Boletim Evoliano Nº 07
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Editorial
Por que te chamas estico? Assume o nome que convm aos teus actos, e no te
adornes do que te no convm que nada mais faz que desonrar-te. Por toda parte se me
antolham homens que enaltecem as mximas do estoicismo,
estoicismo mas no vejo esticos.
Mostra-me um estico, um apenas. Um estico, isto , um homem que na enfermidade
se ache ditoso,
ditoso que ditoso se ache no perigo, e ditoso tambm no meio do desprezo e da
calnia. Se no podes mostrar-me esse estico acabado e perfeito, mostra-me um que
comece a s-lo. Mostra-me um homem sempre em conformidade com a vontade divina,
divina
que jamais se queixe dos deuses, nem dos homens, que nunca veja frustrados os seus
desejos, que no seja lastimado por ningum, nem saiba o que inveja, clera, soberba;
que, com um corpo mortal, sustente um secreto comrcio com os deuses e que anseie
por despojardespojar-se da veste mortal e a eles unir-se em esprito.
- Epicteto (55-135 d.C.)
Decidimos neste nmero 7 do Boletim Evoliano, porque fomos presenteados com
um magnfico texto vindo de terras do Brasil e em exclusivo para a Legio Vertical, tratar
de um tema filosfico que nos caro: o Estoicismo.
De Epicteto, passando por Sneca at Marco Aurlio vamos fazer os nossos amigos
leitores reler essa tradicional sabedoria que colocava os seus adeptos em igual superioridade face ao seu destino. Relembramos uma das histrias que se d como verdadeira e atribuda a Epicteto (o escravo liberto) e que ter provocado uma mazela permanente na sua perna fazendo-o coxear: o seu dono, conhecedor do carcter de Epicteto e
querendo-o castigar por alguma falta, teria amarrado o escravo enquanto lhe torcia uma
perna. Epicteto disse-lhe: se continuas a fazer-me isso vais parti-la. E com mais fora o
dono torcia perante a estranha passividade do seu escravo. At que a perna partiu. Epicteto, demonstrando a mesma tranquilidade, disse: eu no te avisei que ia partir!
Dizia ele na (da) sua condio de escravo: A escravido do corpo obra da fortuna
(destino); a escravido da alma obra do vcio. Aquele que conserva a liberdade do
corpo, mas que tem a alma escrava, escravo ; mas aquele que conserva a alma livre,
goza de absoluta liberdade, mesmo que esteja acorrentado.
Analisando distncia a filosofia estica encontramos vrias similitudes com outros
padres religioso-filosficos como por exemplo o Budismo ou mesmo o Cristianismo, do
qual se diz ter bebido muito dos esticos, deturpando, talvez, o conceito por ns escrito
de igual superioridade para com o destino, assimilando-o a uma resignao, humilde e
servil, quase como se isso fosse um prmio ou condio sine qua non para ganhar o cu
( mais fcil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino do
cu!). Sneca e Marco Aurlio, ambos ricos e com poder mas tambm conhecedores e
senhores da importncia que seus cargos tinham na ordem social no poderiam segunda a perspectiva crist alcanar o cu!
H no entanto uma atitude, que se quer cada vez mais consciente, e que comum a
todas as formas Tradicionais de elevao do Homem, que consiste num correcto distanciamento dos bens materiais, o possuir sem ser por eles possudo. O saber que nada
eterno a no ser as coisas do Esprito. Ter os desejos sobre controlo, porque destes, tal
como tambm afirma o Budismo, que advm muitos sofrimentos. Vigiar as nossas
fobias e preocupar-nos por cumprir com o nosso dever, o nosso Dharma, pelo meio justo
(assim tambm nos ensinou Buda). E procurar que todas as nossas aces sejam vlidas
servindo elevados propsitos.
