Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                

Estudos Teológicos - O Que É Bibliodrama

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 12

O que Bibliodrama?

Christoph Schneider-Harpprecht 1. As Razes do Bibliodrama


Bibliodrama a encenao de histrias e textos da Bblia por um grupo. Na verdade isto no coisa nova. A encenao de mitos e smbolos faz parte de quase todas as religies1 . O dramtico um elemento bsi co da ao religiosa. Isto vale tambm para a religio do judasmo e cris tianismo. Muitos textos da Bblia apresentam simplesmente conflitos bsi cos do ser humano, o drama da vida em geral e o drama da vida de cada dia: nascimento e morte, adolescncia, relaes familiares, a relao en tre homem e mulher, gravidez e a falta de crianas, infidelidade, divrcio, perdas, envelhecimento. Outros textos tratam de conflitos bsicos da so ciedade: violncia, injustia, pobreza e explorao, guerra e paz, servi do e libertao. E quase todos os textos relacionam os conflitos que expri mem com a dimenso religiosa, com Deus. O drama da vida nestes textos inclui o drama da vida dos leitores e os conduz facilmente a uma apresen tao dramtica e atual. Nesta dramatizao eles exprimem a sua maneira de viver a f, descobrem melhor suas idias religiosas e tentam entender e responder relao especfica com Deus e as pessoas proposta pelo texto bblico. No cristianismo europeu da era medieval desenvolveram-se encenaes espontneas do povo: as pessoas faziam procisses para representar e repe tir a paixo de Cristo. Na Pscoa, os monges da Catedral de Chartres, na Frana, danavam por um labirinto desenhado como mosaico no cho da igreja para entrar pessoalmente no caminho de Cristo, passando pela mor te para chegar nova vida. Em frente s igrejas as pessoas se divertiam com comdias e tragdias religiosas cujo tema era mais ou menos litrgico e em que elas encontravam figuras simbolicamente importantes para a religio do povo, por vezes negadas pela Igreja (santos, demnios, o diabo)2. As en cenaes religiosas do povo eram uma extenso do cristianismo tradicional e se transformavam facilmente num protesto popular contra os poderes da Igreja e da sociedade. Neste sentido o bibliodrama surge hoje como expresso da religio po pular tambm na Amrica Latina. Numa procisso durante a semana san ta, mulheres e jJvens de um favela de Bogot interpretaram a palavra do Jesus crucificado: Tenho sede apresentando cenas de sua vida cotidiana: a falta de gua, a dependncia da ditadura dos preos imposta pelos vende
126

dores de gua3. O texto bblico deu voz ao sofrimento destas pessoas nega das pela sociedade. O texto se tomou um smbolo que ajudou as pessoas a identificar sua prpria situao e promoveu sua conscientizao a respeito das necessidades e exigncias sociais. A dramatizao levou a uma catarse emocional que lhes permitiu sentir de novo suas foras e possibilidades. Ob viamente este tipo de bibliodrama como expresso espontnea e elementar consegue efeitos scio-teraputicos no sentido do psicodrama, uma manei ra de fazer psicoterapia atravs de encenaes espontneas de conflitos pe las prprias pessoas4. O texto bblico serve encenao que cria efeitos s cio-teraputicos. E, por seu carter simblico, o texto se presta especialmen te para exprimir desejos mais ou menos inconscientes e tambm utopias e esperanas de uma vida melhor e mais justa. Aparentemente, estas experin cias bsicas de bibliodrama no-elaboradas metodologicamente que tm lu gar na Amrica Latina esto muito perto do mtodo do teatro dos oprimi dos de Boal e do movimento do teatro da libertao5. O surgimento do bibliodrama na Alemanha e nos Estados Unidos bem diferente. Tem suas razes numa teologia dominada pelo intelectualis mo da interpretao histrica da Bblia que no era capaz de lidar com ex perincias profundas na prtica pastoral. Por causa disso, a teologia prti ca comeou a preocupar-se com a psicologia e pedagogia. O bibliodrama tambm tem razes entre psiclogos que descobriram a falta de experincia religiosa na sua rea. H dcadas existem diversas tentativas de interpreta o psicanaltica de textos bblicos por parte de integrantes das escolas freu diana e jungiana6 e, do lado da teologia, tentativas de encenar histrias b blicas com crianas e jovens nas escolas e comunidades. Nos anos setenta, quando comeou a desenvolver-se na Europa o movimento psicodramtico, em que tambm se formavam telogos como diretores de psicodrama, era natural que se perguntasse como aplicar o psicodrama na prtica pastoral.

