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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARABA

CENTRO DE CINCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES


PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SOCIOLOGIA - PPGS

TILA ANDRADE DE CARVALHO

O CAMPO DAS ONG/AIDS: ETNOGRAFANDO O ATIVISMO


EM JOO PESSOA

JOO PESSOA
2012

TILA ANDRADE DE CARVALHO

O CAMPO DAS ONGS/AIDS: ETNOGRAFANDO O ATIVISMO EM


JOO PESSOA

Dissertao apresentada Universidade


Federal da Paraba, como parte das exigncias
do Programa de Ps-Graduao em Sociologia
para obteno do ttulo de Mestre.
Orientadora: Prof. Dr. Mnica Lourdes Franch
Gutirrez

JOO PESSOA
2012

A seu Carvalho e dona Neide


que sempre tiveram pacincia
e me ensinaram a gostar da noite
e a ser responsvel

AGRADECIMENTOS

A Mnica Franch, pela orientao e pacincia nesses dois anos de muita


conversa sobre a pesquisa e as peculiaridades do campo da AIDS. Apreendi com
ela a importncia da dedicao e paixo ao trabalho nas cincias sociais. Foram de
vital importncia todos os puxes de orelha e a serenidade que me passou nos
momentos difceis, ficando aqui a amizade sincera.
A Rogrio Medeiros, pela co-orientao e apoio nas discusses sobre
movimentos sociais e ONGs. A sua sinceridade e a seus apontamentos, permitindo
que este trabalho fosse levado adiante. Deixo aqui um abrao amigo.
A Artur Perrusi, que acompanhou boa parte da minha vida acadmica e
muito contribuiu com o meu trabalho. Um amigo de todas as horas. Ao meu sofredor
favorito, saudaes alvirrubras.
Aos professores Jorge Lyra e Ednalva Maciel, que aceitaram o convite
para participar da minha defesa. Deixo aqui meus sinceros agradecimentos.
Aos professores do PPGS.
CAPES, pelo financiamento.
A Nanci, por ser sempre prestativa nas questes burocrticas do PPGS.
Aos meus pais, que sempre sero deram apoio e incentivo para as
minhas escolhas.
A todos os integrantes das ONGs, que participaram da pesquisa e me
ensinaram algumas lies sobre a vida.
Aos meus camaradas de sempre, os meus sinceros abraos pelo
incentivo dado a esta dissertao.

RESUMO

Esta dissertao busca compreender a formao de uma esfera especifica dentro da


luta contra a AIDS: o campo das ONG/AIDS. Para isso investigamos a relao entre
ativismo social e os arranjos estratgicos que envolvem as ONG/AIDS. Analisar tal
relao de vital importncia para se compreender a gnese do campo sociopoltico
das ONGs, que envolve caractersticas e modos de ao particulares relacionados
conjuntura e ao contexto histrico no Brasil e em Joo Pessoa. Utilizamos trs
conceitos tericos analticos: ativismos, campo e habitus. Com a utilizao deles
foi possvel verificar uma diversidade de condies sobre qual seria o perfil de uma
ONG e do ativismo, tomados como legtimos ou no na construo das respostas
no governamentais ao HIV/AIDS. Observamos as formas de institucionalizao do
campo e as disputas nele. Ainda vislumbramos aspectos de formao dos atores
institucionais e individuais. A relao intersetorial no campo das ONGs/AIDS foi
observada a partir de dois eixos: ONG/ONG e ONG/Estado. Com este trabalho,
pretendemos contribuir para o conhecimento sobre o momento atual do movimento
ONG/AIDS no Brasil a partir da apresentao de um caso concreto: o campo das
ONGs/AIDS em Joo Pessoa. A metodologia utilizada e composta pela observao
participante, enquanto instrumento de vivncia dos significados no campo de
pesquisa, e por entrevistas semiestruturadas realizadas individualmente com os
ativistas, no intuito de mapear as discusses e os conflitos presentes no cenrio, nos
possibilitando conhecer de forma ampla o ambiente em que se formam os perfis do
ativismo no Campo das ONG/AIDS.

PALAVRAS-CHAVE: ONGS/AIDS; ativismo; campo; habitus; AIDS

ABSTRACT

This thesis seeks to understand the formation of a specific sphere within the fight
against AIDS: the field of NGO / AIDS. For this we investigated the relationship
between social activism and strategic arrangements involving NGO / AIDS. To
analyze this relationship is of vital importance for understanding the genesis of the
socio - political NGO, which involves features and modes of action related to the
particular situation and the historical context in Brazil and in Joao Pessoa. We use
three theoretical concepts - analytical: activism, field and habitus. Using them could
verify a variety of conditions which would be the profile of an NGO and activism, as
legitimate or not taken in the construction of non-governmental responses to HIV /
AIDS. We observed the forms of institutionalization of the field and the disputes it.
Still we glimpse aspects of training of institutional and individual actors. The
relationship between NGOs in the field of intersectoral / AIDS was observed from two
perspectives: NGOs / NGOs and NGO / state. With this work we intend to contribute
to knowledge on the current NGO movement / AIDS in Brazil from the presentation of
a case: the field of NGOs / AIDS in Joao Pessoa. The methodology used and made
by participant observation as a means of experiencing the meanings in the search
field, and semi - structured interviews conducted individually with the activists in order
to map the discussions and conflicts present in the scene, enabling us to better
understand widely in the environment in formed the profiles of activism in the field of
NGO/AIDS.
KEYWORDS: NGOs / AIDS; activist; field, habitus; AIDS

LISTA DE SIGLAS

AAP: Articulao AIDS da Paraba


ABIA: Associao Brasileira Interdisciplinar de Aids.
ABONG: Associao Brasileira de Organizaes No Governamentais.
AIDS: Sndrome da Imunodeficincia Adquirida.
AMAZONA: Associao de Preveno AIDS.
ARCA: Apoio Religioso Contra a AIDS

CAMS: Comisso de Articulao com os movimentos Sociais.


CM8M: Centro da Mulher 8 de Maro.
CNAIDS: Comisso Nacional de DST, AIDS e Hepatites virais.
CTA: Centro de Testagem e Aconselhamento.
CV: Cordel Vida
DCE: Diretrio Central de Estudantes
ENONG: Encontro Nacional de ONGs/AIDS
ERONG: Encontro Regional de ONGs/AIDS
ESSOR/Brasil: Association de Solidarit Internationale no Brasil.
FACENE/FAMENE: Faculdade de Enfermagem e de Medicina Nova Esperana .
FOAP: Frum de ONGs/AIDS da Paraba.
GAPA/SP: Grupo de Apoio a Preveno da AIDS de So Paulo.
GAV/CG: Grupo de Apoio a Vida de Campina Grande.
GIV: Grupo pela Vida.
GGB: Grupo Gay da Bahia.
GPV: Grupo Pela Vidda.
GRUPESSC: Grupo de Pesquisa em Sade, Sociedade e Cultura.
HIV: Vrus da Imunodeficincia Humana.
IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica.
LGBT: Lsbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgneros.
MEL: Movimento do Esprito Lils.
MNE: Misso Nova Esperana.
NESC: Ncleo de Estudos em Sade Coletiva.
ONG: Organizao No Governamental.
PAM: Plano Anual de Metas.
PVHA: Pessoa Vivendo com HIV/AIDS.
RNP+: Rede Nacional de Pessoas Positivas.
RNP+/NE: Rede Nacional de Pessoas Positivas do Nordeste.
SUS:Sistema nico de Sade.
UVAS: Unio de Voluntrios de Apoio a Soropositivo.

SUMRIO

INTRODUO .............................................................................................................................10
1 CAPTULO O fazer da pesquisa ...................................................................................14
1.1 Entrando no campo e reconfigurando a pesquisa ....................................18
1.2 A pesquisa: Questes e aspectos metodolgicos. ...................................23
1.3 Ativismo e Campo: Conceitos metodolgicos e analticos. ..................26
1.4 O objeto de estudo: delimitaes....................................................................31
1.5 Observao participante ou participao observante? ...........................34
1.6 Fazendo entrevistas .............................................................................................36
2 Captulo - O Campo das ONG/AIDS. ..............................................................................44
2.1 Articulando coletivos:

a terceira dcada da epidemia e o novo

arranjo de ao .............................................................................................................52
2.2 A Institucionalizao e as demandas polticas ..........................................54
2.3 Movimento AIDS ou Campo de ONGs/AIDS: Analisando um dilema.
............................................................................................................................................65

3 - ONGs/AIDS em Joo Pessoa .........................................................................................71


3.1 Atores institucionais e ativistas.......................................................................74
3.2 Outros sujeitos que participam das discusses no campo
ONGs/AIDS em Joo Pessoa. ..................................................................................91
3.3 O Campo das ONGs/AIDS em Joo Pessoa.................................................92

3.4 De perto e de longe: O ativismo como discurso hegemnico. ...........102


3.5 Relaes Institucionais : mediaes e conflitos ......................................106
CONSIDERAES FINAIS ...................................................................................................114
Referncias Bibliogrficas ...................................................................................................118

10

INTRODUO

De 1980, ano do primeiro caso notificado de AIDS, a 2011, foram


registrados cerca de 608.230 no Brasil1. Na Paraba, o primeiro caso notificado foi
em 1985, desde ento, so cerca 4.773 registrados at 2010. O coeficiente de
mortalidade foi de 2.5 pessoas para cada 100 mil habitantes. Em Joo Pessoa,
foram registrados 2.091.
Os nmeros do sistema nacional de vigilncia demonstram o perfil
epidemiolgico no cenrio da AIDS e o modo como a epidemia vem se
desenvolvendo na Paraba. Joo Pessoa a cidade do estado com o maior nmero
de casos registrados.
Porm, o que o perfil epidemiolgico no possibilita observar a
constituio do campo da AIDS, por meio das anlises das diferentes esferas que a
compem: o tipo de relacionamentos entre pessoas de diferente sorologia; a
influncia da indstria farmacutica nas polticas pblicas; a precariedade material
de grupos de PVHA2; questes relacionadas ao S.U.S e suas limitaes; questes
relacionadas adeso ao tratamento e, por fim, o campo de movimentos sociais e
organizaes no governamentais ligadas construo da chamada resposta
brasileira epidemia.

Este ltimo quesito o campo dos movimentos sociais

relacionados ao HIV/AIDS constitui o objeto central deste trabalho.


Galvo

(2000)

observa

que

surgimento

da

Sndrome

da

Imunodeficincia Adquirida, na dcada de 1980, despertou medos e preconceitos.


Os interditos morais sobre o comportamento dos indivduos e grupos ampliariam as
suas significaes,

construindo

um cenrio

marcado

pela

morte

social,

discriminao e culpa das pessoas com HIV/AIDS. Um cenrio social marcado por
uma epidemia incontrolvel, que segregava pessoas e grupos a partir das suas
experincias de vida e sexualidade. No havia respostas governamentais doena.

Para mais informaes consultar o link:

http://www.aids.gov.br/sites/default/files/anexos/publicacao/2011/50652/resumo_anal_tico_dos_dados_do_
boletim_epidemiol__92824.pdf
2

Sigla utilizada pelos movimentos e na literatura oficial, que significa Pessoas Vivendo com HIV/AIDS.

11

Havia, ainda, um cenrio poltico de redemocratizao e reestruturao do Estado.


Com isso, direitos bsicos como sade e educao eram precrios.
Em meados da dcada de 1980, comearam a surgir respostas no
governamentais frente incapacidade estatal. Surgem, em 1985, as primeiras
ONGs/AIDS: GAPA/SP e ABIA/RJ. Ativistas como Herbert Daniel e Herbert de
Souza assumem a condio ser PVHA na tentativa de enfrentar a morte social e de
cobrar iniciativas por parte do poder pblico. Na Paraba, a primeira ONG/AIDS de
que se tem noticia o GAV/CG. com o trabalho de grupos homossexuais e
ONGs/AIDS que se inicia a resposta brasileira epidemia. Surgem, como coloca
Spinelli Junior (2006), prticas movimentalistas ou um Movimento AIDS como meio
de resposta epidemia.

Assim, surge um novo campo social com um habitus

particular e intersetorialidade com outros campos e movimentos, a exemplo do


movimento feminista e LGBT. Nesse cenrio, as ONGs que tem o HIV/AIDS como
eixo central de atuao comeam a se afirmar enquanto referncia de atuao
poltica e cidad frente a uma demanda de sade. Em 1989, surge o ENONG
Encontro Nacional de ONG/AIDS, que teria, na segunda dcada da epidemia,
importante papel para a consolidao do campo. No fim da dcada de 1980, iniciamse as primeiras respostas estatais, porm de modo frgil e localizadas, partindo de
esferas estaduais, a exemplo do estado de So Paulo, que institui, em 1985, a
primeira iniciativa governamental, por conta da presso de grupos homossexuais e
ativistas (TEIXEIRA, 1997)
No incio da dcada de 1990, com a ampliao do nmero de ONGs e a
cristalizao de uma poltica nacional de AIDS que incorporava a experincia dos
ativistas, comea a se instituir, em meio s prticas dos movimentos sociais, o
campo das ONG/AIDS no Brasil. O movimento de luta contra a AIDS se reinventa a
partir de um ativismo via organizao no governamental, delineando novas
negociaes de demandas e disputas.
Os encontros nacionais e regionais de ONG/AIDS ganham maior
visibilidade na segunda dcada da epidemia, possibilitando elementos de
legitimao das ONGs enquanto agentes de desenvolvimento social. A relao entre
Movimento e Estado influncia no modo de institucionalizao das ONG/AIDS,
principalmente a partir dos projetos AIDS I, II e III. Alm disso, a intersetorialidade
ganha novos contornos. Ao fim da dcada de 1990, surgem as redes de

12

organizaes em formato de Fruns e Articulaes estaduais. Esse novo tipo de


arranjo de atuao trouxe desafios e constitui-se numa forma de reorganizao e
sobrevivncia para o movimento AIDS. Assim, o Campo das ONG/AIDS vai se
estruturando enquanto campo social, sempre em transformao, observando as
condies conjunturais e contextuais em que as competncias sociais, que
chamaremos de ativismos, vo se constituindo enquanto capital social (BOURDIEU,
1999, 2001, 2003; CHAUVIR; FONTAINE, 2004). Nessa reconfigurao, h uma
disputa pela legitimidade das aes tanto do ponto de vista dos atores institucionais
como individuais, sempre relacionada a um perfil de ativismo.
Com este trabalho, pretendemos contribuir para o conhecimento sobre o
momento atual do movimento ONG/AIDS no Brasil a partir da apresentao de um
caso concreto: o campo das ONG/AIDS em Joo Pessoa. O objetivo do trabalho
analisar as intermitncias em relao ao ativismo na luta contra a HIV/AIDS,
observando as disputas e os deslocamentos no campo das ONGs/AIDS, a partir do
ativismo social. Durante os nove meses que durou a pesquisa, buscamos investigar
o processo de configurao do campo das ONG/AIDS em Joo Pessoa, levando em
considerao as transformaes ao longo das trs dcadas do cenrio social e
poltico do HIV/AIDS. A pesquisa, de cunho qualitativo, incluiu a realizao de
entrevistas com os atores mais representativos do campo e a observao de
reunies e outros momentos importantes na constituio do campo das ONG/AIDS
em Joo Pessoa.
Do ponto de vista analtico, dois foram os conceitos operacionais da
pesquisa: campo e habitus. Conforme descrito por Pierre Bourdieu (1999, 2001,
2003), campo ressalta uma espcie de microcosmo social que goza de uma
autonomia a partir da instituio de regras e uma economia simblica particular. J o
habitus um sistema de disposies durveis e alterveis, do qual os sujeitos
tomam parte da sociedade ou dos espaos sociais. Participando das reunies do
grupo de trabalho em adeso e das reunies do Frum de ONG/AIDS da Paraba
que percebemos os significados e interditos, que estavam em jogo no Campo das
ONGs/AIDS.
Um terceiro conceito central na construo deste trabalho o de
ativismo. Entendo ativismo como uma forma de atuao dos sujeitos a partir da
experincia individual e coletiva, que exige um engajamento personalista numa

13

causa tornada pblica, sobre a qual se constri certo consenso vindo da pluralidade,
a partir de uma pretensa unidade em torno da referida causa. Outro elemento
importante na definio do ativismo a urgncia do cenrio como delineador da
interveno. Os ativismos estabelecem um tipo de ethos que, no caso do campo
das ONG/AIDS em Joo Pessoa, se expressava numa oposio discursiva com
outros setores: ns, a sociedade civil frente ao Estado, academia, sociedade
no organizada.
Nesse sentido, este trabalho considera o ativismo social na luta conta a
AIDS, tendo em vista as disputas, significaes e diferenas que se constituem no
atual cenrio da epidemia, no campo das ONG/AIDS no Brasil e, particularmente,
em Joo Pessoa, lcus desta pesquisa.
O trabalho organizado em trs partes. No primeiro momento,
apresentamos o modo como o objeto da pesquisa foi se delineando, incluindo os
elementos da observao participante que nos trouxeram um novo olhar sobre o
objeto. Refletimos sobre os desafios da pesquisa de campo e a operacionalidade
dos conceitos de ativismo, campo e habitus em relao ao objeto. O segundo
captulo versa sobre as caractersticas do cenrio das ONG/AIDS e a maneira como
o ativismo vai se constituindo enquanto estrutura estruturante de um campo de
ONGs/AIDS no Brasil. Nele, observamos as relaes e a densidade do capital social
que vai se formado. Por fim, no terceiro e ltimo captulo, apresentamos os dados da
nossa pesquisa e analisamos de que maneira se institui o campo das ONG/AIDS em
Joo Pessoa, tendo em vista cinco ativistas ligados a quatro atores institucionais:
Cordel Vida, AMAZONA, MEL e Misso Nova Esperana. Destacamos, igualmente,
as duas redes existentes na cidade: O Frum de ONG/AIDS da Paraba e a
Articulao AIDS. A dissertao se encerra com breves consideraes finais, que
apontam possveis caminhos futuros para a pesquisa sobre essa temtica.

14

1 CAPTULO O fazer da pesquisa

O meu interesse em investigar sobre o ativismo no campo das


ONGs/AIDS nasceu das experincias de pesquisa que tivemos durante a graduao
em cincias sociais nos anos de 2008 e 2009. Nesse perodo, participei como
estagirio do projeto de pesquisa realizado pelo Grupo de Pesquisa em Sade,
Sociedade e Cultura - GRUPESSC3: Casais Sorodiscordantes no Estado da
Paraba: Subjetividade, Prticas Sexuais e Negociao do Risco 4. Foi da que
comecei a estudar sobre a doena e seus impactos sociais. Nesse perodo, tomei
contato com duas organizaes no governamentais que trabalhavam com o tema
do HIV/AIDS. A Misso Nova esperana e o Cordel Vida foram as instituies por
meio das quais tomei conhecimento de um tipo de atuao poltica ligada sade.
A Misso Nova Esperana5 foi um dos primeiros pontos de contato com
as denominadas ONGs/AIDS. Na poca, acompanhamos por trs dias o cotidiano
da instituio. Percebemos que seu trabalho tinha um carter de assistncia direta
aos portadores e acompanhantes, em sua maioria crianas e mes. Auxiliavam as
pessoas com relao ao tratamento e no acolhimento dos soropositivos para breve
estada, contribuindo para a construo de alguns laos de sociabilidade entre os
usurios, pois a instituio promovia oficinas, festas e tinha espaos de uso comum,
como uma brinquedoteca.
3

O Grupo de Pesquisa em Sade, Sociedade e Cultura GRUPESSC foi criado em 2008 na Universidade Federal
da Paraba. ligado ao NESC Ncleo de Estudo em Sade Coletiva e Formado por docentes e discentes da
UFPB
na
rea
das
cincias
sociais
e
da
sade.
Mais
informaes
ver
link:
http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/detalhegrupo.jsp?grupo=008340619IU3BK
4

Estudo scio-antropolgico sobre a sexualidade de pessoas vivendo com HIV/AIDS e sobre as estratgias de
promoo, preveno e ateno sade em DST/HIV/AIDS nas Unidades Federadas da Regio Nordeste. Este
projeto tem como objeto de pesquisa casais sorodiscordantes que moram no Estado da Paraba, mais
precisamente na Grande Joo Pessoa. De acordo com a literatura sobre o assunto, entende-se por casal
sorodiscordante toda dade em relacionamento afetivo-sexual relativamente estvel (namoro ou casamento),
no caso especfico, heterossexual, em que um dos membros reconhecidamente HIV+ e o outro, no (Maksud,
2006, Reis, 2004, Polejack, 2001). No Brasil, o nmero de casais que se encontram nessa situao tem crescido
bastante em decorrncia do advento da terapia anti-retroviral que, ao aumentar a sobrevida dos portadores de
HIV/AIDS, facultou a existncia de novas situaes, entre elas a sorodiscordncia (Reis, 2004). Entretanto, os
dados disponveis no permitem estimar quantos casais se encontram nessa situao na Paraba, uma vez que
a sorodiscordncia permanece como uma questo no suficientemente investigada pelos servios pblicos de
sade e invisvel nas estatsticas sobre a doena (RELATRIO TCNICO PARCIAL PROJETO DE PESQUISA: Casais
sorodiscordantes no Estado da Paraba: Subjetividade, Prticas sexuais e negociao de risco. GRUPESSC
UFPB. Data de Abrangncia 30/07/2008 a 31/03/2009).
5

Mais dados sobre a instituio sero apresentados no prximo captulo (2.II O Campo das ONGs/AIDS em Joo
Pessoa).

15

Bart6, coordenador de projetos e um dos fundadores da instituio, em


conversas informais, exprimiu para mim uma preocupao com os significados da
doena e o direito das pessoas com HIV/AIDS. Ele participava tambm da
RNP+/NE.
poca, os contatos com a Misso permitiram-nos pensar sobre
questes relacionadas ao modo como seria trabalhar com pessoas portadoras, a
partir de questes como cidadania e direitos. Nesse perodo realizvamos, a partir
da pesquisa sobre os casais sorodiscordantes, o nosso trabalho de concluso de
curso, intitulado: Estigma - Um estudo sobre a Percepo e a Sociabilidade dos
Portadores de HIV/ AIDS. Abordvamos nele questes relacionadas sociabilidade
e s significaes dos portadores de HIV/AIDS no contexto da cidade de Joo
Pessoa, tendo por base as experincias dos indivduos no cotidiano com relao ao
estigma. Buscvamos entender como as relaes sociais se reorganizavam a partir
da doena, e as percepes dos soropositivos com relao ao Servio de
atendimento especializado em dois Hospitais de referncia: o Hospital Universitrio
Lauro Wanderley/UFPB7 e o Hospital Clementino Fraga8.
Ao analisarmos a literatura sobre o histrico social da doena no Brasil,
como parte do nosso levantamento bibliogrfico para a elaborao da referida
monografia, comeamos a perceber que as respostas epidemia de HIV/AIDS no
pas estavam entrelaadas atuao de grupos e instituies no pertencentes ao
poder estatal. Quando observamos, na literatura, a questo dos grupos
estigmatizados, a exemplo dos homossexuais, usurios de drogas e prostitutas,
percebemos que, nos anos de 1980, juntamente com as primeiras respostas
comunitrias relacionadas ao cuidado com os soropositivos, vieram questes
relacionadas cidadania e ao direito sade, que so demandas presentes tambm
no movimento sanitarista e na luta pela criao do Sistema nico de Sade.
6

Os nomes utilizados no presente trabalho so fictcios e tem a funo de proteger a identidade das pessoas
envolvidas na pesquisa.
7

O hospital universitrio foi fundado em 1978 e est ligado Universidade Federal da Paraba. Conta com um
Servio de Atendimento especializado (SAE) de carter materno-infantil Mais informaes consultar:
http://www.hulw.ufpb.br/node/4
8

O hospital Clementino Fraga foi fundado na dcada de 1950. Atualmente ligado a Secretria Estadual de
Sade. Funciona como complexo hospitalar especializado em doenas Infecto Contagiosas. atualmente o
hospital de referncia no tratamento do HIV/AIDS na Paraba. Com um SAE que atende a adultos e crianas.
Mais informaes ver: http://www.saude.pb.gov.br/web_data/historico.shtml

16

Com a perspectiva de que havia algo na luta contra a AIDS, que ia alm
das questes sobre o acolhimento e o cuidado com o bem - estar dos soropositivos,
tomava parte em ns uma nova viso sobre o que seria atuar no campo da AIDS,
como lugar que transformava uma condio de sade em luta por cidadania e
direitos.
Assim, ao trmino da graduao, com uma nova questo em mente sobre
a atuao de sujeitos e instituies, enveredamos por uma nova pesquisa.
Comeamos querendo observar questes sobre a sociabilidade dos soropositivos e
o tipo de relao que eles mantinham com as organizaes no governamentais,
destacando questes relacionadas ao segredo e ao estigma. Visava observar o
modo como a relao soropositivo/ONG influenciava na concepo da doena frente
sociedade. Pretendia observar o tipo de impacto desta relao a partir da pesquisa
emprica dos modelos de interveno de instituies escolhidas pelo seu histrico de
atuao na luta contra o HIV/AIDS em Joo Pessoa. Compararamos a viso de
pessoas soropositivas ou no, mas que tivessem algum tipo de vnculo formal ou
voluntrio junto das instituies escolhidas para a pesquisa, com a percepo de
soropositivos e seus parentes que no mantivessem nenhum vnculo formal ou
voluntrio com essas instituies, querendo analisar quais os significados que a
doena adquire na sua terceira dcada. Assim, pretendamos analisar o tipo de
impacto na concepo do HIV/AIDS em grupos de pessoas vivendo com HIV/AIDS 9,
tendo em vista a maneira como a doena era visibilizada nas aes das ONG/AIDS,
fazendo um comparativo com o tipo de visibilidade, ou no, que era dada condio
de ser soropositivo nessas aes, tendo como norte: o que era importante, enfatizar
a doena, demonstrando que a AIDS seria uma questo de todos os cidados, ou
enfatizar a experincia das PVHA, demonstrando os desafios que esses sujeitos
viviam? Na resposta contra a AIDS, o que deveria ser visvel? A doena? Ou as
PVHA? Seria possvel fazer um movimento AIDS que no mostrasse a cara
daqueles diretamente afetados lembrando que mostrar a cara tem sido uma
9

Herbert Daniel criou a expresso viver com Aids que se tornou mais comum como pessoa vivendo com
HIV/Aids. Num ou noutro caso a expresso funciona como um dispositivo identitrio que possibilita a
definio de diversas modalidades de engajamento na luta contra a Aids, seja a partir de um
reposicionamento das pessoas soropositivas nas relaes sociais que estabelecem, seja a partir de um
compromisso tico-solidrio entre atores sociais soropositivos e soronegativos. Herbert Daniel caracteriza esse
viver em contraposio equao Aids=morte e elabora um conceito poltico. Esse conceito considera que as
pessoas atingidas pelos efeitos sociais da epidemia, no so somente as pessoas soropositivas, mas tambm
aquelas que as rodeiam (SPINELLI JUNIOR, 2006, p. 96)

17

estratgia de visibilidade em inmeros movimentos, principalmente no movimento


gay? A partir da, comeou a nossa entrada no campo de pesquisa emprica.
No fim de 2009 e incio de 2010, tomamos contato com o Cordel Vida10.
Essa primeira aproximao tinha em vista a pesquisa do GRUPESSC e, ao mesmo
tempo, a nossa pesquisa individual, pois precisvamos tomar contato com outra
instituio que tambm tivesse seu eixo principal de atuao na luta contra a AIDS.
Em uma visita ao Cordel, em que fomos juntamente com os pesquisadores do
grupo, tomei conhecimento de uma articulao de instituies que militavam no s
em relao a questes sobre a doena, mas tambm outros movimentos, como o
LGBT e o Feminista. O Frum de ONG/AIDS da Paraba teria naquele dia sua
reunio mensal para discusso de pautas do movimento. Ns fomos at l para
convidar as instituies presentes a participarem do seminrio sobre casais
sorodiscordantes11 e a troca de algumas ideias e sugestes sobre o mesmo. Vrias
organizaes estavam reunidas, e, em meio conversa, quando colocamos que
uma pessoa da Articulao de AIDS da Paraba, iria participar tambm como
representao da outra instncia do movimento, um dos ativistas nos explicou que o
Frum e a Articulao eram duas articulaes diferentes, com linhas de atuao
diversa, no se constituindo em instncias diferentes de um movimento unificado.
Nesse instante, outro ativista colocou que na verdade as duas seriam bastante
diferentes e at conflitantes. Isso me chamou a ateno, pois em conversas
anteriores nas reunies do GRUPESSC, era pensado por ns que as duas
articulaes seriam esferas complementares de um movimento unificado. Porm, o
que foi revelador que o entendimento sobre as formas de atuao eram no s
divergentes, mas conflitantes. Esse foi um dos aspectos que se tornariam relevantes
no campo e nos trariam uma nova abordagem sobre o tema das ONG/AIDS.

10

Mais dados sobre a instituio sero apresentados no prximo captulo (2.II O Campo das ONGs/AIDS em
Joo Pessoa).
11

I Seminrio sobre Casais Sorodiscordantes, realizado nos dias 30/06/2010 e 01/07/2010, no Hotel Caiara,
em Joo Pessoa.

18

1.1 Entrando no campo e reconfigurando a pesquisa

A entrada no campo propriamente dita se deu quando passamos a


acompanhar duas reunies que aconteciam mensalmente. A primeira era o Grupo
de Trabalho para Adeso ao Tratamento do HIV/AIDS, que iniciou suas atividades
ainda no ano de 2010, no hospital Clementino Fraga em Joo Pessoa. Tinha como
premissa discutir questes relacionadas melhoria da adeso ao tratamento por
parte dos soropositivos. Era promovido por profissionais de sade do Hospital
Clementino Fraga.
No incio, participavam das reunies profissionais da rea de sade e da
assistncia social do Hospital, pessoas ligadas a ONGs e dois membros do
GRUPESSC/UFPB, posteriormente, com a incorporao de outras discusses, como
passe livre para soropositivos e a casa de apoio, passam a integrar as discusses
pessoas do poder pblico, como a gerente de operaes em DST/AIDS e Hepatites
Virais da Secretaria Estadual de Sade da Paraba.
A outra reunio era a do Frum de ONG/AIDS da Paraba. Essa se define
como uma articulao de movimento e instituies, com representao estadual.
Reunia cerca de 20 instituies no incio de 2010. Havia instituies de diversas
localidades paraibanas, a exemplo das cidades de Campina Grande, Mari, Dona
Ins e Itabaiana. Existe, informalmente, desde 1996, mas tem sua data de fundao
em 2000. Rene tanto instituies como ativistas independentes e pessoas
interessadas. Discute as mais diversas pautas atreladas ao HIV/AIDS. Sua agenda
acompanha as discusses governamentais, porm est atrelada a demandas locais
e a questes levantadas no cenrio nacional.
Com relao Articulao AIDS da Paraba, no tivemos a oportunidade
de acompanhar nenhuma reunio, pois, no perodo em que fazamos pesquisa as
reunies s aconteciam quando havia demandas pontuais. O que acompanhamos
de relevante era o papel da Misso Nova Esperana enquanto representante da
AAP. A instituio participava dos espaos enquanto representante da AAP e
repassava os acontecimentos e decises para as outras instituies. Ainda como
representante, era responsvel por expressar as posies da AAP e dialogar com as
esferas estaduais e municipais em Joo Pessoa.

