Alice No País Da Lingüística: As Sutilezas Nos Jogos de Linguagem
Alice No País Da Lingüística: As Sutilezas Nos Jogos de Linguagem
Alice No País Da Lingüística: As Sutilezas Nos Jogos de Linguagem
FACULDADE DEHONIANA
Curso de Filosofia
Taubaté – SP
2009
ANNA ARYEL AMARO
FACULDADE DEHONIANA
Curso de Filosofia
Taubaté – SP
2009
E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face
do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das
águas.
Introdução ........................................................................................................................ 1
Capítulo I Estudos acerca da teoria lingüística de Wittgenstein ....................................... 4
1.1 Ludwig Wittgenstein e sua tentativa de uma revolução lógico-filosófica. ................ 5
1.2 O primeiro Wittgenstein ......................................................................................... 6
1.3 O segundo Wittgenstein.......................................................................................... 7
1.4 Os jogos de Linguagem .......................................................................................... 8
Capítulo II ....................................................................................................................... 12
Um estudo sobre a influência das regras do discurso e as sutilezas na tradução ......... 12
2.2 A gramática das cores nos jogos de linguagem. .................................................. 15
2.3 Traduções, um jogo de linguagem ........................................................................ 17
Capítulo III ...................................................................................................................... 21
Alice diz não ................................................................................................................... 21
3.1 Fonética..................................................................................................................23
3.2 Os nomes ............................................................................................................. 24
3.3 Significado ........................................................................................................... 25
3.4 Funcionamento da linguagem ............................................................................... 27
Conclusão ...................................................................................................................... 29
Referências .................................................................................................................... 31
1
Introdução
No século XIX Lewis Carrol leu seu tempo através dos olhos de uma menina
muito curiosa, Alice, que invade o País das Maravilhas e se encanta com o poder do
estranho que ocorre por lá, pois lá o corriqueiro é extraordinário. Com base nas
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1
No capítulo 8, p. 49, Alice se aproxima do jardim e os jardineiros estão pintando as rosas brancas de
vermelho, pois a Rainha havia ordenado que lhe plantassem flores vermelhas, e como a nobre por muito
pouco exigia sangue em suas punições, decapitações a todo momento, os servos estavam tentando
resolver o engano.
3
Capítulo I
Estudos acerca da teoria lingüística de Wittgenstein
2
[...]Agora é sempre seis horas”.
Uma idéia brilhante surgiu a Alice, “É esta razão de ter tantos paramentos para chá colocados à
mesa?”ela perguntou.
“Sim, é isto,” disse o Chapeleiro assentindo: “é sempre hora do chá, e assim não temos tempo para lavar
as coisas entre um e outro.”
“E assim vocês continuavam movendo ao redor, eu imagino?” Disse Alice.
“Exatamente,” disse o Chapeleiro: “Quando as coisas ficam usadas.”
“Mas, o que acontece quando vocês voltarem ao início da mesa? Alice se aventurou a perguntar.
“Eu sugiro que mudemos de assunto,” interrompeu a Lebre de Março, bocejando. “Estou cansada disso.
Eu sugiro que a moça nos conte uma história.” (tradução nossa)
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Wittgenstein escreveu sobre uma forma nova de se pensar o mundo à sua volta,
se preocupando principalmente com a linguagem em sua forma mais prática em meio a
um contexto a ser analisado. Em sua fase conhecida como a primeira, Wittgenstein na
obra Tratactus Logicus-Philosophicus, estruturou seu pensamento em sete proposições
que estavam organizadas em forma crescente da menos complexa para mais complexa
e a antecessora era explicada pela sucessora. Em termos mais amplos, neste período
seus pensamentos estavam todos focados na elaboração de uma teoria lógica que
respondesse aos problemas filosóficos.
Deste modo nasce o segundo Ludwig Wittgenstein, que afirma que a linguagem
era portadora de certas superstições as quais deveriam ser todas desfeitas, dado que é
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Aqui temos contato com uma das principais teorias filosóficas de Wittgenstein, os
jogos de linguagem. Para o filósofo toda forma de linguagem deverá ser sempre
analisada em seu contexto e por isso possuirá valor para os fins que se deseja atingir
somente dentro de uma estrutura a ser investigada. Podemos afirmar que todo signo
traz consigo a possibilidade, que lhe é dada ao representar certo objeto, de participar
da construção de uma forma de se entender o caso em um determinado contexto,
temos que:
Deste modo fica evidente que os jogos de linguagem sempre possuem em sua
natureza um fim para o qual se destinam os signos dentro do contexto determinado
para a análise. Ora, após termos afirmado que o contexto é demasiadamente
importante dentro dos jogos de linguagem, é chegada a hora de refletirmos acerca
desta questão. Por que a conjectura é tão importante na tese de Wittgenstein? Os jogos
de linguagem são aprendidos desde que começamos a adquirir a linguagem e tem por
função nos preparar para o uso da mesma. Mas o que determinará o padrão que será
seguido na análise é justamente onde está empregado o jogo de linguagem.