2. Tipos de Bibliodrama
Hoje em dia existem trs correntes de bibliodrama que j se organizam em distintas ofertas de formao bibliodrmatica para pessoas interessadas, sobretudo obreiros das igrejas: a) uma concepo psicodramtica ou de (gestalt-)psicologia que trata os smbolos bblicos mais como expresso simblica do inconsciente da pes soa ou do inconsciente coletivo7 ; b) a concepo da pedagogia do jogo e do teatro, que quer principal mente animar a experincia da Bblia atravs de encenaes espontneas ou representaes de textos no teatro bblico; c) a concepo hermenutica de bibliodrama, que usa mtodos criati vos e de auto-experincia psicolgica para experimentar e entender os textos de uma maneira mais pessoal.
127

Explicarei a idia de bibliodrama destas distintas correntes apresen tando a concepo de um representante de cada uma delas: Ad a): As propostas de Hilarion Petzold, o fundador da gestaltterapia integrativa, para o uso do psicodrama na terapia pastoral e auto-experincia religiosa incluem o bibliodrama e o apresentam como uma variante do psi codrama e sociodrama religioso. Petzold aproveita as idias bsicas sobre psicodrama e sociodrama de Jakob L. Moreno, que os concebe como psicoterapia de grupo em que os participantes levantam problemas pessoais ou sociais e os encenam num jogo de papis. O psicodrama religioso faz isto com vistas a objetivos religiosos. A relao pessoal com Deus e com o prximo, o sentido da mensagem crist em nosso tempo, as dificuldades que surgem na vida crist de cada dia so os temas gerais do psicodrama religioso. 8 Concretizando as reflexes atravs de aes no palco e dentro de um grupo, este tipo de psicodrama um mtodo para a explorao de problemas e experincias religiosas que independe de um conceito teol gico especfico ou de uma ideologia determinada9. No psicodrama religioso acontece com muita seriedade a luta do ser humano com Deus. Seguindo a filosofia teraputica de J. L. Moreno, para Petzold a viso da relao da pessoa com Deus no psicodrama religioso est prxima do realismo bblico , baseando-se seriamente na convio de que Deus est perto e encontra-se no prximo (Mt 25.40)1 0 . Em ltima anlise, os encontros que ocorrem no jogo do grupo tomam-se encontros com Deus. Dialogando com Deus, o psicodrama religioso procura, maneira de uma teologia expe rimental , a relao pessoal e social com Deus1 1 e realiza o princpio de que toda doutrina teolgica est baseada numa relao interpessoal. O bibliodrama encenado como teatro espontneo, e no como apresenta o preparada do texto bblico faz parte deste processo didtico. Serve para esclarecer textos difceis como o sacrifcio de Isaque, por exemplo, que tambm confronta o grupo com a problemtica do relacionamento entre pai e filho. Embora apenas toque a idia do bibliodrama e destaque sua funo didtica, Petzold pelo menos pressente o seu sentido teraputico e teolgico. Ad b): Sob a designao de teatro bblico realizou-se na Alemanha, sobretudo no trabalho pastoral com jovens e na formao de modelos alter nativos para o culto, uma prtica pedaggica de vivncias com textos bbli cos1 2 . Visam-se alcanar dois objetivos com ela: que os atores adotem o tex to pessoalmente e que elaborem uma pea pronta para ser apresentada dian te de um pblico no culto, numa festa de comunidade ou na rua. A equi pe de Reinhard Hbner, pastor na cidade de Hamburgo, intenta primeiro iniciar um processo de experincias com o texto respeitando tanto a sua mensagem teolgica e histrica quanto a auto-experincia dos atores e das atrizes. Como ponto de partida utilizam-se as associaes e as imagens in ternas despertadas pela meditao. As imagens mostram a relao entre o texto e a biografia de uma pessoa. Procuram-se possibilidades de exprimir
128