19

A Articulao AIDS da Paraba se projeta como rede Estadual, segundo


o informante. Tem seu enfoque na assistncia direta e constituda por instituies
que trabalham prioritariamente com o HIV/AIDS. As reunies, segundo o nosso
informante, so realizadas quando da emergncia de demandas especificas. Essa
rede formada por organizaes que contam como maior unidade institucional, sem
que sejam todas ONG/AIDS. So um espao que enfoca controle social centrado na
assistncia direta as pessoas com HIV/AIDS.
Nas observaes, notamos que as questes relacionadas sociabilidade
e concepo da doena na atualidade, vistas a partir do modo de atuao das
ONGs e sua relao com os soropositivos, com relao visibilidade da doena e a
visibilidades ou no dos soropositivos, (que constituam minha pergunta inicial de
pesquisa) no constituam uma questo de relevncia no atual contexto.
Nas primeiras conversas com os ativistas, notamos que, atualmente a
questo de visibilizar o soropositivo como ator principal na luta contra o HIV/AIDS
era uma situao que envolvia algumas controvrsias. Se declarar soropositivo era
uma deciso que ficava a cargo dos indivduos, alguns ativistas colocavam que esse
era um expediente bastante presente nas dcadas de 1980 e 1990 do sculo XX, e
estava relacionado a figuras como Herbert Daniel e Herbert de Souza que, ao se
colocarem publicamente como pessoas vivendo com HIV/AIDS, demonstravam a
importncia das PVHA serem vistas como cidados. Outro fato significativo a
fundao do Grupo pela Vida GIV em So Paulo no ano de 1990 e a Criao da
Rede Nacional de Pessoas Positivas RNP+ em 1995, que enfatizavam a
visibilidade das PVHA como protagonista de um ativismo qualificado (FACCHINI,
2005). Porm, h diferenas nas posies relatadas. Se Herbert Daniel e Herbert de
Souza postulavam que a AIDS era questo de todos e declaram a soropositividade a
fim de enfrentar o preconceito e a morte social, o sentido dado pelo GIV e RNP+
no de que os indivduos se assumam publicamente, mas que venham a ser
protagonistas em um movimento AIDS. A noo de protagonismo controversa. 12
A AIDS havia sido transformada numa questo de cidadania e no numa questo
somente do soropositivo.

12

Essa questo sobre o protagonismo ser melhor apresentada no 2 captulo.

20

O medo e o preconceito ainda so questes presentes na luta contra a


AIDS; porm, a partir da terceira dcada e agora no comeo da quarta dcada, outra
questo ganha destaque, que a reorganizao da luta contra a AIDS. Com o fim
de alguns financiamentos internacionais e nacionais, uma maior atuao do Estado,
juntamente com o fim de algumas instituies e a mudana de foco de outras
instituies, tem acontecido um enfraquecimento das ONG/AIDS e a sua atuao
frente epidemia.
Outra questo com relao forma de atuao a partir da articulao
de coletivos. No estado da Paraba, h duas articulaes, como j foi dito, e que no
funcionam necessariamente a partir de um discurso de unidade do movimento de
luta contra AIDS. Pelo que acompanhei, ambas as redes vivem momentos de
discutir as formas de atuao e os seus espaos de atuao, relatando tal fato como
se houvesse uma crise do campo do ativismo, com o esvaziamento do trabalho
articulado e uma dificuldade em orquestrar aes em bloco.
Um fato que exprime isso uma reunio do Frum realizada no dia 13 de
Abril de 2011. O gestor municipal do programa de DST/AIDS de Joo Pessoa, John,
havia sido convidado para falar sobre o Plano Anual de Metas do Municpio do ano
de 2010 (PAM). Colocaram-se como pauta questes relacionadas ao no
cumprimento de algumas pactuaes realizadas entre o municpio e as instituies
de luta contra o HIV/AIDS. O que nos chamou a ateno foi o que ocorreu na
continuidade da reunio, aps a discusso com o gestor. Um dos ativistas colocou
que deveria se reavaliar qual era o propsito do Frum de ONG/AIDS da Paraba.
Tal fala veio porque, durante a reunio, no parecia haver consenso entre a fala dos
ativistas em relao responsabilidade da gesto municipal. Alguns entendiam que
houve um erro por parte do poder municipal; porm, no diretamente do gestor,
enquanto outros colocavam que havia uma incapacidade da gesto, implicando uma
responsabilidade direta do gestor pelo no cumprimento das pactuaes.
Uma segunda questo, que notamos ao longo da reunio no perodo de
pesquisa, foi o fato de somente alguns ativistas se pronunciarem durante a reunio
enquanto outros permaneciam calados. Colocou-se que seria importante a
participao de todos, pois isso mostraria unidade do grupo e enfatizaria a pauta da
reunio como demanda coletiva frente gesto, no somente de algumas

21

instituies da articulao. As pessoas presentes demonstraram concordar, porm,


mesmo no ps-encontro com o gestor, alguns permanecem calados.
Outra questo, na mesma reunio, foi a fala de John relatando que o
movimento social no fazia mais um controle social adequado. Que se cobra
contrapartida do municpio de Joo Pessoa, mas ao mesmo tempo no fiscalizava
as aes e o PAM de outros municpios e do Estado da Paraba. Essa fala irritou os
ativistas.
Assim, o autoquestionamento dos ativistas acerca do papel do Frum
versava sobre a necessidade de uma formao poltica e a clareza do papel do
mesmo. Utilizo o exemplo da reunio descrita acima para ilustrar a maneira como
minhas inquietaes de pesquisa foram se transformando no contato com o campo.
A questo da visibilidade ou no dos soropositivos no parecia ter mais importncia
entre o movimento ONG/AIDS que nos propomos estudar. Havia outras questes
que se tornaram pertinentes para nossa pesquisa. Existia, entre os movimentos, a
percepo de que haveria uma espcie de crise, constituindo um momento que
consideramos especialmente oportuno para entender o cenrio, j que os conflitos
vm tona.
Completando ainda as primeiras observaes de campo que nos levaram
a redefinir a temtica deste trabalho, colocaremos de forma breve, outras reflexes
iniciais.
A primeira com relao Articulao AIDS da Paraba. Na entrevista foi
relatado que ela tambm passa por dificuldades parecidas com as do Frum. H
dificuldades com relao ao financiamento, o fechamento de algumas instituies e
ainda a dificuldade de sistematizar a atuao em bloco. O problema est na
impossibilidade de algumas entidades em participar das reunies por conta de
questes financeiras e da distncia.
O entrevistado coloca que, em relao gesto pblica e a estadual, h
dificuldades com relao atuao em conjunto. Segundo o entrevistado, as
pessoas que hoje trabalham na gesto estadual e municipal de Joo Pessoa, so
ex-ativistas da luta contra a AIDS, que esperam certa benevolncia e maior
compreenso por parte dos outros ativistas. Isso no aconteceria, pois eles agora
so gesto e devem ter conscincia de que ao errarem sero cobrados. Coloca,

22

ainda, que algumas instituies faam isso por ter uma proximidade com os exativistas na gesto. E, tambm, por algum tipo de medo em sofrer alguma retaliao
com relao aos editais e financiamentos, por parte da gesto. E, ainda, coloca-se
que a atualmente alguns gestores programam sozinhos a poltica de enfretamento
as DSTs/HIV/AIDS e s depois pactuam algo com as instituies, relegando, por
vezes, para as instituies para o papel de apoiadores da poltica de enfretamento.
Isso desagrada a maioria dos ativistas, independente da articulao ou instituio a
que pertencem.
Esse um fato presente no cenrio atual. Para isso, aponto alguns
elementos: O primeiro, que as ONG/AIDS desejam maior poder de formulao e
interveno nas aes pblicas e tambm nas polticas pblicas, exercendo um tipo
de controle social que responde no s por fiscalizar, mas por colocar suas
demandas na agenda pblica. Segundo, que o fato de os atuais gestores da
coordenao municipal e estadual serem ex-ativistas, esses deveriam ter maior
articulao com as instituies.
E, por ltimo, uma questo primordial para a nossa pesquisa se centrar
no ativismo o modo como se organiza o campo das ONG/AIDS em Joo
Pessoa/PB.
Nas seguidas reunies do GT de Adeso e do Frum, bem como em
conversas com o articulador da Articulao, o tema Casa de Apoio em Joo Pessoa
ganhou um destaque muito forte, pois o Governo Federal, via Estado da Paraba,
havia acenado com a implementao da Casa de modo pactuado com as
organizaes no governamentais. Nas reunies, ficaram claras as divergncias de
entendimentos sobre o modelo de implantao da casa e sua gerncia. Em vrios
momentos, em conversas informais e nas entrevistas que tivemos com as diversas
partes, surgiram contestaes de ambos os lados sobre quem deveria gerir a casa,
mas, principalmente, da forma de atuao poltica e do ativismo feito pelos atores. O
que notamos como pano de fundo que no h um entendimento do que seria uma
atuao poltica e o que seria o ativismo no campo das ONG/AIDS em Joo Pessoa.
Assim, o cenrio da nossa pesquisa formou-se dessas experincias no
campo relacionadas ao ativismo em Joo Pessoa. A diversidade de atores que
compem o cenrio atual na luta contra a AIDS e as disputas de sentido que os
acompanham so caractersticas exploradas por outras vias na literatura

23

acadmica13. O ponto de vista do ativismo e a estruturao de um campo das


ONG/AIDS atualmente, na cidade de Joo Pessoa foram as chaves de formao do
corpo da nossa pesquisa.
Nossa abordagem versa sobre uma esfera de um pretenso Campo das
ONG/AIDS e no sobre o Campo da AIDS em Joo Pessoa de um modo mais
ampliado, que incluiria tambm atores governamentais gesto municipal e
estadual , o servio de sade e a atuao de outros movimentos, a exemplo do
feminista e LGBT. A esfera em observao foi o campo das ONG/AIDS, a partir da
adoo de diferentes prticas de ativismo, tendo em vista atores/sujeitos e
atores/instituies em sua diversidade. Como parte dos objetivos, observamos as
disputas por significados e sentidos no que tange legitimidade de atuao dentro
da luta contra a AIDS. Colocamos, ainda, questes relacionadas formao e
atuao de duas redes que seriam a Articulao AIDS na Paraba e o Frum de
ONG/AIDS da Paraba14, a partir de quatro organizaes no governamentais
escolhidas para a pesquisa, que foram tomadas como significativas para a
compreenso do campo e do ativismo.
A partir daqui, faz-se necessrio colocarmos aspectos metodolgicos
sobre a pesquisa. Apresentaremos aspectos detalhados da pesquisa emprica, bem
como o nosso objeto. Ainda ampliaremos algumas questes aqui colocadas.

1.2 A pesquisa: questes e aspectos metodolgicos.

A sndrome da imunodeficincia adquirida, a AIDS, surgiu como uma


doena que colocava em xeque a vida sexual e cultural dos sujeitos em uma nova
perspectiva. Os valores sociais colocam os interditos do comportamento dos sujeitos
de forma ampliada, ressignificando vrias esferas da vida, de modo que o prazer
passava a ser visto uma nova ameaa sociedade.

13

Ver a dissertao de VAMBERO FERNANDES SPINELLI JNIOR intitulada:DE REDES E


CAMPOS: CONFIGURAES MOVIMENTALISTAS EM SADE. Nela o autor versa sobre uma
movimentalismo a partir de duas esferas que so o Movimento Feminista e o Movimento de Luta
contra a AIDS. Enfocando as anlises a partir das categorias: projeto e campo poltica cultural.
Observando os elementos que denomina de confluncia e disperso.
14

A partir daqui, em alguns momentos, adotarei siglas. AAP Articulao AIDS da Paraba e FOAP Frum de
ONGs/AIDS da Paraba.

24

No inicio da dcada de 80, a ecloso de uma nova doena [...] foi


responsvel por mudanas significativas em outros campos que no
somente o da sade, principalmente por combinar comportamento sexual e
doena. A AIDS acarretou desafios para a rea cientifica, trouxe novos
atores para os movimentos sociais e [...] conferiu, maior visibilidade a
questes relacionadas sexualidade. (GALVO, 2000, p.13).

Pelas suas mltiplas implicaes, que ultrapassam o campo puramente


biomdico, a AIDS emerge como um polo de atrao de velhos e novos movimentos
sociais. A histria do ativismo nas ltimas trs dcadas no campo da AIDS, contudo,
coloca em cena uma diversidade de atores.
As discusses sobre o modo de atuao frente doena vm marcadas
pela distino de ideias e significados sobre o que seria uma conduta de atuao
eficaz contra a AIDS. Seja no campo da preveno ou da assistncia, os conflitos
emergem e demonstram o campo de disputa como pano de fundo para o
entendimento da estruturao da luta contra a AIDS e sua relevncia em relao
constituio de um movimento social na rea da sade (SPINELLI JUNIOR, 2006).
A diversidade expressa nos tipos de instituies. H instituies ligadas
ao movimento LGBT, Feministas, ONG/AIDS e instituies religiosas, a exemplo da
Casa de Convivncia Positiva/Joo Pessoa. Muitas dessas instituies se articulam
em redes como os Fruns e Articulaes AIDS, que se espalham por todo o pas. A
diversidade das instituies se traduz em linhas de ao diferentes que enfocam, por
vezes, a questo da solidariedade, como uma unidade entre elas.
As linhas de ao, por sua vez, resguardam conflitos com relao a
interesses das instituies e disputas, no s por hegemonia, mas tambm por
legitimidade para as atuaes empreendidas, seja a partir de posies particulares
das instituies ou coletivas por meio das pretensas redes.
H ainda questes de legitimidade da atuao ligadas questo de ser
soropositivo ou no. Questes como a necessidade do protagonismo soropositivo
ou, pelo contrrio, a alocao da atuao dos soronegativos a uma espcie de
segundo plano ou como fora de apoio operacional. Porm, h grupos que colocam
a importncia do protagonismo soropositivo, aliado atuao de pessoas
soronegativas, por entenderem que a AIDS uma questo de cidadania que remete
aos grupos sociais diversos. E, assim, a sua atuao deve vir por via da capacidade

25

poltica e de atuao dos ativistas. Desse ponto de vista, a condio sorolgica no


traria a capacidade em si do ativismo.
Segundo Spinelli Junior (2006), o discurso que enfatiza a condio
sorolgica soropositiva enquanto experincia para um ativismo melhor qualificado
resguarda uma posio essencialista, sendo um dos elementos da disputa pela
hegemonia na luta contra AIDS, sendo assim um ponto de divergncia com
relao ao que legitima uma pessoa enquanto ativista qualificado ou no, para
capitanear aes de interveno social contra o HIV/AIDS.
As organizaes no governamentais so atores presentes no campo
AIDS desde a dcada de 1980, no Brasil. E como tais representam elementos
privilegiados para entender a existncia do ativismo social, bem como a existncia
ou no de um Movimento AIDS. A primeira ONG/AIDS de que se tem noticia no
Brasil15 o Grupo de Apoio Preveno AIDS, em So Paulo GAPA/SP, que
surge em 1985 com um vis de combate a AIDS associando apoio e cuidado aos
soropositivos com questes relacionadas luta por polticas pblicas de sade,
discriminao dos soropositivos e atuao poltica dos soropositivos (CONTRERA,
2000). Em Joo Pessoa, o movimento AIDS tambm depende fortemente da ao
das organizaes no governamentais. Desse modo, escolhi as ONG/AIDS como
chave para aprofundar minhas questes de pesquisa, vislumbradas a partir da lgica
do ativismo.
Outro elemento de entendimento do campo a organizao em rede ou a
articulao de instituies e movimentos. No fim da dcada de 1990, muitas
organizaes se articulam em forma de coletivos e passam a atuar em bloco com os
nomes de Frum e Articulao AIDS. Em 1997 surgem, em So Paulo e no Rio de
Janeiro, as primeiras articulaes de ONG/AIDS e movimentos sociais que atuam na
luta contra o HIV/AIDS.
Os coletivos de instituies constituem o lcus onde os conflitos e as
divergncias so explicitadas. So os lugares privilegiados para observarmos como
as aes dos atores se desenrolam, principalmente quando h temas que
congregam duas esferas diferentes, que esto em desacordo sobre o que deve ser
uma atuao poltica e o que seria um movimento AIDS.
15

Ver link: http://www.aids.gov.br/pagina/historia-da-aids.

26

Os pontos anteriormente elencados so os que do a densidade scioantropolgica a nossa arena de pesquisa, constituindo, assim, o nosso fundamento
heurstico.
A partir dos pontos at aqui elencados, destacaremos os motes da nossa
pesquisa. Primeiro, propusemo-nos observar se h a proeminncia de um ativismo
particular entre as ONG/AIDS em Joo Pessoa. A partir da, indagamo-nos sobre
quais so as divergncias e confluncias entre os atores/instituies e tambm entre
os atores/sujeitos.
Spinelli Junior (2006), ao escrever sobre um Movimento AIDS em Joo
Pessoa, coloca que h diferentes posies no cenrio local. Diferenas expressas
no s no modo de atuao dos atores/sujeitos, mas tambm dos modelos
interveno operados pelas instituies nas suas prticas particulares. H, ainda, a
construo das aes, tendo em vista a mobilizao coletiva a partir da AAP e da
FOAP.
Assim, surge um cenrio em que destaca o Ativismo enquanto forma de
conduta nativa no combate ao HIV/AIDS. Mas o que seria esse Ativismo? E ainda: o
que seria um Campo das ONG/AIDS em Joo Pessoa? Faz-se necessrio
colocarmos algumas consideraes sobre as ideias de Ativismo e Campo, enquanto
conceitos.

1.3 Ativismo e Campo: Conceitos metodolgicos e analticos.

O tema ativismo perpassa a forma de atuao tanto de indivduos


(ator/sujeito), como das organizaes no governamentais (ator/instituio). Com
isso nos voltamos a observar o Campo das ONG/AIDS em Joo Pessoa.
A ideia do ativismo, primeiramente, centra-se na procura do modo como
se constroem as atuaes dos sujeitos ligados a instituies, a partir de um vnculo
profissional ou voluntrio. Assim, passamos a buscar algum tipo de ethos
especfico relacionado ao Campo da AIDS, que fomentasse prxis especficas do
mesmo. Campo esse visto a partir da dinmica das ONGs/AIDS.
Nas discusses de Larissa Pelcio (2009) e Tiago Moreira dos Santos
(2009), que colocam a formao de subjetividades especficas a partir de uma

27

identidade poltica vinculada capacidade de transformao de demandas de sade


em questes de direito e cidadania, encontramos um novo ponto de observao no
qual as significaes e os seus significados so foco de compreenso do campo da
AIDS.
Ao procurarmos por um conjunto de praxes e aes que caracterizem um
campo especfico, observarmos as formas de atuao e dos saberes sui generis,
constitudos por meio dos mltiplos espaos em que participa o ator/sujeito. No caso
das ONG/AIDS, o conjunto das observaes deve contemplar os modelos de
atuao do ator/instituio a que o ator/sujeito est ligado. E, ainda, a formas
coletivas que elas assumem, ou seja, as redes ou articulaes, juntamente com a
interface que essa mantm com o Estado, em seus diferentes nveis. Podemos,
assim, constatar como os sujeitos vo se firmando enquanto atores no campo.
Essas pessoas integram-se a grupos de apoio, instituies e, por vezes, cooperam
como ativistas independentes, participando de aes em diversas instituies ou de
reunies das redes de movimento sem vnculo formal.
Pelcio (2009) e Santos (2009) enfatizam a ideia de ativismo tendo em
vista a atuao dos sujeitos a partir da experincia individual, engajamento
personalista, o consenso vindo da pluralidade e na urgncia do cenrio, colocando
esse modo como um tipo de ethos.
O ativismo aparece como uma noo fundamental para compreender a
formao das organizaes da sociedade civil e, consequentemente, ao campo de
organizaes no que tange ao seu impacto no denominado Movimento Aids e na
forma de sua mediao com outras esferas do campo da AIDS (PELCIO, 2009;
SANTOS 2009). Essa mediao se constitui em desafios para a construo de
demandas no sentido de se conservar como foco central o HIV/AIDS, sem se tornar
uma extenso de outros movimentos ou do poder pblico.
No campo das ONG/AIDS, o ativismo incorpora outros elementos: a
atuao a partir da experincia social, o engajamento por fora da causa tornada
pblica e a transformao do consenso como elo de unidade pretensa unidade,
entre os atores.
Nas observaes em campo com os atores e os entrevistados, notamos
que as duas categorias estavam relacionadas, onde ora h personalismo e utopia e

28

ora h o pblico e a urgncia. Assim, a literatura construiria uma separao


dificilmente observada no campo.
Para melhor observarmos a categoria ativismo, nos voltaremos neste
trabalho s noes micas captadas na pesquisa emprica, o que implica observar
os significados nativos e seu histrico. A forma como seus significados tomam
realidade e implicam no desdobramento de aes no Campo das ONG/AIDS.
A ideia de Campo, aplicada ao cenrio das ONG/AIDS, aqui projetada,
tem seu aporte terico metodolgico nas teorizaes de Pierre Bourdieu.
O conceito de Campo ressalta uma espcie de microcosmo social que
goza de uma autonomia a partir da instituio de regras e uma economia simblica
particular. H nele relaes objetivas que influenciam a relao entre os agentes e a
ao, delimitando uma lgica de ao particular a ele enquanto universo social
(BOURDIEU, 2001, 2003; CHAUVIR; FONTAINE, 2004).
O Campo se traduz como um espao social no qual grupos se relacionam
por meio de diferentes posies sociais ocupadas pelos agentes, a partir do
desenvolvimento histrico do prprio campo, recheado por disputas e jogos de
interesses. Sendo assim, um espao relacional e um sistema de posies alterveis
e contestveis. O campo marcado por diferentes capitais sociais que engendram
as disputas e os significados em jogo (BOURDIEU, 2001, 2003; CHAUVIR;
FONTAINE, 2004). Para se entender o Campo, necessrio observar o Habitus
enquanto estrutura estruturante.
O Habitus um sistema de disposies durveis e alterveis, do qual os
sujeitos tomam parte da sociedade ou dos espaos sociais. As condies histricas
auxiliam na delimitao de Habitus especficos e seus sistema de disposies,
observando assim certa autonomia dos espaos socais. O presente conceito no
visa a uma determinao histrica das condutas dos agentes e nem tampouco
remete a um essencialismo social. O Habitus no constri destino. Seria antes uma
espcie de [...] matriz cultural que predispe os indivduos a fazerem suas escolhas
(SETTON, 2002, p. 61). Carrega consigo uma dialtica enquanto estrutura
estruturante. um sistema aberto que permite trocas de experincias anlogas
entre os indivduos, e entre os campos. Segundo Bourdieu (2001), o Habitus estaria
inscrito nos corpos e sempre em construo.

29

A total coerncia, ou melhor, a total reproduo das estruturas, no uma


perspectiva contemplada pelo habitus. O princpio que funda o conceito o
da relao dialtica entre uma conjuntura e sistemas de disposies
individuais em processo de interao constante com as estruturas. Assim, a
perspectiva histrica, a interpenetrao entre passado, presente (trajetria)
e futuro (o devir) so dimenses constitutivas dos habitus individuais
(SETTON, 2002, p. 65 66).

No Habitus, esto inscritos a criatividade, as relaes objetivas entre os


agentes e os diferentes modos de condutas.
Habitus e Campo tm uma espcie de cumplicidade ontolgica. So
conceitos relacionais que nos permitem observar as analogias entre as
subjetividades individuais e objetividades estruturadas, a exemplo das regras de
condutas e os significados.
E, ainda, versando sobre o Habitus, em sua forma relacional, pensamos
esse enquanto conceito chave para exploramos um eventual Campo das ONG/AIDS
em Joo Pessoa, pensando o ativismo social, tendo em vista as confluncias e
distanciamentos entre os atores, que foram aqui escolhidos.

Concebo o conceito de habitus como um instrumento conceptual que me


auxilia pensar a relao, a mediao entre os condicionamentos sociais
exteriores e a subjetividade dos sujeitos. Trata-se de um conceito que,
embora seja visto como um sistema engendrado no passado e orientando
para uma ao no presente, ainda um sistema em constante reformulao
[...] Habitus uma noo que me auxilia a pensar as caractersticas de uma
identidade social, de uma experincia biogrfica, um sistema de orientao
ora consciente ora inconsciente (SETTON, 2002, p.61).

As noes de Campo e Habitus surgem em nossa pesquisa como


instrumento conceitual para a observao do ativismo em suas diferenas a partir de
atores em conflito. Os conceitos nos permitem construir anlises para captar as
aes em rede de organizaes e movimentos, como se propem a AAP e FOAP.
E, ainda, captar aspectos particulares das organizaes e dos sujeitos.
A ideia de rede que aparece no presente trabalho um conceito nativo,
que faz meno a construo coletiva de aes polticas e intervenes, como lgica
de ativismo (Ator/Sujeito). uma esfera de articulao que delega atividades a seus
membros, a exemplo do conselho municipal de sade no qual Irene, Ativista ligada
ao Centro da Mulher 8 de Maro, representa o FOAP. A rede visto pelos atores do
campo como esfera legitima de construir respostas a AIDS. A noo de rede implica

30

a literatura das cincias sociais um tipo de anlise que vai alm de uma organizao
coletiva de instituies. Implica desafios.

Os movimentos em rede enfrentam vrios desafios. O primeiro a ser


destacado a passagem de um tipo de organizao identitria, como
ocorria com os novos movimentos sociais, s redes multi-identitrias, como
ocorre nos fruns, isto , a passagem de organizaes em torno de
temticas especficas (p. ex.: gnero, etnia etc.), para aes de coletivos
que contemplam a incluso de uma ampla diversidade de sujeitos. Face a
esse contexto de mudana do perfil na atuao de grande parte dos atores
coletivos, o debate acadmico tambm vem mudando seus enfoques:
as polmicas entre o carter dos novos movimentos sociais versus
movimentos sociais tradicionais vem sendo substitudas pelas anlises
da natureza e dos significados polticos e culturais das relaes entre
atores coletivos diversificados. Portanto, em lugar de pensar-se o
movimento especialmente como organizao identitria autnoma,
necessrio buscar a relao interorganizacional, as ambigidades e os
desafios que redes plurais apresentam e, ainda, o que essa forma de ser
movimento traz para o empoderamento da sociedade civil, contribuindo ou
no para a mudana social. (SCHERER-WARREN, 2007, p.20).

Na dificuldade de interpretar a luta contra AIDS enquanto um movimento


em rede, colocamos a ideia de Campo e Habitus, pois permite captar diferenas
que emergem no cenrio aqui desenhado. Por exemplo, quando o Articulador da
AAP enfatiza que o diferencial da sua rede que as instituies que ali esto
dedicam o seu trabalho completamente questo do HIV/AIDS e no as tm apenas
como uma pontinha na sua agenda. Diferena que surge tambm quando alguns
atores da FOAP dizem que o seu espao mais democrtica por agregar diferentes
instituies ligadas a outras causas, como LGTB e o Feminismo, o que permitiria
aproximar a sociedade da luta contra a AIDS, como causa comum a todos. O que se
nota que ambas as esferas oferecem um significado do que seria pertinente para
um ativismo qualificado. Em nosso caso, rede ser visto como um conceito
nativo, enquanto Campo nossa categoria analtica.
Somado aos fatos anteriores, h a questo propalada nas entrevistas,
reunies e conversas informais, que seria a crise das redes, que no estavam mais
conseguindo aglutinar instituies e movimentos em volta da temtica, pois, alm do
fechamento de algumas instituies, outras instituies se voltaram para suas
demandas internas de modo a no sobrar espao para o tema do HIV/AIDS, a

31

exemplo da Cunh16 e Bamidel17. Ainda, em conversas informais, alguns ativistas


destacam que algumas instituies s aparecem nas reunies quando h algum
interesse prprio em jogo, esquecendo-se de um bem comum.
Assim, observamos, aqui, que conceituar uma rede no HIV/AIDS, em
Joo Pessoa, implicaria dificuldades, que vo desde a validade da ideia de
movimento em rede a uma ideia de ativismo.
O Campo e o Habitus conseguiram, dentro do cenrio apresentado,
organizar os elementos micos, o ativismo e seus conflitos enquanto campo de
disputas (BOURDIEU, 2001, 2003; CHAUVIR; FONTAINE, 2004).
Assim, contemplamos como objeto de pesquisa: Estudar o ativismo na
luta contra o HIV/AIDS a partir do Campo das ONG/AIDS, tendo em vista as
disputas, significaes e diferenas que se constituem na cidade de Joo Pessoa.
Observaremos alguns questionamentos: O que define o campo das
ONG/AIDS em Joo Pessoa? O que que est em jogo? Quais so seus fins? Qual
a histria desse campo? Que princpios de compreenso e explicao so criados
nesse campo em relao ao HIV/AIDS? Que viso de mundo partilha aqueles que
esto no campo? Quais so os atores desse campo e que posies ocupam? Qual a
relao entre eles? Quais so as relaes de fora existentes no campo quais as
estratgias que os agentes mobilizam? Como se repartem os capitais dentro do
campo? Quais so os capitais especficos desse campo?

1.4 O objeto de Estudo: delimitaes.

Delimitado o objeto de estudo e seu cenrio, colocaremos agora os


aspectos operacionais da pesquisa.
Como destacaremos o ativismo na luta contra a AIDS na cidade de Joo
Pessoa, partimos de uma ideia de Campo de ONG/AIDS, observando o habitus

16

Mais informaes no link: http://www.cunhanfeminista.org.br/

17

Mais informaes no link: http://www.bamidele.org.br/site/?p=157

32

proveniente de esfera, focando nos capitais sociais em jogo, nas posies que os
sujeitos ocupam no campo e as disputas que nele surgem.
A pesquisa de campo iniciou-se em outubro de 2010 e finalizou em
outubro de 2011. Nesse perodo, nos meses de novembro e dezembro de 2010,
havia reunio do GT de Adeso que acabou no acontecendo por falta de qurum.
Com relao a reunies do FOAP e da AAP, no me foi comunicado nada. Em
janeiro de 2011 houve um recesso. Em agosto e setembro de 2011 no pude
participar das reunies, pois me encontrava em atividades acadmicas no perodo
em que elas aconteceriam. Assim, a pesquisa aconteceu nos meses de outubro e
dezembro de 2010 e de janeiro a julho de 2011. E ainda mais dois encontros em
setembro e em outubro de 2011, porm foram atividades do FOAP, pois o GT de
Adeso encontrava-se desativado aps os impasses nas discusses sobre a Casa
de Apoio.
Participamos de cerca de onze reunies, entre GT de Adeso e FOAP, e
ainda do dia luta contra a AIDS - 1 de dezembro de 2010.
Participamos nos dias 22, 23 e 24 de agosto da Macro-Nordeste, que
um encontro anual em que participam profissionais de sade os gestores municipais
e estaduais da regio nordeste, no qual discutem proposta e apresentam
experincias de polticas pblicas na rea do DST/AIDS.
Escolhemos quatro atores como representativos na luta contra AIDS em
Joo Pessoa, na atualidade, no que tange s ONGs. So elas: o Cordel Vida, a
Misso Nova esperana, A Amazona e o Movimento do Esprito Lils (MEL). As trs
primeiras desenvolvem trabalhos com foco na AIDS, a partir de condies de
atuao diferentes. Elas so denominadas de ONG/AIDS. O MEL uma ONG ligada
ao Movimento LGBT, que tem um longo histrico no cenrio do HIV/AIDS em Joo
Pessoa. uma das instituies que fundou o Frum de ONG/AIDS da Paraba e tem
participao no trabalho da ESSOR/Brasil, que resultou na criao da Amazona na
cidade de Joo Pessoa. Participa desde a dcada de 1990 da luta contra a AIDS em
Joo Pessoa. Desenvolve trabalho de preveno junto a homossexuais e
atualmente tem como foco o apoio a pessoas vivendo e a participao em espaos
pblicos de controle social.