Tambm ns, em circunstncias precisas na nossa vida, relembramos por vezes e
por uma necessidade racional, os ensinamentos esticos, pela fora e coragem que eles
nos transmitem: No desanimes, e imita os mestres de exerccios que, quando um discpulo cai ao cho, mandam que se levante e lute de novo. Diz coisa semelhante ao teu
esprito. Nada mais dcil e flexvel que o esprito do homem: basta-lhe querer, mas se
fores uma vez fraco, estars perdido, pois te no levantars nunca mais na vida.
(Epicteto)
Quando as coisas no correm como desejaramos e o mal se instala no nosso meio,
ou no crculo prximo, a revolta e o desnimo podem assolar-nos a alma. Por vezes vai
surgindo lentamente, outras aparece como um murro no estmago, capaz de nos provocar o vmito. Sentimos isso quando a doena grave nos atinge ou ataca algum que
nos querido e sentimos isso quando um camarada nos trai ou abandona. Mas no claudicar e permanecer de p entre as runas, a palavra de ordem, porque no que em particular diz respeito nossa Legio sabemos que quando os buracos do crivo se apertam o
cascalho vai inexoravelmente ficando para trs, e depois quando a poeira assenta reparamos que l no fundo h um pequeno diamante que brilha. E aqui como uma espcie de
satori (Zen) recordamos as sbias palavras do nosso grande Rodrigo Emlio: Cada vez
mais s mas mais bem acompanhado!
Busto de Sneca
NDICE
2
Editorial
3
O que resta do estoicismo?
5
Duas cartas a Luclio
7
Pensamentos
8
Os esticos e o divino
10
O Estoicismo e a Tradio
16
O simbolismo do Arco
FICHA TCNICA
Nmero 7
2 quadrimestre 2009
Publicao quadrimestral
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Boletim Evoliano
Anlise
Pode-se denominar a tica estica como eminentemente viril, realista e adaptada ao esprito dos
combatentes. () Existe no verdadeiro estoicismo uma afinidade de natureza, mais ainda, verdadeiro parentesco, entre os deuses e o homem verdadeiro. A mente denominada o Zeus (o deus olmpico) em
ns; tambm denominada egemonikn, ou seja, o
princpio soberano. A tica estica a de uma soberania
interior, a qual agrada a Deus, posto que segundo tal
doutrina digno de Deus no o homem que se humilha,
mas sim aquele que o iguala.
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sos dias.
O estoicismo (assim como o
budismo e a tica extremo-oriental)
admite o suicdio. Mas o que j se
mencionou suficiente para indicar o seu verdadeiro sentido: o
mesmo admite-o no como uma
fuga, mas sim como uma extrema
sano da soberania e da liberdade
interior do homem. Tal como no
Oriente, encontra-se aqui implcita
a ideia de que o homem se lanou,
ele prprio, aventura terrestre. O
seu imperativo normal , tal como
vimos, o de manter as posies.
Mas ele no deve nunca esquecer
que isto ele que o quer. Caso contrrio, a porta de sada encontrase aberta: patet exitus. novamente um rasgo de virilidade, de autonomia espiritual.
Alm disto, Sneca, tal como
Plato, fala de um duplo Estado, ao
qual o homem verdadeiro pertence
ao mesmo tempo: um invisvel,
eterno, espiritual, o outro o da
terra. E diz: Que existam seres
invencveis, caracteres contra os
quais as contingncias nada
podem, isso no interesse do Estado dos homens.
________________________________
* Publicado em Roma, 16/12/1957.
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Doutrina
4.
Prossegue a vida que encetaste,
apressa-te quanto puderes, para
mais tempo te ser dado usufruir de
um esprito correcto e equilibrado.
Mesmo enquanto o corriges e equilibras podes ir usufruindo dele; a contemplao de uma alma livre de
toda a mcula e resplandecente,
todavia, um prazer de natureza
bem superior!