estas reaes com meios teatrais. O movimento do corpo, os gestos, os sen timentos ajudam a fomentar intensamente a recepo espontnea do texto por uma pessoa. A partir deste acesso pessoal pelas imagens internas criase ento uma pea. O grupo trabalha estas cenas apresentadas, reflete sobre a relao com o texto, amplifica as imagens, usa recursos como panos, fan tasias, maquilagem; mudam-se detalhes, experimentam-se diferentes papis e desenvolvem-se novas cenas, sempre buscando um consenso e uma me lhor compreenso da mensagem bblica. Aos poucos monta-se uma estrutu ra da pea, e ao mesmo tempo cresce a coeso do grupo. A apresentao da pea diante de um pblico o ponto culminante do teatro bblico. To do o processo de auto-experincia est a servio deste alvo, sendo automati camente limitado e tambm preservado por ele. Por estas razes, o teatro bblico presta-se especialmente para o trabalho criativo com grupos na co munidade, abre espaos de jogo e comunicao e promove uma compreen so mais profunda do texto. O lado poimnico, porm, fica em segundo plano, e existe o perigo de despertar reaes que o grupo no tem condi es de assimilar. Ad c): Gerhard M. Martin, professor de Teologia Prtica na Alema nha, descreve o bibliodrama como um processo hermenutico centrado em tomo de um texto bblico e desenvolvido atravs de esforos criativos e inte lectuais de um grupo1 3 . O objetivo do processo a interpretao do texto pela experincia individual e intersubjetiva que nasce atravs da sua drama tizao e atualizao. No bibliodrama cruzam-se o texto da vida e o texto bblico, mas os limites em relao psicoterapia ficam bem definidos: a auto-experincia das pessoas pode surgir como segundo objetivo do bibliodra ma1 4 , mas geralmente est a servio da compreenso do texto. Martin quer impedir que ele se tome um trampolim para o aconselhamento biogrfico ou a abordagem de temas gerais1 5 . Ele visa uma dramatizao que siga as estruturas lingsticas do texto e usa, conforme as teorias do movimento corporal de M. Feldenkrais, o corpo inteiro como instrumento da interpreta o. Por exemplo, a apresentao de diversas palavras do Salmo 139 por gestos corporais mostra o seu sentido pessoal1 6 . Ou ento os membros do grupo desenham as estrutureis espaciais do Salmo. Ao mesmo tempo, seus desenhos exprimem a paisagem da sua prpria alma1 7e a mensagem da pre sena de Deus tanto no cu quanto no abismo da prpria vida das pessoas. Mesmo estando aberto para modificaes na linha do teatro ou da psicote rapia, o bibliodrama em geral considerado como uma forma de prdica, no de um indivduo, mas como prdica comunitria da comunidade madu ra 1 8 . A exegese histrico-crtica faz parte do bibliodrama, tendo o impor tante papel de controlar as projees e reflexes subjetivas1 9 . Uma conver sa de avaliao que se segue fase criativa do bibliodrama pode destacar mais o lado exegtico ou o lado poimnico, questionando as partes pessoais apresentadas no bibliodrama. Percebe-se certa falta de definio teolgica do processo bibliodramtico em Martin e seus colegas, que desejam que ca129

