BIRCK, Bruno Odélio. O Sagrado em Rudolf Otto
BIRCK, Bruno Odélio. O Sagrado em Rudolf Otto
BIRCK, Bruno Odélio. O Sagrado em Rudolf Otto
BIRCK, Bruno Odlio. O sagrado em Rudolf Otto. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1993.
l - O NUMINOSO
que o autor em anlise situa o problema de Deus na perspectiva do agnosticismo kantiano. Para tal, procede a um exame minucioso da categoria
especial do sagrado. O sagrado uma categoria complexa, constituda
por dois elementos: o elemento no-racional (numinoso) e o elemento
racional (predicador). A conexo dos elementos d-se por uma necessidade racional. Assim, o sagrado se constitui numa categoria complexa, em
virtude de seus elementos.
O problema fundamental que Otto se prope investigar a possibilidade de um acesso racional ao divino. oportuno observar
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Este objeto percebido de forma diferente, tanto que o entendimento no pode nos fornecer um conceito deste. Portanto, estamos diante do
segundo elemento da categoria especial do sagrado, o elemento noracional. Este percebido na experincia religiosa, mais especificamente
pelo sentimento numinoso (sensus numinis). O sentimento numinoso no
uma mera emoo, mas um estado afetivo. O numinoso um sentimento original e
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Id., ibid., p. 7.
Id., ibid., p. 8.
De uma forma anloga o artista conhece a experincia esttica e a reconhece como uma experincia sui generis, particular, sem dependncia de
outro sentimento.
O termo numinoso pode ser colocado na mesma categoria de palavras como mana, termo cunhado pelo antroplogo ingls Robert Ranulph
Marett (1866-1943). Esta expresso Marett a tem das religies primitivas
do oceano Pacfico. Mana uma fora completamente diferente do poder
fsico e esta pode atuar para o bem ou para o mal. O mana pode estar vinculado aos amuletos e at a certas pessoas. O mana amoral e noracional. mais uma atitude emotiva do que uma idia. Como diz bem
Marett,
"A religio primitiva mais que pensar-se, se baila; se
desenvolve a partir de umas condies que fomentam
processos emocionais e motores, enquanto que a ideao permanece em um estado relativamente latente"10.
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1.3 A descrio do numinoso
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Prcoro Velasques, no Prefcio traduo portuguesa da obra O sagrado, d uma explicao sinttica da expresso. O tremendum o tremendo, o todo-poderoso, a energia; o mysterium o qualitativamente diferente (das ganz Andere) e o fascinans. Assim, o mysterium tremendum a
harmonia dos contrastes que sugere o "terror incontrolvel, penetrando e
subjugando a alma"14. Do sentimento numinoso podemos apreender a sua
forma, que o mistrio (mysterium). Podemos apreender ainda o contedo
qualitativo numinoso, que em parte um elemento repulsivo que causa
terror (tremendum) e, em outra parte, um elemento atrativo, fascinante
(fascinans). O divino apresenta-se em nosso sentimento como mistrio
inefvel, supraracional. Este ser numinoso, qualitativamente diferente,
exerce sobre ns uma estranha harmonia de contrastes: uma repulso, um
terror demonaco e, ao mesmo tempo, uma atrao que fascina e cativa.
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tambm, manifestar-se de forma mais abrupta e conduzir a alucinaes, a
transportes e a xtases.
O mistrio normalmente definido como oculto, o extraordinrio, o
estranho, o incompreensvel. Esta forma negativa de defini-lo, ou seja,
dizer o que ele no . No entanto, o mistrio uma realidade positiva, que
no se manifesta compreenso conceitual. A sua qualidade positiva manifesta-se exclusivamente nos sentimentos. Para chegarmos a sua compreenso preciso fazer um exame minucioso do sentimento, onde se manifesta.
1.3.1.1 O tremor mstico
"A qualidade positiva do objeto indicada pelo adjetivo 'tremendo'" . O adjetivo tremendo aparece como predicado do objeto que o
mistrio, que descreveremos mais adiante. Tremendo vem de tremor, ou
do sentimento de medo. A pessoa que faz a sua experincia religiosa, diante do numinoso tem o sentimento de medo.
