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500 Anos Da Zoologia No Brasil

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H I S T R I A

Entre as aulas
de histria natural dadas
pelos ndios aos jesutas,
nos primeiros tempos
do Descobrimento,
e os estudos
desenvolvidos
por museus, institutos
de pesquisa e cursos
universitrios criados
aqui nos sculos 19 e 20,
muitos dados sobre
a fauna brasileira foram
levantados por
aventureiros, cronistas,
missionrios e viajantes.
Em decorrncia
da proibio,
pela Coroa portuguesa,
da divulgao
de informaes que
estimulassem a cobia
de outras potncias
estrangeiras,
s recentemente veio
a pblico grande parte
deles. Agora, a legislao
extremamente restritiva
sobre coletas biolgicas
no pas ameaa impedir o
prprio acesso a tais
informaes.

Nelson Papavero
Instituto de Cincias
Biolgicas e Ambientais,
Universidade Santa rsula,
Rio de Janeiro

3300 CCIINNCCIIAA HHOOJJEE vvooll.. 2288 nn 116677

Os 500 anos da

zoologia

Brasil

no

H I S T R I A

Un novo animale quasi monstruoso che havea el corpo & muso de


volpe: & la Groppa & li piedi drietto de Simia: & quelli
davanti quasi come de homo le orechie come la
notola: Et a sotto el ventre uno altro ventre di fora
come una tascha dove asconde soi figlioli dopo
nasciuti: ne mai li lassa usire sino a tanto che da loro
medemi siano bastanti a nutrirse: excepto quando
vogliono lactare (Um novo animal como que monstruoso, que tinha o corpo & focinho de raposa, & a
garupa & os ps de trs de macaco & os da frente
quase como de homem, as orelhas como de morcego. E sob o ventre um outro ventre de fora como uma
bolsa, onde esconde seus filhotes depois de nascidos; nem nunca os deixa sair, at quando eles
mesmos estejam aptos a nutrir-se, exceto quando
querem mamar).

FIGURAS DE ANTNIO JOS LANDI, EXTRADAS DO LIVRO FAUNA E FLORA BRASILEIRA - SCULO XVII

O sculo 16
A descrio acima, feita em 1507 por um cronista
italiano, parece corresponder a uma aberrao, mas
refere-se simplesmente ao nosso prosaico gamb ou
mucura, marsupial didelfdeo. Capturado na ilha de
Maraj e levado para a Espanha por Vicente Pinzn
que em 1500, dois ou trs meses antes de Cabral,
esteve na costa nordeste e norte do Brasil e descobriu (segundo alguns) a foz do rio Amazonas , o
animal, o primeiro a ser levado do Brasil para a
Europa, causou enorme assombro nos reis de Espanha e em muita gente. Diferia de tudo o que se
conhecia at ento, inclusive no modo de reproduzir-se, tendo no ventre uma bolsa onde acabava de
criar os filhos (um segundo tero), e, de acordo
com o cronista, parecia ser composto por partes
pertencentes a distintos animais europeus...
Pouco a pouco as expedies Amrica do Sul
revelariam ao Velho Mundo uma rica fauna, composta s vezes por animais de rara beleza, como os
papagaios e araras (que chegaram a dar ao Brasil, em
certa poca, o epteto de Terra dos Papagaios...), e
outras vezes por espcies de estranhssima conformao, muito diferentes das conhecidas pelos europeus, o que levou os filsofos naturais da poca a
formular vrias teorias sobre a distribuio geogrfica das espcies.
A poltica de Portugal, impedindo a divulgao
de informaes sobre o Brasil, sempre cobiado por
outras potncias estrangeiras, fez com que essas
informaes permanecessem secretas, zelosamente
sepultadas em arquivos da metrpole. Grandes contribuies ao estudo de nossa fauna (como o Tratado
descritivo do Brasil em 1587, obra mpar de Gabriel

dezembro de 2000 CINCIA HOJE 31

H I S T R I A

Figura 1.
Frontispcio
do livro de
Johann Gregor
Aldenburgk
(1627) sobre
a conquista de
Salvador pelos
holandeses

