos facilitam a construo da autoestima.
O reforo consiste no retorno avaliativo
positivo dos pais aos flhos, como elogios ou
demonstraes de alegria quando a criana ou
o adolescente alcana um bom resultado ou
comporta-se bem. O reforo e a percepo dos
bons resultados muito importante para o
desenvolvimento da autoestima
51
. Em contraste,
214 PARTE 3 | Polticas de Valor
a falta do reforo positivo pode contribuir para a
depresso
52
.
A disciplina adequada outra prtica mui-
to importante no processo de socializao de va-
lores e, dependendo de como se d, pode fazer
com que a criana ou adolescente assimile os pa-
dres sociais e comporte-se de forma adequada
por iniciativa prpria. Os mtodos de disci plina
podem conter diferentes nfases: i) direcionada
afetividade, em que a correo implica a re-
tirada da liberdade, o isolamento e retirada de
elogios; ii) orientada aos objetos, focalizando a
privao de objetos e privilgios; e iii) orientao
aos outros, chamando a ateno sobre os impac-
tos de atitudes e comportamentos errados sobre
outras pessoas, alm de si mesmo. Segundo as
evidncias, os mtodos de disciplina focalizados
na afetividade (i), assim como nos impactos so-
bre os outros (iii), desenvolvem maior conscin-
cia dos atos do que aqueles destacados na priva-
o de objetos e privilgios (ii)
53
.
Existe maior probabilidade de sucesso na so-
cializao de valores quando o tipo de disci plina
usada no coercitiva e se utilizam explica-
es apropriadas sobre algum comportamento
inadequado. As explicaes e o dilogo levam
as crianas e adolescentes a comportarem-se
adequadamente sem a companhia dos pais e
permite que desenvolvam aspectos cognitivos,
fazendo com que a criana tenha noo do im-
pacto de suas aes sobre si e os outros.
Um mtodo no deve ser usado indistinta-
mente para todas as situaes ou para todos
os indivduos, uma vez que se corre o risco de
se praticar um mtodo de disciplina muito ri-
goroso e punitivo para erros menos graves ou, ao
contrrio, ter uma disciplina relaxada para um
comportamento inadequado grave. Portanto, os
mtodos de disciplina podem ser mais efetivos
com respeito socializao de valores quando
so considerados os seguintes aspectos:
- Natureza do erro: um tipo de erro pode ser
relacionado a transgresses morais, ou seja, en-
volvem direitos e bem-estar dos outros, como
mentira, roubo, agresso. Outro tipo de erro diz
respeito violao de certas convenes, regras
e normas sociais, como ajudar e compartilhar.
importante que a ao disciplinadora esteja de
acordo com a natureza do erro, uma vez que a
disciplina mais efetiva para mudar compor-
tamentos e atitudes quando crianas e ado-
lescentes a percebem como apropriada ao erro
cometido. Segundo algumas pesquisas
54
, as cri-
anas so mais dispostas a assimilar uma cor-
reo mais justa no caso de transgresses mo-
rais do que por falhas a normas sociais. Ou seja,
as crianas tm um melhor entendimento das
consequncias de comportamentos antissociais
quando uma disciplina mostra uma orientao
dos impactos sobre os outros.
- Devem-se considerar tambm as caracte-
rsticas da criana, qualidade da agncia, sexo
e estado de desenvolvimento. Cada mtodo de
disciplina usado deve ter em conta a habilidade
de agncia que a criana desenvolve e que lhe
permite interpretar as prticas exercidas por
seus pais. Isso implica caractersticas especfcas
da criana, como temperamento, humor, idade e
mudana de emoes.
As PPPs so polticas de valor que envolvem as
famlias como parte da soluo dos problemas
da violncia e da qualidade da educao. Elas
colocam as famlias em uma posio de destaque
na formulao de polticas educacionais e
contra a violncia (seja ela domstica ou social).
A construo de um pas se inicia dentro de casa.
PolTiCAS DE vAlor
Com AS ESColAS
As polticas escolares no podem ser
pensadas apenas dentro do ambiente escolar,
como argumentado acima. Mas isso no tira a
importncia central do ambiente escolar como
espao pblico e de convivncia, no qual polticas
pblicas com professores, pais, alunos, diretores
e comunidades (isto , polticas pblicas com o
| 215
cidado) so estratgicas.
O objetivo maior de polticas de valores deve
ser a melhoria da convivncia escolar. Com isso
acredita-se, com base na evidncia discutida na
Parte 2 deste relatrio, que se possa melhorar
a funcionalidade do ambiente escolar levando
a uma melhoria da qualidade do aprendizado.
Os mecanismos pelos quais esse processo se
desenvolve passam por; maior engajamento
moral de pais, professores e diretores; obrigam
que a escola seja repensada como espao de
convivncia; e estimulam a formao de valores
pblicos e de vida que faam da experincia
escolar no somente um mecanismo para a
criao de oportunidades iguais na vida (e
portanto, para a justia social), mas para a
realizao do que h de melhor no ser humano
55
.
Um projeto de formao de valores essen-
cial na pr-escola, mas no menos importante
para os jovens. No existe apenas um conceito
do que ser jovem, mas de modo geral os jovens
relacionam essa etapa da vida com ideias de
liberdade, fora de expresso, mudana, diverso
e trabalho
56
. Essas ideias, ou valores, so muito
difceis de serem vividas na escola, pois muitas
vezes na concepo dos jovens os professores so
Quadro 13.2 O aluno como indivduo
Em Sapiranga, Rio Grande Sul, A Escola C. M. E. Dr. Dcio Gomes Pereira, mais conhecida por Carandiru,
tornou-se um reduto de violncia que assustou por um longo perodo toda a comunidade, os professores
e os prprios alunos. O resultado de tal reputao rendeu escola a falta de professores estimulados e
de alunos interessados
58
.
Ao notarem a conotao extremamente negativa que a escola ganhou durante os anos, os
administradores decidiram tomar uma atitude para mudar a situao da escola na comunidade. Dessa
forma, implantaram um projeto conhecido como Uma Escola Especial, que mudou a fundamentao
didtico-pedaggica da instituio escolar, pautando-a em princpios construtivistas, no qual o aluno
considerado, no meio escolar, com sua prpria bagagem cultural.
A ideia dessa atuao atender os alunos de forma individual, respeitando suas diferenas, para assim
desenvolver suas habilidades e competncias da melhor maneira possvel. Para isso, a escola passou a
oferecer vrias atividades (coral, banda, teatro, dana, capoeira, xadrez, vlei, handebol etc.) em parceria
com a Secretaria Municipal de Educao de Sapiranga. Hoje, o resultado do projeto reconhecido pela
diminuio da violncia na escola e, consequentemente, na comunidade. Alm disso, a participao dos
pais tambm se tornou constante, seja por meio de reunies ou por atividades recreativas, como o dia
da famlia.
aqueles que mandam, so os donos da verdade.
Portanto, no adianta questionar, debater, pois
no fnal os professores so sempre tm razo.
Assim, de acordo com os adolescentes, s resta
uma manifestao s avessas. Pode haver uma
resistncia a determinadas aulas e/ou a profes-
sores, e isso pode ser traduzido em conversas
excessivas, nas burlas s regras, no eu fnjo que
aprendo e ele fnge que d aula. Os alunos po-
dem sentir necessidade de mostrar para os seus
colegas descompromisso com a instituio esco-
lar como forma de serem reconhecidos por seus
pares por desafarem a autoridade
57
.
Quando a escola consegue construir um am-
biente de liberdade de ideias, de expresso e de
dilogo possvel estimular um meio crtico, que
fundamental para que os jovens no procurem
outras vias de expresso de seu protagonismo
com a naturalizao dos problemas vividos na
escola. Claro, essa uma tarefa difcil de ser im-
plementada, mas fca princpio de que impor-
tante que a escola seja um espao de liberdade
para os jovens. Liberdade aqui est longe de sig-
nifcar permissividade, mas de um espao orga-
nizado de discusses, dilogos e troca franca de
vises de mundo entre alunos e professores.
216 PARTE 3 | Polticas de Valor
Contribuio especial Instituto Ayrton Senna
A educao necessria ao Brasil do sculo XXI: pagar as dvidas do passado, sem deixar de investir nos desafos do presente
Uma imagem simples traduz a distncia e o atraso que a educao brasileira mantm ainda hoje do que necessrio
para fazermos frente ao sculo XXI: se um mdico, que se formou e trabalhou nos padres do sculo XX, entrasse numa sala
de cirurgia em 2010, teria grandes difculdades em exercer sua profsso
59
. O mesmo no aconteceria se esse profssional
fosse um professor. Ao entrar hoje na sala de aula da maioria das escolas pblicas no Brasil, o professor do sculo passado
encontraria uma situao praticamente igual.
Os alunos sentados em flas, nos cinquenta centmetros quadrados que lhes cabem; o professor na frente, usando mais de
um tero da aula para controlar a disciplina e cumprir tarefas burocrticas. As aulas de matemtica ou lngua portuguesa,
que so a centralidade do currculo escolar, insufcientes para levar os alunos a aprender o que preciso para a idade em que
esto; nenhum componente curricular nem mesmo as aulas de arte ou esporte efetivamente tra balhando criatividade,
corporeidade e valores. A biblioteca, o ptio, as escadarias, os corredores, os banheiros e o entorno da escola ainda seriam
espaos alheios ao currculo e propcios ao desrespeito entre alunos, professores e funcionrios. As difculdades de aprendiza-
gem e os episdios cotidianos de violncia ainda estariam atribudos apenas pobreza, desestruturao familiar ou s pato-
logias mentais da infncia e crises da juventude. As polticas educacionais ainda focalizadas em combater ou administrar a
pobreza, por meio de uma pobre educao pobre para os pobres mais pobres
60
.
Para avanar nesse cenrio precisamos nos dedicar a fazer as perguntas certas: Que pas queremos construir por meio
da educao? ou Que criana e jovem queremos formar para que nosso pas d certo como nao?, ou Como a escola
pode formar pessoas para a vida, em especial, os flhos dos mais pobres?. A resposta a essas perguntas comeou a ser dada
no sculo passado nos pases que deram certo: ampliar o acesso e a permanncia na escola, sem descuidar do sucesso na
aprendizagem cognitiva. Mas o sculo XXI exige mais do que isso: preciso que a escola seja, tambm, um espao para
aprender a ser, conviver e fazer.
Partindo dessa chave de compreenso, o Instituto Ayrton Senna organizao brasileira dedicada construo de
conhecimentos e solues educacionais que respondam ao desafo de promover o desenvolvimento humano vem trabal-
hando com redes de ensino, de modo a fortalecer o protagonismo de suas escolas, em especial dos jovens estudantes, para
responder a essas questes. A viso de educao que o Instituto Ayrton Senna prope a de uma educao que responda ao
mesmo tempo a dois desafos: ensinar as habilidades e competncias para ler, escrever, calcular e resolver problemas algo
que a escola pblica no Brasil ainda no foi capaz de fazer e, ao mesmo tempo, ensinar a ser, conviver, produzir e aprender
ao longo da vida algo que a escola pblica no Brasil no pode mais se furtar a fazer.
Um dos programas educacionais desenvolvidos pelo instituto com esse enfoque o programa SuperAo Jovem est
voltado juventude e formao para valores na escola. Se pensarmos do ponto de vista dos jovens, as demandas do sculo
XXI impactam de forma decisiva as formas de ser, conviver, aprender e trabalhar. A atual gerao de jovens ter que viver e
trabalhar enfrentando exigncias deste sculo, porm tendo recebido uma formao escolar moldada no sculo que pas-
sou. urgente construir as pontes que aproximam a escola das escolhas que os jovens faro na vida. Uma escola capaz de
prepar-los para um mundo que exige pessoas mais capazes de fazer escolhas e tomar decises com autonomia, que requer
cidados mais capazes de conviver com a diversidade e de participar de questes relacionadas ao bem comum: profssionais
criativos e empreendedores para atuar num novo e incerto mundo do trabalho em que o emprego no mais o ponto de
chegada para todos.
O SuperAo prepara a escola para ver o jovem que est por traz do aluno e para trat-lo como soluo, e no como
problema. Isso se traduz em, por um lado, formar o professor para mudar pontos de vista e prticas ultrapassadas,
usando metodologias centradas no aluno, no trabalho em equipe e na educao por projetos; e, por outro lado, convidar
o jovem a ser o protagonista de sua educao, assumindo como seus os problemas que esto ao seu redor e agindo
| 217
Contribuio especial Instituto Ayrton Senna
concretamente para melhorar seu aprendizado. Essa virada de papis em que professores e alunos passam a agir como
soluo no se faz sem a educao para valores.
Nas aulas, ofcinas ou atividades escolares que trabalham com essa proposta, os alunos so levados a aprender os
contedos escolares, tendo como base o respeito ao professor, aos colegas, a si mesmos e, sobretudo, ao conhecimento.
Suas batalhas cotidianas para aprender so realizadas em times de trabalho em que cada um responsvel pelo seu
aprendizado e pelo do colega, em que todos se empenham para que ningum fque para trs, em que a tarefa resolver,
por si mesmos e com o apoio uns dos outros, os problemas de aprendizagem e tambm os de convvio. Nas aulas, seja de
matemtica, lngua portuguesa ou outro contedo, o desafo usar o conhecimento para resolver problemas de inter-
esse dos jovens e relevantes para escola ou a comunidade tais como a defesa das culturas juvenis; o enriquecimento da
merenda escolar; o apoio aos colegas que no conhecem o prazer pela leitura; a ajuda aos pais desempregados na busca
de uma colocao; a luta pela despoluio do rio que atravessa a cidade; o apoio aos alunos com baixo desempenho nas
provas; a reativao da biblioteca fechada para os estudantes; a socializao de crianas e idosos abrigados etc. Cada um
desses problemas abraados pelos times de jovens pesquisado e transformado em projetos, que so colocados em prtica,
executados e avaliados por eles mesmos, com o apoio mas no a liderana dos professores.
Os heris dessas batalhas cotidianas so eles prprios: o adolescente que identifcou e enfrentou o vilo que o impe-
dia de aprender ler: a vergonha de se expor diante dos colegas; a estudante que nunca havia pensado o quanto seus prob-
lemas eram pequenos diante dos avs esquecidos no asilo; o bagunceiro que se descobriu capaz de liderar uma equipe
para fazer um jornal na escola; o grupo de meninas que assumiu e superou o preconceito com a colega que se vestia mal;
o jovem tmido e aptico que aprendeu a trabalhar em grupo e encontrou vontade de sobra para escrever um livro sobre
os pontos tursticos de sua cidade. Sem falar naqueles estudantes que difcilmente se encaixam nas aulas tradicionais e
que encontram nesse tipo de educao o espao to necessrio para perceber e enfrentar problemas como a preguia de
ler e estudar ou o porqu de serem avessos matemtica ou, ainda, a descrena que sentem nos estudos, no futuro e no
que esperam de si mesmos.
Se o responsvel por assumir e resolver os problemas cada aluno e cada time, os resultados so de toda a escola e,
mais, de redes de ensino inteiras. Em 2005, o SuperAo Jovem foi utilizado pela rede de ensino do Estado de So Paulo o
mais rico e populoso do pas para ajudar a combater a violncia nas escolas: nas duas mil escolas que utilizaram essa
soluo educacional, as ocorrncias de violncia, como a ameaa a professores, alunos e funcionrios, caram em at 47%.
Em 2006, uma pesquisa liderada pelo Unicef constatou que os jovens formados pelo SuperAo, quando comparados aos
jovens brasileiros, desenvolvem 40% mais capacidade de compreender e de participar da soluo dos problemas que os afe-
tam; leem trs vezes mais no tempo livre; usam quatro vezes mais a internet para fns educativos; ingressam no mercado
de trabalho formal numa proporo duas vezes maior. Em 2007 e 2008, aplicado rede de escolas de tempo integral e em
redes municipais, com a fnalidade de aproximar adolescentes da leitura, o programa no s aumentou em quatro vezes a
mdia de leitura por vontade prpria, em relao mdia nacional, como tambm elevou os ndices de alfabetismo pleno
entre os estudantes, numa proporo de 50%, segundo avaliao do Instituto Paulo Montenegro, a partir do Indicador
Nacional de Alfabetismo Funcional (escala INAF). Em 2010, essa soluo educacional vem sendo utilizada, tambm, para
ampliar e qualifcar o uso de salas de leitura por jovens nas escolas pblicas. Os resultados de processo j indicam que, em
apenas dois meses, dobrou o nmero de alunos usurio da biblioteca, em especial, aqueles sem hbito de leitura e com
difculdades de compreenso leitora.
Em dez anos, o SuperAo Jovem j benefciou 1,373 milho de adolescentes e jovens em escolas e redes de ensino de
todas as regies brasileiras. Atualmente, o programa desenvolvido em parceria com as redes de ensino do Estado de So
Paulo, do Distrito Federal, de Itatiba, de So Roque e de Bebedouro, em aliana com empresas, como o LIDE-Educao, a
Copersucar e a Nvea.
218 PARTE 3 | Polticas de Valor
Quadro 13.4 Espaos Abertos
A abertura dos espaos escolares, promovida pela Unesco no ano de 2000, durante as comemoraes
do Ano Internacional da Cultura de Paz, estimulou a formao de espaos pblicos em que as novas
relaes e valores puderam ser gerados pela criao de vivncias e prticas que trouxeram juntas escolas
e comunidades
62
. Essas vivncias foram fomentadas por atividades de esporte, cultura, lazer, incluso
digital e preparao para o trabalho (em ofcinas de teatro, msica, dana etc.). Desse modo, permitiu
aos jovens que encontrassem um espao de expresso e canalizao de energias que no fossem pela
violncia. Partindo de uma ideia simples, a de abrir as escolas no fnal de semana para a comunidade,
estruturou-se uma rede de materiais que promovem valores, tais como generosidade, paz, respeito,
compreenso, solidariedade, por meio de jogos, dinmicas de grupo, msica, teatro, flmes, artes manuais
e at mesmo da culinria.
Essa experincia orientou posteriormente a poltica de Escolas Abertas, do Ministrio da Educao,
mostrando como a sinergia e transversalidade da mobilizao de atores e parcerias entre o governo
e comunidades pode estimular espaos e valores pblicos, essenciais democracia e a uma vida com
justia social e paz.
Quadro 13.5 Esporte para o respeito
Em relao promoo do espao pblico e da ideia de pblico, podemos tomar o exemplo da
experincia Projeto Pequeno Cidado, uma experincia da Escolinha de Futebol Ataliba Rodrigues
Sociedade Ngo Foot Ball Club So Sebastio Mrtir, localizada em Venncio Aires, Rio Grande do
Sul. A partir do esporte, promove a interao das famlias, e semanalmente so trabalhados os valores
que priorizam a interao, baseados no respeito mtuo. A ideia de valorizao do ambiente da escola
importante nessa perspectiva de trabalho para a promoo de valores bsicos necessrios para a
convivncia em grupo. O confito no ignorado nesta perspectiva, mas existe uma positivao de que
a convivncia em parceria com os outros necessria e deve ser promovida.
A experincia da Liga Desportiva Cultural Africapoeira de Araguari (Minas Gerais) mostra como
a capoeira pode ser usada na promoo de valores, na confgurao de identidades positivas, na
observncia de disciplina e no estmulo tradio cultural. Dentro das regras da capoeira, o berimbau,
que determina no somente o ritmo, mas o tipo de interao entre as pessoas que jogam a capoeira,
tocado pelo membro mais antigo. Para jogar, preciso seguir as regras e respeitar o outro. O dilogo
estabelecido sem o uso das palavras, gerando o sentimento de pertencimento ao grupo. Os valores so
praticados pelas regras e hbitos, como a pontualidade, higiene etc., que so estimulados.
Em uma ofcina realizada pela equipe do Relatrio de Desenvolvimento Humano em So Paulo
no dia 3 de novembro de 2009, em parceria com a Rede Nacional de Esporte pela Mudana Social, foi
perguntado aos participantes qual o valor que o esporte mais promove. Conforme pode ser visto no
grfco abaixo, 41,67% das pessoas respondeu respeito, seguido de cooperao (8,33%) e disciplina
(8,33%).
| 219
O primeiro passo para a construo dessa
liberdade nas escolas o envolvimento dos jovens
na formulao de atividades e projetos. Para tal
preciso que os jovens sejam reconhecidos em
sua individualidade, o que pode ser to simples
quanto alunos e professores conhecerem
seus respectivos nomes
61
. Para tornar o espao
escolar atraente preciso primeiro reconhecer
a existncia de professores e alunos naquele
espao. Uma poltica simples de construo de
valores na escola fazer com que os professores
falem o nome de seus alunos na chamada. Essa
uma poltica muito concreta e simples de
humanizao das escolas e pode ajudar muito
na formao da individualidade das crianas e
jovens.
Valores so formados por aes, por
vivncias, e para isso o esporte tem muito a
contribuir pelo fascnio que exerce nos jovens,
em parte explicado pelo sentido de realizao e
oportunidade que oferece. Esporte ao, e como
tal contm uma srie de regras que, apesar de
implcitas, contribuem para a interiorizao de
hbitos de valor. Um simples jogo de futebol
envolve o respeito s regras, aos adversrios,
aos resultados e a si mesmo. Um jogo envolve
a aceitao de que se pode ganhar ou perder
e de que o desempenho, de algum modo, est
relacionado aos esforos e habilidades de seus
participantes. O esporte tem uma grande
contribuio para polticas de valor no ambiente
escolar, pois uma linguagem de aes que pode
colaborar para a paz nas escolas, ao constituir
em si um espao pblico que seja trabalhado
para a aceitao das diferenas. Mas, para tal,
deve-se examinar como o esporte praticado
hoje, muitas vezes como palco de violncias,
para um modelo de esporte para o respeito.
O dilogo, o discurso e os valores podem ser
construdos de maneiras muito distintas. Essa
uma mensagem importante desse relatrio.
A perspectiva do desenvolvimento humano
nos ensina que somos iguais em direitos e
em humanidade, mas diferentes em nossas
caractersticas, sonhos e individualidades.
Por isso no h uma receita de bolo para o
incentivo ao dilogo. Em lugar disso, temos que
as oportunidades podem ser diversas, mas que
a melhoria da convivncia um caminho-chave
para um pas mais justo e mais humano.
Uma maneira efcaz de implementar o
dilogo por meio de prticas pode ser com
os Jogos Cooperativos, uma linha de trabalho
que aparece na disciplina de Educao Fsica,
mas tem o potencial para ser utilizada em
muitas outras disciplinas escolares, de maneira
transversal. O princpio dos Jogos Cooperativos
de que jogos so um estar com o outro,
algo bem prximo do que foi argumentado
por este relatrio sobre a necessidade de uma
nova viso de polticas pblicas. A promoo de
vivncias que ajudem a integrao das pessoas
e possibilitem uma forma diferente de resolver
confitos pode ser estratgica para a superao
de vrios problemas identifcados de convivncia
nas escolas brasileiras. Uma mudana de valores
que promova a autoestima pessoal e alteridade
chave para a reduo da violncia cotidiana.
Para saber mais sobre Jogos Cooperativos, ver
o livro de Carlos Velzquez Callado, Educao
para a paz: promovendo valores humanos
na escola atravs da educao fsica e dos
jogos cooperativos de 2004, publicado pela
Cooperao Editora e Wak Editora.
220 PARTE 3 | Polticas de Valor
Contribuio especial Fbio Otuzi Brotto Projeto Cooperao
Jogos Cooperativos: para jogar uns com os outros e venSer... juntos!!!
Os Jogos Cooperativos surgiram da preocupao com a excessiva valorizao que a sociedade moderna
atribui competio. Temos competido em lugares, com pessoas, em momentos que no deveramos, como
se esta fosse a nica opo. Ao contrrio de ser uma caracterstica nica e inerente espcie humana, a
competio e a cooperao so valores culturais, ou seja, so valores e atitudes construdas pela educao
formal e informal.
De acordo com Terry Orlick, ns no ensinamos nossas crianas a terem prazer em buscar o conhecimento,
ns as ensinamos a se esforar para conseguir notas altas. Da mesma forma, no as ensinamos a gostar dos
esportes, ns as ensinamos a vencer jogos.
A hipervalorizao da competio se manifesta nos jogos pela nfase no resultado numrico e na vitria.
Os jogos tornaram-se rgidos e organizados, dando a iluso de que s existe uma maneira de jogar. Os jogos,
em sua maioria, so verdadeiros campos de batalha capazes de eliminar a diverso e a pura alegria de jogar.
Estruturados para a eliminao de pessoas e para produzir mais perdedores do que vencedores, muitos jogos
tornaram-se espao para tenso, derrota, iluso de ser melhor ou pior que algum e para sentimentos como
raiva, medo, frustrao, fracasso, rejeio, e animosidade.
Se fzermos um balano de nossas experincias de jogar, na escola ou fora dela, verifcamos que pendem
muito para o lado dos Jogos Competitivos. Nem sempre os programas de Educao Fsica, Esporte ou Recreao
do nfase a atividades que promovam interaes positivas, colaborando para que a competio deixe de ser
um comportamento condicionado, oportunizando a percepo e o exerccio de outras formas de nos relacionar
com as pessoas, com a natureza e com a gente mesmo.
Os Jogos Cooperativos so jogos com uma estrutura alternativa, na qual os participantes jogam com o
outro, e no contra o outro. Joga-se para superar desafos e no para derrotar os outros; joga-se para se gostar
do jogo e pelo prazer de jogar. So jogos em que o esforo cooperativo necessrio para se atingir um objetivo
comum, e no para fns mutuamente exclusivos.
Tomados como um processo, pode-se aprender a considerar o outro, a ter conscincia dos seus sentimentos
e a operar para interesses mtuos. Estes jogos so estruturados para diminuir a presso para competir e a
necessidade de comportamentos destrutivos, para promover a interao e a participao de todos e deixar
aforar a espontaneidade e a alegria de jogar.
Os Jogos Cooperativos so jogos de compartilhar, unir pessoas, jogos que eliminam o medo do fracasso e
que reforam a confana em si mesmo e nos outros. Todos podem ganhar e ningum precisa perder. Dessa
forma, os Jogos Cooperativos resultam no envolvimento total, em sentimentos de aceitao e vontade de
continuar jogando.
| 221
Contribuio especial Fbio Otuzi Brotto Projeto Cooperao
Sintetizando, podemos relacionar os Jogos Cooperativos e os Jogos Competitivos observando suas principais
caractersticas:
Jogos cooperativos Jogos competitivos
Viso de que tem pra todos Viso de que s tem pra um
Objetivos comuns Objetivos exclusivos
Ganhar juntos Ganhar sozinho
Jogar com Jogar contra
Confana mtua Desconfana/suspeita
Todos fazem parte Todos parte
Descontrao/ateno Preocupao/tenso
Solidariedade Rivalidade
Diverso para todos Diverso s custas de alguns
A vitria compartilhada A vitria uma iluso
Vontade de continuar jogando Pressa pra acabar com o jogo
Em geral, tivemos poucas chances de participar de Jogos Cooperativos de uma forma sistematizada. Por
isso importante desenvolver uma Pedagogia da Cooperao.
Aprendendo a jogar cooperativamente, podemos descobrir inmeras possibilidades de criar processos
facilitadores da participao e incluso. Por meio da modifcao gradativa das regras e estruturas bsicas
do jogo, podemos criar um clima de aceitao mtua entre os jovens praticantes, incentivando-os a refetir
sobre as possibilidades de transformao do jogo, na perspectiva de melhorar a participao, o prazer e a
aprendizagem de todos. Alm disso, uma Pedagogia da Cooperao pode ajud-los a dialogar, a decidir em
consenso e a praticar as mudanas desejadas.
Exercitando a refexo criativa, a comunicao sincera e a tomada de deciso por consenso para aprimorar
o jogo, as crianas e jovens e ns, educadores, tambm podero descobrir que tm plenas condies de
intervir positivamente na construo, transformao e emancipao de si mesmos e da comunidade onde
convivem. Todo tipo de jogo tem uma inteno que ultrapassa os limites do campo e da quadra. Assim,
importante perceber quais valores esto por trs dos jogos e a que tipo de propsitos as atividades esto
servindo. Alm de conhecer o jogo preciso reconhecer ao qu e a quem ele serve.
O propsito essencial dos Jogos Cooperativos colaborar para a construo de um mundo melhor para
todos... sem excees, onde o importante competir, o fundamental cooperar. Jogando dentro desse estilo
cooperativo podemos desfazer a iluso de sermos separados e isolados uns dos outros e perceber o quanto
bom e importante ser a gente mesmo, respeitar a singularidade e jogar para venSer... juntos!
222 PARTE 3 | Polticas de Valor
Quadro 13.6 Melhoria da convivncia nas escolas: incentivando o dilogo
Em pesquisa realizada sobre o cotidiano escolar em uma escola municipal de ensino fundamental
de 5 a 8 sries em Riacho do Jacupe, Bahia, a ateno se volta aos problemas do universo escolar
sob a perspectiva da educao voltada para a pluralidade sociocultural
64
. A partir da constatao dos
tristes dados sobre o desrespeito aos direitos humanos na localidade, em especial situaes de risco
(explorao sexual, comercial de crianas e adolescentes), estimulam-se aes mitigadoras para a
promoo dos direitos humanos
65
.
A perspectiva adotada nessa prtica de uma Educao em Valores Humanos na Contemporaneidade
66
,
na qual a escola pblica brasileira encontre um espao para ressignifcar seu ambiente formativo. Em
um lugar em que tantas violaes fazem parte do cotidiano, a discusso e o dilogo sobre os problemas
enfrentados para promover os direitos humanos podem fortalecer os vnculos com a criana, a juventude
e a comunidade, por meio da educao em valores humanos dialgica, alm de qualquer doutrinao ou
relativismo. Aprendendo sobre seus direitos e discutindo os empecilhos que os confrontam, crianas e
adolescentes podem conviver diariamente em uma perspectiva que os respeitaria como o outro (com
foco no ambiente escolar), possibilitando-os a considerar sua prpria condio, a partir do dilogo. A
valorizao do espao escolar ressignifcado pela proposta dialgica anloga perspectiva de interao
entre o ambiente escolar e a comunidade, em que o primeiro passa a no mais se portar como um
isolador da comunidade que o compe e comea a oferecer comunidade o espao conjunto promotor
de uma nova ambincia e revitalizao.
Perspectiva similar adotada por outra experincia
67
sobre valores, confitos e violncia na Escola. O
estmulo ao dilogo pode diminuir o distanciamento entre professores e alunos, o que provoca reaes
de hostilidade. Com isso, pode-se reduzir o sentimento comum de intimidao experimentado por
tantos professores. O dilogo possibilita tambm que situaes de confito no sejam criminalizadas,
estimulando a habilidade de professores e alunos para a resoluo de confitos cotidianos.
O dilogo pode ajudar uma escola em que os alunos se sintam queridos. Tal estratgia tem como
base: a promoo do ambiente escolar como ambiente pblico a ser enaltecido; o dilogo; o respeito
aos outros; e uma perspectiva no se considerar imune ao confito que mora ao lado, mas que ponha o
confito no centro da discusso. Os valores no podem ser apenas verbais, mas realmente vividos, pois
tambm precisam ser exercitados valores para existirem de fato.
Quadro 13.7 Melhoria da relao escola-famlia
No projeto Vamos Fazer Teatro, que rene estudantes de escolas pblicas da 7 srie do Ensino
Fundamental ao 2 ano do Ensino Mdio de Curitiba e Regio Metropolitana
68
, o objetivo promover
a interao entre a sociedade e o ambiente escolar, a aproximao entre a comunidade e a escola, e
a ampliao das possibilidades de atuao profssional para os jovens
69
. O projeto cultural estimula
o protagonismo juvenil e prope a criao e a capacitao de grupos teatrais escolares. Seu principal
propsito estimular a refexo dos alunos sobre os problemas sociais da atualidade por meio da
dramaturgia e do resgate de valores essenciais para a formao da cidadania e do desenvolvimento
da sociedade. Tal promoo de cidadania acompanha o dilogo e no se volta simplesmente para o
acolhimento dos setores sociais a serem alcanados pelos projetos, mas visa, a partir do dilogo entre
alunos, professores e famlias, a promover possibilidades de inseres sociais aos grupos.
| 223
Um dos maiores desafos em termos de
polticas de valor encontra-se na melhoria da
relao entre escolas e famlias. Como visto
anteriormente, a grande problemtica foi o
que denominamos desengajamento moral na
escola, no qual pais e professores aprofundariam
os problemas de relacionamento dentro de
um discurso de culpabilidade pouco produtivo.
O objetivo de polticas de valor engajar
moralmente pais e professores (e alunos) na
melhoria do ambiente escolar, fazendo com que
os pais vejam as difculdades enfrentadas pelos
professores e vice-versa.
Quadro 13.8 O poder humanizador da literatura
O projeto Espao Escolar, Mdia e Literatura
70
aborda a maneira como a literatura carrega com si um exerccio de
alteridade e de promoo da humanizao dos indivduos. Com o incentivo literatura, os alunos podem estar mais
expostos a discusses ticas e morais, oferecendo a eles vivncias alm das suas. Alm disso, o uso pedaggico de
textos literrios pode ser feito dentro de um contexto de intertextualidade
71
, sugerindo aos alunos um trabalho de
desconstruoreconstruo da narrativa literria e permitindo a eles formar juzos crticos e comparativos sobre a
riqueza literria e gramatical da estrutura dos textos distintos. neste processo que os alunos podem experimentar
o dilogo com distintas linguagens e produzir sua prpria percepo de si e do outro (o texto), formando seu juzo,
em lugar de receber uma avaliao sobre boa ou m literatura ante o processo dialgico entre dois textos, o universo
do leitor e do texto propriamente dito. Esse um exerccio absolutamente enquadrado nos parmetros das boas
prticas e seus valores associados desenvolvidos neste relatrio.
A professora Martha Nussbaum, no livro Cultivating Humanity [Cultivando humanidade], de 1997, argumenta
72
que: A base para a imaginao cvica deve ser estabelecida cedo na vida. Assim que as crianas comeam a explorar
histrias, rimas e canes especialmente na companhia de adultos que elas amam , so levadas a perceber com
interesse renovado o sofrimento de outras criaturas vivas. Quando as crianas se tornam jovens adultos, precisam
de trabalhos literrios mais complexos que despertem nelas a compreenso do outro em um campo mais diverso
de situaes.
A imaginao narrativa essencial como parte do preparo das crianas para uma interao de valor, isto , para
uma interao que seja humana no reconhecimento do outro como eu mesmo.
Contribuio especial Iramaia Colen, Fundao ArcelorMittal
Educao em valores humanos
Contribuir para a formao do carter de crianas e adolescentes, por meio de um currculo escolar que contemple
valores como verdade, ao correta, amor, paz e no violncia. Essa a proposta do projeto Educao em Valores
Humanos, desenvolvido pela prefeitura de Serra (ES), pelo Instituto de Educao em Valores Humanos e pela Fundao
ArcelorMittal em dez escolas do municpio.
A iniciativa promove a capacitao de profssionais da educao para que desenvolvam mudanas nas prticas
pedaggicas das escolas, contribuindo para uma formao mais humana e integral dos alunos. O resultado j pode ser
visto em sala de aula. Os alunos esto mais calmos e concentrados nas atividades e os ndices de evaso e reprovao
caram 20% e 10%, respectivamente, nas escolas participantes.
A metodologia do projeto tem como referncia a flosofa do educador indiano Sathya Sai Baba.
224 PARTE 3 | Polticas de Valor
Professor, seu ensino est ruim,
O senhor no d conta do recado;
O meu flho est mal orientado,
Nada vai aprender com mestre assim.
Desse jeito a escola ter fm,
E o futuro estar comprometido.
Seu salrio mensal garantido,
Mas as suas lies esto sem brilho,
O senhor bota a culpa no meu flho,
Posio que pra mim no faz sentido.
Mas seu flho bastante encapetado,
Chama todos na sala de maluco.
No me venha dizer que eu no educo,
Quando ele quem mal-educado.
Voc mesmo talvez seja o culpado
De o menino ser pobre de valor
E da escola ser quase um desertor.
Tem um dia que falta, outro que atrasa...
Se voc no comanda a sua casa
No me venha cobrar do professor.
Mas voc quem est no meu lugar,
Responsvel por sua educao;
Se eu entrego o meu flho em sua mo,
De voc de quem devo cobrar.
Voc pode querer me tapear,
Ou ento pr a culpa no sistema.
Eu no quero saber do seu dilema
Nem das pedras que tem no seu percurso,
Todo fraco repete esse discurso
Quando quer fcar fora do problema.
Contribuio Especial Antnio Lisboa e Moreira de Acopiara, cordelistas
DISCUSSO DE UM PAI DE ALUNO INSATISFEITO COM UM PROFESSOR
As polticas de valor para as escolas procuram
pens-las como ambientes dinmicos, cheios
de vida, em que professores e alunos possam
resgatar o prazer de estarem juntos, de aprender,
de se divertir, de descobrir mundos que sejam
enriquecedores para ambos. A tarefa de
humanizao das escolas por meio do estmulo
a prticas e experincias de valor est longe
de ser uma panaceia aos desafos da educao
bsica no pas. Mas pode ser uma ajuda e uma
contribuio ambio da busca por justia
social pela educao.
Meu amigo, voc no compreende,
Hoje ser professor estressante.