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Otto insiste em dizer que o termo medo, que um sentimento natural, se aplica aqui somente por analogia. A reao sentimental diante do
numinoso tem uma qualidade particular, no derivada do medo natural.
Este terror mstico s pode ser compreendido aplicando a categoria do
numinoso. Para exprimir este sentimento encontram-se, na literatura religiosa antiga, muitos termos. No Antigo Testamento emt Jahveh (um temor de Deus) tem a conotao de um temor demonaco que faz paralisar.
Dos gregos temos o termo panicon, que significa o temor que provoca
pnico. Os abundantes textos do Antigo Testamento que descrevem este
temor de Deus transcendem qualquer causa psquica, ou mesmo externa
que o possa inspirar. Este temor tem uma conotao espectral. Da mesma
forma que os primeiros cristos utilizavam o termo grego sebastos (atitude de prudncia diante dos deuses -Temor: nem superstio nem desprezo), designando uma qualidade
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numinosa. Chamar algum de sebastos era incorrer em idolatria, pois era
um ttulo que no convinha a nenhuma criatura.
No sentimento do temor podemos observar graus evolutivos. O grau
preliminar do temor religioso o temor demonaco ou pnico. Este sentimento de terror liga-se a alguma coisa de sinistro. Da surge na mitologia
antiga a figura do demnio como a objetivao deste sentimento. Nas religies primitivas o terror numinoso aparece sob formas rudimentares como o medo dos demnios. Estas primeiras manifestaes do sentimento
numinoso aparece em formas brutais. o horror sentido diante do sinistro
que inclusive provoca reaes fsicas como o calafrio.
Este temor demonaco rejeitado pelas religies superiores como
um elemento da religio primitiva ultrapassada. Afirma Otto que estas
emoes primitivas podem reaparecer espontaneamente, mesmo em pessoas cultas, por exemplo, na literatura do terror. "Lutero afirma que o homem natural no pode temer a Deus. (...) Pode-se acrescentar que o homem natural incapaz de tremer de medo, no sentido prprio da palavra"16. O sentimento do horror no derivado do medo natural. Este sentimento sob a forma de sinistro um vago pressentimento do mistrio.
Este sentimento, ainda que rudimentar, revela a capacidade do esprito
humano em avaliar e sentir o numinoso. Poderia dizer-se que a excitao
da categoria numinosa em seu grau mais primitivo.
Algo que faz gelar o sangue transparece como alguma coisa sobrenatural. Este terror mstico inteiramente diferente dos estados psquicos
de medo, de angstia, de temor. O pnico espectral, sinistro diferente em
grau e em qualidade do temor natural. Este estado de alma particular do
terror demonaco o grau preliminar do temor religioso.
O temor religioso, em seu grau mais evoludo, chamado, por Otto,
de temor mstico. o estgio mais profundo, que abrange os ltimos
graus de interioridade do sentimento religioso. Embora aparea de forma
muito mais nobre do que o terror demonaco, mantm com esse traos
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O numen pressentido no seu carter terrfico como grandeza. Diante da grandeza de Deus surge o sentimento de aniquilamento, o temor mstico, o temor de Deus. Este elemento do sentimento numinoso de extrema importncia em muitos textos sagrados. No Antigo Testamento aparece sob a expresso de clera de Jahveh. A ira de Deus aparece nos textos
de forma surpreendente e enigmtica. A sua incompreensibilidade embaraa a exegetas e telogos.
Otto ressalta o carter no-racional da clera de Jahveh. A ira de
Deus no relacionada com atributos morais na sua origem. Esta no
outra coisa que o tremendum. Na clera de Jahveh encontramos o elemento no-racional que lhe d um carter terrificante, temor. Este sentimento
numinoso racionalizado na medida em que saturado por elementos
ticos. A aparece sob a denominao de justia divina.
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A clera de Jahveh como o zelo de Jahveh so estados de conscincia numinosa em que o homem experimenta a impresso do tremendum.