da um ache a sua maneira de fazer bibliodrama baseado em seus prprios fundamentos teolgicos. Em termos tericos as coisas ainda no esto bem elaboradas. Consta ta-se em geral uma proximidade para com o estruturalismo, a teoria do sm bolo religioso de Paul Tillich2 0 , a idia do sagrado de Rudolf Otto, a psico logia jungiana e a significao religiosa do arqutipo2 1 . Algumas destas ten dncias nos fazem perguntar se o bibliodrama no se move em direo a uma nova religiosidade mstica e sincretista. Especialmente o conceito de bibliodrama como mimese , desenvolvido por Samuel Laeuchli nos Esta dos Unidos, o considera uma parte da encenao de mitos e smbolos reli giosos. Por trs da sua inteno de, pela dramatizao de imagens arcaicas, enveredar por um outro caminho no-filosfico e no-intelectual de reco nhecimento da vida, esconde-se certa fascinao pelo arcasmo, a cabala e o misticismo2 2 . Para Laeuchli o texto bblico, sendo uma imagem arcaica, exprime a brutalidade da sociedade urbana, a pobreza, a violncia, confli tos raciais, a brutalidade da poltica do poder econmico e militar bem co mo das estruturas das famlias. Portanto, mesmo estando muito perto das experincias latino-americanas, a mimese infelizmente desemboca numa viso trgica da vida diante de um Deus escondido. Laeuchli afirma que o labirinto divino da vida no pode ser explicado, somente adivinhado e apre sentado como imagem2 3 . Por causa desta postura, a vantagem do bibliodra ma de permitir que se experimentem os conflitos da vida e da relao dif cil com Deus sem neutraliz-los pela interpretao de um simbolismo dog mtico ou psicolgico contm o perigo de perder-se num misticismo trgi co. Mas isto no vale para o bibodrama em geral. Outros entendem o bi bliodrama como meio para vivenciar, transmitir e partilhar a f crist2 4 . Em todo caso o bibliodrama serve de instrumento para a confrontao pes soal com contedos bblicos. A finalidade para a qual se o usa depende da religiosidade de seus lderes. No entanto, o bibliodrama tenta transgredir os limites entre psicologia, teologia e teatro. Cada um dos trs tipos que apresentamos mostra uma n fase diferente. As pessoas querem entender um texto por meio do teatro ou da psicologia (concepo hermenutica), ou querem enriquecer a experi ncia por meio da encenao teatral (concepo de pedagogia do teatro), ou querem estender o teatro para a rea da psicoterapia e da religio (con cepo psicodramtica). O bibliodrama tem que integrar estes diferentes sen tidos. A integrao de teologia, psicologia e teatro num processo experimen tal sua grande chance, mas contm o perigo de confundir os limites e perder-se no escuro. O grupo de bibliodrama se movimenta sempre entre trs pontos princi pais: a psique da pessoa, o texto bblico, o contexto do processo de grupo e da sociedade. O mtodo grupai de interao centrada em temas, de Ruth Cohn, que trabalha sempre com o tringulo das relaes entre pessoa, te ma e grupo, serve para a organizao deste processo2 5 . preciso decidir
130

qual o objetivo principal. Isto depende do interesse e da formao do l der do grupo e tambm do objetivo e da estrutura do grupo. Bibliodrama com jovens ou velhos uma coisa diferente de bibliodrama com profissio nais da rea de aconselhamento. O bibliodrama visa uma interpretao mtua do texto bblico e da psi que. No jogo com o contudo do texto abre-se um crculo hermenutico: o texto provoca nas pessoas associaes, idias, lembranas e experincias ainda no conscientes que de repente levam a uma nova compreenso de aspectos ainda inconscientes do texto.

3. Uma Sesso de Bibliodrama


Tntarei descrever em traos gerais uma sesso de bibliodrama herme nutico e depois refletir um pouco sobre a relao com o prprio psicodrama psicoteraputico, sobre a relao com a exegese e sobre os fundamentos teolgicos deste trabalho. Podem-se reconhecer numa sesso de bibliodrama as fases do proces so psicodramtico: a fase do aquecimento, a fase da encenao ou dramati zao e a fase da avaliao emocional e intelectual. Para animar o grupo no aquecimento servem muitas tcnicas tradicio nais do psicodrama e de outras terapias humanistas. J neste ponto do pro cesso grupai existe a possibilidade de entrar em contato com a Bblia em geral ou com um texto especfico. Um mtodo possvel consiste em identifi car-se com personagens da Bblia que se conhecem e dos quais se gosta. Os integrantes do grupo lembram a histria bblica. Quem no a conhece bem pode perguntar os outros do grupo. As pessoas se tomam uma figura bblica e se apresentam, contando uma parte da sua histria. Depois h espao para encontrar-se com os outros personagens bblicos e falar com eles. Assim nascem as primeiras relaes pessoais no grupo, mas j num nvel simblico. Os personagens bblicos so smbolos da prpria pessoa e sua situao atual, mas tambm mostram a sua prpria religiosidade. Nes ta apresentao o grupo comea a formar-se. Muitas vezes surge uma fanta sia comum dos membros do grupo. Eles provavelmente vo escolher uma das histrias apresentadas que exprima esta fantasia do grupo, bem como um problema religioso comum. Outros lderes de bibliodrama preferem tra balhar com um texto determinado e, por meio dos exerccios da fase inicial, querem sensibilizar o corpo como instrumento de experincia. Na fase de dramatizao do texto existe a possibilidade de encenar um jogo psicodramtico grupai. Ao tratar da histria do paraso e da que da, por exemplo, os membros do grupo se transformam em Ado, Eva, nas rvores da vida e do conhecimento do bem e do mal, em animais e plan tas do paraso e tambm em Deus e no anjo que guardar a porta do Jar dim do den. O processo do jogo livre. As pessoas podem seguir a estru
131