Neste exemplo supracitado, pode-se muito bem fazer uma análise acerca
da conjectura e mais ainda no que vale quanto ao que é frase e o que é palavra
simples. Se o construtor da situação está caminhando na rua e de repente pronuncia a
palavra lajota para algum transeunte que se encontra próximo a ele, esta pessoa não
irá compreender os motivos, ou os fins, que levaram o construtor a mencionar tal
palavra completamente descontextualizada. O jogo de linguagem estará sempre
relacionado a um fim, neste caso o de receber um objeto, e a um contexto, o da
construção. Sem o devido fim e o correspondente contexto, as palavras não possuirão
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qualquer sentido para quem está de fora da situação e não poderá compreender os
fins.
Capítulo II
Um estudo sobre a influência das regras do discurso e as sutilezas na
tradução
[...] “_What a funny watch!” she remarked. “It tells you the day of the month, but doesn‟t tell
what o‟clock it is!”
“Why should it?” muttered the Hatter. “Does your watch tell you what year it is?”
“Of course not,” Alice replied very readily: “but that‟s because it stays the same year for such a
long time together.”
“Which is the case with mine,” said the Hatter.
Alice felt dreadfully puzzled. The Hatter‟s remark seemed to her to have no sort of meaning in it,
and yet was certainly in English. […] (CARROL, 1992, 44)
Nossa tradução: “Que relógio engraçado!” Ela comentou. “Ele mostra o dia do
mês, mas não as horas!”
“Por que deveria? Respondeu o Chapeleiro. “O seu mostra que ano estamos?
“Claro que não,” Alice replicou prontamente: “mas é porque passamos muito
tempo no mesmo ano.”
A afirmação do Chapeleiro “não fez sentido algum para ela, mas estava
gramaticamente correta”. O que a deixou confusa, pois parecia ser um absurdo um
relógio que marcasse apenas o dia do mês e não as horas, todavia a explicação que
ela encontrou também não se faz tão verdadeira quanto à afirmação do Chapeleiro, de
forma que as justificativas de ambas são gramaticalmente corretas e desprovidas de
fundamento.
Podemos notar que a confusão de Alice se dá por causa do uso comum que
fazemos de relógios, todavia para o Chapeleiro este poderia funcionar como um
calendário. Entretanto, Alice bem familiarizada com a função convencionada de um
relógio toma a proposição do Chapeleiro como inverídica, entretanto fica consternada,
pois parecia correta, afinal estava gramaticalmente perfeita.
3
Repetimos aqui a citação: “onde há o homem há linguagem, mas a linguagem de nenhum modo é algo
já pronto, de antemão, uma espécie de destino, mas fruto da capacidade de criação e invenção
humanas.” (OLIVEIRA, 2006 p. 144)
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conhecido apenas um tipo de relógio, com a função de mostrar as horas e não dias ou
meses.
O relógio mostrar as horas e não os dias, ou talvez anos, é um fato comum aos
relógios conhecidos por Alice, ou seja, os relógios que a menina conhece têm por
característica principal mostrar as horas e nãos os dias, todavia o relógio do Chapeleiro
exibe uma característica diferenciada, ele mostra os dias e não as horas, sendo,
portanto um fator possivelmente excludente da qualidade de relógio na opinião de Alice,
“Sendo uma coisa, não pode ser outra. Também não pode ser simultaneamente (ao
mesmo tempo no mesmo aspecto) duas coisas. Não há meio termo: é ou não é.”
Aponta Assis, P. 40, ou falamos de um relógio de pulso, ao qual podemos inferir que
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mostrará as horas, como atividade principal, ou talvez de um relógio que também tenha
função de mostrar o dia, todavia, ainda que assim fosse este teria a obrigatoriedade de
cumprir o papel, que dê sentido, como o jogo de linguagem, onde algo tenha sentido
desde que as pessoas o entendam.
Pensando em termos claros, a gramática das cores tem por essência as relações
internas e externas entre pigmentos, também são provenientes de relações externas
entre pigmentos, raios luminosos ou processos de absorção através da retina que
deixam a mercê da investigação gramatical a um mero tratamento hipotético, dando
interesse aos princípios físicos, psicológicos ou até mesmo antropológicos.