O aluno no acha interessante,
por isso que a aula pouco rende.
A famlia de mim ainda depende,
O patro todo dia faz manobra,
Quando um lado critica, o outro cobra
E eu me perco no meio das cobranas.
Estou quase perdendo as esperanas,
E problema o que tenho aqui de sobra.
Nesse mundo, problemas todos tm,
E besteira o senhor querer fugir;
Acho muito mais fcil reagir,
Procurar melhorar, fazer o bem.
O meu flho ser homem tambm,
E eu desejo que esteja preparado.
Se ele agora for mal orientado
Ser vtima fatal das frustraes.
Se ele no receber boas lies
No dar (nunca) conta do recado.
Do meu tanto voc nunca sofreu,
Mas fcar solidrio eu tambm venho;
Se voc tem razo, eu tambm tenho,
Esse seu sacrifcio tambm meu.
Sei que a sua esperana no morreu,
E eu ainda acredito em uma ao
Como fruto da participao,
Porque ns, companheiro, compreendemos
Que somando os esforos poderemos
Transformar o problema em soluo.
| 225
Contribuio especial Lcia Kazuko Ogawa Takano, Associao Brasil SGI (Soka Gakkai Internacional)
Projeto Turma de Valor uma metodologia para introduzir a temtica de valores universais no ensino fundamental
Ideia central:
Disponibilizar um jogo, em formato de histria em quadrinhos interativa, no qual crianas possam aprender sobre
comportamentos tidos como de empreendedores. O fo condutor dos comportamentos apresentados pautado em
valores humanos universais, como honestidade, respeito, determinao, responsabilidade, amizade, educao, organiza-
o e autoconfana e deseja-se que a partir da discusso, em sala, destes valores, seja possvel aumentar sua capacidade
de refexo.
Princpio do projeto:
O trabalho com valores superiores (positivos) afasta da vulnerabilidade crianas em situaes de risco, conforme
apontou o trabalho de Macedo, Kublikowski e Berthoud (2006), que pesquisaram 2.725 crianas e concluram que existe
uma relao inversa entre a presena de valores positivos e comportamentos de risco, ou seja, quanto mais valores se
encontram presentes, menos comportamentos de risco as crianas apresentam
78
.
Dessa forma, acreditamos que o projeto Turma de Valor no apenas uma metodologia de ensino, mas um in-
strumento efcaz a servio de quem tem como responsabilidade ensinar. ainda uma forma de resgate da cidadania e
tambm de se vislumbrar um futuro de oportunidades.
Filosofa do projeto:
O estmulo ao esprito empreendedor nos estudantes certamente resultar na formao de um profssional diferen-
ciado, seja como empreendedor frente de seu prprio negcio, ou no. No se trata aqui de difundir o empreendedoris-
mo e suas crenas, sob o ponto de vista econmico, mas sim, de procurar solidifcar uma base de comportamentos que
propicie uma orientao para resultados, no importando em qual situao socioeconmica se encontre esse sujeito.
Abordar temas dessa natureza faz-se necessrio, especialmente na realidade que encontramos hoje em nosso pas.
Muitas vezes, observamos que a esperana de se ter um padro de vida digno, que possibilite no s a sobrevivncia,
mas que oferea condies de melhoria das perspectivas de vida, s possvel de ser alcanada por meio da educao.
Resultados da aplicao:
O projeto foi adotado pela Secretaria de Municipal de Educao de Araucria no ano de 2010. Foi estabelecido que,
no incio, duas escolas da rede municipal de ensino seriam utilizadas para os ajustes antecedentes implantao das
demais. As escolas escolhidas foram a Marcelino Luiz de Andrade e a Azrea Busquette Belnoski, onde aproximada-
mente duzentas crianas tiveram acesso ao jogo pelo perodo de oito semanas.
Para a aplicao adequada, os professores, pedagogos, diretores, assistentes de laboratrio de informtica e a equipe
da Secretaria de Educao foram capacitados em dezesseis horas com a equipe que desenvolveu a metodologia.
Segundo relato espontneo dos professores, aps as oito semanas de aplicao do jogo, as crianas demonstraram
maior grau de controle de suas respostas automticas, se mostraram mais tolerantes, apresentaram reaes compreen-
didas como de respeito para com os colegas e professores, alm de refetirem mais antes de responderem em sala de aula.
Outros instrumentos de avaliao esto sendo desenvolvidos para aferir os resultados obtidos, e a Secretaria de
Educao de Araucria vai estender para toda a rede municipal de ensino o jogo Turma de Valor.
O projeto est disponvel no site: www.pensare.com.br/www.turmadevalor.com.br.
Contribuio especial Antonio Celso Rezende Garcia, Pensare Desenvolvimento de Pessoas
226 PARTE 3 | Polticas de Valor
Contribuio especial Lcia Kazuko Ogawa Takano, Associao Brasil SGI (Soka Gakkai Internacional)
Educao para criao de valores
Baseada na Teoria de Criao de Valores
73
, a Associao Brasil SGI BSGI
74
, representante da SGI
75
no Brasil, vem
implementado iniciativas que fazem parte do Sistema de Educao Humanista Soka (Criao de Valores)
76
, que norteiam
os programas Ao Educativa Makiguti e Alfabetizao de Jovens e Adultos em 40 horas, bem como o projeto sobre a
Agenda 21 e a Carta da Terra Educao em prol de uma Cultura de Paz
77
.
Programa Ao Educativa Makiguti
O programa uma prtica pedaggica voltada para a revitalizao da educao, focalizado no resgate do potencial
do educando e nas habilidades dos educadores, para que desenvolvam uma educao humanista.
O objetivo do programa levar o docente a repensar sobre sua prtica pedaggica, buscando novas alternativas
para modifcar o processo educativo, consciente de seu papel como propulsor da transformao da educao.
A metodologia envolve escola, lar e sociedade no compromisso pela felicidade da criana. A proposta que a sala de aula
seja um local onde brote uma ao criativa de professores e alunos, envolvidos num clima de alegria e gosto pela aprendizagem.
A ao educativa obedece uma sequncia previamente estabelecida, que envolve os tcnicos do programa e os
profssionais da escola para a estruturao de metas e procedimentos, apresentando as etapas das aes que tm por
objetivo superar as necessidades e difculdades vividas no ambiente escolar.
As referidas etapas das aes so compostas por: diagnstico, ofcinas e avaliao e fechamento. Na fase de
diagnstico, os educadores so estimulados a levantar as necessidades e difculdades no cotidiano da escola, bem como
estabelecer metas para transformao das questes colocadas. A partir do diagnstico feito, realizada uma sequncia
de oito ofcinas para os educadores e de quatro encontros para os pais, com o objetivo de apoi-los no caminho da
educao dos flhos. Estas aes utilizam a arte como meio para despertar o potencial criativo dos envolvidos. Esta srie
de atividades acontece dentro do horrio pedaggico coletivo da escola, em um perodo de duas horas por encontro.
Com base no diagnstico levantado no primeiro encontro, a equipe do programa, junto com os educadores, realizar no
fnal do ano a avaliao sobre os resultados alcanados.
Contribuio especial Lcia Kazuko Ogawa Takano, Associao Brasil SGI (Soka Gakkai Internacional)
Contribuio especial Lcia Kazuko Ogawa Takano, Associao Brasil SGI (Soka Gakkai Internacional)
Contribuio especial Melissa Andrade Nova Acrpole
A Nova Acrpole uma escola de flosofa sem fns lucrativos que trabalha com formao de valores. A obra de
Aristteles, Plato, Confcio e muitos outros transmitida por meio de um programa de estudos sistemtico e intenso
trabalho voluntrio. A organizao atua esencialmente na rea de formao humana, mas tambm leva a flosofa
para reas de assistncia social, assistncia mdica, ecologia e artes marciais. O lema de Nova Acrpole : Mude voc,
mude o mundo, e a formao tica esencial e um pr-requisito para o trabalho voluntrio.
A Nova Acrpole no Brasil faz parte de uma rede de escolas em cinquenta pases. Por meio de uma parceria com o
PNUD e RITLA, a Nova Acrpole participou de um projeto-piloto de trabalho com valores junto a professores da rede
pblica do Governo do Distrito Federal, no qual foram trabalhados valores por meio de aulas presenciais, dinmicas de
grupo, jogos flosfcos e exibio de vdeos.
De acordo com Nova Acrpole, a formao de valores essencial para o ser humano que cresce e se realiza dentro
de uma perspectiva aristotlica.
| 227
Contribuio especial Lcia Kazuko Ogawa Takano, Associao Brasil SGI (Soka Gakkai Internacional)
Contribuio especial Katia Gonalves Mori, Instituto Faa Parte
Educao de valor e voluntariado educativo
Por suas caractersticas de engajamento cvico, convivncia e aprendizagem, o trabalho voluntrio pode ser pensado
como experincia formativa. Neste caso, no se trata de uma repetio do voluntariado adulto, mas da vivncia
educativa, com contedos e metodologias prprios, pautados pelo princpio da educao de valores.
O conceito em muito se aproxima ao de aprendizagem-servio (Argentina e Iberoamrica www.clayss.org.ar) ou
ao de service learning (Inglaterra, EUA www.nylc.org, por exemplo). Os jovens aprendem os contedos curriculares
participando como protagonistas de projetos sociais diagnosticados em suas comunidades. O repertrio terico colo-
cado em prtica, juntamente com outras competncias, como o autoconhecimento, a corresponsabilidade, a disciplina,
a cooperao, o respeito s diferenas, a atitude tica.
Em outras palavras, o voluntariado educativo pode ser bastante efcaz para dar signifcado aos contedos curriculares
e vivncia de valores por meio de atividades sociais planejadas, sem deslocar a escola de sua principal funo a de pro-
mover a aprendizagem, preparando alunas e alunos de forma integral. Esta integrao favorece a articulao da escola
com a comunidade e contribui para melhorar tanto a educao que a escola oferece quanto a qualidade de vida local.
No Brasil, muitas escolas j desenvolvem projetos de voluntariado educativo. No site do Instituto Faa Parte (www.
facaparte.org.br), por exemplo, possvel conhecer milhares de experincias por rea de atuao, srie, cidade e estado.
Projetos exitosos de voluntariado educativo invariavelmente encontram formas inovadoras para avanar no objetivo
duplo de formar jovens crticos e participativos e repensar a proposta curricular, tornando-a mais contextualizada e
desafadora, pois pressupem um currculo dinmico, inovador, articulado. Porque exige diagnstico, planejamento,
refexo e ao-conjunta, propicia aos jovens experincias da deciso, da responsabilidade, da solidariedade, da
convivncia, do respeito diversidade e a ateno vida.
Existe um universo de possibilidades de
polticas de valor que podem ser feitas pelas
escolas. Procuramos aqui dar apenas uma
orientao do que pode ser feito, discutindo
boas prticas junto a recomendaes de
polticas. Cabe, no entanto, a cada escola e a
cada professor julgar o que apropriado e o
que faz sentido para o seu contexto. Oferecemos
aqui apenas um menu de sugestes. De uma
maneira bem concreta, as escolas podem:
1. fazer a chamada dos alunos pelo nome,
como uma demonstrao de respeito e afeto
pelas crianas e jovens como indivduos;
2. promover programas de educao de
valores de modo transversal, interdisciplinar;
3. como parte dessa estratgia, utilizar
recursos de aprendizagem-servio;
4. promover a escola como um espao aberto
de cultura e lazer para toda a comunidade;
5. explorar o esporte como um instrumento
de promoo de respeito e boas regras de
convivncia;
6. estreitar o contato com as famlias por meio
de estratgias culturais, ldicas e divertidas;
7. explorar mais o poder humanizador da
literatura;
8. para isso muitos recursos podem ser
utilizados, tais como: a. jogos cooperativos
(www.projetocooperacao.com.br); b. material do
Instituto Vivendo Valores (www.vivendovalores.
org.br); c. material da Nova Acrpole (www.nova-
acropole.org.br/), entre tantos outros possveis.
O que esses recursos possuem em comum
a promoo de valores por meio de prticas
e refexes ativas que estimulam uma anlise
sobre os valores de vida. Os materiais desses
trs ncleos, Projeto Cooperao, Instituto
Vivendo Valores (VIVE) e Nova Acrpole, foram
228 PARTE 3 | Polticas de Valor
Quadro 13.9 Exemplo de atividades do Instituto Vivendo Valores
O Instituto Vivendo Valores promove o Programa Vivendo Valores na Educao, em parceria com a Universidade
Espiritual Mundial Brahma Kumaris e com o apoio da Unesco. Ele produziu uma srie de guias para o Ensino de
Valores, escritos por Diane Tilman e colegas e que orientam atividades de valores para crianas, jovens, pais e
educadores. Esses guias so prticos e podem inspirar vrias atividades. Uma atividade pode ser composta das
seguintes dinmicas:
Valor Respeito: Nosso objetivo proporcionar a vivncia do valor respeito por meio de duas atividades principais
(podemos iniciar nossa conversa pedindo para que eles contem alguma situao em que se sentiram respeitados e
alguma situao na qual se sentiram desrespeitados):
1- O valor respeito s ser sentido quando a pessoa respeita a si mesma e aos outros. Como mostrar?
Dinmica: Pedir para que cinco voluntrios se posicionem de frente para o grupo, um ao lado do outro. Peo
para que passem de um para o outro, at o ltimo, um objeto qualquer (lpis, copo, papel branco etc.). A pessoa que
est mediando a dinmica posiciona-se ao lado do ltimo voluntrio e recebe o objeto. Em seguida, pede para que
retornem esse objeto aos colegas, passando de mo em mo, porm, antes de reiniciar a atividade, o mediador atri-
bui grande valor a esse objeto, verbalizando suas qualidades. Todos novamente passam o objeto, porm agora com
muita delicadeza. A discusso sobre o respeito retomada, e o respeito apresentado como algo que est ligado
aos valores de cada pessoa ou objeto. Portanto, se queremos respeito por ns e por nossas coisas, devemos sentir e
mostrar esse valor.
2- O respeito deve ser realmente sentido e mostrado diariamente em nossa vida, na sala de aula. Como provocar a
discusso sobre o que necessrio fazer para que isso ocorra? Sentimos que somos respeitados quando encontramos
algum que nos ouve, e o outro se sentir respeitado quando o escutamos. Mas o que escutar?
Dinmica: Dividir o grupo em dois. Um grupo sai e o outro fca dentro da sala. Ao grupo que est fora da sala,
dada a seguinte instruo: Cada um de vocs vai entrar naquela sala e contar para um colega uma histria com
comeo, meio e fm. Enquanto vocs pensam em que histria contar, vou l conversar com os outros.
O grupo que fcou na sala recebe a seguinte instruo: Cada um deve sentar com uma cadeira vazia sua frente.
Quando o colega sentar para contar a histria que preparou, crie difculdades o mximo possvel, para que ele
no consiga contar. Vocs podem se comunicar uns com os outros, olhar para os lados, desconversar, se interessar
demasiadamente pelo assunto etc.
Depois de alguns minutos, a atividade interrompida. Pede-se para que todos voltem aos seus lugares, e assim
comea a anlise do que aconteceu com a comunicao durante a dinmica, construindo com o grupo as regras para
ouvir ativamente, anotando os bloqueadores dessa escuta ativa.
A escuta ativa uma forma de demonstrar respeito e de se sentir respeitado. Mostramos como escutar
ativamente dividindo os participantes em grupos de trs pessoas. O nmero 1 vai falar, o nmero 2 vai ouvir e o
nmero 3 vai observar se est havendo a escuta ativa.
Essa escuta ativa a base para a resoluo de confitos, um dos pontos-chave do Instituto Vivendo Valores para
trabalhar valores na escola com os profssionais, os alunos e a famlia. Para resolver os confitos necessrio escutar
ativamente.
aplicados conjuntamente com a equipe do
Relatrio de Desenvolvimento Humano em
Capacitao, apresentados em um conjunto de
600 professores do Governo do Distrito Federal
durante o ms de agosto de 2010, em parceria
com a Rede de Informao Tecnolgica Latino-
Americana (RITLA) e a Secretaria de Estado
de Educao do Distrito Federal (SEDF). Os
resultados, monitorados pela equipe do relatrio,
foram muito positivos, razo pela qual essas trs
experincias so oferecidas aqui como ponto de
partida para aqueles interessados em recursos
pedaggicos para a promoo de valores nas
escolas.
| 229
PolTiCAS DE vAlor
Com oS GovErNoS
Dentro das temticas exploradas por este
relatrio, grande nfase dada promoo e
criao de espaos pblicos como meios para
a promoo de valores. Mais ainda, o foco recai
nas reas da segurana pblica e da educao,
de acordo com as prioridades levantadas pela
campanha Brasil Ponto a Ponto. O propsito
dessa anlise no avaliar polticas especfcas
sobre a atuao de governos nessas reas,
mas, de maneira construtiva, especular sobre a
possibilidade de haver novas polticas de valor
que apoiem as iniciativas j em andamento de
governos de diferentes esferas e que sugiram
novas intervenes e polticas. A base das
proposies o conceito mais amplo de polticas
pblicas, que envolve uma atuao de governos
articulada com polticas com os cidados.
Quando levado em conta o processo de
formao de valores fca evidente a importncia
em investimentos na promoo de espaos
pblicos na primeira infncia, que pode ser
traduzido em mais parquinhos dentro de
escolas de ensino infantil para o estmulo a
socializao das crianas. Espaos de socializao
so importantes para a convivncia com as
diferenas e formao de espaos capazes de
proporcionar a ressignifcao do espao pblico
e o exerccio do bem comum. Esses espaos, to
importantes na primeira infncia, continuam
essenciais para os jovens e para a promoo da
cidadania.
A ampliao das distncias sociais e do
retraimento dos laos de sociabilidade pode
corresponder a uma fragmentao do espao
de convivncia. Quando o outro visto com
desconhecimento, ele comea a ser tratado
como uma ameaa potencial
79
. Ao mesmo
tempo o abandono do espao pblico pode
ampliar a sensao de insegurana entre as
pessoas
80
. O investimento em espaos pblicos,
comeando pela educao infantil, um fator
de diminuio do isolamento e do aumento
de sensao de segurana entre as pessoas. Se
o esvaziamento do espao pblico favorece a
violncia, estratgias de investimento nesse
espao podem contribuir para uma melhoria
de convivncia, formao de valores pblicos
e diminuio da violncia. Os governos tm
papel importante na promoo de relaes de
sociabilidade por meio do investimento em
espaos pblicos.
A humanizao da poltica habitacional en-
volve a criao de novos conjuntos habitacio-
nais, horizontais ou verticais, que privilegiem o
espao pblico como o ponto forte dos projetos
residenciais. Quando reconhecemos que a rua
tambm parte de nossa casa, criam-se vncu-
los sociais entre vizinhos, o que fundamental
para a sociabilidade e o fortalecimento das co-
munidades. Polticas simples, de arborizao
e de acessibilidade e desenho de caladas, so
efetivas para que as pessoas se apropriem desse
espao pblico de sociabilidade e vivam valores
pblicos
81
.
A melhoria das condies fsicas de vida da
populao pode ser importante para a promoo
de valores pblicos. O desenvolvimento
socioespacial ajuda o desenvolvimento de
relaes sociais. Assim, polticas de valor devem
atentar para os atributos de espao, dentro dos
quais so desenvolvidas as relaes humanas.
O espao, sempre visto de modo neutro,
pode ser um indutor ou condicionador do
desenvolvimento humano. O apreo pelo lugar
onde vivemos e a valorizao dos ambientes
urbanos ajuda na organizao dos espaos
pblicos
82
.
230 PARTE 3 | Polticas de Valor
Quadro 13.10 Polticas de segurana cidad
Como argumentado no Captulo 11, a promoo da segurana deve ser vista dentro de uma perspectiva
mais ampla, relacionada diretamente ao respeito pela vida e dignidade humana. Nesse sentido, no
possvel haver o alcance do desenvolvimento humano sem que haja a garantia de uma vida livre de
ameaas a todos os cidados, razo pela qual as polticas de governo so fundamentais para a promoo
da segurana cidad.
Mas o que quer dizer afnal, segurana cidad?
Um conceito central perspectiva de segurana cidad a convivncia. Conviver que, em sentido lato,
viver em companhia de outros adquire, neste contexto, uma conotao de ausncia de violncia nas
relaes interpessoais e sociais, de modo que uma poltica pblica de segurana cidad estar claramente
voltada para a modifcao de regras de comportamento que regulem essas relaes, para diminuir os
ndices de violncia.
A convivncia defnida como a qualidade que tem o conjunto de relaes cotidianas que ocorrem
entre os membros de uma sociedade, quando se harmonizam os interesses individuais com os coletivos e,
portanto, quando os confitos se administram de maneira construtiva. Esse conceito ressalta, alm disso,
a noo de se viver em meio diferena, tema de especial relevncia nas sociedades contemporneas
caracterizadas pela heterogeneidade e pelo multiculturalismo
83
.
A convivncia, dessa forma, est diretamente relacionada ao respeito ao outro, um valor fortemente
mencionado pelos participantes da campanha Brasil Ponto a Ponto. As polticas pblicas de segurana
cidad, nesse sentido, respondem diretamente demanda pelo fortalecimento e disseminao de valores
de vida, por meio da importncia atribuda por essas polticas ao desenvolvimento de estratgias de
promoo da convivncia social.
A perspectiva de segurana cidad tem como princpio a implementao integrada de polticas
setoriais em nvel local. O conceito de segurana cidad parte da natureza multicausal da violncia e,
nesse sentido, defende a atuao tanto no espectro do controle como na esfera da preveno, por meio
de polticas pblicas integradas ao mbito local. Dessa forma, considerando que a violncia possui vrias
causas, a estratgia para promover a segurana deve envolver vrios setores de polticas pblicas, ou seja,
deve incorporar aes em diversas reas temticas
84
, relacionadas aos fatores de risco e vulnerabilidade da
violncia, alm de agregar mltiplos atores
85
para o trabalho conjunto
86
.
Uma interveno baseada no conceito de segurana cidad tem necessariamente de envolver as vrias
instituies pblicas e a sociedade civil, na implementao de aes planejadas a partir dos problemas
identifcados como prioritrios para a diminuio dos ndices de violncia de delinquncia em um territrio.
A segurana cidad privilegia ainda o desenho e a implantao de planos de segurana voltados esfera
local e elaborados de forma participativa.
imprescindvel destacar ainda o papel conferido aos municpios e aos cidados na implementao de
uma poltica de segurana cidad: alm do papel de suma importncia atribudo s instituies policiais,
tambm conferido um ao municpio espao de atuao, principalmente na gesto local das polticas
setoriais voltadas preveno da violncia. A comunidade tambm destaque nesse processo: a gesto
| 231
local da segurana aproxima os cidados da execuo da poltica, dando poder a eles para que possam
aumentar sua atuao no tema, conferindo maior legitimidade s aes. Por isso, essa forma de gesto
da segurana confere, em toda sua amplitude, o sentido de pblica na expresso poltica pblica, nela
includas as polticas governamentais e as polticas com o cidado. As aes comunitrias ganham destaque
nesse conceito, e a construo de uma cultura cidad na comunidade, mesmo o respeito s normas de
convivncia e a resoluo pacfca de confitos, um dos pilares das aes de preveno.
As polticas pblicas de segurana cidad buscam atuar nas vrias formas de manifestao de violncia:
estas incorporam desde aes voltadas violncia incidental cotidiana, que inclui as incivilidades, agresses
verbais e pequenos confitos, at a violncia associada ao crime organizado. Nesse sentido, para atender
as diversas formas de violncia, a segurana cidad incorpora tanto estratgias de preveno como de
controle da violncia.
Este modelo de poltica pblica segue cinco categorias principais de interveno
87
:
Fortalecimento de uma cultura cidad: aes dirigidas ao cumprimento voluntrio de normas,
promoo de convivncia e de respeito aos espaos pblicos;
Diminuio de fatores de risco de ocorrncia de violncia: aes que buscam a incluso social e a
diminuio de fatores que podem aumentar a probabilidade de ocorrncia de violncia;
Construo de espaos urbanos seguros: atividades que tm como propsito a melhoria dos contextos
urbanos associados ao medo e ao perigo real, incluindo a recuperao de espaos pblicos;
Promoo de mecanismos de resoluo pacfca de confitos: aes que facilitam o acesso dos
cidados a mecanismos institucionais e/ou alternativos de resoluo de confitos; e
Fortalecimento institucional: estratgias que possuem foco na construo de capacidades
institucionais do Sistema de Justia, melhoria da efccia policial e das autoridades executivas ou judiciais
e da confana dos cidados em tais instituies.
A perspectiva de segurana cidad demanda o reforo gesto local da segurana, na qual os cidados
devem desempenhar importante papel, oferecendo subsdios formulao de polticas pblicas (as
polticas devem estar de acordo com as necessidades da comunidade) e ao seu acompanhamento. Esse
papel pode ser desempenhado, por exemplo, pelos Conselhos de Segurana Pblica, j existentes em
muitas localidades e que contam com representantes da comunidade, mas que demandam fortalecimento
e sensibilizao quanto s caractersticas da perspectiva de segurana cidad.
Assim, polticas pblicas de segurana cidad ao mesmo tempo em que promovem valores tambm
demandam mudanas em algumas crenas, para que possam ser implementadas. Como observado
nas caractersticas destacadas acima, como demanda mudana cultural, a transposio da perspectiva
de segurana cidad em prticas de polticas pblicas requer algumas transformaes em perspectivas
valorativas, possibilitando o trabalho conjunto de diversos setores do Estado e da sociedade civil, bem como
incluindo novos atores na formulao e implantao de prticas de segurana pblica.
232 PARTE 3 | Polticas de Valor
De modo similar, a circulao das pessoas
pelas cidades perpassa valores bsicos de
convivncia urbana
88
. Ou seja, a circulao de
pessoas pela cidade tem papel fundamental
em suas noes de espao pblico. O sistema de
transportes das cidades propicia no somente
o uso da cidade, mas a delimitao de espaos
de convivncia entre as pessoas. Com isso,
impe-se uma segregao espacial, que pode
ser entendida como uma violncia simblica,
imposta por muros, ruas e falta de circulao de
pessoas por diversas reas de grandes cidades
89
.
Polticas de valor podem tomar a forma de
polticas que facilitem a circulao de pessoas e a
constituio de espaos pblicos onde diferentes
possam conviver. Elas so importantes tambm
como expresso do direito das pessoas ao lazer e
vivncia de valores
90
.
Os espaos pblicos no necessitam ser ape-
nas fsicos. Podem ser espaos de razo pblica,
criados por campanhas de comunicao de uti-
lidade pblica e veiculados pelos sistemas de r-
dio, televiso, internet, psters etc. Nesse sentido,
os espaos pblicos podem ser vistos como peas
essenciais para a motivao e mobilizao de von-
tades para que as polticas pblicas possam ser
feitas com o cidado. Um dos casos emblemti-
cos no Brasil o Z Gotinha, uma das campanhas
de comunicao de maior sucesso na poltica
pblica brasileira. Ela nos mostra como a comuni-
cao essencial para polticas que precisam de
sensibilizao e mobilizao das pessoas. Como
tal, ela capta bem o sentido de polticas com o ci-
dado, na qual o governo tem papel importante
de liderana na sociedade, na produo de infor-
mao que d poder s pessoas.
Contribuio especial Lcia Kazuko Ogawa Takano, Associao Brasil SGI (Soka Gakkai Internacional)
Polticas com o cidado: a histria do Z Gotinha
Nada melhor para representar a proposta de polticas com o cidado do que as campanhas brasileiras de vacinao,
simbolizadas aqui com o personagem Z Gotinha. Para entender um pouco o surgimento desse personagem, preciso
voltar um pouco no tempo. A primeira tentativa de controlar a poliomielite no Brasil aconteceu em 1971, com a insti-
tuio do Plano Nacional de Controle da Poliomielite, pelo Ministrio da Sade, em consequncia de vrios surtos da
doena no pas. No fnal de 1979 e no incio de 1980, ocorreu grave epidemia de poliomielite em Santa Catarina e no
Paran. A estratgia adotada para conter esse quadro, em curto espao de tempo, foi a vacinao macia de crianas, em
todo o Brasil. Criou-se, ento, o Dia Nacional de Vacinao com o objetivo de vacinar todas as crianas na faixa etria
de zero a cinco anos de idade em um s dia. Aps vrios Dias Nacionais de Vacinao, houve signifcativa reduo do
nmero de casos de poliomielite no pas.
No campo da divulgao e comunicao, aconteceram mudanas signifcativas. A principal ocorreu em 1986 com
a criao do Z Gotinha, personagem-smbolo da campanha pela erradicao da Poliomielite no Brasil, pelo artista
plstico Darlan Rosa. A marca proposta foi baseada em estudo fotogrfco de 1887, de Eadweard Muybridge, que foi
simplifcado e transformado em desenho. Assim, Z Gotinha surgiu do desenho das duas gotas necessrias vacinao.
A simplicidade do desenho contribuiu para sua efccia comunicativa.
A logomarca da campanha de vacinao contra a poliomielite, batizada de Z Gotinha, foi escolhida a partir de um
concurso, que contou com a participao de escolas pblicas de todo o Brasil. Logo em seguida, a mascote foi utilizada
em um comercial para o dia de vacinao no Nordeste, e foi caracterizado como cangaceiro. O Z Gotinha frmou-se
como sinnimo de vacina e como referencial para a populao, em termos de mtodos de preveno, principalmente
os referentes s doenas evitveis por vacinao. Entretanto, at que houvesse aceitao de seu uso em nvel nacional,
decidiu-se que, inicialmente, a marca seria trabalhada para as vacinas do primeiro ano de vida. Hoje, o Z Gotinha
sinnimo de mobilizao de famlias e motivao do pblico para uma atuao conjunta e ativa para o desenvolvim-
ento humano. A experincia brasileira referncia para o desenvolvimento de polticas feitas com o cidado.
Contribuio especial Ministrio da Sade do Brasil
| 233
A comunicabilidade das mensagens pblicas
ajuda a criao de espaos pblicos dentro dos
quais as pessoas possam se apropriar de suas
mensagens. Quando governos trabalham com
o cidado para o uso desses espaos pblicos,
ganham legitimidade. Para que esses espaos
promovam o desenvolvimento humano preciso
que sejam plurais, diversos, que acomodem
todos os tipos de interesse para o convvio entre
diferentes.
Contribuio especial Lcia Kazuko Ogawa Takano, Associao Brasil SGI (Soka Gakkai Internacional)
Polticas com o cidado: a certido de nascimento
O registro civil de nascimento e os documentos civis bsicos so direitos humanos, fundamentais para o pleno exer-
ccio da cidadania. A certido de nascimento um direito humano que d direitos. Com ela, defnida a personalidade
civil da pessoa, permitindo sua identifcao formal por meio de um nome, sobrenome, nacionalidade, idade e fliao.
Sem o registro civil, no possvel ter acesso aos direitos educao, ao trabalho, assistncia social e a programas
sociais de transferncia de renda e previdncia. A falta da certido de nascimento tem consequncias at mesmo para
a administrao de um municpio: o nmero de registros infuencia na contagem populacional de uma cidade, reper-
cutindo no valor do repasse dos fundos municipais.
Sabe-se que para erradicar o sub-registro, preciso agir sobre suas trs principais causas e para todas elas a par-
ticipao do cidado em parceria com o governo fundamental. Em primeiro lugar, fechar a torneira: garantir que
as mes saiam das maternidades com a certido de seus bebs. Em segundo lugar, reduzir o nmero atual de pessoas
sem certido de nascimento, por meio de mutires e campanhas nacionais para alcanar o habitante da periferia, o
indgena, o ribeirinho, o catador de material reciclvel. Por fm, fortalecer o sistema de registro, fazendo da certido de
nascimento um documento seguro, padronizado e confvel.
A ao de mobilizao pelo registro civil de nascimento e documentao bsica uma das grandes responsabili-
dades da Secretaria dos Direitos Humanos da Presidncia da Repblica. Principalmente com os estados do Nordeste e
da Amaznia Legal, tendo como estratgia principal a emisso da certido de nascimento nas maternidades, com as
unidades interligadas aos cartrios.
Desde 1997, o Instituto Brasileiro de Geografa e Estatstica (IBGE) fornece informaes relacionadas ao registro civil
de nascimento no Brasil. Em 2000, o ndice de sub-registro no pas divulgado pelo IBGE era de 21,9%. Considerando o
esforo conjunto pela universalizao do registro civil de nascimento, coordenado pela SDH/PR, entre os anos de 2003 e
2008, a mdia nacional de crianas sem registro de nascimento caiu mais de 50%. Assim, o ndice que era de 18,9% em
2003, recuou para 12,2% em 2007 e caiu para 8,9% em 2008. Ou seja, em um ano baixou 3,3 pontos percentuais e, pela
primeira vez, o ndice fcou abaixo de dois dgitos, um marco indito desde a dcada de 1970, segundo dados do IBGE.
A ao pela universalizao do registro civil de nascimento inclui a veiculao de campanha nacional de mobilizao
pela certido de nascimento e documentao bsica, a realizao de mutires, a capacitao de agentes mobilizadores
e a instalao de unidades interligadas para possibilitar a emisso da certido de nascimento ainda na maternidade.
Isto porque, por razes que vo desde a longa distncia entre maternidades ou locais de nascimento e os cartrios, at
o desconhecimento da populao sobre seus direitos, cerca de 300 mil bebs deixam de ser registrados por ano. Por isso,
fazer com que os bebs j saiam das maternidades com nome e sobrenome um desafo que contempla integrao de
polticas e uma grande mobilizao da sociedade para a obteno de seus objetivos. Com o mote: Chorou, registrou, a
Secretaria dos Direitos Humanos mostrou que possvel registrar as crianas sem que seja necessrio o deslocamento
at o cartrio e que com a participao dos pais possvel vencer o desafo de reduzir a 5% o ndice de crianas sem
registro, dentro dos parmetros internacionais estabelecidos pela Organizao das Naes Unidas.
Contribuio especial Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica
234 PARTE 3 | Polticas de Valor
O Prmio Pontos de Valor
A formao de valores de vida depende das polticas pblicas e governamentais. Um exemplo em que isso
se torna mais evidente o Programa Cultura Viva e a parceria com o PNUD, denominada Pontos de Valor, que
buscou identifcar quais valores se destacam dentro do Cultura Viva. O principal argumento aqui que valores
so formados durante prticas culturais, refetindo um modelo de polticas de valor com o cidado. Nesse mo-
delo, as polticas governamentais tm um papel de liderana importante.
O Programa Cultura Viva uma poltica do Ministrio da Cultura/ Secretaria da Cidadania Cultural que
visa a incentivar, preservar e promover a diversidade cultural brasileira a partir de iniciativas populares e comu-
nitrias. Contempla as mais diferentes linguagens, desenvolvidas em atividades de educao, arte, cidadania e
economia solidria. Ao valorizar a experincia local, o programa incentiva e promove encontros, apresentaes,
mostras em espaos de mbito estadual e federal. Sua ao prioritria so os Pontos de Cultura, iniciativa ca-
paz de articular todas as demais aes do Programa
91
.
Por meio de edital publico, entidades sociais, movimentos populares, associaes de moradores, organiza-
es no governamentais e afns acessam recursos pblicos destinados cultura, para fortalecer, potencializar
e inovar suas atividades culturais. Isto ocorre de diversas maneiras: realizao de ofcinas, encontros, espetcu-
los, aquisio de equipamentos, instrumentos, cenrios e, principalmente, pelo estabelecimento da troca de
saberes entre os diversos Pontos de Cultura.
Os princpios que sintetizam a ao dos Pontos de Cultura refetem valores promovidos pelo Programa Cul-
tura Viva: autonomia, protagonismo e empoderamento. Uma vez conveniada, a entidade passa a integrar
uma Rede de Pontos de Cultura
92
, organizada a partir dos princpios da horizontalidade, da troca de saberes e
da gesto compartilhada entre Estado e sociedade civil. A gesto compartilhada um desafo que exige uma
ao profundamente dialgica entre Estado e sociedade e busca avanar na ampliao do sentido atribudo
coisa pblica e partilhar responsabilidades no empenho adequado do recurso publico. Valoriza o fazer cul-
tural como atividade poltica, compreendendo o exerccio desta como meio para a construo do bem comum.
Assim, consolida-se como poltica pblica que, calcada em princpios claros, promove, em sua execuo, valores
de vida.
Para identifcar quais os valores predominantes nas prticas dos Pontos de Cultura, assim como as formas
pelas quais estes valores so transmitidos, a Secretaria da Cidadania Cultural (SCC/MINC) lanou em 2009, em
Se espaos pblicos no necessitam ser
limitados a espaos fsicos, como mostrado
acima, deve-se pensar nos diferentes contextos
nos quais os valores so formados e transmitidos.
Talvez o mais importante desses contextos
seja o das prticas culturais vistas como ciclo
dinmico de prticas que se reproduzem,
consolidando e modifcando valores. No
pode haver desenvolvimento humano sem
cultura, que d a base para nossos valores. Por
isso, quando falamos em polticas de valor,
tratamos tambm de polticas culturais.
