Teorias Da Comunicacao No Brasi - Vera Veiga Franca, Alessandra A
Teorias Da Comunicacao No Brasi - Vera Veiga Franca, Alessandra A
Teorias Da Comunicacao No Brasi - Vera Veiga Franca, Alessandra A
ALESSANDRA ALD
MURILO CSAR RAMOS
(ORG.)
Teorias da Comunicao no
Brasil
reflexes contemporneas
Introduo
Teorias da Comunicao: entre
avanos, resgates e reconstrues
Esta coletnea resultado de um edital lanado
pela Comps no segundo semestre de 2013, que
fez uma chamada para artigos sobre avanos em
teorias da Comunicao no Brasil. Ao devolver para
a comunidade da rea os trabalhos selecionados,
entendemos que este conjunto apresenta uma
dupla contribuio para seus leitores: o interesse
das abordagens e conceitos tratados em cada
artigo, mas tambm a visada mais ampla que ele
possibilita. A resposta a esta chamada sinaliza
aquilo que esta comunidade identificou e sinalizou
como sendo as reflexes mais significativas e
O
desenvolvimento
e
importncia
das
tecnologias no ps-guerra, bem como a
consolidao da sociedade de consumo no final do
sculo, apontam para uma mudana, e a era
sistmica e mercadolgica da mdia eletrnica (cf.
Lucien Sfez) comea a substituir a fase poltica da
propaganda: neste novo momento, parece ser a
cibercultura que se converte em nova chave
epistmica.
Marcondes Filho trata da questo do que , de
fato, estudar a comunicao: para ele, a cincia da
comunicao tem sido to somente um campo de
aplicao de outros saberes (da Sociologia, da
Poltica, da Lingustica). hora, ele nos diz, de nos
dedicarmos aos fenmenos comunicacionais e
sua
emergncia;
estudar
o
fenmeno
comunicacional em si supe obedecer aos
pressupostos de uma objetividade radical (cf.
Husserl), buscando a verdade embutida na
prpria experincia vivida.
H dois tipos de fenmenos comunicacionais,
nos diz Marcondes: os abertos e os fechados.
Abertos so fenmenos que se transformam
enquanto esto sendo produzidos, e que recebem a
participao das pessoas envolvidas; fechados so
produtos que circulam prontos, e aos quais os
O CAMPO DA
COMUNICAO
ERICK FELINTO
NOTAS
[1] O termo German media theory, curiosamente consagrado no
contexto anglo-saxo, designa um conjunto heterogneo de
pensadores extremamente diferentes, mas que se renem a partir
do interesse comum pela dimenso material dos meios. Em outras
palavras, partem do princpio de um a priori medial. Por essa razo,
segundo Parikka (2012, p. 63), a teoria da mdia alem tambm
FRANCISCO RDIGER
sua
competncia,
inteligncia e posicionamento social.
Qualquer que seja nossa atitude em relao a essa
condio, continua sendo fato que, em quase todas
as situaes da vida cotidiana, seja na esfera da
poltica ou dos negcios, seja na conduta social ou no
pensamento tico, somos dominados por um
nmero relativamente pequeno de pessoas [...], que
entende os processos mentais e padres sociais das
massas. So elas que puxam os cordeis com que se
controla a mente do pblico, que pem arreios nas
velhas foras sociais e impem novos meios de ligar
e de guiar o mundo. (BERNAYS, 1928, p. 9-10)
comunicao
e
o
desenvolvimento
do
conhecimento pblico poderiam ser a via da ltima
perspectiva. As massas no precisam dispor de
meios de saber e pesquisa especializados para
desenvolverem um modo de vida democrtico. O
essencial , antes, adquirir a habilidade de julgar o
peso do conhecimento sobre problemas comuns
que nos fornecido, e isso s pode ser obtido se
passarmos a dispor de aparatos que, em vez de
servirem ao propagandstica, promovam a livre
a comunicao, visto que essa, a comunicao
livre, aberta e horizontal, [...] a precondio de
existncia de um pblico efetivo e genuno.
(DEWEY, 1927, p. 142)
GUERRA IDEOLGICA: COMUNICAO VERSUS
PROPAGANDA
Malcolm Willey (1935) pode ter sido influenciado
por Dewey, como o foi pelos porta-vozes da nova
indstria do rdio e da televiso (SIMONSON 2010),
para, no perodo entre-guerras, propor que a
expresso propaganda fosse, pelo seu cunho
polmico, substituda pelo termo comunicao de
massas, visto que [...] a propaganda, no
importa a definio dada, deveria ser vista como
uma, apenas, das formas de comunicao de
1966, p. 222-223)
O conhecimento poder e, nas circunstncias de
uma sociedade democrtica e liberal, este consiste,
sobretudo, em saber usar os sistemas de
comunicao, para manejar os outros e obter seu
consentimento. A comunicao a chave para
manejar o consentimento necessrio consecuo
da ao social, a partir do momento em que se
torna objeto de [...] mtodos organizados e um
slido planejamento estratgico. (BERNAYS, 1966,
p. 233) O fato que precisamos todos aceitar que,
em nosso tempo, [...] apenas com o domnio das
tcnicas de comunicao se pode atuar
frutiferamente na arte de conduzir o pblico no
vasto mundo que o da democracia. (BERNAYS,
1966, p. 221)
Em funo disso, pode-se entender porque, alm
do crescente estmulo empresarial e do interesse
puramente acadmico, o campo de estudos a
respeito da comunicao tenha, nos seus
primrdios, se desenvolvido sob o impacto da
pesquisa a respeito da propaganda e da recmintroduzida
noo
de
guerra
psicolgica.
Comeando no perodo da II Guerra e se
estendendo pelo menos at meados dos anos
1960, nota Christopher Simpson, houve uma
Ironicamente,
aconteceu,
portanto,
que
comunicao, um termo de carter originalmente
orgnico ou expressivo, acabou, aps a guerra, ao
menos, sendo adotado como mscara de um
entendimento dos processos de relacionamento
social que era predominantemente instrumental na
prtica. Lazarsfeld e Merton deixam isso muito
claro em sua sntese sobre o assunto, observando
que a comunicao a base para uma forma mais
uma
experincia
interior
especfica, pessoal, nica, intransfervel.
COMO PESQUISAR A COMUNICAO?
Isso posto, chegamos segunda parte deste
captulo, que interessa mais diretamente
Academia. Como trabalhar os processos de
comunicao ou quase comunicacionais que nos
interessam? Como estudar efetivamente o
fenmeno comunicacional por meio de um
procedimento
especfico,
particular,
no
cumulativo, sem pretenses a generalizaes ou
inferncias?