"Este elemento estranho, repulsivo, que inspira o terror, surpreendente queles que querem admitir apenas a
divindade como bondade, doura, amor, familiaridade
e, em geral, os atributos que se relacionam unicamente
face de Deus voltada para o mundo"18.
Miguel Frederico Sciacca faz uma crtica feroz a Otto, que quer resgatar o elemento do tremendum na concepo crist de Deus.
"... Otto nunca chega a apreender a religio e o senso
do divino seno nas reaes do 'tremendum', da 'ira
dei', do temor, do aniquilamento, que so justamente as
reaes peculiares das religies primitivas, inferiores,
brbaras. O 'numen', mesmo quando 'fascinans' e
'sanctum', sempre o Deus do terror, da ira, o Deus
que aniquila e aterroriza, que petrifica, emudece e faz
recuar pelo pavor que desperta. Onde est aqui o Deus
Pai, Amor, Providncia da Revelao Crist?"19.
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corpo e no podem matar a alma; temei antes aqueles que podem fazer
perecer no inferno a alma e o corpo" (Mt 10,28); "Quo terrvel cair nas
mos do Deus Vivo" (Hb 10,31); "Porque o nosso Deus um fogo consumidor" (Hb 12,29). Jesus prega o Reino do Pai celestial. Diz Otto que
este nome pode soar hoje como uma expresso familiar, de doura, sinnimo de bom Deus. O Pai o rei, santamente sublime. O Reino se aproxima como ameaa obscura, carregada do temor de Jahveh. "Desconhecer
isso transformar em romance o Evangelho de Jesus"21.
Para Otto, diferente de Sciacca, a superioridade de uma religio no
consiste na eliminao do numinoso, mas no seu reconhecimento como
elemento fundamental. Eliminar o numinoso significa reduzir a religio a
um fim puramente racional e moral.
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majestade divina. Portanto, este um segundo aspecto do tremendum.
Em todo misticismo aparece essencialmente a exaltao dos elementos no-racionais da religio. No outra coisa que a exaltao levada ao
extremo do sentimento de ser criatura. Em outras palavras, sentimento
da insignificncia de tudo aquilo que criado diante, ou a partir da majestade daquilo que est acima de toda criatura. O poder, a majestas do numinoso o segundo aspecto de manifestao do Deus vivo na experincia
vivida do religioso.
1.3.1.3 Org ou a energia do numinoso
Os elementos do tremendum e da majestas implicam um terceiro
elemento que a energia do numinoso. Este elemento pode ser indicado
por expresses simblicas como vida, paixo, sensibilidade, movimento,
excitao, impulso. Como diz Otto:
"Eles formam, no 'numen', o elemento cuja experincia
coloca a alma humana em estado de atividade, excita o
zelo, provoca a tenso e a energia prodigiosa da qual o
homem prova, seja no ascetismo ou na luta ardente
contra o mundo e a carne, seja nos atos de vida herica
na qual a excitao tem lugar"24.
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Este elemento, segundo Otto, tem causado as mais fortes reaes entre os msticos e os, filsofos. Os filsofos tm rejeitado este elemento da
energia, de org, como produto do antropomorfismo. Deus seria um produto das formas humanas da paixo, da excitao, da vida etc. Por outro
lado, os homens religiosos voltam-se contra o Deus da filosofia por no
reconhecerem o carter analgico dos termos tomados de diversos domnios da vida humana. O racionalista incapaz de reconhecer este sentimento autenticamente no-racional. A bandeira anti-racionalista coloca o
Deus vivo em oposio ao Deus idia da especulao filosfica.
Para Otto, o elemento da energia numinosa aparece particularmente
no misticismo do amor. o Deus que fogo, de ardor devorante; o Deus
de amor impetuoso. Esta energia impetuosa um elemento no-racional
da experincia religiosa. Quer dizer, os qualificativos reais, ou os predicados naturais de energia s podem servir de ideogramas para designar um
objeto inefvel. Neste sentido, incorre em erro a especulao de Fichte
que considera o absoluto como um gigantesco e incessante impulso csmico.