Ainda te lembras, certamente, da
alegria que sentiste quando, despindo a toga pretexta, vestiste a toga
viril1 e fizeste a tua entrada no foro.
Prepara-te para uma alegria ainda
maior quando te despojares do esprito pueril e, graas filosofia, entrares no crculo dos homens. At esse
momento, perdura em ns, no naturalmente a infncia, mas sim a mentalidade infantil, o que muito pior.
E pior ainda que j temos a autoridade da velhice mas mantemos
vcios de crianas; no s de crianas, mas mesmo de recm-nascidos,
pois as crianas temem coisas sem
importncia e os recm-nascidos
coisas inexistentes; ns, tememos
umas e outras.
Persevera, pois, e compreenders
que h coisas que so tanto menos
de temer quanto maior temor que
inspiram! Nenhum mal verdadeiramente grande quando o ltimo. A
morte aproxima-se de ti. Ela seria, de
facto, temvel se pudesse estar sempre contigo; na realidade, porm, a
lei natural que ela ou no te atinja
ou te ultrapasse. difcil dirs
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Nenhum mal verdadeiramente grande quando o ltimo. A morte aproxima-se de ti. Ela
seria, de facto, temvel se pudesse estar
sempre contigo; na realidade, porm, a lei
natural que ela ou no te atinja ou te ultrapasse.
(...) Se queres ter uma vida agradvel deixa de preocupar-te com ela! Nenhum objecto d bem-estar ao
seu possuidor seno quando este est preparado
para ficar sem ele.
Para finalizar esta carta, aqui te
deixo uma mxima que li hoje, e que
tambm ela foi colhida num jardim
alheio: uma verdadeira riqueza a
pobreza conforme lei natural.
Sabes quais os limites que a lei natural nos impe? No passar fome,
nem sede, nem dor. Para evitar a
fome e a sede no necessrio frequentar a casa dos grandes senhores, nem suportar o seu ar carrancudo, ou a sua ofensiva bondade, no
preciso correr riscos no mar ou ir em
expedies blicas: aquilo de que a
natureza necessita est perto, est
nossa mo. o suprfluo que nos faz
envelhecer nos quartis, que nos leva
at terras estranhas! O indispensvel
est ao nosso alcance. Aquele que
sabe viver em paz com a pobreza,
esse, verdadeiramente rico.
5.
Estudas perseverantemente e
deixando tudo o mais apenas te aplicas ao teu quotidiano aperfeioamento: aprovo-te com satisfao, e
no s te aconselho, como te peo
que continues assim. E mais te aconselho a que no procedas como
aqueles que mais pretendem dar nas
vistas do que aperfeioar-se: evita
tudo quanto se torna notado, quer na
tua pessoa, quer no teu estilo de
vida. O aspecto descuidado, o cabelo
por cortar, a barba por fazer, o dio
afectado ao dinheiro, a cama no
cho, so formas deformadas de
ambio que tu deves recusar. O prprio nome da filosofia, ainda que
sem atitudes ostentatrias, j causa
por si m vontade! O que seria,
ento, se nos comessemos a afastar dos comuns hbitos de vida. Sejamos no ntimo absolutamente dife-
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Doutrina
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criticar; no cair com termos injuriosos em cima do infeliz a quem escapou um barbarismo ou solecismo ou
qual quer outro lapso; mas sugerir
certeiramente o nico termo correcto, como quem no quer a coisa, ao
fio de uma resposta ou de um complemento explicativo ou de um debate em comum sobre o fundo da
questo e no sobre a forma ou por
qualquer outro meio de sugesto
indirecta que a propsito viesse.
11 De Fronto me veio o ensinamento de quem tinha observado
at onde chega a inveja, a duplicidade e a hipocrisia dos tiranos; demais
vira ele que, quase sempre, estes
figures a quem entre ns chamamos patrcios o mais das vezes no
albergam chama de afecto.