Assim como os signos são passíveis de serem misturados para obter certo
resultado dentro de uma determinada conjectura, tal possibilidade é exemplificada no
texto de Silva (1999, p.44), o qual mostra como são formadas as cores conhecidas como
intermediárias:
Em suma, temos que dentro da gramática das cores, as misturas são possíveis,
porém, muito embora uma cor seja obtida por mistura feita com outras duas ou mais
cores, a nova coloração será diferente das outras ainda que possua algum padrão de
tonalidade.
Fist it marked out a race-course, in a sort of a circle, (“the exact shape didn’t matter”,
it said,) and then all the party were placed along the course, here and there. There
was no “One, two, three and away”, but they began to running when they liked, and
left off when they liked, so that it was not easy to know when the race was over.
However, when they had been running half an hour or so and wee quite dry again,
the Dodo suddenly called out “The race is over!”, and they all crowded round it
painting, and asking “But who has won?”
This is a question the Dodo could not answer without a great deal of thought, and it
stood for a long time with one finger pressed upon its forehead (the position in which
you usually see Shakespeare, in the pictures of him), while the rest waited in silence.
At least the Dodo said “Everybody has won, and all must have prizes.”
Lewis Carrol – Alice in Wonderland (1992, p. 17)
torna sem sentido, pois se todos ganham, não há um ranking de vencedores, isso quer
dizer também que ninguém venceu. A frase todos ganharam, ou ninguém ganhou,
mesmo significando coisas distintas querem dizer a mesma coisa nesse contexto, visto
que não houve um vencedor legítimo.
A frase: todos ganharam, de acordo com a lógica clássica (cf. ALVES, 2003, p.
51) é uma frase tipo A universal afirmativa, a universal negativa correspondente seria
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ninguém ganhou, tipo B, o fato de todos serem ganhadores exclui a ordem de vitória,
exclui o primeiro ganhador, “universaliza-se” o sujeito, dessa maneira negando o
princípio da competição, que em si estabelece uma ordem entre os competidores, para
se saber quem ganhou, pois alguém teria que ganhar, logo, com alguém ganhando, ter-
se-ia uma frase particular afirmativa, visto que nesta competição não seria possível a
eleição de um ganhador se todos ganharam, da mesma forma que é inválida a
afirmação que ninguém ganhou.
Assim, como na corrida de comitê as regras não estão colocadas de forma clara
e definida, a comunicação se torna parca, tornando muito difícil o entendimento e, com
isso, a noção da forma como a brincadeira se desenrola fica destruída, deixando os
objetivos obscuros, causando prejuízo na forma de como convencionar as palavras,
tornando esfumaçado e falho o entendimento do jogo de linguagem aos envolvidos.
Capítulo III
Alice diz não
3.1 Fonética
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http://dictionary.reference.com/browse/heart
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(hahrd)5, pois a pronúncia das duas palavras é similar, e somada a essa semelhança
fonética a Rainha é uma verdadeira tirana histérica, que ameaça seus súditos com
pena de serem decapitados a todo momento. Essa ambigüidade nos parece ser
intencional, inspirada na personalidade da Rainha.
De acordo com Oliveira (2006, p. 141) “as expressões lingüísticas tem sentido
porque há hábitos determinados de manejar com elas, que intersubjetivamente são
válidos”, no caso da tirana em questão, podemos dizer que ela usava a expressão
cortem-lhe a cabeça como uma forma de encerrar um assunto e não necessariamente
como uma sentença de morte.
Entretanto, esse hábito seria na realidade um jogo, pois é sabido que seus
súditos não a obedeciam, os prisioneiros eram soltos, pelo Rei, momentos depois de
serem presos (CARROL, 1992, p. 59). Fato tal que afirma como o hábito de decapitar
pessoas era apenas uma forma de encerrar o assunto sem dar a devida importância.
5
http://dictionary.reference.com/browse/hard
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Existem vários tipos de falácias, e não é nossa intenção discorrer sobre elas,
mas apenas esmiuçar esse trecho. Pois bem, podemos concluir que a intenção da
Rainha é ser temida, e assim encerrar o assunto sem maiores discussões ou
explanações a respeito de suas razões, por causa disso, a nobre apela para seu poder
e força para impor seus veredictos, Argumentum ad Baculum, pois para ela o poder que
possui é o que define seus direitos. E a resposta de Alice vem da mesma forma,
resultando em seu tamanho voltar ao normal, sendo este bem maior que o da Rainha, a
menina a interpela questionando a legitimidade de seu poder. Vejamos os argumentos
apresentados na tradução abaixo:
“Coisa sem sentido!” disse Alice em erguendo a voz. “A idéia de ter a sentença
primeiro!”