33

Entrevistamos, ainda, o gestor do municpio de Joo Pessoa do programa


de DST/AIDS, uma Ativista do Grupo de Mulheres Lsbicas Maria Quitria e uma
nova entrevistam com a ex-articuladora do FOAP e atual Coordenadora de
Preveno DST/AIDS CTA Joo Pessoa/PB, pois esses atores tm, em suas
falas e histrias no ativismo, importantes dados sobre o cenrio atual.
Destacamos, ainda, a atuao e o papel da Casa de Convivncia
Positiva, da Gesto Estadual do programa de DST/AIDS da Paraba e do Centro da
Mulher 8 de Maro, nas reunies que participei por entender que esses so
importantes atores institucionais para compreender o nosso objeto de pesquisa.
A escolha das instituies est relacionada posio que elas ocupam no
cenrio da pesquisa.
Observamos o tipo de ligao que as instituies mantm com coletivos
de Organizaes na configurao do Movimento AIDS, atualmente. Como j
destacamos, h dois coletivos que se autodenominam rede de movimentos e
instituies: o frum de ONG/AIDS da Paraba (FOAP) e a Articulao AIDS da
Paraba. Esses so as duas principais esferas nas quais as prticas das ONGs vo
alm das aes particulares. As duas esferas no detm nenhum tipo de atuao
conjunta e, por vezes, tm linhas de ao e interveno discordantes.
H disputas por legitimidade entre as ONGs, que so elementos
constituintes do cenrio do ativismo. Enfatizar a participao de atores diversos por
parte da FOAP, como um espao multidentitrio, o meio tido como legitimador da
prpria atuao. Para a AAP, o fato de suas organizaes trabalharem
prioritariamente com o HIV/AIDS, representa a unidade institucional das ONGs, e
seria o elemento legitimador da prpria atuao.
H uma disputa tambm por questes ligadas ideia de controle social
por vezes divergente, que as instituies e redes sustentam nas suas atuaes. O
controle social na rea da sade enfatiza a busca por formas no s de fiscalizao
de polticas pblicas, bem como da participao na construo das polticas e ainda
na participao em instncias deliberativas: Conselhos de sade Municipal,
Estadual, Nacional e as Conferncias de Sade.
O controle social mais um tipo de ligao que as instituies mantm
com o poder pblico. Essas ligaes existem tanto a partir do financiamento de

34

projetos, pactuaes em instncias deliberativas como o Plano Anual de Metas do


Municpio e a organizao de eventos em conjunto.
Assim destacamos O Cordel Vida, A Amazona e a Misso Nova
Esperana, por terem papel de destaque dentro dos coletivos. So as trs principais
ONG/AIDS no atual cenrio municipal. Participam ativamente do Movimento AIDS
por meio de trabalhos especficos e nas redes.
O MEL foi escolhido por seu histrico no cenrio, como j destacamos,
sendo a mais antiga instituio ligada ao movimento LGBT a fazer parte da luta
contra a AIDS no municpio. Participa ativamente das instncias de controle social e
uma das instituies fundadoras do FOAP.
Essas escolhas apontam a relao entre atores e informantes enquanto
condio para a melhor descrio analtica do Cenrio das ONG/AIDS. Entendo que
as prticas e os discursos se complementam na compreenso das situaes de
conflito e dos significados que surge da.

1.5 Observao participante ou participao observante?

Para a realizao da pesquisa de campo, adotamos a observao


participante como meio de acompanhar as prticas dos atores, os significados e as
transformaes ao longo de um perodo de tempo determinado. A observao
participante nos permitiu acompanhar quais os rituais que se constroem entre os
atores no cenrio, permitindo assim mapear os pontos dissidentes e convergentes
entre as instituies, redes e sujeitos. Com relao observao participante, Alba
Zaluar (1988) e Ruth C.L Cardoso (1988) colocam que essa implica um tipo de
estratgia, que vai alm da insero privilegiada no cerne dos acontecimentos,
colocando o pesquisador, por vezes, na condio de uma participao observante.

A pesquisa poltica tambm no sentido restrito de que impem ao


pesquisador a necessidade de montar estratgias e tticas para conseguir a
sua participao (ou presena) no grupo. Para isso o pesquisador se engaja
num circuito de trocas que no se limita s mensagens das conversas e
entrevistas. Presentes, atenes, pequenos favores, e, mais fortemente,
atitudes definidas em situaes de impasse em que est em causa sua
aliana com o grupo estudado ou com os seus inimigos [...] (ZALUAR,
1988, p. 116).

35

Na observao participante, a questo do ativismo surgiu-nos como uma


categoria mica, que me trazia novas estratgias de observao no grupo estudado.
Essa noo implica significados plurais em jogo. Como lembra Geertz (2008) os
significados so contextuais e a partir da sua forma mica que se entende o outro.
Quando passamos a compartilhar dos significados nativos e das prticas dos
sujeitos nos espaos sociais, que nos tornamos capazes de estabelecer uma
interpretao plausvel ao entendimento do objeto de pesquisa.
Ao longo da pesquisa, uma tenso esteve presente nas observaes. Nas
varias reunies das quais participamos, as pessoas sempre se apresentavam
falando sobre o nome e a qual instituio pertencia. Sempre nos apresentamos
como aluno da Ps-Graduao de Sociologia da Universidade Federal da Paraba,
enfatizando que estava nas reunies e eventos na condio de pesquisador, o que
envolvia mais acompanhar as discusses do que participar das discusses.
medida que fomos criando laos com os atores, eles passaram a incentivar uma
participao mais ativa de modo que nos integrssemos ao grupo e s discusses.
No dia 13 de abril de 2011, na Casa de Convivncia positiva, no intervalo
de uma reunio, um dos ativistas se aproximou e ao cumpriment-lo ele disse que
ns ramos agora amiguinhos deles; outra ativista disse que ns acabaramos
ficando com eles e entrando na luta. Em conversas informais e reunies, as
pessoas, sempre que conversamos, pareciam me indagar com algumas questes
esperando algum tipo de posicionamento que fosse alm do pesquisador. Era quase
como se devesse assumir tambm o papel de ativista na luta contra a AIDS.
Notamos que alguns atores esperavam de ns uma participao mais proativa.
Sentamos uma espcie de cobrana sobre o nosso papel. Isso nos fez lembrar as
discusses sobre o distanciamento na pesquisa e o modo como o trabalho de
campo possibilita o dilogo entre os significados nativos e do pesquisador.
No dilogo com autores como Ruth C. L. Cardoso (1988) Alba Zaluar
(1988) Geertz (2008) Roberto Cardoso de Oliveira (1998) e Lus Roberto Cardoso de
Oliveira (2007), encontramos os fundamentos para o desenvolvimento da
sensibilidade necessria ao pesquisador nas cincias sociais que estuda as
sociedades complexas.

36

Passamos a observar o constante movimento de estranhamento e do que


venha a se tornar familiar, no sentido de uma ponderao crtica frente ao campo,
para que a pesquisa se constitua num exrcito de maturidade intelectual e de
prtica no campo, observando a nossa capacidade de multipertencimento.
Os autores com os quais dialogamos observam que o trabalho de campo
representa um exerccio reflexivo, no qual compartilhamos sentidos e prticas
sociais. Assim, quando os ativistas questionavam nosso distanciamento, eles
promoveram um tipo de aproximao que nos permitira observar o habitus e os
capitais sociais que estavam em Jogo no ativismo no campo das ONG/AIDS em
Joo

Pessoa.

Resumindo,

pesquisa

de

campo

carrega

tenso,

observar/participar como condio dos encontros entre pesquisador e pesquisador.


Desse

modo, a observao participante e o dirio de campo

fundamentaram a situao social do Campo das ONGs/AIDS em Joo Pessoa, no


perodo aqui delimitado, juntamente com as entrevistas de atores especficos.

1.6 Fazendo Entrevistas

Como parte do processo de pesquisa, foram realizadas sete entrevistas


com atores no campo das ONGs/AIDS do qual cinco so de atores das instituies
destacadas para o entendimento do campo. As outras duas entrevistas, gesto
municipal e um membro do Grupo de Mulheres Lsbicas Maria Quitria nos
auxiliaram no mapeamento do campo e na escolha dos atores institucionais e
individuais que ponho em destaque. Enquanto tcnica que consiste na interao
verbal entre duas pessoas, a entrevista coloca em cena os significados do
pesquisador e do pesquisado. Desse modo, as entrevistas, a partir da interpretao,
so permeadas pela forma como os sujeitos se relacionam e se compreendem.
Ambos se expem e colocam em cena, por vezes, vises arbitrrias e dissonantes.
O que buscamos uma forma relacional em que as mediaes da anlise conceitual
e as percepes no campo enquanto pesquisador/entrevistador sejam reflexivas
com as vises de mundo do pesquisado/entrevistado, de forma a no tomar as

37

atitudes e falas como aes naturalizadas que velam uma verdade (BOURDIEU,
1999). Devemos ter em mente que a fala advm de um lcus, que, neste estudo, foi
o ativismo e o movimento em rede, carregada de lgicas simblicas, onde, aps as
participaes nas reunies, visita as entidades e conversas informais com os
diferentes atores, tomamos parte e colocamo-nos enquanto sujeito e pesquisador.
Tornou-se uma relao de troca. Uma espcie de dar, receber e retribuir, como
atenta Mauss (2003), como uma relao entre sujeitos que, dialogicamente,
relacionam sentidos e constituem laos sociais.
Escolhemos a entrevista semiestruturada, pois havia a necessidade de
relacionar elementos exploratrios com informaes de carter fechado, a exemplo
de perguntas sobre ano de fundao da entidade e sua temtica principal; o que a
entidade seria,se uma casa de apoio, uma entidade de assistncia jurdica, de
direitos civis e, ainda, com relao personalidade jurdica, se uma fundao,
ONG ou outros. Juntamente com perguntas de carter mais descritivo sobre o que
AIDS para o entrevistado ou na viso da organizao, o tipo de envolvimento da
ONG ou entidade com o tema da AIDS, a descrio do papel da ONG ou entidade e
qual seria a agenda da entidade em relao ao HIV/AIDS .
O uso de entrevistas visa captar aspectos referentes atuao das
instituies e dos atores escolhidos. Autores como Manzini (2004), Boni e Quaresma
(2005) colocam essa captao de relatos a partir de uma ideia de adequao que
versa sobre problemas como alto grau de generalidade das perguntas e a da
tomada destes como fatos em si. Ento, aqui, vislumbramos os relatos das
entrevistas como vises sobre os fatos, e que nos do uma verso sobre as
situaes e a histria dos sujeitos (sejam indivduos ou atores coletivos), tendo em
conta o contexto. Nesse sentido, quando partamos para entrevista tnhamos
expectativas sobre os atores e na capacidade do nosso fazer.
Com relao a entrevistas, h questes pontuais que descreveremos para
termos a noo dos entraves que acometeram o presente processo.
O roteiro de entrevista foi estruturado em trs eixos voltados s
percepes dos ativistas sobre os tipos de aes desenvolvidos pelas entidades e a
rede que faziam parte, bem como a militncia. Ainda aborda questes pontuais

38

como a estrutura das instituies, o surgimento e o ingresso do entrevistado na


organizao em questo.
Conseguir a primeira entrevista foi relativamente simples. Essa se deu na
primeira visita no Cordel Vida e guardava a expectativa de me mostrar melhor o
cenrio em Joo Pessoa. A primeira entrevistada deu-se no primeiro contato. Foi
durante a entrevista que descobrimos que a pessoa era a articuladora do Frum das
ONG/AIDS da Paraba, o que nos possibilitaria uma entrada rpida no campo e certa
aceitao pelo grupo.
O dilogo com a orientadora Mnica Franch e o co-orientador Rogrio
Medeiros sobre o roteiro e o processo de fazer uma entrevista, aps a realizao da
primeira, mostrou-nos a necessidade de adoo de critrios mais diretivos para a
escolha das pessoas. Porm tnhamos dvidas como construir esses critrios de
escolhas, o que resultou na necessidade de um longo tempo de busca.
Primeiro, ao escolhermos o GT de adeso e a Reunio do Frum de
ONG/AIDS como espao de observao privilegiada, por serem rotineiramente
realizadas uma vez por ms, passamos a observar os frequentadores e o modo
como eles se colocavam nas reunies e ainda a acompanharmos as conversas
informais. A escolha poderia contemplar diversas vertentes como a escolha de
pessoas que pouco se manifestam nas reunies, tentando ver algo no silncio delas,
ou somente instituies vinculadas a lutas culturais identitrias como os grupos
LGBT e Feministas e ainda somente pessoas com HIV/AIDS. Assim, teramos um
objeto unitrio e coeso. Porm escolhemos os sujeitos a partir da frequncia nas
reunies e pelas intervenes que eles faziam nas reunies e ainda pelo tempo que
as organizaes estavam filiadas s redes. De certo modo, sem notar, demos maior
nfase s reunies como espaos de militncia, correndo o risco de caracterizar
estes como espaos por excelncia. Um aspecto problemtico da nossa escolha foi
que, ao faz-la, contemplamos uma rede, o Frum, em prejuzo da outra, a
Articulao.
Um adendo aqui se faz necessrio para o entendimento dessa escolha.
Encontramos dificuldades quando passamos a ideia de pesquisar sobre o ativismo a
partir da rede ou teias em Joo Pessoa, com relao Articulao AIDS Paraba. A

39

primeira delas era com relao existncia de somente uma instituio atuante na
cidade, at aquele momento, a Misso Nova Esperana, e a falta de reunies
mensais daquela rede. Confessamos que no nos dispusemos a construir outra
estratgia para buscarmos uma comparao mais fidedigna entre elas, porem ficaria
um tanto difcil para somente um pesquisador acompanhar tantas instituies. Na
Articulao eram cerca de seis instituies e no Frum aproximadamente 20
organizaes, lembrando que elas se distribuem por cidades como Cajazeiras,
Bayeux, Campina Grande, Mari, Solnea e outros. Assim, um trabalho hercleo
para o tempo de dois anos em Mestrado, que se divide entre aulas, pesquisa,
participao em eventos e a confeco de material para a publicao e discusso
das suas interpretaes.
Assim, no que diz respeito Articulao, analisaremos uma entrevista
realizada com o Informante da Misso no perodo da pesquisa realizada pelo
GRUPESSC, j citada aqui, e outra realizada por nos com foco especfico nesta
pesquisa. Em defesa dessa escolha metodolgica, bom ressaltar que a viso
desse nico informante fora representativa, pois ele parte da dissidncia que
saiu do Frum e formou a Articulao em 2005, constituindo-se no contradiscurso
com maior expresso devido ao tipo de relao entre as duas redes. Seu relato
coloca em cena dissonncias do campo do HIV/AIDS na cidade.
Uma questo posterior delimitao de diretivas bsicas das escolhas
dos entrevistados seria a adequao do tempo de pesquisa ao tempo dos sujeitos.
Uma coisa que devemos ter em mente, quando se pesquisam movimentos sociais e
aes coletivas a agenda de lutas como algo malevel s necessidades
momentneas que possam surgir, no nosso caso, em especfico, soma-se com a
perspectiva do controle social, como a participao em conferncias, reunies com
gestores, participao em outras redes e apoio a causas paralelas. Assim, era
necessrio entrar no ritmo dos sujeitos, instituies e das redes para que
pudssemos realizar as entrevistas.
Refletindo a partir de Tornquist (2007), vemos a entrevista no enquanto
ato, mas como um tipo de processo, que deve incorporar a precariedade do tempo,
a mobilidade dos sujeitos e as escolhas dos entrevistados. Nesse sentido, Geertz
(2008) nos mostra que a convivncia nos espaos permitiu que o pesquisador

40

passasse a compartilhar os significados e adentrar no universo simblico dos grupos


pesquisados. Assim, mesmo as conversas informais em bares ajudam a criar laos
entre o pesquisador e pesquisado, que nos possibilitaram a observar como a
dinmica de vida das pessoas. Elas relatavam, s vezes, que estavam cansadas por
ter muitas tarefas a desenvolver nas ONGs e nas esferas a que estavam ligadas,
como reunies com o poder pblico, participao em conferncias de sade e
polticas pblicas e a participao em redes de instituies como o FOAP e AAP,
deixando a vida pessoal de lado. O que h de significativo nesse tipo de encontro
a proximidade que se constri entre os atores e o pesquisador, permitindo entender
significados prprios ao campo.
Quando Geertz (2008) narra a sua fuga da polcia em Bali na repreenso
briga de galo e o como esse episdio representou sua aceitao pelo grupo,
lembra-nos que atos no planejados podem criar laos de afetividade que nos
permitem tomar parte do universo simblico cotidiano das pessoas pesquisadas.
Desse modo, a cordialidade foi sendo construda entre mim e alguns ativistas. Isso,
por sua vez, influenciava nas entrevistas, pois os atores sempre se mostravam
solcitos quanto a me atender e colocavam suas impresses e queixas com relao
ao cenrio atual em Joo Pessoa, tanto no que tange a falar sobre o poder pblico e
ativistas de outras redes, bem como de ativistas prximos a eles. No foi uma fuga
das autoridades (Geertz, 2008), mas aceitar convites para participar em algumas
ocasies e nos mostrarmos solcitos ao que eles desejassem (como numa situao
no MEL onde nos perguntaram se podamos contribuir com algum material sobre a
histria do movimento LGBT em relao AIDS para a confeco de um Jornal e
ns nos colocamos disposio) fez parte do processo de aceitao.
Outro elemento que surgiu ao nos debruarmos sobre o campo, com
relao s entrevistas, foi o tipo de contato mantido entre o poder estatal, os
ativistas e a rede. Essa relao se tornou clara na primeira entrevista com um
ativista do Frum e perguntamos qual era a relao da rede com o poder pblico em
suas trs esferas, federal, estadual e municipal, pois ela nos revelou que o atual
coordenador do programa municipal de DST/AIDS de Joo Pessoa foi articulador do
Frum na metade da primeira dcada do sculo 21. Assim, entrevistar o gestor
apareceu-nos como uma das formas de mapear a histria recente do campo do

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HIV/AIDS em Joo Pessoa. A primeira entrevista foi ao fim de outubro de 2010. Em


novembro e inicio dezembro, participamos do GT e do 1 de dezembro que o dia
mundial de combate a AIDS.
Retomamos nossas observaes em fevereiro de 2011 com a articuladora
que nos passou a agenda de contato do Frum com todas as organizaes e me
avisou que estava se retirando, pois havia sido convidada pelo coordenador
municipal para trabalhar no programa municipal de DST/AIDS. Na reunio de maro
de 2011, um sujeito que trabalhava na assessoria do Gabinete do Deputado
Estadual Frei Anastcio participava da reunio do Frum, relatou no momento da
apresentao das pessoas que tinha sido militante na AIDS e um dos fundadores da
rede. Esse panorama chamou nossa ateno necessidade de entrevistar essas
pessoas para ampliar a compreenso sobre o campo.
Na literatura, encontramos uma tenso na relao entre a chamada
sociedade civil e o Estado. Em alguns momentos, em uma breve observao, a
partir dos aspectos histricos do conhecimento a respeito de tal temtica, nota-se
uma movimentao entre a ideia de anttese e cooperao, quase como um
movimento pendular (TEIXERA, 2003; LANDIM, 1993). No que tange ao campo da
doena, tal pndulo absorve seu movimento a partir, principalmente, da capacidade
do poder pblico em oferecer respostas frente ao quadro social. No que tange
AIDS, essas respostas esto ligadas no s ao elemento bio mdico, mas tambm
a questes de garantias de cidadania e ainda ao modo como se configura a
participao da sociedade civil, em nosso caso como rede de organizaes no
governamentais, nas instncias de deliberao e execuo das aes (GALVO,
1997; PARKER, 2000).
Assim como se dariam as tenses quando o gestor um ex-membro? E
de que modo a relao Estado/Sociedade civil afetada? Outro elemento que se
soma a tais questionamentos era o fato de que, em algumas conversas informais
com alguns ativistas, ressaltava-se que o Estado faz muito pouco, quando faz mal
feito e que eles sempre fazem melhor aquilo que no deveria ser o seu papel, pois
suas aes ocupariam os espaos onde as polticas pblicas so inexistentes.
Essas nuanas conferirem a importncia da realizao das entrevistas com a

42

Gesto da seco DST/AIDS e a Coordenao de Preveno DST/AIDS CTA de


Joo Pessoa, ambos vindos de uma ONG pertencente ao Frum de ONG/AIDS.
Nas entrevistas com utilizei o roteiro para as ONGs como base, porm
enfatizei mais a histria de vida deles tendo em vista todo seu caminho at a esfera
estatal e ainda focamos em elementos sobre a diferena entre a atividade no setor
estatal e na sociedade civil organizada. Ainda buscamos a viso deles sobre o modo
como a militncia feita hoje na cidade. interessante notarmos que, nas
entrevistas, as respostas se aproximam, porm tm tonalidades diferentes, em
principal pelo fato que o Gestor est na seco h seis anos e a Coordenadora
somente cinco meses no momento da realizao da entrevista. O interessante que
ela continuou at aquele momento realizando um trabalho voluntrio que tinha
iniciado no ano de 2010 junto a ONG. Assim a tenso tomou parte da sua condio.
Entrevistas, como mostramos, no so mera captao e transcrio de
dados que guardam a verdade dos fatos. So, antes, relatos que nos possibilitam
constituir,

junto

com

nossas

escolhas

de

anlise

reflexo

cientfica,

verossimilhana acerca dos sujeitos e temas que estudamos. Sujeitos esses que, de
diferentes modos, contribuem para o processo de entrevistar. Seja mostrando algo
pertinente a se explorar por meio de bate papos descontrados ou crticos com
relao atuao do outro, a exemplo do poder Estatal. Seja essa crtica
veladamente, seja sobre a atuao do gestor, que um ex participante da rede ou
que culpa o poder pblico, apontando para a burocracia de modo a preservar os
gestores. Ou ainda elogiando e criticando o modo como as instituies e os ativistas
fazem uso da rede.
O fazer a qual pretendemos no uma forma mimtica da realidade, nem
tampouco uma forma mstica. antes um tipo de saber que reorganiza a realidade,
sendo assim parte dela, de um ponto de vista socioantropolgico de modo que
possamos observar o cenrio social e assim construir um tipo de conhecimento
vlido no s para as cincias sociais, mas tambm que dialoga com qualquer
sujeito a que possa interessar.
Assim, a

pesquisa analisa questes sobre o ativismo e suas

peculiaridades no campo das ONG/AIDS na atualidade, observando as polticas de

43

enfretamento ao HIV/AIDS no Brasil, destacando a particularidade das relaes


entre Estado e Organizaes no governamentais e entre as ONGs, da qual as
ONG/AIDS tomam parte. Desse modo, visamos reconstruir sinteticamente o modo
como campo se institui em Joo Pessoa. Assim, compartilhamos da premissa
analtica de Joo Biehl (2007): A resposta brasileira marcada pelo jogo de foras,
e, s vezes por lobby, entre os interesses das instituies e grupos.
Passaremos a analisar, nos prximos captulos, as relaes que instituem
o campo das ONG/AIDS no Brasil e os elementos que caracterizam o tipo de
ativismo, com seus habitus e sistema de disposies, presente no cenrio histrico
da luta contra a Aids. Observaremos, assim, os elementos estruturais e estruturantes
presentes no cenrio estudado.

44

2 Captulo - O Campo das ONG/AIDS.

Quando a AIDS surge no Brasil na dcada de 1980, o pas passava por


uma grave crise econmica e por um processo de reabertura poltica. Nesse perodo
de instabilidade poltica econmica, o sistema de seguridade social era precrio,
havia forte desemprego e comeava a se configurar uma nova poltica econmica
para a Amrica latina, proposta pelo Banco Mundial e o Fundo Monetrio
Internacional (SCHILINDWEIN e SHIKIDA, 2000).
Nesse cenrio, surge uma nova doena que implica desafios no s na
rea da sade coletiva, mas com relao a direitos e capacidade de resposta do
Estado e da sociedade civil.
O primeiro caso de AIDS no Brasil foi notificado, retrospectivamente, na
Cidade de So Paulo no ano de 1980.
Quando o HIV/AIDS surge na dcada de 80 do sculo XX, traz consigo
uma srie de questes quanto discusso sobre a sexualidade, a cidadania e os
preconceitos, como principais. Os significados que se formaram, em torno da
doena, relacionado aos comportamentos dos sujeitos e grupos sociais, construram
um cenrio marcado por medos, discriminao e culpabilizao dos soropositivos,
que aponta para a morte social dos sujeitos (GALVO, 1997).
Os homossexuais, as prostitutas e os usurios de drogas foram os grupos
que sofreram o maior impacto no cenrio formado na dcada de 1980, carregando
uma imagem de culpados, enquanto os hemoflicos eram vistos como vtimas da
AIDS (BARBAR, SACHETTI E CREPALDI, 2005).

Diante desse quadro, insurgia-se como demanda para um enfrentamento


epidemia, o reordenamento da assistncia sade, no sentido de prestar
uma ateno adequada s pessoas soropositivas e com Aids. Nesse caso

45

temos uma ampla gama de reivindicaes que vo desde a criao de


recursos para diagnstico, at apoio psico-social para familiares e amigos
das pessoas doentes. Temos tambm o combate ao preconceito e s
estigmatizaes e, mais tarde, a construo de novas referncias
discursivas para a vivncia da soropositividade. A experincia da
soropositividade e da Aids apontam para uma nova condio social
vivenciada por homens e mulheres (SPINELLI JUNIOR, 2006, p. 94).

Nesse cenrio, segundo Jane Galvo (1997), as primeiras manifestaes


da sociedade civil surgem contra o preconceito e a falta de assistncia s pessoas
vivendo com HIV/AIDS, construindo, assim, as primeiras demandas da luta contra a
AIDS. As primeiras manifestaes so realizadas pelos grupos Outra Coisa e o
Somos, ligados ao movimento gay paulista, e pelo Grupo Gay da Bahia - GGB.
Esses grupos passam a fazer e distribuir material informativo no intuito de levar
algum tipo de informao s pessoas, no caso especificamente ao pblico
homossexual. Trata-se de movimentos que j existiam, vinculados ao que podemos
chamar de causa gay, e que passam a incorporar a temtica da AIDS entre suas
bandeiras. Isso por duas razes: epidemiologicamente, o avano da epidemia no
Brasil comea atingindo populao de prticas homossexuais dos centros urbanos;
socialmente, os homossexuais passam a ser alvo de preconceito, que se expressa
nas primeiras metforas relativas doena peste gay ou cncer gay. Por fim, o
movimento gay j tinha uma expressiva atuao na sociedade brasileira,
acompanhando o processo de redemocratizao, e sobre essa base que se
assentam os primeiros esforos de articulao da sociedade civil em torno da AIDS.
Segundo Valle (2002), as primeiras empreitadas da sociedade civil eram
feitas com recursos precrios e falta de pessoal, mas com as iniciativas de grupos
como o GGB, Somos e Outra Coisa, que comeam a surgir em meados da dcada
de 1980, outras iniciativas.
Em 1983, surge, em So Paulo, a primeira resposta governamental em
relao ao HIV/AIDS. Segundo Teixeira (1997), essa primeira resposta nasce a
partir de um grupo de ativistas homossexuais paulistas, que vo procura, na
Secretaria de Sade do Estado de So Paulo, de uma posio do poder pblico
sobre a nova doena. Assim, constitui-se um grupo de trabalho sob a coordenao
da Diviso de Hansenologia e Demartologia Sanitria do Instituto de Sade/SP, que

46

viria a sistematizar as primeiras formas de atuao e organizao de um servio


pblico de sade voltado AIDS18.
No lastro das tentativas de respostas coletivas frente discriminao, a
cobrana de posicionamento de polticas pblicas e na tentativa de tornar a luta
contra a AIDS em luta por direitos e cidadania, e no somente a assistncia sade,
comea a surgir grupos que trabalham especificamente com o HIV/AIDS.
A AIDS ento comea a ser apropriada por novos atores alm do saber
mdico e dos meios miditicos. Na primeira dcada, as aes dos atores
institucionais e dos sujeitos eram de contestao e enfretamento. Em meio a isso,
nascem s primeiras ONG/AIDS.

O ano de 1985 tambm marca, no Brasil, o incio, ou a consolidao da


apropriao da doena por distintos setores sociais, instituies e indivduos
[...] A AIDS comea a ser apropriada e a gerar campos de disputa:
conhecimento tcnico cientifico, analise socioeconmicas, pesquisas
comportamentais, reflexes bblico pastorais etc. (GALVO, 1992 apud
GALVO, 1997, p.72).

Em 1985, na cidade de So Paulo, surge o Grupo de Apoio e Preveno


AIDS GAPA/SP. Essa considerada a primeira ONG/AIDS do Brasil. Segundo
Contrera (2000), a instituio fruto de uma srie de debates realizados no Hospital
das Clnicas/SP, iniciados em 1983, e tambm de um cenrio de forte
desinformao, discriminao e nenhum tipo de atuao poltica vinculada AIDS.
Era formado por pessoas de diversos segmentos, como profissionais liberais,
professores universitrios e funcionrios pblicos. Surge, primeiramente, segundo
Contrera (2000) em resposta viso estigmatizante proferida pelo saber mdico e
pelas ideias vinculadas pela mdia paulista.
Posteriormente, outras ONG/AIDS viriam a surgir, incorporando diferentes
prticas de atuao, que vo desde grupos de apoio, casas de passagem, a
associaes com um vis de atuao poltica e centros de preveno.

18

Nas anlises contidas no livro Sopa de Letrinhas? Movimento homossexual e produo de identidades
coletivas nos anos 90, Autoria de Regina Facchini (1997) pode se observar com maior profundidade na relao
entre o movimento LGBT e a luta contra a AIDS no Brasil.

47

Por seu turno, as primeiras formas de mobilizao civil realizaram-se por


grupos ativistas gays de So Paulo. A interveno foi por muito tempo
limitada em recursos e pessoal. Mas em 1985, a primeira ONG/AIDS
brasileira e latino-americana foi criada: o Grupo de Apoio e Preveno da
AIDS-So Paulo, GAPA-SP. Assim, a resposta civil foi mais direta e incisiva
do que a governamental. Um amplo processo de criao de ONGs/AIDS
ocorreu, sobretudo a partir do incio dos anos 90. No estado e na cidade do
Rio de Janeiro, as primeiras ONGs/AIDS foram criadas a partir do final de
1986. Foi o caso da Associao Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA),
do GAPA-RJ e do ARCA (Apoio Religioso Contra a AIDS). Em 1989, o
primeiro grupo brasileiro de auto-ajuda foi criado no Rio de Janeiro,
idealizado por um dos lderes da ABIA, o escritor Herbert Daniel: o Grupo
Pela Vidda (GPV), que o acrnimo para valorizao, integrao e
dignidade do doente de AIDS (VALLE, 2002, p. 193)

O que podemos se verificar com o surgimento das ONG/AIDS e com


atuao dos movimentos comunitrios, a exemplo do movimento homossexual,
que os sujeitos que sofreram com a falta de assistncia mdica, discriminao e o
isolamento social, reapropriaram-se da doena de modo a construir novos
significados. Valle (2002) argumenta que esses novos significados visavam
combater uma ideia de morte civil, que vinha sendo vinculados desde o surgimento
da doena pelos veculos de comunicao de pelos meios mdicos.
Em reposta s presses exercidas no s pelas ONG/AIDS, mas tambm
por grupos homossexuais e mais tarde por organizaes feministas, comeam a ser
criadas em outros estados, respostas governamentais epidemia.
Em 1985, nasce a primeira iniciativa federal de resposta a AIDS. O
Programa Nacional da Sndrome da Imunodeficincia Adquirida foi criado com o
intuito de organizar uma resposta global na sociedade brasileira. Em 1986, ele se
transforma em Programa Nacional de DST/AIDS. Segundo Teixeira (1997), o
programa nacional desde o incio toma como referncia os programas estaduais e a
atuao das ONGs. As organizaes no governamentais passavam a ter
participao cada vez maior na organizao das demandas. Assim, o ativismo dos
atores institucionais e sujeitos passam ao fim da dcada de 1980 por uma atuao
poltica, que se aproxima do Estado e por uma atuao solidria. Porm, Galvo
(1997) coloca que muitos dos fundadores das ONG/AIDS, no Brasil, no participam
das reflexes que por ventura existissem naquele momento no pas. Discusses
sobre cooperao e filantropia num plano nacional e internacional no era a
realidade da maioria das ONGs. Aliada falta de uma regulao jurdica que vincule
as instituies a algum campo de atuao, fez com que se constitusse um campo

48

sem mediao, constituindo, ao longo do tempo, um estilo malevel de lidar com a


epidemia, transformando a incluso em sua marca (GALVO, 1997).

Est incluso marcada pela superposio de aes como: advocacy e


servios, interveno e assessoria, pesquisa e aconselhamento. Alm de
trabalhos, em uma mesma entidade com os mais diferentes pblicos e
setores: crianas, adolescentes, empresas, mulheres, gays, escolas,
trabalhadoras (es) do sexo (KLEIN,1994 apud GALVO 1997, p.76).

Outra marca singular desse campo a ideia de solidariedade enquanto


aparato de ao e ideologia de um ativismo social.
A maioria das ONG/AIDS que existiam na dcada de 1980 se volta
construo de uma solidariedade que incorpora uma forma de ativismo que fosse
alm da condio sorolgica dos sujeitos, incorporando qualquer um que tivesse
afinidade com a luta contra a AIDS. Ainda a ideia de solidariedade incorpora uma
prtica que visa promover junto a sujeitos um empoderamento, ou seja, as pessoas
deveriam enfrentar, a partir de iniciativas coletivas ou individuais, os processos de
excluso e discriminao social, em vez de comportarem-se como vtimas.