O trabalho do pesquisador obedece, antes, aos
pressupostos de uma objetividade radical, da
forma como o pensava Husserl, em que a
verdade estaria embutida na prpria experincia
vivida. Isso s possvel se a cincia da
Caso 1
O pesquisador quer estudar o processo de
comunicao que se realiza numa igreja
evanglica. Para observar a ao, ele apresenta-se
Caso 2
A sociedade entra, de um momento para outro, em
situao de ebulio. Organizam-se passeatas,
protestos, produzem-se palavras de ordem,
msicas, faixas e discusses. Num contexto dessa
natureza, o estudioso da comunicao acompanha
o desenrolar do movimento social consultando
todos os canais possveis: dos grandes meios de
comunicao, passando pelas declaraes dos
polticos e pessoas influentes na opinio pblica,
Caso 3
Um grupo musical apresenta-se a um pblico. Que
comunicao acontece a? H uma situao
eventualmente
comunicacional
entre
os
executantes e o pblico assistente. H outra
situao potencialmente mais comunicacional entre
os prprios executantes e sua interao recproca
tocando a melodia, entrando em entrelaamento
harmnico, gerando, a partir disso, novas
descobertas. Do ponto de vista comunicacional,
uma audio musical tem poucas chances de
efetivar-se como comunicao stricto sensu. O que
se tem, em geral, so confirmaes emotivas,
passionais, vivenciais, vindas de uma capacidade
que possui a msica de evocar sentimentos
passados, acoplados a situaes anteriores em que
a msica foi ouvida. A msica evoca esse tipo de
memria, lembrana recorrente carregada de
emoes, o que faz reviv-las. Esse tipo de
sentimento confirmador, ele reata com o vivido,
reforando-o, no havendo experincia de ruptura.
Quando se participa de uma audio musical
improvvel
a
ocorrncia
da
comunicao,
principalmente porque o pblico a assiste para se
reencontrar com suas emoes, para reviver
audies antigas, em suma, para estender essas
aes sobre o presente. O tempo de um espetculo
tambm colabora para dificultar as chances de
acontecer a comunicao. O novo, se aparece, no
Caso 4
O cinema tem uma grande capacidade de realizar o
acontecimento comunicacional. Ele conta que a
extenso do tempo, a durao da assistncia de
um filme suficiente para gerar, no espectador, um
processo interno de questionamento de posies ou
opinies. Alm do mais, por ser um produto criado
sob a ordem ficcional, ele permite a esse mesmo
espectador uma abertura maior para as
representaes que so mostradas na tela. Junto
com isso se acrescenta o ambiente fechado,
escuro, a fora expressiva do som ou da trilha
sonora, e o fato de ser uma experincia coletiva:
outros esto, da mesma forma que esse
espectador, participando, como num ritual, de um
mesmo espetculo.
Se o filme comunicou ou no, isso j sentido
no prprio comportamento do pblico ao sair. H
plateias que saem felizes, animadas, conversando
de forma entusiasmada, rindo ou lembrando de
cenas alegres. Em So Paulo, aps a exibio de
Tropa de elite [Jos Padilha, 2007], pessoas se
levantavam e aplaudiam de p. No se pode dizer
que ocorreu a comunicao; o que se teve, de fato,
foi uma confirmao e um reforo de uma postura
de manuteno de certo princpio, de certas aes,
em
suma,
de
certa
viso
da
relao
polcia/criminoso (a ao implacvel contra os
bandidos). O filme foi um reforo disso tudo.
Da mesma forma, a provocao do choque, do
impacto nervoso, da tenso, colaboram para
manter a plateia magnetizada,
Ao decorrer do filme aprendi uma coisa: As reaes
fsicas de um corpo em angstia so intensas.
Quando senti na pele a ansiedade que o filme
provoca, percebi o quanto so interessantes as
reaes corporais intensas e involuntrias e como
s percebemos que elas agiram sobre ns quando
elas cessam. Ao final do filme, encontrei-me
ofegante, e pior, no me lembro em nenhum
momento de ter prendido a respirao. Acredito que
entrei em uma espcie de transe, de maneira que
fiquei hipnotizado pelas cenas. Pois, ao mesmo
tempo em que elas eram chocantes e intensas,
eram tambm esteticamente muito belas. H uma
cena que ilustra de maneira sublime a exteriorizao
da tenso no corpo humano. Closes em mos
trmulas, olhos arregalados, pescoos que se
movem por causa de respiraes intensas, foram as
imagens utilizadas. A ponto de eu ter percebido em
mim a manifestao de parte dessas mesmas
reaes. Era como se eu tivesse obedecido, passo a
passo, uma ordem externa de um sentir o que me
foi mandado. (SILVA JR., 2012)
Casos 5 e outros
O YouTube goza de prestgio similar ao do cinema.
No se trata de mensagem manipulada, como
ocorre com frequncia na TV, mas de escolha
pessoal. Da mesma forma, no h as imposies
da censura, na maneira como a conhecemos nos
meios tradicionais de comunicao. um mundo
ainda relativamente livre e aberto, gozando por
isso de ampla aceitao popular. Pessoas assistem
vdeos, acompanham sries, vo atrs de certas
modas e as abandonam com a mesma rapidez com
que a elas aderem.
BENJAMIM PICADO
Entre os dispositivos de
interao, as simulaes do
comum e o sedimento afetivo da
sociabilidade: paradigmas
crticos de uma discursividade
esttica nas teorias da
Comunicao[1]
H duas maneiras principais de acessarmos a
importncia e a oportunidade com a qual se
entrecruzam as referncias tericas do campo da
pesquisa
sobre
fenmenos
e
processos
comunicacionais e os registros conceituais e
heursticos da disciplina filosfica chamada de
esttica: no primeiro deles, de espectro crtico
mais amplo e historicamente mais remoto em suas
origens, reflete-se sobre a crescente presena dos
elementos da mediao cultural proporcionada
sensibilidade
assume
um
aspecto
momentaneamente central da reflexo de Muniz
Sodr
sobre
as
estratgias
sensveis,
caractersticas de uma cultura pautada pelos
fenmenos da mediatizao.
Ao correlacionarmos esttica e comunicao,
seja em percursos de interrogao terica e
epistemolgica ou no contexto mais prtico do
ensino
de
disciplinas
como
Esttica
da
Comunicao ou Esttica da Cultura de Massa ou
Comunicao e Experincia Esttica (presentes na
estrutura curricular de boa parte dos cursos de
graduao
em
Comunicao
no
Brasil),
encontramos a implicao de um repositrio de
vocabulrios e conceitos sem contar uma inteira
historicidade de discursos tericos na qual se
relacionam as questes estticas, os fenmenos e
processos comunicacionais e discursividades crticas
prprias do discurso filosfico da modernidade.
evidentemente necessrio, entretanto, que se
esclarea um pouco mais o entendimento
tacitamente partilhado entre os praticantes desse
gnero de interrogaes tericas sobre o
significado mesmo da correlao entre tais
domnios (muito especialmente aqueles que pem
em jogo uma orientao esttica para a pesquisa
aparecer.
