SOS Mata Atlântica: A Questão Ambiental Na Perspectiva Da Era Do Conhecimento.
SOS Mata Atlântica: A Questão Ambiental Na Perspectiva Da Era Do Conhecimento.
SOS Mata Atlântica: A Questão Ambiental Na Perspectiva Da Era Do Conhecimento.
Nós tínhamos turma de rua, que tinha gente de classe média como a
gente e tinha também menino de rua. Enfim, uma vida ainda de
brincar em terreno baldio, um monte de primos meus moravam
muito perto da gente. Eu tenho uma lembrança muito prazerosa da
minha relação com a cidade quando era menino.
Essa lei que obriga cursar uma faculdade de jornalismo para poder
exercer a profissão é anterior à minha formação. Sou jornalista
comissionado. Minha carteira de trabalho é de jornalista.
Fui fazer História pensando em ser jornalista. Acho que um país, para
ter um compromisso com ele próprio, precisa ter um entendimento
muito forte do seu passado e do seu presente. A cidadania começa
com isso, senão você não tem futuro. E de certa forma o jornalismo é
a História do dia a dia, o primeiro registro. Acho que tinha tudo a ver
fazer História com o objetivo de ser jornalista.
P/1- E como que foi nessa época, que você estava na USP
fazendo História? Como que era esse período?
R- Foi um período também divertido. Entrei na faculdade em meados
dos anos 70. Não peguei os anos mais tensos, já havia um processo
de abertura do governo militar.
Meu plano de vôo era ficar sete a dez anos dentro de uma redação,
participar de todos os processos - repórter, copidescagem, edição,
trabalhar em diversas editorias - e a partir de sete, oito, dez anos,
me colocar como repórter especial. Meu sonho de infância era ser o
cronista dos confins, considerando que os confins podem estar numa
esquina de São Paulo ou num cantão da Amazônia, ou no Oriente
Médio, no Alaska, o que seja. Era esse o meu plano de vôo.
Por uma série de circunstancias no meu processo de vida rpofissional,
acabei - depois de 12 anos trabalhando na redação e estando com
uma carreira de jornalista ascendente e despontando para o público -
abandonando a carreira de jornalista para empreender dentro da S/A
“O Estado de S Paulo”.
Fiz bem a minha lição de casa... (risos) Fui visto e entendido como
profissional; depois desse período de um ano, um ano e pouco na
separação de telegramas, comecei a trabalhar como copydesk da
editoria internacional. O Jornal da Tarde usava muito a copidescagem
para construção de matérias. De matérias elaboradas, não era
simplesmente pentear os telegramas das agências internacionais,
como de uma forma geral se faz hoje. Depois, trabalhei como
repórter, trabalhei como sub-editor, trabalhei como editor, trabalhei
em quatro, cinco seções do jornal, fiz coberturas internacionais,
cobertura de guerra e fiz também coberturas aqui em problemas de
ocupação de terras.
Na época eu estava com 20 e poucos anos. O Sul da Amazônia estava
no início do processo de ocupação. O litoral norte de São Paulo e todo
o litoral Sul também estava nesta situação. A pressão de ocupação
começou no final dos anos 70 com a construção da BR-101. Até os
anos 70 o litoral Norte de São Paulo era habitado pelas comunidades
tradicionais, que foram expulsas depois com o processo da BR-101.
Depois disso meu pai comprou um barco, que ele usava muito. Passei
dos meus 11 anos aos 18 descendo todo o fim de semana para o
Guarujá, na sexta-feira, e saindo, indo para os Alcatrazes, para
Queimada, para as ilhas, o Montão de Trigo, a Lage de Santos ou
para Ilha Bela, indo para o mar com este barco. Quando tinha
feriado, a gente fazia viagens mais longas, no verão íamos para o
Rio, para os Abrolhos no Sul da Bahia; enfim, conheci esse litoral
ainda não atacado.
