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Rene Guenon

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O homem e a sua lanterna

REN GUNON

O MESTRE DA
TRADIO CONTRA O
REINO
DA DETURPAO
Olavo de Carvalho [1]
Revista Planeta, # 107, agosto de 1981
No comeo do sculo a obra de Gunon sacudia os
alicerces da
cultura ocidental, movendo um ataque macio cincia e
filosofia modernas,
em nome da Tradio a corrente de ensinamento
metafsico da qual
nasceram todas as religies e formas espirituais do
mundo. No prprio
Oriente, depsito intocado da Tradio, Gunon foi
reconhecido como
o grande sufi (na opinio de Rmana Maharshi),
venervel lama do
Ocidente (segundo a fraternidade budista que editou a
traduo de seus
livros). Mas, no Brasil, seu trabalho ainda praticamente
desconhecido.

estranho que, nos ambientes e nos debates


espiritualistas, no Brasil, quase nunca se escute pronunciar
o nome de Ren Gunon. No entanto, basta um primeiro
contato com esse autor para verificar que nenhuma
abordagem de assuntos esotricos ou simplesmente
religiosos, no sculo vinte, pode ter qualquer pretenso
seriedade sem ter passado por um confronto com a sua obra.

Claro, essa obra tem caracteres to especiais que a


dificuldade de classific-la e portanto de entender suas
verdadeiras intenes pode afastar mesmo os mais
honestos leitores.
No entanto, j passou o tempo em que Gunon constitua
uma solitria exceo, um baluarte do pensamento
tradicional resistindo, isolado, s tormentas de um Ocidente
moderno que j falava outra lngua e no queria entender a
sua. Se Gunon no deixou discpulos, inaugurou, no entanto,
e fecundou com sua influncia espiritual, toda uma atmosfera
intelectual onde floresceram (para nos atermos ao aspecto
puramente quantitativo dessa influncia, aspecto que num
esprito verdadeiramente gunoniano seria o ltimo e mais
desprezvel) dezenas de estudiosos de cincias tradicionais,
livros da melhor qualidade sobre as formas esotricas das
mltiplas tradies espirituais, congressos e debates, e pelo
menos duas revistas especializadas: tudes Traditionelles, na
Frana, e Studies in the Comparative Religion, na Inglaterra.

Retrato de Ren Gunon, executado por Pierre Laffile.


Por isso talvez seja mais fcil hoje em dia falar dele, embora,
na misria intelectual brasileira, essa facilidade criada pela

difuso da sua obra em todo o mundo seja mais do que


relativa.

Simples e rijo,
como um diamante
O mais surpreendente na obra de Gunon que ela no se
apresenta como um pensamento pessoal, que pudssemos
comparar com as demais correntes e pensamentos do nosso
tempo, mas como uma simples transcrio, impessoal e
desinteressada, da Verdade eterna e imutvel, una e
contnua, que sob, formas variadas na aparncia, se expressa
nas tradies espirituais de todos os povos e lugares desde
que o mundo mundo.
O contraste chocante para o leitor: de um lado, a
humildade de quem no tem nenhuma pretenso a ser
original numa poca onde esta parece ser a preocupao
maior de cada intelectual, e que no apenas reconhece como
enfatiza seu dbito para com tradies de ensino vrias vezes
milenares; de outro lado, a arrogncia intolervel de que, no
expondo uma simples opinio ou hiptese, mas nada menos
que a Verdade, exige mais do que um primeiro assentimento:
exige a submisso integral.
Essa primeira impresso, por desagradvel que seja, pareceme antes til do que prejudicial compreenso dos textos,
com a condio, entretanto, de que nenhum dos termos
venha mais tarde a ser esquecido, isto , de que movido por
uma reao emocional qualquer, o leitor no venha a
enfatizar nem a impessoalidade humilde do homem, nem a
rigidez dogmtica dos textos, pois so termos que se
complementam e se explicam solidariamente. Esquecidos
disso, os inimigos de Gunon embriagaram-se em
especulaes sobre o seu orgulho intelectual, o que seria
legtimo somente no caso de ele alegar a posse pessoal da
Verdade e assumir a defesa da sua doutrina, coisa que ele
jamais fez.
Ren-Marie Joseph Gunon nasceu em Blois, Frana a 15 de
novembro de 1886. O nome traz a marca da devoo