O papel dos governos na promoo
de polticas de valor imprescindvel. Se
considerarmos a importncia dos espaos
pblicos para a formao de valores em termos
fsicos, imediatamente entramos na discusso
de polticas urbanistas e habitacionais. Se
Contribuio especial Ministrio da Cultura do Brasil
| 235
tratarmos dos espaos pblicos como lugar
de razo pblica, no podemos deixar de
mencionar as campanhas de utilidade pblica
que tm funo estratgica de mobilizar e
motivar pessoas a serem parte da soluo dos
seus prprios problemas. Esse o caso do Z
Gotinha e da Campanha para a Certido de
Nascimento como exemplos de polticas com o
cidado. o cidado mobilizado e motivado que
leva o seu flho para ser vacinado. ele que vai a
um cartrio registrar seu flho. Assim, o respeito
aos direitos humanos mais fundamentais de
um indivduo (o direito vida e o direito de
existir socialmente) surgem de um trabalho
conjunto entre governos e cidados. Nesse
contexto, polticas culturais tm papel crtico
fundamental na promoo de uma refexo
sobre valores de vida.
parceria com o PNUD, o edital Prmio de Valor, que premiou cinquenta Pontos de Cultura que reconhecem em
suas prticas culturais o foco na formao e na promoo de valores de vida.
Pontos de Valor uma ao diferenciada das demais aes do Programa Cultura Viva, considerando que
toda prtica cultural contribui com a formao de valores. Nossa premissa que os valores de vida esto con-
tidos em nossas prticas cotidianas. Nesse sentido, Pontos de Valor foi um edital transversal a todos os Pontos
de Cultura. Este prmio identifcou aqueles Pontos que reconhecem que esto formando valores de vida por
meio das atividades desenvolvidas pelo Ponto e identifca quais valores so estes.
Foi possvel constatar que o fazer cultural, reconhecido pelos prprios Pontos como prtica que fortalece
valores de vida, contempla as mais diversas linguagens, dentre as quais se destacam: artes cnicas, literatura,
msica, fotografa, pintura, produo audiovisual, grafte, cordel, cultura digital, xilogravura, artesanato e poe-
sia. Ou seja, independentemente da linguagem artstica h consenso no Programa Cultura Viva que o fazer
artstico promove valores de vida.
A prtica cultural nos Pontos de Cultura , em geral, uma prtica coletiva, que busca o protagonismo do
Ponto na comunidade e da comunidade em sua prpria condio social. A tabela a seguir revela quais valores
se destacam na prtica dos Pontos de Cultura e explicita o quanto uma poltica pblica como o Programa
Cultura Viva promove valores como autonomia, protagonismo e empoderamento.
A maioria dos Pontos reconhece a coletividade como um valor em suas prticas, manifesto desde a orga-
nizao de suas produes, no processo de tomada de decises, gesto e avaliao de suas atividades ou, at
mesmo, no cuidado com o espao fsico ocupado pelo Ponto de Cultura.
A produo simblica fomentada e difundida a partir dos Pontos de Cultura enaltece valores como soli-
dariedade, cidadania, conhecimento compartilhado, autonomia e respeito ao outro. Destacam-se, tambm,
trabalho e criatividade como valores que aparecem lado a lado nas prticas dos Pontos de Cultura, em con-
traposio ao trabalho alienante. O protagonismo (no sentido de reconhecimento de que a ao dos sujeitos
transformadora da realidade na qual ele est inserido), a humanizao das relaes (em contraposio a
mercantilizao a que estamos sujeitos cotidianamente) e a cooperao (como exigncia de uma construo
coletiva), tambm so reconhecidos pelos Pontos de Cultura como valores de vida que se destacam em suas
prticas.
236 PARTE 3 | Polticas de Valor
Valores de vida, planejamento e gesto sistmicos e o Ministrio Pblico
Diversas instituies podem estimular polticas pblicas voltadas ao desenvolvimento de valores de vida,
notadamente aquelas ligadas a uma forma de perceber e de agir menos linear e mais sistmica (na qual se
percebem as interconexes existentes no sistema no qual se est interferindo). Outras instituies, como o
Ministrio Pblico, tem o dever constitucional de fomentar valores de vida, como o artigo 127 da Constituio
Federal do Brasil estabelece: O Ministrio Pblico instituio permanente, essencial funo jurisdicional do
Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurdica, do regime democrtico e dos interesses sociais e individuais
indisponveis. Para tanto, o Ministrio Pblico dever promover a cooperao entre diversas instituies e
os indivduos da comunidade em geral e poder fomentar a adoo da metodologia de Planejamento e de
Gesto Sistmicos.
No Estado do Rio Grande do Sul, inicialmente na cidade do Rio Grande, levando em considerao que as
causas do crescente desrespeito natureza e dignidade, prpria e dos demais, so sistmicas, ou seja, decorrem
de relaes interdependentes e interrelacionadas entre diversos componentes do hbitat, o Ministrio Pblico
vem fomentando a adoo da metodologia de Planejamento e de Gesto Sistmicos, que possibilita, a partir
do(s) foco(s) prioritrio(s) escolhido(s) (como, por exemplo, o planejamento familiar, o crack, a gripe H1N1, um
alagamento, a construo de uma estrada etc.) e relevando o contexto familiar, a viso e a integrao de
recursos multidisciplinares, intersetoriais e transdisciplinares.
Assim, pode-se aferir o que, como, onde e quando/por que fazer, bem como quem far e de que forma
ser possvel mapear e integralizar todos esses componentes. Para isso, importante que seja percebida a
misso comum a ser concretizada com o atendimento integral das necessidades fsiolgicas, psicolgicas
segurana, pertencimento e autoestima e de autorrealizao (diferentemente de desejos), gerando impactos
proporcionais nos trs eixos da sustentabilidade (econmico, social sade, educao, cidadania e segurana
e ambiental) e por meio da cooperao. Desse modo, so produzidos efeitos pblicos, agregando valor
sustentvel s atividades desenvolvidas. Essa misso comum, vislumbrada como efeito pblico, exige e favorece
a formao de redes de cooperao para a atuao sistmica, priorizando a famlia e permitindo a integrao
dos trs setores (pblico, privado e sociedade civil organizada) e dos indivduos da comunidade em geral. Esse
contexto enseja a democracia participativa e representativa, propiciando o Desenvolvimento Harmnico e
Sustentvel (DHS) e a sobrevivncia de todos os seres vivos.
Dessa maneira, possibilita-se a incluso das pessoas principalmente naquelas aes nas quais se sentem
entusiasmadas, fazem a diferena na sociedade, sendo, por isso, lembradas, reconhecidas e valorizadas. Assim, os
membros da sociedade constataro que so teis no contexto maior, o que aumenta a motivao na busca de
aperfeioamento, gerando sustentabilidade no ambiente interno e externo. Isso propicia a conscientizao da
corresponsabilidade e a compreenso do binmio dever-direito, despertando a noo de contexto e afastando
prticas imediatistas baseadas exclusivamente na punio ou vitimizao. Desenvolve, dessa maneira, o
perceber e o agir (valores) de forma sistmica, de modo a alcanar a efetividade, a sustentabilidade e a paz,
interna e externa (maiores detalhes podem ser obtidos nos documentos constantes do seguinte endereo
eletrnico: www.fmp.com.br/2008/img/gestao_conteudos/).
O Programa Portas Abertas do Ministrio Pblico foi lanado no dia 3 de maio de 2010 para ampliar o
dilogo interno e tornar a instituio mais acessvel e transparente populao do estado. Trata-se de um
programa guarda-chuva, que abriga diversos projetos e que promove polticas com o cidado. Entre eles
pode-se citar a Campanha Afnal de contas, o que voc tem a ver com a corrupo? Esta pergunta levou o
Contribuio especial Rodrigo Schller de Moraes, Promotor de Justia, Projetos Estratgicos do Ministrio Pblico
| 237
Ministrio Pblico gacho a se engajar em uma campanha de mobilizao e conscientizao, para prevenir a
corrupo. Com inspirao na teoria das janelas quebradas, o projeto defende menor tolerncia da sociedade
com pequenos atos ilcitos, como a compra de CDs piratas.
No Estado de Gois, o Ministrio Pblico criou o Programa Parceria Cidad. Trata-se de um instrumento
metodolgico que tem como objetivo intensifcar a interlocuo do Ministrio Pblico com a Sociedade,
constituindo uma alternativa de atuao das Promotorias de Justia, na perspectiva de desenvolver uma
relao de horizontalidade com a sociedade civil, na busca da efetividade das polticas pblicas. Para tanto,
fundamenta-se no pensamento sistmico novo e paradigmtico metodologia de atendimento sistmico s
redes sociais, ou seja, um trabalho desenvolvido com um sistema que se constitui ou que emerge a partir da
identifcao de um problema confgurando-se, a partir disso, o Sistema Determinado pelo Problema-SDP
93
.
No Estado do Acre, o Ministrio Pblico teve papel fundamental na cooperao formada para afastar a
corrupo e a violncia (temas apontados com nfase no Primeiro Caderno do Relatrio de Desenvolvimento
Humano), intensifcadas aps 1970, em virtude do aumento da expulso dos povos tradicionais da foresta, dos
confitos fundirios, das milcias, do desmatamento da Floresta Amaznica e da pecuria, e no consequente
impacto das aes perante os organismos internacionais fscalizadores dos compromissos assumidos nos
tratados internacionais e convenes de defesa dos direitos humanos. Alm disso, O Ministrio Pblico no Acre
promoveu Ofcinas de Planejamento Estratgico, por meio das quais estabeleceu, conjuntamente a instituies
governamentais e no governamentais, prioridades, dentre as quais a criao de Promotorias de Justia de
Defesa do Meio Ambiente. Para tanto, as bacias hidrogrfcas foram tomadas por referncia e unidades de
planejamento, o que propiciou maior efetividade no enfrentamento do desmatamento, das queimadas e dos
confitos socioambientais urbanos e rurais.
No que se refere ao Ministrio Pblico com atribuies no Estado do Rio de Janeiro, que prev em seu
mapa estratgico como valores institucionais o compromisso social, a tica, a independncia, a democracia,
a efetividade, a transparncia, a combatividade e a proatividade, cabe destacar o Projeto Ministrio
Pblico Comunitrio. Em decorrncia dessa prioridade institucional, so realizadas audincias pblicas nas
comunidades para conhecer as demandas locais. No h o estabelecimento prvio de um tema especfco.
a comunidade (diretores de escolas, associaes, moradores de rua etc.), no seu ambiente/sistema, que
indica, para o Ministrio Pblico e diversas autoridades convidadas, suas principais difculdades, como, por
exemplo saneamento, segurana, transporte etc. Com base nessas demandas, a instituio busca adotar
medidas judiciais e extrajudiciais aptas a resolver os problemas. Por meio dessa aproximao, desenvolvem-se
conjuntamente valores traduzidos na efetividade das aes.
Essa aproximao com a sociedade j se faz presente de longa data no Cear. Nesse estado, o Ministrio
Pblico, embasado na sua vocao natural de pacifcador social e ombudsman da sociedade, prioriza aes de
mediao de confitos e planejamento estratgico conjuntamente sociedade. Dos Fruns Sociais Permanentes,
que buscam enfrentar determinados problemas pela atuao cooperativa entre entidades pblicas e privadas,
passando pelos Ncleos de Mediao Comunitria (que enfatizam a cidadania participativa), at chegar ao
Ncleo de Preveno e Monitoramento de confitos fundirios, que visa a aperfeioar as medidas judiciais
(continua na prxima pgina)
238 PARTE 3 | Polticas de Valor
e extrajudiciais utilizadas para resolver esses confitos, sempre a atuao intersetorial o norte para ser
alcanada a efetividade e a paz social.
Em Rondnia, o Ministrio Pblico, desde o advento da Constituio Federal de 1988, passou a se
estruturar de modo a priorizar a defesa dos direitos difusos e coletivos, sem descurar da persecuo criminal.
Para atender a crescente demanda, enfatiza as formas de intermediar o dilogo entre os atores envolvidos
nas mudanas no cenrio econmico-social do Estado, notadamente diante da construo das Usinas do
Complexo Hidreltrico do Rio Madeira e dos empreendimentos decorrentes. Para permitir o gerenciamento
integral das diversas reas funcionais, estabeleceu o Planejamento Estratgico Institucional, com execuo
gerenciada a partir da tcnica Balanced Scorecard, prevendo entre seus processos o fortalecimento de
parcerias com os ambientes pblico, privado e o terceiro setor, promovendo maior aproximao com a
sociedade. Assim, foram aperfeioadas atividades e solues concretas de fomento s polticas pblicas
nas reas da sade, educao, cidadania, criminalidade, infncia e juventude, meio ambiente, entre outras,
contribuindo para melhoria efetiva da vida em sociedade.
No estado do Amazonas, o Ministrio Pblico est executando o seu planejamento estratgico, com
apoio tcnico da Universidade Federal do Amazonas. Baseando-se em valores institucionais, como conduta
tica, compromisso, excelncia, independncia, transparncia e unidade, visa a ser instituio de excelncia,
proativa e efcaz, na promoo da justia, do respeito aos direitos fundamentais e dos interesses da
sociedade. Nesse contexto, est chamando participao toda a comunidade (inclusive com a elaborao
de pesquisa), de modo a construir, conjuntamente, as prioridades que podero implicar em polticas
pblicas efetivas, vinculadas, inclusive, sustentabilidade do planeta.
Em mbito nacional, o Sistema de Justia conta com o Conselho Nacional de Justia (CNJ) e com o
Conselho Nacional do Ministrio Pblico (CNMP). Tratam-se de rgos que buscam fomentar a efetividade de
atividades relacionadas com o Sistema de Justia, mediante aes que incluem planejamento, coordenao,
controle e fscalizao. Possuem composio interinstitucional e atribuies com efeitos multidisciplinares,
sendo, portanto, importantssimos para monitorar, fscalizar e fomentar polticas pblicas, notadamente
as que adotem metodologias de Planejamento e de Gesto Sistmicos
O CNMP priorizou alguns focos de atuao. Um deles a Comisso Permanente Disciplinar, de Controle
Externo da atividade Policial, de Controle do Sistema Carcerrio e de Controle das Medidas Socioeducativas.
Quanto esfera da infncia e Juventude, foram estabelecidas estratgias de interveno, com nfase nas
medidas socioeducativas restritivas de liberdade, mas sem descuidar das medidas de meio aberto, de
modo a contribuir para a sufcincia e a qualidade do atendimento socioeducativo em todas as unidades
da Federao e, especialmente, eliminar situaes ainda presentes de recolhimento de adolescentes
em estabelecimentos penais, com violaes de preceitos do Estatuto da Criana e do Adolescente e da
Normativa Internacional da qual o Brasil signatrio. Na mesma linha de atuao, e fundamentada
expressamente nas diretrizes da ONU, inclusive com destaque para Pesquisa Brasil Ponto a Ponto, est
sendo construda a Estratgia Nacional de Justia e Segurana Pblica (ENASP). Essa estratgia congrega o
CNJ, o CNMP e o Ministrio da Justia, entre outras instituies.
Diante do exposto acima, vislumbra-se que o Ministrio Pblico e outras instituies devem fomentar
o desenvolvimento de valores aptos a atingir a efetividade, a sustentabilidade e a paz, interna e externa.
| 239
PolTiCAS DE vAlor
No TrAbAlHo
Compreender o papel do trabalho na vida das
pessoas importante para o desenvolvimento
humano. De fato, descobrir as capacitaes que
so desenvolvidas ou limitadas pelo trabalho
uma tarefa que exige entender a relao
singular de cada trabalhador com a atividade
laboral, com os pares, com os patres, com os
prepostos e com os demais atores. O trabalho
uma atividade simblica por excelncia,
demanda aes humanas organizadas e lgicas,
um organizador de conjunto da vida social
e produz valores e sistemas com elementos
com certa coerncia, que requerem tcnicas,
comportamentos, cognies, representaes,
criaes, tticas, estratgias, comunicao,
administrao, gerando produtos ou servios
94
.
O trabalho no s permite a realizao
de projetos de vida e profssionais, como,
sobretudo, organiza e disciplina a vida dos
indivduos, sujeitando-os a normas, contratos,
regulamentaes morais e jurdicas que
exprimem as necessidades sociais, quilo que
pode ser proporcionado pelo que realizado (os
ganhos). Alm disso, estabelece limites para os
horrios, o consumo, o prazer, as relaes sociais
e afetivas, ao mesmo tempo em que altera a
posio social, o acesso aos direitos e justia
95
pelo indivduo. O problema da sociedade
moderna o trabalho. No mbito das polticas
pblicas, o trabalho um elemento de incluso
social, de ampliao e assuno da cidadania.
Ao identifcar os problemas reais e imaginrios
originados e/ou eclodidos no ambiente e no
tempo do trabalho, possvel inventar ou
descobrir formas de lidar com o sofrimento
psquico que imobiliza, angustia, deprime e, real
ou simbolicamente, mata o sujeito-trabalhador.
Nesse contexto, a cada dia aumenta o
estranhamento que o sujeito possui sobre
si. Apartado do desejo, se nega ou sequer
se d conta de que no reconhece a prpria
vontade relacionada ao trabalho que executa
e s convivncias decorrentes do ambiente
laboral. Diante dessa lacuna, o sujeito se sente
desencorajado por ter que pagar o preo de uma
nova escolha, que poderia atenuar o confito entre
o papel/atividade desempenhado e o desejo.
Essa dependncia incentivada, e o sujeito fca
espera das promessas que mesmo temporrias,
no lhe apontem a falta constituinte do ser. O
confito aparece quando o sujeito confronta o
que deseja ser/fazer com aquilo que ele, por
razes muitas vezes ignoradas, efetivamente
escolheu realizar como opo profssional.
Esse confito se amplia quando se compara a
posio que o sujeito ocupa ou o papel que ele
desempenha com aquilo que imaginava ou
idealizava quando escolheu a atividade. E se
torna ainda mais destacado quando as fguras
que ocupam as posies de reconhecedoras
(chefas, pares, clientes/pblico) no atendem s
suas expectativas.
Na maioria das vezes o discurso da empresa
baseado no princpio do prazer, promete
compartilhar com os trabalhadores o sucesso,
garante a completude, a onipotncia, ou seja,
um laborar idealizado. O problema surge na
dissociao do ideal com o real. O real conhecido
inicialmente como fracasso, e medida que
aberto um espao para compartilhar as falhas,
cria-se, no plano coletivo, um cdigo lingustico
por meio do qual o sujeito poder identifcar,
nomear e comunicar suas percepes diante do
trabalho. Assim, h um questionamento entre
a linguagem da empresa e a dos trabalhadores,
uma forma de sair do imobilismo psquico,
da conformidade at ento ditada por uma
fala totalitria. pelo estranhamento de
perceber o sofrimento silenciado, promotor
de adoecimento, que o sujeito desenvolver
estratgias junto ao coletivo para emancipar-se.
O ideal, dessa forma, passa da mera competio
generalizada, qual todos devem se adaptar,
para a cooperao, que permitir contornar o
real sem a diluio do indivduo.
240 PARTE 3 | Polticas de Valor
UM PEQUEnO PAnORAMA BRASILEIRO
Esta anlise foi realizada a partir do
levantamento bibliogrfco dos estudos
brasileiros realizados no perodo de 2000 a
2009. Foram consideradas exclusivamente as
produes cientfcas que abordaram aspectos
relacionados s vivncias positivas e negativas
do trabalhador brasileiro ou seja, o prazer e o
Tabela 13.1 Vivncias no Brasil
Profsso
vivncias
Positivas
vivncias
negativas causas efeitos
Bancrios Visualizao dos
resultados, relao
positiva com o
cliente.
Sobrecarga de
trabalho, dores
esquelticas
e musculares,
Angstia.
Ritmo acelerado,
presso por metas.
LER/DORT,
individualismo,
depresso, assdio
moral.
lderes
religiosos
Orgulho do
trabalho,
identifcao
com a tarefa,
reconhecimento da
comunidade.
Desgaste fsico,
angstia para
atender as
demandas.
Ritmo acelerado,
exigncia moral.
Doenas
psicossomticas
sentimentos de
culpa.
servidores
Pblicos
Estabilidade,
reconhecimento da
sociedade, salrio
compatvel com a
tarefa.
Ambivalncia com
forte sensao
de angstia,
frustrao,
Sensao de vazio.
Competio,
Isolamento, cadeia
do silncio.
Depresso,
imobilismo
profssional,
assdio moral,
m qualidade na
relao entre os
pares.
Professores Liberdade
para utilizar a
criatividade.
Sobrecarga de
trabalho, dores no
corpo, tristeza.
Esgotamento
profssional,
confitos
nas relaes
interpessoais.
Estresse,
depresso,
tendinite, varizes,
fbromialgia.
trabalhadores
informais
Flexibilidade na
organizao do
trabalho
Angstia,
discriminao,
desvalorizao da
sociedade
Precariedade
do ambiente,
instabilidade dos
ganhos mensais.
Resignao
demanda do
mercado.
Profssionais
da sade
Trabalho dinmico,
fexibilidade nas
decises.
Ambivalncia
na relao com
os pacientes,
angstia,
sobrecarga de
trabalho.
Ritmo acelerado,
negao de
sentimentos.
Solido,
individualismo,
depresso.
metrovirios Relao de
confana entre os
pares, atitudes de
cooperao.
Medo, insegurana,
desmotivao,
esgotamento fsico.
Trabalho
automatizado,
relaes de confito
com chefas, tarefa
repetitiva
Impacincia
com os usurios,
distrbios
musculares,
assdio moral,
doenas
psicossomticas
isolamento
| 241
sofrimento no seu contexto profssional e que
apresentaram um texto completo ou resumos
que fornecessem elementos satisfatrios para a
compreenso da temtica focalizada. A pesquisa
revelou um total 165 estudos, 71 deles produzidos
sob a tica da psicodinmica do trabalho
96
.
Os estudos, concentram-se nas profsses
relacionadas rea de sade enfermeiros,
agentes comunitrios, auxiliares e tcnicos
de enfermagem. No entanto, h um nmero
signifcativo de estudos nos quais colaboraram,
como sujeitos das pesquisas, bancrios,
servidores pblicos, trabalhadores da rea de
educao, de servios de teleatendimento e
profssionais de cargos operacionais, tais como
catadores de lixo, operrios da construo civil,
manicures, entre outros.
A Tabela 13.1 demonstra as caractersticas
que mais se destacam das vivncias negativas
e positivas, suas causas e efeitos nas diferentes
profsses estudadas. Elas podem servir de base
para polticas de valor para o trabalho.
A coleta de dados, empregada em 95% dos
estudos realizados, privilegiou a abordagem
metodolgica qualitativa. Participaram desta
produo quase todas as regies brasileiras,
apresentando uma diversidade cultural,
distribudas da seguinte forma: 36,5%, sudeste;
22,8%, sul; 21,13%, centro-oeste; e 19,5%, nordeste.
cARAcTERIZAO DAS VIVncIAS POSITIVAS E
nEgATIVAS nO TRABALHO
Em todo o perodo citado, pesquisadores
voltaram parte de seus estudos caracterizao
das vivncias positivas e negativas no trabalho
como indicadores do prazer e sofrimento pelo
levantamento das manifestaes comporta-
mentais ou dos sentimentos frequentemente
associados a cada uma das vivncias.
As vivncias negativas no trabalho,
atualmente, so caracterizadas pela presena
de pelo menos um dos seguintes sentimentos:
medo, insatisfao, insegurana, estranhamento,
desorientao, impotncia diante das incertezas,
alienao, vulnerabilidade, frustrao,
inquietao, angstia, depresso, tristeza,
agressividade, impotncia para promover
mudana, desestmulo, desnimo, desgaste
fsico e emocional, desvalorizao, culpa, tenso
e raiva. As vivncias positivas, por sua vez, pelos
sentimentos de reconhecimento, identifcao,
orgulho pela atividade em si, realizao e
liberdade.
A nfase ao carter dialtico das vivncias
negativas passou a ser fortemente acentuada
nos estudos realizados nos ltimos cinco anos
do perodo pesquisado; fazendo com que a
concepo de que o estado de sade psquica
no trabalho no decorrncia da ausncia
de sofrimento, mas sim da existncia de
possibilidades internas e externas capazes
de propiciar ao trabalhador um meio de
transformao do sofrimento pela tomada de
conscincia de suas causas, dos seus confitos e
das situaes que o geraram
97
.
Assim, o trabalho nos diz sobre as faltas e
as demandas dos sujeitos; estas falam da sua
posio lgica e de subjetivaes, de habitar um
discurso, de suas aes, de sua castrao; em
linguagem comum, da sua motivao e de sua
conduta. O homem feito e efeito de linguagem.
Esta, pelos signifcantes, vai marcando a
historicidade do sujeito e sua estrutura psquica,
constituindo as cadeias signifcantes, e a sua
subjetividade, que tm uma lgica e seus efeitos
que, alm de incidir no mais ntimo do organismo
do sujeito humano, estaro em jogo nas inter-
relaes dentro das organizaes ou no trabalho.
Dessa forma, podemos afrmar que o campo de
confito no trabalho tem como primazia o da
comunicao, na qual encontraremos todas as
ordens de manifestaes potencializadas da
linguagem nos sujeitos, com as distores da
realidade, infuenciando desde o desempenho
e competncias at o desencadeamento de
sintomatizaes, sejam elas de ordem orgnicas
ou de condutas, e no menos os adoecimentos
98
.
242 PARTE 3 | Polticas de Valor
AS PRTIcAS DE gESTO DO TRABALHO
Na reviso dos estudos sobre as prticas
de gesto, identifcam-se lacunas para a
implantao de polticas voltadas para garantir
o papel estruturante do trabalho na vida dos
sujeitos e o seu valor simblico. Como exemplo,
apresentam-se pesquisas realizadas, entre os
anos de 2000 e 2009, com diferentes categorias
profssionais que tiveram programas de
qualidade de vida no trabalho implantados, sem
o xito desejado nos seus resultados.
Tabela 13.2 Impactos de programas de qualidade de vida no trabalho (PQT)
Pblico Objetivos Resultados
servio Pblico
federal
Avaliar as transformaes
dos aspectos relacionados
qualidade de vida no trabalho,
a partir da introduo do
programa de qualidade total.
Constataram as seguintes difculdades
na implantao do PQT: falta de conceito
prprio de qualidade, pouca preparao para
a mudana, refetida em resistncia, pouco
conhecimento dos funcionrios sobre QT,
principalmente porque a empresa falhou
na discusso e divulgao do programa em
escales mais baixos
Profssionais da
sade
Melhorar o bem-estar no
ambiente profssional, o
elevado ndice de absentesmos,
afastamentos por doena e por
acidentes de trabalho.
Difculdades da utilizao de prticas de QVT
pr-concebidas, bem como potencialidades e
limites para a elaborao de polticas pblicas,
uma vez que houve pouca adeso dos
profssionais ao programa.Os trabalhadores
no se sentiam a vontade para comunicar seu
sofrimento/adoecimento, havia insegurana e
medo de punio por estarem doentes.
setor Privado
(servios)
Melhorar a efccia
organizacional, bem como o
nvel de servios ofertados
sociedade.
Os programas de qualidade total melhoraram
os resultados das empresas, mas houve pouca
mudana na satisfao, no bem-estar e na
condio de vida das pessoas.
Bancrios Caracterizar as prticas de QVT
existentes no setor bancrio.
As prticas de QVT se caracterizaram por
ntido descompasso entre problemas
existentes e atividades realizadas, com uma
abordagem de QVT de vis assistencialista,
que tem no trabalhador a varivel de ajuste.
O campo de confito no
trabalho com primazia
o da comunicao.
| 243
Nos diferentes setores investigados, fcou
demonstrada uma prtica de gesto de vis
gerencialista. Percebe-se que em muitas
vezes, na implantao dos programas de QVT,
os resultados podem ser otimizados, mas os
indivduos continuam fcando parte de decises
signifcativas da empresa. As organizaes
parecem privilegiar a homogeneizao, no
existindo espao para aprofundar as causas
que contribuem para a diminuio do prazer no
ambiente de trabalho.
O exerccio dessas prticas de gesto deveria
ir alm das metas de produtividade e de controle
do absentesmo, ocupando-se de polticas
que possibilitem a criao de mecanismos de
mobilizao e participao, resgatando, assim,
o valor humano do trabalho para melhoria da
qualidade de vida da sociedade
99
. O que mais
escapa s estratgias de controle gerencial
a preparao de uma escuta qualifcada para
acolher e nomear junto as equipes a dor e o
sofrimento vivenciado, impossibilitando a
ruptura da linguagem. Esse sofrimento no
deve ser negado, mas sim reorientado, utilizado
como um motor propulsor para buscar o prazer
e, com isso, resgatar o valor do trabalho do ponto
O que mais escapa s
estratgias de controle
gerencial a preparao de
uma escuta qualifcada para
acolher e nomear junto s
equipes a dor e o sofrimento
vivenciado, evitando a ruptura
da linguagem.
de vista psicolgico e social. No a centralidade
do trabalho como nica maneira de sobreviver
na sociedade do consumo, mas o trabalho que
estrutura o sujeito e permite emancip-lo ao
exercitar democracia e cidadania na convivncia
tica com os outros e no reconhecimento do
prprio fazer.
Os indicadores de que a linguagem deixou
de se propagar no ambiente organizacional
so observados nas seguintes prticas
gerenciais: gesto pelo controle; medo; presso;
desconfana e insegurana legitimada e
estimulada pela cultura organizacional; normas
sem limites ou muito padronizadas; poder
autocrtico ou permissivo; comunicao sem
visibilidade, paradoxal e restrita; foco exagerado
na produo; metas inatingveis; falta de sentido
do trabalho; sistema de avaliao inadequado,
gerando individualismo, competio e clima
de rivalidade; desestruturao do coletivo; e a
patologia da solido.
Ampliar a escuta determinante para que a
fala seja ressonante e sensibilize a equipe para
o desempenho de suas atividades. Desenvolver
constantemente habilidades e diferenciais
para decidir e resolver problemas, identifcar os
papis na organizao e suas interfaces com o
ambiente externo e interno, gerenciar pessoas
e processos e melhorar o relacionamento
interpessoal o talento de cada gestor.
Consideram-se medidas importantes para
a organizao oferecer um ambiente saudvel
de trabalho: a visibilidade da fala e das aes
de seus colaboradores; a gesto com base na
variabilidade; a fexibilidade; o planejamento
e previsibilidade das aes; a compatibilidade
entre competncias profssionais e condies,
organizao e relaes socioprofssionais de
trabalho; a gesto por meio da anlise, da crtica
e da proposio; e o fortalecimento do coletivo
de trabalho.
244 PARTE 3 | Polticas de Valor
Tabela 13.3 Fatores determinantes dos indicadores
de vivncias de sofrimento e prazer no trabalho
Vivncias de sofrimento Vivncias de prazer
organizao
do trabalho
Caractersticas da tarefa: fragmentao
das atividades, imposio de ritmos,
procedimentos repetitivos, tarefas de risco
de vida, imprevisibilidade da atividade
a ser executada, ausncia do prescrito,
rigidez na conduo da atividade,
ausncia de priorizao das atividades
Gesto do trabalho: presso interna
para cumprimento das metas, forte
hierarquizao, superviso coercitiva,
ausncia de participao nas decises,
falta de fexibilidade e/ou autonomia,
grandes transformaes na organizao.
Confitos entre os valores da empresa e os
pessoais
Grandes transformaes na organizao
Maiores exigncias de qualifcao
Caractersticas da tarefa:
desenvolvimento de atividades
que requerem iniciativa, tomada
de deciso, viso estratgica,
capacidade de argumentao
e comunicao verbal, trabalho
dinmico e com pouca rotina,
visualizao dos resultados do
trabalho
Gesto do trabalho: realizao de
atividades com comeo, meio e
fm, fexibilizao das decises e
processos de trabalho, autonomia,
liberdade, gesto mais participativa
e democrtica, comunicao formal
condies do
trabalho
Sobrecarga: excesso de trabalho; longas
jornadas de trabalho, insufcincia de
pausa e repouso
Indisponibilidade de recursos material e
humano
Ambiente de trabalho: instalaes fsicas
precrias, ambiente com rudos altos,
ambiente sem ventilao, temperatura
alta, enfumaado, exposio a riscos
qumicos, biolgicos, fsicos e psquicos
Poltica de remunerao: baixa
remunerao, ausncia de poltica de
benefcios
Insatisfao com a empresa
Poltica de remunerao:
remunerao salarial satisfatria
relaes
socio-
profssionais
Relao entre pares: m qualidade nas
relaes de confana, de cooperao; falha
de comunicao no trabalho
Relao com o cliente/usurio: relaes
insatisfatrias/violentas com os clientes/
usurios; ambivalncia da relao com o
cliente, identifcao com a problemtica
do usurios
Relao entre pares: coeso e
integrao da equipe; atitudes de
cooperao na equipe; espaos de
discusso e de possibilidades de
adoo de novas estratgias.
Relao com o cliente/usurio:
positiva
| 245
EFEITOS DO TRABALHO SOBRE O InDIVDUO
Paralelamente, em todo o perodo citado,
os pesquisadores identifcaram a relao
existente entre caractersticas do contexto de
servio, composto pelas dimenses organizao
do trabalho, condies do trabalho e relaes
socioprofssionais, e as vivncias de sofrimento
e prazer pelo trabalhador. Os achados
evidenciaram o valor preditivo dessas variveis.
A Tabela 13.3 traz uma sntese dos resultados
obtidos, valendo salientar que alguns estudos,
nos ltimos anos, apontam variveis externas
ao contexto de servio, geralmente associadas
violncia social como responsvel pela
vivncia de sofrimento psquico no trabalho. A
Tabela 13.4 apresenta os itens mais positivos e
negativos vivenciados pelos trabalhadores na
organizao, condies de trabalho e relaes
socioprofssionais nos estudos analisados.
O mtodo utilizado como instrumento de
medida foi o quantitativo associado a mtodos
qualitativos. Os estudos fzeram o uso da Escala
de Indicadores de Prazer e de Sofrimento no Tra-
balho (EPST), validada por Mendes, Ferreira, Facas
e Vieira (2005)
100
; escala de frequncia do tipo
Likert de cinco pontos, composta por 24 itens,
que mensura quatro fatores, dois indicadores
da vivncia de prazer realizao profssional
e liberdade de expresso e dois de sofrimento
esgotamento emocional e falta de reconheci-
mento.
Tabela 13.4 Itens mais positivos e negativos para a organizao;
condies do trabalho e relaes socioprofssionais nos estudos analisados
Itens mais
positivos
Itens mais
negativos
Organizao do trabalho Feedback sobre o trabalho
desempenhado, metas condizentes
com o real do trabalho, acolhida e
espao para negociaes.
Forte cobrana por resultados,
diviso entre quem planeja e
executa e normas rgidas para
execuo da tarefa.
Condies de trabalho Segurana para os trabalhadores,
espao fsico confortvel e
material de consumo sufciente.
Os instrumentos de trabalho
so insufcientes para realizar as
tarefas, excesso de barulho no
ambiente, mobilirio inadequado.
Relaes Socioprofssionais Fluidez na comunicao entre
gestores e trabalhadores, as
tarefas so claramente defnidas
e estmulo a participao e
autonomia.
Falta integrao no ambiente de
trabalho, a comunicao entre
os pares insatisfatria e falta
apoio para o desenvolvimento
profssional.
246 PARTE 3 | Polticas de Valor
Eixos Fatores geradores das vivncias negativa Atitudes propostas
macro Negao da participao ativa
dos trabalhadores nos processos
de mudana
Insufcincia de feedback do
trabalho
Falta de reconhecimento pelo
esforo empregado para realizar
o trabalho
Excesso de prescries
Mau uso do poder
Distores na comunicao
Compartilhar os resultados alcanados e
remeter a coletividade
Valorizar a inteligncia da pluralidade
Abrir espaos pblicos de cooperao no
planejamento anual
Criar sistemas de avaliao do trabalho
cumprido pelo trabalhador que contemple
a utilidade e qualidade da tarefa
desempenhada
Cumprir os acordos negociados, evitando
falsas promessas
meso Gesto desumanizada, na qual
as pessoas so tratadas como
mquinas
Competio vertical e horizontal
Difculdade de construir regras
coletivas
Falta de confana e
solidariedade
Falta de cooperao
Abrir espaos de escuta para que o
sofrimento mobilize ao
Criar espaos de discusso, que
essencialmente poltico, que promova a
emancipao dos sujeitos e transformaes
pela ao coletiva no espao de trabalho.
Avaliaes de todos os atores envolvidos.
micro Negao do prprio sofrimento
Uso exacerbado de defesas
como projeo, idealizao,
racionalizao, gerando paralisia
e imobilismo diante das
difculdades
Rejeio de pensamentos e
atitudes do comportamento do
que so inaceitveis no seu juzo;
Resistncia negativa que impede
a entrega ao trabalho, e podem
levar o sujeito ao silncio,
recusa em participar
Falta de sentido do trabalho
Servido voluntria
Auxiliar os sujeitos a se apropriarem dos
seus atos, adotando atitudes de mobilismo
e como resultado as relaes tornam-
se centradas no coletivo, produtividade,
inconformismo, promovendo o trabalho
coletivo
Adotar a gesto participativa, com base no
real, evitando a neutralidade e a idealizao
de comportamentos
Instrumentalizar a equipe com base nos
valores ticos, estabelecer polticas de
cumplicidade e evitar aceitar atitudes
infantilizadas que no devem ter lugar no
ambiente de trabalho
Descortinar cenrios prescritos, repetitivos,
representacionais uma forma madura de
enfrentar o real
Tabela 13.5 Atitudes para superar vivncias negativas no trabalho
| 247
SUgESTES PARA DESEnVOLVER UMA POLTIcA
DE VALORIZAO DO TRABALHO
Na Tabela 13.5 so apresentadas algumas
atitudes, voltadas para superar as vivncias
negativas para o desenvolvimento de uma
poltica de valor no trabalho. So analisados
com base em trs eixos: macro, meso e micro,
ou seja, no nvel da estrutura organizacional,
das relaes socioprofssionais e das relaes do
indivduo com seu trabalho.
importante lembrar que o desenvolvimento
de uma poltica deve envolver os sujeitos como
protagonistas da sua prpria histria, libertando-
se dos scripts perfeitos encomendados e dos
padres ideais a serem seguidos. O sujeito s
reconhecer que suas certezas no so provas
de verdade e que suas percepes so to
vlidas quanto as dos que convivem com ele,
quando defrontado em seu universo subjetivo.
