FAVARETTO, Celso - Das Novas Figurações À Arte Conceitual - (Tridimensionalidade - Itaú Cultural)
FAVARETTO, Celso - Das Novas Figurações À Arte Conceitual - (Tridimensionalidade - Itaú Cultural)
FAVARETTO, Celso - Das Novas Figurações À Arte Conceitual - (Tridimensionalidade - Itaú Cultural)
Tunga
Lesartes, 1989
ferro, m e cobre, 73 x 30 x 9 cm
Coleo particular
Foto: Romulo Fialdini
Cildo Meireles
Inseres em Circuitos Ideolgicos - Projeto Coca-Cola, 1970
inscries em garrafas de vidro
Coleo do artista
Foto: Romulo Fialdini
no que foi denominado "problema do objeto" que se localiza uma questo central das
experimentaes dos anos 60, que, alis, se prolongar com significaes diversas, nos 70. As
transformaes estruturais da pintura e escultura levaram construo de objetos com a inteno de
superar os suportes e a idia de obra. Embora nem sempre isso tenha acontecido, pois os objetos
freqentemente apenas substituam o quadro ou a escultura e impunham-se como obra, a concepo
de "objeto" foi muito eficaz. Oiticica, com os seus Blides e teorizao especfica pensou de modo
instigante o problema. O objeto no seria uma nova categoria hbrida e sinttica acrescentada
pintura e escultura, mas uma proposio conceitual que praticamente abre um domnio da arte
contempornea ativo at hoje. Tal concepo de objeto radicaliza a dissoluo estrutural e prope
outras ordens estruturais, de criao e de recepo; implica a relao objeto/comportamento,
ressignifica o ato artstico e a experincia esttica. O objeto, diz Oiticica, um sinal que aponta para
uma ao no ambiente ou situao. Concretiza a idia de procedimento conceitual que redimensiona
a participao, a posio dos protagonistas. H nos objetos uma imanncia expressiva que pode se
objetivar de muitas maneiras: caixas, vidros, pacotes, etc., alm de proposies em que o corpo
intervm constitutivamente, como no caso dos Parangols, de Oiticica, e da Nostalgia do Corpo, de
Lygia Clark.
A proposio de objetos uma dissoluo do primado do visual. Enquanto supe uma participao
diversificada, em que o visual esbatido no ttil e olfativo, e para no ser tomado apenas como
objeto esttico substitutivo de pintura e escultura, o objeto inclui-se no domnio mais amplo da
antiarte, uma fuso de arte e ao constituindo uma potica que vislumbra a arte como outra coisa. A
antiarte prope-se como ao simblica; lugar de produo de aes exemplares que ressaltam a
fora do gesto e do conceito, valorizando situaes instveis com ressonncia imediata. A eficcia
simblica provm do simples ato de as aes se mostrarem. Antiarte o limite da desestetizao.
A arte dos anos 60, conceitualista e processual, exasperada e ambgua na efetivao da
negatividade, radicalizou os signos de modernidade vanguardista, especialmente no seu momento
final, o tropicalista. Experimental, violenta e utpica, pensou o sentido cultural da arte tanto em
relao s transformaes estticas na linha da modernidade quanto s condies especficas da
cultura brasileira. Imaginou a utopia da arte-vida realizvel na atividade coletiva e na participao
__
Nelson Leirner
Porco Empalhado, 1967c.
porco empalhado em engradado de madeira, 83 x 159 x 62 cm
Acervo Pinacoteca do Estado de So Paulo, So Paulo SP
Foto: Romulo Fialdini
industrial.
Mas um fato importante se destaca medida que a poca vai liberando a possibilidade de
aparecimento de produes de novos artistas ou da pesquisa daqueles aparecidos no fim dos anos
60: o procedimento reflexivo, conceitual, vai tomando corpo em obras que se singularizam. Em
Resende, Fajardo, Baravelli, Cildo Meireles, Leirner e Cordeiro; em Regina Silveira, Waltercio Caldas,
Tunga e outros, percebe-se a afirmao de um trabalho que d forma conscincia reflexiva da
materialidade da arte. Ainda que certamente devedores da abertura esttica dos 60, parecem
caminhar segundo a lgica da histria da arte moderna. Optando pela realidade imediata da arte, pelo
seu sentido imanente, enfatizam os processos e procedimentos conceituais, tensionando os limites da
arte moderna, contextualizando o lugar de aparecimento das obras.