ancestral Virgem e a S. Jos, e a famlia, constituda de


viticultores, era de uma regio que produz alguns dos
melhores vinhos da Frana. O personagem, entretanto,
terminar a vida no Cairo, casado com a filha de um xeque e
tendo adotado todos os costumes muulmanos (inclusive a
proibio de tomar vinho), aps ter-se tornado famoso como
expositor de doutrinas hindus e ter acabado de editar seu
ltimo e grande livro, A Grande Trade, sobre a doutrina
taosta.

George Ivanovich Gurdjieff: como Gunon, um ocultista


muito respeitado.

Trnsito livre em
todas as escolas
A vida de certo modo, personifica a unidade transcendente
das religies (ttulo de um livro de F. Schuon), pois se h
algo que caracteriza o esforo gunoniano como um todo a
defesa de uma Tradio, de uma Verdade nica que, no plano
da doutrina metafsica, estabelece a unidade de todas as
manifestaes espirituais particulares, de todas as pocas e
culturas. Nesse sentido ele pde, por exemplo, tornar-se
muulmano enquanto declarava a superioridade da tradio
hindusta (mais prxima, segundo ele, da Tradio

primordial), e defender as doutrinas orientais enquanto


propunha que, para o Ocidente, s havia um caminho
legtimo, o retorno Igreja Catlica.

Aqui no Egito, Gunon resolveu adotar o nome de AbdelWhed Yahia.


Note-se que essa possibilidade de transitar livremente de
uma Tradio a outra , hoje como sempre, apangio
exclusivo dos grandes Mestres espirituais, que s conseguem
faz-lo por ter absorvido integralmente a ortodoxia de cada
tradio, nada tendo isso a ver com certas misturas e
sincretismos os quais, no sculo passado, propuseram uma
religio universal que no era mais do que uma pasta que
fundia e descaracterizava todas as tradies particulares,
sem lograr com isso nenhuma unidade verdadeira.
A vida de Gunon pode ser resumida em poucas linhas. Aps
estudos primrios e secundrios brilhantes, perturbados
apenas pela sade instvel, fez o curso superior de
matemtica, durante o qual aproximou-se de grupos de
estudos ocultistas, liderados pelo famoso Papus. No
demorou a desligar-se deles, por perceber a inconsistncia
de suas doutrinas e a ausncia de qualquer vnculo
verdadeiro com uma Tradio inicial. Teve, em seguida, a
felicidade de ligar-se a fontes legtimas das tradies

espirituais orientais, em particular a hindu, a taosta e a


islmica (sufismo), das quais seus livros representaram e
representam, at hoje, a primeira e melhor exposio em
lngua ocidental.

Contra o ocultismo
e o materialismo
A luta de Gunon pela difuso da Tradio primordial no
Ocidente tinha em vista o mesmo objetivo
contemporaneamente propugnado, no Oriente, pelo grande
mestre islmico Ahmed El-Alawi, descendente do profeta
Maom: estabelecer uma frente nica de todas as tradies
espirituais ortodoxas contra os dois inimigos comuns: o
materialismo e o ocultismo. Tais esforos no objetivavam
uma influncia direta nem na cultura nem na sociedade, mas
apenas atingir um certo nmero de pessoas, especialmente
qualificadas, que conservando o conhecimento da Tradio,
pudessem servir de ponte para a construo de um novo
mundo aps a liquidao final do presente ciclo histrico, que
todas as tradies mundiais (da China aos indgenas
americanos) assinalam para o nosso tempo.
Evidentemente, tais esforos chocaram-se contra todas as
tendncias de disperso e fragmentao, as quais, buscando
cada qual sua afirmao individual, rejeitavam toda tentativa
de unio sob a gide de uma Tradio primordial comum.
Assim, Gunon conseguiu, de modo simultneo, fazer adeptos
e despertar conscincia dentro de cada uma das tradies
existentes (no catolicismo, alguns de seus livros foram
publicados com o nihil obstat cardinalcio, e no Oriente ele
hoje reconhecido como um grande renovador dos estudos
islmicos e hindustas), como tambm, em contrapartida,
conseguiu ganhar a inimizade, freqentemente feroz, de
alguns representantes dessas mesmas tradies, que
preferiam insistir na superioridade dos seus pontos de vista
particulares contra a raiz comum da espiritualidade humana.
Isso, no que diz respeito aos representantes de
tradies legtimas, como o acatolicismo e o islamismo.
Quanto aos adeptos de correntes ocultistas de improviso,