O Deus vivo, o Deus que queima a expresso simblica do terceiro aspecto do tremendo, a energia do numinoso. As energia do numen
provoca na alma humana o estado de excitao. Diante da potente vitalidade, o homem enche a alma de ardor, muitas vezes herico.
Apresentamos em sntese a descrio que Otto faz do elemento tremendo. Este aparece no sentimento numinoso de trs formas: o tremendum, a majestas e a org. Estes trs elementos formam a qualidade positiva do objeto, exterior a ns, que se manifesta exclusivamente nos sentimentos, denominado de mysterium tremendum.
1.3.2 O mistrio
O objeto numinoso o mysterium tremendum et fascinans. Descrevemos o elemento do tremendum. Passaremos agora a descrever a noo
principal do objeto numinoso, o mistrio. O tremendo e o mistrio no se
identificam, mas mantm uma estreita
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relao. Como diz Otto, "facilmente o mistrio se torna terrvel". Na verdade, o elemento do tremendo um predicado sinttico do mistrio. Portanto, o mistrio a forma do objeto numinoso, e o tremendo a sua qualidade positiva. Em muitas formas de misticismo, contudo, o elemento do
tremendo pode tomar conta do sentimento numinoso a ponto de o mistrio
no aparecer. Este exemplo demonstra a clara diferena entre ambos,
mesmo que normalmente estejam estreitamente relacionados.
Otto descreve o mysterium como mirum ou mirabile. A emoo que
surge no sentimento numinoso no ainda a admirao, o que acontece
quando so acrescidos os elementos do fascinans e do augustum. A emoo que corresponde ao elemento do mistrio a surpresa. Este estado de
surpresa pertence exclusivamente ao domnio do numinoso. Pode-se tomar do domnio natural o sentimento de estupor ou a surpresa que paralisa
para indicar por analogia a reao psquica provocada pelo mirum. Podemos ainda citar outros termos tomados do domnio natural que ajudam a
indicar a realidade do mysterium: o que secreto; algo de estranho, incompreensvel e inexplicvel.
"Mas esta realidade, ou mistrio num sentido religioso,
o verdadeiro 'mirum', o qualitativamente diferente
(thateron, anyad, alienum), aquilo que nos estranho e
nos surpreende, o que est fora do domnio das coisas
habituais, compreensveis, bem conhecidas e, portanto,
familiares; aquilo que se ope ordem conhecida das
coisas e, por isso mesmo, nos enche de surpresa e nos
paralisa"25.
Segundo Otto, o elemento do mistrio j esteve presente nas religies primitivas, ainda que de forma rudimentar. Contesta a teoria animista
que coloca na idia da alma a origem da religio. "A idia de alma e concepes semelhantes so racionalizaes posteriores, tentativas de esclarecer o enigma do 'mirum'"26.
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O mito, de igual forma, uma tentativa de criar formas fabulosas
para expressar qualquer coisa qualitativamente diferente. Estas figuras e
objetos fabulosos, criados pela imaginao mtica, indicam apenas o sentimento natural de surpresa, de mistrio. Ainda no a surpresa demonaca. No podemos chamar de mistrio aquilo que momentaneamente incompreensvel. A maioria dos mitos surgiram para explicar os fenmenos
aparentemente inexplicveis.
Aqui fundamental colocarmos a distino que Otto faz entre um
objeto incompreensvel para o conhecimento humano e um objeto qualitativamente diferente.
"O objeto realmente misterioso incompreensvel e inconcebvel no apenas porque o meu conhecimento relativo deste objeto tem limites determinados e inflexveis, mas porque meus limites chocam-se com alguma
coisa qualitativamente diferente, uma realidade que,
por sua natureza e essncia, incomensurvel e diante
da qual eu manifesto o meu estupor"27.
a designa um
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objeto qualitativamente diferente, do qual pressentimos a natureza sem
poder exprimi-la em noes claras.
O sentimento do totalmente outro a hipertenso dos elementos
no-racionais na religio. O objeto numinoso, enquanto outro, est em
oposio a tudo aquilo que natural e, mais, ope-se ao ser e ao que existe. O totalmente outro, frente ao mundo existente, um nada. O nada o
que absoluta e essencialmente oposto a tudo aquilo que e que pode ser.