Entretanto, esse elogio implcito da tcnica pode
nos conduzir a equvocos de apreenso quanto ao
real lugar de um tal matiz esttico no interior do
composto discursivo das teorias da Comunicao: o
fato de que a pertinncia desses meios na
contemporaneidade se restitua a uma linhagem
das extenses tecnolgicas no significa que a
interrogao
esttica
sobre
questes
comunicacionais devesse ficar necessariamente
rendida numa mera contemplao dessas relaes
entre os meios de comunicao e sua constituio
enquanto dispositivo meditico. Em suma, o
destaque feito sobre os aspectos tecnologicamente
determinados
da
experincia
cultural
contempornea
uma
vez
que
sejam
frequentemente
afirmados
como
elementos
definidores daquilo que mais central s pesquisas
em
comunicao
no
constituem
necessariamente o umbral mnimo e intransponvel
da orientao esttica que se possa imprimir ao
exame
dos
processos
e
fenmenos
comunicacionais. Para sermos mais claros, a
contribuio de uma discursividade esttica no
campo da comunicao, pode-se dizer, foi
constituda historicamente na base de um problema
NOTA
[1] Este texto foi originariamente apresentado como interveno oral
na I Jornada de Estudos sobre Comunicao e Experincia Esttica,
realizada pelo grupo de trabalho Comunicao e Experincia Esttica
da Associao Nacional dos Programas de Ps-Graduao em
Comunicao (Comps), nos dias 24 e 25 de outubro de 2013, na
Escola de Comunicao da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Sou especialmente grato aos colegas Carlos Mendona, Cesar
Guimares, Denilson Lopes, Eduardo Duarte, Felipe Trotta, Jeder
Janotti, Joo Freire Filho, Jorge Cunha Filho e Maurcio Lissovsky, por
todas as observaes, reparos e crticas feitas naquele momento,
esperando que as mesmas tenham encontrado uma boa
repercusso no texto na sua forma presente.
habilidades
comunicativas
de
exposio
argumentativa e justificao pblicas. A tica do
discurso tambm contempla a busca de uma
autocompreenso tica que, inspirada nas
consideraes de George Herbert Mead, coloca o
sujeito constantemente em relao a uma segunda
pessoa, em um processo de leitura constante de
gestos significativos em busca de reconhecimento e
do atendimento s expectativas alheias.
No podemos deixar de salientar que a
conquista da emancipao e da autonomia poltica,
em seu vis relacional, depende de componentes
externas aos sujeitos, ou seja, de dimenses
comunicativas, sociais e institucionais que,
consideradas as assimetrias de poder e de discurso,
os permitam participar da vida pblica, sendo
respeitados, ouvidos e valorizados.
A SIMETRIA POSSVEL
Uma segunda postura dentro do que se chama aqui
de tica das teorias da Comunicao procura
modificar a perspectiva anterior no sentido de
encontrar um ponto de equilbrio entre as
mensagens produzidas pelos media e os seus
destinatrios, pensados no mais em termos de
uma massa, mas como receptores ativos,
contrabalanado
pelo
poder
dos
vnculos
construdos por um receptor multidimensional, que
reconstruir o contedo dos meios a partir de suas
vivncias polticas, histricas e afetivas. Os dois
espaos de poder se interseccionam, se completam
e se desafiam mutuamente na construo de
hegemonias e resistncias, em um equilbrio
dinmico decorrente da simetria identificada, e
longe de ser esttico em qualquer circunstncia.
Na Amrica Latina h uma srie de
desenvolvimentos desse ponto de vista objetivado
nas vrias apropriaes da chamada Teoria das
Mediaes, elaborada por Martn-Barbero (1997)
em seu estudo inicial, Dos meios s mediaes. Em
sua larga descendncia, o livro de algum modo
abriu caminho para que a perspectiva assimtrica
poder das mdias/vulnerabilidade do receptor se
traduzisse em poder da mdia/mediaes do
receptor como construo de sentidos e
significados.
NOTA
[1] Ver tambm Cruz (1986).
CONCEITOS
As matrizes epistmicas da
comunidade na Comunicao:
uma genealogia
INTRODUO
Em disciplinas constitudas pragmaticamente a
partir de aportes da Sociologia (como foi o caso da
Comunicao), a ideia de comunidade consolidouse atravs de uma certa interpretao da obra de
Ferdinand Tnnies, Gemeinschaft und Gesellschaft,
qual seja, enquanto forma social diametralmente
oposta figura dominante da Gesellschaft
(sociedade racional, urbana e industrial).[1]
Neste captulo especulamos acerca das principais
matrizes
epistmicas
responsveis
pelo
desenvolvimento de tal interpretao, desde o
mbito da Sociologia at as apropriaes
comunicacionais.
Positivismo,
marxismo,
hegelianismo e desconstrutivismo compem os
ramos
genealgicos
(no
obrigatoriamente
histricos) do desdobramento semntico da
comunidade. Como pretendemos apresentar aqui, o
desenvolvimento de tal interpretao em cada
ramo ser observado segundo uma dupla
determinao: o movimento geral das cincias
sociais brasileiras e as crticas epistemolgicas
relacionadas s apropriaes do referido conceito.
COMUNIDADE NAS CINCIAS HUMANAS E SOCIAIS
Para o historiador da Sociologia, Robert Nisbet, a
descoberta do conceito de comunidade no sculo
XIX[2] constituiu um divisor de guas do
pensamento social. Isso porque, alm de
influenciar disciplinas importantes como a Filosofia,
a Histria e a Teologia, tal conceito permitiu a
consolidao da Cincia Social propriamente dita,
extraindo da noo comunitria no apenas o seu
objeto (o social), mas as estruturas fundamentais
da pesquisa sociolgica (princpios epistemolgicos,
teorias e metodologias).[3]
Conforme Nisbet, se a comunidade serviu como
referncia ao social era porque a heterogenidade
que caracterizava o cenrio europeu do sculo XIX
explicava-se, razoavelmente, por meio de um
parmetro histrico ou lgico que fazia da
pluralismo integrador.
Nessa primeira perspectiva, o significado de
comunidade abarcar um conjunto de objetos, de
suposta
mesma
natureza
(internamente
unificados), colocados em oposio frontal forma
social dominante, qual seja, o modo de produo
capitalista
consubstanciado
nos
anseios
massificadores da classe burguesa e do Estado
(enquanto escritrio da burguesia) que, para tal,
lanar mo de seus aparelhos repressores e
ideolgicos. Esse significado evidencia a exigncia
de um forte engajamento poltico e o desejo
inadivel de um projeto de sociedade a longo
prazo, isto , que no se esgota em conquistas
polticas pontuais ou imediatistas. o que podemos
identificar em, pelo menos, trs vertentes
investigativas dos anos de 1970 e 1980, todas de
carter combativo: cultura popular x cultura
dominante (ideologia), campesinato x burguesia e
favela x cidade.