Discursos de solidariedade existiam desde o incio da epidemia, mas foram


as ONGs/AIDS que sistematizaram seus significados e os tornaram
especialmente ideolgicos. Criticavam sentimentos de pena, o preconceito e
a estigmatizao. O significado de solidariedade foi sofisticado sobre tudo
pelo discurso ideolgico mais coerente de Herbert de Souza, o Betinho, e
de Herbert Daniel, ambos atuando na ABIA. Daniel, por exemplo, falava de
uma atitude contra a morte civil, que seria a situao vivida por pessoas
soropositivas por conta dos preconceitos, dos estigmas e das barreiras de
segredo em torno da doena. Para Daniel, a solidariedade era o mais
perfeito esquema ideolgico contra os processos culturais de
estigmatizao. Os dois entendiam a AIDS como uma questo de direitos
humanos e civis. Em 1989, portanto, a idia de solidariedade estava
completamente incorporada na agenda ideolgica da maioria das
ONGs/AIDS brasileiras (VALLE, 2002, p. 193- 194).

Como lembra Galvo (1997), o campo interno das ONGs/AIDS


brasileiras vai se construindo ao longo dos anos por meio da solidariedade, incluso
e pela capacidade de reinveno das ONG/AIDS. Sua capacidade de tornarem-se
maleveis e hbridas nos cenrios, dita ao longo tempo o modo de estruturao e
transformao do campo de atuao.

49

Um elemento presente no campo das ONG/AIDS a diversidade de


atuaes e caractersticas dos atores institucionais envolvidos. Essa diversidade, s
vezes, implicou divergncias no que tange s discusses sobre a construo de um
movimento nacional de luta contra a AIDS e perdura at hoje.
Um elemento especfico, que ressaltamos aqui, d-se a partir da fundao
do Grupo de Incentivo a Vida/SP (GIV) em 1990. A constituio da instituio se deu
a partir de pessoas soropositivas, recebendo algumas crticas de outros ativistas por
colocar a condio sorolgica como condio de articulao do grupo, no que
possibilitaria uma melhor resposta s pessoas vivendo com HIV/AIDS. A maioria das
ONG/AIDS colocava que o status sorolgico no devia ser condio de articulao
entre os atores para um ativismo qualificado (GALVO, 1997, 2000). Essa uma
questo que se torna forte na dcada de 1990, pois as ONG/AIDS passaram a
incluir questes dos direitos humanos em suas atuaes, pleiteando em suas aes
que o HIV/AIDS era uma questo de cidadania (FACCHINI, 2005: GALVO, 2000).
O surgimento da Rede Nacional de Pessoas Positivas (RNP+) em 1995
no 5 Encontro Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e AIDS, acirrou de vez a
questo do status sorolgico como condio de um ativismo qualificado. Segundo
Valle (2002), a RNP+ representava um arranjo organizacional e ideolgico que
enfatizava a participao individual de pessoas vivendo com HIV/AIDS. Os princpios
de norteadores da RNP+ demonstram melhor as pretenses da rede:

I - Troca de experincias pessoais, informaes, habilidades e recursos


essenciais para estabelecer, manter e melhorar a qualidade de vida das
pessoas vivendo com HIV/AIDS.
II - Proviso de recursos tcnicos, financeiros e humanos que possibilitem
s pessoas vivendo com HIV/AIDS: conter o medo, a desinformao, a
discriminao e os preconceitos que elas enfrentam em suas vidas.
III - Fortalecimento das pessoas infectadas pelo HIV para que elas
participem ativamente no processo de combate ao desrespeito aos seus
direitos de cidadania.
IV - Incentivo, por todos os meios, formao de grupos de Ajuda - mtua,
atravs de capacitao, instrumentalizao e formao de novas lideranas
em todo o territrio nacional, objetivando compartilhar experincias, idias e
projetos de integrao de soropositivos.
V - Criao de oportunidade para que as vozes das pessoas vivendo com

50

HIV/AIDS possam ser ouvidas em nvel municipal, estadual, nacional e


internacional.
VI - Denncia por todos os meios possveis, de aes governamentais,
individuais, religiosas, empresariais, etc, que desrespeitem os direitos
humanos, civis, sexuais e reprodutivos das pessoas vivendo com HIV/AIDS.
VII - Fortalecimento das pessoas vivendo com HIV/AIDS para que
participem do processo de construo em nvel municipal, regional, nacional
e internacional, estimulando o empoderamento, atravs de informaes,
treinamentos e capacitaes visando suas participaes em instncias de
controle social.
VIII - Fomento na formao de frentes parlamentares, ampliando a frente de
defesa dos direitos das pessoas vivendo com HIV/AIDS em municpios,
estados e no pas junto aos poderes legislativo, executivo e judicirio.
IX - Fomento junto ao poder pblico, iniciativa privada e sociedade civil de
campanhas contnuas de informao e preveno ao HIV/AIDS em carter
local, municipal, estadual, regional, nacional e internacional.

(Fonte: http://rnpvha.org.br/site/modules/news/article.php?storyid=2196)

A constituio da Rede visava enfatizar a afirmao poltica dos sujeitos a


partir da sua condio sorolgica, visando troca de experincias entre os
indivduos.
Na prtica, esse tipo de arranjo institucional reflexo de tenses no
cenrio das ONG/AIDS. Valle (2002), por meio do seu estudo sobre uma
antropologia poltica das identidades a partir do estudo de caso no Grupo Pela
Vidda-Rio (GPV-RJ), demonstra que o embate entre a condio soropositiva e
soronegativa dos membros faz parte da configurao interna da ONG.

Os membros soronegativos eram criticados por sua mobilidade profissional


(carreirismo). Eram considerados apenas como simples funcionrios, que,
assim, no estavam associados sinceramente ONG, mas, ao contrrio,
ganhavam salrios por conta do sofrimento dos soropositivos. As acusaes
referiam-se normalmente seleo de membros soronegativos como
coordenadores de atividades, sobretudo se recebiam suporte econmico.
De fato, tal crtica a membros soronegativos era tambm dirigida a lderes
soropositivos que ocupavam posies polticas ou funes de trabalho.
Eram vistos como a comporem um grupo exclusivo, uma panelinha, que se
mantinha por meio do controle dos recursos e do poder na ONG (VALLE,
2002, p. 2004)

51

Na prtica das atuaes, Valle (2002) demonstra que essa no uma


condio isolada a uma instituio, mas parte do cenrio brasileiro das
ONGs/AIDS, constituindo-se enquanto um dos fundamentos de disputa que
reorganiza o campo.
As disputas por legitimidade das aes ativistas passam por uma ideia de
protagonismo das PVHAs. O campo das ONG/AIDS nasce a partir da construo de
uma resposta coletiva a uma nova doena que surge no Brasil a partir da dcada de
1980. No incio da epidemia, os saberes mdicos e miditicos foram que tiveram
maior poder de propagao de ideias (estigmatizantes), influenciando na construo
de um imaginrio social que reduzia os sujeitos condio de Aidticos, ou seja,
uma identidade vinculada morte, culpa ou vitimizao dos indivduos.
Quando as primeiras ONG/AIDS surgem no cenrio nacional, h a
construo de novas formas discursivas que se opem morte social. Nesse
cenrio Herbert Daniel com a ideia de viver com HIV/AIDS coloca um novo
significado em jogo. Segundo Valle (2002), esse significado tinha como ideia
enfatizar o que seria viver e conviver com a doena criando uma solidariedade que
devia [...] envolver todos os brasileiros em termos de uma conscincia poltica a
favor de sua sade e contra o impacto da AIDS (VALLE, 2002, p. 194). Nesse
sentido, o protagonismo das PVHAs nasce da necessidade criar uma nova
subjetividade, como abordada por Pelcio (2009), na qual os soropositivos se
tornariam atores na construo de uma resposta e na luta por direitos frente
epidemia.
O protagonismo passaria por dois tipos de entendimento: um primeiro que
versa sobre a necessidade das PVHAs participaram da luta contra a AIDS, mas o
status sorolgico no seria a condio sine qua non para ser ativista; e um segundo,
que entende que somente as PVHA que tm a capacidade de demandar melhores
resposta a epidemia, pela experincia adquirida com a sua condio sorolgica.
Entendo aqui que no h tentativa de excluir, ou incluir, os indivduos a partir do
status sorolgico na luta contra a AIDS, mas antes um aspecto do habitus, que vai
moldando o sistema de disposies do Campo das ONG/AIDS, colocando em jogo
as significaes dos sujeitos, a partir de capitais sociais diferenciados ou na
estruturao do status sorolgico como um tipo de capital social especifico ao
campo.

52

2.1 Articulando coletivos: a terceira dcada da epidemia e o novo arranjo de


ao

Ao fim da dcada de 1990, surge um novo modo de articulao dos


movimentos, instituies e ativistas na luta contra AIDS. Esse novo modo de
organizao tem como foco constituir prticas cotidianas de atuao que aproximem
os diversos atores institucionais e ativistas na AIDS.
O ENONG, o ERONG, e os encontros das RNP+, eram as esferas
representativas de discusso (confrontos) das demandas polticas e prticas, que
visavam articular a diversidade de atores presentes na AIDS at meados da dcada
de 1990.
com a formao de coletivos de atores institucionais e individuais com
carter de representao regional e estadual, visando dialogar sobre questes da
realidade cotidiana, que acontece uma caracterizao do campo. O primeiro coletivo
surge em 1996 e a Articulao AIDS Pernambuco 19.
Esses coletivos surgem por todo o pas na tentativa de articular diferentes
atores em torno da AIDS, visando troca de experincias e informaes.

Os Fruns de ONGs/Aids abrangem todas as unidades da Fede -rao


brasileira. Amplo, plural e estruturado em fortes redes de comunicao e
articulao poltico-social, esses fruns possibilitaram a construo de
espaos de solidariedade, luta e ao poltica, em mbito nacional. Tratase de espaos polticos, extremamente complexos, paralelos ao
governamental, com autonomia, voltado para as questes de sade, vida,
morte, dignidade, apoio e preveno relacionados Aids (LIMA e
PINHEIRO, 2008, p. 180).

Elemento delineador nesse tipo de rede de movimentos e instituies a


tentativa de articular diferentes respostas no que tange s populaes atingidas.
A formao dessas redes fruto de uma reao ao cenrio estabelecido
a partir da Ditadura dos projetos, como enfatiza Galvo (1997 e 2000). O cenrio
de atuao fomentando a partir da dcada de 1990, com o modelo de
institucionalizao adotada pelas ONG/AIDS, preconizava a ao pela interveno
em populaes direcionadas a partir de condies especificas, a exemplo de
19

Ver link: http://www.gestospe.org.br/Web/articulacaopolitica/conteudo1/?secao=11&autenticacao=0,66

53

campanhas de preveno focadas na segmentao por faixa etria, perfil econmico


e outros, tendo em vista a mensurao de resultados de impacto. Essa postura de
atuao implicava um rol de prticas limitadas. Assim, uma ONG praticava aes de
preveno com adolescentes, enquanto outra instituio dava apoio jurdico e outra
prestava assistncia direta com acolhimento e prestao de servios bsicos de
sade, a exemplo do acompanhamento psicolgico. A reao segmentao um
dos fatores do surgimento das redes de ONG/AIDS. A reconduo a um ativismo
que enfocasse os aspectos polticos da epidemia como eixo de atuao um dos
elementos da fundao das redes.
Outro fundamento para a construo das redes a reao
burocratizao das respostas AIDS. Respostas burocrticas enfatizavam a
interveno a partir da capacidade tcnica de resoluo de demandas com a
prestao de servios a grupos e comunidades especficas. Observando o cenrio
da perspectiva de Landim (1993), colocaramos que, em meados da dcada de
1990, as ONG/AIDS incorporam ao seu papel a condio de estarem a servio de
grupos e movimentos especficos. Porm, como veremos na discusso sobre o
processo de institucionalizao do campo, as ONG/AIDS e os ativistas detm
historicamente em suas formas de atuao o componente poltico, seja a partir o
discurso de solidariedade, dos direitos civis e humanos ou da perspectiva do
controle social.
A segmentao a partir das lgicas dos projetos resguarda outra questo:
com a ampliao do numero de ONGs que trabalham com a temtica da AIDS na
dcada de 1990, a fomentao de projetos passa a ser um campo de disputa. As
ONG/AIDS passam a disputar entre elas e outros movimentos ligados na luta contra
a AIDS a captao de recursos. Os editais, na dcada de 1990 at o presente
momento, enfatizam a capacidade tcnica de resoluo dos problemas propostos,
se constituindo importantes fontes de sustentabilidade para as instituies. Assim,
quando as redes surgem o intercmbio de experincias possibilita que ONG/AIDS
menores constituam parcerias com ONG/AIDS como maior estrutura, a fim de que
haja um reforo institucional para elas.

A dificuldade de manuteno da sustentabilidade organizacional faz com


que parte das ONGs/Aids encerrem suas atividades ou trabalhem sem

54

recursos. Assim, a parceria entre as organizaes positiva, devido fora


poltica do coletivo organizacional (LIMA e PINHEIRO; 2008 p.183).

Esse novo tipo de organizao dos atores no campo das ONG/AIDS tinha
como desafios: [...] a dificuldade de conciliao das temticas prioritrias; o
encontro e o desencontro de agendas e de interesses; o dilogo intercultural (ou sua
falta) (SCHERER WARREN, 2007, p.20).
O arranjo coletivo de instituies e movimentos em forma de Fruns e
articulaes estaduais e regionais reorganizou o campo das ONG/AIDS, pois trouxe
ao cotidiano o elemento multidentitrio das demandas para as relaes contextuais
e conjunturais cotidianas das instituies. Isso implica que o arranjo poltico e prtico
das regies de atuao das ONG/AIDS pode conter arranjos especficos ao
ativismo, a exemplo da cidade de Joo Pessoa, porm resguardando aspectos do
cenrio brasileiro de luta contra a AIDS. Seria, assim, um campo unificado e
diversificado (BOURDIEU, 1999).

2.2 A Institucionalizao e as Demandas Polticas

No lastro de mais uma nova demanda, que tornava a AIDS questo de


cidadania, em 1989, no II Encontro Nacional de ONG/AIDS, aprovada a
Declarao dos Direitos Fundamentais da Pessoa Portadora do Vrus da AIDS. Esse
documento foi construdo em parceria com tcnicos e profissionais de sade ligados
ao Ministrio da Sade. Entre os direitos fundamentais, estavam:

I - Todas as pessoas tm direito informao clara, exata, sobre a AIDS.


II Os portadores do vrus tm direito a informaes especficas sobre sua
condio.
III - Todo portador do vrus da AIDS tem direito assistncia e ao
tratamento, dados sem qualquer restrio, garantindo sua melhor qualidade
de vida.
IV - Nenhum portador do vrus ser submetido a isolamento, quarentena ou
qualquer tipo de discriminao.
V - Ningum tem o direito de restringir a liberdade ou os direitos das
pessoas pelo nico motivo de serem portadoras do HIV/AIDS, qualquer que
seja sua raa, nacionalidade, religio, sexo ou orientao sexual.

55

VI - Todo portador do vrus da AIDS tem direito participao em todos os


aspectos da vida social. Toda ao que visar a recusar aos portadores do
HIV/AIDS um emprego, um alojamento, uma assistncia ou a priv-los
disso, ou que tenda a restringi-los participao em atividades coletivas,
escolares e militares, deve ser considerada discriminatria e ser punida por
lei.
VII - Todas as pessoas tm direito de receber sangue e hemoderivados,
rgos ou tecidos que tenham sido rigorosamente testados para o HIV.
VIII - Ningum poder fazer referncia doena de algum, passada ou
futura, ou ao resultado de seus testes para o HIV/AIDS, sem o
consentimento da pessoa envolvida. A privacidade do portador do vrus
dever ser assegurada por todos os servios mdicos e assistenciais.
IX - Ningum ser submetido aos testes de HIV/AIDS compulsoriamente,
em caso algum. Os testes de AIDS devero ser usados exclusivamente
para fins diagnsticos, controle de transfuses e transplantes, estudos
epidemiolgicos e nunca qualquer tipo de controle de pessoas ou
populaes. Em todos os casos de testes, os interessados devero ser
informados. Os resultados devero ser transmitidos por um profissional
competente.
X - Todo portador do vrus tem direito a comunicar apenas s pessoas que
deseja seu estado de sade e o resultado dos seus testes.
XI - Toda pessoa com HIV/AIDS tem direito continuao de sua vida civil,
profissional, sexual e afetiva. Nenhuma ao poder restringir seus direitos
completos cidadania.
(fonte: http://www.aids.gov.br/pagina/direitos-fundamentais.)

Esse o marco fundamental para a constituio da luta por direitos e


cidadania no campo das ONGs/AIDS20.
Os encontros nacionais de ONG/AIDS contriburam para a consolidao
das ONGs/AIDS, ao final da dcada de 1980 e ao longo dos anos 90 do sculo XX,
e delinear o campo enquanto espao de disputas. Ainda na terceira dcada o
principal espao de articulao nacional. O encontro nacional estruturado
atualmente em forma de conferncia. Conta com mesas e rodas temticas, grupos
de trabalho e uma plenria final da onde so tirados encaminhamentos e proposta
de votaes. composta por delegados que representam as entidades e que so
escolhidos a partir dos Encontros Regionais de ONG/AIDS 21. O ENONG tem como
objetivos:

20

Para Mais informaes ver o link http://www.aids.gov.br/pagina/legislacao. Nele a informao sobre


questes ligadas ao trabalho, justia, finanas, transporte e discriminao. Ver tambm Teixeira (1997) sobre o
relatrio organizado pelo grupo de trabalho Direito e garantia dos portadores de AIDS, familiares e grupo de
risco no ano de 1986, realizado pelo Ministrio da Sade em parceria com algumas ONGS. Esse relatrio
antecede a declarao de direitos do II ENOG.
21

Para mais informaes consultar:http://www.enong2011.com.br/portal/

56

I - Propiciar o debate sobre a natureza das ONG/AIDS, facilitando o


reconhecimento
de
sua
identidade;
II - Promover o intercmbio de experincias e o desenvolvimento de
parcerias entre as ONG/AIDS nacionais, Rede Nacional de Pessoas
Vivendo com HIV/AIDS - RNP+ RNP, Rede GAPAS, Rede Pela Vidda,
REDUC, ABORDA, ABGLT, ANTRA, REPROSEX, ABL, Fruns e os demais
participantes
do
Encontro;
III - Promover discusses e traar estratgias de ao relativas s polticas
governamentais e no-governamentais sobre HIV/AIDS em nvel nacional e
internacional;
IV - Fomentar a discusso entre o coletivo das ONG/AIDS, outras instncias
participantes e com os representantes governamentais da rea da Sade,
com relao s polticas de AIDS e seus desdobramentos;
V - Levar a sociedade brasileira discusso sobre os trabalhos
desenvolvidos pelas ONG/AIDS, fortalecendo as aes locais;
VI - Encaminhar propostas e moes deliberadas na sesso Plenria Final;
VII - Eleger os representantes das ONG/ AIDS no Comit Nacional de
Vacinas, na Comisso Nacional de AIDS, no GT do UNAIDS, Conselho
Nacional de Sade e outros espaos que se fizerem necessrio.

Nos encontros nacionais e regionais, segundo Galvo (1997, 2000)


consolida-se o ator institucional ONG/AIDS, que tem por caracterstica ser toda
instituio que desenvolva trabalhos especficos com o HIV/AIDS.
Ao longo da literatura sobre ativismo e ONG/AIDS no Brasil nas trs
ltimas dcadas, no h uma definio formal do que seria uma ONG/AIDS. Autores
como Altman (1995) Parker (1997, 2000) Jane Galvo (1997, 2000) ressaltam que a
caracterizao fluida. Alguns trabalhos, a exemplo de Ramos (2004) ressaltam que
uma ONG/AIDS um tipo de instituio no governamental que trabalha
exclusivamente com o HIV/AIDS, enquanto outros autores, a exemplo de Galvo
(1997, 2000), colocam que a noo por vezes incorpora instituies que transitam no
movimento LGBT e Feminista, podendo incorporar outras instituies no
governamentais que tenham algum tipo de atuao na rea.
Com a organizao dos encontros nacionais, primeiro com a tentativa de
criar uma articulao nacional de modo a consolidar um movimento e
posteriormente se mantendo somente como encontro de ONG/AIDS, passa a se
discutir um cenrio a nvel nacional, construindo formas de entendimento de atuao

57

e pondo em contato direto as divergncias. Como destaca Altman (1995), ao se falar


de ONGs no campo da AIDS, est se vislumbrando uma diversidade, que engloba
desde casas de apoio, grupos de direitos humanos, grupos de ajuda mtua, grupos
religiosos e uma gama de atores institucionais distintos.
Segundo Galvo (1997), a partir dos encontros nacionais de
ONGs/AIDS, enquanto espao de afluncia da diversidade, que comeam a
aparecer

distines

entre

ONGs

como:

grandes/pequenas,

politizadas/assistencialistas, ricos/pobres. Surgiria outro aspecto que seria foco de


tenso entre as ONG/AIDS em algumas situaes, perdurando at hoje, que seria
com relao aos modelos de interveno a partir da dualidade preveno/
assistncia.
Uma questo que emerge dos encontros ao fim dos 80 e inicio dos 90 do
sculo passado a necessidade da interface com o setor pblico na construo de
respostas de enfretamento epidemia. Outro importante aspecto que surge a
questo do controle social e a necessidade de institucionalizao.
especificamente a partir do V Encontro Nacional de ONG/AIDS,
realizado em 1992 na cidade de Fortaleza/CE, que essas demandas tomam fora.
Nesse encontro, so eleitas as ONGs que estariam na Comisso Nacional de
Vacinas, vinculada ao Ministrio da Sade. o primeiro encontro que conta com
subsidio estatal, por meio da PNDST/AIDS.
Com a sistematizao das primeiras repostas a AIDS e o surgimento das
primeiras ONGs/AIDS, nascia um novo campo do ativismo social, na qual nas
dcadas de 1990 e na primeira dcada do sculo 21 passariam por diferentes
processos e ocuparam diferentes status na luta contra a AIDS.
Na dcada de 1990 o cenrio toma nova proporo. Os ajustes
estruturais so implementados a fim de promover uma reforma no tipo de atuao
estatal. H um boom no nmero de ONGs, por fora do financiamento da
cooperao internacional e por fora de uma nova poltica de Estado. A partir da,
via-se construindo uma nova articulao entre Estado e ONG/AIDS.

A luta por garantia dos direitos dos soropositivos passou pela presso para
que o Estado reconhecesse a necessidade de um investimento maior na
rede pblica de assistncia s pessoas portadoras do vrus, bem como no

58

enfrentamento ao aumento da epidemia mediante polticas de preveno. E


logo o movimento articulou a noo de integralidade a demanda por direito
sade, fechando um repertrio de demandas e reivindicaes que tinha
com interlocutor o Estado.
Assim como a maior parte do tecido
movimentalista brasileiro, os atores envolvidos na luta contra a Aids
cambiaram, ao longo das duas ltimas dcadas, sua postura em relao ao
Estado. Num primeiro momento foram contestadores do Estado, que era
visto como concentrador, censor e ilegtimo, em termos de
representatividade social, para, ao longo do processo de abertura poltica e
de mudanas institucionais, passarem a tom-lo com um interlocutor
privilegiado para o alcance de suas demandas e reivindicaes (SPINELLI
JUNIOR, 2006, p. 98).

Na dcada de 1990, as relaes entre Estado e ONGs passam a ser de


cooperao. Segundo Parker (1997, 2000), Galvo (1997, 2000) e Teixeira (1997) a
forte contestao s posies governamentais vo dando lugar a uma atuao
conjunta, no que tange construo de uma resposta universal. O enfretamento e a
integrao passam a ser a tenso balizadora das atuaes da luta contra a AIDS.
H um elemento nesse cenrio que pauta a institucionalizao do
Programa Nacional e d a sua dinmica. No inicio da dcada de 1990, no governo
Collor, o Programa Nacional de DST/AIDS passa por uma crise. Pouco recurso e
sistemticas denncias de corrupo, juntamente com a desarticulao com os
movimentos scios e as ONGs, levam a um isolamento do programa. Nesse perodo
o programa constri um discurso que passa a enfocar nos indivduos ainda no
infectados, pautando a poltica de combate epidemia na questo da promoo de
campanhas publicitrias e a preveno por meio de material educativo, como nica
diretriz a ser seguida, segundo Teixeira (1997). Assim, h uma forte contestao da
sociedade civil. Essa posio do governo federal ia de encontro ao [...] movimento
iniciado por Herbert Daniel e que apresentava a solidariedade como a grande arma
pra o enfretamento da epidemia, em todas as suas dimenses (TEIXEIRA, 1997,
p.63).
Porm, o posicionamento do Ministrio da Sade ia contra o discurso
oficial, focando na assistncia e manuteno dos direitos das pessoas vivendo com
o HIV/AIDS. Pe-se em prtica a distribuio gratuita dos medicamentos aos
pacientes. Essas diretrizes iam contra as recomendaes de organismos
internacionais para os pases em desenvolvimento (TEIXEIRA, 1997). Essa posio
seria mantida mesmo aps a realizao de projetos de financiamento junto ao Banco
Mundial para com o Programa Nacional de DST/AIDS.

59

Por ocasio das negociaes com o banco Mundial, esta medida


antieconmica foi inmeras vezes lembrada, por este organismo, para
justificar o pequeno investimento no componente assistencial do projeto.
Mesmo nos perodos de maior crise financeira do governo brasileiro, esta
deciso jamais viria a ser revertida. Desde ento as presses e os protestos
ocorridos nos curtos perodos de falta destes medicamentos tm sido
intensos o suficiente para desaconselhar qualquer tentativa de suspenso
do fornecimento (TEIXEIRA, 1997, p. 64)

Algumas das demandas da AIDS so abarcadas pela poltica econmica


no plano global e nacional.
Em 1993, fechado um acordo entre o Governo federal e o Banco
Mundial para o financiamento do Programa Nacional de DST/AIDS. Surge o projeto
AIDS I, que tinha como foco promover resposta de enfretamento a AIDS de modo
conjunto entre sociedade civil organizada e o Estado brasileiro. O perodo de
durao vai do ano 1993 a 1998 e tinha o valor de U$$ 160 milhes. Em 1998, h
um novo financiamento no valor de U$$ 165 milhes, com prazo de termino em 2002
e denominado de AIDS II. Segundo Biehl (2007), esses projetos ampliam a poltica
de sade contra a AIDS e o modo de atuao das Organizaes No
governamentais frente epidemia, imprimindo uma nova dinmica ao campo.
Como colocam Parker (2000), Galvo (1997, 2000) e Teixeira (1997), a
influncia do Banco Mundial com os projetos AIDS I e II, que versam sobre projetos
ligados ao campo da preveno enfatizando aes no plano nacional, mas
reconhecendo em projetos de interveno especficos a possibilidade de um impacto
real no que tange a diferentes perfis e recortes de populao, no determinou o
carter da poltica nacional de combate AIDS. Iniciativas de promoo universal
assistncia aos doentes e a distribuio de medicamentos pela rede pblica
continuaram sendo implementados.
O fundamento significativo nesse cenrio que, em certa medida, se
institucionalizou o binmio, preveno/assistncia. Recorte esse j existente no
campo das ONG/AIDS na dcada de 1980, e, por vezes, colocado nos Encontros
Nacionais e Regionais de ONG/AIDS, ao longo da histria. Porm o advento de um
novo modo de atuao dos atores institucionais junto ao Estado adiciona novos
contornos disputa. A partir do momento que os atores institucionais passam a ter
maior participao na constituio das polticas pblicas, bem como da fiscalizao

60

delas desde a implantao a execuo, o binmio preveno/assistncia passa a


definir o carter dos atores e implica na forma de ativismo dos sujeitos. Assim, vai se
estabelecendo mais um elemento de disputa por legitimidade no campo.
O campo das ONG/AIDS, estrutura estruturada, desenvolve a sua
significao com essa nova faceta da dualidade preveno/assistncia enquanto
ao por legitimidade, ampliando o ativismo enquanto um sistema de disposies.
Somado a esse efeito, o nmero de organizaes e grupos, que passam
a lidar com a temtica da AIDS, tem um crescimento substancial, passando de 120
organizaes em 1993 para cerca de 500 organizaes em 2000. A temtica se
amplia indo desde a formao de educadores populares, trabalhando nas suas
comunidades de origem no que tange a preveno, a organizaes que trabalham
com pblicos especficos a partir do recorte de idade, como adolescentes e adultos,
indo at questes gnero e sexualidade, como mulheres e travestis (BIEHL, 2007).
As polticas pblicas, na dcada de 1990, incorporam as experincias das
ONG/AIDS e dos grupos, a exemplo dos homossexuais e catlicos, bem como
trazem novos protagonistas ao cenrio, como o movimento feminista, mas o
elemento significativo que a partir do AIDS I e II, as organizaes governamentais
passam a deter maior poder. Isso se d no s pela capacidade das organizaes
em, desde final dcada de 1980, incluir na agenda pblica suas demandas, mas
tambm pela relao que o Banco Mundial estabelece com elas via Estado
brasileiro.

[...] vale destacar que o Banco, na dcada de 90, buscou ativamente se


aproximar das ONGs, seus mais ardorosos crticos. De um lado, buscou
ampliar os canais de dilogo entre o Banco e as ONGs. De outro, buscou,
sempre que possvel, financiar governos e incentivar que estes
financiassem a ao das ONGs. Algum poderia facilmente ver nesses
movimentos uma estratgia de cooptao. Mas, sem dvida, eles
permitiram que, pelo menos retoricamente, o discurso do Banco passasse a
incluir vrias das reivindicaes dos movimentos sociais organizados
(MATTOS, TERTO JR e PARKER, 2001, p. 11).

Ao conseguir agenciar suas demandas as ONG/AIDS se tornam o carro


chefe das respostas contra o HIV/AIDS, que envolvem iniciativas da sociedade civil
organizadas. Uma demonstrao significativa dessa capacidade de demandar frente
ao Estado se d na representao na Comisso Nacional de DST, AIDS e Hepatites

61

Virais (CNAIDS) e na Comisso Nacional de Articulao com Movimentos Sociais


(CAMS).
O CNAIDS criado em 1986 na tentativa de articular diferentes esferas
como ONGs, profissionais de sade e tcnicos e membros governamentais. Em
1994, garantida a participao de cinco membros das organizaes no
governamentais na comisso, escolhidos por votao atravs do ENONG22. O
CNAIDS tem como objetivo prestar apoio tcnico operacional ao Ministrio da
Sade, realizando relatrios e prestando assessoria na avaliao das aes de
combate AIDS.
A CAMS foi criada no de 2005. Funciona como uma articulao de
movimentos sociais, que atuam em parceria com o Departamento Nacional de DST,
AIDS e Hepatites Virais. O papel da comisso debater a formulao de polticas
pblicas na rea das DSTs. composto somente por setores dos movimentos
sociais, a exemplo dos movimentos negro, estudantil, RNP+, Fruns de ONG/AIDS
entre outros. A maior representao e a do setor de combate a AIDS: 10 vagas para
os Fruns e uma vaga para RNP+. H mais dez setores dos movimentos sociais no
qual cada setor tem direito a uma vaga. A escolha dos membros feita por meio de
reunies de cada setor ou em encontros, a exemplo do ENONG 23.
Essas so as esferas institucionais que permitem as ONG/AIDS, do ponto
de vista da articulao entre Estado e Sociedade civil, obter legitimidade poltica de
insero das suas demandas na agenda pblica, no tocante s polticas estatais de
enfretamento a epidemia, ao longo dos anos. So exemplos de esferas de ao
poltica que permitiram aos grupos fazer lobby em questes relacionadas garantia
de distribuio de medicamentos, acesso ao tratamento e garantia de direitos. Um
exemplo de um tipo de demanda por direitos a presso que os grupos constroem
com relao questo da pauperizao, transporte pblico e a descentralizao do
atendimento especializado para o interior dos estados no Brasil, j que boa parte do
servio especializado se encontra nas capitais ou em cidades de grande porte, a
exemplo do Estado da Paraba onde os servios especializados esto concentrados
em Joo Pessoa e Campina Grande.

