500 Anos Da Zoologia No Brasil
500 Anos Da Zoologia No Brasil
500 Anos Da Zoologia No Brasil
Entre as aulas
de histria natural dadas
pelos ndios aos jesutas,
nos primeiros tempos
do Descobrimento,
e os estudos
desenvolvidos
por museus, institutos
de pesquisa e cursos
universitrios criados
aqui nos sculos 19 e 20,
muitos dados sobre
a fauna brasileira foram
levantados por
aventureiros, cronistas,
missionrios e viajantes.
Em decorrncia
da proibio,
pela Coroa portuguesa,
da divulgao
de informaes que
estimulassem a cobia
de outras potncias
estrangeiras,
s recentemente veio
a pblico grande parte
deles. Agora, a legislao
extremamente restritiva
sobre coletas biolgicas
no pas ameaa impedir o
prprio acesso a tais
informaes.
Nelson Papavero
Instituto de Cincias
Biolgicas e Ambientais,
Universidade Santa rsula,
Rio de Janeiro
Os 500 anos da
zoologia
Brasil
no
H I S T R I A
FIGURAS DE ANTNIO JOS LANDI, EXTRADAS DO LIVRO FAUNA E FLORA BRASILEIRA - SCULO XVII
O sculo 16
A descrio acima, feita em 1507 por um cronista
italiano, parece corresponder a uma aberrao, mas
refere-se simplesmente ao nosso prosaico gamb ou
mucura, marsupial didelfdeo. Capturado na ilha de
Maraj e levado para a Espanha por Vicente Pinzn
que em 1500, dois ou trs meses antes de Cabral,
esteve na costa nordeste e norte do Brasil e descobriu (segundo alguns) a foz do rio Amazonas , o
animal, o primeiro a ser levado do Brasil para a
Europa, causou enorme assombro nos reis de Espanha e em muita gente. Diferia de tudo o que se
conhecia at ento, inclusive no modo de reproduzir-se, tendo no ventre uma bolsa onde acabava de
criar os filhos (um segundo tero), e, de acordo
com o cronista, parecia ser composto por partes
pertencentes a distintos animais europeus...
Pouco a pouco as expedies Amrica do Sul
revelariam ao Velho Mundo uma rica fauna, composta s vezes por animais de rara beleza, como os
papagaios e araras (que chegaram a dar ao Brasil, em
certa poca, o epteto de Terra dos Papagaios...), e
outras vezes por espcies de estranhssima conformao, muito diferentes das conhecidas pelos europeus, o que levou os filsofos naturais da poca a
formular vrias teorias sobre a distribuio geogrfica das espcies.
A poltica de Portugal, impedindo a divulgao
de informaes sobre o Brasil, sempre cobiado por
outras potncias estrangeiras, fez com que essas
informaes permanecessem secretas, zelosamente
sepultadas em arquivos da metrpole. Grandes contribuies ao estudo de nossa fauna (como o Tratado
descritivo do Brasil em 1587, obra mpar de Gabriel
H I S T R I A
Figura 1.
Frontispcio
do livro de
Johann Gregor
Aldenburgk
(1627) sobre
a conquista de
Salvador pelos
holandeses
O sculo 17
Com a morte de Dom Sebastio na batalha de Alccer-Quibir (1578), o trono de Portugal foi ocupado
pelo cardeal Dom Henrique, tio do monarca desaparecido. A morte do cardeal extinguiu a dinastia de
Aviz, dando incio chamada unio das coroas
ibricas (1580-1640), uma vez que os direitos de
sucesso pertenciam coroa espanhola. Destinada
a durar 60 anos, essa dominao estendeu-se pelo
reinado de Felipe II, de Felipe III e parte daquele de
Felipe IV de Espanha, quando a Revoluo Restauradora logrou elevar ao trono portugus Dom Joo,
duque de Bragana e futuro Dom Joo IV.