Os trabalhos de Marilena Chau (1986) sobre os
modos de conformismo e resistncia no interior da
cultura brasileira, e de Paulo Freire (1989) sobre a
urgncia de bibliotecas populares (ou centros de
memria popular) enquanto posio crticodemocrtica para consolidao das classes menos
Embora
essas
comunidades
fossem
j
conhecidas desde o final do sculo passado pelos
investigadores da Comunicao, a sua popularidade
no sculo XXI viria com o uso massificado de
microcomputadores pessoais e internet, de
aparelhos mveis de telefonia, games e jogos online, alm, claro, dos sites de relacionamento
(Orkut, Twitter, Facebook etc.).
As indagaes sobre a natureza efetivamente
sociotcnica dessas comunidades, alm das
numerosas expresses que se associaram a elas
em geral rtulos propagandeados pela mdia
(ciberjornalismo, ativismo de sof, protestos
digitais,
movimento hacker etc.) , talvez
justifiquem o interesse crescente de pesquisadores.
Mas no se pode duvidar do grande impacto que
essa expresso (comunidade virtual) produziu na
disciplina ao embaralhar velhos conceitos (como
o caso da Gemeinschaft), exigindo de seus
epistemlogos a reviso de seus fundamentos, ou
ainda, ao ampliar seus objetos, conforme o novo
Por
substancialismo
comunitrio
pode-se
compreender a lgica fundadora de toda
comunidade: 1) definio de uma substncia
prpria, essencial, supostamente expropriada
(identidade, territrio, tradio etc.), que totaliza
todo o grupo e que, portanto, deve ser recuperada;
2) excluso das singularidades ou daqueles
(sujeitos) que ora recusam tal ressarcimento (e
ritualizao), ora a criticam, ora propem uma
ciso interna do grupo.
Embora sejam variadas as expresses propostas
por cada autor para fazer frente ao substancialismo
das comunidades,[16] essas se aproximam na
percepo (e crtica) de um germe totalitrio
presente em toda manifestao comunitria.
Segundo esses pensadores, nas tentativas de
acoplamento conceitual visando adequ-la s
demandas sociais e polticas do momento, o
substancialismo
comunitrio
permaneceu
praticamente inalterado. Mesmo quando se parte
de reformulaes pontuais, como em Rheingold, o
princpio que o orienta ainda um essencialismo
inquisidor, voltado tanto satisfao pessoal na
procura do outro (no caso da sociabilidade), quanto
no uso da comunidade para fins polticos
particulares de grupos e organizaes sociais.
NOTAS
[1] Gemeinschaft definida por Tnnies (1995, p. 231) como relao
ou associao humana proveniente da atividade projetiva de
indivduos que expressam uma vontade de unio especfica
(Wesenwille): [...] tudo aquilo que partilhado, ntimo, vivido
exclusivamente em conjunto [...] ser entendido como a vida em
comunidade [...] Na comunidade, h uma ligao desde o
nascimento, uma ligao entre os membros tanto no bem-estar
quanto no infortnio. Diversamente, a Gesellschaft define-se por
outro tipo de vontade (Krwille) que estabelece uma forma social
mecnica, atomizada e impessoal, portanto, oposta
Gemeinschaft.
[2] Para uma anlise mais aprofundada do tema comunidade como
inveno do sculo XIX ver Benedict Anderson (2008) e Jean-Luc
Nancy (2000).
[3] A comunidade no constituiu apenas o principal domnio de
Sobre contribuies
epistemolgicas de Paul Ricoeur
para estudos em Comunicao:
ao, narrativa e acontecimento
INTRODUO: PAUL RICOEUR E A COMUNICAO
As comemoraes do centenrio de nascimento de
Paul Ricoeur, em 2013, so um momento oportuno
para destacar algumas das contribuies da obra
do filsofo para o campo de estudos em
Comunicao. No Brasil, diversos pesquisadores
vm se apropriando das obras de Ricoeur para
tratar de questes concernentes esfera dos
problemas comunicacionais, entre as quais
discusses sobre temporalidades (BARBOSA, 2008),
narrativas (MOTTA, 2004; RESENDE, 2009) e
epistemologia. (BARROS, 2012; CARVALHO, LAGE,
2012; FRANA, 2013) Em outros pases, a filosofia
dimenso
prtica
intrnseca
ao
crculo
hermenutico
de
Ricoeur
associado
ao
entendimento da narrativa como esquema
compreensivo da experincia temporal e prtica
constituem um modelo bastante produtivo do ponto
de vista comunicacional, uma vez que conjuga as
dimenses culturais, pragmticas e estticas da
atividade mimtica da pr-figurao refigurao
das narrativas, passando pela configurao. E,
embora preponderem os exemplos literrios nos
escritos de Ricoeur, veremos adiante que a
renncia perspectiva estruturalista acaba por
abrir o horizonte de possibilidades dessa
abordagem.
Um exemplo que vem norteando a adoo dessa
perspectiva hermenutica a percepo do
jornalismo luz da narratividade ricoeuriana.
Assim, para alm de uma preocupao restrita s
discursividades, tanto o enraizamento cultural e
tico do jornalismo e suas narrativas quanto os
processos de interao que acionam a produo e
as disputas de sentidos passam a fazer problema,
cuja resoluo no poderia se restringir nem
explicao afeita aos aspectos estruturais e
imanentes dos textos nem sua compreenso
irrestrita. Segundo Motta (2004, p. 11), com a
100)
ordem
narrativa.
Tal
postura
epistemolgica
recoloca
o
problema
da
representao
e
da
comunicabilidade
da
experincia nos termos do crculo hermenutico,
isto , em seu papel mediador entre um mundo
pr-figurado e outro refigurado: as narrativas tanto
produzem compreenses sobre nossa experincia
quanto dela participam constituindo nossas
identidades e as de outrem, reunindo nossas
memrias e ajudando a conformar o mundo no qual
nos situamos.
Fazendo um balano das contribuies de
Ricoeur, talvez o principal insight seja o de pensar
os processos humanos de atribuio de sentidos s
experincias nos termos de uma abertura de
possibilidades interpretativas, compreensivas e
explicativas. Dada a transversalidade e diversidade
das Teorias da Comunicao, em vez de reivindicar
nelas um lugar cativo a tais proposies
epistemolgicas, mais produtivo tirarmos proveito
dessas contribuies num gesto constante de
ressignificao dos processos comunicativos
especialmente no que tange o enraizamento tico
e cultural das atividades mimticas, o lugar
mediador da linguagem e da composio potica e
O acontecimento e o campo da
Comunicao[1]
INTRODUO
O conceito de acontecimento no ocupa um lugar
de destaque entre as teorias clssicas da
Comunicao. Muito trabalhada nos campos da
filosofia e da histria, por exemplo, essa noo s
mais recentemente vem sendo acionada em
diferentes estudos filiados ao campo da
Comunicao. Entretanto, podemos encontrar em
uma tradio sociolgica importante desse campo
os
alicerces
para
uma
compreenso
contempornea daquele conceito: a Escola de
Chicago (e sua base terica central, o
pragmatismo).