“Tirem sua cabeça!” a Rainha berrou ao máximo que de sua voz. Ninguém se
moveu.
“Quem se importa com você?” Disse Alice (ela já havia crescido ao seu tamanho
normal) “Você não é nada além de um baralho de cartas!”
Como diremos que isso se chama? Que infortúnio é esse? Que vício, ou
antes, que vício infeliz ver um número infinito de pessoas não obedecer
mas servir, não serem governadas mas tiranizadas, não tendo nem bens,
nem parentes, mulheres nem crianças, nem sua própria vida que lhes
pertença; aturando os roubos, os deboches, as crueldades, não de um
exército, de um campo bárbaro contra o qual seria preciso despender seu
sangue e sua vida futura, mas de um só; não de um Hércules nem de um
Sansão, mas de um só homenzinho, no mais das vezes o mais covarde e
feminino da nação, não acostumado à pólvora das batalhas mas com
muito custo à areia dos torneios, incapaz de comandar os homens pela
força mas acanhado para servir vilmente à menor mulherzinha. (LA
BOIETIE, 2009, p. 2)
3.2 Os nomes
Quando designamos uma coisa, determinamos seu nome e o uso que daremos a
esta coisa, esta tem uma utilidade e assim convencionamos seu uso no grupo social
que fazemos parte de modo que cada qual desde que lhe seja ensinado saiba como
fazer uso do mesmo.
Dessa forma, podemos entender que as palavras têm uma organização para que
seu significado seja universal6, assim são designadas a significarem uma coisa e não
outra, e os pertencentes ao grupo social do qual determinada palavra pertence
necessariamente compartilham da designação, nome das coisas, seus usos.
3.3 Significado
6
Queremos dizer, de conhecimento comum para um determinado grupo de indivíduos.
26
Não há um objeto que possa ser tomado como essência para dar
garantia da veracidade de um signo, o que há de fato é o
reconhecimento deste signo por parte dos falantes nas circunstâncias
possíveis. (OLIVEIRA, 2006, p. 55)
O argumento de Alice afirma que ela diz o que pretende dizer, enquanto a Lebre
discorda, e demonstra à mocinha que seu argumento deriva de afirmações sem
equivalências, uma equivocação, porque dizer o que se pretende, é falar a respeito de
um plano, é diferente de querer dizer o que se disse, que é justificar como intencional
determinada afirmação, um jogo de palavras que confunde o entendimento. Esta teoria
é colocada a prova quando a Lebre de Março exemplifica outras situações onde inverter
os termos de uma proposição altera o sentido da frase.
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“Then you should say what you mean,” the March Hare went on.
“I do,” Alice hastily replied; “at least - at least I mean what I say – that‟s the same thing, you know.”
“Not the same thing a bit!” said the Hatter. “Why, you might just as well say that I eat what I see!”
“You might just as well say, “added the Dormouse, which seemed to be talking in its sleep, “that I breath
whem I sleep‟ is the same thing as „ I sleep when I breathe‟!” (CARROL, 1992, p. 44)
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O emprego certo das palavras é o que faz com que a comunicação seja fecunda
no processo lingüístico, o uso correto dos termos e a concordância com os costumes da
comunidade lingüística é o que tornam a comunicação possível e válida.
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Conclusão
Pensamos ser de suma importância para essa conclusão afirmar que sendo a
linguagem em si algo em constante mudança, existem reguladores de seu sentido, que
a fazem coesa e assim, tornam possível a sua intelecção e universalização, sendo um
destes a gramática, o conjunto de regras que condicionam a linguagem para que haja
um molde e assim ela possua certo sentido, determinada intenção. Da mesma forma
que em nosso contrato social temos regras que condicionam nosso comportamento,
assim, vimos que a linguagem não é apenas uma facilitadora de conhecimento, uma
ferramenta.
Referências
CARROL, Lewis. Alice no país das maravilhas. 3. ed. São Paulo: Summus, 1980.
CARROL, Lewis. Lewis carrol: the complete illustrated works. New York: Gramercy
Books, 1992.
LOCKE, John. Ensaio acerca do entendimento humano. Editora Nova Cultural, São
Paulo: 1999.
SILVA, João Carlos Salles Pires. A gramática das cores em Wittgenstein. Campinas:
Universidade de Campinas, 1999.