Caber, pois, a busca de uma perspectiva mais
abrangente, de que se exercite estar na pele do
outro e que seus afetos e pensamentos tambm
tenham lugar nesse cenrio.
Nesse terreno, percebe-se que a construo
de polticas que orientam a prxis do
trabalho nas empresas deve estar pautada no
reconhecimento da fala do sujeito trabalhador,
edifcadas em debates coletivos, num processo
de confitos e discusses. Com foco no trabalho
vivo, multiplicidades de vozes contribuiro para o
campo preventivo, que prev o entrecruzamento
nos atos e discursos e que, sob esta tica, lida
com a noo de intersubjetividade.
Com base neste ponto de partida, sugere-se
que as polticas de valor no trabalho devem in-
cluir as dimenses intersubjetivas, uma vez que
as relaes so construes sociais e, como tal,
podem transformar e serem transformadas pe-
los diversos atores envolvidos no ambiente de
trabalho. Deste modo, a valorizao do tra balho
possvel, a despeito da ateno que ain da deve
ser dirigida poltica para reduzir os ndices de
desemprego e subemprego. Esta valorizao
pode ser viabilizada por uma poltica de hu-
manizao do trabalho. O eixo para alcanar
este propsito deve ser o combate da crise do
coletivo, na qual a maioria dos trabalhadores
brasileiros encontra-se submerso. Para isso,
fundamental o desenvolvimento de valores que
guiem o viver junto, como a tica, a confana, a
solidariedade e a cooperao. Este um dos mo-
dos de superar o sofrimento no trabalho e trans-
form-lo em prazer, bem como de deslocar os
sujeitos da posio de imobilismo para ao, en-
contrando os caminhos que mais se aproximem
da humanizao de si mesmo e dos outros.
Estimular um ambiente em que a ao
predomine signifca estabelecer relaes
dinmicas com espaos para manifestao
da fala e da escuta dos trabalhadores, num
espao pblico de discusso que promova
a compreenso, interpretao, elaborao e
perlaborao do pronunciado. Esse espao a
possibilidade de (re)construo dos processos
de subjetivao do coletivo, uma vez que
falar leva o trabalhador a se mobilizar, pensar,
agir e criar estratgias para transformar a
organizao de trabalho. A mobilizao que
resulta dessa fala se articula emancipao e
reapropriao de si, do coletivo e da condio
de poder do trabalhador
101
. Reconhecer, valorizar
e socializar aes de resistncia ao sofrimento
como estratgias prioritrias podem fortalecer
as atuais prticas de ateno sade do
trabalhador. Potencializam, ainda, a participao
nos projetos de promoo e qualidade de vida,
existentes em algumas empresas. Para tal, faz-
se necessrio reconhecer as diferenas entre
incluses ativa e reativa.
No mundo do trabalho, essa escuta con-
cebida como entrelaamento de socializao e
individuao, produzindo um reconhecimento
intersubjetivo da particularidade de todos os
indivduos. O que se busca reconhecer o pro-
blema dos afetos nas relaes que se explici-
tam pela palavra, que por meio da prtica trata
de restabelecer a circulao da linguagem, que
fora congelada na presentifcao dos sintomas:
248 PARTE 3 | Polticas de Valor
mau-humor, cansao, depresso, estresse e tan-
tas outras formas de sofrimento. Promover estas
refexes um caminho possvel para se habi-
tar o eixo da emancipao, no qual expresses
de reconhecimento, democracia, participao,
liberdade, solidariedade, engajamento, confan-
a, prazer, criatividade, autonomia e respeito s
diferenas estejam em evidncia no futuro.
CoNCluSES
O maior desafo deste captulo foi o de passar
a discusso sobre valores, do nvel mais terico
e abstrato, para contextos e prticas em que
pudssemos falar de valores concretamente,
como aes desejveis a serem empreendidas
em circunstncias objetivas. Para dar conta
dessa tarefa, praticamente impossvel abriu-
se o captulo a uma multiplicidade de vozes
que ofereceram diversas refexes sobre suas
prticas e sobre o sentido de polticas de valor.
Com isso, procuramos mostrar que precisamos
de solues integradas para dar conta dos
problemas contemporneos de poltica pblica.
Polticas que para melhorar as vivncias
escolares, no trabalho, na sade, nos lares etc.
precisam da participao ativa do cidado
apoiado pelos governos.
Para melhorar a educao e diminuir a violn-
cia no pas precisamos: que famlias escrevam as
suas PPPs (prticas parentais positivas); que as
escolas utilizem recursos de educao para va-
lores, de esporte etc. que faam da educao um
ensinar a viver; que os governos reconheam a
importncia dos espaos pblicos (fsicos e vir-
tuais) como parte do seu papel de promoo de
uma sociedade forte e que as empresas e traba-
lhadores consigam estimular vivncias positivas
no seu cotidiano. Esses desafos no so triviais,
mas esto na base de polticas promotoras de
desenvolvimento humano.
| 249
nOTAS PARTE 3
1. Para mais informaes ver Amartya Sen (2005) The Three Rs of Reform. Economic and Political Weekly. May 7.
2. As boas prticas e recomendaes aqui apresentadas foram elaboradas a partir de uma rodada de seminrios regionais, abertos
academia brasileira, durante 2009, realizada na Universidade Federal de Pernambuco, Pontifcia Universidade Catlica do Rio
Grande do Sul, Universidade Presbiteriana Mackenzie e na sede do PNUD em Braslia, que reuniu pessoas de todo o Brasil, levando a
produo de mais de 100 textos e apresentaes que formam a base deste relatrio.
3. Para maiores esclarecimentos sobre essa terminologia, ver Amartya sem. Desenvolvimento como liberdade. So Paulo: Companhia
das Letras, 2000.
4. Ver Maria das Graas Rua. Anlise de polticas ppblicas: conceitos bsicos. In: O estudo da poltica: tpicos selecionados. Braslia:
Paralelo 15, 1998.
5. Esse modelo proposto por Easton, D. Captulo 7. Modalidades de anlise poltica. Rio de Janeiro, Zahar, 1970. No original, as trs
fases so descritas como input, withinput e output.
6. Para uma boa discusso sobre a interao entre essas agendas, ver Cobb, R., Ross, J. K. e Ross, M. H. Agenda Building as a Comparative
Political Process. The American Political Science Review, 1976, 70(1), p. 126-138.
7. Ver, por exemplo, Banco Mundial, Making Services Work for the Poor, World Development Report 2004. Washington, Banco
Mundial, e, mais recentemente, PNUD Informe Regional sobre Desarrollo Humano para Amrica Latina y el Caribe 2010. Nova York:
PNUD, 2004. Ambas as publicaes utilizam modelos principal-agente para explicar falhas na proviso de bens pblicos.
8. Para mais informaes sobre a Abordagem das Capacitaes, ver Amartya sem, 2000, obra citada e Martha Nussbaum, Women
and Human Development. Cambridge: Cambridge University Press, 2000.
9. A agncia de uma pessoa a liberdade que possui para realizar seus objetivos e valores que considere importantes. Ver Sem, 2000,
obra citada, para uma discusso mais detalhada sobre a importncia da agncia dos indivduos nos processos de desenvolvimento
humano.
10. A fundamentao para esse argumento pode ser encontrada na crtica da profa. Martha Nussbaum ao contratualismo rawlsiano,
que exclui pessoas menos aptas do contrato social. Para mais informaes, ver Martha Nussbaum. Frontiers of Justice. Belknap:
Harvard University Press, 2006
11. Ver Parsons, Wayne. Polticas pblicas. Una introducin a la teoria y la prtica del anlies de polticas pblicas. Mxico: Flacso, 2007.
12. A discusso sobre razo pblica aqui segue as linhas sugeridas pelo prof. Amartya Sen em seu livro The Idea of Justice, publicado
pela Harvard University Press em 2009, com foco nos captulos 17 e 18.
13. Ver Rossetti, J. P. Poltica e programao econmicas. So Paulo: Atlas, 1987.
14. Ver Moraes, Rodrigo Schoeller de. Valores: o seu surgimento nos ciclos dos extremos e do equilbrio/harmonia e o seu desenvolvimento
atravs da metodologia de planejamento e gesto sistmicos, mimeo, 2009.
15. A expresso trade-off signifca troca e utilizada com frequncia para o custo de oportunidade referente escolha de uma
determinada alternativa, quando essa escolha implica a melhoria em um aspecto que prejudica a outro.
16. No convm considerarmos o nosso entendimento do mundo como um universal imutvel, igualmente aplicvel a todos os
povos e comunidades. Ainda que a vida e o amor, por exemplo, nos paream valores universalizveis, no so considerados nem
vividos do mesmo modo pelas culturas. No devemos encarar, portanto, nossas proposies como fundamentalistas, baseadas em
essncias, ou seja, como se existissem verdades nicas. Quando agimos assim no h espao para dilogo. Essa perspectiva pode
resultar em uma perigosa tentao autoritria, uma vez que, se sabemos a verdade ltima sobre as coisas, e os outros no a
conhecem, podemos justifcar toda a sorte de polticas e imposies arbitrrias.
17. O perigo dessa segunda armadilha, diametralmente oposta primeira, evitarmos sermos prescritivos para a preservao
da diversidade cultural. Nessa linha, no esforo de preservar o carter multicultural da experincia humana, acabamos por
apenas descrever a sua diversidade cultural, contribuindo assim para uma ideia de uma preservao imutvel ou zoolgica das
culturas. Ocorre que as culturas so produtos do contato cultural ou do que os especialistas chamam de contgio cultural ou
interculturalidade. Ver Lvi-Strauss, Claude Raa e histria. So Paulo: Martins Fontes, 1975, e Canclini, Nestor Garcia. A globalizao
imaginada. So Paulo: Iluminuras, 2007.
18. Essa terceira armadilha aparece normalmente como forma de superar os problemas postos pelas duas primeiras, mas frequen-
temente no os resolve. Ela consiste na crena de que podemos confar em uma perspectiva supostamente neutra, isenta ou imparcial,
para intervir sobre o social. Signifca acreditar que a sua afrmao no mais um ponto de vista, ou seja, a vista a partir de um ponto,
como todas as outras, mas sim uma perspectiva que paira acima delas. Mas, se todas as afrmaes, proposies e prticas sociais so
produtos de culturas, imersas, portanto, em seus respectivos universos de crenas e valores, um produto com contexto de criao histri-
co e geogrfco, nada me autoriza a acreditar que meu olhar desprendido do meu universo cultural. O apelo neutralidade axiolgica
(ver Weber, Max. Cincia e poltica: duas vocaes. So Paulo: Cultrix, 1970.) das cincias sociais para o domnio das escolhas humanas
elimina os juzos de valor dos atores sociais. Portanto, a cincia no est inteiramente habilitada a comandar a tomada de deciso
relativa aos fns e aos valores dos atores sociais. Da mesma forma, em virtude da separao categrica entre o ser e o dever ser, entre os
juzos de fato e os juzos de valor, vedada cincia a possibilidade de fundamentar normativamente um imperativo qualquer de valor.
250 PARTE 3 | Polticas de Valor
19. Ver Canclini, Nestor Garcia. Culturas hbridas: estratgias para entrar e sair da modernidade. So Paulo: Edusp, 2003.
20. Esses argumentos podem ser encontrados em obras clssicas como Smith, Adam. Teoria dos sentimentos morais. So Paulo:
Martins Fontes, 1999, e Wittgenstein, Ludwig. . Investigaes flosfcas. Petrpolis: Vozes, 1994.
21. Ver MacIntyre, Alasdair. Justia de quem? Qual racionalidade? So Paulo: Loyola, 1991. (Coleo Filosofa).
22. Laplatine, Franois. Aprender antropologia. 2 ed. So Paulo: Brasiliense, 1989.
23. Rawls, John. O liberalismo poltico. So Paulo: tica: 2000.
24. Habermas, Jrgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1997, vol. II.
25. A lista de exemplos pode incluir a Declarao Francesa de 26 de agosto de 1789, descrita por alguns como o ato de constituio de
um povo, a declarao americana Bills of Rights, dentre outras destacadas por Norberto Bobbio em A era dos direitos. Rio de Janeiro:
Campus, 2004.
26. Este tipo de perspectiva est de acordo com o que se vem chamando de cosmopoltica. Ver Ribeiro, Gustavo Lins. Diversidade
cultural enquanto discurso global. desigualdade e diversidade Revista de Cincias Sociais da PUC-Rio, n. 2, jan./jun. de 2008. A ideia
de cosmopoltica implica o esforo de arregimentao de discurso que se pretenda ao mesmo tempo universalista, porquanto
pretensamente universalizvel, logo propositivo e global, ao mesmo tempo em que respeita a diversidade cultural, compatvel,
assim, com o paradigma do Desenvolvimento Humano adotado por este relatrio.
27. As interaes sociais e polticas seriam conformadoras de prticas que visem promoo de quatro critrios distintos, mas
interligados, e enumerados a seguir. Em primeiro lugar, a promoo das diferentes perspectivas subjetivas e individuais em interseo,
ou intersubjetividade. Em segundo lugar, a promoo e o respeito do contato entre culturas, ou interculturalidade. Em terceiro lugar,
a possibilidade de cruzamento entre posies sociais ou polticas mais verticais ou horizontais que vise a aplacar hierarquias, sob a
perspectiva tranversal, ou da transversalidade. E por ltimo, mas no menos importante, a permeabilidade para distintas tradies
em contato, ou intertradicionalidade. A perspectiva a do dilogo, da incluso, da interao, mesmo que assimtricas. Assimetria
que pode estar relacionada, por exemplo, ao contato de um professor, em tese o detentor do poder do saber, com seus alunos ou
com uma comunidade de baixa escolaridade. Ver DAvila, Paulo M. Filho. Tradio e intertradicionalidade. Paper apresentado no
encontro O Brasil em Evidncia: A Utopia do Desenvolvimento. Teoria da Dependncia e o Brasil na Era da Globalizao. Rio de
Janeiro: Fundao Getulio Vargas, 2008. Mimeo.
28. No Brasil, o programa Bolsa Famlia mudou essa trajetria ao chamar ateno para o universo familiar e para sua importncia na
reduo da pobreza. Para um reconhecimento internacional do impacto desse programa, ver PNUD. Captulo 6. Informe Regional
sobre Desarrollo Humano para Amrica Latina y el Caribe 2010. Costa Rica: Editorama, 2010.
29. O contexto aqui a competio entre espaos pblicos e privados e a reduzida importncia frequentemente dada s narrativas
construdas dentro dos espaos considerados privados na formao de polticas de desenvolvimento. Ver, por exemplo, Cebotarev,
Eleonora. Economia e economia familiar. In: Simpsio de Economia Familiar: um olhar sobre a famlia nos anos 90. Viosa: UFV, 1996.
30. Como argumentado no Captulo 8 deste relatrio, defnimos famlia como uma rede de cuidados e afeto, independentemente
de sua confgurao ou do nmero de pessoas que a constitui.
31. Ver Gitahy, Raquel Rosan Christino. Valores morais: um estudo na era do virtual. Texto de Apoio ao Relatrio de Desenvolvimento
Humano Brasileiro, PNUD, 2009. Mimeo.
32. Organizadas e executadas pelo Ncleo de Estudos, Pesquisa, Extenso e Assessoria na rea da infncia e da adolescncia (NEPIA)
da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), no perodo de janeiro a agosto do ano de 2008 na Unidade de Sade do bairro do
Palmeirinha. A unidade de sade da famlia foi escolhida por ser um espao de referncia para a populao e por atender crianas
e adolescentes.
33. Ver pesquisa de Junior, Constantino Ribeiro de Oliveira; Polichuk, Naja Kayanna; Barros, Solange Aparecida Barbosa de Moraes.
Violncia domstica: a difculdade de romper com valores socialmente construdos- Pensando sobre Cotidiano. Mimeo. Texto de
Apoio ao Relatrio de Desenvolvimento Humano Brasileiro, PNUD, 2009.
34. A fundamentao desse argumento encontra-se em Arajo, Ulisses. (A construo social e psicolgica de valores. Texto de
Apoio do Relatrio de Desenvolvimento Humano Brasileiro 2009/2010, 2009, mimeo, e em Piaget, J. Les Relations entre laffectivit et
lintelligence. Paris: Sorbonne, 1954.
35. Ver Vargas, Marlizete. Valores familiares e concepes de causas e consequncias da violncia em famlias de Aracaju. Texto de
Apoio do Relatrio de Desenvolvimento Humano Brasileiro 2009/2010, 2009, mimeo.
36. Ver Murueta, M. E. De la sociedad del conocimiento a la sociedad del afecto en la teora de la praxis. In: Crdova, M. e Rosales,
J.C. Psicologa Social, Perspectivas y Aportaciones para un mundo posible. Mxico: Amapsi, 2007.
37. O impacto dessas vivncias na formao dos indivduos no pode ser ignorado. Ver Blasi, A. Moral Understanding and the Moral
Personality: the process of moral integration. In: Kurtines, W. e Gewirtz, J. (orgs.), 1995 Moral Development: an introduction. Allyn &
Bacon. O autor argumenta que os valores so integrados em sistemas motivacionais e emocionais que, por sua vez, fornecem a base
para a construo da identidade e autoconceito dos indivduos.
38. Ver Maturana, H. (1998) Emoes e Linguagem na Educao e na Poltica. Belo Horizonte: Editora UFMG.
| 251
39. Ver Castro, Jane Margareth; Regattieri, Marilza. Interao escola-famlia: subsdios para prticas escolares. Braslia: Unesco, MEC,
2009.
40. Ver obra j citada, Castro e Regattieri, 2009, p. 87.
41. Ver Darling, N. e Steinberg, L. Parenting style as context: an integrative model. Psychological Bulletin, 1993, 113, p. 487-496.
42. Ver Carvalho, M. C. N., Gomide, P. I. C. Prticas educativas parentais em famlias de adolescentes em confito com a lei. Estudos de
psicologia. (Campinas) [online]. 2005, vol. 22, n. 3, p. 263-275.
43. Ver Salvo, C. G., Silvares, E. F. M. e Toni, P. M. Prticas educativas como forma de predio de problemas de comportamento e
competncia social. Estudos de psicologia. (Campinas) [online]. 2005, vol. 22, n. 2, p. 187-195.
44. Esse tpico aprofundado por Petit, G., Laird, R.D., Dodge, K.A., Bates, J., e Criss, M. . Antecedents and behavior-problem outcomes
of parental monitoring and psychological control in early adolescence. Child Development, 2001, 72 (2), p.; 583-598.
45. Ver Salvo et al., 2005, obra citada.
46. Ver Weber, L. N. D., Stasiack, G. R. e Brandenburg, O. J. Percepo da Interao Familiar e Autoestima de Adolescentes. Aletheia,
2003, 17/18, p. 95-105.
47. Ver Salvo et al. (2005), obra citada.
48. Ver Weber et al. (2003), obra citada.
49. Ver Pratta, E. M. M. e Santos, M. A. Famlia e adolescncia: a infuncia do contexto familiar no desenvolvimento psicolgico de
seus membros. Psicologia em estudo. [online]. 2007, vol.12, n.2, p. 247-256.
50. Ver Wagner et al. (2005), obra citada.
51. Ver Weber et al. (2003), obra citada.
52. Ver Salvo et al. (2005), obra citada.
53. Ver Grusec, J. E., & Goodnow, J. J. (1994). Impact of parental discipline methods on the childs internalization of values: a
reconceptualization of current points of view. Developmental Psychology, 30, 4-19.
54. Ver Grusec, J. E., Goodnow, J. J. & Kuczynski, L. (2000). New directions in analyses of parenting contributions to childrens
acquisition of values. Child Development, 71, 205-211.
55. Na literatura da Abordagem das Capacitaes, em ingls, usa-se a expresso fourish para indicar o forescimento dos potenciais
humanos, mas no portugus o uso parece ser pouco elucidativo. Ver por exemplo, Martha Nussbaum (2006), obra citada.
56. Ver PNUD (2009) Relatrio Sub-Regional (Mercosul) de Desenvolvimento Humano 2009 sobre Juventude e Cerqueira, Fabola.
(2009) O que se fala, quando se cala? As relaes de poder no ambiente escolar Texto de Apoio do Relatrio de Desenvolvimento
Humano Brasileiro 2009/2010, mimeo. p. 10.
57. Ver Paula e Silva, J. M. A. e Salles, L. M. F (2009) Textos de Apoio ao Relatrio de Desenvolvimento Humano Brasileiro 2009/10,
mimeo e Dubet, F. (2003) A escola e a excluso Cadernos de Pesquisa, n. 119, p. 29-45.O estudo de Molpeceres, M., Lucas, A., e Pons,
D. (2000) Experincia escolar y orientacin hacia La autoridad institucional en la adolescencia. Revista de Psicologia Social, v. 15, n.
2, p. 87-105, corroboram esse mesmo comportamento ao mostrarem como entre os jovens na Espanha tambm existe essa atitude
negativa para o trabalho educativo. De fato, os jovens parecem fazer ostentao do seu descompromisso com a escola, pois qualquer
rendimento escolar elevado visto pelos iguais como uma conformidade com as exigncias do mundo adulto.
58. Borges, Ana Gabriela (2009). Projeto: uma escola especial. Mimeo, Texto de Apoio ao Relatrio de Desenvolvimento Humano
Brasileiro.
59. Imagem construda por Guilherme Canela. Entrevistas para o Planejamento Estratgico 2011-2020. Instituto Ayrton Senna, 2010.
60. Expresso cunhada pelo Prof. Antonio Carlos Gomes da Costa no texto Edisca, um poema pedaggico. Caderno de Residncia
Social em Arte e Educao. Instituto Ayrton Senna, 2000.
61. Cerqueira (2009: 12), obra citada, relata que Os jovens afrmam que as aulas, no geral so completamente entediantes. Os
professores parecem no ter prazer em dar aula. Aps trs meses de observao numa turma do 3 ano, uma jovem diz que apenas
uma professora a conhece pelo nome. Ela afrma que tambm no conhece seus professores pelo nome. Diz que no v problemas
quando seus professores fazem a chamada identifcando-os pelos nmeros, mas admite que h diferena na relao quando as
pessoas se conhecem mutuamente.
62. Ver livros da Coleo Abrindo Espaos: educao e cultura para a paz. Unesco, 2008.
63. Essas consideraes foram feitas na rodada de seminrios promovidas pelo Mostre seu Valor pelo Mestre Zulu de Araguari, que
durante o seminrio tocou o berimbau para demonstrar como possvel comandar uma roda com diferentes princpios.
64. OLIVEIRA, Anelise Costa. Educao, valores humanos e a formao do cidado: uma abordagem refexiva nas escolas pblicas de
ensino fundamental. Mimeo, Texto de Apoio ao Relatrio de Desenvolvimento Humano Brasileiro, 2009.
65. Ver, por exemplo, a recente conquista do Prmio Selo Unicef Municpio Aprovado Edio 2008.
252 PARTE 3 | Polticas de Valor
66. Oliveira, 2009, p.5.
67. Silva, J. M. A. & Salles, L. M. F. Valores, confitos e violncia na escola. Mimeo. Texto de Apoio ao Relatrio de Desenvolvimento Humano
Brasileiro.
68. Borges, A. S. Projeto vamos fazer teatro. Mimeo. Texto de Apoio ao Relatrio de Desenvolvimento Humano Brasileiro, 2009.
69. BORGES, 2009, p.7.
70. RIBEIRO, V. L. Espao escolar, mdia e literatura. Mimeo. Texto de Apoio ao Relatrio de Desenvolvimento Humano Brasileiro, 2009.
71. Sinder, Valter. Confguraes da narrativa: verdade, literatura e etnografa. Madri: Iberoamericana; Frankfurt. In: Veuvert, 2002
(Teoria y crtica de la cultura y literatura, vol. 21).
72. Citao extrada da pgina 93. Livro publicado pela Harvard University Press.
73. Teoria defendida pelo educador Tsunessaburo Makiguti, primeiro presidente da Soka Gakkai, em seu livro Educao para uma vida
criativa [Soka Kyoikugaku Taikei], publicado em japons em 1930. Nesta obra, Makiguti revela a necessidade de o aluno sentir-se feliz
na escola, bem como cultivar e desenvolver seu carter.
74. A Associao BSGI foi fundada em 1960 por Daisaku Ikeda e, nesses anos de existncia, tem promovido exposies, intercmbios
com universidades e museus, entre outras atividades nas reas da educao e cultura.
75. A Soka Gakkai Internacional (SGI) uma organizao mundial que tem como objetivo fundamental promover a paz e o respeito
pela vida humana. Seus membros desenvolvem amplas atividades nos campos da paz, cultura e educao e esto presentes em
quase 200 pases e regies do mundo. Como uma organizao no governamental fliada s Naes Unidas, a SGI promove diversas
atividades que incluem exposies, intercmbios culturais e educativos, alm de aes humanitrias em nvel mundial.
76. O completo Sistema de Educao Soka vai desde a pr-escola at o nvel universitrio no Japo e em outras partes do mundo,
como os jardins de infncia Soka em Hong Kong, Singapura, Malsia e Brasil, bem como a Universidade Soka da Amrica, em Los
Angeles. O sistema foi fundado pelo atual presidente da SGI, Dr. Daisaku Ikeda, flsofo, humanista, poeta, escritor e pacifsta, que
empreende com afnco diversas atividades educativas para que o indivduo faa uso de todo seu potencial criativo.
77. Projeto realizado pelo DEPEDUC Departamento de Pesquisas e Desenvolvimento das Cincias da Educao no Centro de
Educao Infantil (CEI) Jardim Campos.
78. Macedo, R. M. S.; Kublikowski, I.; Berthoud. Valores positivos e desenvolvimento do adolescente: uma perspectiva dos pais. Revista
Brasileira Crescimento e Desenvolvimento Humano. [online],2006, vol. 16, n. 2.
79. Ver Bairel, 2004, obra citada.
80. Ver Souza, M. L., 2008, obra citada.
81. Ver Guimares, Danielle.( Ambiente, valores e qualidade de vida urbana: refexes sobre suas relaes no espao pblico. Texto
de Apoio ao Relatrio de Desenvolvimento Humano Brasileiro 2009/2010, 2009, mimeo.
82. Ver Kohlsdorf, Maria Elaine. A apreenso da forma da cidade. Braslia: Editora UnB, 1996
83. Serrato, H. Rumo a uma poltica integral de convivncia e segurana cidad na Amrica Latina: marco conceitual de interpretao-
ao. PNUD, 2007. Mimeo.
84. Como as reas de educao, sade, planejamento urbano, acesso justia, dentre outras.
85. Sistema de justia, sociedade civil, famlia, educao em casa e na escola, dentre outros.
86. Freire, Moema. Paradigmas de segurana no Brasil: da ditadura aos nossos dias. Revista Brasileira de Segurana Pblica, v. 5, 2009.
87. Serrato, H., 2007, obra citada.
88. Ver Cesar, Ana Cristina. Notas sobre a cidade e os transportes. Texto de Apoio ao Relatrio de Desenvolvimento Humano Brasileiro
2009/2010, mimeo.
89. Para uma discusso sobre sedentarismo e mobilidade, ver Schmid, Alosio e Besciak, Nadia. Texto de Apoio ao Relatrio de
Desenvolvimento Humano Brasileiro 2009/2010, mimeo, 2009.
90. Silva, Geusiani e Versiani, Isabela Veloso. Espao pblico de lazer no ambiente urbano: ampliao das possibilidades de
convivncia, socializao e mudana de cenrios violentos Texto de Apoio ao Relatrio de Desenvolvimento Humano Brasileiro
2009/2010, mimeo, 2009. Os autores mostram como cada vez mais visvel a falta de espaos pblicos nas cidades e o predomnio
do que chamam espaos e equipamentos para o lazer mercadoria.
91. Outras aes tambm integram o Programa Cultura Viva: Cultura Digital, Ao Gri, Escola Viva, Cultura e Sade. Vide: Cultura
Viva: Autonomia, Protagonismo e Fortalecimento Sociocultural para o Brasil, Braslia, 2010. ; Almanaque Cultura Viva. Braslia: Cultura
em Ao, 2010; ou consulte o site http://www.cultura.gov.br/cultura_viva/.
92. Atualmente existem mais de 2.500 Pontos de Cultura espalhados pelo Brasil, inseridos em convnios municipais, estaduais ou
federais.
93. Tendo por referncia o trabalho desenvolvido pela Equipe SIS, de Belo Horizonte, pelas profas. Maria Jos Esteves de Vasconcelos,
Juliana Gontijo Aun (in memorian) e Snia Vieira Coelho, o Ministrio Pblico do Estado de Gois, a partir de abril de 2007, na busca
| 253
de resoluo dos problemas de natureza difusa e coletiva, experincia uma nova forma de interlocuo com a sociedade civil. Nesta
perspectiva, a primeiro momento de mobilizao social visando organizao de pequenos fruns, os quais so denominados
ncleos de articulao, nos quais seus membros so articuladores sociais, ou seja, agentes responsveis pelo contato com as
redes sociais locais, identifcando potenciais recursos tcnicos, humanos, institucionais, fnanceiros, importantes na busca de
solues para o problema eleito pelo prprio grupo.
94. Colas, D. Sociologia poltica. Porto: Rs, 1999.
95. Em geral, o trabalho uma atividade relativamente legislada, em maior ou menor grau, e sancionada pelo estado, tendo as
classes de trabalhadores suas representaes mais especfcas ou organizadas nos sindicatos. Faz-se necessrio lembrar que nas
relaes sociais de trabalho se do as relaes de poder e de dominao. Portanto, sero as normas, as regulamentaes complexas
que asseguraro em tese aos indivduos a independncia econmica sem a qual a sua liberdade no seno nominal. Ver Durkheim,
E. A diviso do trabalho social. Lisboa: Presena, 1977, v. I.
96. As fontes de referncia so teses de doutorado e dissertaes de mestrado, disponveis no Banco de Dissertaes e de Teses da
Coordenao de Aperfeioamento do Ensino Superior CAPES e artigos de peridicos acessveis no site do Scientifc Eletronic Library
On-Line SCIELO.
97. Mendes, A. M. Cultura organizacional e prazer-sofrimento no trabalho: uma abordagem psicodinmica. In: Tamayo, A. (org.).
Cultura e sade nas organizaes. So Paulo: ARTMED, 2004.
98. Lacan (1995, p. 183) vai dizer: A lei das relaes intersubjetivas governa profundamente aqueles de quem o indivduo depende, e,
portanto vai implic-lo nesta ordem, esteja ele consciente ou no disso, como indivduo.
99. MERHY, E. E. Sade: a cartografa do trabalho vivo. So Paulo: Hucitec, 2002.
100. Mendes, A. M.; Ferreira, M. C.; Facas, E. P. & Vieira, A. P. Validao do Inventrio de Trabalho e Riscos de Adoecimento ITRA. Trabalho
apresentado no IV Congresso Norte Nordeste, Salvador, 25 a 28 de maio de 2005.
101. Brant, L. C. & Minayo-Gomez, C. A transformao do sofrimento em adoecimento: do nascimento da clnica psicodinmica do
trabalho. Cincia & Sade Coletiva, 2004, vol. 9, n.1, p. 213-223.
ndices de
Desenvolvimento Humano
| 255
ndices de
Desenvolvimento Humano
PARTE 4
256 PARTE 4 | ndices de Desenvolvimento Humano
| 257
iNTroDuo: o DESAFio DE
PENSAr iNDiCADorES
Celebramos em 2010 vinte anos de publicao
do primeiro Relatrio de Desenvolvimento
Humano e conjuntamente da primeira verso
do ndice de Desenvolvimento Humano (IDH).
Durante esses anos, o IDH ganhou grande
proeminncia internacional pela sua capacidade
de sntese e comunicao de aspectos
importantes do desenvolvimento, bem como de
chamar ateno para uma ampla manifestao
de fenmenos associados, como a desigualdade
de renda e de gnero, a pobreza, entre tantos
outros representados pelos indicadores que
sempre acompanham a sua divulgao anual.
No Brasil, foi desenvolvido em 2003 o IDH-M
(IDH com dados municipais) com base em
informaes coletadas no Censo de 2000. Esse
esforo foi sintetizado no formato do Atlas
do Desenvolvimento Humano Municipal, com
muitas edies especfcas feitas para grandes
metrpoles brasileiras. A disponibilidade
desses novos dados abriu um conjunto de
novas possibilidades para o uso da informao
disponvel. Ao mesmo tempo, criou nova
demanda alm dos dados tradicionais, pois
esses, ao serem dependentes do Censo,
limitaram sua atualizao a perodos de dez
anos. Essa nova demanda de dados do IDH-M
surge da necessidade de se poder contar com
dados do IDH que sirvam para o monitoramento
de polticas pblicas locais e regionais e
que informem estudos acadmicos que
contemplem horizontes de prazo mais curto,
mais relacionados confgurao de polticas
econmicas e sociais.
O desafo dessa quarta parte do Relatrio de
Desenvolvimento Humano Brasileiro oferecer
uma refexo academicamente slida para que
se possa pensar um novo IDH-M de curto prazo
a partir de 2011. Os novos dados censitrios
obtidos a partir deste ano podem ajudar na
formulao e na confgurao de dois IDHMs: o
de curto prazo (IDHM-CP), com base em dados
correntes disponveis por rgos ofciais, e o
de longo prazo (IDHM-LP), com base em dados
censitrios.
Os trs captulos que compem essa parte
do relatrio tratam de uma reviso acadmica
sobre as principais crticas feitas ao IDH desde a
sua formulao, vinte anos atrs, e de um estudo
emprico que explora as possibilidades de uso de
bases de dados alternativas para a formulao
do IDHM-CP. Elas esto inter-relacionadas: o
estudo acadmico nos ajuda a pensar o que
seria o IDH ideal, isto , o IDH que respondesse
s principais crticas e limitaes levantadas
pela literatura. Por outro lado, a segunda parte
nos leva ao limite do possvel, em funo da
disponibilidade de dados e problemas tcnicos
inerentes a um pensamento de prazo mais
curto na constituio de um novo instrumento
de monitoramento e de avaliao de polticas
pblicas e com um novo indicador sobre valores
humanos que transcende o conceito de IDH.
A discusso acadmica pretende oferecer
uma base slida para uma anlise experimental
de possibilidades, que deve ser entendida como
um subsdio para uma discusso mais ampla
e que envolve amplas parcelas da sociedade
brasileira e do governo a respeito das melhores
estratgias para se pensar no uso do IDH
como um instrumento confvel e justo para a
melhoria das polticas pblicas no pas.
| 259
Reviso: vinte anos
de crticas ao IDH
14
260 PARTE 4 | ndices de Desenvolvimento Humano
Durante os seus vinte anos de existncia,
o IDH foi extensivamente criticado, como ser
mostrado neste captulo. A histria dessas
crticas tambm a histria das respostas que o
IDH deu a elas. O maior desafo em contar essas
histrias organizar um arcabouo analtico
que possibilite a visualizao desses debates de
maneira organizada. O objetivo desse exerccio
um s: aprender com as crticas e derivar lies
aprendidas para a formulao de uma viso de
um IDHM-CP que esteja em sintonia histrica
com o melhor entendimento acerca do que pode
ser feito com esse indicador.
CrTiCAS CATEGoriZADAS
Optamos aqui em categorizar as principais
crticas ao IDH em sete tpicos: (1) escolha
das dimenses; (2) seleo de indicadores; (3)
padronizao e transformao das variveis;
(4) tratamento dos dados; (5) considerao aos
problemas da distribuio; (6) ponderao das
dimenses; e (7) natureza composta do ndice.
Essas categorias seguem a lgica da formao de
um indicador composto, como o IDH, e, como tal,
traam um perfl mais intuitivo das limitaes
e crticas ao ndice. Dentro de cada categoria,
procura-se adotar uma leitura cronolgica que
explique o sentido que importantes revises
foram dando evoluo do IDH.
EScOLHA DAS DIMEnSES
A principal crtica encontrada na literatura
(veja, por exemplo, Dasgupta, 1990, e Tilak, 1992)
sobre as dimenses do IDH de que o ndice mui-
to limitado para dar conta do conceito de desen-
volvimento humano, que muito mais amplo. As
trs dimenses do IDH seriam, portanto, incapazes
de representar com alguma preciso a riqueza
conceitual proposta pela matriz terica do desen-
volvimento humano. A falta mais notvel, segundo
esses autores, seria a ausncia da dimenso liber-
dade, to enfatizada pela perspectiva terica.
