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A Palavra Arquitetônica - Renato Leão Rego

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A palavra arquitetônica

1
Renato Leão
R e g o
(ORGANIZAÇÃO E TRADUÇÃO)

A palavra
arquitetônica

Editora Arte & Ciencia

1 9 9 9
1999, by Editora Arte & Ciência
Coordenação Editorial
Henrique Villibor Flory
Editor e Projeto Gráfico
Aroldo José Abreu Pinto
Diretora Administrativa
Luciana Wolff Zimermann Abreu
Editoração Eletrônica
Marcela Cristina de Souza
Capa
Jefferson Cortinove
Revisão
Letizia Zini Antunes

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Biblioteca de F.C.L. - Assis - UNESP)

A palavra arquitetônica/ Renato Leão Rego.


P154 (organização e tradução) -- São Paulo:
Arte & Ciência, 1999.
96p.; 21 cm
Vários autores

ISBN 85-86127-88-4
1. Arquitetura – Ensaios Críticos. 2. Arquitetura contemporânea.
3. Arquitetura Moderna 4.Crítica de Arquitetura I. Rego, Renato Leão.

CDD - 720.1
- 724.9

Índice para catálogo sistemático:

1. Arquitetura: Ensaios críticos 720.1


2. Arquitetura moderna: Século XX: Crítica 724.9

Editora Arte & Ciência


Rua dos Franceses, 91 – Bela Vista
São Paulo – SP - CEP 01329-010
Tel/fax: (011) 253-0746
Na internet: http://www.arteciencia.com.br
A Ninha
Sumário

Crítica de arquitetura e arquitetura, Renato Leão Rego...........................07


As belas-artes, Alvar Aalto........................................................................17
A responsabilidade do arquiteto, Alvar Aalto ........................................ 19
O espírito novo em arquitetura, Le Corbusier.........................................23
Forma e desenho, Louis Kahn..................................................................47
Sobre um pobre homem rico, Adolf Loos...................................................61
O princípio do revestimento, Adolf Loos.................................................67
Regras para quem constrói nas montanhas, Adolf Loos...........................73
Sobre o significado e a tarefa da crítica, Mies van der Rohe...................75
A arte de construir e o espírito da época, Mies van der Rohe ............... 77
Os novos tempos, Mies van der Rohe.......................................................83
Estamos no ponto crítico dos tempos: a arte de construir como a expressão
de decisões espirituais, Mies van der Rohe..............................................85
Arquitetura e natureza, Frank Lloyd Wrigh ........................................... 87
A destruição da caixa, Frank Lloyd Wright ............................................. 91
CRÍTICA DE ARQUITETURA E ARQUITETURA
O tempo em que escrevo estas linhas está marcado pela
pluralidade estética, na ambivalência e tolerância de padrões e va-
lores distintos. A arquitetura, depois da falência ineludível de cânones
até então poderosos, passou a espelhar uma certa incerteza nos
rumos que tomaria aquela contestação já formalizada em alguns
dos seus projetos da segunda metade do nosso século.
No panorama que a produção arquitetônica nos apresenta hoje
vemos, entre a herança do movimento moderno, marca sem dúvi-
da alguma da arquitetura do século XX, negação, inovação e muita
revisão. Pauta-se, a arquitetura contemporânea, pela ausência de
um paradigma comum. Arquiteturas, no plural, apresentam for-
mas e métodos diferentes. Tamanha liberdade não é paralisante? A
menos que a sintonia voluntária com um destes ‘modelos’ ou a
aceitação do ecletismo estabeleçam e fomentem a criação da nova
arquitetura.
Pensar a arquitetura já é julgá-la.
Os textos aqui apresentados com um fim meramente didáti-
co, há muito conhecidos de publicações estrangeiras, trazem, sob
forma variada de manifesto, discurso e crítica, o olhar crítico que
estabeleceu então as bases do projeto.
Resgatar tais posturas é amadurecer a crítica a elas dirigida,
refutar impropriedades, traçar conexões, estabelecer origens e só
assim alumiar o percurso que chega até nossos dias. O que fare-
mos dependerá do nosso juízo com relação às experiências passa-
das. Ou não?
A arquitetura conforma, ou deveria conformar, como nos