Soares de Souza, que, tivesse sido publicada, e com


ilustraes, transformaria o autor em um dos maiores naturalistas do Renascimento) s se tornaram
conhecidas nos sculos 19 e 20 (a nica exceo foi
o livro de Pero de Magalhes Gndavo, Histria da
provncia de Santa Cruz, que chegou a ser impresso
em 1576). Apenas a contribuio de aventureiros ou
invasores estrangeiros foi publicada, mostrando aos
olhos europeus, vidos pelas maravilhas do Novo
Mundo descoberto, as primcias da fauna brasileira.
Incluem-se nesse pequeno rol a obra do alemo
Hans Staden (1557) e as dos franceses Jean de Lry
e Andr Thevet, que participaram da invaso do Rio
de Janeiro com Villegaignon e Coligny (ver De
Pinzn a Vilhena).
As tribos indgenas, notadamente as de lngua
tupi, atuaram como a primeira escola de histria
natural no Brasil, transmitindo seu extraordinrio
conhecimento de fauna e flora aos jesutas,
que, neste tocante, foram realmente seus
alunos (ver Herana vocabular). Os religiosos da Companhia de Jesus estabeleceram as primeiras listas e vocabulrios
faunsticos. Entre eles, os padres Jos de
Anchieta, Gaspar Affonso, Francisco
Soares e, especialmente, Leonardo do

Valle (por volta de 1585), que listou nada menos que


351 nomes tupis de animais verdadeiro tratado
lingstico-faunstico, s publicado neste sculo.
Alm das informaes sobre a fauna da costa,
surgiram os primeiros relatos sobre a fauna amaznica.

O sculo 17
Com a morte de Dom Sebastio na batalha de Alccer-Quibir (1578), o trono de Portugal foi ocupado
pelo cardeal Dom Henrique, tio do monarca desaparecido. A morte do cardeal extinguiu a dinastia de
Aviz, dando incio chamada unio das coroas
ibricas (1580-1640), uma vez que os direitos de
sucesso pertenciam coroa espanhola. Destinada
a durar 60 anos, essa dominao estendeu-se pelo
reinado de Felipe II, de Felipe III e parte daquele de
Felipe IV de Espanha, quando a Revoluo Restauradora logrou elevar ao trono portugus Dom Joo,
duque de Bragana e futuro Dom Joo IV.
Vrias conseqncias teve esse fato. Uma delas
foi a sistemtica tendncia de invaso do Brasil por
outras potncias europias. Os franceses, comanda-

Emquanto
Emquanto

andavamos neesa mata a cortar a lenha atravesavam algus

papagayos per esas arvores deles verdes e outros pardos grandes e pequenos de maneira
que me parece que avera neesta terra muitos pero eu nom veria mais que ataa ix ou x outras aves

entam nom vimos somente alguas ponbas seixas e pareceram me mayores em boa camtidade
ca as de Portugal. Algus deziam que viram rolas mas eu nom as vy mas segumdo os arvoredos sam muy muitos

De Pinzn a Vilhena

e grandes e d imfimdas maneiras nom dovido que per esse sartao ajam muitas aves.Carta de Pero Vaz Caminha, 1500

Sculo 16
Sculo 16

Pinzn1,2

1560

Joseph de Anchieta3

1613-1614

Yves dvreux1 [6, 28]

1500

Vicente Yez

1560

Newe Zeytung4

1614

William Davies1 [10]

1500

Pero Vaz de Caminha2

1562

Francisco Vasquez1 [9]

1616

Andr Pereira

1500

Piloto annimo2

1565

Newe Zeytung

1618

Symo Estacio da Sylveira

1500

Amerigo Vespucci2

[7]

1501

Carta de Domenico Pisani

1503

O ato notarial

1503

1573

(Intento)1 [11]

Pero de Magalhes
Gndavo

1618

Ambrsio Fernandes
Brando

1624

Symo Estacio da Sylveira

de Valentim Fernandes2

1585

Pe. Leonardo do Valle3 [1]

Carta de Giovanni da
Empoli2

1587

Gabriel Soares de Souza

1591

Anthony Knivet

1624

Reys-boeck1 [10]

1596

Pe. Gaspar Affonso

1625

Ferno Cardim

Pe. Francisco Soares

1625

J. de Laet

1627

Aldenburgk (Bahia)

1627

Frei Vicente do Salvador

Ruy Daz de Guzmn

1627

Gaspar Barlaeus

(La Argentina)3

1628

D. Lus de Cspedes Xeria3

1504-1505

Capito de Gonneville2

1511

Lliuro da noo Bertoa2

1538

Diogo Nunes1

1541-1542

Frei Gaspar de Carvajal1 [8]

1550-1554

Hans Staden3

1551

(ed. italiana)3

Pe. Affonso Braz [27]