Liberdade
A ausncia da dimenso liberdade foi re-
conhecida no primeiro Relatrio de Desenvolvi-
mento Humano (RDH), de 1990. Essa ausncia
foi cobrada inicialmente por Dasgupta (1990)
e posteriormente por Dasgupta e Weale (1992),
que propuseram um ndice incorporando os as-
pectos polticos e civis relacionados ao IDH.
Mas nem todos concordaram com essa
proposta. Streeten (1994, 1995) recomendou
que a dimenso liberdade fosse examinada
separadamente, porque: (i) no h nenhuma
incompatibilidade (trade-off) entre a dimenso
liberdade e os indicadores que compem o IDH;
(ii) as condies polticas so mais volteis que
os indicadores do IDH, que refetem mesmo
que indiretamente condies humanas; (iii) a
avaliao de condies polticas e civis pode
ser mais subjetiva e menos confvel do que
os indicadores usados pelo IDH; e, fnalmente,
porque (iv) a relao entre liberdade e os
indicadores do IDH precisa ser mais bem
examinada.
Outras dimenses
Alm da liberdade, muitas outras
dimenses foram, segundo os crticos, ignoradas
pelo IDH. Entre elas, podemos mencionar a
segurana humana (McGillivray, 2007), a
tica (Dar, 2004) e o meio ambiente (Murray,
1991; Sagar e Najam, 1998; Bell e Morse, 1999;
Jahan, 2000; Ginkel et al., 2002; e Raworth e
Stewart, 2002). Embora o argumento levantado
por McGillivray pela incluso da dimenso
segurana humana seja muito geral, uma
vez que ele no especifcou como isso poderia
ser feito, cabe notar que a proposta feita por
Dar pela incluso da tica como dimenso foi
mais concretamente abordada pela introduo
de quatro indicadores possveis: degradao
ambiental, liberdades polticas e cvicas,
valores familiares
1
e infuncia religiosa. Em
relao ao meio ambiente, como se notou, foi um
| 261
tema muito argumentado por pesquisadores,
que queriam sua incluso como uma das
dimenses do IDH. O tema foi levantado j
em 1991 por Murray e se tornou um tpico de
grande interesse no fnal dos anos 1990. Mas no
passou disso, sem a construo de alternativas
concretas que pudessem orientar o debate de
maneira mais positiva.
SELEO DE InDIcADORES
As crticas aos indicadores podem ser
divididas em dois grupos. No primeiro,
podemos classifcar as crticas especfcas s
caractersticas dos indicadores, que focalizam
suas propriedades, tais como insensibilidade ao
progresso ou cobertura limitada. No segundo
grupo, encontramos crticas indiretas, pela
proposio de indicadores alternativos.
caractersticas dos indicadores
No incio (1990) o IDH inclua apenas taxa
de alfabetizao como indicador de educao.
Murray (1991) e Kelley (1991) criticaram o foco
exclusivo nessa taxa por entenderem que um
indicador como anos de escolaridade poderia
ajudar a melhor caracterizar a dimenso
conhecimento. Murray defendeu que anos
de escolaridade o indicador que tem maior
impacto sobre a taxa de mortalidade infantil
(em relao taxa de alfabetizao). Alm
disso, para ele, um indicador educacional
deveria ser mais sensvel a esforos educacionais
correntes do que a taxa de alfabetizao,
que, para ele, deveria ser substituda. Mas
Kelly, diferentemente de Murray, defendeu que
um novo indicador de educao deveria ser
adicionado, em lugar de substitudo. Ele notou
como o indicador taxa de alfabetizao quase
no tinha poder de discriminao para os pases
desenvolvidos. Por essa razo, defendeu a adio
de uma varivel que indicasse a expanso
das escolhas das pessoas alm do nvel de
alfabetizao
2
.
O indicador anos de escolaridade foi
includo no RDH de 1991. No entanto, no foi
poupado tambm de crticas. Srinivasan (1994a
e 1994b) criticou a introduo desse indicador
pelo fato de no ser estritamente comparvel
internacionalmente, devido a diferenas
substanciais na qualidade das escolas, taxas de
evaso, durao do ano escolar etc. Sua crtica
vale para o uso de taxa de matrcula bruta, que
passou a ser usado a partir de 1995. Por sua vez,
Nuebler (1995) criticou o indicador pelo fato de
ele ser insensvel ao progresso, porque o nmero
mdio de anos escolares refetia principalmente
o que aconteceu com a populao de mais de
25 anos, mas com hiato de pelo menos vinte
anos. Por essa razo, sugeriu o uso de variveis
de fuxo que fossem especfcas para a idade, tal
como a taxa de matrcula lquida, para tornar o
IDH mais sensvel ao progresso.
O indicador taxa de matrcula combinada
passou a ser usado a partir de 1995, mas
tambm no escapou das crticas
3
, por ser uma
medida que diz respeito somente s geraes
mais novas (Qizilbash, 1997), bem como por
incluir alunos repetentes (Raworth e Stewart,
2002). O resultado fnal, utilizando a taxa
de matrcula combinada junto taxa de
alfabetizao, misturava respectivamente uma
varivel de fuxo com outra varivel de estoque,
o que foi julgado indesejvel por Jahan (2000
e 2002), o qual sugeriu o uso de um indicador
alternativo denominado anos esperados de
estudo, embora naquele momento dados sobre
as taxas de matrcula lquida, especfcas por
idade, no fossem disponveis para o clculo
desse indicador.
A taxa de alfabetizao foi um indicador
muito criticado em virtude de sua impossibi-
lidade de refetir padres comparveis interna-
cionalmente e referentes s habilidades das pes-
soas de ler e escrever (Hopkins, 1991; Lind, 1992;
Srinivasan, 1994a e Inova et al., 1999). O principal
argumento empregado foi de que o domnio de
lnguas diferentes utiliza nveis diferentes de es-
262 PARTE 4 | ndices de Desenvolvimento Humano
foros
4
.
No campo da sade, o indicador esperana
(ou expectativa) de vida ao nascer no fcou
tambm isento de crticas. Lind (1992) props um
indicador alternativo denominado esperana de
vida ao ano 1, com base na hiptese de que as
estatsticas para a esperana de vida ao nascer
mostram resultados diferentes entre a morte de
um recm-nascido e a de uma criana que morre
logo depois do nascimento (no sendo mais
classifcada como recm-nascida), mesmo que
a perda de vida nos dois casos seja equivalente.
Por outro lado, Paul (1996) sugeriu o uso de um
indicador de mortalidade infantil, preocupado
em refetir as condies de saneamento e acesso
gua limpa. Em outras palavras, podemos
dizer que ele considerou a esperana de vida
como um mau indicador das condies de gua
e saneamento. A incluso de um indicador de
mortalidade infantil foi tambm apoiada por
Ivanova et al. (1999) como uma possibilidade de
refnamento futuro do IDH para pases com alta
taxa de mortalidade infantil.
Outro indicador alternativo considerado foi
o DALY (Disability-Adjusted Life Year), que mede
anos de vida ajustados por doenas (proposto
por Nuebler, 1995). Similarmente, Indrayan et
al. (1999) propuseram o conceito de sade
esperada (tambm defendido por Mathers et
al., 1994), que o nmero de anos vividos em boa
sade
5
.
No campo da renda, Berenger e Verdier-
Chouchane (2007) propuseram a eliminao de
qualquer indicador de renda no IDH. De acordo
com eles, o nvel do PIB (produto interno bruto)
per capita um indicador de meios, que, por sua
vez, determina parcamente o bem-estar, assim
como uma proxy inadequada para liberdades.
Eles propuseram como opo o uso de alguns
indicadores alternativos, tais como abertura ao
comrcio, emisses de CO2, direitos polticos e
liberdades civis e qualidade do meio ambiente.
O principal argumento utilizado por eles foi o
de que no se deve misturar disponibilidade de
recursos com funcionamentos e capacitaes.
Indicadores alternativos
Os indicadores, dentro das dimenses de
educao e sade, foram criticados em termos
gerais pela sua insensibilidade ao progresso,
em particular nas dimenses da sade e da
educao (Smith, 1993). Nessa linha, Hopkins
(1993) sugeriu um ndice complementar o
ndice de Melhoria do Desenvolvimento Humano
consistindo em indicadores de fuxo baseados
em seus respectivos indicadores de estoque
6
,
com o propsito de melhor refetir o impacto de
polticas. Mais concretamente, Aturupane et al.
(1994) propuseram um conjunto de indicadores
baseados nos indicadores do IDH: variao na
mortalidade infantil, variao na matrcula
lquida primria e variao na renda per capita.
Esses indicadores foram justifcados em funo
da baixa qualidade dos dados utilizados no IDH.
De fato, os dados anuais de expectativa de vida
e alfabetizao so quase sempre interpolaes,
porque os dados reais so coletados a cada dez
anos. Tambm nessa linha, Ivanova et al. (1999)
mostraram como esses dados no so apenas
estimados como tambm desatualizados,
porque no refetem estimativas dos esforos
presentes ou previses para o futuro.
Outro tipo de crtica relacionada ao uso geral
dos indicadores do IDH a sua cobertura limitada.
Qizilbash (1997) sugeriu que os indicadores
utilizados pelo IDH so cruciais somente para
pases pobres, o que torna o seu uso distorcido
para pases desenvolvidos. Nuebler (1995) props
o uso de um conjunto de indicadores para cada
dimenso para complementar e controlar os
indicadores comumente utilizados.
Em lugar de escolher indicadores a priori
baseados no nvel de desenvolvimento dos
pases, McGillivray e Noorbakhsh (2007)
recomendam a seleo de variveis para cada
dimenso, de acordo com as caractersticas
peculiares dos pases, por meio do uso de
mtodos participativos. Qizilbash (2002) assim
qualifcou o uso estratgico dos Relatrios
| 263
de Desenvolvimento Humano Nacionais
(RDHNs): por um lado, bem-vindo que esses
relatrios incluam dados culturalmente ricos
tanto para pases como para regies, por outro,
infelizmente, esses relatrios tendem a imitar
o relatrio global destacando as estimativas do
IDH em outros nveis, em lugar de usar ampla
variedade de medidas particulares, que seriam
mais relevantes para um dado pas.
PADROnIZAO E TRAnSFORMAO
DAS VARIVEIS
A transformao das variveis utilizadas pelo
IDH parece ser uma das questes mais discutidas
pelos crticos. A padronizao crucial para a
transformao, pois faz parte do processo de
converso de dados brutos em indicadores.
Padronizao das variveis
A metodologia para a padronizao das
variveis usadas na dimenso conhecimento
foi criticada por Trabold-Nuebler (1991) logo
aps o RDH de 1991 lanar o indicador anos de
escolaridade para complementar o indicador de
alfabetizao. Assim, o indicador de realizao
educacional foi calculado com os dados brutos,
por meio de uma mistura de percentuais e
nmeros, resultando em menor impacto dos
anos de escolaridade. Para resolver esse,
problema ele sugeriu a transformao dos
valores dos dois indicadores em uma escala
entre zero e um antes de tirar a mdia.
A outra discusso crtica em relao
padronizao foi sobre os postos mximos e
mnimos. O uso de postos mveis foi criticado
por muitos autores (por exemplo, Kanbur, 1991;
Kelley, 1991; McGillivray, 1991; Trabold-Nuebler,
1991; McGillivray e White, 1993; e Anand e Sem,
1994). O argumento comum a quase todos
eles foi de que a mudana anual baseada nos
valores mximos e mnimos, a partir dos valores
observados nos melhores e piores pases, no
deveria afetar o progresso ou a deteriorao real
de cada indicador dentro de uma perspectiva de
comparaes intertemporais. Para resolver esse
problema, Trabold-Nuebler (1991) defendeu a
substituio de postos mveis por valores fxos
arbitrrios. Ele tambm props que os dois
valores extremos deveriam ser selecionados
para no serem ultrapassados por nenhum pas
no futuro prximo. Esse argumento foi tambm
ecoado por McGillivray e White (1993) e por
Anand e Sen (1994).
Transformao das variveis
A varivel renda foi a mais visada nas
discusses sobre transformao. Ela foi criticada
logo no incio, aps a publicao do primeiro
RDH. O argumento principal consiste em dois
pontos: o primeiro, contra o uso do desconto
total sobre a linha de pobreza; o segundo,
contra o uso da base logartmica. Em relao ao
primeiro ponto (isto , o desconto total acima de
uma linha-limite), Desai (1991), McGillivray (1991)
e Murray (1991) argumentaram que difcil
acreditar que a renda acima de determinado
parmetro no oferea nenhuma contribuio
ao desenvolvimento humano. De forma similar,
McGillivray foi alm, ao criticar que o uso de um
teto para a renda no somente desconsidera as
diferenas de renda acima desse limite, mas,
principalmente, sobrevaloriza os valores do IDH
daqueles pases cuja renda est abaixo desse
limite. O segundo ponto (isto , contra o uso
do logaritmo), levantado por Rao (1991), foi de
que o uso de logs abaixo da linha de pobreza
problemtico, sugerindo a necessidade de usar
nveis absolutos de renda at chegar na linha da
pobreza.
O uso do logaritmo foi substitudo por uma
verso modifcada da medida de Atkinson,
em 1991. Mas a transformao da varivel
renda continuou a ser controversa (Luechters e
Menkhoff, 1996)
7
. As principais razes para essa
discordncia podem ser categorizadas em trs
pontos principais:
(i) a nova medida ainda descontava muito
a renda acima do nvel-limite, com o resultado
264 PARTE 4 | ndices de Desenvolvimento Humano
prtico de que nenhuma contribuio
signifcativa advinha da renda acima desse nvel;
por outro lado, a renda abaixo desse nvel no foi
sujeita a nenhum tipo de retorno decrescente
(Gormely, 1995; Nuebler, 1995; Noorbakhsh 1998b,
1998c; Sagar e Najam, 1999). Gormely (1995)
mostrou de que forma os valores do indicador
para 114 pases com renda mais baixa do que
US$ 5.120 da paridade de poder de compra (PPC
a linha de corte em 1995) foram de 0,0328 para
0,9450, e por que motivo, para aqueles 59 pases
acima do limite utilizado, fcaram entre 0,9489 e
0,9972 faixa muito mais estreita. A concluso
foi a de que o ranking do IDH determinado
pelas diferenas nas outras dimenses.
(ii) a sobrevalorizao dos pases abaixo da
linha-limite, segundo Sagar e Najam (1998),
produziu o resultado muito otimista de que o
IDH mundial era de 0,778. A principal implicao
disso foi a subestimao do hiato entre os
quintis mais altos e os mais baixos do IDH.
(iii) a nova medida violava o conceito
de retornos decrescentes (Trabold-Nuebler,
1991; e Luechters e Menkhoff, 1996). Mais
concretamente, havia vrios casos nos quais
uma unidade adicional de renda contribua
mais para o IDH de determinado pas do que
a unidade anterior, violando o princpio dos
retornos decrescentes. Isso acontecia, porque
a frmula de transformao da renda no era
cncava
8
.
Com base nesses trs pontos crticos, as
solues sugeridas foram a manuteno da
verso modifcada da medida de Atkinson com
menores taxas de desconto (Gormely, 1995;
Nuebler, 1995 e Noorbakhsh, 1998a e 1998b), sua
substituio pela medida original de Atkinson
ou o uso de uma escala logartmica sem teto
(Trabold-Nuebler, 1991; McGillivray e White, 1993;
Luechters e Menkhoff, 1996; e Sagar e Najar,
1998).
Alm da questo da transformao da renda
sob o princpio dos retornos decrescentes,
outra linha de discusso foi sobre o padro de
transformao dos indicadores que compem
o IDH. Existem, de modo geral, trs padres de
transformao de variveis para indicadores:
transformao linear, retornos crescentes,
retornos decrescentes. Em relao ao IDH, usa-
se o mtodo de transformao linear para a
sade e a educao, enquanto a transformao
de retornos decrescentes usada para a renda.
Nesse sentido, o maior problema foi a deciso
de operar de modo no sistemtico entre os trs
padres de transformao.
O mtodo de retornos crescentes foi propos-
to para todos os indicadores do IDH (Dasgupta,
1990) e para a sade e educao (Paul, 1996). A
justifcativa comum para essa proposta foi base-
ada no conceito de esforo de realizao, isto ,
no quo difcil a realizao de determinado in-
dicador para um dado nvel do IDH. Baseado na
difculdade de que um aumento na expectativa
de vida ao nascimento, de 45 para 46 do que de
70 para 71 no revela a mesma realizao, Das-
gupta concluiu que um ndice de expectativa de
vida ao nascimento precisa ser sensvel a essa
difculdade. Para ele, isso tambm verdadeiro
para a renda nacional e para a taxa de alfabe-
tizao dos adultos. Por outro lado, Paul preferiu
excluir o indicador renda dessa discusso, sob
o argumento de que a renda j estava ajustada
para utilidades decrescentes (isto , um nvel
menor de esforo preciso para a realizao a
um nvel maior de renda, diferentemente do que
ocorre com os indicadores sade e a educao).
O mtodo de ajuste de retornos decrescentes
foi proposto tambm para a sade (Srinivasan,
1994a), para a educao (Noorbakhsh, 1998a,
1998b e 1998c) e para ambos (Nuebler, 1995 e
Stanton, 2006). A justifcativa comum para esse
tratamento foi baseada na hiptese de que uma
menor utilidade marginal da sade e educao
deveria ser esperada medida que as pessoas
vivem e estudam mais. No entanto, Srinivasan
(1994a) discorda de Dasgupta (1990). Para
ele, a expectativa de vida deve ser vista como
algo intrnseco ao invs de um esforo a ser
| 265
atingido e, por essa razo, o mtodo de ajuste de
retornos decrescentes no deveria ser aplicado.
Noorbakhsh, por sua vez, defendeu que tanto a
taxa de alfabetizao como a taxa de matrcula
combinada sejam vistas instrumentalmente
e, portanto, como um esforo a ser atingido
diferindo, a seu ver, da expectativa de vida, que
para ele tem valor intrnseco.
TRATAMEnTO DAS BASES DE DADOS
A qualidade dos dados de renda utilizados foi
criticada por Murray (1991) e Srinivasan (1994a).
Murray destacou dois problemas principais
com a base de dados utilizada para mensurar
a renda: (i) problemas com dados nacionais em
moeda local, posto que as fontes de dados usam
metodologias diferentes das Naes Unidas,
do Banco Mundial e do FMI; e (2) problemas
no uso da PPC, dado que os resultados so
disponveis somente para um nmero muito
limitado de pases (57 pases em 1990) e que o
resto das estimativas do PIB real baseado em
aproximaes. Srinivasan confrmou a anlise
de Murray, mostrando como Summers e Heston
(1991) utilizaram procedimentos problemticos
de extrapolao das PPCs. Para resolver o
primeiro problema (isto , o problema com os
dados nacionais em moedas locais), Murray
sugeriu o uso de dados do Banco Mundial que
corrigem estatsticas das contas nacionais com
a ajuda de governos locais.
Srinivasan tambm notou problemas com os
dados utilizados na mensurao da expectativa
de vida, principalmente porque o indicador no
era disponvel (em 1994) para 87 dos 117 pases
menos desenvolvidos, e concluiu que o IDH era
baseado em estimativas dbias e em projees
com dados que na poca possuam at cinco
anos de defasagem.
A crtica mais comum base de dados o
uso de estimativas provenientes de atualizaes
pouco frequentes. Por exemplo, Murray (1991)
criticou que mudanas no IDH so altamente
correlacionadas com o timing dos censos e
pesquisas nos pases, em lugar de o serem com
a real melhoria no desenvolvimento humano.
Argumentou que as mudanas na renda eram
o maior determinante das mudanas no IDH,
uma vez que dados sobre a renda eram os
nicos disponveis anualmente para muitos
pases. Na mesma linha, Ivanova et al. (1999)
reconheceu que considervel a difculdade em
distinguir uma mudana devido melhoria no
desempenho no IDH por uma modifcao no
procedimento de estimao. Mais recentemente,
McGillivray (2007) notou que a razo para a
baixa qualidade dos dados a falta de recursos
para conduzir censos que sejam nacionalmente
mais precisos.
Esse problema foi largamente aceito pela
literatura, e dois conjuntos de sugestes foram
propostos: mudana na metodologia e no
gerenciamento da base de dados. Destas, a
sugesto mais dramtica foi a eliminao das
tabelas de ranking para a categorizao dos
pases em grupos (Indrayan et al., 1999; Morse
2003a, 2003b; e Cherchye et al., 2008). Esse
argumento foi justifcado em bases prticas,
isto , com base na concluso de que nenhum
signifcado prtico pode ser encontrado na
ordenao de pases de desenvolvimento
humano elevado que diferem entre si apenas
marginalmente. Morse discordou de Indrayan et
al. por acreditar que tabelas de rankings usam
metodologia inconsistente, mas concordou
com sua sugesto de focalizar categorias de
desenvolvimento e introduzir mais categorias
do que as usadas no ranking do IDH. Cherchye
et al. desenvolveram testes de robustez para
ordenamentos com ampla gama de opinies
sobre quais seriam os melhores procedimentos
de ponderao e agregao e concluram que
a classifcao do IDH pode ser considerada
relativamente robusta, enquanto existem
muitos casos nos quais os rankings dos pases
podem ser questionveis.
Uma proposta muito menos dramtica
medir o IDH de uma maneira ordinal em vez de
266 PARTE 4 | ndices de Desenvolvimento Humano
cardinalmente (Qizilbash, 1997, 2002 e Booysen,
2002). A construo de uma medida cardinal
para o IDH um empreendimento ambicioso
que demanda requisitos informacionais muito
altos, os quais poderiam ser reduzidos pelo uso
de um ndice como o ranking de Borda, defen-
dido por Dasgupta e Weale (1992). Deve-se no-
tar tambm que os rankings so sensveis aos
esquemas de ponderao utilizados (Qizilbash,
2002). Para Booysen, as diferenas nos valores
dos ndices no tm signifcado, porque os ndi-
ces cardinais fariam sentido somente se refetis-
sem as magnitudes das diferenas entre certas
entidades em termos desse mesmo indicador.
Entre as sugestes para o gerenciamento
de bases de dados, a mais drstica foi a de ex-
cluir pases que no tenham dados completos.
Murray (1991) defendeu a posio de se publi-
car estimativas baseadas somente em dados
reais, preocupado com a situao na qual ne-
nhum esforo srio feito se os resultados so
disponveis internacionalmente, mesmo que de
modo questionvel. A mesma linha foi defendi-
da por Srinivasan, que argumentou que o trata-
mento ento dispensado aos dados levava a um
uso no crtico deles. Alm de tambm sugerir a
eliminao dos pases que no tivessem dados
confveis, recomendou que os usurios do IDH
faam referncia s publicaes especializadas
que revelam as condies de obteno dos da-
dos para os pases. Ambas as sugestes foram
apoiadas por Aturupane et al. (1994).
A DISTRIBUIO
O IDH sempre foi criticado por no se impor-
tar com a distribuio das sries estatsticas que
usa. Alguns, no entanto, argumentaram que o
IDH j se preocupa com questes distributivas,
na medida em que os indicadores de sade e
educao no deixam o IDH subir sem uma par-
ticipao extensa de toda a populao (Street-
en, 1994; Mbaku, 1997; e Luechters e Menkhoff,
2000). Mas esse argumento s vale na compa-
rao com o PIB. Dessa maneira, a distribuio
sempre foi o calcanhar de aquiles do IDH. Na
literatura, duas reas se formaram, a que criti-
cou a falta de medidas de distribuio de renda
na formulao do IDH e aquela que se preocupa
com a questo distributiva igualmente nas trs
dimenses.
A distribuio de renda
Alm do IDH-D (IDH ajustado pela
desigualdade) proposto pela primeira vez
pelo Relatrio de Desenvolvimento Humano
Mexicano de 2002, seguido do Relatrio de
Desenvolvimento Humano da Amrica Latina
2010, alguns indicadores adicionais foram
sugeridos como maneiras alternativas de
se considerar a questo distributiva no IDH.
Chowdhury (1991) argumentou que a dimenso
renda deve ser ponderada pelo vis de sua
distribuio, assim como suplementada com
informao sobre acesso por grupos de renda
a bens subsidiados ou livres, providos pelo
governo. Osberg e Sharp (2005) propuseram
subdividir a dimenso renda em quatro
indicadores: consumo (fuxo mdio de renda
corrente), acumulao (acmulo agregado de
estoques produtivos), distribuio (desigualdade
de renda e pobreza) e segurana (insegurana
de renda futura).
Mais recentemente, o RDH (2005) tentou
tratar da distribuio ao focalizar a diferena
dos escores do IDH entre os mais pobres e a
mdia nacional, em termos de renda. Grimm et
al. (2006) propuseram um mtodo alternativo
pelo qual os nveis de sade e educao foram
tambm desagregados, de acordo com grupos
de renda.
Distribuio em todas dimenses
Diferentemente do tratamento predominante
para a questo da renda, a necessidade de
corrigir o IDH pela desigualdade em todas suas
dimenses foi levantada por muitos autores, no
somente em termos conceituais mas tambm
metodolgicos. Conceitualmente, Sagar e
| 267
Najam (1999) reforaram a importncia de
corrigir o IDH pelas desigualdades e criticaram o
tratamento marginal at ento oferecido pelos
RDHs. Anand e Sen (2000) tambm expressaram
a importncia de considerar a questo da
desigualdade em todas as dimenses do IDH.
Dar (2004) enfatizou a necessidade de olhar com
mais ateno para problemas de distribuio na
sade e na educao, em que as desigualdades
so vistas como mais problemticas
9
.
A primeira tentativa de se incorporar
uma medida de desigualdade para todas
as trs dimenses foi feita por Hicks (1997),
questionando o argumento levantado pelo
RDH 1990, de que a desigualdade em relao
expectativa de vida e alfabetizao muito
mais limitada do que a da renda. Ele qualifcou
que esse princpio verdadeiro somente entre
pases, ou entre indivduos de um mesmo pas,
mas no entre indivduos no mundo. Como
um resultado, props um IDH alternativo
incorporado pelo coefciente de Gini de cada
dimenso
10
.
Outra tentativa, feita por Foster, Lopez-
Calva e Szekely (2003), enfatizou a importncia
de usar medidas de desigualdade que sejam
consistentes entre os subgrupos
11
. Para essa
fnalidade, eles propuseram um IDH alternativo,
baseado em generalizaes sensveis
distribuio das mdias aritmticas (chamadas
mdias generalizadas). Em outras palavras, essa
medida resume primeiro as realizaes dentro
de cada dimenso do desenvolvimento e depois
as agrega entre as dimenses, formando uma
mdia generalizada de mdias generalizadas
(Foster, Lopez-Calva e Szekely, 2003, p. 20). Uma
vantagem adicional desse mtodo foi obter
os mesmos resultados independentemente
da ordem de agregao entre dimenses ou
indivduos
12
.
Posteriormente Stanton (2006) introduziu
uma outra alternativa ao IDH. Embora ela
fosse similar ao ndice de Hicks por empregar
o coefciente de Gini como uma medida de
desigualdade, ela manteve trs caractersticas
nicas. Primeiro, para manter o balano entre as
diferentes dimenses (diferentemente do ndice
de Hicks), multiplicou-se o ndice de Gini mdio
pelo valor do IDH, ao invs de se multiplicar cada
Gini por cada dimenso separada. Segundo,
foram empregados retornos decrescentes no
somente para a renda mas tambm para a
sade e educao, empregando-se logaritmos
naturais na transformao das variveis em
escalas do IDH. Terceiro, esses logaritmos foram
aplicados para variveis individuais ao invs
de o serem para variveis agregadas de um
pas, sob a hiptese de que retornos marginais
decrescentes so relevantes no nvel dos
indivduos mas no no nvel social.
Alm dessas tentativas feitas por Hicks, Foster,
Lopez-Calva e Szekely e Stanton tivemos outras.
Em particular cabe mencionar Chatterjee (2005)
que usou a distribuio de frequncias baseada
em uma dada categorizao de cada indicador
para obter um ndice calculado pela proporo
de indivduos ao quadrado pertencentes a
todas categorias mais elevadas. Em outras
palavras, o ndice aumentaria como um ndice
de concentrao da distribuio (isto , com um
aumento do grau de igualdade dos valores da
populao).
Pillarisetti (1997) chamou a ateno para
a necessidade de um tratamento diferente
em termos de desigualdade entre ndices
relativos e compostos como o IDH e medidas
absolutas como o PIB, depois de uma anlise
emprica que mostrou que o clculo do grau de
desigualdade da renda e do IDH so altamente
sensveis ao ndice de desigualdade escolhido.
O argumento de Pillarisetti foi totalmente
baseado em argumentos empricos. J Sen
(1993) mostrou conceitualmente a necessidade
do tratamento diferenciado entre a renda (de
valor instrumental) e a expectativa de vida (valor
intrnseco) a partir de uma tica efcincia versus
equidade. Em outras palavras, diferentemente
da renda, que instrumental e distribuda
268 PARTE 4 | ndices de Desenvolvimento Humano
por consideraes relacionadas efcincia, a
expectativa de vida intrnseca e distribuda por
preocupaes igualitrias.
O maior obstculo para o uso de medidas
distributivas a falta de dados. Por exemplo,
Raworth e Stewart (2002) demonstraram
como a ausncia de dados sobre distribuio
o principal problema para muitos pases. Na
mesma linha, Stanton (2007) advertiu sobre
essa situao, argumentando que a falta de
dados causada pelo nosso pouco interesse
em questes distributivas por outro lado, a
demanda estimularia a oferta em instrumentos
de medida. Jahan (2000) notou como
muitos RDHNs tm mapeado disparidades
e desigualdades entre raas, grupos tnicos,
regies etc., em vrios pases do mundo.
POnDERAO
De todas as crticas feitas ao IDH a mais
recorrente se refere ao sistema de ponderao.
Para melhor entender essas crticas, possvel
categoriz-las em duas linhas: crticas ao
sistema de ponderao considerado arbitrrio e
crticas aos pesos implcitos, impostos pelo uso
de postos de diferentes escalas.
Pesos iguais e arbitrrios
Crticas aos pesos iguais dados ao IDH foram
feitas logo aps a sua introduo. Os crticos
argumentaram que pesos iguais foram dados
s trs dimenses sem nenhuma justifcativa
apropriada. Kanbur (1991) argumentou pela
superioridade de uma medida de pobreza
baseada em consumo e realizada pelo Banco
Mundial. Alm disso, Chowdhury (1991) discutiu
a necessidade de justifcao dos pesos ou
de rejeio ao ndice composto para evitar a
contradio de que, por um lado, se esse ndice
sensvel aos pesos, deve oferecer alguma
justifcao para eles, e se o ndice robusto, a
agregao no faz sentido, porque qualquer
dimenso d a mesma informao. Kelly (1991)
criticou tambm a arbitrariedade dos pesos,
argumentando que a dimenso renda deveria
ter maior peso (para o caso de pases de renda
mdia e alta).
Um esquema de ponderao alternativo foi
sugerido por Qizilbash (1997), que props um
esquema pluralista de escolha de pesos. Mais
concretamente, ele defendeu o uso de um ranking
ponderado de Borda e outro de interseces de
Borda. O primeiro parece ser muito restritivo,
e por essa razo no muito prtico, dado
que disponvel somente no caso de um pas
estar frente de outro, independentemente
dos pesos usados. O segundo ranking menos
restritivo, dado que pesos diferentes podem
ser usados contanto que o mesmo ranking seja
produzido. Qizilbash mostrou que o enfoque das
interseces pode ajudar a promover consenso
apesar das pessoas atriburem pesos diferentes
s dimenses do IDH.
McGillivray e Noorbakhsh (2007) recomenda-
ram que policymakers e mesmo os cidados de
cada pas devem ser permitidos a selecionar
os pesos das dimenses por meio de mtodos
participativos, seguindo a proposta de Streeten
(2000), de que uma aplicao do IDH nas regies
ou grupos em um pas o mais produtivo.
Pesos implcitos
Vrios pesquisadores notaram que alm
dos pesos explcitos entre as dimenses do
IDH existe tambm um conjunto de pesos
implcitos derivados dos diferentes postos
utilizados na normalizao do IDH que devem
ser considerados. Kelley (1991) observou que
a dimenso renda tem um peso menor do
que as outras duas, dado que o valor fnal
da renda era a linha de pobreza dos pases
desenvolvidos (em 1991), enquanto que para a
alfabetizao e a expectativa de vida era o valor
maior encontrado no mundo. Por essa razo, ele
sugeriu o PIB mdio dos pases de renda alta,
testando a sensibilidade dos rankings do IDH a
postos mximos alternativos. Pode ser dito que
se a diferena entre o posto mnimo e mximo
| 269
for relativamente alta para uma dimenso e
relativamente baixa para outra, o efeito do
primeiro sobre o ndice composto geral se torna
mais baixo do que o do segundo (Noorbakhsh,
1998b e 1998c). Esse argumento foi tambm
corroborado por Panigrahi e Sivramikrishna
(2002).
Luechters e Menkhoff (1996) mostraram,
alm dos pesos implcitos causados pelos
postos mximos e mnimos que podem ser
variveis para cada dimenso, que a mudana
anual no nvel limite da transformao da
renda at a reviso de 1999 pode ser outra
causa de haver pesos implcitos. Esses autores
calcularam que um pas com o menor ndice
de renda necessitaria aumentar o seu PIB em
cerca de US$ 663 ou quase 13%, simplesmente
para manter o valor de seu ndice de renda,
enquanto os pases que tem PIB acima de US$
5860 precisariam de um aumento menor para
o mesmo valor do ndice de renda. Em outras
palavras, eles descobriram que o posto da renda
no era completamente fxo mesmo depois do
uso de postos fxos em 1994. De qualquer modo,
esse problema deixou de ser relevante aps a
reviso de 1999, na qual o nvel-limite deixou de
ser requerido para a transformao.
Para evitar a ponderao implcita motivada
pelos postos e fazer com que os pesos para
cada dimenso sejam verdadeiramente iguais
preciso reconsiderar o sistema de pesos entre
as dimenses em relao a suas diferenas de
escala. Noorbakhsh (1998a) props um ndice
alternativo empregando efeitos de equalizao
de escala, isto , padronizando os dados
inicialmente para que a extenso dos vetores
para cada indicador pudesse ser igual. Um
tratamento similar foi sugerido tambm por
Panigrahi e Sivramkrishna (2002). Para eliminar
o vis de escala, Chowdhury (2005) dividiu cada
valor do indicador pela sua respectiva mdia, de
tal modo que os quocientes das observaes
antes e depois da escala fossem os mesmos.
Na sequncia, ele aplicou uma Anlise de
Componentes Principais s dimenses do IDH,
depois de eliminar o vis de escala, e verifcou
que um peso maior deveria ser dado realizao
educacional.
Entretanto, anlises anteriores feitas pelo
RDH 1993, Noorbakhsh (1998a) e Biswas e
Caliendo (2001) comprovaram por meio de
Anlises de Componentes Principais que os
pesos eram semelhantes, o que sugere que
o resultado diferente obtido por Chowdhury
(2005) devido ao efeito do uso de uma escala
equalizadora.
nATUREZA cOMPOSTA DO IDH
As crticas natureza composta do IDH
foram levantadas com base em um problema
metodolgico fundamental, cuja origem a
combinao entre suas trs dimenses ou uma
redundncia no seu uso. A primeira verso da
crtica pode ser subdividida em duas partes:
o tratamento separado de cada indicador ou a
escolha de um indicador para representar todos.
A segunda verso pode tambm ser vista como
parte de dois argumentos distintos: ou existe
redundncia entre o IDH e o PIB, ou entre as trs
dimenses do IDH.
Misturando as trs dimenses:
crticas a agregao do IDH
Logo aps a introduo do IDH, nenhuma
agregao das dimenses foi sugerida
conceitualmente, sob a hiptese de que o
desenvolvimento humano necessita ser medido
inicialmente em vrias dimenses distintas.
Depois da crtica de Pyatt (1991), o entendimento
do IDH como um conjunto de dimenses foi
reforado por Aturupane et al. (1994), com base
em questes operacionais, e reforado por
Veenhoven (2007).
O problema da composio depende muito
do grau de substitutibilidade que se permite
formar entre as dimenses a serem agregadas.
No caso do IDH, a raiz do problema est no
fato de que o IDH permite, na sua formulao
270 PARTE 4 | ndices de Desenvolvimento Humano
aritmtica, plena substitutibilidade entre
suas dimenses, as quais no so sensveis
s diferenas na distribuio dos valores das
dimenses individuais. Este argumento pode
ser justifcado com base em que todas as
dimenses so consideradas intrnsecas para
o desenvolvimento humano e que elas no
podem ser substitudas umas pelas outras. Para
resolver essa caracterstica problemtica do IDH,
Desai (1989) sugeriu o uso de um formato log-
aditivo para tornar as privaes multiplicativas.
Ravallion (1997) questionou a substitutibi-
lidade desigual entre as trs dimenses, defen-
dendo que seus trade-offs devem ser decididos
pela escolha pblica, em vez da deciso ser fei-
ta por critrios de escolha implcitos em alguma
regra de agregao fxada para todos os pases.