O objetivo deste captulo refletir sobre a noo
de acontecimento, evidenciando algumas de suas
contribuies para as anlises no campo da
Para
Dewey,
a
experincia
acontece
continuamente, pois a interao entre o ser vivo e
as condies que o cercam est implicada no
prprio processo da vida. (DEWEY, 1980, p. 89) A
experincia deve, assim, ser pensada a partir do
contexto concreto dos indivduos e envolve as
aes racionais e emocionais que eles realizam no
mundo. Ela se desenvolve como um processo de
percepo e interpretao das coisas, que se
efetiva a partir de um repertrio existente, o qual
atualizado, configurando um processo interativo
entre os indivduos, as coisas do mundo e as
temporalidades que marcam um contexto.
justamente a partir dessa ideia de experincia
que
podemos
apreender
o
sentido
de
acontecimento para Dewey. Como explicam
Sarmento e Mendona (2013, p. 6-7), por meio do
conceito de experincia, Dewey defende a natureza
relacional das emergncias do mundo, explicando
que a compreenso destas requer ateno
interao entre seres e coisas. Ou seja, os
acontecimentos so entendidos a partir de sua
dimenso interacional, na medida em que so
produtos de interao da natureza humana com as
condies culturais. (DEWEY, 1970, p. 256) Mas,
para alm dessa dimenso, como definir um
sua
representao ou relato pela mdia e no pode ser
compreendido a partir de um vis atemporal. Essa
questo da temporalidade uma das contribuies
do pragmatismo na reflexo de Qur. Para o
autor, o acontecimento desencadeia sentidos ao
emergir na experincia dos sujeitos e, com essa
emergncia, ele inaugura tanto um passado como
um percurso acontecimental.
dotado
de
uma
individualidade intrnseca, mas se constitui a partir
de um processo de individuao. (QUR, 2000)
Segundo Qur (1995), esta diz respeito a
diferentes tipos de entidades: a coisas, pessoas,
aes, relaes e acontecimentos. Conforme o
autor, um acontecimento individuado a partir de
um processo de determinao, em que se
especifica o que o configura como um
acontecimento particular, diferenciando-o de
outros. Esse processo se realiza a partir de um
percurso interpretativo, em que se podem
identificar vrios eixos em articulao.
Em primeiro lugar, o acontecimento passa por
um processo de descrio. Esta se refere
identificao da ocorrncia, distinguindo um
acontecimento de outros. Nesse primeiro eixo,
importante atentar para o conceito de quadro: na
perspectiva de Erving Goffman (1974), este deve
comunicao.
Depois de demonstrar esse alicerce pragmatista
da perspectiva de Qur, retomamos algumas
pesquisas que foram desenvolvidas sobre
diferentes objetos (como uma crise poltica ou uma
celebridade) luz da mesma. Dessa forma,
procuramos enfatizar o potencial heurstico do
conceito (FRANA, 2012a; SIMES, 2012) para o
campo da Comunicao, tendo em vista, sobretudo,
dois eixos: o poder de afetao e o poder
hermenutico dos acontecimentos. O primeiro diz
respeito ao modo como essas ocorrncias tocam a
experincia dos sujeitos, e o segundo, forma
como essas emergncias elucidam diferentes
aspectos do contexto social em que se inscrevem.
Ao retomar algumas das pesquisas realizadas luz
dessa perspectiva, o objetivo foi demonstrar como
acontecimentos que afetam uma sociedade em
determinado momento podem revelar traos e
valores dessa mesma sociedade. nesse sentido
que acreditamos que o duplo poder do
acontecimento possibilita a apreenso da dimenso
comunicacional de inmeros objetos: esses dois
eixos permitem compreender as interaes
simblicas entre os sujeitos que movimentam os
acontecimentos e a prpria vida social em que eles
NOTAS
[1] Agradeo ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e
Tecnolgico (CNPq), Fundao de Amparo Pesquisa do estado
de Minas Gerais (Fapemig) e Pr-reitoria de Pesquisa da
interesse
em
relao
s
questes
de
autoidentificao
e
reconhecimento
social.
(LARSON, 2005 ; MITTELL, 2010) De um lado,
mostram-se interessados em compreender o
impacto que os produtos miditicos podem ter na
constituio dos sujeitos, na medida em que os
indivduos utilizam esses materiais para se verem e
avaliarem a si mesmos, em relao s atitudes e os
pontos de vista dos outros. De outro lado,
preocupam-se em entender as contribuies dos
mass media na representao do outro, uma vez
que
proporcionam
modelos
mentais
ou
conformam perspectivas culturais. Ainda que,
comumente, no se mobilize o reconhecimento
como uma ferramenta analtica, com frequncia
identificamos
questes
que
podem
ser
interpretadas
nos
termos
de
lutas
por
reconhecimento.
Nesse sentido, outra das frentes de trabalho do
grupo EME/UFMG tm investigado os media como
provedores de textos, imagens e conhecimentos
relevantes que a circularem na sociedade. Em
particular, alguns estudos examinam como os
sujeitos apreendem esses discursos e formulam
suas prprias reflexes e engajamentos em lutas
por reconhecimento, onde quer que elas ocorram.
2011. p. 17-32.
VAN DEN BRIN, B.; OWEN, D. Recognition and Power: Axel Honneth
and the Tradition of Social Theory. New York: Cambridge University
Press, 2007.
WESSLER, H; et al. Transnationalization of public spheres. New York:
Palgrave Macmillan, 2008.
NOTAS
[1] Agradecemos a Anne Jlia, Ana Frana, Camila Marques e Rodrigo
Miranda, bolsistas de Inicio Cientfica do Grupo de Pesquisa em
Mdia e Esfera Pblica (EME).
[2] Ver, por exemplo: van den Brink e Owen (2007); Deranty (2009);
Fraser e Honneth (2003); Thompson (2006, 2011) e Mendona
(2009, 2011).
[3] Segundo Habermas (2006, p. 413, traduo nossa), A
deliberao uma forma exigente de comunicao, embora emerja
de rotinas dirias imperceptveis de demanda e fornecimento de
argumentos. Como um ideal, a deliberao deve contemplar alguns
critrios: (a) a demanda de que os interlocutores apresentem
argumentos que considerem compreensveis e aceitveis aos
outros, especialmente considerando a expectativa de que
participantes iro questionar e transcender racionalmente suas
predilees iniciais (sobretudo em virtude do impacto dos
argumentos); (b) a incluso de todos aqueles que podem ser
afetados pela deciso; (c) a igualdade entre participantes; (d) a
liberdade do poder poltico e econmico; (e) a interao livre e no
coerciva, no sentido de que participantes sejam sinceros e tratem
seus interlocutores com respeito durante o processo de justificao
mtua; (f) a ausncia de restrio de tpicos; e (g) a possibilidade
de reverter resultados. (HABERMAS, 1992, 1996, 2006), (MAIA,
2012, p. 16)
[4] Desde aqueles ligados a perspectivas do liberalismo Rawlsiano
Comunicao e fluxos
contemporneos: a
indispensvel imagem
COMUNICAO, TRNSITO DE IMAGENS
As telas nos perseguem, as telas nos acompanham.