Vrias conseqncias teve esse fato. Uma delas
foi a sistemtica tendncia de invaso do Brasil por
outras potncias europias. Os franceses, comanda-
Emquanto
Emquanto
papagayos per esas arvores deles verdes e outros pardos grandes e pequenos de maneira
que me parece que avera neesta terra muitos pero eu nom veria mais que ataa ix ou x outras aves
entam nom vimos somente alguas ponbas seixas e pareceram me mayores em boa camtidade
ca as de Portugal. Algus deziam que viram rolas mas eu nom as vy mas segumdo os arvoredos sam muy muitos
De Pinzn a Vilhena
e grandes e d imfimdas maneiras nom dovido que per esse sartao ajam muitas aves.Carta de Pero Vaz Caminha, 1500
Sculo 16
Sculo 16
Pinzn1,2
1560
Joseph de Anchieta3
1613-1614
1500
Vicente Yez
1560
Newe Zeytung4
1614
1500
1562
1616
Andr Pereira
1500
Piloto annimo2
1565
Newe Zeytung
1618
1500
Amerigo Vespucci2
[7]
1501
1503
O ato notarial
1503
1573
(Intento)1 [11]
Pero de Magalhes
Gndavo
1618
Ambrsio Fernandes
Brando
1624
de Valentim Fernandes2
1585
Carta de Giovanni da
Empoli2
1587
1591
Anthony Knivet
1624
Reys-boeck1 [10]
1596
1625
Ferno Cardim
1625
J. de Laet
1627
Aldenburgk (Bahia)
1627
1627
Gaspar Barlaeus
(La Argentina)3
1628
1504-1505
Capito de Gonneville2
1511
1538
Diogo Nunes1
1541-1542
1550-1554
Hans Staden3
1551
(ed. italiana)3
1555-1556
Andr Thevet
1557-1558
Jean de Lry
Sculo 17
Fins do sc. 16
Sculo 17
1610
1612
1613-1614
Claude
dAbbeville1
[6, 28]
1629-1640
1632
Cuthbert Pudsey
John Day1 [13]
De sopra
De sopra
H I S T R I A
nuova, chiamano la terra de li papaga, per esser li papaga longi uno brazo et pi , de varij colori
(Acima do Cabo da Boa Esperana, em direo ao ocidente, descobriram uma terra nova, chamam-na
de Terra dos Papagaios, por serem os papagaios maiores que um brao ou mais, de vrias cores).
Carta de Domenico Pisani, 1501
1633
Johannes de Laet
1634-1641
Zacharias Wagener
1636-1644
Albert Eckhout
1638-1642
Georg Marcgrave
1638-1642
Willem Pies
1639
1639
1639
Montoya
1640-1649
1641
Jan Nieuhof
1662
1663
do. Vrias tentativas de invadir o vale amaznico foram feitas por ingleses, franceses
e holandeses, e alguma informao sobre a
fauna chegou a ser publicada (figura 2). 4
Herana vocabular
Alguns exemplos de palavras de origem
tupi, designativas de animais e plantas,
que se incorporaram ao portugus e,
em alguns casos, a idiomas como o ingls
e o francs:
Maurcio de Heriarte
(viagem de Pedro
Teixeira)1 [17, 38]
Simo de Vasconcellos
1679
1669
J. J. Becher1
1679
1694-1698
Sculo 18
Sculo 18
1705
1707
1712
1712
1720
George Shelvocke
1722
Franois Coral
1726
1698
Pierre Couplet de
Tartreaux (Paraba)
1727
1699
William Dampier
1739
1642-1645
Caspar Schmalkalden
1647-1651
Sc. 17
1648
Richard Fleckno
Sc. 17
Samuel Niedenthal
1743
La Condamine1 [18]
1655
Conde de Pagan
(viagem de Pedro
Teixeira)1
Sc. 17
Korte en Wonderlijke
1749
Beschryvinge1[10]
1751
Sc. 17
D. Antnio Rolim de
Moura, Conde de
Azambujan3 (SP, MT)
1656
Figura 2.
Frontispcio de
Historiae Naturalis
de Insectis Libri III,
de Johann Johnston
(1653)
1741-1757
H I S T R I A
Figura 3.
Ilustrao do
livro de Roesel
von Rosenhof,
Historia
Naturalis
Ranarum
(1758)
O sculo 18
A expanso do territrio sul-americano pertencente
a Portugal, graas s entradas e bandeiras paulistas,
tomada de posse da Amaznia por Pedro Teixeira,
no sculo anterior, e a vrios outros fatores, alterou
consideravelmente a configurao do Brasil, e o
Tratado de Tordesilhas era j, na prtica, letra
morta. Portugal e Espanha estabeleceram no sculo
18 vrios tratados em seqncia, para redefinir suas
respectivas possesses na Amrica do Sul. Disso
resultaram os Tratados de Madri (1750) e de Santo
Ildefonso (1777), entre outros.