1555-1556

Andr Thevet

1557-1558

Jean de Lry

32 CINCIA HOJE vol. 28 n 167

Sculo 17
Fins do sc. 16

Sculo 17
1610

1612
1613-1614

Claude

dAbbeville1

[6, 28]

La Ravardire1 [6, 28]

(Relao sumria)1 [12]

1629-1640
1632

Cuthbert Pudsey
John Day1 [13]

De sopra
De sopra

H I S T R I A

el Capo de Bona Speranza, verso garbin, hanno discoperto una terra

nuova, chiamano la terra de li papaga, per esser li papaga longi uno brazo et pi , de varij colori
(Acima do Cabo da Boa Esperana, em direo ao ocidente, descobriram uma terra nova, chamam-na
de Terra dos Papagaios, por serem os papagaios maiores que um brao ou mais, de vrias cores).
Carta de Domenico Pisani, 1501

dos pelo Senhor de la Ravardire, conquistaram o


Maranho (1612-1614), e os frades Claude dAbbeville e Yves dEvreux deixaram-nos os primeiros livros sobre a histria natural daquela parte do Brasil.
Certos desenhos e um texto sobre animais e plantas
do Maranho e do Par, provavelmente preparados
pelo prprio Ravardire, ou a seu mando, ficaram
posteriormente nas mos do inquisidor Frei Cristvo de Lisboa, e seriam publicados neste sculo, sob
o seu nome, erroneamente. O Nordeste caiu nas
mos dos holandeses, que inicialmente dominaram
a Bahia (figura 1) e, a partir de 1629, Pernambuco e
o resto da regio. Com a vinda do prncipe Maurcio
de Nassau-Siegen para o Recife, inaugurou-se um
perodo de grandes contribuies aos estudos faunsticos, culminando com a publicao das obras de
Piso e Marcgrave.
Esse rico perodo, com impressionante iconografia, hoje um dos mais conhecidos, graas ao cuidadoso trabalho e rara erudio do professor doutor
Dante Martins Teixeira, do Museu Nacional da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que,
entre 1993 e 1998, publicou vrios preciosos volumes sobre a zoologia do Brasil Holands, resgatando
toda a informao possvel e a maior parte da iconografia (muitas das ilustraes foram ento divulgadas
pela primeira vez), num esforo que talvez no
encontre similar em nenhuma outra parte do mun-

1633

Johannes de Laet

1634-1641

Zacharias Wagener

1636-1644

Albert Eckhout

1638-1642

Georg Marcgrave

1638-1642

Willem Pies

1639

Pedro Teixeira1 [14]

1639

Alonso de Rojas1 [15]

1639

Montoya

1640-1649
1641

Jan Nieuhof

1662

1663

do. Vrias tentativas de invadir o vale amaznico foram feitas por ingleses, franceses
e holandeses, e alguma informao sobre a
fauna chegou a ser publicada (figura 2). 4

Herana vocabular
Alguns exemplos de palavras de origem
tupi, designativas de animais e plantas,
que se incorporaram ao portugus e,
em alguns casos, a idiomas como o ingls
e o francs:

Animais arara boipeva cutia


jaguar lambari maracaj paca parati
sagi tapir tucuxi u
Plantas cabina caju copaba guatambu
ipecacuanha jacarand jatob mandioca
mangaba maracuj peroba trapoeraba

Maurcio de Heriarte
(viagem de Pedro
Teixeira)1 [17, 38]
Simo de Vasconcellos

1679

Sainte Colombe [39]

1669

J. J. Becher1

1679
1694-1698

Sainte Colombe [39]


Pe. Joo Felipe
Bettendorff1

Sculo 18
Sculo 18
1705

Frei Vitoriano Pimentel1

1707

Martin de Nantes [23]

1712

Woodges Rogers1 [10]

1712

Amd Franois Frzier

1720

George Shelvocke

1722

Franois Coral

1726

Francisco Palcio3 (SP)


Joo Antnio Cabral

1698

Pierre Couplet de
Tartreaux (Paraba)

1727

1699

William Dampier

1739

Christobal de Acua1 [16]

Camelo3 (SP, MT)

1642-1645

Caspar Schmalkalden

1647-1651

Frei Laureano de la Cruz1

Sc. 17

Jacob Wilhelm Griebe

1648

Richard Fleckno

Sc. 17

Samuel Niedenthal

1743

La Condamine1 [18]

1655

Conde de Pagan
(viagem de Pedro
Teixeira)1

Sc. 17

Korte en Wonderlijke

1749

Jos Gonalves da Fonseca

Beschryvinge1[10]