As telas se multiplicam: grandes, mdias,
pequenas, mnimas. As telas pertencem a ciclos e
fluxos de produo, transmisso e resposta.
Excesso de objetos, excesso de plataformas, cipoal
de significados. Fuso, fisso, fico, soluo,
dissoluo: como recortar, como observar, como
compreender?
As tecnologias favorecem a expanso das
possibilidades comunicativas. Mais autorias, mais
coautorias, mais criadores annimos interferindo
em quase todas as fases da produo. Migrao de
meios: antes, a passagem de um meio a outro
demandava tempo e engenho. Hoje, h
contemporneos,
precisamos
considerar
a
centralidade do visual. Os processos de
digitalizao,
a
difuso
da
web
e
o
desenvolvimento dos sistemas de busca nos
direcionam para trabalhar com a imagem como
elemento fundamental para a compreenso da
sociedade miditica. Telas so espaciais e
essencialmente visuais.
Papel e paredes conviveram durante muito
tempo: a construo e a circulao do
conhecimento e da cultura transitavam por livros,
jornais e ambientes escolares. No mundo
contemporneo, a espacialidade da imagem se
contamina de temporalidades. O movimento
acrescentado imagem fixa impregnou-a de
tempo. Ora, o trnsito e as passagens na era
digital se do via imagem.
No sculo XX, as telas se impuseram. Estamos
na quarta tela. A primeira tela foi o cinema, grande
formador do imaginrio ocidental, atuando em
espaos coletivos. A segunda tela, a televiso,
continuou a modelar o imaginrio, mas invadindo
espaos domsticos. Essas duas telas dificultaram
as relaes de vizinhana e comunidade. A terceira
tela, do computador, aglutinou competncias
lingusticas de livros e jornais e a cultura visual que
Nesse sentido, o autor (MACHADO, 1997, p. 25253) considera que a hipermdia permite exprimir
situaes complexas, polissmicas e paradoxais,
que uma escritura sequencial e linear, plena de
mdulos de ordem, teria muito mais dificuldades de
representar. Portanto, as indagaes sobre a
complexidade abrem caminhos consistentes para
analisar as imagens atuais, to dotadas de
mobilidade e portabilidade. Na mesma linha de
raciocnio, chega-se genealogia da viso
cinematogrficos.
Das
imensas
telas
cinematogrficas s minsculas telas dos celulares,
da fotografia jornalstica do site Big Picture,[6] (da
compresso mxima temporal de imagem e texto
da mdia digital out of home, a imagem complexa
se revela um poderoso instrumento de pesquisa.
ESTTICAS DOCUMENTAIS, EXEMPLO DE IMAGENS
TRANSITIVAS
A longa explanao sobre imagem complexa
justifica-se pela importncia e pela aplicabilidade
do conceito. Como exemplificao de suas
possibilidades, traremos discusses sobre estticas
documentais, via documentrios que alteram
procedimentos convencionais.
Imagens documentais em filmes ou vdeos,
narrativas transmdia, reportagens fotogrficas, em
meio impresso ou tablets, imagens de flagrantes
feitos por celulares esse mar imenso, cada vez
mais ondas, no pode ser pensado apenas via
anlise de contedo ou de estruturas narrativas.
Contextualizao histrica e anlise da narrativa
so importantes, mas essa no a nossa
perspectiva principal. Para analisar a imagem,
preciso partir de estudos sobre a imagem. Para
entender o visvel, preciso partir do visvel, e no
do verbo.
O visvel tambm tem a ver com o desejo de
conhecer, como aponta Michael Renov (2005, p.
254):
Por isso, os filmes documentrios, enquanto realidade
registrada, aparecem tanto no discurso da cincia
como um meio de se obter o reconhecvel no
mundo, quanto no discurso do desejo, ou seja, o
desejo de conhecer a verdade do mundo
representada
pela
pergunta
invariavelmente
formulada ao reality film. Isto realmente assim, isto
verdade?
o principal, o essencial
a cine-sensao do mundo.
Assim, como ponto de partida, defendemos a
utilizao da cmera como cine-olho, muito mais
aperfeioada do que o olho humano, para explorar o
caos dos fenmenos visuais que preenchem o
espao, o cine-olho vive e se move no tempo e no
espao, ao mesmo tempo em que colhe e fixa
impresses de modo totalmente diverso daquele do
olho humano. (VERTOV, 1983, p. 253)
NOTAS
estimula ou incita.
Subjaz a todo esse argumento a adoo de um
sistema de referncia subjetivo: algum o sujeito
(a) da certeza de que uma mensagem no ter
sobre ele influncia alguma e, ao mesmo tempo,
(b) do desacordo com o contedo da mensagem,
bem como (c) da estimativa sobre o mal que o
contedo dessa mensagem pode causar aos outros.
Todo o processo de convices, estimativas, juzos
sobre influncias e efeitos de uma mensagem
sustentado num sistema de referncia subjetivo,
enunciado linguisticamente na 1a pessoa do
singular: eu (declinado como eu, me, mim). J o
objeto sobre o qual se estima que a influncia da
mensagem ser exercida duplo: a 1a pessoa (o
efeito sobre mim) e a 3a pessoa do plural
(influncia sobre terceiros, eles, os outros).
Ao examinarmos cuidadosamente, veremos que
h um processo envolvendo etapas de aes e
tomadas de deciso, no necessariamente
conscientes, que sustentam o juzo sobre o efeito
das mensagens. Primeiro, h a fase da
decodificao ou interpretao da mensagem.
Nota-se ou se reconhece algum nvel de influncia
do contedo da mensagem sobre minhas
convices ou meu comportamento? Se a resposta
2009)
Bem cedo, a bibliografia sobre o tema tratou de
demarcar claramente dois componentes da
hiptese: a dimenso que tem a ver com a
estimativa sobre efeitos (o juzo que sustenta que
os contedos da comunicao influenciam mais os
outros do que a mim) e a dimenso
comportamental que dela se pode derivar (uma
estimativa sobre o risco de que os outros sejam
influenciados por contedos nocivos pode me levar
a agir para evitar isso). (DAVISON, 1983;
GUNTHER, 1991; PERLOFF, 1993) No h erro
nessa
contraposio
entre
o
componente
perceptual e o componente comportamental da
hiptese, mas o fato que a nossa estimativa dos
efeitos em terceiros depende de nossa opinio ou
sentimento sobre o quanto a mensagem pode ser
nociva. Esta, por sua vez, inclui tanto a nossa
deciso subjetiva sobre o nosso desacordo moral
ou intelectual com o contedo quanto a igualmente
subjetiva convico acerca do potencial que esse
contedo tem de afetar outras pessoas.