A poca das Luzes chegou a Portugal graas ao
marqus de Pombal, que organizou a reforma do
ensino superior. Um nmero razovel de pessoas
nascidas no Brasil chegou a formar-se e doutorar-se
na Universidade de Coimbra e em outras universidades europias. Vrias delas foram enviadas pela
Coroa Portuguesa em misses oficiais de levantamentos geogrficos e de demarcao de fronteiras
(como, por exemplo, o paulista Francisco Jos de
Sculo 18
1754
Relaam curioza1
1754
Relaam de Caetano
Paes da Silva 1
1788-1790
1759
1792
1761-1763
Dom Joo de
So Joseph Queiroz1 [19]
Francisco de Oliveira
Barboza3 (SP, MT) [36]
1792
1763
Francisco Antnio
de Sampaio
1768
1797
1799
John Browne
1769
1770
1774-1775
1783
1783-1792
1785
1785
1799
Sc. 18
Diogo de Toledo
Lara e Ordonhes3
Sc. 18
Sc. 18
Alexandre Rodrigues
Ferreira
Sc. 18
Anon. (Mappa
das cachoeiras) [45]
Sc. 18
O sculo 19
A vinda de Dom Joo VI para o Brasil e a abertura dos
portos inaugurou o perodo das grandes viagens de
naturalistas europeus pelo territrio brasileiro. A
fauna e a flora passaram a ser coletadas e descritas
por, literalmente, centenas de naturalistas estrangeiros (os exemplares todos indo parar nos museus
e universidades europias). Escreveram-se grandes
obras, grandes revises, publicadas numa babel de
lnguas, em revistas e obras impressas na Europa.
Em 1822 fundou-se o Museu Nacional, mais
tarde incorporado UFRJ e o mais antigo do hemisfrio. Organizaram-se as primeiras colees de his-
Quello,
Quello,
H I S T R I A
che qui viddi fu, che vedemmo una brutissima cosa duccelli di diverse forme,
e colori, e tanti papagalli, e di tante diverse sorte, che era maraviglia; alcuni colorati come grana,
altri verdi, e colorati, e limonati, e altri tutti verdi, e altri neri, e incarnati, e il canto degli altri uccelli,
che istavano negli alberi era cosa tam suave, e di tanta melodia, che ci accade molte volte istar parati per la
dolcezza loro. Gli alberi loro sono di tanta bellezza, e di tanta soavit, che pensammo essere nel Paradiso
terrestre, e nessuno di quelli alberi, n le frutte di essi tenevano conformit co medesimi di questa parte,
e per il fiume vedemmo di molte gente pescare, e di varie deformitate
(Aquilo que aqui vimos foi uma enorme quantidade de pssaros de diversas formas e cores, e tantas espcies
de papagaios, que era uma maravilha; alguns de cor carmesim, outros verdes cor de limo, outros inteiramente
verdes, outros pretos e encarnados. O canto dos outros pssaros que estavam nas rvores era coisa to suave
e to melodiosa que aconteceu muitas vezes ficarmos encantados com a doura deles. As rvores so de tal
beleza e to aprazveis que pensvamos estar no paraso terrestre. Nenhuma daquelas rvores nem seus frutos
tem semelhana com os desta parte. No rio vimos muitas qualidades de peixes e de vrias deformidades).
Amerigo Vespucci, Carta a Lorenzo de Medici, 18 de julho de 1500
O sculo 20
Em 1900 foi criado o atual Instituto Oswaldo Cruz,
que inaugurou a moderna pesquisa biolgica no
Brasil. Apesar de tratar somente de grupos zoolgicos de importncia mdica, o Instituto Oswaldo
Cruz notabilizou-se por escapar da tradio livresca
que dominava os intelectuais brasileiros e por iniciar uma tradio de experimentao e de viagens
de coleta no campo. Em sua esteira, surgiram muitos
outros institutos (como o Butantan), que tambm
inmeras contribuies trariam cincia zoolgica.
A criao das universidades neste sculo, embo-
Sugestes
para leitura
PAPAVERO, N.,
Essays on the history
of Neotropical
Dipterology,
with special
reference
to collectors
(1750-1900),
2 vols. Museu
de Zoologia
da Universidade
de So Paulo,
SP, 1971, 1973
(A obra inclui
os roteiros das
principais viagens
de naturalistas
pelo Brasil
nos sculos 18 e 19).
PAPAVERO, N., TEIXEIRA,
D. M. & LLORENTEBOUSQUETS, J.,
Histria da Biogeografia
no perodo
pr-evolutivo. Editora
Pliade e Fundao de
Amparo Pesquisa do
Estado de So Paulo,
So Paulo, 1997.
TEIXEIRA, D. M., Brasil
Holands: Theatrum
rerum naturalium
Brasiliae, 1993;
Miscellanea Cleyeri,
Libri Principis &
Theatrum rerum
naturalium Brasiliae,
1995; Documentos da
biblioteca universitria
de Leiden,
o Thierbuch
e a Autobiografia
de Zacharias Wagener
e os quadros do
Weinbergschlsschen
de Hoflssnitz, 1997;
Coleo Niedenthal,
Animaux
et Oiseaux
& Naturalien-Buch
de Jacob Wilhelm
Griebe.
Editora Index,
Rio de Janeiro, 1998.
ZARUR, G. de C. L.,
A zoologia no Brasil:
A tradio naturalista,
escolas
e paradigmas,
in seu A arena cientfica.
Editora Autores
Associados,
Campinas, SP, 1994.