1751

Sc. 17

Pe. Manoel de Moraes [2]

D. Antnio Rolim de
Moura, Conde de
Azambujan3 (SP, MT)

1656

Pe. Joo de Sotto Mayor


(Rio Pacajs) [37]

Figura 2.
Frontispcio de
Historiae Naturalis
de Insectis Libri III,
de Johann Johnston
(1653)

1741-1757

Frei Joo de Arronches


Pe. Joo Daniel1 [21]

1753/1759-1784 Antonio Giuseppe Landi

dezembro de 2000 CINCIA HOJE 33

H I S T R I A

Por outro lado, durante esse tempo, Pedro


Teixeira tomou posse da Amaznia em
nome de Portugal, e vrios cronistas legaram-nos relatos sobre a fauna amaznica
em funo dessa sua gigantesca e herica
viagem rio acima e abaixo.
Os portugueses, principalmente os jesutas, continuaram a escrever sobre os
animais (notabilizando-se Ferno Cardim
e Simo de Vasconcelos). Muitos sofreram o destino de terem suas obras no
publicadas, a no ser recentemente.

Figura 3.
Ilustrao do
livro de Roesel
von Rosenhof,
Historia
Naturalis
Ranarum
(1758)

O sculo 18
A expanso do territrio sul-americano pertencente
a Portugal, graas s entradas e bandeiras paulistas,
tomada de posse da Amaznia por Pedro Teixeira,
no sculo anterior, e a vrios outros fatores, alterou
consideravelmente a configurao do Brasil, e o
Tratado de Tordesilhas era j, na prtica, letra
morta. Portugal e Espanha estabeleceram no sculo
18 vrios tratados em seqncia, para redefinir suas
respectivas possesses na Amrica do Sul. Disso
resultaram os Tratados de Madri (1750) e de Santo
Ildefonso (1777), entre outros.
A poca das Luzes chegou a Portugal graas ao
marqus de Pombal, que organizou a reforma do
ensino superior. Um nmero razovel de pessoas
nascidas no Brasil chegou a formar-se e doutorar-se
na Universidade de Coimbra e em outras universidades europias. Vrias delas foram enviadas pela
Coroa Portuguesa em misses oficiais de levantamentos geogrficos e de demarcao de fronteiras
(como, por exemplo, o paulista Francisco Jos de

Sculo 18
1754

Relaam curioza1

1754

Relaam de Caetano
Paes da Silva 1

1788-1790

1759

Pedro Norberto de Aucourt


e Padilha

Francisco Jos Lacerda


e Almeida3

1792

1761-1763

Dom Joo de
So Joseph Queiroz1 [19]

Francisco de Oliveira
Barboza3 (SP, MT) [36]

1792

1763

Antoine Joseph Pernetty

Francisco Antnio
de Sampaio

1768

Pe. Jos Monteiro de Noronha1

1797

Frei Gaspar da Madre


de Deus (Cap. S. Vicente)

1799

John Browne

1769

Theotonio Joz Juzarte

1770

Joseph Barboza de Sa4

1774-1775

Francisco Xavier Ribeiro


de Sampaio 1 [20]

1783
1783-1792
1785

1785

1799
Sc. 18

Diogo de Toledo
Lara e Ordonhes3

Vicente Coelho de Seabra [4]


Jos Custdio de S e Faria

Manoel Cardoso de Abreu


(Di vertimento admirvel)3

Sc. 18

Anon. (Maranho) [43]

Sc. 18

Anon. (Amap) [44]

Alexandre Rodrigues
Ferreira

Sc. 18

Anon. (Mappa
das cachoeiras) [45]

Sc. 18

Anon. (Ilha de Joannes) [46]

Henrique Joo Wilkens


(Muhraida)1 [22]

34 CINCIA HOJE vol. 28 n 167

Fins do sc. 18 Luiz dos Santos Vilhena [25]

Lacerda e Almeida), escrevendo algo tambm sobre


fauna e flora. Essas pessoas e certos estrangeiros
(como Antonio Giuseppe Landi, o genial arquiteto
de Belm) contriburam, na medida do possvel,
para tornar conhecidos animais e plantas do Brasil,
mas nenhum desses resultados viu a luz em forma
impressa, enquanto na Europa produziam-se obras
de grande luxo (figura 3).
O governo portugus promoveu nessa poca a
nica expedio oficial para estudar a histria natural de sua gigantesca colnia sul-americana, comandada pelo baiano Alexandre Rodrigues Ferreira, que
teve seus resultados saqueados pelos franceses durante a invaso de Portugal por Junot, no incio do
sculo 19, ou deixados inaproveitados em Portugal.
Joseph Barboza de Sa preparou a primeira
monografia sobre a biota do Mato Grosso, uma
extraordinria contribuio (mais de mil produtos
naturais so descritos), que s foi dada a conhecer
recentemente.