Sagar e Najam (1998) ampliaram o argumento
de Desai (1989), propondo o uso de um formato
multiplicativo, e no com o uso da mdia arit-
mtica, para os ndices das dimenses. Palazzi e
Lauri (1998) desenvolveram uma frmula para
penalizar o desenvolvimento desequilibrado
na qual a plena substititutibilidade entre as
dimenses no poderia ser aceita. Eles criaram
um cone nas coordenadas tridimensionais, cujo
vrtex fca na origem, e que roda em volta do
eixo, comeando na origem e correndo de modo
equidistante a partir dos trs eixos. Desse modo,
pontos dentro do cone foram considerados can-
didatos para plena substitutibilidade, para os
quais as penalidades deveriam ser impostas
distalmente rea aceitvel. Eles reconheceram
a limitao desse mtodo em termos da difcul-
dade de defnir o que a rea aceitvel para a
plena substitutibilidade e concluram pela ne-
cessidade de testes empricos e hipteses ex-
post, em detrimento de solues analticas e
tericas.
Subsequentemente, Chakravarty (2003)
props um IDH generalizado que refetisse
porcentualmente, no valor geral do ndice,
as contribuies dos atributos individuais.
Em outras palavras, podemos considerar o
IDH (como apresentado pelos RDHs) como
um caso especial com uma taxa marginal de
substituio constante
13
. Diferentemente do
IDH original, esta verso geral pode conferir
maior peso s diferenas de realizaes em
nveis mais baixos. Muller e Trannoy (2003)
tambm atacaram o tema da substitutibilidade,
sugerindo dois padres: inicialmente, de que a
segunda derivada parcial cruzada da renda em
relao expectativa de vida e educao deve
ser negativa, dado que a renda substituvel
em relao expectativa de vida e educao
assim como o aumento marginal no bem-estar,
associado a um aumento de renda decrescente
em comparao ao das outras duas variveis;
depois, de que a funo de bem-estar aditiva
separvel para o caso da expectativa de vida e
da educao, porque eles no so substituveis
entre si. Mais recentemente, Justino (2005)
revisou algumas abordagens alternativas para
a soluo dessa questo, e podemos citar, entre
as quais: o uso de mtodos multivariados de
componentes principais tal como proposto
por Ram (1982) ; mecanismos de correo de
privaes sociais (como tambm defendidos
posteriormente por Bossert et al., 2007); e a
normalizao do bem-estar individual, baseada
na generalizao de medidas de desigualdade
do tipo Dalton para o caso multidimensional (tal
como proposto por Bourguignon, 1999).
Outro tema referente agregao diz
respeito ao grau de interao ou de sinergia entre
as dimenses do IDH. Carlucci e Pisani (1995)
investigaram a natureza da interao entre as
variveis do IDH. Na dimenso conhecimento
incorporou-se uma funo representando valores
positivos caso se detectasse alguma sinergia
entre duas variveis , e valores negativos nos
quais existisse alguma redundncia entre elas.
Alternativamente, Ogwang (1994) testou o uso
de um indicador representativo para todas as
dimenses do IDH. Suas vantagens, segundo ele,
seriam a de possibilitar maior foco na melhoria
da qualidade dos dados e na eliminao do
| 271
problema do uso de pesos arbitrrios entre
dimenses diferentes. Usando a Anlise de
Componentes Principais (Ogwang, 1994) e
Anlises de Correlao (Dasgupta e Weale, 1992),
o indicador selecionado para representar o bem-
estar agregado foi a expectativa de vida.
Redundncia
Preocupaes com a redundncia entre as
diferentes dimenses do IDH so uma maneira
diferente de expressar dvidas sobre a natureza
composta do IDH. A literatura apresentou dois
argumentos diferentes nessa linha: a anlise
da correlao entre o IDH e o PIB e a anlise da
correlao entre as diferentes dimenses do IDH.
Foi encontrada uma alta correlao entre
o IDH e o PIB logo aps a introduo do ndice,
levando ao argumento de que o PNB tradicional
pode ser usado como uma proxy do IDH (Das-
gupta, 1990; McGillivray, 1991; e Tilak, 1992). Pos-
teriormente, Ravallion (1997) expandiu esse ar-
gumento, sugerindo que o IDH d mais ateno
a resduos estatsticos. Essa mesma concluso
foi obtida por Sagar e Najam (1999). No entanto,
uma baixa correlao entre o IDH e o PIB foi en-
contrada por Smith (1993), usando rankings em
lugar dos escores brutos do IDH. Stanton (2007)
argumentou que essas correlaes no so con-
sistentes e que o IDH fornece informaes mais
qualifcadas sobre o bem-estar humano do que
uma medida bruta da renda.
O problema da redundncia entre as
dimenses do IDH foi sugerido logo aps seu
lanamento e seguiu com base em alguns
estudos, como o de Ivanova et al. (1999), que
mostrou que o ranking geral do IDH no muda
signifcativamente se medido apenas por um
dos indicadores. Os RDHs mais recentemente
tm mostrado esses rankings, ilustrando como
esse argumento no se mantm.
rESPoSTAS DoS rElATrioS
DE DESENvolvimENTo
HumANo
interessante notar que muitas das questes
levantadas pelos crticos do IDH foram expressas
e reconhecidas j no primeiro RDH de 1990.
Entre elas estava a falta da liberdade como
uma dimenso do IDH. O principal trade-off no
primeiro RDH foi enfrentado entre a necessidade
de dados quantitativos para a mensurao vis-
-vis a manuteno da arquitetura bsica do
indicador. Alm disso, as difculdades para lidar
com a distribuio tambm foram reconhecidas
desde o incio. Mas o RDH no dispunha de dados
para enfrentar esses desafos. medida que
novos dados foram disponibilizados ao longo
dos anos, vrios aspectos distributivos foram
discutidos, como as questes da expectativa de
vida e alfabetizao por grupo de renda, assim
como diferenas urbano-rural e de gnero
14
. A
publicao dos relatrios regionais e nacionais
ajudou muito nessa tarefa.
As respostas dadas pelos RDHs seguiram trs
padres: respostas metodolgicas diretamente
relacionadas ao IDH; respostas metodolgicas
relacionadas famlia de indicadores do IDH; e
refexes tericas dentro dos RDHs.
RESPOSTAS METODOLgIcAS DIRETAMEnTE
RELAcIOnADAS AO IDH
A reviso direta das crticas relacionadas ao
IDH foi feita no tratamento da padronizao e
da transformao, na escolha dos indicadores e
na deciso sobre a base de dados a ser utilizada.
Padronizao e transformao
O IDH passou por duas grandes revises
de padronizao. Primeiro, os dois indicadores
na dimenso conhecimento alfabetizao e
anos de escolaridade foram padronizados em
termos percentuais j no RDH de 1992, embora
tenham sido agregados a partir de dados brutos
272 PARTE 4 | ndices de Desenvolvimento Humano
(nveis percentuais combinados com o nmero
de anos) em 1991. Segundo, desde o RDH 1994
que, para comparabilidade intertemporal, foram
fxados os postos mximos e mnimos usados no
processo de padronizao das variveis. Assim,
os dois lados dos valores extremos no so
valores observados (mximos e mnimos), mas
os valores mais extremos esperados no futuro.
A modifcao no padro de transformao
foi relevante somente para a dimenso renda.
Primeiro, o tratamento original da renda (isto
, rendimentos decrescentes pela aplicao de
logartimos at um nvel-limite e nada acima)
foi substitudo por uma verso modifcada
da medida de desigualdade de Atkinson j
em 1991, com o propsito de possuir uma
formulao mais explcita, baseada em retornos
decrescentes e maior diferenciao entre pases
desenvolvidos. Segundo, o nvel-limite (chamado
em ingls de threshold) foi mudado em 1994: a
linha de pobreza de nove pases desenvolvidos
at 1993 foi usada e posteriormente substituda
pelo valor mdio global do PIB pc PPC. Terceiro,
at 1993 se mensurava o nvel de privao de
cada dimenso para ento transform-los em
um nvel de realizao, o que mudou com a
mensurao direta dos nveis de cada realizao,
a partir de 1994
15
. Quarto, o nvel mnimo de
renda mudou de US$ 200 PPC para US$ 100
PPC, a partir de 1995, para que fosse possvel
compararmos entre o IDH e o IDH-G (IDH
relacionado ao gnero) introduzido naquele
ano, no qual o valor mnimo da renda feminina
foi estabelecido em US$ 100 PPC. Finalmente, a
verso modifcada da medida de Atkinson foi
substituda pela transformao logartmica
para todos os nveis (sem nenhum limite) desde
1999, para reduzir o nvel do desconto da renda
tornando o clculo menos complicado
16
.
Mudanas dos indicadores
A modifcao dos indicadores foi mais
presente na dimenso conhecimento. Primeiro, o
indicador anos de escolaridade foi adicionado,
em 1991, ao indicador existente, a alfabetizao,
para que se refetisse um nvel educacional maior
do que o indicado pela simples alfabetizao.
Segundo, o indicador anos de escolaridade foi
subsequentemente substitudo por taxa de
matrcula bruta
17
, em 1995, porque o indicador
prvio era complexo em termos de clculos e
tinha grande demanda informacional.
Alm disso, cabe notar a introduo do
uso de indicadores suplementares para
grupos especfcos de pases com um nvel de
desenvolvimento humano variado, no Anexo do
RDH de 1993, mesmo que eles no tenham sido
efetivamente utilizados.
Reviso das bases de dados
Duas revises principais foram feitas na
base de dados utilizadas pelo IDH. A primeira
consistiu na substituio das Penn World
Tables, utilizadas como principal fonte de dados
de renda em PPC at 1994, pelos indicadores
de renda produzidos pelo Banco Mundial. A
segunda reviso foi a deciso de no publicar
no RDH dados que no fossem confveis a
partir de 2001, evidenciando a no existncia de
dados para um conjunto de pases. Isso no quer
dizer que o IDH no continue a usar estimativas
limitadas e hipteses para certos conjuntos de
dados para incluir um nmero maior de pases
no clculo do ndice. Ao mesmo tempo, uma
lista independente foi proposta para doze pases
excludos da principal tabela do ranking porque
as fontes primrias de duas ou mais dimenses
no estavam disponveis.
RESPOSTAS METODOLgIcAS DEnTRO
DA FAMLIA DE InDIcADORES DE
DESEnVOLVIMEnTO HUMAnO
O IDH nunca se props a ser um ndice
abrangente que tentasse refetir a grandeza
do conceito de desenvolvimento humano. No
entanto, para dar conta dessa limitao, os
RDHs promoveram uma famlia de indicadores
de desenvolvimento humano, que ao longo
| 273
da histria dos relatrios incluiu: o ndice
de Liberdade Humana (ILH), de 1991; o IDH
Ajustado Distribuio, de 1991-1994; o ndice
de Liberdade Poltica (ILP), de 1992; o ndice de
Desenvolvimento de Gnero (IDG), a partir de
1995; a Medida de Pobreza de Capacitaes
(MPC), de 1996; o ndice de Pobreza Humana
(IPH), desde 1997, que se subdividiu em IPH-1,
para pases em desenvolvimento, e em IPH-2
(que foi calculado a partir de 1998), para pases
desenvolvidos. Mais recentemente, temos os
novos: ndice de Desenvolvimento Humano
ajustados Desigualdade (IDH-D), ndice de
Pobreza Multidimensional (IPM) e ndice de
Desigualdade de Gnero (IDG), todos de 2010.
Dimenses
A liberdade foi a nica dimenso
considerada tanto com a criao do ILH
quanto do ILP. O ILH incluiu a liberdade
poltica e a liberdade socioeconmica. O ILP,
que o substituiu no ano seguinte, destacou
exclusivamente o tema da liberdade poltica.
Contudo, foi descontinuado a partir de 1993, por
problemas tcnicos e polticos. A razo para essa
descontinuidade foi apresentada no Anexo do
RDH 1993, mas somente apareceu no corpo do
RDH na edio do ano 2000. O tratamento de
dados sobre poltica foi a principal falha tcnica
do ILP, pois muitas dessas informaes eram
inexistentes ou muito volteis.
Indicadores
Tanto o IPH quanto a MPC mantiveram as
dimenses originais do IDH com um conjunto
diferente para medir a pobreza. A MPC utilizou
quatro variveis: nascimentos sem assistncia
de pessoal mdico treinado e crianas com me-
nos de cinco anos abaixo do peso, para medir a
dimenso sade; taxa de analfabetismo femi-
nina, para conhecimento, e PIB real per capita,
para mensurar um padro de vida decente. Ela
foi substituda no ano seguinte pelo IPH, que
continha cinco variveis: Porcentagem de pes-
soas no esperadas a sobreviver aos 40 anos,
para medir a privao na sade; Porcentagem
de adultos analfabetos, para saber os valores
da privao de conhecimento; e Porcentagem
de pessoas sem acesso a gua potvel, Por-
centagem de pessoas sem acesso aos servios de
sade e Porcentagem de crianas com menos
de cinco anos moderadamente e severamente
abaixo do peso, para mensurar a privao do
padro de vida.
Embora os dois indicadores focalizem a falta
de capacitaes das pessoas, parece que a MPC
direcionou sua ateno na privao de crianas
e mulheres, enquanto o IPH estimou privaes
para a populao em geral. De fato, em suas
duas verses, o IPH-1
18
e o IPH-2 utilizaram
indicadores diferentes para contextualizar
melhor as diferentes realidades da pobreza em
pases desenvolvidos e em desenvolvimento. Por
exemplo, o IPH-2 usa Porcentagem de pessoas
no esperadas a sobreviver aos 60 anos para a
dimenso sade e Porcentagem de pessoas que
so analfabetas funcionais, tal como defnidas
pela OCDE, para privao em conhecimento.
correes pela desigualdade
Novas perspectivas distributivas foram
dadas ao IDH pelo do uso de seus indicadores de
desigualdade, como o IDG ou o IDH, ajustado a
distribuio de renda. Originalmente, os valores
da renda no IDH original foram corrigidos por um
fator e usava o ndice de Gini para um conjunto
de 53 pases. Nesse momento (1991) entretanto,
o coefciente de Gini estava disponvel somente
para 25 pases, e era estimado para outros 28
19
.
Esse indicador desapareceu depois de 1994.
Os dois indicadores de gnero introduzidos,
o IDG e a Medida de Empoderamento de Gnero
(MEG) representam conjuntos distintos de
desigualdade. O IDG usava as mesmas variveis
do IDH, focalizando a representao exclusiva
das diferenas de gnero. Por outro lado, a MEG
tentou medir as diferenas de gnero na falta
de empoderamento poltico e econmico das
274 PARTE 4 | ndices de Desenvolvimento Humano
mulheres. Por essa razo, pode-se dizer que a
MEG no apenas uma medida distributiva,
mas extrapola aspectos mais gerais do
desenvolvimento.
Respostas conceituais
Parte das respostas dadas foram articuladas
conceitualmente entre os diferentes tpicos,
como a escolha das dimenses, o papel da dis-
tribuio na categorizao do desenvolvimento
humano, o uso dos pesos e a natureza dos in-
dicadores compostos.
As dimenses
Em face da cobertura limitada do IDH, tratou-
se de utilizar o amplo escopo dos RDHs para a
discusso de ampla variedade de questes e
dimenses no tratadas pelo IDH, mas ainda
assim relevantes para o desenvolvimento
humano. Entre elas, podemos mencionar a
participao, no RDH 1993; a segurana
humana (econmica, alimentar, ambiental,
pessoal, comunitria, poltica etc.), no RDH de
1994; a economia global, no RDH de 2005; o
meio ambiente, no RDH de 1998, a partir da
perspectiva do consumo sustentvel; ou no RDH
2007/2008, sob a tica da mudana climtica;
os direitos humanos, no RDH de 2000; e a
democracia no RDH de 2002, entre tantos
outros tpicos abordados. Muitos dos temas
escolhidos esto relacionados a aspectos de
liberdade humana e poltica, para os quais no
foi possvel chegar a uma medio consensual
dentro do escopo da famlia de indicadores do
IDH.
Distribuio
A necessidade de se apreciar os problemas
distributivos sob a perspectiva do desenvolvi-
mento humano foi uma questo reafrmada
desde o primeiro RDH. Na prtica, os RDHs ten-
deram a considerar apenas a distribuio de
renda (quando isso foi possvel). O RDH 2005
discutiu a distribuio, comparando o IDH dos
20% mais pobres (de renda) com a mdia do IDH
nacional. Na prtica, no entanto, essas tentati-
vas acabaram gerando um diferente IDH para
os pobres, em lugar de levar a uma correo do
IDH geral em funo da m distribuio da ren-
da, assim como da sade e da educao entre a
populao dos pases.
Ponderao
O tema da ponderao entre diferentes di-
menses do IDH foi discutida brevemente no
Anexo do RDH de 1993, com o propsito de jus-
tifcar a equiponderao entre as dimenses do
IDH. Usou-se, para isso, uma Anlise de Com-
ponentes Principais. Mas tambm reconheceu
a existncia de pesos implcitos causados por
diferentes extenses dos indicadores. A justifca-
tiva para a equiponderao foi baseada em dois
argumentos: (i) os coefcientes relativos entre
as variveis no podem ser interpretado como
trade-offs, porque o peso efetivo real da renda
varia de acordo com diferentes nveis de renda,
sob o princpio dos retornos decrescentes; e (ii) o
IDH uma medida ordinal para o ordenamento
relativo entre pases, em lugar de simplesmente
ser uma medida cardinal a ser maximizada. Ne-
nhuma outra discusso do gnero foi encontra-
da nos outros RDHs.
composio
Entre as caractersticas mais problemticas
da natureza composta do IDH encontramos o
uso da hiptese de substitutibilidade. Para tentar
resolver essa questo de substitutibilidade
entre as dimenses do IDH, tentou-se usar
um esquema multiplicativo (logartmico)
para todos os indicadores no RDH de 1991.
Objetivous-se com isso chegar a indicadores
com menor grau de substitutibilidade entre
eles, mas com resultados produzidos de
forma semelhante ao IDH original, sem ganho
aparente. A redundncia no texto do relatrio
foi brevemente discutida no Anexo de RDH
de 1993. A justifcativa dada foi conceitual:
| 275
sade e educao devem ser valorizados como
fns em si mesmos, independentemente de
serem ou no redundantes. Depois dessa nota
no houve nenhuma outra discusso sobre
substitututibilidade ou redundncia nos demais
RDHs at a edio de vinte anos de aniversrio,
de 2010.
CoNCluSES
Este captulo revisou quase vinte anos de
crticas ao IDH, as respostas dadas ao longo
dos Relatrios de Desenvolvimento Humano,
incluindo o ltimo RDH 2010, e os desafos
que permanecem, a serem enfrentados. O
objetivo dessa anlise foi no somente mostrar
o carter dinmico do IDH que tem servido,
primordialmente, como instrumento de
dilogo tcnico com a sociedade e a academia
, mas principalmente servir de base para uma
orientao do que ainda precisa ser feito. Vrias
crticas e sugestes dadas ao IDH ao longo
desses vinte anos foram respondidas pelo novo
IDH de 2010. Mas o que podemos usar? Como
podemos construir um IDH-M que respeite
os novos parmetros, as crticas e os desafos
que permanecem a serem enfrentados? Esse
o objeto do prximo captulo deste relatrio,
que encaminha algumas sugestes para que
possamos pensar na formulao de um IDHM-
CP que sirva para o monitoramento de polticas
de desenvolvimento humano.
276 PARTE 4 | ndices de Desenvolvimento Humano
O que signifca? Por que melhor?
Alfabetizao Anos Mdios
de Estudo
o nmero mdio
de anos de educao
recebidos pelas pessoas
que tem 25 anos ou
mais
- Discrimina melhor a educao da
populao do que simplesmente o
analfabetismo
- uma varivel mais sensvel ao
progresso
Matrcula
combinada
(primrio, mdio
e tercirio)
Anos Esperados
de Escolaridade
o nmero de anos de
escolaridade que uma
criana na idade de
entrar na escola pode
esperar receber
- Leva em considerao taxas de
matrcula em relao a idade das
crianas
- Trata de elementos qualitativos
do ensino
Varivel no
novo IDH
Varivel no
velho IDH
O RDH 2010 marcou vinte anos de aniversrio
do primeiro RDH, que inaugurou a perspectiva
do desenvolvimento humano, assim como de
seu ndice principal, o IDH. Tal enfoque prega
a expanso das liberdades substantivas e das
escolhas das pessoas (ter a liberdade de ser
saudvel, ser educado, poder ter um padro de
vida decente, entre outros) como sua principal
meta. Defende tambm princpios plurais, como
equidade, sustentabilidade, respeito por direitos
humanos e justia social.
A criao de indicadores com poucas dimen-
ses que sejam comunicveis ao grande pblico
faz parte das estratgias de desenvolvimento
humano que tm o estmulo ao debate e razo
pblica como princpio geral de forescimento
das sociedades. Os RDHs se caracterizam por
serem inovadores e por testarem as fronteiras
da mensurao por meio da introduo de no-
vos ndices e estatsticas. nesse contexto que
a edio de aniversrio oferece um conjunto de
novos indicadores e a reviso do IDH, incorpo-
rando a ele algumas crticas importantes, feitas
ao longo dos vinte anos de sua existncia.
MUDAnAS METODOLgIcAS
A principal novidade do RDH 2010 a
introduo de um novo IDH, que mantm a
estrutura do IDH de sempre do velho IDH
mas foi alterado em trs pontos:
Novas variveis;
Nova normalizao;
Novo procedimento de agregao.
nOVAS VARIVEIS
A estrutura do IDH, composta pelas dimenses
sade, conhecimento e padro de vida decente,
foi mantida. Na sade, a varivel expectativa de
vida ao nascer (dada em anos) permaneceu a
mesma. No entanto, na educao, as principais
variveis utilizadas foram substitudas. No velho
IDH, eram utilizadas as variveis alfabetizao
e matrcula combinada (isto , matrculas no
primrio, no ensino mdio e no tercirio, dada
em porcentagem), mas pouco discriminavam
os pases. O que quer dizer isso? Que os pases
j no se diferenciavam muito em relao ao
valor desses parmetros, uma vez que muitos j
lograram nesses vinte anos reduo signifcativa
de suas taxas de analfabetismo e aumento
substancial de suas taxas de matrcula, como
o caso do Brasil.
Alm disso, a varivel alfabetizao de al-
gum modo simplista, pois classifca as pessoas
como alfabetizadas e analfabetas (h somente
duas opes, por isso ela chamada de varivel
binria), deixando de lado avanos nos anos
adicionais de escolaridade que as pessoas pos-
sam ter. Do mesmo modo, sabe-se que a varivel
matrcula combinada diz pouco sobre a quali-
276 PARTE 4 | O ndice de Desenvolvimento Humano de Curto Prazo
Quadro 14.1 Explicando o Novo IDH 2010
| 277
Novo IDH
Sade
Conhecimento
Expectativa
de Vida
Anos Mdios de
Escolaridade
Anos Esperados
de Escolaridade
RNB pc
Padro de Vida
Decente
| 277
dade dos sistemas educacionais dos pases.
Por essas razes, resolveu-se fazer as seguintes
substituies de variveis na dimenso educao:
Outra substituio importante foi na varivel
renda, que antes era medida pelo Produto
Interno Bruto per capita (em PPC, para levar em
considerao que, mesmo em dlar, os preos
das mercadorias nos pases so diferentes,
realiza-se esse ajuste aos PIBs per capita em
dlares). Agora, utiliza-se a Renda Nacional Bruta
(RNB), tambm medida em PPC e per capita. Um
mundo cada vez mais globalizado aumenta a
diferena entre a produo domstica, isto ,
dentro das fronteiras de um pas, e a renda que
fca com seus residentes (seus cidados). Isso
acontece pois uma parte da renda produzida
enviada para o exterior, assim como outra parte
recebida de seus cidados que esto vivendo
fora. O conceito de renda nacional refete com
mais preciso os recursos que as pessoas em
determinado pas dispem para viver. Essas
trs mudanas de variveis confguram o que
chamamos do novo IDH, como pode ser visto
na fgura a seguir.
278 PARTE 4 | ndices de Desenvolvimento Humano
nOVA nORMALIZAO
Uma das caractersticas importantes do
IDH desde a sua origem que ele um ndice
composto. O que isso signifca? Isso signifca
que o IDH um ndice que combina diferentes
dimenses (isso equivale a dizer que ele
multidimensional), as quais so incomensurveis
(isto no so redutveis umas s outras e, de
fato, so dadas em unidades diferentes, tais
como nmero de anos, ou porcentagem de
pessoas alfabetizadas, ou valores monetrios em
dlares). Para que valores diferentes possam ser
combinados, primeiro so normalizados. Mas o
que normalizar? colocar todos os valores em
uma escala comum para que possam ser vistos
de modo comparativo.
O IDH primeiro normaliza as variveis pela
defnio de mximos e mnimos para cada
dimenso (indicadas a seguir para o novo IDH):
No velho IDH, essa normalizao era
feita com os valores mximos e mnimos pr-
defnidos, chamados de postos fxos. No caso
da renda, eram utilizados os valores de US$ 40
mil e US$ 100 para mximos e mnimos (em que
o valor de US$ 40 mil era considerado o mximo,
e todos os pases com renda per capita superior
tinham esse valor atribudo a eles como um
teto). O argumento para o uso dos postos fxos
era a comparabilidade anual entre os IDHs. No
entanto, tem fcado evidente recentemente que,
com a atualizao dos valores das bases de dados
utilizadas quase todos os anos, necessrio
recalcular retrospectivamente os valores dos
IDHs, diminuindo, portanto, a importncia de
Dimenso Mximo observado Mnimo
Expectativa de Vida
83,2 (Japo, 2010) 20
Anos mdios de escolaridade
13,2 (EUA, 2000) 0
Anos esperados de escolaridade
20,6 (Austrlia, 2002) 0
ndice de Educao combinado
0,951 (Nova Zelndia, 2010) 0
Renda pc PPC $
108,211 (Emirados rabes, 1980) 163 (Zimbabue)
valor real do pas valor mnimo da dimenso
valor mximo da dimenso valor mnimo da dimenso
ndice da dimenso
=
se ter postos fxos. Com isso, torna-se menos
arbitrria a escolha dos postos ao se utilizar
sempre valores observveis principalmente
no caso dos mximos, em que essa escolha
orientada por consideraes mais conceituais.
nOVO PROcEDIMEnTO DE AgREgAO
No velho IDH, as variveis, depois de
normalizadas, eram agregadas por meio do
uso de mdia aritmtica simples. Para trs
dimenses (sade, conhecimento e padro
de vida), isso consistia simplesmente em
somar o valor do IDH ( j normalizado) de cada
dimenso e dividi-lo por trs. No entanto, esse
procedimento tinha grande limitao: qualquer
278 PARTE 4 | O ndice de Desenvolvimento Humano de Curto Prazo
| 279
O que so anos esperados de escolaridade?
Anos esperados de escolaridade ou expectativa de vida escolar uma medida de desempenho de
um sistema educacional e que leva em considerao os anos de estudo que se espera de uma criana
que entra na escola tenha pela frente. Mas por que dizemos que essa uma medida de desempenho de
um sistema educacional? Falamos isso, pois essa medida obtida pelada soma das taxas de matrcula
especfcas por idade para a educao primria, secundria (ensino mdio) e terciria (ou ps-ensino
mdio). Ao ser calculada para cada nvel de educao, nos d uma ideia de efcincia interna e da
qualidade do sistema de ensino.
Segundo recomendao do prprio RDH 2010, essa estatstica deve ser interpretada de acordo com
outros ndices complementares, como o percentual de repeties. De fato, de acordo com o EFA Global
Monitoring Report, 2010 a taxa de repetio para todas as faixas de educao para o Brasil encontra-se
em 18,7% (dados de 2007).
No Brasil, a expectativa de vida escolar de 13,8 anos (13,5 para os meninos e 14,1 para as meninas).
Essas informaes se encontram no ltimo relatrio citado e tambm so de 2007.
As mudanas metodolgicas empreendidas tiveram uma consequncia muito importante: mudaram
a escala, ou seja, a rgua utilizada para medir os pases na mtrica do IDH. Isso no quer dizer que o IDH
dos pases caiu, mas sim que, com a mudana de variveis (trs das quatro variveis utilizadas para
a elaborao do IDH foram substitudas), a magnitude das variveis utilizadas mudou, implicando o
rebaixamento da escala utilizada pelo IDH.
Cabe notar a nova classifcao dos pases baseadas em quartis nas categorias: muito alto; alto;
mdio; e baixo desenvolvimento humano. A classifcao no obedece mais um parmetro especifcado
como antes na escala do IDH, mas um nmero relativo de pases. A exceo fca com o grupo de pases
de alto desenvolvimento, que fca com um pas extra.
avano em uma dimenso podia ser facilmente
contrabalanado por um avano em outra
dimenso. Com isso, alguns pases com fracos
avanos sociais podiam subir no IDH apenas por
melhorias no desempenho de suas economias.
Para minimizar isso, o uso da mdia aritmtica
foi substitudo pelo uso da mdia geomtrica.
Mas o que uma mdia geomtrica?
uma mdia em que, em lugar de somar,
multiplicamos os elementos, e em vez de dividir,
como normalmente feito na mdia aritmtica,
tiramos a raiz na ordem do nmero de
elementos que temos. No caso do IDH, no qual
temos trs dimenses, tiramos a raiz na ordem
trs, tambm chamada de raiz cbica.
Mas qual a vantagem desse novo
procedimento de agregao? Com a mdia
geomtrica, no h mais uma substitutibilidade
perfeita entre as dimenses, como havia
anteriormente com a mdia aritmtica. Nesse
novo procedimento, o desempenho de um pas
melhor refetido por progressos harmnicos
nas trs dimenses. No d mais para subir do
mesmo modo no IDH com realizaes em apenas
uma das dimenses. Outra maneira de dizer isso
que o uso da mdia geomtrica respeita mais
as diferenas intrnsecas que existem em cada
uma das dimenses.
| 279
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| 285
O IDHM-CP
15
286 PARTE 4 | ndices de Desenvolvimento Humano
O IDH-M (ndice de Desenvolvimento
Humano Municipal) foi calculado para o
Brasil em 2003 com base nos dados do Censo
Brasileiro de 2000. Utilizou parmetros vigentes
do IDH internacional para classifcao dos
municpios, lanando mo, no entanto, de
alguns indicadores diferentes e adaptados ao
cenrio nacional. Para a educao, o IDH-M
empregou a taxa de alfabetizao de pessoas
acima de 15 anos de idade e a taxa bruta de
frequncia na escola. Para a sade, utilizou a
esperana de vida ao nascer e para a renda
usou a renda municipal per capita. As principais
variaes em relao ao IDH global foram no uso
das taxas de frequncia bruta (em lugar da taxa
de matrcula nos diversos nveis educacionais) e
no uso da renda municipal per capita (em vez do
PIB per capita). Todos os demais procedimentos
de clculo do IDH global foram adotados.
Na formulao de um novo IDH para
os municpios brasileiros, dois problemas
principais devem ser enfrentados: atualizao
metodolgica em virtude das crticas ao IDH
e adaptao aos novos desafos da sociedade
brasileira. Essas questes sero examinadas, e, a
seguir, sero feitas algumas anlises empricas
e recomendaes para elaborao de um novo
IDH-M de curto prazo para o pas.
mEToDoloGiA
A natureza do IDH tradicional de longo
prazo: a maior parte de suas variveis refetem
estoques, e no fuxos. Por exemplo, a
expectativa de vida, a taxa de alfabetizao ou
anos mdios de estudo tem um componente
de longo prazo muito forte. O problema disso,
para pases que avanam rapidamente nessas
dimenses, que seus resultados no so
capturados por esses indicadores. Ou seja, o
grande inconveniente que a renda, varivel
de fuxo, acaba sendo o maior determinante da
movimentao do IDH no curto prazo.
Alm disso, cabe notar a necessidade
fundamental de se ter uma periodicidade
de publicao do IDH-M, compatvel com as
necessidades da avaliao e monitoramento de
polticas pblicas.
O IDH-M tradicional, como produzido no
Brasil em 2003 excelente para o registro de
tendncias de longo prazo, mas no pode fazer
o trabalho de captar futuaes em espaos
mais curtos de tempo. Isso ocorre devido no
somente ao seu vnculo com a base censitria
(que o limita a uma atualizao a cada dez anos),
mas tambm pelo uso de variveis de estoque,
que se movimentam muito lentamente, isto ,
que no captam o progresso e resultados das
polticas no curto prazo.
A anlise das crticas ao IDH empreendida
no captulo anterior deixou claro que alguns
pontos permaneceram no resolvidos at a
publicao do IDH de 2010. Em particular, cabe
destacar a considerao da questo distributiva
no novo relatrio e a sinalizao de que difcil
falar em desenvolvimento humano e de um
ndice que o represente sem a devida anlise
dos aspectos distributivos. Essa uma questo
que perpassa todas as dimenses do IDH, e no
restrita renda. lgico, portanto, que novos
esforos para a elaborao de um novo IDHM-CP
Brasileiro levem o tratamento da desigualdade
distributiva no Brasil para todas as dimenses
do IDH.
A anlise das crticas ao IDH registrou
que desde o lanamento do primeiro IDH em
1990, a qualidade da educao citada, mas
no resolvida, devido inexistncia de dados
internacionais. Uma educao de qualidade
fundamental no somente para a criao
de oportunidades individuais, via aumento
do capital humano das pessoas, mas tambm
para a formao de cidados engajados e para
o fortalecimento da prpria democracia. Poucos
pases, no entanto, conseguiram avanar na
construo de um consenso e de instrumentos
avaliativos que permitam o monitoramento
da qualidade da educao, alm de esforos
| 287
internacionais coordenados como o PISA.
Os principais desafos para a construo de
um IDHM-CP para o Brasil podem ser defnidos
para cada uma de suas dimenses:
Sade: dada a insensibilidade da varivel
expectativa de vida ao nascer ao progresso, o
maior desafo na sade encontrar uma varivel
de fuxo que seja uma proxy para a expectativa
de vida;
Educao: uma vez que as variveis utilizadas
pelo IDH no tratam da qualidade da educao,
que um tema caro ao desenvolvimento
humano, o maior desafo substituir as variveis
atuais por uma que represente progressos na
qualidade da educao do pas;
Renda: devido ao fato de que a renda
utilizada no IDH tradicional sempre a renda
mdia, o maior desafo corrigir o IDH-renda
por algum fator que pondere o nvel de
desigualdade na distribuio. Esse um desafo
que transcende a dimenso renda, mas que sem
dvida um aspecto crucial a ser tratado para
ela tambm.
SADE
A expectativa de vida tem sido a varivel
utilizada para mensurar a dimenso sade desde
o incio do IDH. Sabe-se que outras alternativas
seriam conceitualmente melhores, como a
expectativa de vida ajustada por defcincia
(do ingls DALE Disability-Adjusted Life
Expectancy), introduzida pelo Banco Mundial
em 1993 e desenvolvida pela Organizao
Mundial da Sade, ou como a expectativa de
vida ajustada pela qualidade (do ingls QALE
Quality Adjusted Life Expectancy), introduzida
por Klarman et al. (1968), refetindo uma
viso mais clnica da sade
20
. Entre as duas, a
expectativa de vida ajustada por defcincia
daria dados mais objetivos, que poderiam ser
importantes para as funes comparativas do
IDH. Isso acontece, porque nessa varivel as
doenas e suas ponderaes so selecionadas
por especialistas da rea mdica. Entretanto,
para o caso brasileiro, verifcou-se que os
dados necessrios no esto disponveis nem
anualmente nem para o nvel municipal.
Nessa linha, uma possibilidade seria selecionar
variveis que representam a expectativa de
vida ajustada por defcincia ou simplesmente
a expectativa de vida ao nascer.
Seria ideal se a dimenso segurana pessoal
pudesse ser includa, como sugerida pelo RDH de
1990, na esfera da sade no IDH. No caso do Bra-
sil, uma vez que homicdios (assim como aciden-
tes de trnsito causas externas) representam
uma importante causa de mortalidade no pas,
isso seria ainda mais relevante. A taxa de homic-
dio um indicador-chave no somente do bem-
estar dos jovens adultos, que correspondem
maioria das vtimas, mas de toda a sociedade, por
caracterizar espaos de violncia que constituem
uma esfera importante de privao de liberdade
dos indivduos. Dados de homicdio no repre-
sentam todos os tipos de violncia, mas demais
informaes complementares (por exemplo, so-
bre roubos, agresses etc.) esto disponveis no
Brasil somente no nvel dos estados, e muito fre-
quentemente esses dados so incompletos. Infe-
lizmente, mesmo a taxa de homicdios sofre de
um problema de disponibilidade, pois na busca
feita para o presente estudo encontraram-se da-
dos com quatroanos de defasagem (disponveis
somente at o ano de 2006).
Uma vez que a mortalidade infantil e a taxa de
homicdio se referem a dois estgios importantes
no ciclo da vida das pessoas, poderia-se usar,
para completar esse ciclo, alguma varivel
de sade que fosse mais importante para as
pessoas idosas. Segundo o Ministrio da Sade
Brasileiro (dados de 2007), doenas circulatrias
constituem 32,2% das causas totais de morte,
seguidas de cncer com 16,7%. Em termos
ideais, poderamos ter trs variveis para a
sade refetindo diferentes estgios na vida das
pessoas. A varivel mortalidade causada por
doenas circulatrias disponvel anualmente
no nvel municipal pelo Datasus. No entanto,
288 PARTE 4 | ndices de Desenvolvimento Humano
a estratgia ideal de combinao de variveis
de natureza generacional no parece ser vivel
nesse momento, pela falta de atualizao da
varivel taxa de homicdio. Por essa razo,
decidiu-se aqui concentrar o foco do estudo na
rea da sade, na busca de uma varivel fuxo
proxy para a expectativa de vida como medida
sumria de todas as variveis, assim como no
IDH original.