tura do texto e s vezes ampli-la. Eva pode sentir como ser criada a par tir da costela do homem. Ela pode protestar contra este processo ou recu sar-se a participar dele. Pode surgir a questo da culpa. Talvez Ado e Eva discutam com Deus, perguntem por que ele colocou a proibio de comer do fruto da rvore, sintam a onipotncia e oniscincia prometidas pela ser pente e a dureza da vida fora do paraso. Cenas da vida particular dos ato res surgiro na sua imaginao: meu desejo de ser (oni)potente, meus senti mentos de culpa... A situao dos atores e as questes da sociedade influen ciam a pea e se misturam com a matria do texto. Samuel Laeuchli cha ma este processo de compreenso e interpretao mtua entre pessoa, gru po, sociedade e texto: mimese . A compreenso atinge a pessoa toda, no somente o intelecto. Isto va le tambm para outros mtodos de dramatizao. possvel tomar algu mas palavras-chave do texto e dramatiz-las ou descobrir somente o carter de diferentes papis, fazer entrevistas com Ado, Eva ou Deus. possvel aprofundar um detalhe e ampli-lo atravs de associaes e lembranas im portantes para os membros do grupo, e apresentar, por exemplo, o que sig nifica a seduo ou a queda para cada pessoa. Neste caso se est agindo numa dimenso que Moreno chama de surplus-reality, a realidade imagin ria que agora est presente no palco. As tcnicas de psicodrama, a inverso e o revezamento de papis, dupla, espelho, entrevistas com os protagonistas, etc. prestam-se muito bem para aprofundar esta experincia e lev-la adian te. Entender pela dramatizao se torna um processo criativo e talvez tera putico, que progride muito devagar. Rgras bsicas so: slow down, andar lentamente, trabalhar em pequenos detalhes, voltando constantemente ao texto com novas perguntas e novos mtodos, percebendo as reaes e aes das pessoas com respeito a sua prpria histria. Desta maneira a histria bblica pode tornar-se um modelo de percepo da realidade assim como o mito de dipo foi um modelo para a compreenso psicanaltica de Freud. Dentro deste modelo o espao est aberto para as pessoas sentirem e enxer garem sua relao com Deus. Tklvez parea estranho representar os papis de Deus ou de Cristo no bibliodrama. Com isto no se comete um sacrilgio, pois sabemos que sem pre existe uma diferena fundamental entre a verdade de Deus ou Cristo e a imagem deles que carregamos dentro de ns. Nossa imagem de Deus e Cristo, formada atravs das experincias feitas com a Igreja durante a infn cia e adolescncia, tem efeitos construtivos ou destrutivos, pode ajudar a f e o amor ou despertar medo e raiva, que impedem ou destroem a f. A encenao das imagens muitas vezes inconscientes proporciona uma possibi lidade de verificar a prpria impresso de Deus confrontando-a com a men sagem do texto, e talvez de corrigi-la, transformando o medo em confian a, por exemplo. O, segundo mandamento exige que encaremos criticamen te nossos conceitos de Deus, que sempre existem para que nos abramos de novo para a realidade divina escondida atrs das imagens.
132

Como no grupo psicodramtico, a avaliao por compartilhamen to (sharing) e o feedback relativo ao desempenho de papis (role-feed back) sempre fazem parte do processo do grupo de bibliodrama. No sharing as pessoas podem comunicar reaes pessoais despertadas pela encenao, e no feedback elas refletem sobre o que significam a esco lha de seus papis, o seu comportamento durante a encenao e a dinmi ca do grupo para si mesmas e para sua compreenso do texto bblico. En quanto no psicodrama muitas vezes o assunto dos jogos e das avaliaes muda, o processo bibliodramtico desenvolve-se mais como uma espiral em tomo do texto bblico, integrando exegese, teologia e aconselhamento pastoral. Na avaliao os membros do grupo refletem sobre suas aes e sentimentos, descobrem paralelos na sua prpria vida, relacionam-se uns com os outros no grupo, colocam crticas ou se apiam mutuamente. E a existe sobretudo a possibilidade de refletir criticamente sobre a dimenso religiosa da experincia feita no jogo e de colocar novas perguntas.