12 De Alexandre, o Platnico,
aprendi que se no deve dizer muita
vez e sem necessidade, de palavra
ou por carta, que estamos muito
ocupados e furtarmo-nos assim
constantemente aos deveres que as
relaes sociais impem sob pretexto de que estamos sobrecarregados
de ocupaes.
13 E Catulo, que me ensinou
ele? A no sacudir um amigo que se
queixa de ns, mesmo se, no caso, a
queixa no tem fundamento, mas
tentar restabelecer as relaes
como dantes; dizer bem dos mestres
sem contrafaces, como fama
faziam Domcio e Atendoto; e amar
com amor verdadeiro os prprios
filhos.
Estudo
Os esticos e o divino
Os esticos adoptam as formas
religiosas do seu tempo, mas a sua
devoo reveste uma forma que
lhes prpria. De todas as oraes
que nos legou a Antiguidade, o
Hino de Cleantes uma das mais
fortes:
Tu, que s o mais glorioso dos imortais, eternamente todo-poderoso e
com mltiplos nomes,
Zeus, autor da natureza, que governas todas as coisas segundo a tua
lei,
Eu sado-te, porque permitido a
todos os mortais dirigir-te a palavra.
que ns nascemos de ti e que o
nosso destino sermos imagem
de Deus,
nicos entre os seres mortais que
vivem e se movem sobre a terra.
Por essa razo dedicar-te-ei um
hino e cantarei sempre o teu poder.
a ti que este universo inteiro que
gira em volta da terra
Obedece, seja qual for o lugar onde
o conduzas, e de bom grado que
ele se submete ao teu poder:
Que auxiliar empunhas tu nas tuas
mos invencveis,
O raio eterno de fogo com duplo
gume!
Sob os seus golpes todas as obras
da natureza estremecem,
Com ele tu diriges o Logos universal que penetra em todas as coisas,
Misturado aos luminares celestes,
quer aos grandes quer aos pequenos* (o texto apresenta a seguir
um verso destrudo)
Nada se produz na terra sem ti,
Nem na divina e etrea abbada
celeste nem sobre o mar,
Salvo os actos que, na loucura que
lhes prpria, os criminosos executam.
Mas tu, tu sabes fazer com que
regresse ordem mesmo aquilo
que ultrapassa a medida,
Sabes conceder beleza quilo que
no a tem, e o inimigo torna-se
para ti amigo.
Harmonizaste to bem todas as
coisas, as nobres com as vis, de
forma a construir uma unidade,
Que o Logos eterno de todas as
coisas uno.
Os mortais que so maus fogem
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so
A fim de que, honrados dessa
maneira, ns possamos responder
a essa honra
Cantando continuamente hinos s
tuas obras como prprio
De um mortal, uma vez que no
existe maior privilgio para os
homens
E para os deuses do que cantar
sempre, como se deve, a lei universal.
Reconhecem-se os grandes
temas da concepo estica do
universo, animados pelo sopro de
uma verdadeira devoo. O fogo
organizador do mundo, que atravessa todas as coisas e que a
racionalidade, o logos do universo,
encontra-se ligado a Zeus, na ocorrncia a um Deus pessoal e nico,
que evidentemente nada tem a ver
com o Zeus da mitologia. Este
Deus, cuja omnipotncia se exprime atravs da lei que se impe a
todas as coisas, ao mesmo tempo um Pai que dispensa todo o
bem. E como o que conduz os
homens ao mal e ao sofrimento a
ignorncia, que os faz correr atrs
daquilo que pensam ser um bem
para no final apenas obterem a
infelicidade, o que se lhe pede o
conhecimento. E canta-se em seu
louvor.