22

Mais informaes no link: http://www.aids.gov.br/pagina/membros

23

Mai informaes no link: http://www.aids.gov.br/pagina/sobre-cams

62

Joo Biehl (2007) aponta que o advento das polticas neoliberais marca o
modo de institucionalizao das ONG/AIDS. Para se fazer ver, torna-se necessrio
organizar suas demandas de maneira que sejam reconhecidas por um modelo
estatal orientado para o mercado. A estruturao do campo das ONG/AIDS, nas
duas ltimas dcadas, implica participao em instncias deliberativa e a prestao
de servios a populaes localizadas. As demandas polticas para a proteo e
reivindicao de direitos sade, a incorporao dos direitos humanos e a agenda
dos ativistas vm acompanhada de uma nova faceta: a fomentao de projetos.
Segundo Campos (2008), a fomentao de projetos enquanto forma de
interveno (atuao) encontrou nos programas AIDS I e II a base de sustentao
principal. No programa AIDS I, foram financiados 634 projetos, enquanto no AIDS II
foram 2.163 projetos de 745 ONGs (THE WORLD BANK, 2004, p. 8 apud CAMPOS,
2008). Esse tipo de fomento interveno direta das ONGs/AIDS em populaes
especficas que possibilitou um Boom de organizaes.
A lgica da interveno sistematizada pelas ONGs tem como premissa o
conhecimento dos cdigos culturais das populaes, que sero abordadas nos
projetos, tendo em vista influenciarem o comportamento das populaes ou grupos
trabalhados de modo a reduzir a exposio ao vrus (GALVO, 1997). As aes das
ONGs/AIDS ganham um componente, que so as respostas localizadas a partir de
grupos especficos. Esse tipo ao tem consequncias diretas para a afirmao das
ONGs/AIDS enquanto fora legitima na chamada resposta brasileira AIDS.

Uma delas que as ONGs/AIDS tm que redefinir seus quadros,


necessitando de mais apoio de um setor financeiro administrativo, j que
os projetos tm que ser bem executados e os gastos bem demonstrados [...]
A gesto de projetos especficos cria uma nova maneira de relacionamento
com a epidemia: mais assptica e menos ativista. Os financiadores querem
ver e medir resultados [...] uma das ltimas conseqncias que mencionarei
que a tendncia que denomino a ditadura dos projetos leva a que o
crescimento da epidemia acarrete uma resposta interna na ONG, ou seja,
como uma imagem refletida em um espelho, a ONG cria um novo projeto
para atender nova demanda (principalmente se h possibilidade de
financiamento) (GALVO, 1997, p. 98).

A participao em instncias deliberativas outro aspecto marcante da


institucionalizao. A participao em esferas, como o CNAIDS e a CAMS, implicam
uma organizao profissional das instituies. Elas passam, ento, a construir uma

63

espcie de corpo tcnico, contando com assessoria jurdica, setores responsveis


por material informativo, contabilidade e profissionais remunerados para a conduo
de projetos.
Os atores ativistas que fazem parte desse campo passam a ocupar
posies na esfera pblica estatal, o que implica que a condio de ser ativista
incorpora um conhecimento especfico relacionado a questes sobre cidadania e
direitos. Torna-se necessrio conhecer a legislao e os instrumentos burocrticos
para a discusso qualificada nas esferas pblicas estatais, a exemplo dos conselhos
municipais e estaduais de sade.

Muitos ativistas passaram a fazer parte de rgos municipais, estaduais e


federais, como consultores, membros de comisses e funcionrios, e os
atores em movimento acentuam a importncia da busca de uma relao de
parceria com o Estado em vez de trat-lo como inimigo. H
compartilhamento discursivo e um inimigo comum: o impacto epidemiolgico
e social da epidemia de Aids. Essa nova insero dos atores em movimento
traz um importante componente de democratizao do processo decisrio
sobre polticas pblicas no setor, abrindo novos flancos de ao para o
Movimento de Aids. Todavia, esse espao de interlocuo deve ser visto
cuidadosamente, evitando um otimismo exagerado quanto a garantia de
melhores condies de enfrentamento a epidemia de Aids. Nesse novo
contexto de ao h tambm iniciativas, muitas vezes sutis aos olhos de
alguns atores, de integrao e cooptao ao ordenamento institucional
previsto pelo Estado para o enfrentamento epidemia (SPINELLI JNIOR,
2006, P. 100)

.
Colocamos que esse um aspecto de atuao das ONG/AIDS, que tende
a sair de intervenes especficas e localizadas. A atuao nas Comisses enquanto
esferas ligadas ao poder federal permitem a articulao de demandas com carter
universal.
A institucionalizao implica uma remodelao do ativismo. Se nos
primeiros anos da epidemia no Brasil era a atuao voluntria dos atores, agindo de
uma lgica de solidariedade que enfatizava o combate discriminao e falta de
polticas para rea, como relata Galvo (1997, 2000), em meados da segunda
dcada at o presente momento, somam-se, ao aspecto ressaltado anteriormente, a
atuao dos atores institucionais e sujeitos, a articulao entre Estado e Sociedade,
controle e intervenes nas polticas pblicas e a participao em instncias
deliberativas.

64

O processo de institucionalizao sofre um novo impacto com a


declarao feita pela Organizao Mundial de Sade, no ano 2000, de que o Brasil
teria o melhor programa de combate a DST/AIDS entre as naes em
desenvolvimento. As agncias de cooperao internacional passaram a dar
prioridade a pases africanos.
O Banco Mundial, nesse perodo, havia assinado um novo acordo com o
Brasil.
O terceiro projeto assinado em 2003 e em implementao at 2006, que
recebeu o ttulo de AIDS III, contou com emprstimo de US$ 100 milhes
do Banco Mundial e a responsabilidade do governo federal tambm de US$
100 milhes, totalizando um investimento de US$ 200 milhes. Os projetos
AIDS I e AIDS II desenvolveram, sobretudo, aes de preveno em
HIV/Aids, em que quase metade dos recursos estava direta-mente
relacionado preveno, sendo cerca de 34% dedicados a servios de
tratamento e o restante voltado para o desenvolvimento institucional, a
vigilncia, a pesquisa e a avaliao. Nessa direo, as principais metas do
projeto AIDS III foram: melhoria da cobertura e da qualidade das
intervenes de preveno e assistncia; fortalecimento dos gastos do PNDST/Aids com o monitoramento e avaliao das aes, e introduo de
novas tecnologias no campo de vacinas e tratamento (PEREIRA e
NICHIATA, 2011, p.3254).

Esse o ltimo financiamento de grande porte de uma instituio


governamental. Nesse perodo, a poltica de sade brasileira tem sua lgica de
funcionamento a partir da descentralizao dos recursos e das aes. A
consequncia, segundo Pereira e Nichiata (2011), uma maior morosidade nas
respostas devido dificuldade dos gestores em elaborar uma poltica de
enfretamento a DST/AIDS e a incapacidade de estabelecer parcerias com as
ONG/AIDS, provocando uma srie de crticas por parte dos ativistas.
O fim do AIDS III representou o fechamento de muitas ONG/AIDS e a
sada de outras. Segundo Pereira e Nichiata (2011) o perodo de abundncia de
financiamentos foi visto por muitas ativistas das ONG/AIDS como um instrumento de
desenvolvimento24, porm acompanhado pela tentativa de cooptao por parte do
Estado.

24

A luta contra a AIDS era vista pelo banco mundial, no como uma questo de sade, mas de
desenvolvimento social

65

2.3 Movimento AIDS ou Campo de ONG/AIDS: analisando um


dilema.

O cenrio das ONG/AIDS no Brasil passa por diversas transformaes


nas trs ltimas dcadas. As primeiras aes contra a AIDS so marcadas pela
atuao voluntria dos atores, partindo da iniciativa de sujeitos e alguns grupos
(GALVO, 1997). Os recursos financeiros e tcnicos eram escassos. Foi a partir da
comunidade homossexual que se iniciou a resposta a AIDS. a partir dela que a
AIDS vai ganhando uma configurao de movimento social.
Os anos 1960 e 1970 foram marcados pela contestao dos valores
tradicionais e pela reivindicao das liberdades individuais, que se distanciavam da
base material como fundamento constituinte do movimento social e tomava a
identidade e a cultura como base de mobilizao social (GOHN, 2010). Esse novo
tipo de movimento se iniciou nos Estados Unidos e nos pases da Europa Ocidental
e logo assumiu propores considerveis na sociedade brasileira, principalmente
entre a classe mdia urbana e intelectual. Nesse contexto, a identidade
homossexual ganhou visibilidade em algumas cidades do Brasil, como So Paulo,
Rio de Janeiro e Salvador, com o florescimento de locais de interao social e de um
intenso movimento poltico fundamentado no reconhecimento das diferenas,
visando romper a marginalidade do grupo, denunciar situaes de violncia e afirmar
os direitos de pessoas com identidade homossexual (GRANGEIRO, LAURINDO DA
SILVA E TEIXEIRA, 2006). O surgimento da AIDS, ao final do sculo XX,
representaria uma nova esfera de atuao e desafio ao movimento homossexual
(LGBT).
As primeiras ideias sobre a AIDS se baseavam em conceitos
epidemiolgicos, que focalizavam a responsabilizao dos indivduos e na
construo do grupo de risco, as bases de construo da epidemia. Essa l g i c a
de interveno criou um tipo conhecimento que ligava a AIDS a determinados
comportamentos e grupos, a exemplo da comunidade gay, das prostitutas, dentre
outros, dando margem a uma sistematizao de preconceitos e estigmas sobre
comunidades marginalizadas. A noo de grupo de risco epidemiolgico agregava
os comportamentos individuais e identidades. Segundo Parker (2000), e s s a

66

p o s t u r a trouxe problemas ao enfretamento da epidemia, c o m o destaca Altman


(1995) que algumas comunidades homossexuais passaram a adotar condutas no
preventivas por acreditar em que o fato de serem gays ou lsbicas implicaria que,
inevitavelmente, contrairiam AIDS, nesse sentido a categorizao biomdica e o
modo como ela foi veiculada ao conjunto da sociedade estruturaram uma srie de
significados na sociedade.
a partir da iniciativa de grupos homossexuais que surgem as primeiras
respostas a AIDS. Como destacam Altman (1995), Facchini (2005), Parker (1997) e
Galvo (2000), a partir da luta contra a discriminao, a prestao de assistncia
as PVHA que os grupos comeam a se mobilizar. A Peste Gay, como era chamada
a AIDS, trazia o signo da morte social para o cenrio da epidemia e circunscrevia a
doena a grupos. A noo do grupo de risco enquadrava homossexuais,
hemoflicos, usurios de drogas e prostitutas. Segundo Facchini (2005), a ideia de
grupo de risco gerou uma reao dos grupos homossexuais, apontando para a
formao de uma resposta a epidemia.
Segundo Facchini (2003, 2005), a epidemia da AIDS tem impacto
significativo na reorganizao de grupos LGBT ao fim da dcada de 1980 e ao longo
da dcada de 1990. a partir da construo da resposta brasileira AIDS que
grupos LGBT tm conseguido financiamento para projetos institucionais e para
realizao de encontros. Segundo Facchini (2003, 2005), entre os anos de 1993 e
1998, onze encontros realizados pelo movimento LGBT contaram com o
financiamento do Programa Nacional de DST/AIDS.
As ONG/AIDS mantiveram ao longo das trs dcadas uma relao
estreita com o Movimento LGBT, e com outros movimentos, a exemplo do Feminista.
A articulao entre eles nasce do enfretamento estigmatizao de
grupos e na participao nos encontros como ENONG e ERONG. Ainda h ativistas
do movimento LGBT que participam da RNP+, porm no foi visto na literatura
alguma discusso que traa a temtica LGBT como uma das discusses pertinentes
nos encontros realizados pela RNP+. Os ENONGs e ERONGs sempre contaram
com atores do movimento LGBT. A discusso sobre sexualidade faz parte dos
Encontros, porm discusses focando grupos especficos despertam conflitos e
acusaes. Por vezes, ativistas das ONG/AIDS acusaram o Movimento LGBT de
tentar aparelhar ideologicamente o Movimento de luta contra a AIDS. Porm, a

67

relao entre os segmentos que compem o movimento parte da caracterizao


do campo das ONG/AIDS.
O

processo

de institucionalizao

das ONG/AIDS possibilitou

diferenciao das instituies voltadas exclusivamente para a temtica do HIV/AIDS


do restante dos segmentos participantes do campo da AIDS, apesar de a
caracterizao ter fludo e no haver uma delimitao fixa do que seja uma
ONG/AIDS, argumento que a caracterizao deve ser tomada buscada a partir dos
eixos de atuao das instituies e dos elementos micos no campo. A autoafirmao da instituio um desses elementos; porm, deve se observar outro
como os objetivos da instituio e a misso tomada por elas, enquanto norteador
das condutas. Outro elemento mico o reconhecimento das instituies enquanto
ONG/AIDS por parte dos segmentos de atores institucionais e individuais que
compem o movimento AIDS. Assim, a nossa caracterizao tem como fundamento
a forma de estruturao do Campo das ONG/AIDS, a partir do habitus e dos capitais
sociais que esto em jogo.
O formato institucional ONG pressupe um tipo especifico de atuao
diferenciada da Estatal, sindicatos, universidades, igrejas e outros. Tem seu
desenvolvimento histrico no Brasil a partir da dcada de 1980 com o processo de
redemocratizao e a reestruturao do Estado.

verdade que desde os finais dos anos 80, esporadicamente, as ONGs j


comeam a ver sua existncia registrada na grande imprensa, sobretudo
atravs das sees especializadas em poltica nacional. Comeam ento a
aparecer para o pblico, de forma pontual, determinadas entidades civis
militantes, de carter no partidrio, ligadas a movimentos sindicais ou
outros movimentos sociais diversos. [...] Uma leitura das imagens ento
construdas sobre essas entidades [...] certamente j aponta para algumas
de suas propriedades, como afinidades com a poltica de oposio
governamental, com certos plos partidrios e sindicais e com determinadas
alas da Igreja; assim como j se revela a uma fluidez nos seus contornos
a qual permite, de forma particular, manipulaes de sua identidade em
funo de interesses diferenciados (LANDIM, 1993, p. 16)

Segundo Landim (1993), ONGs no Brasil tm sua origem como base de


apoio tcnico e material a movimentos populares, ao fim dos anos de 1970. A
atuao desses novos agentes do desenvolvimento social ganha notoriedade a
partir da dcada de 1980, quando setores da sociedade passam a demandar por
direitos civis no processo de redemocratizao. Para Teixeira (2003), a afirmao

68

das origens das ONGs, a partir de movimentos e centros populares, problemtica


na medida em que h o desenvolvimento de diversas formas de associativismo
acontecendo no mesmo perodo, a exemplo das ONG/AIDS apresentadas em nosso
trabalho. Tanto Teixeira (2003) e Landim (1993) observam que no h uma definio
formal do que seria uma ONG. Nessa perspectiva, o que haveria seriam perfis de
ONGs que se estabelecem a partir de um cenrio, desenvolvendo formas
especificas de atuao. Ramos (2004) tenta unificar a atuao dos atores
institucionais a partir de quatro fundamentos:

As caractersticas fundadoras das ONGs brasileiras e latino-americanas,


que so: 1) a valorizao da competncia tcnica, a profissionalizao da
militncia e a especializao; 2) a tendncia multiplicao e
diversificao; 3) a perspectiva internacional; 4) a autonomia em relao ao
Estado (p 1069).

A questo problemtica dessa fundamentao a generalidade das


caractersticas. Se observarmos o campo das ONG/AIDS, veremos a fragilidade da
generalizao. A Valorizao da competncia tcnica e a profissionalizao no
uma prioridade postulado por todas as ONGs. No caso das ONG/AIDS, grupos de
ajuda mtua e casas de apoio, enfatizam a questo do voluntariado como marca
necessria a uma atuao solidria. Para esses grupos, ser voluntrio mostrar
simpatia causa, o que necessariamente no postula ao corpo de membros a
necessidade de uma saber tcnico qualificado para a atuao em algumas reas, a
exemplo do controle social. A tendncia Multiplicao e diversificao um
elemento que deve levar em conta a conjuntura e o contexto do cenrio no qual a
ONG est inserida. Se, na primeira e segunda dcadas, h uma tendncia de
multiplicao de ONG/AIDS por fora da emergncia da doena em vrios grupos, o
modo de institucionalizao do campo e por fora do financiamento, o que favorecia
a diversidade, na terceira dcada com a diminuio dos financiamentos e a
dificuldade de manuteno de um corpo de membros com a migrao de ativistas
para o setor estatal, h uma crescente mortalidade das ONG/AIDS no cenrio
nacional. Ainda ONGs ligadas a outros movimentos redirecionam seu foco de
atuao, tendo em vista atender suas demandas internas. A Perspectiva
internacional das ONG/AIDS no uma realidade para os diferentes contextos no
cenrio nacional. E, por vezes, o elo com o campo internacional se d pontualmente

69

com algumas organizaes, por meio da cooperao com ONGs e fundos


estrangeiros. A respeito disso, Bermdez e Seffne (2006), no seu estudo sobre
lideranas brasileiras25, coloca:

Identifica-se que o movimento social de Aids no Brasil simplesmente no


tem lideranas para uma srie de atuaes, ou elas so em pequeno
nmero. Isso se verifica na questo dos medicamentos e patentes, na
cooperao entre pases no mbito do Sul-Sul, na presena e atuao nas
redes que a sociedade civil construiu na Amrica Latina e no mundo. O
Brasil est claramente sub-representado nesses nveis. Tambm faltam
lideranas que saibam dialogar e se inserir na luta mais geral do SUS e da
sade pblica, o que pressupe entender sua histria, dinmica e
processos atuais (p.105).

E, por ltimo, a autonomia frente ao Estado ganha contornos de tenso


no momento atual quando alguns ativistas provenientes das ONG/AIDS passam a
integrar e chefia alguns programas de DST/AIDS em nvel municipal, estadual e
nacional. Surgem acusaes de traio para com o ex ativista e para com as
instituies que tinham algum tipo de ligao mais prxima a ele. Desse modo, por
vezes, a autonomia de alguns grupos questionada. Assim colocamos que
generalizaes incorrem no risco de observar um campo de ONG/AIDS enquanto
uma estrutura homogenia e sedimentada. Nesse sentido, concordamos com Teixeira
(2003) quando enfatizam a pertinncia de se observar os diferentes processos
conjunturais e contextuais que do margem a diferentes perfis de ONGs. E como
nos lembram, Landim (1993) e Teixeira (2003), a no existncia de um marco legal
para as ONGs possibilita que uma infinidade de atores institucionais se autoafirmem
e caracterizem suas aes nesse campo. Assim, postulamos que, a partir da anlise
do cenrio e das formas micas colocadas pelos atores, que se torna possvel
observar a constituio de um campo das ONG/AIDS, bem como dos seus
ativismos, devendo se levar em conta a forma como

historicamente e

sociologicamente o campo se estrutura, e suas possibilidades de estruturao,

25

Ver BERMUDEZ, Ximena Pamela Daz e SEFFNER, Fernando. Liderana brasileira luz da Declarao de
Compromisso sobre HIV/Aids da UNGASS. Rev. Sade Pblica [online]. 2006, vol.40, suppl., pp. 101-108. ISSN
0034-8910. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102006000800014.

70

enquanto um campo unificado e divido em capitais sociais e os seus habitus


(BOURDIEU, 1999, 2001, 2003; CHAUVIR; FONTAINE, 2004).
Assim, o campo da ONG/AIDS seria um recorte do que a literatura
sociologia e antropolgica chama de Movimento AIDS, que um tipo de
caracterizao que traz dificuldades. Segundo Altman (1995), no existiria um
movimento AIDS fora das ONG/AIDS. Para Parker (2000), no h um movimento
da AIDS, mas um tipo de intercmbio de estratgias a partir da formao de uma
rede de organizaes no governamentais que detm como principal caracterstica
a dualidade entre a ao assistencial e a promoo do ativismo poltico. Nesse
sentido, observamos o Movimento AIDS enquanto categoria nativa, sendo assim
autocolocada, que pode congregar tanto organizaes LGTB e Feministas como
as chamadas ONG/AIDS. E ainda a participao de instituies, co mo
entidades religiosas e sindicatos, e m trabalhos de articulao, a exemplo do
Frum ONG/AIDS, pode ser tomada como forma de integrao ao Movimento
AIDS. Desse modo a discusso sobre a existncia ou no de um Movimento AIDS
a partir da atuao das ONG/AIDS, mostrou-nos que o Campo das ONG/AIDS
uma das esferas desse movimento social, que marcado pela reivindicao de
direitos civis e humanos, multidentidades, multipertencimento e diversidade.
Como vemos o cenrio brasileiro do campo das ONG/AIDS detm uma
configurao particular e com certa autonomia. Configuraes essas que nos
auxiliaram na compreenso do ativismo no campo de Joo pessoa.

71

3 - ONG/AIDS em Joo Pessoa

A primeira ONG/AIDS de que temos notcia no Estado da Paraba o


GAV Grupo de apoio a Vida, criado em 1994 na cidade de Campina Grande. Em
Joo Pessoa, a ONG com maior tempo de existncia no campo da AIDS o MEL
Movimento do Esprito Lils. A instituio foi fundada em 1992, e poca tinha como
foco principal o combate ao preconceito e ao crescimento do HIV/AIDS entre a
populao homossexual. Segundo relato do Presidente do Mel, a instituio puxou,
em 1994, um Frum de solidariedade das PVHA. Porm, atualmente, tem seu foco
na rea dos direitos humanos e educao voltada ao pblico homossexual
masculino. Na dcada de 1990, existia a UVAS Unio de Voluntrios de Apoio a
Soropositivo. Alguns ativistas em relataram como a mais antiga instituio a
trabalhar exclusivamente com AIDS em Joo Pessoa, mas hoje se encontra
parcialmente desativada26. Outra importante ONG que desenvolveu trabalhos
voltados a AIDS na dcada de 1990, para o pblico feminino, foi a CUNH Coletivo
Feminista.
Segundo relatos e correspondncias pessoais nos arquivos do FOAP,
essas duas ONGs foram as principais articuladoras do movimento de luta contra a
AIDS, juntamente com a AMAZONA e a UVAS. a partir da iniciativa desses grupos
que se inicia a estruturao de um campo de ONG/AIDS em Joo Pessoa.
A Amazona a ONG/AIDS mais antiga em funcionamento em Joo
Pessoa. Nasce da iniciativa da ONG francesa ESSOR 27, a partir de um projeto de
preveno as DST/AIDS junto s profissionais do sexo.
A fundao da AMAZONA pode ser tomada como um marco
representativo para o campo das ONG/AIDS em Joo Pessoa, pois congrega alguns
elementos que marcam o cenrio das ONGs/AIDS no Brasil. fruto de uma lgica
de interveno social voltado a um grupo especifico (GALVO, 2000). Nasce com
26

A instituio conta somente com um Voluntrio atualmente, Segundo ativistas do FOAP. Porm esse nico
voluntrio faz parte do MEL, atualmente. Como difcil encontrar algum registro sobre essa entidade no foi
possvel falar sobre a importncia da atuao dessa instituio, pois no encontrei nenhum registro formal da
mesma. Ela no tem nem mesmo sede no momento.
27

Ver o link: http://www.essor-ong.org/pt/benvindo.html

72

um formato institucional que congrega voluntariado e corpo tcnico voltado assim


para questes pragmticas. Sua lgica de interveno se alinha programtica da
cooperao internacional e do banco mundial, que o foco na preveno. A
instituio congrega tanto tcnicos como pessoas vindas dos movimentos sociais.
A Misso Nova Esperana nasce em 2001 e tem seu foco voltado para a
assistncia direta as PVHA. O processo de constituio dessa ONG/AIDS est
diretamente relacionado histria de vida do seu coordenador de projetos, quando
descobre a sua sorologia positiva. Segundo relatos, a sua fundao se d pela falta
de algum tipo de iniciativa em Joo Pessoa de casas de apoio voltadas a crianas e
adolescentes.
A terceira ONG/AIDS o Cordel Vida, fundada em 2005, com o intuito de
promover aes de preveno e apoio as PVHA. Surge da iniciativa de amigos que
j haviam trabalhado em outras ONG/AIDS e queria atuar com foco dos direitos as
PVHA.
As quatro ONGs, que sero aqui destacadas, MEL, AMAZONA, MNE e
CORDEL VIDA, tm perfis diferentes e esto colocadas na histria do HIV/AIDS em
momentos diferentes em Joo Pessoa. A primeira seria uma ONG/Mista, como
coloca Spinelli Junior (2006), e a trs ltimas seriam ONG/AIDS, a partir do cenrio
construdo no Brasil. Cenrio esse que delimita o processo de institucionalizao
das ONG/AIDS e a estruturao do campo com seus capitais especficos, porm
sem conseguir determinar o que seria uma identidade ONG/AIDS. Argumentamos
que o que se pode denotar do campo das ONG/AIDS a forma com se constitui o
ativismo, que est sempre em transformao sendo hbrido e malevel, assim como
as instituies.
Como relatam Spinelli Junior (2006) e Silva (2006), o trabalho de
articulao de movimentos sociais urbanos em Joo Pessoa surge a partir da
atuao dos centros eclesisticos de base. a partir dessa esfera que surgem
ativistas de outros movimentos como o Feminista. No cenrio da AIDS, em Joo
Pessoa um trabalho ligado arquidiocese o exemplo do pioneirismo para
congregar algum tipo de resposta a epidemia. Ela surge na Caritas e tem sua base
de ao a partir da Casa de Convivncia Positiva, fundada em 1997. Essa uma
das primeiras casas de passagem de que se tem notcia em Joo Pessoa.

73

A Ao Social Arquidiocesana da Paraba, atravs do setor social da


Critas, que quer dizer caridade em latim, iniciou seu trabalho com
pessoas vivendo com HIV/AIDS, na Paraba, em 1996, com pequeno apoio
financeiro e/ou material para pessoas infectadas pelo HIV. Com o aumento
da demanda deste pblico especfico junto Critas e com o
aprofundamento terico e prtico sobre os vrios aspectos relacionados
Aids foi criado em 1998 o Programa de Preveno e Apoio s Pessoas
Vivendo com HIV/Aids com aes de assistncia e preveno junto s
pessoas soropositivas. Suas atividades eram mantidas com recursos
oriundos do Ministrio da Sade Programa Nacional de DST/AIDS, do
MISEREOR, da Critas Brasileira e de pequenas doaes de pessoas
fsicas e jurdicas (COSTA, S. d).

a partir do trabalho da Critas e da Ao Social Arquidiocesana que


surge Casa de Convivncia Positiva, com o intuito de promover atividades
psicossociais do tipo: oficinas de artesanato, apoio PVHA e ainda reunies de
aconselhamento.
Alguns dos ativistas no campo das ONG/AIDS vieram de pastorais na
cidade de Joo Pessoa. Poderemos ver isso em seus perfis mais adiante.
O cenrio das ONG/AIDS em Joo Pessoa comea a se estruturar a partir
do final da dcada de 1990, quando comeam a surgir outras organizaes. Porm
o que pudemos notar que especificar um cenrio de ONG/AIDS, observando
Spinelli Jnior (2006), no categorizar as ONGs a partir de uma lgica de atuao
exclusiva, ou no, em relao AIDS. Isso parece ser desnecessrio para observar
um campo recortado por capitais sociais e um habitus especfico.

Embora se fale em ONG/Aids e em ONG mista, essa distino parece no


ter tanta relevncia na Paraba se considerarmos estritamente o formato
organizacional como critrio para a distino. Ao que parece, as
divergncias de fundo que esto na base desta distino so explicitadas
de outra maneira, e como j salientamos, dizem respeito a disputa pela
legitimidade das posies internas (SPINELLI JUNIOR, 2006, p.102 103).

Assim, a chave para compreender um campo das ONG/AIDS e a sua


possvel existncia, observar o tipo de ativismo social, que desenvolvido nos
espaos, observando as categorias micas e os significados dos nativos no modo
como eles moldam a realidade (Geertz, 2008), e enquanto significados em disputas
(BOURDIEU, 1999), estruturando a legitimidade das aes atravs dos tipos de
atuaes, que esto em conflito e unificados em um sistema de disposies.

74

3.1 Atores Institucionais e ativistas entrevistados.

Faz-se necessrio apresentarmos os atores institucionais e individuais


que escolhemos para compor o objeto de pesquisa. O detalhamento de suas
caractersticas permite um vislumbre fidedigno da nossa construo analtica, por
parte do leitor.

Misso Nova Esperana

A associao foi fundada em julho de 2001, na cidade de Joo Pessoa,


com projetos voltados ao pblico adulto e infantil. Ao longo dos ltimos onze anos,
passou por transformaes. A instituio tem seu histrico de vida ligada trajetria
do Coordenador de projetos.

[...] Quando eu comecei meu tratamento no Clementino h 12 anos o exame


de carga viral e CD4 eram colhidos separados e a ficava todo mundo numa
sala sem se falar e voc via que elas no estavam bem. Assim uma coisa
que no mudou muito foi a histria de voc receber o diagnstico e pensa
que est recebendo seu atestado de bito. [...] A ns entramos na
discusso. E Misso porque ns acreditamos que foi nos dado essa
misso. E Nova Esperana para trazer isso para as pessoas. H uma
confuso que as pessoas acham que tem alguma coisa a ver com a igreja.
A gente queria fazer alguma coisa. Ns no tnhamos nada quando
constitumos a instituio. Na poca ns queramos ter uma casa abrigo
para as crianas com AIDS, mas isso mudou quando ns comeamos a ver
que todas daquela poca estavam passando problemas. As casas abrigos
se tornaram depsito de crianas, pois ningum queria contato e nem
cuidar. Ento ns vimos que isso no seria sadio. [...] A primeira sede foi
cedida pela prefeitura e era no Distrito mecnico. Ficamos por dois anos e a
coisa deu to certo que l j no cabia e tinha a questo do deslocamento
ao Hospital. Foi quando a diretoria resolveu assumir essa despesa e ir para
uma casa melhor.(Bart)

Em 2007, passa a dar prioridade ao pblico infantil (crianas nascidas


com HIV), juntamente com suas famlias. Trabalha com o acompanhamento direto
das pessoas vivendo com HIV/AIDS provenientes de diferentes localidades e da

75

capital no Estado da Paraba, oferecendo estada a famlias de outros municpios que


buscam tratamento para crianas e adolescentes na capital. Como o entrevistado
coloca, a sede da Misso utilizada como casa de passagem no sentido de abrigar
pessoas em trnsito. Promove eventos comemorativos tendo em vista melhorar a
autoestima dos portadores e ainda proporcionar um novo espao de sociabilidade
entre as famlias. Desenvolve trabalho na rea da assistncia ao tratamento com o
acompanhamento das consultas no Hospital Clementino Fraga e formas de adeso
ao tratamento dos usurios cadastrados na instituio. Desenvolve, tambm, o
controle social mediante a participao de consultas pblicas, e no desenvolvimento
das diretrizes para o fortalecimento das aes de adeso ao tratamento para
pessoas que vivem com HIV e AIDS 28. Visa contribuir assim com o bem-estar de
crianas e adolescentes bem como de seus familiares. Trabalha especificamente
com a temtica do HIV/AIDS.
At julho de 2011, havia registro de 54 crianas com acompanhamento
direto e cerca de 60 pessoas como usurios indiretos da casa. Havia pessoas
cadastradas de 32 municpios da Paraba. considerado usurio direto aquelas
pessoas que participam de alguma atividade na casa. E o pblico indireto so as
pessoas que moram na mesma casa dos usurios diretos.
O principal projeto o Jardim Regado, que esto em funcionamento
desde 2002, tendo como foco oferecer assistncia social e emocional a crianas e
adolescentes que vivem com o HIV/AIDS e ainda monitorar crianas, at dois anos
de idade, filhos de mes soropositivas. Atualmente, esse projeto conta com
financiamento da Secretria Estadual de Sade da Paraba. Ainda h um projeto de
Arte-terapia e outro que a Bibliotecaids, que est momentaneamente desativado
por falta de espao fsico. Outra fonte de recurso da instituio atravs de
doaes. H ainda parcerias com o setor privado e a igreja evanglica para a
realizao de aes.
A misso ligada Articulao AIDS Paraba, que uma rede de
organizaes surgida em 2005 a partir de um grupo dissidente do Frum de
ONGs/AIDS da Paraba. Essa rede aglutina organizaes no governamentais que

28

Ver documento: DIRETRIZES PARA O FORTALECIMENTO DAS AES DE ADESO AO TRATAMENTO PARA
PESSOAS
QUE
VIVEM
COM
HIV
E
AIDS.
Disponvel
em
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_tratamento_aids.pdf

76

trabalham com programas sociais junto a pessoas que vivem com HIV/AIDS. Ainda
coloca como eixos de atuao a questo do controle social e o ativismo no
movimento nacional de luta contra a AIDS. As organizaes que fazem parte da
rede tm como eixo central o HIV/AIDS. As reunies so realizadas de acordo com
as demandas apresentadas pelas entidades e pela agenda de aes que
acompanha a agenda governamental. Vitor Buriti relatou que havia uma reunio
ordinria por ms, porm, como h dificuldade das ONGs se reunirem por questo
de deslocamento e dinheiro, passou a ser de acordo com as demandas. A
articulao no existe juridicamente ento quando a qualquer tipo de demanda
jurdica uma instituio empresta o CNPJ, para a realizao de projetos em
conjunto. Isso feito mediante a escolha interna na AAP.
A misso utiliza de veculos virtuais de comunicao para dar visibilidade
a suas aes: Facebook e Orkut.

