Jaime Amparo Alves
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produzida, necropoltica"
Seg, 21 de Maio de 2012 16:38
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Em entrevista Radioagncia NP, do grupo Brasil de Fato, Jaime Amparo Alves, doutor em
Antropologia e Pesquisador do Departamento de Estudos Africanos e Afro-Americanos da
Universidade do Texas (EUA), interpreta as recentes mobilizaes como um indicativo de que
possvel uma reaproximao das entidades do movimento negro, fragmentado com a
aprovao de um Estatuto da Igualdade Racial esvaziado.
A esquerda brasileira esquizofrnica ao esperar que se resolva o problema de classe para
que um dia a questo racial seja, enfim, posta na mesa de debates, analisa o antroplogo. Eu
descobri isso quando vi minha me envelhecendo na cozinha dos companheiros
revolucionrios. Entre outras anlises, ele v So Paulo como uma necropolis que ambienta
nas relaes sociais e nas polticas governamentais as prticas genocidas anti-negro.
Por que h tanta resistncia em enxergar o racismo como problema estrutural, mesmo
dentro da esquerda?
Sua pergunta nos obriga a voltar questo anterior porque de certa forma o Estatuto visibiliza
bem essa esquizofrenia da esquerda em entender a especificidade da condio negra. Eu acho
que o debate empobrece quando as respostas que recebemos s nossas criticas esquerda
a de que ns negros e negras fragmentamos a luta, como se fssemos partidrios do DEM ou
do PSDB. Ns pedimos aos companheiros e companheiras das esquerdas: se quiserem ser
radicais/revolucionrios, no nos peam para ter pacincia porque no contexto da luta pela
sobrevivncia negra, ter pacincia um privilgio branco.
No podemos esperar que se resolva o problema de classe para que um dia a questo racial
seja enfim posta na mesa de debates. No! No h negociao se a esquerda progressista se
recusa a entender como a categoria raa informa a maneira como a opresso de classe
experienciada. a condio negra, o lugar do no-lugar, que sintetiza o que o feminismo
radical negro tem chamado de matriz da dominao no mundo contemporneo. Eu acho que
a dificuldade da esquerda em entender o racismo reside na recusa em entender o que
representou o trauma histrico da travessia do Atlntico negro.
O militante radical/revolucionrio branco encontra os limites da prxis revolucionria
exatamente quando confrontado com a sua prpria identidade. Eu descobri isso quando vi
minha me envelhecendo na cozinha dos companheiros revolucionrios. Estamos falando de
um trauma histrico que tem na cor da pele negra as marcas de todos os horrores de um
passado que se mantm entre ns. As feridas abertas com a travessia do Atlntico ainda no
cicatrizaram e no cicatrizaro to cedo. S quem negro entende o que estou falando em
termos de dor fsica e psquica. Ou a esquerda brasileira entende isso ou continuar
recolhendo os cacos do que sobrou do seu percurso de classe mdia branca, universitria. O
conceito abstrato e universalista de esquerda no convence nem a mim nem aos meus amigos
da quebrada.
construindo uma cidade muito perigosa. Qual a estratgia de luta para aqueles deserdados da
cidade neoliberal? Um dia a misria cansa, cuidado!
No caso do Brasil, que aes evidenciam que h um projeto genocida em curso, como o
movimento negro vem denunciando?
O genocdio contra a populao negra to evidente que somente o cinismo cruel da nossa
elite intelectual poderia negar a sua existncia. No apenas a violncia homicida, com
vitimizao juvenil negra 1900% superior a branca em estados como Paraba e Alagoas, que
caracteriza o genocdio brasileiro. So tambm as ms condies de vida, as polticas de
limpeza urbana com os novos desabrigados como nos casos de Pinheirinho e a Favela do
Moinho em So Paulo. Ou ainda, a hedionda ao na chamada Cracolndia, para no falar
do sistemtico assassinato de pessoas em situao de rua e a poltica de encarceramento em
massa. H um tipo de morte que no o resultado do processo natural de nascer, crescer e
morrer. A morte negra morte produzida, necropoltica.
Quantos pessoas negras precisam morrer para que o massacre seja considerado genocdio?
Como fazer legvel aos olhos internacionais a economia do massacre que transforma as
cidades brasileiras em campos de guerra e a experincia negra urbana em tragdia
programada? Ainda assim, esbarramos nas dificuldades legais de levar o Estado brasileiro ao
banco dos rus. preciso que se diga, no entanto, que essa no uma dificuldade apenas
nossa. Ainda em 1950 um grupo de intelectuais negros estadunidenses protocolou uma petio
na ONU denunciando os Estados Unidos pelo genocdio da populao negra daquele pas.
Voc pode adivinhar qual o resultado da petio, certo? Se a ONU um organismo
internacional em que quem tem poder de voto e de veto so os super-poderes implicados eles
mesmos na ordem genocida, quem vai conden-los? Quem vigia os vigias?