4. A Relao do Bibliodrama com a Exegese, a Teoria Teolgica e a Psicoterapia


Perguntamos, no fim desta exposio, como o bibliodrama se relacio na com a exegese histrico-crtica, quais so os fundamentos teolgicos da interpretao e qual sua relao com a psicoterapia, o psicodrama psicoteraputico. a) A exegese histrico-critica parte integrante do bibliodrama. Em certos pontos do processo grupai suas reflexes e percepes ajudam a com preenso, fornecem um esquema histrico e orientam sobre o ambiente so cial e religioso, movimentos populares como os fariseus ou o interesse teol gico da redao do texto. Seu papel consiste em informar e corrigir hipte ses e fantasias, mas no em impedir a imaginao. Pois esta, ao atuar nas encenaes, pode trazer novos aspectos para a exegese. De repente os leigos descobrem a falta de certas pessoas dentro do texto ou relaes especiais (por exemplo: onde escondeu-se o parceiro da adltera em Joo 8 e por que as pessoas no o puniram?). Assim surgem novas perguntas para a exe gese. E no bibliodrama os prprios leigos entendem conceitos exegticos: redao, fontes literrias, etc. b) Mas o bibliodrama conduz mais a uma exegese espiritual: os smbo los do texto tornam-se papis. Assim experimenta-se o seu sentido como parte da prpria pessoa, e por isso podemos descobrir novos aspectos da nossa relao com Deus. A teoria do smbolo religioso de Paul Ricoeur aju da a entender isto. Conforme Ricoeur, o smbolo equvoco. O seu senti do literal fica transparente para um outro sentido e o apresenta indiretamen te. Podemos distinguir entre o sentido csmico, o sentido onrico e o senti
133

do potico do smbolo religioso. Fatos csmicos, a natureza, a terra, a gua, o ar, o cu, o sol, a lua, as estrelas so onipresentes na vida humana e for mam smbolos bsicos (Ursymbole) que levam experincia do sagrado transcendente (sentido csmico). Do lado do indivduo os smbolos do so nho representam aspectos do inconsciente pessoal (sentido onrico). Eles ex primem partes escondidas da biografia e sobretudo conflitos bsicos da pes soa. Ricoeur no reflete suficientemente sobre o fato de que aprendemos desde a infncia o sentido dos smbolos por meio dos outros, da sociedade com que interagimos. Por isso os smbolos individuais tambm tm um sen tido social e representam a realidade e os conflitos da famlia, dos grupos e da sociedade (sentido social). Smbolos so criaes poticas que transfor mam as pessoas no processo de compreenso. Para entender o sentido de uma metfora potica as pessoas precisam imagin-la, e elas prprias trans formam-se interiormente neste movimento da imaginao (sentido poti co)2 6 . Ao lidar, ento, com smbolos encontramos nossa biografia, conflitos sociais, experincias csmicas, passamos por transformaes criativas por meio da imaginao e, assim, aproximamo-nos do sagrado. Textos bblicos so criaes simblicas. O bibliodrama apreende princi palmente o sentido potico do smbolo. Atravs da identificao com certos aspectos dos textos os smbolos apresentados nos papis dos atores so cria es individuais, exprimindo ao mesmo tempo conflitos da pessoa ou do grupo. Ao assumir o papel de Moiss no Egito frente ao fara, a pessoa apresentar a sua verso de Moiss e descobrir, pela alheao implicada no desempenho do papel, aspectos novos e j conhecidos da sua pessoa e, entrando na relao de Moiss com Deus, reconhecer e sentir possibilida des conhecidas e novas de viver essa relao. Assim abre-se a possibilidade de fazer novas experincias com Deus no bibliodrama. O prprio texto vai alm do individualismo, lembrando o conflito do povo explorado com o re presentante do poder. A libertao social como tema da Bblia aproxima o bibliodrama do teatro popular latino-americano. Em certos contextos, o bi bliodrama demascara estruturas de injustia e torna-se um instrumento de conscientizao e protesto. c) Alm da concordncia formal que j apresentei, creio que a dimen so teraputica do bibliodrama a mesma como a do psicodrama. Ambos so processos de interao criativa pela qual uma pessoa pode superar rup turas do seu comportamento, recuperar sentimentos reprimidos, levar ao nvel da conscincia assuntos e temas reprimidos e excludos da sua vida. Os elementos bsicos da interao criativa2 7 so a criao de um siste ma (o espao do jogo, o contedo da histria encenada), o encontro din mico, em que as pessoas se conhecem durante a dramatizao, a participa o interacional, em que elas entram, quase que numa troca imaginria de papis, na situao do outro e aprendem a conhecer a sua realidade, e uma soluo integrativa, em que elas conseguem resolver e exprimir simbolica mente o tema da sua interao ou o conflito tratado. Poderamos descrever
134