Tive uma relação muito forte, durante todo esse período, com as
comunidades caiçaras dessas regiões, principalmente na região de
Cananéia, Iguape e Paranaguá. Mas também em Ilha Bela, nas praias
do Litoral Norte, também em Angra dos Reis. E depois comecei a
assistir a depredação.
Agora, O Estado sempre teve uma preocupação muito forte com a
questão ambiental. Meu avô, em reportagens no início do século
passado, começou trabalhando no jornal fazendo uma matéria sobre
a necessidade de São Paulo ter Hortos Florestais em função da
pressão que estava tendo sobre as florestas paulistas por causa das
ferrovias e o processo de ocupação do Estado - mas inicialmente
eram as ferrovias.
A casa dele ficava no fundo da baia, na foz do Rio Real, que era um
rio importante da Ilha de Superagüi, um dos rios mais importantes da
Ilha de Superagüi. Morava numa casa de pau roliço, protegida do
vento sul por um morro. Acabei ficando amigo dele. E passava 15 a
20 dias por ano na casa dele, até que fui estudar em Paris.
Fui a cada uma das vilas conversar com as lideranças delas e estava
todo mundo desesperado. Os caras tinham cercado as vilas com
arame farpado, tinham fechado o acesso para as roças que eles
tinham de mandioca, e estavam soltando búfalo na área. Foi neste
processo de cobertura do que estava acontecendo ali no litoral - o
litoral do Paraná tem cerca de 90 kms e essa empresa tinha grilado
cerca de 60 km dos 90 – que comecei a me envolver com o
movimento ambientalista.
P/2- Juréia.
R- Juréia. Em função da resistência para que a usina não fosse feita
ali houve uma articulação, que era a base deste grupo. Você tinha
também o João Paulo Capobianco, o Born, o grupo agora não estou
me lembrando exatamente o nome deles.
Se não me engano ele teve 48 mil votos, alguma coisa por aí, e foi
eleito. E ele que era para ser o presidente da SOS. Daí a SOS, que
ainda era uma entidade só com registro e estatuto, enfim os
primeiros passos, ficou órfã.
Foi em seguida a isso que o João Carlos foi para os Estados Unidos,
onde ele fez estágio em diversas entidades não governamentais da
área ambiental para estudar, acompanhar como era o processo deles
de captação e entrou com este projeto. Quer dizer, criou condições
para a gente lançar um projeto amplo na Fundação MacArhtur. E
assim foi.
Naquela época, ninguém falava em sociedade civil; não era uma coisa
carne de vaca como é hoje. Era participar de articulação de uma
entidade que tinha como função também articular a sociedade civil e
ser intermediário da sociedade civil em relação às suas aspirações, às
suas preocupações, e o poder público. A entidade era uma
alavancadora. Ela tinha uma preocupação em você também
conscientizar o empresariado, mas mais do que tudo ela era uma
intermediária entre as questões ambientais, o público e o poder
público.
São ilhas, ilhas de mangue, e não tinha barco para os caras saírem,
se quisessem. Eles estavam em condições de trabalho quase de semi-
escravidão. Nós acabamos levando a polícia do Paraná para lá e essa
turma saiu toda. A coisa foi indo, levantamos essa rasura da sessão
da Câmara de Guaraqueçaba de 1948, que teria dado as terras para
eles ou para alguém que teria repassado para eles - o papel original
vinha dali - quer dizer, havia montado um quadro, que havia uma
pressão, havia uma articulação muito grande para eles saírem.
Quer dizer, não dava para você vir com caricatura para cima de nós.
E quando nós íamos para os debates públicos, íamos preparados e
desde o início nos colocamos dentro do mundo empresarial como um
canal de conscientização responsável. Fomos até criticados por
segmentos do movimento ambientalista, dizendo que “era uma
entidade empresarial”. Não era uma entidade empresarial; era uma
entidade nos seus primeiros anos de vida, seis, sete anos
eminentemente políticos.