Muitos
autores
acrescentam
um
desenvolvimento importante na hiptese quando
comeam a falar da aprovao ou desejabilidade
social (social desirability (EVELAND, MCLEOD,
o
gatilho
para
comportamentos protetores: a distncia moral e
intelectual entre mim e os contedos de uma
mensagem a varivel que explica tanto a minha
crena na discrepncia de influncias quanto a
minha disposio a tomar providncias para que a
influncia presumida sobre os outros no se efetue.
(MEIRICK, 2005; ELDER; DOUGLAS; SUTTON, 2006)
Pesquisas sobre o fenmeno da discrepncia na
expectativa
de
influncias
apoiam-se
em
experimentos
voltados
para
examinar
as
estimativas de efeito, sobre si mesmo e sobre os
outros, de contedos da Comunicao. A pesquisa
sobre o fenmeno da discrepncia, ademais,
assimila a varivel da aprovao social do contedo
da mensagem (ou da distncia moral positiva),
desde que ela seja indicativa da discrepncia, e
est interessada em explicaes sobre a razo da
persistncia desse fenmeno (como a hiptese do
ego enhancement). Por fim, a hiptese da
discrepncia vai ser empregada para explicar
A migos
Categoria
Argumento
indiferente
1,03 1,043 69
DP
1,43
35,75
Proximidade
1,87 1,270 101 2,15 0,989 102 2,08 1,447 102 2,46 1,059 102 0,59
moral
14,75
Distncia
moral
47
2,36 1,125 36
DP
1,86 1,498 69
1.67 1,621 36
DP
(Sociedade)
- (Mim)
%
1,99 11,69 69
Sociedade
1,06 11,20 36
Famlia
2,46 0,964 69
2,94 0,893 36
1,88
H2A e H2B.
As hipteses seguintes (2A e 2B) testam o
impacto do (1) posicionamento que o entrevistado
julga que a matria adota sobre o consumo de
maconha e da (2) posio subjetiva do
entrevistado quanto s consequncias do consumo
de maconha sobre a (3) discrepncia da estimativa
dos efeitos das matrias em si e nos outros. Em
ambos os casos, simplesmente se pediu que o
entrevistado localizasse, numa escala de cinco
pontos, a posio que ele atribua matria, em
primeiro lugar, e o seu juzo sobre malefcios e
benefcios da maconha, em segundo lugar. A
primeira questo foi, ento: Em sua opinio, qual
a posio da matria em relao ao uso de
maconha? Para esta pergunta os entrevistados
puderam
escolher
entre
a
favor
(2),
parcialmente a favor (1), neutra (0),
parcialmente contra (-1) e contra (-2).
Enquanto a segunda questo se formulou do
seguinte modo: Voc acredita que o uso de
maconha ..., para a qual foram oferecidas as
alternativas: benfico (2), parcialmente
benfico (1), neutro (0), parcialmente
malfico (-1) e malfico (-2). Os valores esto
apresentados na Tabela 2. Na ltima coluna, em
DP
Famlia
N
DP
Sociedade
N
DP
(Sociedade)
- (Mim)
Categoria
Matria
fav orv el &
macaconha
neutra
21,5
Matria
fav orv el &
maconha
malfica
31
Matria
fav orv el &
maconha
benfica
-5,75
Matria neutra
& maconha
neutra
30
Matria neutra
& maconha
malfica
27
Matria neutra
& maconha
benfica
22,5
54,5
Matria
desfav orv el &
maconha
DP
A migos
neutra
Matria
desfav orv el &
maconha
malfica
34,5
Matria
desfav orv el &
maconha
benfica
50
aqui
modelo
conceitual
Bias?: Testing the Robustness of the Third-Person and Reverse ThirdPerson Effects for Alcohol Messages. Communication Research, EUA,
v. 31, n. 2, p. 206-233, 1 abr. 2004.
DAVISON, W. P. The Third-Person Effect in Communication. Public
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1983.
______. The Third-Person Effect Revisited. International Journal of
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DELORME, D. E.; HUH, J.; REID, L. N. Others are influenced, but not
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EVELAND, W. P.; MCLEOD, D. M. The Effect of Social Desirability on
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FREIRE, M. Hiptese do efeito de terceira pessoa: aplicaes e
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GUTMANN, A.; THOMPSON, D. Democracy and Disagreement.
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GUNTHER, A. C. What We Think Others Think: Cause and
Consequence in the Third-Person Effect. Communication Research,
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GUNTHER, A. C. The Persuasive Press Inference: Effects of Mass
Media on Perceived Public Opinion. Communication Research, EUA, v.
25, n. 5, p. 486-504, 1 out. 1998.
NOTAS
[1] Os autores agradecem aos pesquisadores do Grupo de Pesquisa
em Comunicao, Internet e Democracia da Universidade Federal
da Bahia, especialmente a Graa Rossetto e Maria Paula Almada,
pela generosa leitura deste trabalho.
[2] A narrativa, contada pelo prprio Davison, a seguinte: durante a
Segunda Guerra Mundial, existia um destacamento que consistia de
tropas formadas por negros e comandadas por oficiais brancos na
Studies,
constitudo
na
Universidade
de
Birmingham. Beberam de muitas fontes, com
enfoques e perspectivas tericas diversas, tendo
como foco atividades do cotidiano como elementochave para estudo da dinmica poltica e razes
histricas
dos
fenmenos
culturais
contemporneos. Os estudos culturais combinaram
diversas teorias para estudo desses fenmenos,
desenvolvendo
conceitos
bsicos
para
entendimento do processo de produo cultural.
Especialmente importantes para o movimento dos
estudos culturais foram os conceitos de identidade
(GILROY, 2006; HALL, 2003) e hegemonia, este
ltimo proposto originalmente por Antonio Gramsci.
Para essa disciplina, jamais foi problema trabalhar
com diferentes teorias, especialmente os estudos
de gnero, de mdia, a teoria marxista, a literria e
o criticismo histrico.
A aproximao entre as histrias em quadrinhos
e os estudos culturais ocorreu quase naturalmente,
na medida em que um dos preceitos dessa escola
terica a busca de utilizao dos mtodos e
instrumentos da crtica textual e literria nos
produtos da cultura de massa. (MATTELART;
NEVEU, 2004, p. 56) Segundo Mark C. Rogers
(2001, p. 93-94), foram trs os principais temas
nmeros
sobre indstria cultural,
semitica,
semntica e estruturalismo, poema/processo,
vanguardas experimentais, fico cientfica, psmodernismo. De igual modo, nmeros sobre a
ideologia dos quadrinhos, o mundo dos super-heris,
e assim por diante.