EDUcAO
A dimenso educao ou conhecimento
utilizou nos ltimos anos a combinao das
variveis taxa de alfabetizao dos adultos e
taxa de matrculas combinadas. Essas foram
substitudas no RDH 2010, respectivamente,
pelas variveis anos mdios de estudo e anos
esperados de estudo (tambm conhecido como
esperana de vida escolar). Essa ltima mudan-
a representou um avano. Essas novas variveis,
principalmente a esperana de vida escolar, re-
fetem melhor aspectos de efcincia interna do
sistema educacional. Ou seja, tratam de alguns
aspectos qualitativos dos sistemas educacio-
nais. No entanto, preciso reconhecer que ainda
falta muito para que tenhamos uma ideia do
valor da educao como componente intrnse-
co do desenvolvimento humano. Para tal, seria
preciso que estivssemos em posio de tratar
da qualidade da educao como varivel-chave
para o monitoramento do desenvolvimento hu-
mano de um pas. Infelizmente esses dados no
existem para o mundo.
Mas no Brasil essa realidade diferente. O pas
avanou muito no monitoramento da educao
e de sua qualidade nos ltimos anos. Entre
tantos indicadores desenvolvidos pelo Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Ansio Teixeira (INEP), podemos citar o ndice
de Desenvolvimento da Educao Bsica (IDEB),
que desde 2005 vem sendo estimado a cada dois
anos. O IDEB consiste em duas variveis: a taxa
de aprovao e os resultados da Prova Brasil
ou Sistema de Avaliao Bsica (SAEB) para
as municipalidades. A primeira medida capta
o fuxo escolar, e a segunda, a profcincia dos
alunos. O IDEB o valor da multiplicao das
duas variveis, signifcando um peso igualmente
distribudo entre elas
21
. As vantagens no uso do
IDEB como um ndice de medida da qualidade
da educao no IDHM-CP so mltiplas:
1. O IDEB mede nveis de realizao escolar
em vez de simplesmente o nvel de acesso,
diferentemente da taxa de matrcula escolar;
2. O IDEB capta nveis educacionais maiores
do que simplesmente o que revelado pela taxa
de alfabetizao;
3. O IDEB calculado a cada dois anos, sendo
muito mais frequente do que os dados do Censo,
possibilitando um monitoramento de fuxo dos
avanos da educao;
4. O IDEB j utilizado para a alocao de re-
cursos governamentais extra para a educao
22
.
Por essas razes o uso do IDEB como
parmetro amplo de qualidade da educao no
Brasil parece ser um candidato natural para a
representao do IDHM-CP no pas.
REnDA
A medida de um padro de vida descente
sempre foi mensurada por noes de produto
ou renda no IDH. Recentemente, para o IDH
global de 2010, substituiu-se a varivel PIB
pela varivel Renda Nacional Bruta (RNB),
destacando o aspecto renda (mais prximo
dos recursos que as pessoas tm disponveis
para gastar) e nacional (levando em conta
os recursos que fcam nas mos das pessoas
nacionais de determinado pas). Permanece,
no entanto, o fato de que a renda, por ser uma
varivel instrumental (o que na linguagem do
desenvolvimento humano signifca que no
um fm em si mesma e por isso possui status
reduzido em relao s outras duas dimenses
do IDH), precisa ser corrigida. No caso, usa-se
uma transformao logartmica para mostrar
como um padro de vida decente possvel sem
grandes quantidades de recursos.
| 289
O problema maior que para uma varivel
instrumental fca difcil justifcar a existncia de
desigualdades. Por isso, o maior desafo na di-
menso renda a questo distributiva (no que
tambm no seja importante para as demais).
O mtodo proposto por Foster, Lopez-Calva e
Szekely (2003) permite diferentes formulaes
para taxas de desconto (que so coefcientes
de averso a desigualdade) baseadas em julga-
mentos ticos sobre a medida de desigualdade
de Atkinson. Uma das propriedades mais rele-
vantes dessa medida, como j discutido anteri-
ormente, a sua consistncia entre subgrupos.
Essa propriedade relevante quando pensamos
em valores municipais consistentes com maio-
res nveis de agregao.
DEFiNio DE iNDiCADorES
A busca por indicadores foi a etapa mais
difcil do trabalho. o momento em que os ideais
tericos e conceituais devem ser abandonados
em prol daquilo que factvel em funo da
disponibilidade dos dados. O resultado sempre
apresenta limitaes, mas representa um
comprometimento entre o mundo do desejvel
e o mundo do possvel em favor de instrumentos
que sejam melhores em comparao com os
existentes.
Sade
A busca por indicadores possveis para o
IDHM-CP comeou com um levantamento
sobre as variveis de sade relacionadas
expectativa de vida ao nascer. A medida mais
popular encontrada na literatura como proxy
expectativa de vida a taxa de mortalidade
infantil abaixo de um ano de idade (TMI-1 ver
Murray, 1988). Essa mesma medida indicada
pela OPAS (Organizao Pan-Americana de
Sade) como referncia para o monitoramento
dos Objetivos de Desenvolvimento do Milnio
(ODMs), adotados pelo Governo Brasileiro. Essa
varivel tambm utilizada no monitoramento
adotado pela CNM (Confederao Nacional
de Municpios). Alm disso, esses dados esto
disponveis em bases anuais e regulares para a
grande maioria dos municpios brasileiros.
Utilizando-se os dados do Censo Municipal
de 2000, realizamos anlises empricas para
testar a correlao entre a expectativa de vida
ao nascer (Grfcos 15.1 e 15.2) e as taxas de
mortalidade abaixo de um e de cinco anos. Os
resultados corroboram os indcios tericos:
tanto a TMI-1 como a TMI-5 so fortemente
correlacionadas expectativa de vida no Brasil,
com coefcientes R2 ajustados na faixa de 90%.
Foram tambm utilizadas verses logartmicas
para estudar a relao entre a expectativa de
vida e a mortalidade infantil, mas os resultados
permaneceram inalterados.
Isso no signifca, entretanto, que a taxa de
mortalidade infantil seja o indicador que melhor
refita a expectativa de vida, mas mediante a
disponibilidade de dados, ele parece ser o mais
vivel. Essa escolha, no entanto, no isenta
de difculdades. Grande parte dos municpios
grfico 15.1 Mortalidade infantil X
Esperana de vida ao nascer
Mortalidade Infantil
Esperana de vida
0 50 100
E
s
p
e
r
a
n
a
d
e
v
i
d
a
55
60
65
70
75
80
Nota: Mortalidade infantil (por mil nascidos vivos) e Esperana de vida ao nascer - Ano
Fonte:Esperana de vida ao nascer: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil
2000, para 1991-2000; TMI-1- Mortalidade infantil (por mil nascidos vivos): Atlas do
Desenvolvimento Humano no Brasil 2000, para 1991-2000;
Dados extrados do Ipeadata (www.ipeadata.gov.br)
290 PARTE 4 | ndices de Desenvolvimento Humano
brasileiros tem populaes pequenas. Destes,
70% possuem uma populao inferior a 20
mil habitantes. O problema que, para estes,
a taxa de mortalidade infantil tem grande
variabilidade de um ano para outro, incluindo
oscilaes bruscas de natureza aleatria
23
.
O primeiro passo para tentar entender esse
problema foi estudar o perfl dessa variabilidade
por uma anlise simples das varincias das
taxas de mortalidade infantil. Para isso, utilizou-
se o coefciente de variao (que a varincia
dividida pela mdia de uma distribuio, que
elimina o efeito de estarmos trabalhando com
municpios muito grandes e muito pequenos)
para classifcar as cidades (Tabela 15.1).
Estudou-se ento a possibilidade de
usarmos dados bianuais (atravs de mdias
2004-2005, 2006-2007, 2008-2009) para a
reduo do coefciente de variao. Ao mesmo
tempo (Tabela 15.2), desagregamos ainda mais
as cidades segundo suas faixas populacionais
para identifcar com mais preciso onde existe
a maior variabilidade nas taxas de mortalidade.
O uso dos dados bianuais reduziu em at
22% a variabilidade nas classes de cidades com
menores populaes (o ganho decrescente,
mas efetivo para todas as classes de cidade),
conferindo mais confabilidade aos dados
utilizados. Considerando como indesejvel
aquelas distribuies com coefciente de
variao superior a 1, poderamos excluir
Faixa da
Populao
Mdia
Coefciente de
variao
N de
Municpios
< 5 mil 1,12 1.257
5 - 10 mil 0,75 1.292
10 - 15 mil 0,57 830
15 - 25 mil 0,46 884
25 - 50 mil 0,36 710
50 - 80 mil 0,27 237
80 - 100 mil 0,21 80
100 - 500 mil 0,17 233
> 500 mil 0,09 40
Tabela 15.1 Taxa de Mortalidade
Infantil Anual (2005-2008)
E
s
p
e
r
a
n
a
d
e
v
i
d
a
55
60
65
70
75
80
grfico 15.2 Mortalidade at cinco anos
de idade X Esperana de vida ao nascer
Mortalidade Infantil at 5 anos
50 150 100 0
Nota: Mortalidade at cinco anos de idade (por mil nascidos vivos) e Esperana de vida
ao nascer - Ano
Fonte: Esperana de vida ao nascer: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 2000,
para 1991-2000; TMI-5: Mortalidade at cinco anos de idade (por mil nascidos vivos)
Dados extrados do Ipeadata (www.ipeadata.gov.br)
Populao Mdia de
Coef. 2004
2008
Mdia
de Coef.
Bianual
N de
Municpios
< 2 mil 1,32 1,03 103
2 - 5 mil 1,21 0,96 1154
5 - 10 mil 0,84 0,67 1292
10 - 15 mil 0,61 0,48 830
15 - 25 mil 0,47 0,38 884
25 - 50 mil 0,37 0,30 710
50 - 100 mil 0,26 0,22 317
> 100 mil 0,17 0,15 273
Coefciente: Desvio Padro / Mdia Taxa de Mort. Infantil
Tabela 15.2 Taxa de Mortalidade
Infantil mdias anuais vs bianuais
| 291
aproximadamente 800 municpios da
composio, se o fenmeno da variabilidade
quisesse ser signifcativamente reduzido. Por
outro lado, como mostra a histria do IDH
mundial, vista no captulo anterior, sempre
que se evidenciam as limitaes dos dados de
maneira direta, d-se um grande incentivo para
a sua melhoria.
Com esses resultados positivos, passou-se a
uma anlise dos parmetros para a padronizao
dos dados de taxa de mortalidade infantil. Para
tal, fez-se necessrio transformar o indicador
de mortalidade infantil, que um indicador de
privao, em um indicador de desenvolvimento,
baseado em realizaes (assim como a
expectativa de vida ao nascer). Assim, aplicou-
se uma frmula simples, calculando um ndice
de Realizao de Sade Infantil (ISI), como proxy
para a expectativa de vida, consistindo em:
Nas novas orientaes dadas pelo RDH 2010,
abandonou-se o uso de postos fxos para a
utilizao de postos variveis, isto , para a
defnio dos parmetros mximos e mnimos
nas dimenses do IDH com base naqueles valores
observveis. Para isso, analisamos as bases de
dados das taxas de mortalidade infantil abaixo
de um ano do Banco Mundial (2005 e 2007), da
Organizao Mundial da Sade (2005 e 2008)
e do prprio Relatrio de Desenvolvimento
Humano de 2010. Correlacionamos a taxa de
mortalidade infantil e expectativa de vida
nessas bases, procurando identifcar tambm
os seus valores mximos e mnimos (ver Grfco
15.3 apenas como uma ilustrao).
A opo pelo uso de postos variveis
internacionais refora a proximidade entre esse
indicador e o IDH Global. No entanto, deve-se
considerar em estudos futuros o uso de valores
mximos e mnimos observados no Brasil,
no mbito dos municpios, como uma sria
alternativa ao proposto aqui. A desvantagem
dessa opo metodolgica seria somente a
difculdade de comparabilidade internacional
(principalmente naquelas dimenses que so
similares, como a da sade e da renda), que
uma medida normalizada com parmetros
exclusivamente nacionais produziria.
grficos 15.3 Correlao entre expectativa de vida e mortalidade infantil 2005 e 2007
Mortalidade infantil (por 1.000 nascidos vivos) Mortalidade infantil (por 1.000 nascidos vivos)
E
x
p
e
c
t
a
t
i
v
a
d
e
v
i
d
a
(
a
n
o
s
)
E
x
p
e
c
t
a
t
i
v
a
d
e
v
i
d
a
(
a
n
o
s
)
0 0 50 50
20 20
40 40
60 60
80 80
100 100 250 250 200 200
2005 2007
TMI
1000
ISI
=
1
292 PARTE 4 | ndices de Desenvolvimento Humano
Os valores observados na srie do Banco
Mundial sugeriram nos respectivos anos citados
valores de 41 e 43 anos de idade como padres
mnimos. No entanto, no RDH 2010, utiliza-se um
valor de expectativa de vida de 20 anos. Seguin-
do o mesmo raciocnio, projetamos uma linha
de tendncia compatvel com esses 20 anos es-
tabelecimos como parmetro mnimo no RDH
mundial para a expectativa de vida em termos
de taxa de mortalidade infantil. Chegamos as-
sim aos valores de 180 para 2005 e 176 para 2007.
Trabalhamos tambm com os dados da Or-
ganizao Mundial da Sade (2005 e 2008), cuja
taxa de mortalidade infantil mxima encon-
trada foi de 165 (para o Afeganisto) e a distri-
buio das frequncias mnimas concentraram-
se entre 2 e 6; a moda para esses anos igual a 4
mortes por mil nascidos vivos.
No RDH 2010, encontramos dados sobre mor-
talidade infantil com referncia ao ano de 2008.
A taxa de mortalidade mxima foi de 165 por
mil nascidos vivos (no Afeganisto), enquanto
o mnimo foi defnido por Mnaco com 1 morte
por mil nascidos vivos. O estudo dos histogram-
as revelou que, assim como nos casos anteriores,
a taxa inferior concentra-se entre 2 e 6, com a
moda na faixa de 3 mortes para cada mil nasci-
dos vivos, conforme mostra o Grfco 15.4.
grfico 15.4 Distribuio taxa de
mortalidade Infantil
15
10
5
0
0 20 40 60 80 100 120 140 160
Fonte: Relatrio de Desenvolvimento Humano: a verdadeira riqueza das
naes (2010)
Taxa de Mortalidade Infantil
Taxa de Mortalidade Infantil nos pases em 2008
F
r
e
q
u
n
c
i
a
Levando em considerao todas essas bases
de dados e a metodologia de postos variveis
sugerida pelo RDH 2010, optou-se trabalhar com
o mximo observado de 165 de TMI-1, observado
no Afeganisto, e o mnimo de 3, que a moda
do RDH 2010. Cabe lembrar que no processo de
normalizao ou padronizao do IDH, fazendo
uso do procedimento de mdias geomtricas
utilizado aqui, os parmetros mais importantes
so os mnimos, dado o menor efeito dos postos
mximos.
EDUcAO
O objetivo da dimenso educao tratar da
qualidade. Para isso, buscou-se apoio do INEP
para o uso de uma estatstica que pudesse ser til
no nvel dos municpios e desse um panorama
mais geral sobre a evoluo da qualidade da
educao no Brasil. A ideia de usar o IDEB no foi
controversa, e a questo mais discutida foi sobre
como usar o IDEB. Inicialmente, pensvamos
em normalizar os dados do IDEB diretamente,
usando os resultados dos anos iniciais (1a a 4a
sries) e fnais (5a a 8a sries), com a agregao
feita no fnal por meio de uma mdia simples
(seguindo o modo operandis anterior do IDH).
Esse indicador teria a propriedade de ser sensvel
ao fuxo, variando de um ano para o outro com
mais facilidade.
No entanto, a sugesto dada pelo INEP
provou ser mais intuitiva: levar em considerao
o percentual de matrculas das escolas que
atingiram a meta do IDEB (6 para o pas, mas
fxado para cada escola em funo de suas
particularidades). A frmula sugerida pode ser
traduzida por:
n de matrculas de 1
a
a 4
a
sries das escolas que
atingiram a meta + n de matrculas de 5
a
a 8
a
sries
das escolas que atingiram a meta
n de matrculas de 1
a
a 4
a
sries das escolas que
possuem IDEB para anos iniciais + n de matrculas
de 5
a
a 8
a
sries das escolas que possuem IDEB
para anos fnais
| 293
Se por um lado essa frmula possui uma
fundamentao dicotmica (atingiu ou no a
meta; ou zero, ou 1), ela expressa os resultados
de modo muito intuitivo, seguindo os preceitos
do IDH como argumentados por Mahbub ul Haq.
Para o clculo da frmula citada, precisamos
confrontar notas do IDEB com metas previstas.
Infelizmente isso no possvel para o ano
de 2005. Estimativas realizadas projetando
inversamente essas metas a partir das
tendncias existentes apresentaram um nvel
muito elevado de escolas atingindo a meta em
2005. Por essa razo, considerou-se usar apenas
os dados dos anos de 2007 e 2009.
Seguindo a mesma linha de anlise da TMI-1,
calculamos os coefcientes de variao para o IDEB,
que teve uma taxa mdia bastante baixa, 0,31. No
entanto, esta mais alta, se considerarmos a al-
ternativa de medir a evoluo da educao pelos
resultados do IDEB para os anos iniciais e fnais
(respectivamente com coefcientes de variao
de 0,10 e 0,08). As estimativas utilizadas foram
realizadas a partir da frmula sugerida pelo INEP,
por estar em consonncia com os princpios de
transparncia e comunicabilidade do IDH.
REnDA
O clculo da renda municipal foi feito atravs
dos dados, produzidos pelo IBGE, que medem o
produto interno bruto per capita dos municpios.
Para a defnio dos valores mximos e mnimos,
utilizaram-se parmetros internacionais fxados
pelo RDH de 2010, convertidos em paridade de
poder de compra do ano de 2007
25
, com o mximo
sendo indicado pela renda dos Emirados rabes,
tomando como ano de referncia 1980 (no valor
de US$ PPC 108.211 convertidos em R$ 194.275).
O valor mnimo foi fxado pelo do Zimbbue,
usando 2008 como ano de referncia (no valor
de US$ PPC 163 convertidos em R$ 221). Mesmo
sabendo que os dados municipais so de
produto e os parmetros internacionais so de
renda, procedemos com esse clculo pelo fato
de que no agregado para o Brasil a diferena
entre eles de apenas 2,2% (para valores de PIB
pc PPC de US$ 10.846.672 e RNB pc PPC de US$
10.606.974). Seria muito arbitrrio fxar de outro
modo os valores mximos e mnimos para os
postos sem referncia do IDH internacional.
As limitaes do uso do conceito de PIB
(independentemente da questo distributiva)
so bem conhecidas. Em particular, essa medida
no leva em considerao as transferncias feitas
entre residentes e no residentes. Entretanto,
parece ser a nica disponvel para ser usada em
bases regulares.
De todas as questes referentes ao gerencia-
mento de dados, pode-se notar que a que mere-
ceu mais ateno foi a sade, devido escolha
de uma proxy para a varivel expectativa de vida
ao nascer e pelo tratamento da alta volatilidade
desse indicador em municpios com populaes
pequenas. Isso no signifca que a escolha da
varivel a ser usada para a educao tenha sido
tarefa fcil, mas fomos imensamente benefcia-
dos pela cooperao com o INEP, que apontou
uma medida com sentido gerencial para a educa-
o brasileira, de natureza simples e de fcil co-
municao. A inexistncia de opes para a medi-
da da renda facilitou o trabalho nessa dimenso.
Dos 5.564 municpios da base de dados,
sugere-se a excluso de 475 (8,5%). Destes, 187
so municpios no elegveis ao IDEB, outros 287
municpios tm coefciente IDEB igual a zero.
Por fm, cabe mencionar que apenas 1 municpio
no tem dados para a sade. A partir disso foram
formuladas as categorias de desenvolvimento
humano para o Brasil, utilizando-se a nova
metodologia de agrupamento sugerida pelo
RDH 2010. No faria sentido aqui utilizar
esses parmetros internacionais, uma vez
que as variveis utilizadas so diferentes.
No entanto, os resultados preliminarmente
obtidos sinalizam faixas de classifcao muito
intuitivas. Na Tabela 15.3 se encontram as faixas
do IDH-M por categoria de desenvolvimento
humano, seguindo-se o novo tratamento dado
de agrupamento por quartis.
294 PARTE 4 | ndices de Desenvolvimento Humano
O IDHM-CP pode ser calculado com base nos
padres de normalizao e agregao propostos
pelo RDH Global 2010, isto , utilizando postos
variveis e mdias geomtricas. A vantagem
dessa utilizao a reduo do grau de
arbitrariedade na seleo dos postos e a
diminuio do grau de substitutibilidade entre
as diferentes dimenses do IDH.
ANliSE PrElimiNAr
DoS DADoS
Uma vez defnidos os subgrupos ou faixas
de desenvolvimento humano para o pas,
dentro da perspectiva do IDHM-CP, foram
realizadas anlises para melhor compreender o
desempenho dos indicadores utilizados. Dessa
forma, foram defnidos trs perodos, 2004-2005,
2006-2007 e 2008-2009. No entanto, como o
teste com as metas do IDEB para o ano de 2005
no produziu boas estimativas, resolvemos no
utilizar esse primeiro binio. Diferentemente,
no foi possvel constituir a ltima srie 2008-
2009, pois os dados de PIB municipal somente
so publicados pelo IBGE ao fnal do ano. Mas
sabendo que esse um estudo experimental, sem
consequncias prticas, alm de subsidiar uma
proposta de trabalho futuro para a construo
de um IDHM-CP, resolvemos analisar os dados
do binio 2006-2007 para entender melhor sua
natureza. Dentro desse contexto, aproveitamos
para verifcar as tendncias daqueles dados que
se encontram disponveis e que fazem parte do
estudo.
Faixa no IDH Min Max.
Muito Elevado 0,7237 0,9865
Elevado 0,6516 0,7245
Mdio 0,5837 0,6524
Baixo 0,1944 0,5843
Tabela 15.3 Faixas do IDHM-CP
Como avaliado anteriormente, optou-se
por focalizar este trabalho na resoluo de trs
questes principais, : a escolha de variveis que
representem melhor o progresso de curto prazo
das dimenses tratadas pelo IDHM (em outras
palavras, a substituio de variveis estoque
por variveis fuxo); a introduo de aspectos
qualitativos na dimenso conhecimento/
educao do IDHM; e, por fm, o tratamento
de aspectos distributivos nas trs dimenses,
respondendo a uma antiga aspirao na
construo do IDH, tratada pelos RDHs Global e
Latinoamericano de 2010. No entanto, como no
dispomos de bases de microdados para o uso da
mesma tcnica empregada nesses relatrios,
utilizamos o procedimento adotado pelo PNUD
Mxico em 2002, contando com a colaborao
dos colegas mexicanos para a produo dos
indicadores corrigidos para o Brasil.
DISTRIBUIO
A mdia dos dados Brasileiros para o IDHM-
CP para o binio 2006/2007 registra um valor de
0,648, o que uma boa notcia, pois sinaliza que
estamos operando dentro de uma escala similar
ao novo IDH proposto pelo RDH Global. Mesmo
que os indicadores Global e IDHM-CP sejam,
estritamente falando, incomparveis (uma vez
que possuem variveis diferentes), a intuio
que eles carregam sobre a relao entre a escala
utilizada e o nvel de desenvolvimento humano
semelhante, como pode ser visto na Tabela 15.4.
Faixa no IDH IDHM-CP
Muito Elevado 0,772
Elevado 0,687
Mdio 0,620
Baixo 0,511
Brasil 0,648
Tabela 15.4 Valores Mdios
IDHM-CP para faixas
| 295
A distribuio de todos os IDHM-CP mostra
tambm caractersticas importantes da
dinmica de movimentao do IDH resultante
do processo de normalizao (padronizao),
como disposto pelo Grfco 15.5. O IDH sobe
mais rapidamente para cidades com o IDH mais
baixo, depois o impacto decresce chegando
para nveis mais altos a uma pequena faixa de
retornos crescentes. Essa propriedade do IDH
mantida, operando-se dentro das variveis e
escalas propostas por esse estudo.
grfico 15.5 Distribuio dos IDHM-CP
0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1,0
IDHM - CP 2006-20007
F
r
e
q
u
n
c
i
a
0
10
20
30
PIB Mdio pc (R$ )
Faixa no IDHM 2004 2005 2006 2007
Muito Elevado 8,567 8,190 8,313 9,121
Elevado 4,795 4,671 4,822 5,191
Mdio 3,326 3,288 3,417 3,727
Baixo 2,660 2,703 2,804 3,059
Brasil 4,836 4,713 4,839 5,274
Fonte: IBGE
Tabela 15.5 Evoluo do PIB Mdio
per capita para os Municpios
(R$ de 2000 - ajustados pelo Defator
Implcito do PIB nacional)
EVOLUO
Neste estudo, tentamos construir trs sries
para o IDHM-CP, baseada no conceito de binios
para a diminuio da variabilidade das taxas de
mortalidade infantil e articulao com as notas
do IDEB (2005, 2007 e 2009). No entanto, no
conseguimos fechar essas trs sries municipais
por problemas com as estimativas de metas do
IDEB para 2005 e porque os dados da renda do
IBGE para 2008 ainda no estavam disponveis
no fechamento desse estudo. Dessa forma,
podemos observar a evoluo separada dessas
variveis para um melhor entendimento do que
o ndice proposto envolve.
Quando olhamos para a evoluo do PIB pc
mdio por faixa de IDHM (Tabela 15.5 e Grfco
15.6), percebemos uma tendncia geral positiva
que se manifesta de modo mais consistente nos
municpios com o IDHM-CP baixo.
Podemos tambm apreciar a magnitude da
desigualdade do IDHM-CP entre grupos, com o
grupo de IDHM-CP mais baixo apresentando um
PIB mdio de R$ 3.059 em 2007, em comparao
com o do grupo mais alto (IDHM-CP muito
elevado) de R$ 9.121. O clculo especfco entre
grupos seguindo a metodologia de Foster, Lopez-
Calva e Szekely (2003) apresentado abaixo para
todas as dimenses.
296 PARTE 4 | ndices de Desenvolvimento Humano
Muito elevado
Elevado
2
4
6
8
10
2004 2005 2006 2007
Mdio
Baixo
Brasil
grfico 15.6 PIB per capita
mdio municipal por faixa de
desenvolvimento humano (a preos
constantes de 2000)
A srie histrica para o coefciente IDEB
bastante limitada, mas podemos notar no
Grfco 15.7 certo movimento de convergncia
entre grupos do IDHM-CP, chamando ateno
para o aumento signifcativo do coefciente
IDEB para o grupo de IDHM mais baixo. Como
as metas IDEB so defnidas em funo das
trajetrias particulares de cada grupo, deve-
se esperar certo nvel de futuao a cada novo
exame por se tratarem de eventos que podem
oscilar em funo das difculdades especfcas
para o cumprimento das metas (que so mveis)
para cada ano.
A taxa de mortalidade infantil abaixo de 1
ano mostra uma tendncia decrescente para
todos os grupos do IDHM. Diferentemente do
esperado, no encontramos grande diferencial
de oscilao, dentro das faixas do IDHM, que
indicasse menor confabilidade nos resultados
do grupo de IDHM mais baixo. Isso no quer
Muito elevado
Elevado
0
0,9
0,8
0,7
0,6
0,5
0,4
0,3
0,2
0,1
1,0
2007 2009
Mdio
Baixo
Brasil
grfico 15.7 Evoluo do IDHM-CP
baseado no Coefciente IDEB
Muito elevado
Elevado
0
5
10
15
25
20
2004 2005 2006 2007 2008
Mdio
Baixo
Brasil
grfico 15.8 Evoluo da Taxa de
Mortalidade Infantil (TMI-1)
| 297
dizer que uma deciso importante no deva ser
tomada na elaborao desse indicador sobre o
nmero de outliers
26
a ser escolhido em funo
dos resultados dos prximos anos.
Diferentemente da renda, no encontramos
aqui grandes desigualdades na evoluo da
mortalidade infantil dentro das faixas do IDHM,
como pode ser visto na Tabela 15.5. Apesar de
encontrarmos um nmero menor de mortes
infantis no grupo de municpios de IDHM mais
elevado, no detectamos grandes diferenas
entre os demais grupos. importante notar que
aqui tambm parece existir um certo processo
de convergncia entre esses nmeros, tal como
encontramos anteriormente na dimenso
educao (diferentemente do que parece
acontecer na dimenso renda).
DESIgUALDADE
Uma anlise de desigualdade mais rigorosa
foi feita utilizando o processo de mdias
generalizadas utilizado tanto pelo RDH Regional
Latinoamericano 2010 como pelo RDH Global
2010. Contamos aqui com o apoio do escritrio
do PNUD Mxico, que realizou esses estudos de
correo dos IDHs em funo da desigualdade
de suas distribuies j no seu RDH nacional
Evoluo da taxa de
mortalidade infantil
Faixa no
IDHM 2004 2005 2006 2007 2008
Muito
Elevado
16,45 14,75 12,88 12,52 13,81
Elevado 18,70 17,06 17,04 16,05 16,48
Mdio 19,68 18,56 19,30 17,83 16,66
Baixo 20,36 19,95 21,29 19,78 17,39
Brasil 18,80 17,58 17,63 16,55 16,08
Fonte: IBGE
Tabela 15.5 Evoluo da TMI-1
de 2002. Como naquele estudo no contamos
com o uso de microdados, fzemos a correo
das dimenses de acordo com os valores
encontrados para os municpios. Isso signifca
que registramos nesse clculo apenas as
desigualdades intermunicipais, deixando
de lado, por falta de dados estatsticos, as
desigualdades intramunicipais, que acontecem,
por exemplo, entre indivduos, domiclios,
bairros etc.
O Grfco 15.9 mostra como o clculo do
IDHM corrigido pela desigualdade sensvel
escolha do parmetro e, que indica o grau de
intolerncia desigualdade. Quanto maior o e,
maior a penalizao, o desconto que se d ao
IDH devido desigualdade encontrada dentro
de cada uma das dimenses, infuenciado
principalmente pela dimenso educao.
Sade
Educao
1,00
0,76
0,88
0,64
0,52
0,40
Renda
IDH
grfico 15.9 IDHM Brasil
(mdias generalizadas)
e=0 e=0,5 e=1 e=2 e=3
298 PARTE 4 | ndices de Desenvolvimento Humano
O grfco 15.10 mostra os resultados
agregados para as diferentes regies do pas. Os
IDHMs das regies sudeste e norte parecem ser
mais penalizados medida que maiores valores
para o e so escolhidos. Para o parmetro de e
at a faixa de 1, como escolhido pelo RDH Global
2010, as variaes parecem ser mais ponderadas,
sem grandes diferenas. Isso acontece tanto
entre dimenses como entre regies.
Centro-Oeste
Norte
e=0 e=0,5 e=1 e=2 e=3
Nordeste
Sudeste
Sul
grfico 15.10 IDHM-CP ajustado
desigualdade por regies
para 2006-2007
0,500
0,450
0,600
0,650
0,700
0,750
0,550
IDH-D
rEComENDAES
Os estudos preliminares realizados sobre a
base de dados formada para o IDHM-CP mostr-
aram que possvel constituir uma leitura do
ndice de desenvolvimento humano de carter
municipal para 5.089 municpios que refita
progressos captados em curto prazo. Esse in-
dicador deve ser importante para o Brasil, pois
o pas tem mostrado avanos signifcativos de
natureza de curto prazo. Talvez essa necessidade
no se faa sentir durante o ano de 2011 ou de
2012, quando haver a divulgao dos dados
atualizados do Censo Brasileiro e, consequent-
emente, a atualizao do IDHM tradicional ou
de LP. Porm, seguramente voltar a ser uma
questo que ocupar elevado grau de importn-
cia na agenda governamental, na mesma in-
tensidade ou maior do que as dos dias atuais, a
menos que os Censos Brasileiros passem a ser
feitos dentro de uma periodicidade inferior a
dez anos. Todavia, no sendo este o caso, torna-
se importante a elaborao de uma verso de
curto prazo do IDHM que sirva para um melhor
monitoramento e avaliao das polticas sociais,
assim como para o registro dos avanos do pas
de modo mais sistematizado.
As bases de dados utilizadas possuem
algumas limitaes. Procuramos aqui indicar
o limite do possvel dentro de cada varivel
utilizada e desse modo prover subsdios para
a elaborao do IDHM-CP no momento mais
apropriado. Agrupamos os dados de nosso
estudo para que os municpios no fossem
identifcados, resguardando com isso o carter
tcnico deste documento. As principais
recomendaes de nosso estudo so:
1) Utilizar a TMI-1 como varivel fuxo na
dimenso sade do IDHM-CP, mas com clculo
por binios, para diminuir a oscilao existente
nos municpios menores. Decidir sobre a escolha
de outliers (aproximadamente 800) ou no. Uma
alternativa a considerar a taxa de mortalidade
linear como substituto para a TMI-1, mas estudos
| 299
Quadro 15.1 O IDHM tradicional ou de longo prazo
Considerando a publicao do Censo Brasileiro 2010 ser possvel calcular o IDHM tradicional
(de longo prazo) em 2011 devido disponibilidade de novas informaes para todos os municpios
brasileiros. A produo desses novos indicadores de suma importncia, pois atravs deles possvel
traar comparaes com os IDHMs calculados para os anos de 2000 e 1990.
A base do IDH tradicional (IDHM-LP) formulada a partir de variveis de longo prazo. Isso
principalmente o caso das variveis expectativa de vida ao nascer, taxa de alfabetizao e taxa de
matrcula combinada. Os dados censitrios so tambm calculados nesse horizonte e nessa perspectiva.
Cabe, no entanto, notar que os novos parmetros introduzidos pelo RDH Global de 2010, sugerem um
tratamento diferenciado ao IDHM-LP que deve ser calculado levando em conta:
1. novas variveis no IDH Global: principalmente tratando-se da dimenso educao, formulada a
partir de anos mdios de estudo e anos esperados de estudo. Como essas sries no existem para
o Brasil h muito tempo, possivelmente tenha que se estudar uma proxy para elas dentro do IDHM-
LP. Como elas se diferenciam mais do que as variveis anteriores de alfabetizao e taxa de matrcula,
importante a busca de parmetros que tratem da qualidade do sistema educacional e do gap
intergeneracional existente mesmo que atravs de outros indicadores;
2. nova padronizao: a grande questo a ser estudada aqui a anlise dos prs e contras de se usar
postos variveis nacionais ou internacionais (escolha dos mximos e mnimos). O elemento divisor de
guas parece ser o grau de semelhana na escala e nos agrupamentos produzidos, em comparao com
os parmetros internacionais;
3. nova agregao: seguindo o padro estabelecido pelo RDH 2010, espera-se que seja utilizado o
procedimento de mdias geomtricas para agregao intra e entre dimenses do IDHM-LP;
Uma questo no trivial diz respeito ao nvel de interatividade permitido no uso do Atlas do
Desenvolvimento Humano. O RDH 2010 estabeleceu parmetros de interatividade no site, as quais
sugerem novas formas de uso do Atlas, permitindo um maior nvel de escolha aos usurios.
adicionais sero necessrios;
2) Utilizar o coefciente IDEB para a dimenso
educao, introduzindo no IDHM-CP brasileiro
uma preocupao central com a qualidade
da educao no pas em consonncia com as
diretrizes do Governo Brasileiro;
3) Utilizar o modelo de correo com e
=1 para ajustar o IDHM-CP s desigualdades
encontradas dentro dos municpios para cada
estado da Federao. Essas correes no seriam
encontradas para os municpios, mas sim para
os estados.
Esperamos que essa contribuio de natureza
preliminar e exploratria seja til dentro de um
processo de discusso que leve formao de
um IDHM-CP para o Brasil.
O ndice de Valores Humanos (IVH):
Proposta Metodolgica
| 301
O ndice de Valores Humanos (IVH):
Proposta Metodolgica
16
302 PARTE 4 | ndices de Desenvolvimento Humano
O mandato conferido pela campanha Brasil
Ponto a Ponto, que defniu o tema valores huma-
nos como o escolhido para este relatrio estimu-
lou no somente a realizao da pesquisa Perfl dos
Valores dos Brasileiros, objeto do Captulo 9 deste
documento, mas tambm a tentativa de inovao
na criao de um novo indicador que pudesse le-
var em conta o relato das vivncias dos valores das
pessoas. A proposta de trazer para a discusso
a importncia dos valores humanos para os pro-
cessos de desenvolvimento. Se esses valores so
importantes natural que investiguemos como
afetam as reas defnidas e consensuadas pelo n-
dice de Desenvolvimento Humano (IDH).