Embora as palavras "novo" e "ruptura" ainda estivessem em franca circulao, no mais se referiam
ao impulso vanguardista; a nfase no conceitual no elidia a dificuldade da formalizao. A reiterao
do novo, embora tivesse algo de inusitado, era mais uma moeda posta em circulao pelos meios de
comunicao aulados pelo mercado, tendo em vista um pblico de arte assimilado ao estilo de vida
da cultura tcnico-industrial. Os artistas exigentes procuravam entretanto uma outra coisa: dar forma,
buscar formas de gerar pontos de tenso num sistema de atividades tanto variadas quanto diluidoras
das pesquisas vanguardistas. A dificuldade maior estava na quase impossibilidade de produo de
imagens, em parte porque a crtica das representaes efetivadas pelas vanguardas tinha sido
eficiente, em parte devido rpida obsolescncia da apropriao das imagens das comunicaes de
massa e, finalmente, porque o procedimento conceitual regrava o uso das imagens na formulao de
linguagens singularizadas.
O domnio do conceitual envolvia uma variedade de experincias: objetos, mltiplos, arte postal, arte
na rua, xerox, gravura, audiovisuais, videoarte, arte do computador, design, artes grficas, etc. A
vertente minimalista, entretanto, retinha o essencial das proposies conceituais, pois nela pintura e
escultura foram retraduzidas em experincia plstica pura, reduzida a estados mnimos, morfolgicos,
perceptivos e significativos. A radicalidade minimalista to exemplar quanto a da antiarte. o limite
dos desenvolvimentos surgidos da crise dos sistemas visuais. A monumentalidade e a autoreferencialidade do minimalismo problematizam a circulao das obras, no mais referindo-as a um
pblico consumidor mas ao percurso institucional da produo e aparecimento, nos museus e lugares
pblicos. Contrariamente boa parte da produo dos anos 70, que se mescla circulao das
mercadorias industrializadas, a minimal exige tenso reflexiva e evidenciao pblica para que se
efetive a sua eficcia plstica.
Para evidenciar a complexidade e as contradies da cultura dos anos 70, cumpre mencionar ainda
alguns fatores que interferiram na paisagem artstica: a voga da arte primitiva, o ensaio de
implantao de um mercado de arte, a moda dos mltiplos e a revalorizao da gravura. Em princpio
oposta ao conceitualismo, a voga da arte primitiva um sintoma do hibridismo cultural do perodo.
Aparece como uma espcie de reao ao hermetismo da arte de vanguarda, mas tambm fruto do
interesse pelo popular enfatizado nos anos 60, ainda com um certo ar de nacionalismo cultural. ,
tambm, consonncia imediata com o novo plano nacional de cultura do governo militar, interessado
em despolitizar o tema da cultura popular para utiliz-lo como instrumento de doutrinao cvica na
proposio de uma "alma brasileira para o consumo". Finalmente, articulada revivescncia do
artesanato trazida pelas comunidades contraculturais, a arte primitiva vem tentar ocupar o vazio de
imagens provocado pela crtica da visualidade. Embora tenha afirmado um certo interesse etnolgico
e antropolgico pelo imaginrio popular, foi um fenmeno comercial que explorou sentimentalmente a
via contracultural de recusa da sociedade tecnolgica. Mas, bom lembrar, ficaram alguns traos
dessa passagem ambgua pelo popular e pela arte primitiva: permitiu a identificao de formas e
imaginrios que mais tarde se iriam fundir a experincias contemporneas.
A onda dos mltiplos bastante elucidativa da perda de vitalidade da proposio do objeto na dcada
de 60, pois aparentemente realizando o acesso generalizado s obras, pela multiplicao em escala
industrial, na verdade o mltiplo no reteve o aspecto crtico das discusses sobre a reprodutibilidade.
Os prottipos de mltiplos foram logo erigidos em obras nicas, com as caractersticas da aura. Foi
tambm um fenmeno comercial, ligado ao desenvolvimento do design, vagando entre o esteticismo
dos objetos e o consumo do ludismo. No fundo era uma produo ainda artesanal.
J a revitalizao da gravura, embora proveniente em boa parte do questionamento nico da obra,
mais interessante, pois permitiu repor em circulao alguns mestres, como Grassmann, Lvio Abramo,
e evidenciar os que ascendiam, como Maria Bonomi, Evandro Carlos Jardim, Renina Katz e muitos
outros. A gravura foi proposta como substitutivo de obras visuais e objetos de fcil circulao no
mercado; entretanto, as novas condies tcnicas disposio e a excelncia dos trabalhos serviram