Este o paradoxo da negao e oposio que se delineia frente reflexo
conceitual. No sentimento numinoso o qualitativamente diferente aparece
como qualidade positiva, como uma realidade viva. O vazio e o nada no
tm aqui um sentido niilista, mas passam a ser um ideograma numinoso
do qualitativamente diferente.
O elemento numinoso do mistrio, enquanto manifestao do sentimento religioso, o mirum. Otto descreve neste sentimento numinoso
uma evoluo em trs graus: a surpresa pura e simples, o paradoxo e a
antinomia. No primeiro grau o mirum aparece incompreensvel ao entendimento, na medida em que transcende nossas categorias. No segundo
grau o sentimento do mistrio aparece no apenas como incompreensvel,
mas como paradoxal; no apenas supra-racional, mas anti-racional. No
grau mais elevado do mirum os enunciados sobre o mesmo objeto no
apenas aparecem contrrios razo, mas como irreconciliveis e irredutveis entre si. a forma mais aguda de paradoxo, a antinomia.
Estas formas contrastantes e desconcertantes que cegam a razo so
encontradas na teologia mstica, onde predomina o elemento no-racional
da idia de Deus. O misticismo, segundo Otto, desenvolve uma teologia
do extraordinrio, livre da lgica natural, teologia do mirum, do qualitativamente diferente. Alm disso reconhece como fonte mais profunda do
sentimento religioso o sentimento numinoso do qualitativamente diferente.
"O misticismo no est em oposio direta religio.
Suas verdadeiras relaes se tornam imediatamente
claras se considerarmos que os elementos que indicamos tm como fonte um elemento
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universalmente religioso, o sentimento numinoso do
qualitativamente diferente, sem o qual no h o sentimento religioso verdadeiro"28.
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A faculdade de divinizao a faculdade que permite conhecer e reconhecer genuinamente o sagrado no sentimento. a percepo de um
objeto no-racional, ou numinoso. crtica de Todoli podemos contrapor
o texto de Otto:
"A verdadeira divinizao nada tem a ver com as leis
naturais. De fato, o seu relacionamento com as leis naturais no problema para ela. Ela no busca saber
como produzido o fato, o evento, ou qualquer outra
coisa, ou como uma pessoa tomou-se o que ; ela se
preocupa com a significao e se o fato um sinal do
sagrado"31.
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qualificativo do mistrio , em parte, um elemento repulsivo, o tremendum, ligado majestas e org. Por outro lado, o mistrio qualificado
por um elemento que exerce uma atrao peculiar, que cativa e fascina.
Este elemento que fascina forma com o tremendo uma estranha harmonia
de contrastes. Este duplo carter do numinoso, formando uma harmonia
de contrastes, est presente em todas as religies e at mesmo nos cultos
demonacos. Otto exclama: " o fenmeno mais estranho e mais notvel
de toda essa histria. O divino, sob a forma do demonaco, para a alma
objeto de terror e de horror, ao mesmo tempo que atrai e seduz"33.
O mistrio, diz Otto, alm de surpreendente, tambm maravilhoso.
Ao lado do elemento repulsivo surge algo que seduz. Na medida em que
este elemento cresce de intensidade pode at chegar ao delrio; o elemento dionisaco da religio. A este elemento Otto denomina de fascinante.
O fascinante um elemento no-racional. O amor, a compaixo, a
piedade e o consolo so noes, conceitos que acompanham e esquematizam este elemento numinoso. Estes no podem esgotar seu contedo,
apenas relacionam-se analogicamente. Assim, a beatitude religiosa muito mais que ser consolado, ter confiana, felicidade presente no amor. A
felicidade religiosa no se esgota em elementos naturais elevados perfeio pelo pensamento. Esta experincia inclui elementos profundamente
no-racionais.