as funes bsicas do ego e tambm as tcnicas bsicas do psicodrama co mo funes da interao criativa. A neurose pode ser considerada como fi xao de interrupes da interao criativa entre pessoas. Tnto o bibliodrama quanto o psicodrama ajudam a pessoa a expres sar-se em nvel corporal, emocional e intelectual, incluindo todas as suas re laes bsicas consigo mesma, com o outro, com Deus ou a transcendncia. Por psicoterapia entendo a tarefa de recuperar e ampliar a capacidade da pessoa de relacionar-se nestas dimenses bsicas do ser humano. Mas, apesar de seus efeitos teraputicos, o bibliodrama lida mesmo com textos que exigem ser entendidos e cujos smbolos apresentam uma va riedade limitada de idias sobre a relao entre Deus e os seres humanos. Por isso o bibliodrama no um novo mtodo de psicoterapia ou de psico terapia religiosa. um mtodo para a pessoa fazer experincias consigo mesma e especialmente com a sua religiosidade e f em relao aos textos da tradio judaico-crist. Neste sentido o bibliodrama est aberto para to das as pessoas, independentemente de sua postura religiosa. O carter ambi valente dos smbolos religiosos que podem ser entendidos, por um lado, como expresso da psique individual, do grupo e da sociedade, mas, por outro lado, tambm como expresso da relao da pessoa com a transcen dncia torna o bibliodrama uma chance de refletir criticamente sobre a religiosidade da pessoa e de fazer experincias de amadurecimento. Entretan to, o efeito teraputico e a dinmica profunda de grupos de bibliodrama exigem dos lderes do grupo uma boa formao na rea da psicoterapia, da dinmica de grupo e do aconselhamento. O grande perigo o diletantismo. Lembremo-nos daquelas mulheres de Bogot que acharam nos textos bblicos um modelo para entender o seu sofrimento e exprimir o seu protes to. O bibliodrama espontneo da Amrica Latina tem um forte sentido so cial. Isto falta ainda nos conceitos bibliodramticos da Europa e pouco elaborado nos Estados Unidos. Esto comeando agora tentativas de com parar e talvez combinar bibliodrama e mtodos do teatro da libertao da Amrica Latina. Isto me parece ser uma grande chance no caminho para uma experincia religiosa integral, profunda e crtica no contexto do cristianismo.

Notas
1 Cf. art. Drama , in: M. ELIADE, ed., The Encyclopedia o f Religion, New York, 1987, vol. 4, pp. 436ss. 2 A relao entre Igreja e teatro e as formas do teatro histrico cristo so apresentadas em H. U. von BALTHASAR, Theodramatik; vol. 1: Prolegomena, Einsiedeln, 1973, pp. 81-121, 136-161. 3 Histria oral de Dorothee Soelle, comunicada ao autor em maro de 1991. 4 Para uma introduo ao psicodrama e sociodrama, cf. C. M. GONALVES, J. R.