Nós fizemos bem a lição de casa. Teve momentos assim de você ter
reuniões com o empresariado em Iguape, que eram reuniões
tremendamente tensas; era compreensível a reação deles, porque
tradicionalmente a economia do sujeito era aquela e ele não parava
nem um minuto para fazer uma reflexão se havia outros caminhos,
turismo, por exemplo, ou atividades sustentáveis. Mesmo neste
sentido nós acabamos ganhando essas comunidades.
Mas avançamos, antes não tinha nada. Essa estrutura que a gente
tem hoje e essa estrutura têm a sua dinâmica, enfim, de trabalhar
para ganhar efetividade. Acho isso, acho que a questão ambiental
hoje está inserida na agenda do Brasil e na agenda mundial. Não há
dia que alguma questão ambiental não é abordada nos jornais e que
isso de alguma forma esteja andando.
Agora o mundo é complexo, enredado, as coisas não mudam na
velocidade que a gente gostaria que mudasse. Hoje trabalho com
redes de colaboração, conhecimento e negócios (o depoimento foi
dado em 2004); não considero a infraestrutura da internet um meio
para você organizar e distribuir a informação. Considero a Internet
uma nova infraestrutura e que, para mim, é um conjunto de redes de
colaboração, conhecimento e negócios. Agora a Internet, essa
infraestrutura, ela está ainda na sua primeira infância, ela está ainda
de calças curtas.
Para isso, fiz um projeto junto com o Eduardo Evaristo Miranda, que
é o criador do Centro de Monitoramento por Satélite da Embrapa, e o
Cirad, que é o equivalente da Embrapa na França – financiado pelo
Grupo Unip, o Objetivo, do João Carlo Di Genio, que patrocinou e deu
infraestrutura para realizarmos o projeto. Imagens de satélite, vôos
de avião e expedições de campo. Ficamos um ano trabalhando sobre
a Bacia do Rio Demene, afluente do Rio Negro, para mostrar como
essa tecnologia de satélite, ajudava, contribuía no processo de
zoneamento de uma região.
Agora, tenho sempre a esperança que esse mundo novo que está
surgindo - que é muito incipiente ainda e muito mal entendido pelo
público em geral porque a própria imprensa não tem base de
conhecimento pra cobrir o que está acontecendo – crie novas
dinâmicas para que a ocupação da Amazônia passe a ser mais
inteligente.
A rede, esta nova infraestrutura que era impensável até 20, 30 anos
atrás, vai permitir níveis de articulação da sociedade inimagináveis há
muito poucos anos. E vai também fomentar a criação de negócios
com outras características dos de hoje, um mundo muito mais
cooperado e colaborado do que existe hoje. Quer dizer, a internet
tem esse grande fator, ela é uma tecnologia que fomenta a
possibilidade de colaboração, de compartilhamento. É um substrato
que fomenta as possibilidades de empreendedorismo econômico e
também empreendedorismo cultural, educacional, de forma
colaborada, compartilhada. Isso vai gerar impactos no processo
acadêmico, no processo de criação, em todos os processos de
atividade humana.
Por isso, o processo de formação da opinião pública vai ser uma coisa
muito mais autônomo, complexo e sofisticado do que hoje. E as
empresas jornalísticas não vão existir como as entendemos hoje.
As empresas jornalísticas são frutos do processo industrial. Elas
surgiram no Renascimento e Iluminismo, mas os jornais no século
XVII eram panfletos de vida efêmera; uma reação da burguesia ao
monopólio da Igreja e do poder absolutista em relação à informação.
Quando Gutenberg inventa a imprens, libera o conhecimento para
todo mundo, aquilo que era um privilégio do poder, guardado a sete
chaves nos mosteiros, se torna público. E a possibilidade de você ser
um publicador passa a ser acessível para as pessoas comuns da
época.
A questão é você ter consciência de que você não tem direito de vida
ou morte no espaço que você vive; você tem compromissos com o
que virá depois.
P/1- Você gostaria de falar alguma coisa que eu não
perguntei?
R- Provavelmente gostaria, mas não me lembro (risos).