Otto reconhece que o sentimento religioso, em seus graus primitivos, surgiu unicamente em um de seus plos, o elemento do terror, da
repulsa. Esta forma primitiva do sentimento religioso o terror demonaco. Os cultos religiosos, onde predomina este elemento terrfico, destinam-se a apaziguar a clera do numen. Os atos religiosos seriam basicamente atos de expiao. Como explicar o fato de que nas religies o numinoso objeto de busca? O elemento do terror no explica as prticas
sacramentalistas nem os ritos de comunho pelos quais o homem busca
apossar-se do numinoso.
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As prticas religiosas de ofertas, sacrifcios, ao de graas aparecem em primeiro plano na histria das religies. Estas prticas religiosas
so uma forma de aproximao do mistrio.
"Ao meio de uma quantidade de atos estranhos e de
formas fantasiosas de meditao, o homem religioso
busca dominar a realidade misteriosa, a penetr-la e a
identific-la, identificando-se com ela"34.
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no explicam de forma alguma o estado de Jubilo vivido pela presena do
numen.
Este estado descrito por figuras como: abismo do prazer mais perfeito, delcia sem fim, sol magnfico. Aqui aparece o algo mais do fascnio
que no pode ser expresso por conceito. Este estado de bem-aventurana,
de fascnio encontra-se em todas as religies que tm esperana na salvao. A doutrina da salvao torna-se incompreensvel ao homem natural.
Quando Paulo fala na esperana da ressurreio, culmina assim: "E, quando todas as coisas lhe tiverem sido submetidas, ento o prprio Filho se
submeter quele que tudo lhe submeteu, para que Deus seja tudo em todos" (I Cor 15,28). As doutrinas de salvao so expressas e ensinadas por
noes anlogas, ou ideogramas do sentimento religioso. Quem no possui esta viso beatfica de Deus, ter uma compreenso muito imperfeita
da salvao. Que Deus seja tudo em todos poder no ter nenhum sentido
para o homem natural.
A salvao no apenas a busca de realizao de aspiraes religiosas. A salvao no produz um estado de bem-aventurana pelo simples
fato de ter alcanado um objetivo. O sentimento numinoso do fascinante
pode aparecer de diversas formas, como diz Otto.
"Seja sob a forma de Reino de Deus que vir ou sob a
forma de acesso do sujeito realidade supra-terrestre e
beatfica; seja na espera e no pressentimento ou na experincia presente; sob as formas e nas manifestaes
as mais diversas, aparece uma tendncia fundiria nica, estranha e poderosa, em direo a um bem (salvao) que conhece apenas a religio e que no racional"35.
O sentimento de felicidade religiosa sempre se apresenta como hiperblica, exagerada, mesmo quando se apresenta de forma contida. Estas
experincias hiperblicas aparecem nas vivncias da graa, da converso e
da regenerao. As autobiografias de convertidos esto repletas deste elemento no-racional das bem-a-venturanas emocionais. Otto elenca diversos testemunhos de
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convertidos reunidas por William James. Eis o testemunho de Jac da
Bomia: "Eu no posso escrever ou dizer o que aconteceu com o esprito.
No se pode comparar a nada, a no ser vida que nasce em meio morte, a ressurreio dos mortos"36.
Estas experincias que no cristianismo se denominam de experincias da graa e de regenerao, aparecem de forma paralela em outras
religies. Nesta experincia coloca-se o Nirvana de Buda. Otto relata uma
conversa que teve com um monge budista:
"Quando ele chegou ao ltimo ponto, a questo de saber o que Nirvana, depois de algumas hesitaes, ele
murmurou uma s frase: beatitude inexprimvel. Nesta
resposta sussurrada, com tom solene, a expresso e a
atitude exprimiam, mais do que as palavras, o que ele
queria dizer. Era uma confisso de f no 'mysterium
fascinans"37.
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"A vida deixa de ter valor; os fins mergulham no pego
do irracional e do inatingvel; s resta ao homem deixar-se revolver do absurdo, que se toma em 'fascinans'.
O 'fascinans' do 'numen' de Oito a atrao que sobre
ns exerce um Deus inimigo, prepotente e tirano, ao
essa que se cifra em nos comunicar a conscincia do
nada que somos"38.