Estrutura Fsica.

A misso tem sede em um imvel alugado com recurso prprio. Uma casa
com quatro quartos, sala e cozinha. Dois quartos servem para estada das pessoas
em trnsito; para isso cada quarto conta com beliches e mveis, para que os
usurios possam guardar ali seus pertences. Um utilizado como escritrio e outro
como almoxarifado. Atrs da casa, h um amplo espao, onde so realizadas
comemoraes e outros eventos. H, ainda, uma parte coberta onde so realizadas
reunies e sesses de aconselhamento. Na sala, h uma brinquedoteca. Na
varanda em frente casa, h alguns brinquedos.

Estrutura Administrativa.

Na diretoria, so doze pessoas. Seis so da diretoria executiva:


Presidente, vice, 1 e 2 secretrio e 1 e 2 tesoureiro. Seis conselheiros fiscais
trs titulares e trs suplentes, que no participam do dia a dia da instituio

77

Diariamente, na instituio, so oito (equipe de projeto). Quatro so contratados, um


funcionrio disponibilizado pela prefeitura e trs so voluntrias.

Entrevistado Bart.

O entrevistado coordenador de projeto e um dos fundadores da Misso


Nova Esperana. ligado a Rede Nacional de Pessoas Positivas na Paraba
(RNP+/PB) e articulador da Articulao AIDS na Paraba (AAP).
A funo do Articulador de receber toda demanda e repassar para as
instituies. Outra fazer a ponte com outros movimentos e com outros segmentos
fora da Paraba.
O entrevistado a pessoa que participa das reunies em Joo Pessoa.
Como representante da RPN+/PB e AAP, participa de encontros e congressos em
Nvel regional e nacional.
No cenrio do ativismo no HIV/AIDS em Joo Pessoa, o entrevistado
representa o contra discurso a outras organizaes e ativistas ligadas ao Frum de
ONG/AIDS.
A experincia de se tornar uma PVHA, alinhada a um histrico de atuao
na rea da assistncia social, possibilita entendemos o perfil do entrevistado.

Eu trabalho com movimento social formalizado em uma ONG desde os 19


anos. Na poca trabalhava com crianas vtimas de violncia domstica. [...]
A eu mudei de instituio porque fui convidado para coordenar um projeto e
passei a trabalhar com meninos de rua. Em 1999 foi quando minha vida
mudou. Eu descobri que era portador do HIV e comecei a busca por
informao. Procurando pelo que existia de organizaes na Paraba eu me
deparei com uma situao que me levou a refletir. Na poca eu descobri o
que me chocou, que no existia nenhuma instituio no Estado que
trabalhava com crianas portadoras AIDS. A nas pesquisas que fui
fazendo, observei que o atendimento as crianas se restringia s consultas.
A me saa com um turbilho de informaes sem compreender grande
parte delas. Foi da que eu resolvi fazer alguma coisa. Passei quase dois
anos estudando. [A Misso Nova Esperana] Foi fundada em Julho de 2001
[...] e foi um trabalho pioneiro no estado (Bart).

Assim, atuao ativista enfoca uma questo de solidariedade. Porm ao


participar de redes como a AAP e a RNP+, o entrevistado demonstra a sua

78

capacidade tcnica, pois coordenador de projetos da ONG, juntamente com a


temtica do controle social j que os membros da RNP+ participam de espaos
como a CAMS e o CNAIDS, bem como os planos Anuais de Metas estaduais e de
Joo Pessoa. O entrevistado, assim como demonstra Valle (2002), transforma a
prpria experincia da condio sorolgica, junto a uma atuao anterior no campo
da assistncia, em sua base para um tipo de ativismo.

CORDEL VIDA - Centro de Orientao e Desenvolvimento de Luta pela Vida.

O Cordel Vida se constitui juridicamente como associao. Foi fundada


em fevereiro de 2005 em Joo Pessoa. Trabalha especificamente com a temtica do
HIV/AIDS, visando o desenvolvimento da preveno e o apoio s pessoas
portadoras. O Cordel trabalha com o pblico em geral, seja soropositivo ou no. O
contato com as pessoas feito atravs dos projetos em andamento e da distribuio
de preservativos e de material de preveno.

O CORDEL surgiu pelo um grupo de amigos que sentiu a necessidade de


promover aes de apoio a algumas pessoas vivendo no interior esse foi o
foco do cordel. Situou-se na capital porque as maiorias das pessoas viviam
na capital, que juntamente com outros vindos do interior sentiam essa
necessidade de trabalhar a questo da preveno e do acolhimento sobre
tudo para as pessoas do interior. A grande maioria j vinha de outras
instituies que trabalhavam basicamente com o tema do HIV/AIDS.Com
relao ao Nome. Na verdade isso foi uma luta. Na verdade foi uma grande
brincadeira. Quando o grupo se juntou, nos perguntamos: vamos formar
uma instituio, que de conta do interior? Que nome a gente coloca? E ai a
gente comeou a pensar. No queramos nada que remetesse para
questo da AIDS, at porque era uma coisa que ainda trazia estigma e
parecia que a gente tava sempre reforando uma coisa negativa. E ai
tambm para a gente no t assinando a condio das pessoas que ns
estaramos atendendo. Ento dissemos, vamos pensar em um nome que
diga o que a gente qu. E que demonstre o que queremos que seja passar
orientao para as pessoas. Ento veio centro de orientao e
desenvolvimento de luta pela vida. Ento ficou Cordel Vida, at porque um
nome regional e diz exatamente que a gente faz que seja trabalhar com
orientao. Na poca a gente no tinha sede. Era na minha casa e na casa
de John (Fry).

Desse modo, a instituio surge a partir de preocupaes de seus


ativistas. No tem sua constituio ligada a nenhum tipo de projeto, ao contrrio da
AMAZONA,e nem est atrelada a histria de vida de um sujeito. Surge a partir da

79

sada de algumas ativistas da Misso Nova Esperana, reunidos em torno de uma


nova faceta da epidemia, que a interiorizao da AIDS pelo pas.
Atualmente, tem quatro linhas de ao. A primeira sobre o
desenvolvimento institucional que visa capacitao de voluntrios para realizao
das aes institucionais. A segunda a realizao de projetos tendo em vista o
apoio s pessoas vivendo com HIV/AIDS, como oficinas de adeso ao tratamento e
o projeto Recriando Vidas, que promove oficinas de artesanato para as pessoas
vivendo com HIV/AIDS e seus acompanhantes, no Hospital Clementino Fraga. A
terceira linha sobre informao, educao e comunicao, na qual se destaca o
projeto, Multiplicadores da Vida, que visa capacitar agentes multiplicadores de
preveno em DST/AIDS em comunidades e grupos, a exemplo de professores e
agentes comunitrios de sade. E, ainda, h o projeto Escola Cidad, realizado em
42 escolas em Joo Pessoa, que trabalha com temas transversais como
sexualidade, gnero, cultura de paz e diversidade cultural. Por ltimo, o Cordel Vida
desenvolve uma linha de controle social, visando ao monitoramento de aes
estatais e das polticas pblicas, bem como ao fortalecimento da participao da
sociedade civil organizada. Como pode se notar pela distribuio das linhas, suas
aes tm predominncia na rea da preveno e no controle social.

Os projetos em andamento foram financiados pela Secretaria de


educao de Joo Pessoa, Secretaria Estadual de Sade e Secretaria Municipal de
Sade.
A instituio realiza tambm junto com a DIGNITATIS 29, projetos de
assessoria jurdica, a exemplo do Curso de Formao em Direitos, que ser
realizado dentro do projeto Direito Vida que tem como foco prestar assessoria e
acompanhamento jurdico a pessoas vivendo com HIV/AIDS.

realizado com

recursos prprios.
O Cordel ainda ligado ao Movimento das Cidads Posithivas. Este
ltimo utiliza a estrutura fsica e administrativa da instituio para realizar reunies e
para ter acesso a recursos.

29

Ver link: http://dignitatis-assessoria.blogspot.com/p/nossa-historia.html

80

O Cordel Vida filiado desde 2005 ao Frum de ONG/AIDS do Estado da


Paraba, que uma rede de organizaes existente desde 1994, embora
formalizada apenas em 2000. Tem como principal objetivo prticas de controle
social, como influenciar nas polticas pblicas e na legislao a fim de garantir
direitos e melhor qualidade de vida a pessoas vivendo com HIV/AIDS. Trabalham
com organizaes de diferentes movimentos a exemplo do Movimento LGBT e
Feminista. Assim, algumas das organizaes filiadas no tm o tema do HIV/AIDS
como eixo central. Realiza reunies mensais e tem um acento no conselho municipal
de Sade. O Cordel faz parte da diretoria. Mencionamos aqui o fato de que o Frum
coloca-se, de certo modo, como oponente da Articulao, pois precisa ser
antecipada esta diviso no seu campo.

Estrutura Fsica.

O Cordel tem sede alugada com recurso prprio e um ncleo de


atendimento em Solnea, no interior da Paraba, no qual o espao cedido pela
prefeitura da cidade. O ncleo tem cerca de dois anos. a partir dele que so feitos
atendimentos para o interior. A sede em Joo Pessoa numa sala comercial, que
dividida em dois ambientes. A DIGNITATIS divide o espao com o Cordel Vida. No
espao, est todo o material de campanhas e material de preveno (camisinhas,
folhetos e gel lubrificante). A sede serve para as reunies internas, reunies do
Frum de ONG/AIDS do Estado da Paraba, distribuio de material de preveno e
informativo, e assessoria jurdica dos portadores.

Estrutura Administrativa.

Na diretoria so cinco pessoas: Presidente, Vice-presidente, Tesoureiro,


1 Secretrio e 2 Secretrio. So cerca de dez pessoas trabalhando e na
assessoria jurdica a mais duas pessoas como voluntrias. Das dez pessoas, seis
tinham contrato e quatro eram voluntrios.

81

Entrevistada Maria.

Maria foi articulador do Frum at fevereiro de 2011 e coordenadora de


projeto do Cordel Vida. Participava do projeto Escola Cidad. Como articuladora,
tinha a funo de receber as demandas e repassar para a rede, alm de organizar e
fazer a chamada para as reunies. Ela era a pessoa que representava o cordel no
Frum e participava de congressos e encontros, representado tanto o Frum como o
Cordel vida. Em maro do mesmo ano, foi trabalhar na Secretria Municipal de
Sade Junto a Gerncia Municipal de DST/AIDS, onde , atualmente, Coordenadora
de Preveno DST/AIDS CTA Joo Pessoa/PB. A experincia de Tatiana nos
ajuda a conhecer melhor o seu perfil.

tipo assim aquela coisa inconsciente. Quando eu era adolescente nos


anos 80 e minha me foi uma das que criou na universidade, ela era do
NESC, junto com Biu (Mdico ligado ao NESC), eles criaram o grupo Eros
que foi o primeiro grupo a trabalhar com AIDS dentro de uma universidade
no Brasil. Eu acho que eu ouvia muito ela falando dessas coisas. Eu sei que
eu comecei como voluntria em uma instituio em 2001 [...] trabalhando
com as prostitutas. O porqu eu no sei [...] porque s vezes voc escuta: A
porque o meu pai morreu de AIDS; eu tenho um amigo que morreu. Eu
nunca tive isso no. Depois que eu entrei, foi que vi muitos amigos [...], mas
no tem nada assim que [...] eu acho que na verdade eu gosto de trabalhar
com educao. Eu j trabalhei de terreiro de macumba a meninos no CEA.
Quando voc toma gosto se quer trabalha direitos humanos com todas as
populaes, mas no tenha nada que me motivou. A ideia era trabalhar
direitos humanos e educao, mas agora eu quero sair. Eu observava as
coisas como todo mundo v. Eu era muito nova. Assim eu acho que eu sou
uma pessoa privilegiada. Um pai artista plstico e minha me muito pra
frente. Assim eu nasci em uma famlia privilegiada. Nunca tive preconceito.
Nunca vi isso dentro de casa [...] mesmo assim voc impregnado por
esses conceitos e preconceitos ento quando eu entrei mudou tudo. Por
exemplo, quando eu fui trabalhar da primeira vez [...] com prostitutas dando
consultoria para elas. E eu no sabia nem que existia prostituio [...] eu
achava assim que j existiu na poca do meu av [...] e a eu fui trabalhar
logo com elas e a eu comeo a ver que uma realidade tal. Alm de
entender que elas existem entender que uma profisso como outra
qualquer. E a voc vai mudando seus conceitos. Vai tendo contato com
outros movimentos [...] hoje eu presto consultoria para todos os movimentos
e a eu tenho que saber de tudo e por isso que eu no quero mais [...] no
aguento mais porque eu acho que assim como em Joo Pessoa se tem
uma deficincia de projeto e de edital e quando voc consegue se inserir
nesse movimento. E quando voc consegue trabalhar na linha dos direitos,
voc tem que trabalhar com tudo. Agora mesmo eu estava ajudando a
fundar uma organizao dentro de uma roda de candombl. Ento eu estou
l com eles, estou junto das prostitutas, junto do movimento de mulheres,
junto das mulheres do movimento negro [...] ento quando as pessoas
comearam a me chamar porque elas entendiam que eu era sensvel para
aquela causa e eu nem sei se eu era [...] (Maria).

82

Maria vincula o ativismo a outro tipo de experincia pessoal. Coloca como


uma espcie de capital social (BOURDIEU, 1999) adquirida a partir da experincia
privada da casa.

Entrevistado Fry

O Fry foi voluntrio do Cordel Vida e assumiu o lugar do Maria no Frum


de ONG/AIDS, como representante do Cordel. A vaga de articulador ficou vaga, pois
escolhida atravs de votao. Tambm fazia parte do Projeto Escola Cidad.
Trabalhou na elaborao e execuo de projetos da ONG. um dos fundadores do
Cordel Vida. No frum era um dos principais ativistas, pois na maioria das vezes
levantavas as discusses. Participou de vrias reunies com a gesto e em
congressos. Sua atuao no Frum direcionava-se para a questo do fortalecimento
do controle social e da prpria rede. Tambm participou de algumas reunies do GT
de Adeso. Permaneceu no Frum e no Cordel Vida at meados de 2011, quando
se afastou por questes pessoais.

Eu particularmente tenho uma histria de movimento social que antecede o


movimento AIDS. Comecei no movimento social com o movimento
estudantil desde o ensino mdio, fui de grmio, cooperativa de estudante,
(...) fui da representao do DCE na universidade. Com a histria da AIDS
quando eu me descobri infectado pelo HIV, fiquei sem trabalhar e senti uma
necessidade de informao, ai me aproximei de algumas instituies
existentes em Joo pessoa. A primeira foi a UVAS, que a instituio mais
antiga, nunca decolou muito, mas at hoje existe. Na poca eles tinham
algumas dificuldades. Depois eu fiquei no interior e passei a fazer alguma
coisa muito mais minha. J fazia apoio algumas pessoas no interior. Assim
como eu j vinha dos movimentos sociais e tinha um nvel de escolaridade
melhor passei a procurar conhecer mais do que a mdia das pessoas.
Depois passei num concurso do IBGE e me aposentei. Nesse momento
senti a necessidade de vim pra Joo Pessoa. E aqui fui convidado pela
Misso Nova Esperana. Trabalhei um ano e meio e fui para essa rea de
elaborao de projeto. Depois eu passei um ano sem participar de
nenhuma instituio e depois fui convidado a voltar pra misso pelo Victor.
Na poca eles tinham aproximao com a FACENE/FAMENE e tinham
necessidade de uma pessoa que coordenao as aes com os estudantes
e ai fique mais um ano. Depois a coisa ficou complicada porque a
administrao da Misso Nova Esperana, era uma decepo [...] a gente
sentia assim pouco tica e no era interessante para o pessoal que
trabalhava, no era interessante para o pessoal que era atendido e a eu me
senti ofendido. Ai eu sai da misso e foi nesse perodo de 2004/2005 [...]

83

Rosangela trabalhou l um tempo (voluntrios) John tambm passou um


perodo l e ainda tinha Digenes e Evaldo que era psiclogo e ai a gente
comeou a pensar a questo a preveno ao pessoal do interior e foi
quando a gente comeou a pensar em criar o cordel (Fry).

Fry outro que passa a atuar no Campo das ONG/AIDS a partir da


experincia sorolgica, alinhando a essa condio de sade o seu histrico de
atuao no movimento estudantil. Sua atuao tem no s o carter solidrio, mas
marcador pelo enfretamento direto a ideias que estejam em discordncia com as
premissas que sejam acordas coletivamente. A marca disso foi vista em uma reunio
com a gesto municipal, quando as pactuaes que tinham sido feitas no PAM de
2010 teriam dificuldades de serem implementadas. O entrevistado II colocou que
havia uma falha por parte do gestor por no ter cincia que parte da verba estava
empenhada para pagamentos anteriores.
AMAZONA Associao de preveno a AIDS.

A associao foi fundada em 1998. Primeiramente, tem seu trabalho


voltado s profissionais do sexo e posteriormente amplia para comunidades de baixa
renda, em principal para os jovens que vivem nela.

Surgiu em Joo Pessoa em 1996. Tem sua origem a partir de um projeto de


preveno junto s profissionais do sexo realizado por uma ONG francesa
(ESSOR). Tinha uma parceria com a Unio Europia que queria
desenvolver atividades no Nordeste do Brasil. Foi definido Joo Pessoa por
no ter nem um trabalho sistemtico pelo poder pblico e nem outra ONG
da sociedade civil junto ao pblico de profissionais do sexo. A ESSOR
procurou em seus quadros por pessoas no Brasil que j tinham trabalhado
com esse pblico e escolheram Joo Pessoa. Foi iniciado junto a esse
pblico um trabalho no qual o nome P4 (Projeto de Preveno Junto as
Profissionais do Sexo e Parceiros). [...] ai foi recrutado toda uma equipe de
multiplicadores que era as profissionais do sexo com a metodologia da
educao comunitria. De 1996 a 1998 foi o trabalho e nesse perodo
comeou a se estruturar uma ONG local. A Amazona foi criada legalmente
em 1998. O nome Amazona no inicio era separado. Era AMA ZONA por
conta da referncia das profissionais do sexo. Era o Amor Zona de
prostituio. E tambm por conta das pessoas que vieram do norte na
equipe inicial. E por conta que a mulher amazona uma pessoa forte e
guerreira. E por conta da juno desses trs fatores que definido o nome
AMAZONA, mas o que mais forte a experincia com as profissionais do
sexo. No inicio algumas ONGs contriburam para insero da Amazona nos
espao. O MEL fez todo um trabalho de apresentao da zona de
prostituio. O Centro da Mulher 8 de Maro foi outro que contribuiu muito
no processo de formao da instituio (Janes).

84

A atuao da AMAZONA visa interveno direta com a populao,


tendo em vista promover o direito sade e o fortalecimento da cidadania. Outro
elemento o fortalecimento das organizaes sociais populares e o incentivo
autoorganizao das comunidades de baixa renda. E, por ltimo, tem o controle
social. Assim, a instituio trabalha com temas como sexualidade, gnero,
comunicao, educao e diversidade. Tem, atualmente, como foco principal a luta
contra a DST/HIV/AIDS no que tange pauperizao, juvenizao e feminizao
da epidemia em populaes de baixa renda e comunidades urbanas, enfatizando a
preveno e a educao como meio de interveno. No tem contato diretamente
com os portadores. O trabalho no campo do HIV/AIDS com a interveno direta
nas comunidades e, prioritariamente, com jovens e famlias, observando as esferas
que os circundam como o servio de sade e o sistema de ensino pblico. O
controle social se faz na participao de consultas pblicas, grupos de trabalho e na
fiscalizao das polticas pblicas de sade no DST/HIV/AIDS.
Atualmente, a instituio tem como principal projeto o, Garotada Solidria
que conta com o financiamento da PETROBS e Governo Federal. Tem como
objetivo o fortalecimento de aes comunitrias de combate pobreza e a melhoria
das condies psicossociais de famlias e adolescentes, bem como a participao
popular na fiscalizao e controle das polticas pblicas em geral, enfocando a
temtica do DST/HIV/AIDS, em oito comunidades em Joo Pessoa e localidades
prximas: Conde Centro, Pousada do Conde, Ilha do Bispo, Timb, Casa Branca,
Geisel, Roger e So Rafael. Por meio de organizaes sociais populares existentes
nas comunidades, a AMAZONA desenvolve trabalho de educao popular, visando
ao empoderamento das pessoas e das comunidades. Outro trabalho em Destaque
o projeto Ser To Paraibano\a, que desenvolvido junto a ESSOR Association
Solidarit Internationale, e visa gerao de trabalho e renda em quatro cidades
Paraibanas: Patos, Pombal, Souza e Santa Rita. Tem como meta a qualificao de
1500 pessoas para o mercado de trabalho.
H, ainda, projeto MULTIPLICAO ARCO RIS, que fruto do projeto
Nao Arco ris realizado em 2009 junto com o Criana Esperana 30 e a UNESCO.
30

Para maiores informaes consultar o link: http://redeglobo.globo.com/criancaesperanca/

85

Tem como objetivo dar continuidade ao trabalho de educao e formao de


multiplicadores de ao junto a quatro grupos de jovens. Atuando na ao
comunitria junto a rdios e escolas, tem como meta incentivar a solidariedade junto
aos jovens e contribuir assim para o desenvolvimento sistemtico de Lideranas
Juvenis e Agentes Multiplicadores/as em combate a DST/HIV/AIDS. E, por ltimo, o
Projeto PIPA que visa atender 1320 jovens da grande Joo Pessoa e tem como foco
a promoo do direito sade e a preveno do DST/HIV/AIDS, bem como a defesa
do cumprimento do Estatuto da Criana e Adolescente. Tem como base a educao
popular, formando jovens como multiplicadores de informao que atuam junto a
outros jovens e crianas das comunidades em que vivem. H ainda nesse projeto
um trabalho junto aos jovens do Grupo de Teatro da AMAZONA.
H, na associao, um convnio com a UFPB para estgio remunerado e
curricular, que se encontra em suspenso no momento por falta de pessoal para
acompanhamento dos estudantes.
Os principais parceiros e financiadores da associao so a ESSOR,
CRIANA ESPERANA, Secretria Estadual de Sade, Secretria Municipal de
Sade, Governo Federal e PETROBS. A associao tem como outras formas de
capitao de recursos como a doao de recursos por terceiros e contribuio de
seus associados31.
A instituio conta ainda com um acervo de livros relacionado s
temticas de seus projetos e o HIV/AIDS.
A instituio uma das fundadoras do Frum de ONG/AIDS do Estado da
PARABA e tambm filiada ao ABONG Associao Brasileira de Organizaes
No Governamentais.
A AMAZONA utiliza de veculos virtuais de comunicao para dar
visibilidade a suas aes: Facebook, Orkut, Twitter e Home Page.

Estrutura Fsica.

31

Para maiores informaes consultar o link: http://www.amazona.org.br/

86

A AMAZONA tem sede em imvel prprio adquirido com recursos da


cooperao Internacional. uma casa grande com dois andares, com local para
ensaio do grupo de teatro, sala de reunies, almoxarifado, cozinha e escritrios. H
uma Kombi para suprir a necessidade de transporte da instituio.

Estrutura Administrativa.

Cerca de dez pessoas fazem parte da Instituio atualmente. Uma


coordenao geral retirada a partir de uma assembleia de associados: Um
Coordenador Geral, Coordenador Administrativo Financeiro e uma Secretria. E se
retira tambm um conselho fiscal. Essa coordenao vista como corpo poltico. Ela
forma por militantes que tem um histrico nos movimentos sociais e do a linha
poltica da entidade.
H um corpo tcnico que desempenha as tarefas do dia. integrado por
uma coordenadora de Projetos, Coordenador administrativo financeiro e um
coordenador de sustentabilidade, posto que, no momento, encontra-se vago. H
uma equipe para cada coordenao. A coordenao de projetos tem quatro
assistentes que trabalham de acordo com as linhas de atuao: Trabalho e Renda,
Adolescentes e Comunicao. A coordenao administrativa tem um coordenador,
um sub-coordenador, um estagirio administrativo financeiro, um motorista, uma
secretria e uma estagiaria de comunicao. Essa equipe remunerada, seguindo o
regime da CLT.

Entrevistada Lisa.

A Lisa assistente de projeto da AMAZONA e a representante da


instituio no Frum. uma das pessoas mais ativas na rede e esteve em todas as
reunies das quais participei, seja do Frum ou do GT de Adeso. Em algumas
delas, era a pessoa que tinha um papel de conduo da reunio puxando as
discusses sobre as pautas acordadas pelos membros da Rede. Foi, tambm, a
responsvel pela realizao do Grito dos Excludos em 2011 em Joo Pessoa.

87

Eu tinha um trabalho junto a Critas e a partir da nasceu Casa de


Convivncia que era um dos programas da Critas. O nome era Programa
de Apoio as Pessoas vivendo com HIV/AIDS. A minha militncia vem da
Igreja. Entrei aqui em 2005 (Lisa).

A Lisa uma das Militantes, que veio do projeto desenvolvido pela Ao


Social Arquidiocesana da Paraba, que resultou na Casa de Convivncia Positiva.
Trabalha na execuo de projetos da AMAZONA. Enfatiza muito as questes do
controle social no FOAP e um dos membros mais ativos. Seu perfil passa por uma
concepo de solidariedade na atuao frente doena, enfatizando a educao e o
trabalho coletivo. Tem seu perfil ligado atuao direta nos projetos. Iniciou sua
trajetria por meio do voluntariado. Tem um perfil de um ativismo voltado para a
ao educativa de preveno. No tem uma concepo tcnica do processo de luta
contra AIDS.

Entrevistada Janes.

Coordenadora de projetos da Instituio. Foi entrevistada por sugesto


de Lisa. Participou apenas de uma das reunies que eu acompanhei. Como
Coordenadora, tem que garantir a execuo dos diversos projetos. E no participava
das reunies do Frum e do GT de Adeso, pois era responsabilidade da Lisa.

Eu fiz graduao em Servio Social e foi divulgado programa para a seleo


de voluntariados da AMAZONA e eu vim conhecer o trabalho com essa
ansiedade de quando a gente est na graduao de juntar o contedo com
a prtica profissional e ai eu vim e comecei em 1998 fazendo trabalho junto
s profissionais do sexo. Comecei como voluntria, depois fiz um estgio
curricular. Depois eu fui convidada para assumir como assistente desse
projeto e a partir da continuei na instituio. Minha vida profissional foi toda
aqui (Janes).

O perfil de Janes tcnico sua histria junto instituio est vinculada


ao aspecto do trabalho. E construiu uma carreira na instituio. Um elemento
significativo com relao s outras trs instituies colocadas em destaque que a
AMAZONA a instituio com melhor estrutura tcnica administrativa.

88

MEL Movimento do Esprito Lils.

O MEL uma associao sem fins lucrativos, fundada em 1992 na cidade


de Joo Pessoa. No incio, tinha como principal misso o combate ao HIV/AIDS
entre o pblico LGBT. Nessa poca, congregava os grupos gays, lsbicas e
travestis. Surgiram a partir dela os Grupos: ASTRAPA (Associao dos Travestis da
Paraba) e O Grupo de Mulheres Maria Quitria. formado, atualmente, por
homossexuais masculinos. E tem trabalho junto a outras organizaes LGBT.

Na ata o ano de fundao 1992, mas h algo anterior. O trabalho que d


base ao MEL comeou em 1990 na BEMFAM (ONG - Bem estar Familiar no
Brasil) por tcnicos. Entre os quais Natlia Queiroga (psicloga) Eliete
(Professora de Enfermagem UFPB) e outros. Outra questo que no
incio da dcada de 1980 havia duas organizaes na Paraba que tm vida
efmera. Assim o Movimento LGBT ressurgiu com o MEL na dcada de
1990. Os dois foram: o Ns Tambm e o Beira de Esquina. Outra coisa
que o MEL quando surge assumiu o compromisso de expandir o movimento
para o interior. E assim ajudou a realizar vrios encontros com intuito de dar
base ao surgimento de novas organizaes na dcada de 1990. Com
relao ao nome, eu no participei e h controvrsias sobre quem deu a
ideia, mas a cor Lils a mistura de duas cores que o azul e o rosa. E
tradicionalmente [...] o azul relacionado ao gnero masculino e o rosa ao
feminino. Assim o nome Lils seria o Movimento que faz a sntese do
masculino e feminino. E tambm de acordo com os esotricos a cor da
alma e desse milnio. E esses so vrios dos motivos que deram o nome.
em engraado que quando surgiu o grupo, as pessoas ficavam perguntado
o porqu do nome e o que significava. E tambm a gente recebeu criticas
das pessoas do movimento LGBT, dizendo que tem que ser mais direto
como Grupo Gay da Paraba. Luiz Mott foi um dos que criticou, falando que
isso escondia o que deveria ser explicito (Harry).

A instituio uma das primeiras Organizaes no governamentais a


trabalhar com o tema da HIV/AIDS na Paraba. Porm, com a transformao do
quadro epidemiolgico da doena nas duas ultimas dcadas e devido necessidade
de ampliar o debate abrangendo outras questes relativas aos direitos dos
homossexuais na Paraba, passa, ento, a atuar nas questes dos direitos humanos
e tem atualmente eixo principal a promoo da cidadania e dos direitos LGBT, como
a educao, moradia e outros. Trabalha com questes de gnero, cidadania e
educao. Trabalha tambm na rea da preveno s DSTs. Com relao ao
HIV/AIDS, a instituio no desenvolve nenhum projeto atualmente. Restringido sua

89

atuao ao apoio s pessoas portadoras atravs da sua participao na luta pelos


direitos dos soropositivos. Seu forte no campo das DSTs o controle social.
No h, no momento, projetos especficos voltados aos portadores de
HIV/AIDS. As atividades desenvolvidas atualmente so capacitaes e seminrios.
O MEL um dos responsveis pela organizao do Dia da Cidadania LGBT.
Realiza, tambm, palestras em escolas e d apoio a atividades como mostra de
filmes e outras atividades culturais, a exemplo do Dragmel. Ainda tem participado na
formao dos oramentos do Estado e Municpio.
A captao de recursos, em sua maioria, se d por meio de apoio de
sindicatos, polticos e pessoas fsicas. H, por vezes, apoio do poder estadual e
municipal. No h, atualmente, captao de recursos a partir de editais ou outros
tipos de projetos financiados por terceiros.
A ONG est ligada ao Frum de ONGs/AIDS, Movimento Nacional de
Direitos Humanos, Grupo de trabalho em Adeso ao Tratamento, ao Frum LGBT
da Paraba e outros.

Estrutura Fsica.

A sede alugada. uma sala comercial ampla no centro da cidade. Nela


se encontra todo o material de arquivo e de trabalho no dia a dia. O prdio em que o
Mel est localizado prximo ao cordel vida. Conta com dois computares para
servios doados. Os moveis e eletrodomsticos existentes na instituio so todos
doados. .

Estrutura Administrativa.

No h um quadro profissional. So cerca de 10 pessoas que, de acordo


com o entrevistado, trabalham enquanto militantes/voluntrios. H uma diretoria
Presidente, Vice-presidente, Tesoureiro, 1 secretrio e 2 secretrio. A associao,
segundo seu presidente, nunca trabalhou com contratados e sempre com

90

voluntrios que recebem alguma ajuda de custo quando h, eventualmente, algum


projeto contemplado.

Entrevistado

Harry , atualmente, presidente do MEL. Faz parte da entidade desde


1993. Foi um dos fundadores do Frum de ONG/AIDS da Paraba e do Frum LGBT
em Joo Pessoa. o representante da instituio no Frum de ONGs/AIDS da
Paraba e no GT de adeso em Joo Pessoa.

