Ricardo Reis
Ricardo Reis
Ricardo Reis
Ricardo Reis
(Poeta dos sentidos. A aceptação da vida apesar do pensar)
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Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Mais longe que os deuses.
Neste sentido, vai encontrar o analgésico -mais uma vez- na sabedoria dos antigos: o carpe
diem, como caminho da felicidade. “Coroai-me de rosas [...]/rosas que se apagam[...] E basta”.
Acho que neste trecho, dá constancia da fugacidade da vida e da necessidade de viver o momento
cumprindo os nossos desejos “coroai-me de rosas”, sendo consciente de que tudo se acaba “rosas
que se apagam”, mas sem que isto suponha um problema porque o que importa é viver o momento
presente “e basta”.
Apesar deste prazer que procura e da felicidade que deseja alcançar, considera que nunca se
consegue a verdadeira calma e tranquilidade. Sente que se tem de viver em conformidade com as
leis do Destino, indiferente à dor e à falta de prazer, numa verdadeira ilusão da felicidade,
conseguida pêlo esforço estóico disciplinado “Melhor destino que o de conhecer-se/ Não frui quem
mente frui. Antes, sabendo,/ Ser nada, que ignorando”. De algum jeito, podemos considerá-lo como
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o reverso do seu mestre Caeiro. Ele azeita a vida sem pensar e Reis talvez a azeite apesar de pensar.
Para Caeiro, existir é um fato maravilhoso por sim mesmo, e o mundo não precisa ser explicado.
Ricardo Reis partilha a idéia de azeitar calmadamente a ordem das coisas mas não pode passar pela
vida sem reparar nela. Caeiro nega-se a ter qualquer interpretação racional do mundo, no entanto, o
“real” para Ricardo Reis incorpora a filosofia estoicista que afirma que o tempo passa e a vida é
breve, facto que não deve perturbar-nos porque é possível encontrar a felicidade se se vive em
conformidade com as leis do destino que regem o mundo. Considero que estas afirmações são muito
claras no poema seguinte: o “sabio”, é aquele que observa o mundo mas que “sabe que a vida passa
por ele” e que se contenta com isso.
Neste sentido, também conecta com o Epicureísmo na procura do deleite, o mínimo de dor e
na necesidade de viver com lucidez, sem deixar-se tentar pela inconsciência que podem producir
algumas substáncias. Na continuação do poema anterior observamos como ante a agústia o “sábio”
busca a solução no vinho para que “o seu sabor orgíaco/ apague o gosto às horas”.
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2. Intertextualidade
As figuras de Pessoa em geral e de Ricardo Reis em particular, são muito revisitadas pela
crítica e pelos literatos atuais, dando lugar a numerosas composições. Um ejemplo muito conhecido
é a obra de José Saramago intitulada O ano da morte de Ricardo Reis. O novelista aproveita o fato
de Fernando Pessoa não ter determinado a data da morte do seu heterónimo para recuperar-lo e
fazêr-lhe testemunhar o período em que o fascismo pouco a pouco se instalava na sociedade
portuguesa. Na biografia criada por Fernando Pessoa, Ricardo Reis partiu para o Brasil em 1919 e
não houve mas notícias dele. Mas José Saramago, com a sua prodigiosa imaginação, fê-lo regressar
a Lisboa, em 1935 e teve xenial idéia de fazer com que os dois escritores se encontrem: “Vai
Ricardo Reis a descer a Rua dos Sapateiros quando vê Fernando Pessoa. Está parado à esquina da
Rua de Santa Justa, a olhá-lo como quem espera, mas não impaciente. Traz o mesmo fato preto, tem
a cabeça descoberta. [...] Fernando Pessoa sorri e dá as boas-tardes, respondeu Ricardo Reis da
mesma maneira, e ambos seguem na direcção do Terreiro do Paço”
“Lídia”
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(Pois sem poder que vale conhecermos?),
Melhor vida é a vida
Que dura sem medir-se.
“Coroai-me”
Coroai-me de rosas,
Coroai-me em verdade,
De rosas — Rosas que se apagam
Em fronte a apagar-se Tão cedo!
Coroai-me de rosas
E de folhas breves.
E basta.
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“Melhor Destino”
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E ele espera, contente quase e bebedor tranquilo,
E apenas desejando
Num desejo mal tido
Que a abominável onda
O não molhe tão cedo.