bastante disseminadas no nosso tempo, estes voltaram-se


contra eles das maneiras mais desleais e violentas. Houve
inclusive tentativas de fazer seus livros desaparecerem do
mercado, e ameaas diretas a seus editores.
Tudo isso acaba por lev-lo a uma situao de quase total
isolamento no panorama cultural europeu. Na dcada de 30
ele parte para o Egito, onde, acredita, os traos vivos de uma
civilizao tradicional lhe permitiriam viver segundo os
princpios que foram a base da sua vida e da sua obra, sem
defrontar-se com os obstculos que a civilizao moderna lhe
ope.

O difcil caminho em
busca da coerncia
No Egito, Gunon adota o nome rabe Abdel-Whed Yahia
(Joo, servidor dO nico) e casa-se com a filha de um
xeque (mestre espiritual), com a qual veio a ter quatro filhos.
Nesse perodo continuou escrevendo artigos, em rabe e em
francs datando da alguns de seus trabalhos mais
importantes, como Le Rgne da la Quantit. Respeitado e
temido, ele raramente foi e raramente lido de maneira
compreensiva, responsvel e desde dentro. Uma idia da
temerosa distncia que dele manteve a intelectualidade
europia do seu tempo dada pela reao de Andr Gide:
Se Gunon tem razo, ento toda a minha obra cai por
terra. Quando lhe perguntaram por que, ento, no
reformava suas posies. Gide confessou: O que Gunon diz
irrefutvel, mas eu j estou velho demais para recomear.
Longe da hostilidade europia, Gunon morreu no Cairo, na
lua nova de 7 de janeiro de 1951. Suas ltimas palavras, ditas
esposa Fatma na manh desse dia, foram:
No te inquietes. Eu no te deixarei. Vs no me vereis,
mas eu estarei aqui, e eu vos verei. Agora, quando uma das
crianas no sensata seja a pequena Khadidja, de tranas
castanhas, ou Leila, a menorzinha, loirinha de olhos azuis, ou
o pequeno Ahmed, que no tem dois anos , a me lhe diz:

Como ousas chorar sob o olhar de teu pai? E a criana se


cala em presena do Invisvel.
Essa foi sua ltima frase, mas no sua ltima palavra. No
instante derradeiro, Gunon disse claramente: Allah!
(Deus!)
No entanto, a declarao esposa parece altamente
significativa, e s a m-vontade de seus crticos e bigrafos
justifica que no a tenham levado em conta para explicar
algo do comportamento externo de Gunon. Proferida in
articulo mortis, por que no poderia ser tomada como uma
derradeira reafirmao dos princpios que, tendo orientado
sua vida, deveriam servir tambm para nortear a famlia aps
a perda do pai, e os amigos e admiradores aps a morte do
mestre? Por que no poderamos considerar o prprio
Gunon como a criana que, por respeito ao Invisvel,
reprime a expresso da pura emoo pessoal e se anula como
indivduo, para no macular a realizao suprema da entrega
ao Absoluto?
Nesse sentido, no se entende como at um crtico
compreensivo como Paul Srant (Ren Gunon, Paris, Le
Courrier du Livre, 1977) tenha julgado que ao homem, como
obra, faltava sem dvida alguma coisa. Que coisa? Talvez
esse privilgio que consagra a vitria do Esprito... esse
privilgio ao qual a tradio ocidental deu, de uma vez para
sempre, o nome de santidade.
Pois talvez no haja outra palavra para caracteriz-lo, seno
a de Rama Maharshi, para quem Gunon era the great Sufi.
Rmana, a quem ningum negar a condio de santo, usava
a linguagem da Tradio, e nesta, o termo suf no
empregado para designar aquele que tenha qualquer
ligao em qualquer nvel com uma certa corrente esotrica,
mas unicamente aquele que alcanou o supremo grau da
realizao espiritual, conhecido na Tradio hindu como a
Unio ou a Libertao.
No estou canonizando Gunon por conta prpria, mas uma
vida que, em recompensa da anulao do indivduo a servio
da Verdade, encontra apenas a incompreenso, a perseguio