Eu comecei nos movimentos sociais desde meus 16 anos com a Pastoral


da Juventude. Fui do movimento sindical. Eu dei aula durante dez anos e
nesse perodo eu tava com o movimento sindical dos professores. Eu me
envolvi tambm com o movimento LGBT primeiramente com o grupo Beira
de Esquina32, de forma mais direta, e de forma indireta do Ns Tambm 33.
Envolvi-me ainda com o movimento estudantil e o movimento comunitrio.
Aonde pudssemos est, ns estvamos. Como mais ou menos hoje o
MEL.E essa questo de retomar o movimento LGBT, como principal, tem h
ver com a minha histria pessoal [...] do ponto de vista pessoal tem a ver
com a reao homofobia, do qual fui vtima vrias vezes. Participar do
movimento LGTB foi uma autodefesa. A partir do momento que voc passa
agir assim voc passa tambm a agir para um coletivo, uma comunidade. E
ai quando em 1993 encontrei o MEL acabei abandonando a sala de aula,
um ano depois. Desde ento no tem sido fcil at porque s vezes a
entidade tem projeto financiado, outras vezes no. Ento difcil, mas no
meu entendimento eu posso t dando uma contribuio maior para construir
uma sociedade sem discriminaes [...] ento eu acho que possa d uma
contribuio maior nos movimentos sociais do que se eu estivesse em sala
de aula. Ento isso continua sendo um trabalho de educador, mas no de
um educador formal e sim um educador popular (Harry).

Harry outro ativista advindo da atuao em pastoral em Joo Pessoa,


mas atual em outros segmentos, a exemplo do movimento sindical quando era
professor na rede pblica municipal. Sua atuao no MEL tem como foco a garantia
dos direitos do pblico LGBT. Segundo seus relatos, viu de perto a AIDS ceifar
muitas vidas na dcada de 1990. Participa das reunies do FOAP, bem como outras
esferas. A exemplo do foco LGBT. Sua posio de apoio as pessoas vivendo. Tem
atuao no campo da sade, participando de discusses pragmticas do FOAP.
32
33

O grupo Beira de esquina foi um dos primeiros grupos LGBT em Joo Pessoa, na dcada de 1980.
O Ns Tambm um dos primeiros grupos LGBT em Joo Pessoa, na dcada de 1980.

91

Segundo Luciano, a ONG no uma ONG/AIDS. O seu papel atual no campo da


AIDS, apoiar as PVHA.

3.2 Outros sujeitos que participam das discusses no campo ONGs/AIDS em


Joo Pessoa.

Gesto Municipal DST/AIDS

John coordenador do centro de testagem e aconselhamento em


DST/AIDS em Joo Pessoa e coordenador do programa DST/AIDS do municpio de
Joo Pessoa. Fez parte da Misso Nova esperana e foi um dos fundadores do
Cordel Vida. Foi Articulador do Frum de ONG/AIDS da Paraba at 2006. Participou
das discusses sobre a casa de Apoio e um dos promotores do PAM de Joo
Pessoa.

Grupo de Mulheres Maria Quitria

Entrevista Rosa

Rosa participava do FOAP como representante do Grupo de Mulheres


Maria Quitria, fundado em 2002 em Joo Pessoa, a partir do Movimento do Esprito
Lils, a ONG Maria Quitria tem como principal objetivo a promoo da cidadania de
mulheres lsbicas, bissexuais e transexuais. A instituio uma Organizao no
governamental ligada ao Frum de ONG/AIDS da Paraba. Presta apoio a pessoas
vivendo com HIV/AIDS, mediante a atuao em discusses sobre a promoo de
polticas pblicas, cidadania e aes de preveno. O chamado controle social a
linha de atuao no campo das DSTs.
Elencamos, aqui, alguns dos atores que participaram das discusses e
atividades, que acompanhamos ao final de 2010 e ao longo de 2011. Deixamos
outras pessoas de fora de descrio dos sujeitos, pois demandaria mais espao e

92

fugiria do foco que damos na nossa pesquisa. Entendendo que esses atores
emergiram como os mais relevantes na observao realizada, isso no implica que
sejam mais importantes que os demais ativistas e instituies envolvidas no campo
do HIV/Aids.
Faremos algumas observaes sobre esses atores relacionando ao tipo
de Campo ONGs/AIDS que h, ou no, na cidade de Joo Pessoa tentando elencar
algumas caractersticas que estruturam a realidade e as possibilidades quanto ao
ativismo que o cenrio apresenta.

3.3 O Campo das ONGs/AIDS em Joo Pessoa

O campo das ONG/AIDS em Joo Pessoa recortado por instituies e


ativistas de origens diversas. Em sua realidade, analisar a atuao de ONGs, no
campo da AIDS na cidade, demanda explorar o cenrio por outra via. Primeiro, se
fechamos a definio de ONG/AIDS em um tipo de instituio com atuao limitada
somente ao HIV/AIDS, desconsideramos caractersticas singulares ao cenrio,
advindas dos atores institucionais e ativistas. A pluralidade de atores na histria
social da AIDS no Ocidente demonstra que os diversos tipos de arranjos da
sociedade tm que incorporar os diferentes segmentos sociais, enquanto estratgia
de atuao das ONGS junto ao Estado, de modo a construir respostas sociais e
polticas com maior eficcia s demandas sociais impostas pela epidemia, a
exemplo dos grupos LGBT e Feminista. Apontamos que esse tipo de atuao no
levou a uma segregao entre as organizaes civis, mas possibilitou articulao
entre elas (ALTMAN, 1995).
O cenrio regional marcado por aspectos do campo nacional. As
primeiras respostas AIDS vm de grupos Homossexuais no Brasil. Em Joo
Pessoa, uma das primeiras ONGs a articular trabalhos na AIDS o MEL. Como
Parker (1997), Galvo (1997, 2000), Altman (1995) e Facchini (2005) observam, so
os grupos homossexuais os primeiros a construir respostas a questo da AIDS.
Respostas essas marcadas por questes de acolhimento s PVHA, que eram, por

93

vezes, expulsos do convvio social da famlia e amigos. Facchini (2005) aponta o


exemplo da travesti Brenda Lee, que transformou sua residncia em casa de apoio,
na dcada de 1980. O Grupo Gay da Bahia foca sua ao, na primeira dcada de
1980, no campo da educao, distribuio material explicativo e da orientao. Na
Paraba, o MEL agia de maneira parecida ao GGB, promovendo aes de
preveno temtica da AIDS. partir das aes do Mel e da Cunh que se inicia a
articulao de respostas significativas AIDS em Joo Pessoa.
O trabalho desenvolvido pela Ao Social Arquidiocesana da Paraba no
ano de 1996 faz parte das primeiras respostas no governamentais de combate
AIDS, porm no representa uma atuao do tipo ONG/AIDS. Apesar disso, havia
contato com algumas ONGs, a exemplo do MEL, CUNH e CM8M. Uma das
ativistas, ao falar do surgimento da AMAZONA na dcada de 1990, apresenta o
incio do campo e seus atores, naquele momento:

[...] no momento que a Amazonas se insere naquele contexto era muito forte
o trabalho com HIV/AIDS. Existia a CARITAS, CUNH e o MEL. Elas
trabalhavam na linha da preveno. No contexto local as ONGs eram
fortalecidas at porque o Ministrio da Sade colocava recursos nas
entidades. Era fortalecido no aspecto financeiro e poltico (Lisa)

Spinelli Junior (2006) afirma que a articulao de alguns movimentos


sociais se deu a partir da ao pastoral que, auxiliando na formao de grupos,
como o movimento feminista, possibilitou a articulao de demandas sociais em
projetos de ao poltica. Alguns dos ativistas presentes atualmente no campo das
ONG/AIDS atuaram em pastorais.
Na primeira dcada do sculo XXI, que o campo das ONG/AIDS, em
Joo Pessoa, comea a se firmar enquanto esfera autnoma, com seu habitus e
capitais sociais, especficos atuao de ONGs e ativistas que atuam com a
questo do HIV/AIDS. Se, no incio da dcada de 1990, as respostas no
governamentais foram articuladas a partir da atuao da Critas, do movimento
homossexual e do movimento feminista, com o surgimento da AMAZONA, em
1996, que se tem um perfil de ONG/AIDS, no que tange a um trabalho de

94

interveno centrado em projetos (GALVO, 1997) e com um vis de controle social


e apoio s PVHA.
Um aspecto a se destacar que os trabalhos das ONGs na Paraba
ganham fora no perodo do projeto AIDS II no Brasil, na primeira dcada do sculo
XXI. O recurso era repassado pela Secretria Municipal Sade e Secretria Estadual
de Sade, a partir do Plano de Metas Anual (PAM). O repasse feito atualmente por
esse mecanismo por meio das pactuaes no PAM, que respondem forma de
alocao de recursos para as polticas pblicas e a quantidade de recursos que
sero destinados as ONGs, acessados por meio de edital pblico no formato de
concorrncia de projetos. Porm h transformaes com relao ao repasse que
remetido ao tipo de transformao poltica de sade no Brasil.

No inicio (dcada de 1990) havia um interesse por parte do poder pblico


em fortalecer as aes da sociedade civil. Era fortalecido tanto no quesito
de recursos por parte do governo federal e no sentido poltico. Havia
interesse por parte do poder pblico, devido ao cenrio que havia naquele
momento (Lisa AMAZONA)

Com relao ao repasse, Teixeira (1997) observa que, com a poltica de


descentralizao a partir da constituio do Sistema nico de Sade, os recursos
so repassados aos Estados e municpios, que os distribuem a partir da sua agenda
de ao governamental. E, ainda, Teixeira (1997) coloca que, com a constituio de
1988 e o fortalecimento do S.U.S, a poltica passa a ser descentralizada. Assim, o
Ministrio da Sade passa a financiar somente projetos de impacto nacional. Esse
processo ocorre juntamente com a escassez dos recursos advindos da cooperao
internacional, causando impacto significativo nas ONG/AIDS.
O ministrio da sade que financiava as grandes aes do movimento
social, at porque quem fazia realmente a linha de frente. Ele (MS)
passou a partir de 2007/2008 a descentralizar esse financiamento. Passou
para o poder estadual. E alguns municpios tambm absorvem essa
responsabilidade. Com isso houve uma fragilizao dessas organizaes,
pois muitas tm um quadro no capacitado (...) as pessoas precisam
sobreviver. A gente remete isso ao Cordel que tinha John, que hoje o
coordenador de DST/AIDS de Joo Pessoa. Ele no est no Cordel porque
no tem como financiar e ai tm vrios casos (...) as varias pessoas que
saem do movimento social pela falta de financiadores. E o que mudou foi
isso. No inicio havia um preconceito muito grande, mas havia grandes

95

financiadores. Hoje h uma escassez muito grande, e ai aes vo se


fragilizando (...) voc vai encontrar algumas instituies que a estrutura
muito pouca. (...) a gente que falar dos financiamentos internacionais.
Quando o Brasil colocado como referncia para tratamento, apoio e etc. e
tal, as organizaes internacionais comeam a diminuir o recurso que eles
disponibilizavam para o Brasil. Ai enfraquece os movimentos sociais. A
outra questo seria o financiamento pblico. A descentralizao que a
principio seria interessante, tambm diminui o recurso para as instituies.
E ai sem recurso diminui a capacidade para o enfretamento. O John falou
essa semana mesmo que as instituies no fazem controle social, mas
porque para fazer controle social demanda recurso e as instituies
infelizmente uma escassez de recurso brutal que no tem como manter
quadros. E ai as pessoas vo para outros quantos e ai no dar para achar
que as pessoas vo ser voluntrias a vida inteira (...) as pessoas precisam
sobreviver (...) e tem uma coisa o governo tem levado muita gente das
instituies no governamentais para os seus quadros seja no poder
municipal, estadual ou federal (...) isso tambm enfraquece os movimentos
sociais. Que um caminho. Eu acho que as pessoas devem ir sim, mas
enfraquecem os movimentos sociais, at porque os mais novos (pessoas)
tm dificuldades quanto AIDS. As pessoas novas no to mais vendo o HIV
com medo e anseio que as pessoas na dcada de noventa viam. Ento ns
temos pouca renovao na verdade (Fry - CV).

Os membros de ONGs, aqui entrevistados, compartilham dessa


perspectiva. Campos (2008) sugere que o problema est no tipo de articulao entre
o Estado e as ONGs no que tange ao financiamento. O autor destaca que o poder
pblico incentivou a criao de muitas organizaes por meio dos projetos AIDS I, II
e III, porm no foram pensadas outras formas de sustentabilidade das instituies,
acarretando na atualidade no fechamento de muitas delas. Assim, comea a se falar
de crise no Campo das ONG/AIDS e esse passa a ser um ponto de tenso entre
ONG/AIDS e Estado. O gestor Municipal destaca que o tipo de recursos existente
at o inicio do sculo XXI, no mais uma realidade, porm enfatiza que, mesmo
sem recursos, as ONG/AIDS sempre fizeram aes de mobilizao e controle social.
O que haveria, segundo o gestor, uma desarticulao entre os grupos frente
acomodao de algumas entidades em no saber lidar com o cenrio atual do
HIV/AIDS. Cenrio esse que conta hoje com a participao de ex ativistas no
comando de algumas coordenaes.
Outro aspecto relevante do cenrio regional a formao de redes de
atuao. A partir de 1996, comea um trabalho de construo de uma rede de
carter estadual que congregasse ONGs que tivessem algum tipo de trabalho
voltado temtica da AIDS. Surge, em 2000 o Frum de ONG/AIDS da Paraba,
fundado por: Grupo de Apoio a Vida, RNP/PB+, CUNH, MEL, UVAS, CRITAS

96

DIOCESENA, ACORDA MULHER e um voluntrio ligado ao gabinete, na poca, o


deputado Estadual Ricardo Coutinho34.
As demandas dirigidas ao servio de sade um dos elementos que
possibilitou a visibilidade das ONGs em Joo Pessoa no final da dcada de 1990. E,
assim como no cenrio nacional, possibilitou a sedimentao da atuao das
instituies.

Localmente so muitas as demandas dos atores do movimento no que


tange a assistncia. Parte significativa delas dirigida ao Hospital
Clementino Fraga, hospital de referncia para doenas infecto-contagiosas.
H uma constatao de precariedade da assistncia prestada no Hospital,
falta de agilidade, nmero reduzido de leitos, falta de uma UTI (Unidade de
Tratamento Intensivo), falta de estrutura para atender a demanda que chega
de cidades do interior, [...] Por outro lado, para alm das demandas
referidas ao hospital de referncia, reivindica-se tambm uma ampliao da
assistncia para outras unidades do sistema de sade e a humanizao dos
profissionais da rea, articulando isso com a demanda mais geral de
efetivao do Sistema nico de Sade (S.U.S) (SPINELLI JUNIOR, 2006, p.
104).

Ento, a fundao da rede junto precariedade do servio auxiliou na


legitimao das ONG/AIDS. a partir dessa condio que vai se criando um campo
unificado de instituies, que ao longo da ltima dcada vai se diversificando e
agregando conflitos.
partir desse momento que o campo das ONG/AIDS em Joo Pessoa
toma corpo enquanto atuao de coletivos. Se os ENONGs e ERONGs auxiliam na
formao do campo nacional, com o Frum de ONG/AIDS da Paraba e,
posteriormente, em 2005, a Articulao AIDS da Paraba, que o cenrio regional se
estrutura enquanto um campo de demandas e conflitos. No incio o FOAP
congregava todas as organizaes, aqui citadas, porm, em 2005, um grupo se
desvinculou do FOAP, criando a AAP com ONGs que trabalham exclusivamente
com o HIV/AIDS. Uma nova caracterstica adicionada ao cenrio. Toma-se em
destaque para membros da AAP que o problema do FOAP que eles enfocavam
todas as aes no campo da preveno e esqueciam a relevncia da assistncia
nas aes da rede. Outro aspecto reclamado que, por alguns anos, a rede vinha
34

No foi possvel colher dados sobre a RNP+/PB, UVAS, CRITAS DIOCESENA, ACORDA MULHER e GAV, por
algumas dessas no existirem mais outras terem redirecionando seu foco atuao.

97

sendo dirigida por membros cujo trabalho nas suas organizaes era um aspecto
menor

na

agenda institucional.

Ambas

as redes se autoprojetam como

representaes estaduais, porm colocaremos alguns aspectos delas, enfatizando o


campo de Joo Pessoa, que meu espao de pesquisa.

Aqui na Paraba ns estamos divididos em Frum de ONG/AIDS e


Articulao AIDS na Paraba. Foi fundado em 2005 e saiu de um racha com
o Frum. o que que incomodava a gente que fazia alguns anos que o
Frum era gerenciado por entidades afins. Que era o movimento de
mulheres e o LGBT. E o porqu no se tinha tambm o gerenciamento por
instituies de pessoas que viviam com HIV/AIDS e ou por instituies que
lidava com a prtica da AIDS todos os dias?! E ai de fato era uma briga
poltica. Na poca eram seis instituies que trabalhavam com assistncia
onde a maioria do Frum trabalhava com a Preveno. As seis trabalhavam
com assistncia e todos eram gerenciados de alguma forma por pessoas
que viviam com HIV. Ns vamos que tnhamos muito mais experincia at
porque vivamos com ela na pele do que quem trabalhava com preveno.
E ai ns resolvemos se retirar. Isso uma coisa que acontece em vrios
estados. A sociedade civil est divida em duas instncias. E assim ns
trabalhamos. Ora ns pactuamos algumas coisas juntos e ora trabalhamos
s. E trabalhamos melhor de formas diferentes. (...). Todas as duas so
legitimas (Bart - MNE)

Teixeira (2003) coloca que a rede funciona pragmaticamente como um


tipo de ao intersetorial, articulando trabalhos e posies diferentes a partir de
demandas em comum. Essa perspectiva se aplica ao FOAP por ser um tipo de
arranjo no qual se relacionam movimento feminista, LGBT e ONG/AIDS. A outra
rede formada por instituies que trabalham somente com a temtica da AIDS e
sua articulao funciona por meio do segmento da agenda governamental, no
categorizaria como uma rede multidentitria (SCHERER WARREN, 2009) com
pluralismo ideolgico e organizacional. Na AAP, h o carter assistencial a crianas
e adultos, sem fazer distino de gnero. Postularia que um tipo de articulao
focado no trabalho de interveno com intuito de oferecer apoio direto as PVHA, a
exemplo do acompanhamento psicossocial a pessoas em tratamento no Hospital
Clementino Fraga. Destaco que as caractersticas institucionais de ambas as redes
influenciam no tipo de ativismo dos atores, porm no a determinam.
O atual Campo das ONG/AIDS em Joo Pessoa est ligado a trajetrias
de alguns atores institucionais e ativistas. Alguns ativistas, como Fry e Bart

98

utilizaram a prpria experincia enquanto PVHA para construir afirmar a condio de


ser ativista, com vises que se aproximam e denotam tenso.
primeiro voc entender esse processo todo. E a outra forma voc tentar
contribuir para o processo. Ser ativista voc entender o processo.
Entendendo o processo voc vai fazer alguma coisa, nem que seja para
voc mesmo. Porque um dos grandes problemas como entender (...) se
voc no entender no tem como ser ativista. Se voc no entende por
medo de morar em tal bairro, pela discriminao de ser homossexual e
outras coisas, como que eu vou ajudar?! A segunda etapa agir. E ai
quase automtico. Se voc entende voc vai ter uma ao. Com certeza
voc sabe mais hoje de AIDS do que h cinco anos. E voc vai comear
agir diferente. Pra mim isso ativismo (Fry - CV).

Tomar o status sorolgico como parte condio de atuao um


elemento constituinte do cenrio das ONG/AIDS. Passa por uma forma de reao
discriminao e afirmao do ativismo. Para alguns membros de ONG/AIDS, o fato
de ser uma PVHA e atuar junto a ONGs frente esfera estatal e a sociedade uma
forma qualificada de atuar no combate a epidemia. Implicaria no s solidariedade
frente s outras PVHA, mas tambm uma questo de cidadania. Outro ativista
coloca a sua atuao da seguinte maneira.

Eu digo que trabalhar prximas s pessoas vivendo voc acaba ganhando


muito mais do que dando. Eu tenho dois combustveis aqui dentro. Um so
as crianas. Quando eu entro em crise de querer largar tudo, em uma tarde
que eu passo com os meninos eu melhoro. Eu digo que as crianas so
minha primeira recarga. E o segundo a viso de que o pouco que fao
consegue atingir a coletividade. Eu podia estar ganhando muito dinheiro em
outro emprego mas eu ia olhar e no ver nada. Eu estou envolvido nisso h
muito tempo. J tive muitos trabalhos e de fato eu at deixei para me
dedicar parte social. E de fato isso cansa como qualquer profisso. [...] E
eu sei que no estou bem, meu CD4 est muito baixo e por conta do
desgaste emocional. Essa questo da casa de apoio tem trs anos que
tentamos resolver e o povo precisando e no se resolve. Ns como ativistas
vimos aquela realidade de se correr o bicho pega e se ficar o bicho come. E
de fato hoje eu sou muito mais quieto. Eu vivia muita mais fora e hoje eu
fico muito mais dentro. Hoje por conta da diminuio da equipe por no ter
quem faa o meu trabalho hoje. E aquela coisa, s vezes aquilo que voc
tem feito no um beneficio nem para voc, mas para aquela pessoa do
interior que no sabe nem falar e nem agilizar uma consulta. (...) Eu brinco
l em casa de que se eu sair da misso eu vou fazer o que. (risos). (BartMNE)

O ato de se doar ao enfretamento da AIDS um aspecto de um perfil da


atuao no campo das ONG/AIDS. Tornar a experincia de ser PVHA uma
condio da atuao poltica enquanto fundamento que possibilita construir uma
resposta eficaz frente epidemia, porm carregada de tenses. Valle (2002)

99

destaca que o status sorolgico como condio de um ativismo qualificado provoca


conflitos quando carrega a inteno de hierarquizar o campo. Bart coloca que o fato
de o individuo ser uma PVHA vivendo remete a um tipo de experincia necessria
ao enfretamento da epidemia.

Uma diferena muito importante que todas as organizaes dentro da


articulao trabalham AIDS todos os dias. Dentro do Frum no. Por
exemplo, um o movimento de mulheres, LGBT e de mulheres lsbicas que
no trabalham AIDS todos os dias. A AIDS para elas um dedinho dentro
do trabalho cotidiano dela. Outra que as instituies so geradas por uma
pessoa vivendo. Eu no estou desmerecendo as pessoas que no vivem,
mas mais do que provado de que se tem outra viso e realidade quando
se vive com a doena. E outra que a gente entende que no tem como
trabalhar assistncia sem a preveno. Diferente da preveno que pode
trabalhar s a preveno. E a assistncia no, pois para se trabalhar uma
tem que se trabalhar outra. E isso uma caracterstica que faz uma grande
diferena. Embora o Frum tenha entidades que trabalham com a AIDS
todo dia. E a grande maioria inclusive do Movimento LGBT (Bart MNE).

Outros membros de ONGs entrevistados caracterizam de outra forma.


Fry, Maria, Rosa e Harry, colocam que a solidariedade s PVHA, atravs do
conhecimento da sua realidade um fator que possibilita o ativismo por parte de
qualquer pessoa. Um participante do Frum relata da seguinte forma:

Ser ativista no campo da AIDS, eu acho que um desafio eu que vim de


uma histria com pessoas vivendo [...] porque a gente se pega fazendo
coisas que a gente no defende, ento que a gente possa ser vigilante [...]
eu me identificado com a histria da AIDS e com a questo do controle
social (Lisa AMAZONA).

A solidariedade um aspecto destacado como forma de ativismo.


Solidariedade sistematizada no como acolhimento, mas como luta por direitos
humanos e garantia de cidadania. desse modo que a preveno pode aparecer
como aspecto de cidadania. Assim, o status sorolgico, como destaca Valle (2002),
um dos campos de conflito no campo estudado, no qual soropositivos acusam, por
vezes, soronegativos de se privilegiar da luta contra AIDS, procurando por recursos
sem enfatizar a solidariedade.

A disputa pelo sentido de legitimidade dos atores pe em confronto ativista


soropositivos ou com Aids, e ativista soronegativos, vinculados ao

100

movimento por uma disposio solidarstica e tico-poltica. O recurso ao


argumento essencialista no , por sua vez, difundido por todo ativista
soropositivo, e h uma tendncia dos ativistas soronegativos em buscar o
compartilhamento da legitimidade, reconhecendo que a experincia da
soropositividade singular e intransfervel, mas tambm que a Aids atinge
diferentemente as pessoas e mobiliza solidariedades e comprometimentos
diversos. Lembra-se que qualquer um pode contrair o vrus. Esse
argumento recupera o sentido mais original da expresso viver com Aids
cunhada por Herbert Daniel (SPINELLI JUNIOR, 2006, p. 112)

As consideraes de Spinelli Junior (2006) sobre a disputa em torno das


atuaes dos atores, tendo em vista a manipulao de uma identidade clnica
(VALLE, 2002), por legitimidade de aes enquanto ativistas no cenrio da AIDS em
Joo Pessoa, so em realidade uma das condies de estruturao do capital social
no campo das ONG/AIDS. Ela se reproduz desde o momento de fundao da
primeira ONG/AIDS e a RNP+, o GIV/SP, com o discurso sobre uma ao
qualificada a partir da experincia intransfervel de ser uma PVHA. Colocamos que
essa uma estratgia de constituio das competncias sociais dentro de um
campo (BOURDIEU, 1999). O campo da ONG/AIDS em Joo Pessoa tem assim
uma disputa pelo direito de representar um ativismo legtimo.
No acompanhamento das reunies no perodo da pesquisa emprica, a
impresso que tivemos sobre as discordantes perspectivas de ativismo que, no
FOAP, h a premissa de empoderamento dos indivduos, enquanto estratgia de
luta por direitos formais juntamente com a garantia de polticas pblicas. Na AAP a
ao estaria ligada ideia de assistncia direta, a exemplo da Misso Nova
Esperana.

Ambos os lados se colocam como uma forma justa de trabalho a

causa do HIV/AIDS, porm uma em contraposio ao discurso da outra.


Com relao perspectiva de segregar, o que noto uma ideia de
liderana ligada ao status sorolgico. A PVHA que deve liderar. Essa a ideia que
aparenta ser do Bart, porm no com um tom de excluso dos negativos, mas com
um tipo de atuao em segundo plano por parte deles. Como destaca Valle (2002), o
conflito reside no fato de que, tipo de posio, o status sorolgico deveria ocupar no
campo das ONG/AIDS. Acusaes e debates sobre a falta de experincia
qualificada, significando que as instituies e indivduos estariam na luta contra
AIDS somente por tornar o ativismo enquanto profisso (Landim, 1993) ou meio de
vida, faz parte do repertrio discursivo que estrutura o sistema de disposies no

101

campo das ONG/AIDS. O habitus, assim, vai se diversificando. Um aspecto de


discordncia relato em uma entrevista no trecho a seguir:

Isso gera muita briga no movimento. Hoje no Brasil o movimento Aids


representada por todos os segmentos (...) at mesmo porque a Aids no
est restrita a uma parcela da sociedade. O que deixa a gente muito
chateada enquanto pessoa que vive com HIV , por exemplo, um milho de
reais foi retirado da sade para as Paradas Gays. Ns no somos contra a
parada e o movimento LGBT, ms foi feito um mapeamento e em quatro
horas de parada que se falava de quatro a cinco frases. Um investimento
de um milho para uma devolutiva para a populao muita pequena. (se
coloca que as paradas so eventos culturais e que h outros meios de
financiamento). E ai ns temos pressionado o ministrio da sade para
rever isso (Bart MNE ).

Essa tenso aparece em outras duas entrevistas dos membros de


ONGs/AIDS (AMAZONA e Cordel Vida), a questo de um recurso proveniente do
Ministrio da Sade ser destinado ao que tomado como Evento Cultural denota
um questionamento do tipo de insero atual do pblico LGBT na luta contra a AIDS.
H uma espcie de entendimento que os grupos LGBT mantm o enfoque centrado
em um segmento especfico, sem ter uma preocupao com a garantia que
incorpore todos os segmentos. Porm Biehl (2007) e Galvo (1997 e 2000) colocam
que o tipo de interveno a partir da lgica de projetos, como uma caracterstica
institucional do campo, pressupe respostas localizadas. Tal caracterstica pode ser
visto nas quatro ONG/AIDS aqui destacadas, com a ressalva que o MEL enfatiza o
seu papel no campo a partir da lgica do apoio luta e as organizaes que se
inserem nela. Porm Luciano - MEL ressalta que, por sua vez, falta uma discusso
de gnero e sexualidade aprofundada entre as instituies do campo.

[...] a questo homossexual se tornou uma questo secundria no


movimento, quando os nmeros demonstram que tem aumentando o
numero de Jovens gays infectados [...] e a meu ver combater a homofobia
uma forma de combater a AIDS (Harry MEL).
.

Nesse sentido, h uma hierarquizao do campo da AIDS, que d


margem a questionar o que seria um Movimento AIDS, tantas vezes reclamada
pelos ativistas nas reunies e eventos que acompanhamos no perodo de pesquisa.

102

Entrevistador: Voc diria que h, do ponto de vista dos movimentos sociais,


um Movimento AIDS?
Harry MEL: Existe, mas h uma confuso. A meu ver o Frum de
ONGs/AIDS no deveria ter esse nome. Porque ONG uma perspectiva
diferente de movimento. E pra mim o Frum o espao por excelncia de
movimento. E ai seria o espao da mobilizao, da presso e da luta. Se
voc pega o Frum da Paraba, h uma preocupao se vai ter projeto ou
no. E ai projeto de ONG, quando se pode ter projeto de movimento.

Desse modo, h um questionamento da abrangncia de uma rede


enquanto movimento social. Analisando as atuaes do ativista no campo em
referncia s entrevistas, notamos que um Movimento AIDS em realidade
pressupe um tipo de atuao especifica a partir de atores institucionais e
individuais, que relaciona prtica poltica e questes tcnicas.

Nesse sentido,

concordamos com Pelcio (2003) que o ativismo no campo das ONG/AIDS se


tornou simbolicamente maior que a condio de ser homossexual, travesti, prostituta
ou qualquer identidade poltica relacionada a gnero, idade ou condio social.
O cenrio das ONG/AIDS constri relaes de aproximao e
afastamento. E perpassa todo o cenrio em Joo Pessoa.

3.4 De perto e de longe: O ativismo como discurso hegemnico.

Uma questo que est relacionada a ser ativista diz respeito ao modo de
atuao voluntria. Das instituies aqui relacionadas, apenas a AMAZONA tem
uma estrutura administrativa com atuao profissional remunerada. As outras
colocam o trabalho voluntrio como base de atuao. No entanto as condies da
insero no Campo das ONG/AIDS demonstram caractersticas diferentes do
voluntariado. O MEL, O Grupo de Mulheres Lsbicas Maria Quitria e a Casa de
Convivncia, por no terem projetos financiados no campo da AIDS, realizam o
ativismo com base no apoio PVHA. Atuam na rede Atravs de discusses sobre
garantia de direitos e participao em esferas pblicas, como a realizao do 1 de
dezembro, participao no GT de adeso, ENONG, ERONG e nas reunies do
FOAP.

103

ONGs como Cordel Vida, Misso Nova Esperana e Centro da Mulher 8


de Maro prestam auxlio financeiro aos seus voluntrios enquanto ativistas, a partir
dos projetos aos quais esto vinculados e somente na vigncia deles. A AMAZONA
tem um quadro de funcionrio e voluntrios. Porm a representante da ONG na rede
recebe auxilio e no faz parte do corpo de funcionrios remunerados.
O discurso da profissionalizao perpassa todos os atores aqui
relacionados, porm no foi relatado pelo ativista que eles sejam contratados pelas
instituies a que esto vinculados. O discurso da profissionalizao das ONG/AIDS
vem no sentido de demonstrar que a ao ativista requer suporte material e
condies tcnico-administrativas que possibilitem os atores institucionais manterem
seus quadros e promover renovao, sem que as pessoas migrem para outras
esferas: o poder estatal e privado.
No plano das demandas, como podemos notar, a partir de Teixeira
(2003), h a tentativa de uma organizao das suas necessidades de manuteno e
sobrevivncia no atual cenrio do campo da ONG/AIDS.