O sculo 19
A vinda de Dom Joo VI para o Brasil e a abertura dos
portos inaugurou o perodo das grandes viagens de
naturalistas europeus pelo territrio brasileiro. A
fauna e a flora passaram a ser coletadas e descritas
por, literalmente, centenas de naturalistas estrangeiros (os exemplares todos indo parar nos museus
e universidades europias). Escreveram-se grandes
obras, grandes revises, publicadas numa babel de
lnguas, em revistas e obras impressas na Europa.
Em 1822 fundou-se o Museu Nacional, mais
tarde incorporado UFRJ e o mais antigo do hemisfrio. Organizaram-se as primeiras colees de his-

Aventureiros, cronistas, missionrios


e viajantes que discorreram sobre animais
brasileiros entre os sculos 16 e 18.
Os algarismos entre colchetes referem-se ao nmero
da revista Contribuies avulsas sobre a Histria Natural
do Brasil (Srie Histria da Histria Natural),
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro,
Seropdica, RJ. 1 Cf. Papavero, N., D. M. Teixeira,
W. L. Overal & J. R. Pujol-Luz, O novo den.
A fauna da Amaznia brasileira nos relatos
de viajantes e cronistas (1500-1777).
Museu Paraense Emlio Goeldi, Belm, PA, 2000.
2
Cf. Teixeira, D. M., N. Papavero & M. Tavares (em prep.),
Os primeiros documentos sobre a Histria Natural
do Brasil (1500-1511). 3 Cf. Papavero, N., M.
de F. Costa & D. M. Teixeira (em prep.), A fauna
de So Paulo nos sculos XVI a XVIII. 4 Cf. vol. 2 da revista
Historia Naturalis (UFRRJ, Seropdica, RJ).

Quello,
Quello,

H I S T R I A

che qui viddi fu, che vedemmo una brutissima cosa duccelli di diverse forme,

e colori, e tanti papagalli, e di tante diverse sorte, che era maraviglia; alcuni colorati come grana,
altri verdi, e colorati, e limonati, e altri tutti verdi, e altri neri, e incarnati, e il canto degli altri uccelli,
che istavano negli alberi era cosa tam suave, e di tanta melodia, che ci accade molte volte istar parati per la
dolcezza loro. Gli alberi loro sono di tanta bellezza, e di tanta soavit, che pensammo essere nel Paradiso
terrestre, e nessuno di quelli alberi, n le frutte di essi tenevano conformit co medesimi di questa parte,
e per il fiume vedemmo di molte gente pescare, e di varie deformitate
(Aquilo que aqui vimos foi uma enorme quantidade de pssaros de diversas formas e cores, e tantas espcies
de papagaios, que era uma maravilha; alguns de cor carmesim, outros verdes cor de limo, outros inteiramente
verdes, outros pretos e encarnados. O canto dos outros pssaros que estavam nas rvores era coisa to suave
e to melodiosa que aconteceu muitas vezes ficarmos encantados com a doura deles. As rvores so de tal
beleza e to aprazveis que pensvamos estar no paraso terrestre. Nenhuma daquelas rvores nem seus frutos
tem semelhana com os desta parte. No rio vimos muitas qualidades de peixes e de vrias deformidades).
Amerigo Vespucci, Carta a Lorenzo de Medici, 18 de julho de 1500

tria natural e iniciou-se a grande e valiosssima


biblioteca que essa benemrita instituio possui
at hoje. Entretanto, nunca teve o Museu, no sculo
19, um corpo fixo de cientistas, e no havia no Brasil
cursos superiores para a formao de pessoal especializado. Ainda no sculo 19 criaram-se os atuais
Museu Paraense Emlio Goeldi, em Belm, e o Museu Paulista da Universidade de So Paulo (USP), do
qual, em 1939, foi desmembrado o atual Museu de
Zoologia da USP; ambos, sintomaticamente, dirigidos por cientistas estrangeiros (Goeldi e Ihering), j
que no Brasil no havia universidades para a formao de cientistas. Esses museus teriam extraordinria atuao no sculo 20 como centros de formao
de pessoal de nvel superior, principalmente em
sistemtica (cincia que se ocupa das classificaes
dos seres vivos), e organizaram importantssimas
colees e bibliotecas, sem as quais praticamente
impossvel trabalhar em zoologia no Brasil, cabendo-lhes a tarefa de recuperar o tempo perdido nos
sculos anteriores e lutar para ampliar seus acervos,
manter suas publicaes e formar especialistas.