e, para cmulo, a acusao de orgulho, coroa-se de uma


certa aura que impe silncio e respeito, mesmo a seus
adversrios.

Combate ao esprito
de negao e revolta
Se a vida tem a simplicidade linear daquele que serve a um
nico Senhor, a obra, apesar da imensa variedade de temas,
enfoques e nveis de abordagem, tem no entanto uma
estrutura igualmente simples. Toda ela articula-se em torno
de dois temas bsicos: ensinar a Verdade, combater o erro.
A Verdade o ncleo de princpios metafsicos, eternos e
imutveis, o qual permanece intacto atravs das mltiplas e
diferentes tradies espirituais que, com smbolos, ritos e
expresses diversas, constituem apenas os vrios rgos do
corpo histrico de uma Tradio supra-histrica. Essa
Tradio tem por origem o Absoluto mesmo, e como meta a
conservao da unidade e da verdade -- atravs da
multiplicidade da histria humana.
O erro a pretenso de cada parte no sentido de construir
por si mesma o Todo, e a ambio de cada verdade relativa
no sentido de tornar-se por si mesma o Absoluto. O erro tanto
pode provir de uma forma religiosa qualquer que,
esquecendo sua origem na Tradio comum, se erige
arbitrariamente em norma e parmetro de todas as outras,
quanto de uma civilizao em particular que, no
reconhecendo seus limites, impe seus prprios smbolos e
regras a homens de outra constituio psquica e espiritual,
ou ainda, o que pior de tudo, pode provir de um simples
indivduo que absolutize suas prprias teorias e suas
preferncias pessoais.

Reunio da Ordem da Estrela do Oriente: Besant,


Krishnamurti. Coerente?
Talvez a amostra mais contundente da coerncia da obra
gunoniana seja o fato de que, no seu primeiro artigo,
publicado em 1909 (O Demiurgo), Gunon j tenha
definido, de maneira taxativa, tanto sua posio quanto a do
adversrio: da at sua morte, em 1951, Gunon
permanecer, sem nenhuma alterao doutrinrias o
defensor da Unidade contra o esprito de negao e de
revolta da parte contra o todo e do relativo contra o
Absoluto, o qual esprito, personificado, recebe nas tradies
semticas o nome de Shatan, Shaitan ou Sat, termos que
querem dizer, precisamente, o Adversrio.
Como, num plano de totalidade metafsica, o adversrio no
tem nenhuma realidade, mas se revolve apenas numa viso
parcial que aspira a ser total, o trabalho do defensor da
Unidade consistir precisamente em jamais descer ao nvel
de particularidade, que o poria merc do inimigo, mas aterse ao plano da Doutrina metafsica, e reabsorver nele todos
os golpes e ameaas, restituindo-lhes a fisionomia que de
direito lhes pertence: a fisionomia do nada.
Assim, por exemplo, ao combater o moralismo sentimental
e religioso dos ocidentais que os impede de compreender as
doutrinas metafsicas orientais no seu devido plano ele no
o ataca: anula-o, mostrando como representa apenas um

reflexo longnquo, parcial e limitado das mesmas verdades


metafsicas contra as quais esse moralismo se volta.