Cincias
da
Comunicao
da
Escola
de
Comunicaes e Artes da Universidade de So
Paulo, especialmente as pesquisas desenvolvidas
no Ncleo de Pesquisas de Histrias em
Quadrinhos, atual Observatrio de Histrias em
Quadrinhos, criado em 1990. Exemplos disso so as
vrias dissertaes e teses oriundas de
pesquisadores do Observatrio nos ltimos anos,
como as de Gazy Andraus (2006), sobre a
integrao das histrias em quadrinhos ao ensino
universitrio (2006); a de Nobuyoshi Chinen
(2013), sobre a representao de negros e
afrodescendentes nos quadrinhos brasileiros; a de
Eloar Guazzelli Filho (2009), sobre a construo do
anti-heri brasileiro na obra quadrinstica de
Renato Canini; e a de Gisa Fernandes DOliveira
(2009), versando sobre as construes e
reconstrues identitrias nas histrias em
quadrinhos.
CONCLUSO
Pode-se perceber que as principais linhas tericas
usadas
nos
estudos
da
Comunicao
(funcionalismo,
marxismo,
midiologia,
estruturalismo e estudos culturais) influenciaram as
pesquisas e anlises realizadas por tericos
Autores
ALICIANNE GONALVES DE OLIVEIRA
Graduada em Comunicao Social/Jornalismo e
mestre em Comunicao pela Universidade Federal
do Cear. jornalista licenciada da mesma
instituio e doutoranda em Comunicao Social na
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Integrante do Grupo de Pesquisa em Mdia e Esfera
Pblica (EME/UFMG) e do Grupo de Pesquisa em
Poltica e Novas Tecnologias (Ponte/UFC). Pesquisa
temas
da
interface
movimentos
sociais,
representao poltica e relaes tnico-raciais.
NGELA MARQUES
Doutora em Comunicao Social pela Universidade
Federal de Minas Gerais, com estgio ps-doutoral
junto ao Groupe de Recherche sur les Enejeux de la
Communication (Gresec), da Universit Stendhal.
Professora do Programa de Ps-graduao em
Comunicao Social da Universidade Federal de
Minas Gerais. Organizou e traduziu os textos que
FRANCISCO RDIGER
Professor do Programa de Ps-graduao em
Comunicao da Pontifcia Universidade Catlica do
Rio Grande do Sul, mestre em Filosofia pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
e doutor em cincias sociais pela Universidade de
So Paulo. Leciona tambm nos departamentos de
Comunicao e Filosofia da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul. Relativamente aos interesses de
pesquisa, seus estudos concentram-se no campo da
crtica indstria cultural e no dos estudos sobre
pensamento tecnolgico e cibercultura, incluindo-se
a trabalhos sobre cultura de massas, filosofia da
tcnica, teoria da comunicao etc. Publicou
recentemente Martin Heidegger e a questo da
tcnica (Sulina, 2014) e O amor e a mdia (Editora
da UFRGS, 2013).
LUS MAURO S MARTINO
Doutor em Cincias Sociais pela Pontifcia
Universidade Catlica de So Paulo, foi
pesquisador-bolsista na Universidade de East
Anglia (Reino Unido). Formou-se em Comunicao
pela faculdade Csper Lbero, de So Paulo, onde
atualmente professor do Programa de Ps-
Doutoranda
em
Comunicao
Social
pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde
tambm concluiu o mestrado e a graduao com
habilitao em jornalismo. pesquisadora do
Grupo de Pesquisa em Mdia e Esfera Pblica
(EME/UFMG). Desenvolve pesquisas sobre lutas por
reconhecimento, movimentos sociais, internet e
insero poltica das pessoas surdas, o que lhe
rendeu, em 2011, o Prmio Incluso da Cmara dos
Vereadores de Belo Horizonte, na categoria
Comunicao. Tem artigos publicados em revistas
c o m o European
Political
Science
Review;
Communication, Politics & Culture e E-comps.
ROBERTO ELSIO DOS SANTOS
Graduado em Jornalismo e Publicidade e
Propaganda pela Universidade Metodista de So
Paulo (1983), mestre em Comunicao pela
Universidade Metodista de So Paulo (1988),
doutor em Comunicao pelo Centro de
Comunicao e Artes da Escola de Comunicaes e
Artes da Universidade de So Paulo (ECA-USP,
1998). Tambm fez ps-doutorado no Centro de
Biblioteconomia e Documentao (2004) e livredocncia pelo Centro de Jornalismo e Editorao da
ECA-USP (2013). professor do Programa de ps-
WALDOMIRO VERGUEIRO
Graduado em Biblioteconomia e Documentao
pela Fundao Escola de Sociologia e Poltica de
So Paulo (1977), mestrado em Cincias da
Comunicao pela Escola de Comunicaes e Artes
da Universidade de So Paulo (ECA/USP, 1985),
doutorado em Cincias da Comunicao tambm
pela ECA-USP (1990) e ps-doutorado pela
Loughborough University of Technology (Inglaterra)
e Universidad Carlos III de Madrid (Espanha).
Professor da ECA-USP, atuando na graduao em
Biblioteconomia, bem como no mestrado e
doutorado em Cincia da Informao e Cincias da
Comunicao. Atualmente professor titular
aposentado da ECA-USP. Fundador e coordenador
do Observatrio de Histrias em Quadrinhos,
tambm na ECA/USP. Editor da revista Nona Arte,
do Observatrio de Histrias em Quadrinhos. Atua
como membro do corpo editorial de diversas
revistas cientficas no Brasil e no exterior. Publicou
dezenas de artigos em peridicos cientficos
nacionais e internacionais. Autor e/ou organizador
de mais de uma dezena de livros, entre os quais
podem ser destacados: Seleo de Materiais de
Informao (Briquet de Lemos, 1997), Qualidade
em Servios de Informao (Arte e Cultura, 2002),
2014, autores.
Direitos para esta edio cedidos Edufba.
Feito o depsito legal.
PROJETO GRFICO
Alana Gonalves de Carvalho Martins
CAPA E EDITORAO ELETRNICA
Rodrigo Oyarzbal Schlabitz
PROJETO EBOOK
Josias Almeida Jr.
REVISO E NORMALIZAO
Isadora Cal Oliveira e Taise Oliveira Santos
FICHA CATALOGRFICA:
Fbio Andrade Gomes - CRB-5/1513
T314 Teorias da Comunicao no Brasil: reflexes
contemporneas / Organizadores, Vera Veiga Frana
... [et al.]. Salvador: Edufba, 2014.
800kB ; epub
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ISBN: 978-85-232-1233-9
1. Comunicao - Brasil. 2. Comunicao - Filosofia.
I. Frana, Vera Veiga.
CDU: 659.3(81)
EDITORA FILIADA A