135

WOLFF & W. S. ALMEIDA, Lies de Psicodrama; Introduo ao Pensamento de J. L. Moreno, So Paulo, 1988. 5 A. BOAL, Tatro dos Oprimidos; Tcnicas Latino-Americanas de Teatro Popular; uma Revoluo Copemicana ao Contrrio, 3. ed., So Paulo, 1968; G. A. BORNHEIM, So bre o Teatro Popular , in: Encontros com a Civilizao Brasileira, caderno 10, Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 1979. 6 M. KASSEL, Biblische Urbilder; tiefenpsychologische Auslegung nach C. G. Jung, 2. ed., Mnchen, 1980; Y. SPIEGEL, ed., Psychoanalytische Interpretation biblischer Tex te, Mnchen, 1974; ID., ed., Doppeldeutlich; Tiefendimensionen biblischer Txte, Mn chen, 1978. 7 Uma orientao bsica sobre o bibliodrama encontra-se em U. BUBENHEIMER, Bibliodrama Selbsterfahrung und Bibelauslegung im Spiel , in: I. BAUMGARTNER, ed., Handbuch der Pastoralpsychologie, Regensburg, 199, pp. 533-547; J. BOBROWSKI, Bibliodramapraxis; biblische Symbole im Spiel erfahren, Hamburg, 1991. 8 H.PETZOLD, Zu den Verwendungsmglichkeiten des Psychodramas in der Pastoraltherapie, Seelsorge und religisen Selbsterfahrung und in der Didaktik des Religionsunter richts , in: ID., ed., Angewandtes Psychodrama, 3. ed., Paderborn, 1978, p. 354. 9 Ibid. 10 Ibid., p. 355. 11 Ibid., p. 356. 12 Cf. F. ROHRER, ed., Bibeltheater, Hamburg, 1990; R. HBNER, Geschichtenthea ter , Wissenschaft und Praxis in Kirche und Gesellschaft, 6^; 151ss., 1969; R. HBNER et al., Spielrume fr Gruppen; eine Praxis der Spiel- und Theaterpdagogik, vol. 1, Mn chen, 1985, vol. 2, Hamburg, 1986; U. BRITZ et al., Biblische Botschaft erleben; Er fahrungsbezogene Verkndigung in der Gemeindearbeit, Hamburg, 1990. 13 G. M. MARTIN, Kleines Pldoyer fr das Bibliodrama , in: Bibel und Liturgie; Bau steine fr das Leben in Gemeinden, 62(1):33, 1989. 14 G. M. MARTIN, art. Bibliodrama , in: Evangelisches Ktchenlexikon; internationale theologische Enzyklopdie, Gttingen, 1986, vol. 1, col. 487. 15 G. M. MARTIN, Bibliodrama ein Modell wird besichtigt , in: Antje KIEHN et al., Bibliodrama, Stuttgart, 1987, pp. 55s. 16 Ibid., pp. 48ss. 17 Ibid., pp. 57ss. 18 G. M. MARTIN, Kleines Pldoyer fr das Bibliodrama , p. 33. 19 Cf. G. M. MARTIN, Bibliodrama als Spiel, Exegese und Seelsorge , Wissenschaft und Praxis in Kirche und Gesellschaft, 68:137s., 1969; ID., Das Bibliodrama und sein Text , Evangelische Theologie, 45(6):515-526, 1985. 20 Cf. J. BOBROWSKI, Bibliodramapraxis, pp. 191-207. 21 Cf. A. KIEHM, Die grossen Augenblicke; Transzendenzerfahrungen im Bibliodrama , in: ID. et al., Bibliodrama, pp. 91ss. 22 Cf. S. LAEUCHLI, Das Spiel vor dem dunklen Gott; Mimesis ein Beitrag zur Ent wicklung des Bibliodramas, Neukirchen, 1987, pp. 131ss. Cf. tambm ID., Abraham und Isaak; Einfhrung in eine mimetische Bewltigung , in: A. KIEHM et al., Bibliodra ma, pp. 16-43; ID., Die Bhne des Unheils; das Menschheitsdrama im mythischen Spiel, Stuttgart, 1988. 23 Cf. S. LAEUCHLI, Das Spiel vor dem dunklen Gott, p. 147. 24 Cf. H. ANDRIESSEN & N. DERKSEN, Lebendige Glaubensvermittlung im Biblio drama; eine Einfhrung, 2. ed., Mainz, 1991.

136

25 Cf. J. BOBROWSKI, Bibliodramapraxis, pp. 170ff. 26 Cf. P. RICOEUR, Symbolik des Bsen; Phnomenologie der Schuld II, Freiburg-Mn chen, 1988, pp. 17-26. 27 Para a teoria da interao criativa em relao com o psicodrama cf. R. T. KRGER, Ei ne Interaktionstheorie des Psychodramas , manuscrito no-publicado, Hannover, 1987.

Christoph Schneider-Harpprecht Caixa Postal 14 93001-970 So Leopoldo RS

137

Você também pode gostar