Potente renovador
dos estudos
econmicos
Foi o que ele fez, ao mostrar aos arautos da civilizao
crist ocidental que os preceitos ticos, em nome dos
quais pretendiam civilizar o Oriente brbaro, no eram
seno o eco histrico distante de velhssimas doutrinas
orientais, cujo sentido intelectual se perdera no Ocidente,
deixando apenas um rano sentimental substitutivo.
Assim ele fez, tambm, com a moderna cincia ocidental, ao
mostrar que muitas de suas teorias no passam de velhas
verdades metafsicas mal compreendidas e distorcidas pelo
tempo. Por exemplo, ao mostrar que o sistema de numerao
binria, que seu inventor, Leibniz, pretendia constituir a
chave (finalmente descoberta!) dos hexagramas chineses do I
Ching no passava de um aspecto secundrio e contingente
dentro de um texto sagrado cujas verdadeiras dimenses
nem Leibniz nem todos os seus contemporneos ocidentais
estavam em condies de imaginar.
Tal ele fez tambm ao mostrar como o atual progresso
econmico do qual o Ocidente se orgulha, e em nome do
qual invade, saqueia e descaracteriza outras civilizaes, no
passa de um processo de quantifcao crescente, que os
antigos textos vdicos j previam, milnios atrs, como o
auge da desqualificao e da decadncia.
Gunon conhece, compreende e exalta cada tradio em
particular, incluindo as religies, e s vezes as expe com
uma retido tanto ou mais ortodoxa do que conseguiriam
seus representantes oficiais. Mas, to logo o representante
de uma religio ou de uma corrente esotrica pretendesse
realar sua superioridade perante as demais, Gunon
virava o disco, para mostrar a dependncia dessa corrente
especfica em relao Tradio primordial.

Por isso, entre os representantes tanto das religies quanto


das sociedades esotricas, Gunon s obteve o apoio, velado
ou declarado, dos homens de inteligncia mais universal,
capazes de sobrepor o esprito, que vivifica, letra que
mata. Sua obra surge, assim, como um divisor de guas, e
por isso foi possvel v-lo, ora discutindo com os
representantes do oficialismo religioso (um Maritain, por
exemplo), em nome da Tradio, ora reconvertendo cristos,
muulmanos ou judeus modernizados, s suas tradies de
origem. No Isl, onde terminou seus dias ignorado pela
maioria dos representantes da religio oficial, ele hoje
reconhecido como um potente renovador dos estudos
islmicos. Mas pode-se dizer que os cristos ainda no
reconheceram sua imensa dvida para com uma obra capaz,
por si s, de dissolver todas as objees do mais
empedernido materialista cientfico e devolve-lo Igreja de
Cristo, por uma fora intelectual superior a toda confuso
dialtica do atesmo moderno.

Toques para uma


leitura de Gunon
Em torno desses dois temas verdade e erro , Gunon
estruturou seus textos em sete variaes bsicas, que
convm ao leitor ter em mente ao consultar os dezessete
volumes de sua obra publicada em vida, bem como os onze
volumes de obras pstumas:
1) O combate aos erros modernos, que a parte mais
facilmente acessvel de sua obra, por estar mais prxima das
preocupaes do intelectual de hoje, dividida em trs setores:
a) Crtica da cultura, da histria e da sociedade. Nesta parte
Gunon desfaz muitos mitos modernos, como o do progresso
material, o da liberdade civil, o do individualismo, o do
Ocidente. Tratam deste assunto livros como Oriente e
Ocidente, A Crise do Mundo Moderno e, principalmente, O
Reino da Quantidade e os Sinais dos Tempos;
b) Crtica da cincia e da filosofia modernas. Nesta parte
Gunon demonstra a inconsistncia intelectual das principais