O sculo 20
Em 1900 foi criado o atual Instituto Oswaldo Cruz,
que inaugurou a moderna pesquisa biolgica no
Brasil. Apesar de tratar somente de grupos zoolgicos de importncia mdica, o Instituto Oswaldo
Cruz notabilizou-se por escapar da tradio livresca
que dominava os intelectuais brasileiros e por iniciar uma tradio de experimentao e de viagens
de coleta no campo. Em sua esteira, surgiram muitos
outros institutos (como o Butantan), que tambm
inmeras contribuies trariam cincia zoolgica.
A criao das universidades neste sculo, embo-

ra tardia, trouxe um enorme desenvolvimento para


as cincias em geral e para a zoologia em particular.
Os cursos de histria natural (depois, cincias biolgicas), a comear pelo da Faculdade de Filosofia,
Cincias e Letras da USP, possibilitaram o aparecimento de um nmero razovel de cientistas, empenhados no estudo da biota do pas. Foi de extraordinria importncia, para o desenvolvimento desses
estudos, a criao, h meio sculo, do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq, depois Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico) e
das Fundaes de Amparo Pesquisa dos diferentes
estados. Novos ncleos de ensino e pesquisa surgiram nas diversas regies do pas; criaram-se, na medida do possvel e ao sabor das crises polticas, novos acervos e novas bibliotecas, e muitas expedies
de coleta de material foram organizadas. Os museus,
como dito acima, em conjuno com as universidades, tornaram-se importantssimos centros de formao de recursos humanos e referncia.
Um interessante estudo das diversas escolas
zoolgicas do Brasil neste sculo, assim como sobre
o Programa Nacional de Zoologia do CNPq e a
promoo dos cursos especiais de sistemtica zoolgica, que introduziram no pas as teorias modernas da sistemtica filogentica e da biogeografia por
vicarincia, a partir de 1980, foi publicado em 1994
por George de Cerqueira Leite Zarur.
Termina este sculo com uma triste nota. Nos
tempos coloniais, o Estado impedia a divulgao
dos conhecimentos adquiridos sobre a fauna. Nos
albores de um novo milnio, a prevalecer a atual
legislao sobre coletas biolgicas no Brasil (ver
Biopirataria A diversidade biolgica na mira da
indstria farmacutica, nesta edio), o Estado passar a impedir, no a divulgao dos dados, mas o
prprio acesso a eles...
n

Sugestes
para leitura
PAPAVERO, N.,
Essays on the history
of Neotropical
Dipterology,
with special
reference
to collectors
(1750-1900),
2 vols. Museu
de Zoologia
da Universidade
de So Paulo,
SP, 1971, 1973
(A obra inclui
os roteiros das
principais viagens
de naturalistas
pelo Brasil
nos sculos 18 e 19).
PAPAVERO, N., TEIXEIRA,
D. M. & LLORENTEBOUSQUETS, J.,
Histria da Biogeografia
no perodo
pr-evolutivo. Editora
Pliade e Fundao de
Amparo Pesquisa do
Estado de So Paulo,
So Paulo, 1997.
TEIXEIRA, D. M., Brasil
Holands: Theatrum
rerum naturalium
Brasiliae, 1993;
Miscellanea Cleyeri,
Libri Principis &
Theatrum rerum
naturalium Brasiliae,
1995; Documentos da
biblioteca universitria
de Leiden,
o Thierbuch
e a Autobiografia
de Zacharias Wagener
e os quadros do
Weinbergschlsschen
de Hoflssnitz, 1997;
Coleo Niedenthal,
Animaux
et Oiseaux
& Naturalien-Buch
de Jacob Wilhelm
Griebe.
Editora Index,
Rio de Janeiro, 1998.
ZARUR, G. de C. L.,
A zoologia no Brasil:
A tradio naturalista,
escolas
e paradigmas,
in seu A arena cientfica.
Editora Autores
Associados,
Campinas, SP, 1994.

dezembro de 2000 CINCIA HOJE 35

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