Este hino mostra bem que nem
a fsica nem a racionalidade estica dissolvem o fervor religioso e
que, pelo contrrio, lhe do uma
nova profundidade. A omnipotncia
e a omnipresena do fogo artista
conferem uma grande intensidade
paternidade divina. O facto de
Deus ser fora fsica e razo do
universo no suprime o divino das
leis ou o poder da natureza e em
nada se ope a que Deus seja considerado como um ser pessoal,
como um Pai. Este parentesco divino, que se reencontrar em Epicteto, aparece num texto contemporneo, que ter uma grande difuso
no mundo greco-romano, os Fenmenos do estico Arato, cujo incio
se parece efectivamente com o
hino de Cleantes (seria arriscado
falar de influncia, no se sabendo
a qual deles atribuir a anterioridade):
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Jean-Jol Duhot, Epicteto e a sabedoria Estica.
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O Estoicismo
Marcos Rogrio Estevam
Introduo
O Estoicismo foi uma escola
filosfica fundada por Zeno em
Atenas, ao redor do ano 300 AEC,
com inspiraes em Herclito,
Scrates e no cnico Digenes.
Por volta do incio da Era
Comum, o Estoicismo absorvido pelo Imprio Romano e
rapidamente se torna numa
das suas filosofias oficiais
(juntamente com o Epicurismo). No difcil entendermos
o porqu: o sbio estico ideal
descrito pelos textos coincide
numa srie de pontos com
aquele perfil viril e solar que j
era patrimnio dos Romanos: a
claridade espiritual, a simplicidade, a objectividade, a ausncia de misticismo e sentimentalismo, o valor posto sobre as
virtudes (temperana, coragem, justia e sabedoria), a
lealdade ao ideal do Imprio e
um estilo de vida desprovido
de afectao encontram sua
fundamentao bsica nos
preceitos esticos. Tanto
assim que os esticos serviram
de modelo e inspirao para a
Ordem militar que regia a Prssia:
Sabe-se que o n original da
Prssia foi uma Ordem, a Ordem
dos Cavaleiros Teutnicos, chamada em 1226 pelo duque polaco
Konrad de Mazovie a defender as
fronteiras do Leste. Os territrios
conquistados e os dados em feudo
formaram um Estado dirigido por
essa Ordem e protegido pela Santa
S, da qual dependia no plano da
disciplina, e pelo Sacro Imprio
Romano. O Estado englobava a
Prssia, o Brandeburgo e a Pomernia. Em 1415, voltou aos Hohenzollern. Em 1525, com a Reforma,
o Estado da Ordem secularizouse, emancipou-se de Roma, mas,
mesmo desaparecido o lao propriamente confessional da Ordem,
manteve o seu fundamento tico,
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11
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o e a Tradio
mais fluida a exposio das ideias.
Contudo, os nossos leitores so
fortemente incentivados a buscar
as fontes originais.
O objectivo deste artigo fornecer, em largos traos, uma viso do
ethos estico e como ele se relaciona com os ensinamentos da Tradio.
Evola e os Esticos
No seu longo estudo introdutrio ao pensamento de Julius Evola,
H. T. Hansen, na edio americana
de Os Homens e as Runas, diz-nos
que Evola planeava e j tinha pronto o plano para um livro tratando
sobre os esticos, mas que infelizmente nunca veio luz devido ao
seu falecimento. De facto importante destacar o quanto de estoicismo aparece nas suas duas ltimas obras mais importantes: a j
citada Os Homens e as Runas e
Cavalgar o Tigre. Na primeira,
encontramos no captulo 6, que
trata do trabalho e das foras econmicas, a seguinte passagem:
Em um nvel superior, a frmula substine et abstine era um axioma de sabedoria que ecoava atravs do mundo Clssico; uma das
possveis interpretaes do dito
Dlfico: Nada em excesso poderia
tambm ser aplicado a esta ordem
de consideraes.
A frmula citada significa
suporte e abstenha-se, e era um
dos principais lemas esticos, e
indica a superioridade interior de
quem pode actuar no mundo sem
ser afectado por ele. Ou, de acordo
com a Tradio Taoista: wu-wei,
agir sem agir (Tao te Ching, 47):
Sem sair,
pode-se conhecer o mundo todo.