tendncias do pensamento moderno, como o racionalismo, o


historicismo, o pragmatismo, etc. Por exemplo: Princpios do
Clculo Infnitesimal (1946);
c) Crtica da pseudo-espiritualidade. A maior parte das
correntes pretensamente esotricas da atualidade derivam
da decomposio e do desvio de correntes tradicionais e,
quando no resultam da ignorncia pura e simples, emanam
de uma tendncia deliberadamente contra-inicitica. Por
exemplo: LErreur Spirite (1973); Le Theosophisme (1921).
2 A exposio da doutrina tradicional, que a parte
essencial (da qual a anterior representa apenas o reflexo
inverso), abrange quatro preocupaes bsicas:
a) A exposio pura e simples da doutrina tradicional em si
mesma, independentemente das suas vrias expresses
particulares. Por exemplo: O Simbolismo da Cruz (1931); Os
Estados Mltiplos do Ser (1932);
b) A afirmao da existncia histrica da transmisso
inicitica que caracteriza a Tradio nica, ou seja, a
demonstrao da unidade da Tradio por cima das
tradies. Por exemplo:O Rei do Mundo (1927);
c) Estudos especficos sobre esta ou aquela tradio tomada
em particular (sem excluir, claro, comparaes com outras
tradies). Por exemplo: A Grande Trade (1946), sobre a
tradio chinesa; O Esoterismo de Dante (1975), sobre a
tradio crist;
d) Estudos particularizados sobre os smbolos, que so um
meio bsico de transmisso do ensinamento tradicional. Os
estudos nesse sentido esto disseminados por toda a obra
gunoniana, sobretudo em seus artigos de revistas, muitos
dos quais foram reunidos no livroSmbolos da Cincia
Sagrada (1962).
Muitos dos seus textos participam de vrios desses temas ao
mesmo tempo, e a mais notvel sntese de muitos planos de
abordagem, a meu ver, O Reino da Quantidade, onde todos
os temas se interpenetram em cada captulo, de maneira
majestosamente sinfnica, enquanto em A Metafsica

Oriental, por exemplo, apura e simples exposio da doutrina


oculta, nas entrelinhas de um discurso dos mais sbrios e
serenos, as mais explosivas condenaes ao mundo moderno.
Quero dizer que essa estruturao apenas uma das muitas
possveis para uma obra tremendamente complexa, mas que
ela basta para situar o leitor.
A obra de Gunon exige, naturalmente, certos cuidados de
quem vai abord-la, pois ela reverte de alto a baixo todas as
nossas noes sobre a histria, a cultura, os valores e a
verdade. Retirando-nos de um mundo de hipteses e teorias
vagas, ela nos remete ao corao vivo da Verdade, e por isso,
segundo diz meu professor Michel Veber (que estudou sob a
orientao pessoal de Gunon), essa obra pode constituir-se,
ela mesma, no centro da vida de quem se dispe a estud-la.
O QUE H PARA SE LER
Em portugus: A Crise do Mundo Moderno (Lisboa, Veja,
1977); O Esoterismo de Dante, seguido de So
Bernardo (Lisboa, Veja, 1978); O Rei do Mundo (Lisboa,
Mineva, 2 edio, 1978); A Metafsica Oriental, edio
comentada por Michel Veber (So Paulo, Escola Jpiter,
1981).
Das edies portuguesas, a traduo de O Rei do
Mundo deixa a desejar. A nica edio brasileira de A
Metafsica Oriental, mas em tiragem reuzida, fora do
mercado, s podendo ser obtida diretamente na Escola
Jpiter, ao preo de Cr$350. (Pessoas de outros Estados
interessadas em adquiri-lo devem remeter cheque de Cr$400,
j includas despesas de reembolso postal, em nome de
Escola Jpiter Promoes e Comrcio Ltda., Rua Raggio
Nbrega, 40, Jardim Paulistano, So Paulo, SP, 01441.)
No original francs, as obras de Ren Gunon, editadas em
parte pela Gallimard, em parte pelas ditions Veja, podem
ser adquiridas nas livrarias Horus, Fretin ou Zipak, em So
Paulo.

O AUTOR Olavo de Carvalho traduziu para o portugus a


nica obra de Gunon at hoje editada no Brasil (A
Metafsica Oriental, So Paulo, Edies Jpiter, 1981). Olavo,
jornalista e astrlogo, ainda diretor da Escola Jpiter, onde
tambm se realizou, no ms de abril, o primeiro curso sobre
a obra de Gunon dado no Brasil, cujo expositor foi Michel
Veber, artista plstico e professor de artes marciais, que
estudou sob a orientao pessoal do prprio Gunon.
[1]

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