Elas reivindicam para si acesso aos fundos pblicos, pois consideram que
esto executando atividades que so de interesse pblico. Questo
essencial, pois, por um lado, h a falta de recursos antes vindos da
cooperao internacional, e por outro, o entendimento de que as funes
pblicas exercidas por elas legitimamente deveriam ser contempladas com
financiamento pblico. O problema que elas na prtica so entidades
privadas e a todo momento questiona-se a capacidade a capacidade delas
em traduzir o que seria esse interesse pblico (Teixeira, 2003, p.66)

A captao significativa de recursos pelas ONG/AIDS em Joo Pessoa


via financiamento pblico. Assim, os PAMs municipal e estadual so os principais
espaos de demandas e articulao entre Estado e ONGs. Esse espao denota uma
serie de conflitos. A troca de acusaes, posteriormente, frequente, do tipo que
algumas instituies so privilegiadas em detrimento de outras, devido ao fato do
gestor j ter pertencido a um grupo. Detalhe, John Gestor Municipal, j foi
Articulador do FOAP e Julian, foi membro do GAV e da AAP.
Biagini (2009) relata que as acusaes fazem parte da busca por
legitimao e hegemonia em um campo de atuao. Acusaes sobre oportunismos

104

so frequentes. Observemos no relato uma primeira acusao, de um participante


do Frum tecendo uma crtica Articulao:

Eu acho o frum mais democrtico e poltico. Na verdade eu nem posso


falar da articulao porque so duas instituies representadas por duas
pessoas. Eles esto h cinco anos. O frum tem cerca de vinte instituies
(...) as duas instituies que l existem so a Misso (Vitor) e a RNP+/CG
(Silvestre). O frum junta pessoas fsicas que no fazem parte dessas
instituies e algumas instituies. E o frum, assim, j foi administrado, a
secretaria executiva, por varias instituies. E Articulao t na mesma
desde que fundou e no tem discusso poltica. O Frum pauta discusses
polticas. O frum discutiu a reforma do HCF, discute a passagens e discute
a poltica pblica em AIDS. A articulao no tem essa discusso. Ela
aparece quando convidada pelo frum, inclusive no plano de metas. E ai
se tem uma ao que beneficie essas duas instituies ai eles aparecem
para a discusso. Inclusive o frum colocou algum tipo de apoio que
inclusse as duas. O frum conseguiu colocar 40 mil reais para uma casa de
apoio a pessoas vivendo aqui em Joo Pessoa. E ai a articulao no tava
nessa discusso e na hora da apresentao a articulao apareceu e
questionou o porqu de s se colocar para instituies de Joo Pessoa e
no de Campina Grande. E tava se colocando porque se estava criando
uma casa em Joo Pessoa enquanto em Campina Grande h uma casa
com o recurso do Estado e da unio. Ento eles aparecem quando
conveniente (Fry CV)

E, ainda, uma contraposio, desta vez da Articulao, em relao ao


Frum:
s vezes o Frum se levanta contra sem nenhum elemento que fundamente
ser do contra. Eu digo assim Frum e Articulao so sociedade civil (...) o
governo reconhece a gente com todas as diferenas a comear do
tamanho, pois o Frum se pega muito a quantidade de instituies e nas
caractersticas da Articulao. E ai se tem uma da articulao que quer e
no tem mais nenhuma que quer o caberia era toda sociedade civil se juntar
para avanar, mas no faz trs anos e ai realmente hora eu no entendo o
que a fica essa briga pessoal. Por exemplo, ns sabemos que John saiu
de uma ONG do Frum que o Cordel Vida e o Cordel foi fundado dentro
da Misso por Fry e John que eram voluntrios na poca. Ai John sai e vai
para o governo e ai ns da Misso temos muito claro isso de que ns
somos seus amigos, mas se voc fizer besteira l gente vai cobrar de
voc porque l voc o gestor. E ai John comeou a fazer umas besteiras
e ns pressionamos, mas como a gente no menino e esse negcio de
boca no vale nada ns documentamos tudo. Eu tenho tudo desde o
primeiro oficio da misso em 2001 eu pego na caixa e lhe mostro. A eu sei
que nesse processo John conseguiu no lidar com isso porque achava que
tinha sado da Sociedade civil fosse a ter a cobertura enquanto gestor. O
que no tem. Ns precisamos estar cobrando independente de quem seja.
S que eu sei que tem algumas ONGs que fica se fazendo que a Poltica
esteja toda perfeitinha. Ns no ficamos calado mesmo se vemos que o
problema est atingindo. Qual a Vantagem das ONGs da Articulao
principalmente a Misso e a RNP+ CG que ns estamos antenados a
nvel Nacional ento quando ns discutimos poltica com voc venha
preparado. E isso aconteceu com Julian e eu disse o seguinte: Julian,
vamos suspender a reunio e v ler a portaria das casas de apoio. E de fato

105

se ela tivesse lido 90% das besteiras que ela tinha falado e no tinha dito. E
eu disse na reunio a Misso um modelo forte fora da Paraba, mas aqui
ns ainda encontramos resistncia. E eu sei que no pelo trabalho da
Misso. E assim se eu no tenho nada eu invento. (Bart MNE )

Assim acusaes de clientelismo e atuaes so marcadas por


confrontos de posies ocupadas no campo. H, deste modo, um desentendimento
do que seja um Movimento AIDS em Joo Pessoa. Refletindo a partir de Galvo
(1997 e 2000), Teixeira (2003), Biagini (2009) e Parker (1997 e 2000), o conflito
marca distintiva do campo das ONG/AIDS que estruturam nas suas aes uma
mediao entre a ao poltica e tcnica, enfatizado a busca por direitos a partir de
mecanismos estatais e interveno, a fim de promover o empoderamento das
comunidades ou grupos que atuam.

Os grupos organizados na luta contra a aids atuam num campo prprio,


correlacionando caractersticas de movimentos sociais, organizaes nogovernamentais (ONGs) e grupos de ajuda mtua. Tomando de emprstimo
as reflexes de alguns autores, podemos situar os leitores quanto s aes
coletivas mencionadas. No primeiro caso [...] os movimentos sociais so
vistos como sujeitos nos processos de construo do tecido social,
permeados por conflitos polticos (CMARA, 2002, p. 59)

O cenrio atual das ONG/AIDS marcado pelo desaparecimento de


muitas

instituies

pela

falta

de

uma

sustentabilidade

financeira.

Outras

organizaes, que anteriormente tinham maior participao no Campo das


ONG/AIDS, redirecionaram seu foco de atuao. Como parte das ONGs que tinham
algum trabalho vinculado temtica do HIV/AIDS vinha de outros campos, a
exemplo dos movimentos feminista, negro e LGBT, acabaram realocando sua
ateno para outras questes, como questes ligadas aos direitos reprodutivos
femininos e o casamento homossexual, a fim de responder melhor a suas demandas
internas.
Outro aspecto a migrao de algumas ativistas para o setor estatal,
passando a integrar as coordenaes a nvel nacional, estadual e municipal, de
DST/AIDS. O que faz brotar novas tenses entre os ativistas e o setor estatal, pois
para alguns atores haveria uma tentativa de cooptao por parte do Estado.

106

3.5 Relaes Institucionais: Mediaes e Conflitos

Como j foi sugerido, as relaes entrem as instituies inseridas no


campo das ONG/AIDS em Joo Pessoa so mediadas pelas redes. No caso do
Cordel Vida, MEL e AMAZONA, a dinmica de articulao via FOAP. Com relao
Misso Nova Esperana via AAP. Assim, enfatizaremos temticas presentes em
cada uma das redes, levando em considerao as instituies em destaque.
Na

rede,

enquanto

esfera

intersetorial

(TEIXEIRA,

2003),

so

conduzidas as demandas institucionais a partir da conjuntura atual das respostas a


AIDS em Joo Pessoa. Colocamos que o conjunto das aes em rede demanda
elementos pontuais do tipo: Casa de Apoio e Passe Livre. A partir dessas duas
demandas, h a construo da mobilizao das instituies e dos ativistas na
cidade.

A estratgia de rede consiste na busca de articulaes entre os atores em


movimento visando garantir o acmulo de fora em eventos de disputa ou
negociao especficos, a troca de informaes/saberes, a potencializao
de fluxos mobilizatrios, bem como criar melhores condies de visibilidade
pblica. Expressa, dessa forma, uma postura movimentalista de canalizao
de energia propriamente numa ao coletiva (SPINELLI JUNIOR, 2006, p.
109)

Essa uma caracterstica organizada de forma diversa nas duas redes no


campo das ONG/AIDS em Joo Pessoa. As narrativas arroladas para enfatizar o tipo
de mobilizao remetem histria particular de cada rede e s diferenas na
atuao.

A Articulao acaba tendo uma vantagem com relao ao Frum. Ns


temos dois ativistas na Paraba que so eu e Fulano (CG) que a gente
acaba sendo referncia no Brasil. No s na rede do movimento Aids mais
na RNP+. Por exemplo, em 2007 eu participei da construo de duas
polticas pblicas a nvel de Brasil que foi a Estratgia Brasileira de Adeso
ao tratamento e a Estratgia brasileira de Preveno positiva. Ento a
poltica que se tem foi construda tambm com a participao da sociedade
civil e em particular do nosso Estado. Que uma viso de nordeste e da
Paraba. E uma viso diferente do Sul. Esse dilogo gera bons frutos. (...)
No h um s evento nacional que nos no sejamos convidados e quando

107

voltamos trazemos a responsabilidade de multiplicar a informao. Muitas


vezes ns somos convidados como palestrante e isso traz um respaldo
melhor para o movimento aqui na Paraba. Ns somos uma instncia com
pouco tempo, mas temos nosso espao. Quando o movimento quer alguma
coisa entra em contato com a gente aqui na Paraba (Bart MNE).

O discurso acima marcado pela capacidade de visibilidade da atuao


enquanto estratgia de participao nas respostas a AIDS. Um aspecto marcante da
fala de Vitor que se trata de visibilidade no cenrio nacional e no local. nos
fruns nacionais que sua rede, to questionada internamente, se legitima. A
condio de ser ativista investida do arranjo institucional particular rede qual o
sujeito est vinculado. Assim, a estratgia de controle social relacionada
experincia pessoal no campo. Segundo Pelcio (2009), esse tipo de caracterizao
do ativismo marcado por uma afirmao poltica da identidade pessoal.
Postulamos, nesse sentido, que ser ativista uma espcie de segunda natureza
social, estruturada a partir de um sistema de disposies e tendncias incorporadas
pelos atores inseridos em um Campo (BOURDIEU, 1999). Porm o tipo de atuao
destacada , por vezes, esquecida pelo fato de a atuao da AAP, no cenrio de
Joo Pessoa, no se aproximar do significado postado pela outra rede.

O frum surge da necessidade de algumas organizaes (1995/1996) de


discutir polticas publicas de enfretamento da Aids. Era o dcimo ano de
infeco na Paraba. A poltica pblica do Estado era bastante problemtica.
No dava conta da demanda na poca. Ento as instituies se juntaram e
criaram o Frum. E surgiu de forma forte (oficializado em 2000) (...) a
discusso de Aids vinha pautada com muita nfase e tinha recurso do
Ministrio da Sade para as aes das instituies. Nessa segunda fase at
2005/2006 o Frum foi muito forte. Conseguiu algumas coisas como a
ampliao do Hospital Clementino Fraga. Se voc for ver o Hospital
Clementino o melhor centro de tratamento do Estado, justamente por
essa luta do movimento social representado pelo Frum de ONGs/AIDS.
Outra conquista no perodo entre 2005 e 2007, que foi as passagens para
as pessoas vivendo. A gente queria uma lei ampliada que conferisse a
outras patologias e fosse Passe Livre, mas na poca a gesto travou. A
gente ento conseguiu quarenta passagens/ms e que ganhasse at um
salrio mnimo. Outra coisa foi conseguir uma coordenao no qual a gente
tivesse maior participao pois at 2007 a coordenao municipal de Joo
pessoa no fazia nada, foi quando a coordenadora foi demitida e John foi
contratado. O frum vem enfraquecendo, mas ainda consegue fazer uma
discusso. A articulao no consegue. O frum consegue ter insero
poltica. O frum vive um processo de esvaziamento (...) ai surge a
necessidade de rediscusso de sociedade civil no enfretamento a Aids (...)
Deve se discutir uma sociedade civil mais forte. Hoje ns temos de 10 a 15
instituies, mas amanh pode ter 5. Ento um problema das instituies
que no esto ligados a fruns sobre a Aids que elas ficam sem saber o
que est acontecendo. Se voc pegar na universidade pouqussimo se
sabe, a no ser do ponto de vista biolgico. Ento se voc no trouxe a
sociedade, a universidade, os estudantes e etc, para se discutir de forma

108

ampla no vai se conseguir. E o frum tem essa funo porque a estncia


mais forte nisso, apesar da fragilidade que vem vivendo (Fry CV).

Desse modo o elemento em destaque a garantia e a execuo de


demandas da rede vistas como representativas de uma adequada resposta no
governamental a AIDS. O controle social enfocado enquanto capacidade de
respostas pontuais conjuntura. Porm outro membro do Cordel Vida coloca da
seguinte maneira:

Assim, ns ficamos antenados nos eventos que acontece. Agora mesmo eu


vim de um evento do Rio de Janeiro e que no sul e no sudeste tem um tema
que vem sendo debatido que a criminalizao do HIV ento j houve
alguns processos no Rio de Janeiro, So Paulo e Rio Grande do Sul.
Estavam l um promotor do Rio Grande do Sul, So Paulo [...] pessoas
operadoras do direito mais envolvidos com direitos humanos que uma
raridade [...] e a j aconteceu alguns processo contra pessoas vivendo com
HIV em relao a transmisso [...]e a a primeira historia era tentativa de
homicdio [...] criminalizao por essa via [...] uma tendncia. Aqui no se
conhece uma pessoa que tenha sido penalizada pela transmisso, mas a
gente j est antenada e as meninas da assessoria jurdica tambm [...] se
tenta ento fazer uma agenda, onde no qualquer evento que a gente t
l no. Tem os eventos n. Vai acontecer agora o 15 vivendo que j foi o
grande evento poltico e que hoje est mais fraco h um numero menor de
pessoas participando. Eu acho tambm que depois do governo Lula houve
mudanas no movimento social [...] tem o ENONG que o encontro
nacional de ONGs AIDS e o ERONG que estadual de ONGs AIDS, eles
acontecem a cada dois anos [...] (Maria CV)

Esse posicionamento aproxima-se da questo da visibilidade dos atores


institucionais e individuais, observada no relato de Bart. Vejamos que os atores
salientam tambm a habilidade de articulao e capacitao das aes institucionais
e individuais visando s discusses atuais no cenrio regional e nacional. Assim, a
disputa por legitimidade passa pelo reconhecimento, ou no, da capacidade de
atuao entre os diversos atores. Os espaos ocupados pelos atores so
simbolicamente construdos de maneira a ser tornar parmetro de legitimidade.
Sendo assim, alguns descredenciam o perfil ativista da AAP por no ter uma
expresso regional do tipo do FOAP, enquanto o perfil do FOAP questionado
como nico representante do Movimento AIDS em Joo Pessoa por no ter
expresso nacional. Os membros entrevistados da FOAP reconhecem sua
incapacidade de obter expresso alm do cenrio regional, reconhecendo que a
AAP, mediante o seu articulador, consegue projeo no plano nacional.

109

As relaes entre as instituies no governamentais vo se moldando


pelo reconhecimento, ou no, de perfis ativistas diferentes.
No campo da relao com o Estado, a dinmica delineada por tenses
fundamentadas no tipo de proximidade entre instituies e o poder pblico. O
financiamento parte desse relacionamento com o Estado. A referncia de crise do
campo das ONG/AIDS est sedimentada na capacidade de sustentabilidade das
ONG/AIDS em um cenrio no qual o financiamento pblico e da cooperao
internacional se tornam escassos. Os sujeitos entrevistados observam que isso
compromete a mobilizao das instituies frente s demandas que surgem no
cenrio atual, a exemplo da dificuldade de implementao da Casa de Apoio em
Joo Pessoa, pois, como observamos na pesquisa, alm da disputa pela gerncia
da Casa, h a questo do processo de implantao e sustentabilidade da Casa de
Apoio que seria gerida pelas ONG/AIDS, com o auxilio de verba pblica. Para
ilustrar a situao de tenso, descreveremos brevemente uma reunio do GT de
adeso em que a pauta era a Casa de Apoio. Esse tipo de reunio envolvendo o
Estado e as duas ,ditas, redes de organizaes acontece de modo pontual, quando
h uma demanda em comum. Na maior parte do tempo os encontros so em
conferncias e seminrios ou quando uma rede de organizaes prope uma
reunio com o poder pblico, sem a necessidade de est presente uma segunda
rede de organizaes. A proximidade entre as redes era superficial no perodo em
que pesquisamos, no havendo proximidade ou troca de experincias em relao ao
modo de atuao institucional. Nessa conjuntura se encontravam presentes na
reunio: Cordel Vida, Amazona, Grupo de Mulheres Maria Quitria, Casa de
Convivncia, Grupo de mulheres Renasce Companheira, Misso Nova Esperana,
Profissionais do Hospital Clementino Fraga, CTA/Joo Pessoa e uma representante
da secretria Estadual de Sade (S.E.S).
A reunio foi realizada dia 07 de junho de 2011 e a pauta era a
discusso sobre Casa de Apoio. O Cordel Vida se props a ceder seu CNPJ e
estando ratificado pelo Frum. A Misso se retirou da concorrncia. A discusso foi
sobre a portaria 1.824/GM do Ministrio da Sade, que regulamenta a casa de apoio
para pessoas vivendo com HIV/AIDS. Lil e Bender, representantes do Cordel Vida,
colocaram que no h condies de alugar um imvel para o funcionamento
provisrio da casa de apoio. Primeiro, porque no h recurso disponvel. Segundo,

110

porque a captao de recursos em sua maioria atravs de edital, com durao


mdia de seis meses. Assim, no haveria o porqu de comear uma coisa que
fecharia logo em seguida, pois a promessa de uma casa a ser entregue em
dezembro e a quebra de contrato da casa alugada, demanda gastos. A discusso
repetitiva.
H um novo fato. Segundo a representante da S.E.S, o imvel que
abrigaria a casa de apoio se transformara em um PSF. Desse modo, a nova casa de
apoio s poderia existir a partir de uma casa formada por uma ONG Colocou-se que
poderia se alugar a casa da Misso, j que eles estariam se mudando. Porm o Bart
colocou que eles no iriam se mudar mais, que eles manteriam a instituio em
funcionamento at a abertura da casa de apoio. A portaria preconiza que a casa de
apoio deve atender a adultos e crianas. O Bart colocou que no h demanda
suficiente que justifique duas casas em Joo Pessoa. Essa fala foi recorrente ao
longo da reunio.
Lil (CV) colocou tambm que h a formulao de uma nova portaria por
parte do Ministrio da Sade. Isso seria outro motivo para no se precipitar, pois
construir uma nova portaria poderia conter disposies que inviabilizem a uma casa
feita em cima da atual portaria.
Harry (MEL) questionou o porqu de o Cordel ser o responsvel pelo
aluguel. Lil falou que porque o Cordel ir ceder o CNPJ e por isso ela
responsvel, pois qualquer problema quem responde legalmente o Cordel. Tomouse muito tempo nessa discusso. Harry colocou que outra instituio poderia bancar
o aluguel. Ele colocou a possibilidade de a Igreja Anglicana pagar o aluguel. A fala
de Harry pareceu que havia uma falta de sintonia entre as organizaes do
colegiado, todas do Frum. A discusso retorna a questo do recurso para
manuteno da casa. Colocou-se a possibilidade de o municpio juntamente com o
Estado ceder pessoal. O PAM e Ministrio da Sade em suas resolues no
disponibilizam dinheiro para pagamento de aluguel e de pessoal.
Bart coloca que no entende a necessidade de a casa contar com
Assistentes Sociais e psiclogos, j que haveria esse tipo de servio no SAE.
Ningum discorda verbalmente. Alguns olham de soslaio para Vitor, porm ningum
parte para o enfrentamento verbal.

111

John faz uma interferncia, colocando que a responsabilidade por isso


deveria ser do poder pblico, j que se trataria de uma poltica pblica. As pessoas
concordam com ele. Essa fala interessante, pois, em conversa em dia anterior,
Roberto me falou sobre como por vezes o mesmo movimento social que critica as
polticas pblicas, tem interesse em controla - l. Para o gestor, a responsabilidade e
a administrao deveriam ser exclusivas do poder estatal, tendo os movimentos
sociais o papel do controle social.
Observamos que, na reunio, se denotaram vrias tenses, mas
principalmente uma: a desconfiana com o poder pblico em honrar seus
compromissos. O fato de algumas pactuaes, no PAM do municpio e do Estado,
no poderem ter sido concludas, faz com que os atores retomem a condio de
encarar o Estado enquanto um agente imobilizado pela burocracia incapaz de gerar
resposta eficaz (incluindo o tempo de implementao das respostas) que atenda
demanda com a agilidade que a sociedade civil seria capaz (TEIXEIRA, 1997).
Nas reunies de que participamos do GT de adeso e FOAP, observamos
que ser um ex-ativista, trabalhando na Gesto de programas de DST/AIDS, implica
um relacionamento entre instituio e Estado, que vai alm da formalidade
burocrtica.
Nota-se como no h confiana na posio do sujeito ocupante do cargo.
O que h de interessante uma espcie de dupla desconfiana: uma centrada no
sujeito por defender a lgica da ao pblica estatal qual pertence atualmente,
ainda mais que esse sujeito veio dos quadros do movimento social; e outra centrada
no prprio cargo estatal. Coloca-se que o cargo pblico traz demandas que vo de
encontro s demandas do ativismo nos movimentos sociais. Em uma lgica simples
seria: o sujeito ex-ativista ao ocupar o cargo facilitaria o dilogo com as ONG/AIDS e
no defenderia lgicas estatais que fossem de encontro s reivindicaes e
pactuaes com a Sociedade civil. Porm o que h um novo cenrio no campo do
HIV/AIDS, que impem desafios existncia das ONG/AIDS e ao formato de
atuao.

Eu acho que mudou bastante.Tem que remonta ao contexto da Aids


mesmo. Mudou como mudou o contexto da Aids. Quando ela surgiu havia
muito medo e as pessoas eram tratadas muito como coitadinhas. Algumas
instituies resguardam esse movimento at hoje. (...) o que mudou foi a

112

forma de tratar as pessoa, no entanto eu acho que tem um grande problema


com o advento da distribuio gratuita dos retrovirais que a banalizao
do tratamento. O Ministrio da Sade, que financiava as grandes aes do
movimento social, at porque quem fazia realmente a linha de frente, ele
(MS) passou a partir de 2007/2008 a descentralizar esse financiamento.
Passou para o poder estadual. E alguns municpios tambm absorvem essa
responsabilidade. Com isso houve uma fragilizao dessas organizaes,
pois muitas tm um quadro no capacitado (...) as pessoas precisam
sobreviver. A gente remete isso ao Cordel que tinha Roberto Maia e que
hoje coordenador de DST/AIDS de Joo Pessoa. Ele no est no Cordel
porque no tem como financiar e ai tm vrios casos (...) as varias pessoas
que saem do movimento social pela falta de financiadores. E o que mudou
foi isso. No incio havia um preconceito muito grande, mas havia grandes
financiadores. Hoje h uma escassez muito grande e ai aes vo (...) voc
vai encontrar algumas instituies que a estrutura muito pouca. (...) a
gente que falar dos financiamentos internacionais. Quando o Brasil
colocado como referncia para tratamento, apoio e etc. e tal, as
organizaes internacionais comeam a diminuir o recurso que eles
disponibilizavam para o Brasil. Ai enfraquece os movimentos sociais. A
outra questo seria o financiamento pblico. A descentralizao que a
principio seria interessante, tambm diminui o recurso para as instituies.
E ai sem recurso diminui a capacidade para o enfretamento. O John falou
essa semana mesmo que as instituies no fazem controle social, mas
porque para fazer controle social demanda recurso e as instituies
infelizmente uma escassez de recurso brutal que no tem como manter
quadros. E ai as pessoas vo para outros quantos e ai no d para achar
que as pessoas vo ser voluntrias a vida inteira (...) as pessoas precisam
sobreviver (...) e tem uma coisa o governo tem levado muita gente das
instituies no governamentais para os seus quadros seja no poder
municipal, estadual ou federal (...) isso tambm enfraquece os movimentos
sociais. Que um caminho. Eu acho que as pessoas devem ir sim, mas
enfraquecem os movimentos sociais, at porque os mais novos (pessoas)
tem dificuldades quanto Aids. As pessoas novas no to mais vendo o HIV
com medo e anseio que as pessoas na dcada de noventa viam. Ento ns
temos pouca renovao na verdade (Fry - CV).

Porm, em meio tenso, observamos que h uma nova conjuntura de


estado, que vai de encontro dinmica das relaes institucionais estabelecidas no
inicio da dcada de 1990 a meados da primeira dcada do sculo XXI, perodo em
que os projetos AIDS I, II e III vigoram com o suporte do Banco Mundial, juntamente
com as fontes de financiamentos vindo de outros agentes da cooperao, a exemplo
da Fundao Ford e da Organizao Mundial de Sade.
O que interessante notar que se a Ditadura dos Projetos possibilitou
a multiplicao de ONG/AIDS e promoveu um tipo de institucionalizao, no qual o
ativismo era o carro chefe de um Movimento AIDS como aponta Galvo (1997 e
2000), essa mesma lgica que faz emergir um discurso de crise no campo das
ONG/AIDS, em principal na relao entre Estado e ONGs.

113

Por fim, dialogando com Biehl (2007), colocaramos que a resposta


brasileira Aids, no que tange ao campo das ONG/AIDS, revela um cenrio fludo
entre movimento/Estado, por onde circula uma cidadania no universal, nem
vinculada a modificaes de carter estrutural, mas a benefcios pontuais articulados
a partir da transformao de uma condio de Sade em condio de cidadania.

114

CONSIDERAES FINAIS

Com esta dissertao pretendemos levantar algumas questes relevantes


para a rea de pesquisa sobre ativismo, ONGs e AIDS no debate contemporneo.
Nesse ponto, gostaramos de ressaltar algumas questes que se mostraram
relevantes em todo o trabalho.
Primeiro, que, ao pesquisarmos sobre os trs eixos de vital importncia
nos deixamos deixar absorver pelas disputas que os atores institucionais e
individuais colocam em cena, de modo que o pesquisador tome parte dos sentidos
no campo, como h muito j nos ensinava Geertz (2008). Ser absorvido pelas
categorias micas nos permite observar os elementos semnticos que estruturam o
campo das ONG/AIDS e assim debater de maneira condizente com a literatura,
podendo oferecer alguma pequena contribuio ao debate maior sobre o ativismo,
ONGs e AIDS.
Percebemos, assim, que o Campo das ONG/AIDS deve ser visto
enquanto campo autnomo e diversificado no qual uma conceituao sobre
ONG/AIDS deve levar em conta a histria particular das instituies vinculadas ao
campo e a maneira como os sujeitos se tornam ativistas.
O processo de institucionalizao, por vezes debatido na literatura,
enfatiza aspectos formais como legislao, estrutura administrativa e tipo de diviso
do trabalho implementado na instituio, sem levar em considerao a trajetria de
formao da organizao no governamental e o impacto sobre o modelo de
atuao. Um exemplo ilustrativo o Movimento do Esprito Lils MEL. Fundada
em 1992, a instituio nasce com o intuito de combater a epidemia da AIDS 35 no
pblico homossexual; porm, ao longo dos anos, modificou seu foco para os direitos
humanos e a garantia de cidadania plena ao pblico LGBT. No entanto, foi uma das
articuladoras de criao do Frum ONG/AIDS em 2000 e tem mantido sua
participao efetiva nas reunies e aes da rede. Se categorizarmos as ONG/AIDS
a partir do eixo central de trabalho com AIDS, ento vislumbraramos que o MEL j
foi uma ONG/AIDS LGBT, porm atualmente uma ONG/LGBT que apia a luta
contra a AIDS, como afirmou seu Harry. O MEL coloca a AIDS como uma das
35

Para isso consultar o link: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/folder/10006000436.PDF

115

questes principais na atualidade, porm h outras demandas significativas na


esfera LGBT que implicam um tipo de atuao diferente, reclamada por instituies
que tm na AIDS o eixo principal de trabalho. Do ponto de vista ativista, Harry um
dos membros de maior atividade no FOAP. Ativismo, como destacam Larissa
Pelcio (2009) e Tiago Moreira dos Santos (2009), uma forma de atuao
relacionada individualidade. Estaria inscrito na trajetria dos sujeitos e nos corpos.
A trajetria das instituies e dos sujeitos demonstra que h uma forma nativa de
considerar um tipo de atuao legitima e que tipo de posio ela deve ocupar no
campo, implicando habitus e capitais sociais que disputam legitimidade.
Uma segunda questo que postulamos que, ao analisarmos o
estabelecimento das ONG/AIDS no Brasil, especificamente em Joo Pessoa, deve
ser ter em conta a anlise relacional. O foco relacional em nosso trabalho enfoca a
atuao da ONG e a do Ativista. Somente por meio desse elemento que podemos
inferir algumas caractersticas do campo.
A tenso o elemento balizador das relaes e estrutura os encontros. O
sistema de disposies posto em ao e assim as legitimidades so questionadas.
O exemplo da Misso Nova Esperana singular nesse sentido. Por desenvolver
trabalhos de assistncia s PVHA, vista como um tipo de ONG/AIDS sem
capacidade de interveno poltica, assim a imagem da MNE, quando vinculada ao
Bart, coloca em questionamento o tipo de atuao por ele engendrada. Se
questionado s vezes o papel da AAP utilizando desse expediente. Assim, a atuao
da ONG e relacionada atuao do ativista. No caso do Bart, deve-se salientar que
ele participa tambm da RNP+, que um das principais redes de articulao poltica
no movimento de luta conta a AIDS. Como pode ser visto, ao longo do nosso
trabalho, observar o elemento relacional fundamentado na intersetorialidade e nas
esferas tidas como legtimas dentro de um cenrio de ONG/AIDS que nos permitiu
desconstruir o binmio preveno/assistncia (apesar de algumas vezes utiliz-lo ao
longo da dissertao) enquanto condio central de constituio do campo das
ONG/AIDS, pois, na realidade, so tipos de capitais sociais por meio dos quais os
ativistas se relacionam e do significao posio do outro.
Por ltimo, postulamos que a formao de um campo das ONG/AIDS est
relacionada forma que o ativismo social assume na trajetria histrica de luta
contra a Aids no Brasil e no mundo. Observamos, a partir do cenrio pesquisado, o

116

desenvolvimento do Campo em questo, no qual a suas caractersticas dominantes


so:

Primeiramente, marcado por pelo transito dos ativistas por outros


campos de atuao e instituies. Um campo caracterizado por um
ativismo

conectado com outros movimentos sociais e aes

institucionais, a exemplo do movimento feminista e das aes da


arquidiocese. Assim ativistas oriundos de outros movimentos, ao
participarem das reunies e partilharem das aes das ONGs por meio
das redes de organizaes, legitimariam a prpria ao como um tipo
de Ativismo social no campo das ONG/AIDS.
centrado em uma hierarquia a partir da condio de protagonismo
das PVHA. No discurso da experincia qualificada, a partir do status
sorolgico, h uma hierarquizao mediante o monoplio das
competncias, estabelecendo que o status sorolgico um capital
social restrito s PVHA, no qual, por sua vez, tal capital faria com que
os soronegativos ocupassem uma posio subalterna no campo. Em
outro discurso, h o reconhecimento da vivncia enquanto PVHA,
como experincia singular de vida para o ativismo, porm a
solidariedade, junto ao saber acumulado sobre o tema da AIDS, o
capital social que legitimaria o soronegativo enquanto ativista,
observando-se a tentativa de organizar horizontalmente o sistema de
disposies no campo. Visa estabelecer uma a equivalncia entre
PVHA e soronegativos.
Por ltimo, colocamos que o ativismo no campo das ONG/AIDS implica
o reconhecimento dos espaos e dos perfis de atuao enquanto
modelos de ao no governamental que congregam poltica, a
exemplo da luta por direitos do PVHA e a luta pela implantao da
casa de apoio, juntamente com a interveno, como os projetos
desenvolvidos pelas ONG/AIDS ou pelas redes.

117

Por fim, o presente autor ressalta que no tem a pretenso de definir um


Movimento AIDS e nem encerrar questes ligadas ao campo das ONG/AIDS.
Pretendamos no nosso trabalho demonstrar alguns aspectos do ativismo social
ligada a AIDS e, especificamente, das ONGs, a partir do estudo do cenrio
pessoense a esse respeito. E assim contribuir para os estudos a cerca do ativismo
social e sobre o campo das ONGs de modo geral.

118

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