Sem olhar pela janela,
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O
Imperador
Romano
(Medita-es, III, 5):
No haja nos teus actos m
vontade, nem egosmo, nem
falta de exame, nem contrariedade. No embeleze os
teus pensamentos a finura;
no seja loquaz nem afanoso. Ademais, seja o deus que
h em ti o superior de um
ente viril, respeitvel, um
estadista, um romano, um
prncipe que a si prprio
tenha disciplinado, como
seria quem aguardasse, desprendido, o chamado para
deixar a vida, sem preciso
nem de juramentos nem de
um testemunho humano.
Alm disso, serenidade,
prescindindo de ajuda externa, prescindindo de tranquilidade propiciada por outrm.
Cumpre ser direito; no
desentortado.
Cabe notar que tal atitude
no deriva de um temor sobrenatural de algum Inferno ou esperana num Paraso to-pouco por
temor divindade ou coao
social, obrigao moral ou qualquer coisa do gnero. O estico age
em conformidade com a sua natureza interior e nobreza intrnsecas.
Age-se porque o que ordena a
prpria conformao. Segue-se o
princpio divino interior. Faz-se o
que preciso ser feito. Marco Aurlio vai ainda mais longe: ao propor
a hiptese da no existncia ou
no interesse dos deuses no mundo, ele conclui (Meditaes, VI.44):
() cabe a mim pensar por
mim mesmo: e a minha preocupao pelo melhor. O melhor para
cada um o que convm sua
natureza e condio: e a minha
natureza tanto racional quanto
social. Como Antoninus minha
cidade e pas Roma: enquanto
ser humano, o mundo. Portanto,
o que beneficia a estas duas cidades meu nico bem.
Encontramos um smile budista
que expressa exactamente a mesma ideia: Mesmo no inferno, comportar-me-ei honradamente.
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Bibliografia:
Trabalhos Esticos
Epicteto:
- Manual
- Discursos
Marco Aurlio:
- Meditaes
Sneca:
- Sobre a Vida Feliz
- Sobre o cio
- Sobre a Ira
- Sobre a Clemncia
- Da brevidade da vida
- Da firmeza do sbio
- Da tranquilidade da mente
- Sobre a Providncia
- Cartas a Luclio
Textos Tradicionais:
- Bhaghavad Gita
- Tao Te Ching
- Cnone Pli
Julius Evola:
- Os Homens e as Runas
- Revolta contra o Mundo
Moderno
- Cavalgar o Tigre
- A Doutrina do Despertar
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Estudo
O simbolismo do Arco
Marcos Rogrio Estevam*
Praticantes de kyudo
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Interpretaes simblicas
No mundo Tradicional como
sabemos, cada objecto ou aspecto
da vida visto como um reflexo de
realidades superiores. O sagrado
no uma dimenso parte da
vida ou das actividades gerais. Pelo
contrrio, o grande ponto de referncia que torna toda e qualquer
actividade um meio ou caminho
para uma realizao que transcende as limitaes deste plano. No
que diz respeito interpretao
simblica do arco no diferente.
A primeira interpretao simblica que podemos atribuir ao arco,
relaciona-se com o seu papel de
intermedirio entre o mundo
superior (Cu) e o inferior
(Terra): as duas pontas ou extremidades do arco apontam, quando
pronto para disparar uma flecha,
naturalmente e simbolicamente
para estes mundos. Entre as duas
extremidades, est a corda que as
une e aproxima. Vemos aqui o
equivalente da Corrente Dourada
que une o Cu e a Terra apresentada na Ilada, VIII.18. Ou seja, trata-se do simbolismo do Axis Mundi,
o eixo do mundo, ao redor do qual
revolvem todas as esferas planetrias e simblicas. A mesma imagem aparece na narrativa bblica
da Escada de Jac (Gnesis
28:12, 13) e nas escrituras hindus,
onde Agni Anikavat chamado de
filho do Cu e da Terra Agni
visto como uma personificao do
Fogo Sagrado utilizado nos ritos e
anika significa a ponta de uma
flecha. Na tradio nrdica, o eixo
do mundo chamado de Yggdrasil
e ao seu redor esto os Nove Mundos. Yggdrasil vista como uma
gigantesca rvore e por muitos
interpretado como sendo um freixo, que tradicionalmente considerada a melhor madeira para a
fabricao de arcos.