Outros Relatrios de Desenvolvimento Hu-
mano Latino americanos j discutiram questes
relacionadas a valores, como o Relatrio do
Mxico de 2004 sobre Desenvolvimento Local, o
Relatrio do Uruguai de 2008 sobre a importn-
cia dos processes na avaliao do Desenvolvim-
ento Humano, o Relatrio do Peru de 2009 sobre
a Densidade do Estado e o Relatrio do Chile de
2008 sobre Desenvolvimento Rural que enfa-
tizou o papel da subjetividade dos indivduos
na construo de uma perspectiva inclusiva de
desenvolvimento. De certo modo, o tema va-
lores humanos j tem sido parte de muitas dis-
cusses encontradas nos Relatrios de Desen-
volvimento Humano nacionais.
A Abordagem das Capacitaes
27
, que fun-
damenta a perspectiva de Desenvolvimento
Humano, destaca que a formao de valores
parte intrnseca dos processos de desenvolvim-
ento. De fato, o que vimos neste Relatrio como
o desempenho de crianas e jovens nas escolas e
uma cultura de paz nos lares e nas ruas depende
da presena de valores sociais nas aes das pes-
soas. A elaborao de um indicador que capte
essas nuances normativas no uma tarefa
trivial, mas este Relatrio realizou vrios estu-
dos que mostram como esse trabalho possvel.
Nesse captulo, apresentamos as principais jus-
tifcativas e a metodologia para a elaborao de
um ndice de Valores Humanos chamado de IVH.
JuSTiFiCATivA
O propsito desta nova metodologia :
Ter um indicador que fale da relao entre
valores e o desenvolvimento humano, tal como
consensuado pelo ndice de Desenvolvimento
Humano (nas dimenses sade, conhecimento
e padro de vida);
Ter um indicador que trate de processos, dos
aspectos mais qualitativos do desenvolvimento
(isso signifca que no estamos tentando medir
resultados nem avaliar instrumentos gerenciais
de polticas pblicas);
Ter um indicador mais bottom-up, constru-
do a partir de dados primrios, refetindo a opi-
nio das pessoas;
Ter um indicador que supere a dicotomia
entre objetividade e subjetividade dos espaos
informacionais, tratando subjetivamente de
questes objetivas;
Ter um indicador que fale de valores
enquanto resultados de experincias vividas .
Geralmente, os indicadores sociais tm mais
sentido para gestores pblicos do que para o
pblico em si. No IVH, procurou-se montar um
indicador cujas principais variveis fossem
intuitivas para o pblico, na medida em que elas
se constroem a partir de relatos de suas vivncias
nas reas da sade, educao e do mundo do
trabalho. Quando as pessoas so consideradas
parte da soluo e no simplesmente parte do
problema importante registrar suas vozes na
formulao da poltica pblica. Mas isso requer
um tratamento diferenciado para a questo do
uso da informao subjetiva na caracterizao
das percepes e aspiraes das pessoas. Uma
condio necessria para a produo de um
relato coerente do bem-estar humano o
tratamento de uma multiplicidade de espaos
informacionais.
A proposta de um ndice de Valores Humanos
oferece uma ampla estrutura informacional,
evitando estados mentais puramente subjetivos.
Isso possvel
28
atravs do reconhecimento
| 303
de que avaliaes morais variam muito em
funo da posio que as pessoas ocupam
quando elas esto realizando um julgamento
(esse reconhecimento foi denominado pelo
Professor Sen de objetivismo posicional). Uma
interpretao posicional da moralidade permite
diversidade de vises sem deixar-se levar pelo
subjetivismo. Ao invs disso, enfatiza que pessoas
diferentes podem divergir objetivamente em
funo das posies diferentes que eles ocupam.
Afrmaes subjetivas podem assim serem vistas
como condicionais objetivamente de acordo
com diferentes caractersticas individuais e
valores. De um ponto de vista tcnico, podemos
argumentar que as avaliaes oferecidas pelo
IVH podem ser construdas parametricamente
em funo das dimenses dadas pelos diferentes
contextos propostos pelo IDH.
Isso signifca que as interpretaes posicio-
nais no so meras opinies porque elas no
so um resultado das avaliaes soltas das pes-
soas sobre seu estado de bem-estar geral. Por
outro lado, elas no so puramente objetivas, no
sentido estrito que elas no so independentes
do que os indivduos percebem. As interpreta-
es posicionais so interpretaes que so ob-
jetivas no sentido que elas refetem uma carac-
terstica paramtrica a partir da qual as pessoas
Quadro 16.1 A crtica antecipada ao IVH
Para elaborarmos um indicador a partir dos relatos das pessoas, precisamos de algum modo confar em suas
opinies. Mas escutar as pessoas frequentemente visto com desconfana dentro do desenvolvimento humano
na hora de formar indicadores. A tradio
29
classifcar os relatos das pessoas como meras opinies, sujeitas a
distores ocasionadas pelas suas privaes. Os pobres, assim se argumenta
30
, fcam contentes com muito pouco e
no respondem corretamente a pesquisas que perguntam sua opinio sobre qualidade de vida. A mtrica subjetiva
utilitria de pouca ajuda aqui.
No entanto, recentemente essa viso tradicional do desenvolvimento humano tem sido questionada em funo
dos progressos obtidos pelas novas teorias sobre felicidade
31
. Tem-se reafrmado a necessidade de explorao
de espaos informacionais objetivos e subjetivos, o que pode ser chamado de objetivao da subjetividade ou
subjetivao da objetividade. No entanto, cada vez mais se reafrma a necessidade de testar empiricamente se as
preferncias reveladas pelas pessoas atravs de questionrios so ou no legtimas.
esto expressando suas idias e que so subjeti-
vas no sentido que so feitas pelas pessoas. Elas
fazem parte de uma estratgia informacional
pluralista que busca por uma anlise informa-
cional mais ampla na avaliao do bem-estar
humano. Nesse contexto, a razo pblica pode
ser vista como uma fonte robusta e confvel de
informaes.
ProPoSTA mEToDolGiCA
Na derivao conceitual do IVH, quatro fltros
foram utilizados:
Filtro 1: a escolha de se trabalhar com as
dimenses do IDH;
Filtro 2: a focalizao nos valores mais
importantes de acordo com o PVB (Perfl dos
Valores dos Brasileiros), nas categorias de
benevolncia e universalismo;
Filtro 3: a tentativa de se tratar de questes
levantadas no Brasil Ponto a Ponto;
Filtro 4: a necessidade de se orientar pelo
que foi produzido pela literatura na rea.
Comparando com o IDH, o IVH no um
ndice sobre caractersticas paramtricas dos
indivduos, mas, diferentemente, trata dos
relatos, vivncias e percepes das pessoas
304 PARTE 4 | ndices de Desenvolvimento Humano
sobre como valores permeiam reas do ndice
de Desenvolvimento Humano (IDH). Assim
como o IDH composto por trs subndices
sade, renda e educao so tambm trs os
componentes que compem o IVH. No caso da
sade, temos valores de respeito. No caso do
trabalho, valores de liberdade e reciprocidade.
No caso da educao, valores de convivncia.
Essas escolhas metodolgicas refetem o que j
foi produzido na literatura, tal como o estudo
clssico de Naomi Morris (1997) sobre respeito
no tratamento de pacientes
32
, o trabalho sobre
aquisio de valores e educao de valores de
Peter Silcock e Diane Duncan
33
e toda a pesquisa
feita pela Professora Ana Magnlia Mendes
na rea de Valores e Trabalho da Universidade
de Braslia. Assim, tem-se que o IVH refete
os valores de nossa sociedade nessas trs
IVH-T
IVH-E
IVH-S
IVH
dimenses: sade (IVH-S), trabalho (IVH-T) e
educao (IVH-E)
34
.
Como o ndice de Valores Humanos (IVH) a
combinao dos valores relacionados sade,
trabalho e educao, o IVH nada mais que a
mdia destes trs subndices, transformada
para uma escala de 0 a 1. A agregao feita a
partir de mdias aritmticas. Tem-se assim que
o IVH igual a 1 representa a melhor avaliao de
valores encontrada, enquanto o IVH igual a zero
representa a pior.
A escolha das variveis especfcas a compor
o IVH deve ser objeto de consenso, de discusso
entre diferentes setores da sociedade brasileira.
O fundamento do IVH que as variveis devem
refetir as dimenses do IDH assim como
as vivncias que as pessoas tem ao viver a
educao, viver a sade e viver o trabalho.
Figura 16.1 As dimenses do IVH
| 305
nDIcE DE VALORES HUMAnOS SADE
A experincia brasileira com o Humaniza SUS
pode fornecer um bom ponto de partida para
uma investigao sobre as principais vivncias
de pacientes e profssionais da sade que podem
refetir valores como respeito, compaixo,
tolerncia, entre outros. Questes simples, como
tempo de espera para atendimento mdico ou
hospitalar, a facilidade ou no de compreenso
da linguagem usada pelos profssionais de
sade e o interesse da equipe mdica percebido
pelo paciente j foram usadas pelo World Health
Report de 2000 e podem ser teis. Trabalhos
mais recentes da Organizao Mundial da
Sade
235
e da academia
36
tambm apontam
nessa direo. O que importa medir como os
pacientes vivenciam a sua experincia com a
sade, na sua dimenso humana.
nDIcE DE VALORES HUMAnOS TRABALHO
A remunerao do emprego no apenas o
salrio, mas todas as vivncias e experincias
que os indivduos tem ao trabalhar. A dimenso
de trabalho do IVH serve para captar essas
situaes e experincias de vida e o seu impacto
sobre o desenvolvimento humano das pessoas.
A solidariedade, a confana, a liberdade de
expressar suas idias, a cooperao, a motivao,
o reconhecimento, etc so elementos que fazem
parte desse universo de valores e condies de
trabalho.
O trabalho realizado pela psicologia social
no Brasil referncia para a mensurao de
vivncias positivas e negativas no trabalho
e pode ser usado para a construo de sub-
ndices que retratam e sumarizem as vivncias
que as pessoas tem no seu trabalho, mostrando
com isso como valores so importantes para
uma melhor qualidade de vida no ambiente
profssional das pessoas.
nDIcE DE VALORES HUMAnOS EDUcAO
A dimenso de educao do IVH deve
levar em considerao que a relao entre
valores e educao infuenciada por famlias,
professores e estudantes. Esse um resultado
importante da parte 2 do Relatrio, que o nexo
valores-educao no pode ser devidamente
examinado sem considerar a participao
das famlias na educao das crianas e
jovens. Elas infuenciam as expectativas e
aspiraes dos estudantes e do suporte para
seu desenvolvimento
37
. O ambiente escolar
tambm parece ser uma pea fundamental
para se entender como valores so formados e
transmitidos. A violncia contra professores e
estudantes, depredao, insultos, comentrios
abusivos, falta de respeito e honestidade, falta
de responsabilidade, de liberdade, so apenas
alguns problemas detectados pelo Brasil Ponto
a Ponto e que podem ajudar na formulao de
questes e variveis para medir vivncias de
valores na educao.
Quadro 16.2 Limitaes do IVH
O IVH no um indicador de resultado, assim como o IDH.
Tampouco um indicador de gesto. Ele um indicador
de processos e, como tal, complementar a indicadores
de resultados. Por essa razo, ele no um indicador de
avaliao de polticas governamentais, pois no faz uma
separao entre o pblico e o privado. Pelo contrrio,
defende que polticas pblicas envolvem o governo bem
como toda a sociedade.
O IVH no avalia servios prestados, mas sim as vivncias
que as pessoas tm no processo de oferta desses servios.
Essas vivncias correspondem a valores, como o respeito,
a reciprocidade, a tolerncia, a alteridade, a liberdade
etc. e so esses que procuram ser capturados tal como
encontrados, vividos, nos processos de construo do
desenvolvimento.
O IVH no um ndice sobre o nvel de satisfao
das pessoas sobre servios nas reas de sade, educao
e trabalho. No se trata de registrar satisfao
(entendida unidimensionalmente como uma mtrica
comum utilitria), mas sim de caracterizar os relatos das
pessoas sobre as experincias concretas que tiveram
envolvendo valores e desenvolvimento humano.
306 PARTE 4 | ndices de Desenvolvimento Humano
CoNCluSES: PolTiCAS
DE HumANiZAo
A construo de um ndice de valores
humanos uma difcil tarefa. Como representar
em nmeros as vivncias de valores das pessoas
no processo de desenvolvimento humano?
Como quantifcar a viso que cada pessoa tem
dos valores na educao? Valorar os prazeres
e sofrimentos vivenciados no ambiente de
trabalho ou ainda expressar numericamente o
cuidado e o interesse dispensados aos pacientes
em nossos sistemas de sade?
Assim como so os prprios valores humanos,
individuais, subjetivos, idiossincrticos,
tambm a proposta de um ndice de Valores
Humanos. Metodologia e interpretao, ambos
dependem da bagagem que cada um de ns
traz ao longo de sua vida. A viso de valores
e sua prpria construo no podem ser
captadas com exatido em dado momento,
posto que so processos em constante evoluo,
adaptao e mutao. De todo modo, h que
se encontrar uma forma de analisar os pilares
em que construmos nossa sociedade. Nossas
atitudes, comportamento e escolhas so
produto dos valores que carregamos. Portanto,
entend-los fundamental para entendermos o
desenvolvimento humano no Brasil.
O IVH leva adiante o debate sobre polticas
de humanizao nas reas da sade, educao
e gerao de renda. Como tal inspirado pelo
trabalho do Humaniza SUS, realizado pelo Go-
verno Federal Brasileiro
38
, que defne um con-
junto de prticas de humanizao na sade
com certo grau de normatividade
39
. O projeto
de huma nizao da sade depende muito da
promoo de valores pblicos nos quais a cons-
truo de uma aproximao entre pacientes e
equipe mdica possa reforar vnculos solidrios
entre os profssionais da sade e a populao.
Polticas de humanizao do desenvolvimento
so tambm muito necessrias na educao e
nas relaes de trabalho, como expostas pela
proposta do IVH. A construo dessas polticas
um projeto de toda a sociedade; um projeto que
contempla a participao de mltiplos agentes,
atuando de maneira integrada com base em
aes concretas e focalizadas.
O ndice de Valores Humanos como um
retrato de nossa sociedade, com todas suas
diferenas e semelhanas. Adotando uma
metodologia nica que supera a dicotomia entre
espaos informacionais objetivos e subjetivos,
possvel construir um retrato de nossos
valores humanos nas dimenses do ndice de
desenvolvimento humano.
| 307
1. A taxa de fertilidade foi selecionada por ele como um indicador de valores familiares sob o argumento de que quanto maior a
taxa de fertilidade de uma sociedade, maior ser a importncia do valor familiar naquela sociedade (Dar, 2004, p. 1073). A taxa de
divrcio e a idade mdia de casamento foram tambm consideradas indicadores, mas rejeitados por falta de dados.
2. Desai (1994) sugeriu que essa diferenciao no topo do ranking do IDH poderia ser feita pela adio de novas variveis, do uso de
melhores medidas ou do uso de outras ponderaes, por exemplo, para a renda acima do nvel da pobreza (pp. 355-356).
3. Outros, como Indrayan et al. (1999), defenderam o uso da taxa de matrcula combinada em comparao com os indicadores
prvios utilizados, pelo fato de ser mais sensvel a realizaes recentes. Por exemplo, o indicador anos mdios de escolaridade de-
mora um grande tempo at ter um aumento signifcativo. O argumento similar ao desenvolvido por Nuebler (1995).
4. Nem todos concordaram com esse argumento. Raworth e Stewart (2002, p. 170), por exemplo, notaram que a habilidade de ler
que o resultado desejado a ser medido, para quaisquer insumos lingusticos que sejam demandados.
5. interessante notar que a OMS props em 2001 o conceito de sade esperada ao longo da vida (em ingls HALE Health Life Ex-
pectancy). Eurostat tambm props em 2004 o conceito de anos de vida saudvel (em ingls HLY Health Life Years). Cabe observar,
no entanto, que eles nunca foram propostos para serem usados no IDH.
6. Um indicador de fuxo lida com uma varivel medida ao longo de um perodo, enquanto um indicador de estoque lida com uma
varivel medida em um ponto no tempo.
7. Mas essa transformao teve o apoio de Anand e Sen (2000, p. 89), segundo os quais, a renda acima da linha de pobreza (.) tem
um efeito marginal, mas no um efeito dlar a dlar pleno. Esse efeito marginal sufciente, no entanto, para diferenciar signifca-
tivamente entre pases industriais. Isso uma crtica aos argumentos propostos por Gormely (1995) e Sagar e Najam (1998), que
criticaram a baixa diferenciabilidade da renda nos pases desenvolvidos.
8. Uma inclinao monotonicamente decrescente necessria para uma funo cncava.
9. No h consenso aqui. Streeten (1994) argumenta que as distribuies na educao e na sade so menos desiguais. O enfoque
de Streeten parece ser estatisticamente mais correto.
10. Embora o seu trabalho tenha sido importante como pioneiro nas consideraes distributivas para todas as dimenses do IDH,
no conseguiu se livrar de algumas caractersticas problemticas. O prprio Hicks notou as propriedades indesejveis do uso do
coefciente de Gini: (i) a maior realizao de uma pessoa no topo da distribuio aumentaria o nvel de desigualdade (Hicks, 1997,
p. 1.289); (ii) a construo de medidas de desigualdade nas trs dimenses baseada nos coefcientes de Gini possuem difculdades
conceituais e empricas (Hicks, 1997, p. 1.293); outras crticas argumentaram que (iii) no fcil calcular o coefciente de Gini para a
educao e a expectativa de vida, devido a limitaes de dados (Grimm et al., 2006); (iv) no est claro como interpretar a interao
entre o coefciente de Gini e a realizao mdia para cada dimenso (Grimm et al., 2006); (v) essa medida no consistente entre
subgrupos, pois possvel que o bem-estar aumente em uma regio, permanecendo constante na outra, enquanto o bem-estar to-
tal decresce (Foster, Lopez-Calva e Szekely, 2003); e (vi) que os ajustamentos de desigualdade (1-G) fora da frmula de normalizao
proposta por Hicks tm o efeito colateral indesejvel de contrabalanar os prprios ajustamentos (Stanton, 2006).
11. A consistncia entre os subgrupos uma propriedade importante na mensurao da desigualdade. De acordo com Foster, Lopez-
Calva e Szekely (2003, p. 31-32) ela garante que as melhorias ou pioras no desenvolvimento humano dentro de um determinado
grupo ou sociedade (com o nvel de desenvolvimento humano permanecendo constante para os outros grupos) sero refetidas na
medida geral de desenvolvimento humano.
12. Embora esse ndice seja louvvel em termos de decomposibilidade por subgrupos, o que no o caso do IDH ajustado pelo Gini
proposto por Hicks, ele no foi isento de crticas. Grimm et al. (2006, p. 4) notaram que a mdia generalizada pode no ser muito in-
tuitiva para vrios usurios do IDH e que ela obviamente levanta a questo de como se determinar o parmetro correto de averso
desigualdade. Por outro lado, Stanton (2006, p. 19) observou que essa medida muito menos transparente do que a medida de
Hicks. seria extremamente difcil isolar o impacto da desigualdade sobre o bem-estar social na formulao de Atkinson ou descrever
a sua funo de bem-estar social implcita.
13. A taxa marginal de substituio a taxa na qual algum est disposto a desistir de um bem em troca de outro bem, mantendo
o mesmo nvel de satisfao.
14. O IDH sensvel ao gnero publicado no RDH 1991-92 e o IDH ajustado a desigualdade de gnero no RDH 1993 foram precur-
sores de novos indicadores de desigualdade de gnero publicados periodicamente nos RDH desde 1995.
15. As razes para as segundas e terceiras modifcaes no foram dadas nos RDHs, mas apareceram em Anand e Sen (1994, p. 113).
Em suas palavras: A perspectiva da realizao mais relevante na avaliao de quo bem um pas est indo, enquanto a perspectiva
da privao mais relevante para entendermos as difculdades do que resta ainda a ser feito [grifos no original].
16. Vale lembrar que um problema com a verso modifcada da medida de Atkinson era a violao do conceito de retornos decres-
centes, embora no tenha sido citado como uma razo para ser substitudo.
17. Dados disponbilizados pela Unesco.
18. A varivel Porcentagem de pessoas sem acesso servios de sade foi rejeitada no RDH de 2001, por falta de dados confveis.
nOTAS PARTE 4
308 PARTE 4 | ndices de Desenvolvimento Humano
19. Os coefcientes foram estimados pela interpolao baseada em uma regresso entre o coefciente de Gini e a razo da parcela de
renda dos 20% mais altos em relao aos 20% mais baixos.
20. Esses dois conceitos so os mais utilizados mas tambm existe a expectativa de vida saudvel (do ingls HALE Health Life
Expectancy), defendida por alguns autores, como Gold et al. (2002), como uma plataforma para o entendimento de uma famlia de
medidas.
21. A escolha da ponderao do IDEB no , entretanto, to direta assim, pois motiva diferentes esquemas de incentivos aos gestores
escolares. Como aparece em relatrio da FGV EPGE (2008, p. 170) Por um lado, quanto maior for o peso dado ao componente de
fuxo vis--vis o peso do componente de profcincia, maior ser o incentivo ao administrador local para acelerar artifcialmente a
promoo dos estudantes de um modo compulsrio e radical sem as reformulaes que so necessrias para a implementao
de tal regime, o que pode levar a maiores custos em termos de qualidade da educao. Por outro lado, quanto maior for o peso dado
ao componente de profcincia vis--vis ao componente de fuxo, maior ser o incentivo para os gerentes locais no resistirem
evaso, ou mesmo para aumentarem a reteno ou motivarem os piores estudantes a evadir, de tal modo que somente os melhores
estudantes se submetam aos testes padronizados, melhorando a medida de profcincia.
22. O problema no uso anterior da taxa de matrcula para a alocao de recursos federais para a educao foi o incentivo dado
a gestores escolares para simplesmente juntar tantos estudantes quanto fossem possveis na escola, sem a considerao sobre a
qualidade de sua educao. A quantidade, motivada por incentivos fnanceiros, foi aqui inimiga da qualidade.
23. Somos muito gratos Equipe Tcnica do Ministrio da Sade por nos mostrar a relevncia desse problema em reunio no dia 13
de setembro de 2010, no prprio Ministrio.
24. Ver, por exemplo, Fukuda-Parr, S. e Kumar, A. K. (2003) Reading in Human Development. OUP.
25. Foi utilizado o conversor de taxas de cmbio de mercado do Banco Mundial encontrado no site http://databank.worldbank.org/
ddp/home.do?Step=1&id=4
26. Um outlier uma observao que se encontra muito longe do resto da distribuio dos dados. Isto , afasta-se do padro visto
para o conjunto da distribuio.
27. Ver o livro clssico de Sen, Amartya (2000) Development as Freedom. Oxford: Oxford University Press, p. 74.
28. Esse argumento desenvolvido por Sen, Amartya (1985) Well-Being, Agency and Freedom: the Dewey Lectures 1984. Journal of
Philosophy, vol. LXXXII, n. 4, April, PP. 169-221.
29. Essa tradio pode ser vista nos diferentes trabalhos do professor Amartya Sen e da professora Martha Nussbaum, obras citadas.
Em particular, ver Nussbaum (2000), Captulo 2, sobre preferncias adaptativas.
30. O argumento das assim chamadas preferncias adaptativas foi inicialmente formulado pelo flsofo Isaia Berlin (1956), obra
citada.
31. Ver, por exemplo, os artigos no livro Capabilities and Happiness, organizado por Bruni, Luigino; Comim, Flavio e Pugno, Maurizio.
Oxford: Oxford University Press, 2009.
32. Ver Morris, Naomi (1997) Respect: its meaning and measurement as an element of patient care. Journal of Public Health Policy,
vol. 18, no. 22, pp. 133-154.
33. Ver Silcock, Peter e Duncan, Diane (2002) Values Acquisition and Values Education: some proposals British Journal of Educational
Studies, vol. 49, n. 3, pp. 242-259.
34. Ver Comim, F. The Human Values Index. Texto de Apoio ao Relatrio de Desenvolvimento Humano Brasileiro 2009/2010, mimeo.
35. Ver Bleich, S., Ozaltin, E. and Murray, C. (2009) How does satisfaction with the health-care system relate to patient experience?
Bulletin of the World Health Organization, vol. 87, 4, pp. 245-324.
36. Ver Campos, F., Leite, M., and Cherchiglia, M. (1990). Avaliao da qualidade dos servios de sade: notas bibliogrfcas. Cadernos
de Sade Pblica, 6(1):50-61; Donabedian, A. (1966). Evaluating the quality of medical care. The Milbank Memorial Fund Quarterly,
44(3):166-203; Dr Foster Intelligence (2009). The hospital guide 2009: patient safety and Dr Foster quality accounts. Dr Foster
Intelligence, London; and Goodrich, J. and Cornwell, J. (2009). Seeing the person in the patient: the point of care. The King's Fund,
London.
37 Ver o Relatrio do PNUD/RBLAC Actuar sobre el Futuro: romper la transmisin intergeneracional de la desigualdad. Informe
Regional sobre Desarrollo Humano para Amrica Latina y Caribe (2010), Captulo 4. Veja tambm PNUD (2009/2010) Inovar para
Incluir: jovens e desenvolvimento humano Informe sobre Desenvolvimento Humano para o MERCOSUL 2009-2010. Em particular
o item 3.12.
38 Ver Heckert, A., Passos, E. e Barros, M. E. Um seminrio dispositivo: a humanizao do Sistema nico de Sade em debate.
Interface, vol. 13, sup. 1, pp. 493-502.
39 Ver Santos-Filho, S. e Barros, M. E. Trabalhador da sade: muito prazer! Iju: Editora Uniju, 2009.
| 309
CoNCluSo FiNAl
O trabalho para o Relatrio de Desenvolvi-
mento Humano Brasileiro 2009/2010 orientou-
se por uma lgica: a incluso das pessoas pela
comunicao participativa. Foi por meio dela
que o Relatrio iniciou uma campanha pblica,
o Brasil Ponto a Ponto, pensada para ser uma
consulta nacional no somente sobre os pro-
blemas do pas, mas sobre o que podia ser fei-
to para resolv-los. Seu resultado: a escolha de
um tema transversal, valores de vida, com foco
na educao de qualidade e diminuio da vio-
lncia como questes setoriais-chave, que sin-
tetiza no somente temas importantes para o
pas, mas um comprometimento, assumido pela
equipe que fez esse trabalho e por seus colab-
oradores, de pensar aes que possam dar mate-
rialidade ao conhecimento gerado pelo relatrio.
O desejo de fazer do relatrio um produto
til fez com que ele fosse organizado em ofcinas
e seminrios, maximizando o envolvimento das
pessoas com o intuito de deixar para elas uma
semente da ambio de ver essas questes
resolvidas. Foram feitos seminrios regionais
(Braslia, Porto Alegre, So Paulo, Belm e Recife),
para a gerao de conhecimento em apoio
ao relatrio, e organizados encontros, para
discusso dos resultados preliminares, que
foram apresentados como documentos vivos
a serem discutidos conjuntamente com sua
divulgao na imprensa (Rio de Janeiro, Belm,
Recife, Porto Alegre, Braslia e So Paulo). Foram
promovidas tambm ofcinas para a divulgao
das mensagens do relatrio com grupos com
poder de multiplicao de ideias, como no caso
da ofcina com os oitenta alunos da Escola de
Msica do Ibirapuera, em So Paulo, e a Ofcina
com trinta cordelistas de todas as partes do
Brasil, em Barbalha, no Cear. A pesquisa
emprica conduzida para o Relatrio foi feita
atravs de uma contratao em massa de 39
voluntrios VNU, que visitaram mais de trezentas
cidades em todo o pas, para duas rodadas de
pesquisas. Em resumo, este relatrio, que j na
sua primeira parte contou com a contribuio
de meio milho de pessoas que participaram
da campanha Brasil Ponto a Ponto, mobilizando
160 voluntrios de todo o pas para a anlise das
respostas, continuou sendo gerenciado de uma
maneira participativa e inclusiva, envolvendo
um grande contingente de pessoas e parcerias.
Entre todos os parceiros que ajudaram a
construir o relatrio cabe mencionar a Rede
Globo que escolheu a questo da educao e
valores como ncora para um de seus programas
sociais mais importantes, o Amigos da Escola
(ver contribuio especial). Ao mesmo tempo,
o relatrio deixa a campanha Mostre seu Valor
pronta para ser realizada (www.mostreseuvalor.
org.br). Nela, pessoas so convidadas a se
comprometerem com aes de valor concretas,
que faam diferena no somente na melhoria
da educao e da reduo da violncia, mas
em muitas outras reas do desenvolvimento
humano escolhidas pelas prprias pessoas.
O apoio da Nike a essa campanha dar a
oportunidade para as pessoas literalmente
vestirem a camiseta do Mostre seu Valor.
Durante o ano de 2010 contamos com muitos
outros apoios ao Mostre seu Valor, como o mani-
festo feito pelos Atletas pela Cidadania, senhor
Valdir Bundchen, Gisele Bundchen e Percival
Caropreso, no qual materializaram seu prprio
entendimento sobre o papel dos valores no seu
campo de atuao. Esperamos que muitos ou-
tros surjam e que o relatrio contribua para uma
conscientizao de toda a sociedade sobre o pa-
pel dos valores no desenvolvimento humano.
Mais do que isso, o relatrio chama a
sociedade brasileira para ser parte da soluo
de nossos principais problemas. Convida pais,
educadores, estudantes, famlias, governos,
empresas, ONGs e todos aqueles interessados
para lerem o que foi dito aqui, no texto principal
e nas vrias contribuies especiais, para
trabalharem juntos por um Brasil de Valor, com
justia social, paz e oportunidades para todos.
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310 PARTE 4 | ndices de Desenvolvimento Humano
Contribuio especial Lcia Kazuko Ogawa Takano, Associao Brasil SGI (Soka Gakkai Internacional)
Contribuio especial Flavio Oliveira Central Globo de Comunicao
Educao e valores ser tema do projeto Amigos da Escola em 2011
Lanado em 1999, o projeto Amigos da Escola tem por objetivo mobilizar a sociedade, por meio da
comunicao, para a melhoria da qualidade da educao bsica, e apoiar a escola pblica no desenvolvi-
mento de prticas e projetos com a participao das famlias e da comunidade. uma iniciativa da Rede
Globo em parceria com o Conselho Nacional de Secretrios de Educao (Consed), a Unio Nacional dos
Dirigentes Municipais de Educao (Undime), o Instituto Faa Parte e o Fundo das Naes Unidas para a
Infncia (Unicef). Mobilizando a populao via TV e oferecendo informaes e ferramentas para apoiar
a gesto escolar na realizao de projetos de voluntariado, o Amigos da Escola envolve mais de cinco mil
escolas pblicas. So mais de 65 mil voluntrios, entre educadores, estudantes, pais e moradores das comu-
nidades vizinhas, atuando em aes complementares ao ensino curricular.
Educao e valores ser o tema do Amigos da Escola em 2011, ancorando as aes de comunicao do
projeto: reportagens sobre boas prticas escolares e questes relevantes na rea da educao; campanha
publicitria de conscientizao em diferentes mdias; aes de mobilizao nas mdias sociais; alm dos
cinco dias temticos anuais, datas em que as escolas promovem atividades para engajar famlias, parceiros
locais e comunidade do entorno, com cobertura jornalstica pelas emissoras afliadas. A expectativa que
as atividades dos 39 ncleos regionais, abrangendo todos os estados, renam mais de 150 mil pessoas nos
cinco eventos nacionais.
A opo pela temtica de valores foi motivada pelo contexto nacional e mundial, de importantes trans-
formaes sociais e educacionais, e por iniciativas inovadoras como o Relatrio de Desenvolvimento Hu-
mano 2009/2010 do PNUD, que incorporou o tema valores de vida, convidando a populao a interagir
nas diferentes etapas de elaborao.
A perspectiva adotada pelo Amigos da Escola parte do princpio de que a responsabilidade pela educa-
o de toda a sociedade e expressa uma via de mo dupla: valores humanos esto na base do processo
de ensino-aprendizagem, constituem alicerce para uma educao de qualidade, assim como uma boa for-
mao resulta na consolidao de valores (no plano individual e coletivo) essenciais para as relaes e o
desenvolvimento humano.
A escolha do tema a ser trabalhado em 2011 busca reforar o conceito do programa: a participao de
alunos como agentes e/ou benefcirios em projetos de voluntariado no apenas melhora o apren-
dizado e amplia o conhecimento, mas tambm contribui com a sua formao para a vida, com o desen-
volvimento de habilidades e competncias. E precisamente por meio de vivncias, da prtica e do exemplo
que valores so transmitidos e assimilados.
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312 PARTE 4 | ndices de Desenvolvimento Humano
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314 PARTE 4 | ndices de Desenvolvimento Humano
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Cordelistas,
participem!!!
No perca essa grande chance,
meu amigo cordelista,
de escrever os seus bons versos,
aumentando a nossa lista
dos que querem paz no mundo,
e, ento, respire fundo,
e seja um valoroso artista!
Se voc j se pergunta
quem promove este evento:
o Programa da ONU
para o Desenvolvimento,
almejando reunir
poetas pra resumir
ideias e pensamentos.
So pensamentos do povo,
que deseja ser feliz,
e que depois de uma pesquisa,
disse o que sempre quis:
o que falta, na verdade
pra mudar a realidade,
nosso corao que diz:
Com Valores, h Respeito
e Responsabilidade;
se h tambm Compreenso,
a, temos Liberdade,
pois conviveremos bem,
sem discriminar ningum,
essa nossa vontade.
Mande dois de seus bons textos,
pra gente selecionar
os poetas que iro
com a gente participar
de ocino, por dois dios,
cobrimos as estadias,
caf, almoo e jantar.
E, claro, tambm daremos
todo o custo da viagem.
Para isso, precisamos
receber sua mensagem,
informando-nos seus dados,
e, quem sabe, logo em breve
arrumar sua bagagem?
Diga o seu telefone,
endereo e o que faz.
Conte um pouco de voc
e alguma coisa a mais.
Mande at 10 de agosto
e ocupe o seu posto.
Corro e no que pro 1rs.
Todas as |rscr|oes posladas cor o car|roo de 10 de agoslo serao receo|das. A esco|ra do |ugar da olc|ra deperder
do lugar de onde tivermos o maior nmero de selecionados. Escreva para:
Relatrio de Desenvolvimento Humano Brasileiro - Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)
EQSW 103-104 Bloco D CEP 70670-350 - Brasilia DF
Para qua|quer duv|da escreva para lav|o.cor|r_urdp.org ou ||gue para (1) 30389105.
Cabe mencionar a chamada feita a cordelistas de todo Brasil para tratar dos
contedos do relatrio em versos, de modo mais comunicativo e expressivo.
Inclumos no relatrio apenas alguns exemplos de mais de 30 cordis que foram
feitos em dois dias de ofcina na cidade de Barbalha, Cear.
Quando eu fz aniversrio
No domingo que passou
Minha me, como presente
No parquinho me levou
Era tanta coisa pra ver
Que o dia logo passou
Mas, de tudo o que eu vi
O que eu mesmo mais gostei
Foi o tanto de amigos
Que no parque eu arranjei
A gente brincou de tudo
Que at o brao eu esfolei
Brincamos de pega-pega
Desci no escorregador
Me aventurei no balano
Giramos no rodador
E pulamos tanta corda
Que a perna doeu de dor
Ah, eu j ia me esquecendo
Das amigas que encontrei
Com Yasmin e com Marina
Na gangorra gangorrei
E de presente Bebel
Uma linda for eu dei
Mas quando a gente
j estava
Os times selecionando
E o campo determinando
Apareceu uma pequena
A sua me procurando
Esfregando a mo nos olhos
Baixinho pegou chorar
Sua me tinha sumido
No conseguia encontrar
Estava com tanto medo
Mal conseguia falar
Me abaixei ao lado dela
Seu choro no tinha fm
E limpando o seu rostinho
Eu a ela disse assim:
- a sua me no demora
Fique aqui perto de mim!
Aos poucos foi se acalmando
E a sua me logo chegou
Vinha trazendo um sorvete
Que em sua mo colocou
Ela abriu logo um sorriso
Depois meu rosto beijou
Nisso passou um cachorro
Que chamou minha ateno
Com a lngua toda de fora
Na maior afobao
Tava morrendo de sede
Com aquele caloro
Sa correndo atrs dele
Falei: - espera meu amigo
Ali tem um bebedouro
Venha por aqui comigo
Pode confar em mim
Voc no corre perigo
Como o cachorro no pode
O bebedouro alcanar
Arranjei uma cumbuca
Pra gua poder botar
E depois que ele bebeu
Comeou logo a pular
E quando fquei com fome
Porque fome a gente tem
Corri para a minha me
Que sabe como ningum
Que com tanta brincadeira
Precisava comer bem
Depois de comer o lanche
Brinquei ainda um monto
Pulei, dei uma estrela
Sa rolando no cho
E na hora de ir embora
Tive que lavar a mo
Foi um domingo legal
Voltei para a casa animado
E feliz tambm fquei
Porque eu tinha arrumado
Novos e bons amigos
E por muito ter brincado
Mas antes que fnalize
Quero uma coisa contar
Voc que me l agora
Queria um dia encontrar
Por isso se for ao parque
No deixe de me avisar
Contribuio Especial Luiz de Assis Monteiro, cordelista
DOMINGO LEGAL
318 PARTE 4 | ndices de Desenvolvimento Humano
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Planejamento
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da Cultura