Se colocarmos a ideia dos mundos superiores e inferiores no
num eixo (verticalmente) mas
como
planos
concntricos
(horizontalmente) teremos a imagem clssica de um alvo. Ao centro
(para continuarmos com a tradio
Nrdica) teramos a morada dos
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A primeira interpretao simblica que podemos atribuir ao arco, relaciona-se com o seu
papel de intermedirio entre o mundo
superior (Cu) e o inferior (Terra): as
duas pontas ou extremidades do arco apontam,
quando pronto para disparar uma flecha, naturalmente e simbolicamente para estes mundos. Entre
as duas extremidades, est a corda que as une e
aproxima. Vemos aqui o equivalente da Corrente
Dourada que une o Cu e a Terra apresentada na
Ilada.
deuses, chamada de Asgard e
progressivamente os demais mundos tais como Midgard (o plano
material)
at
os
mais
externos (ou seja, mais afastados
do princpio central e espiritual)
tais como Muspellheim (o reino das
foras elementares, associadas ao
fogo destrutivo). Assim representados, os mundos e o alvo formam a
tradicional figura da mandala
oriental.
Outra interpretao na mesma
esfera de pensamento, ver o centro do alvo como o Sol e os demais
crculos como as esferas planetrias da Tradio. O Sol, visto simbolicamente, representa o Esprito, as
virtudes clssicas e hericas e
portanto o alvo ou objectivo de
todo aquele que trilha uma senda
espiritual. tambm uma representao bastante evidente do
centro ou ncleo interior de
uma pessoa. Na lngua inglesa, o
centro do alvo chamado muito
apropriadamente de gold (ouro,
smbolo da luz e da imortalidade) e
nos alvos tradicionais o centro
geralmente de cor amarela (o prprio termo alvo ou blanco na
lngua espanhola aponta para a cor
branca do puro esprito ou da
qualidade transcendente do Absoluto). Outra analogia pertinente
dentro desse contexto a dos raios
do Sol como flechas disparadas em
direco Terra. No mundo grecoromano, Apolo visto como Deus-Sol
conferia uma doce morte aos seus
eleitos atravs de suas flechas.
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pojars da vida a Pris () e arrasars Tria. Os despojos, envi-los ao teu palcio (). Mas o que
receberes do exrcito em memria
das minhas armas, leva-o ao meu
tmulo.
A ti filho de Aquiles, dirijo tambm meus conselhos, pois nem tu
podes tomar a cidade de Tria sem
ele, nem ele sem ti. Como uma
parelha de lees que vivem juntos,
deveis guarda-vos mutuamente: ele
a ti e tu a ele.
Eu enviarei para Tria Asclpios
[Deus associado cura, filho de
Apolo, e cujo um dos smbolos era
uma serpente], que te curar da
enfermidade [Filoctetes] () Mas
atendei ao seguinte: quando tiverdes devastado a terra, sede reverentes para com os deuses. Zeus
Pai considera de somenos todo o
resto. que o respeito pelos deuses no perece com os mortais.
Quer eles vivam, quer eles morram,
no se desvanece.
Neste longo trecho citado,
encontramos diversos temas e smbolos Tradicionais (tais como o
leo, smbolo do sol, da luz, do
esprito; a imortalidade Olmpica e
o culto ao heri) mas no poderemos nos deter neles. Fica claro,
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