8
A palavra arquitetônica

disseram grandes arquitetos, o espírito do seu tempo. A crítica,


por conseguinte, deve ser capaz de sublinhar a conformação
arquitetônica do espírito de cada tempo – não só como memória
mas como projeto. Assim, ela é ora História ora Manifesto: realida-
de e desejo.
Como reconhecemos estar ante critérios do nosso tempo?
Este fim de século inseriu no lugar da expressão ‘espírito do
tempo’, tão cara aos ‘modernos’, o contexto. Debruçada sobre a
cultura e a comunicação, a arquitetura tem buscado outras estraté-
gias, outras dramaturgias, por sobre a funcionalidade vazia, a par-
tir do ‘espírito’ do lugar.
O que é a arquitetura? O que é a arquitetura contemporânea?
O arquiteto ao menos lida com estas questões ao acercar-se do
projeto e, em seguida, força nós, espectadores, visitantes, habi-
tantes, a fazermos as mesmas interrogações com um pronome
relativo: o que é essa arquitetura?, o que é essa arquitetura con-
temporânea?
A posição relativa pode nos trazer a compreensão do está-
gio atual do processo criativo em arquitetura e fornecer parâmetros
à compreensão do que se busca, do objetivo pretendido.

A arquitetura a caminho
Convenho que para se aprender arquitetura se faz necessário
conhecê-la e experimentá-la no corpo e no espírito, se tal divisão
houver. E é necessário apreendê-la, mediata ou imediatamente, em
toda sua amplitude e nos seus diversos paradigmas. A arquitetura
experimentada estará pois aberta à análise, como qualquer outro
aspecto da experiência, e esta análise não deixará de passar funda-
mentalmente pela descomposição da arquitetura em elementos que
a configuram, uma operação presente em qualquer ato de criação e
essencial à compreensão da obra. Associamos, desse modo, ao pro-
cesso cognoscitivo dos meios específicos do labor arquitetônico a
questão do juízo, do julgamento, que, em parceria com a narrativa
historiográfica da arquitetura ao longo da vida do homem, atribui
valores à obra arquitetônica ao considerar, naquela referida análise,

9
Renato Leão Rego

a pauta, as instâncias, as razões e a significância que concernem à


obra analisada.
A crítica de arquitetura na cultura moderna tem tido um papel
equivalente ao da crítica de arte, que se tornou intrinsecamente
necessária à produção e afirmação da arte por conta da
‘comunicabilidade não-imediata da obra’: elas desempenham a fun-
ção mediadora entre o discurso do artista e a fruição do seu traba-
lho.1 Sendo da sua competência reinseri-la no sistema geral da
cultura, a crítica, como a professa Giulio Carlo Argan, deverá tra-
çar um prolongamento da obra de arte que, a partir da esfera artís-
tica, vai associá-la a outras atividades não-artísticas e até mesmo
não-estéticas.
Na extensão da definição de Argan, o papel da crítica de ar-
quitetura pode vir a assumir o caráter de instrumento didático, na
medida mesma em que esclarece do objeto construído o ponto de
partida do projetista e o processo genético; da sua construção as
intenções arquitetônicas, os seus meios e o seu funcionamento; da
sua cultura os termos em que ora a reflete, ora a absorve. Desse
modo, e somente desse modo, aportações teóricas da arquitetura
poderão recolher a experiência completa da arquitetura, que há de
conter, inclusive, a experiência do seu projeto. Nesta condição, os
mundos da reflexão teórica e da experiência, paralelos e tangentes,
distantes ou próximos por vazios de correspondência ou confli-
tos, nunca deixariam de estabelecer o “aliciente para modificar a
teoria e ajustar indefinidamente a prática”.2
Já foi dito, numa espécie de ‘psicologia’ do projeto, que o
desejo de transformar o meio com sentido é aliviado por imagens
afetivamente apreendidas, que atuarão como referentes e
desencadeantes daquela ação. Estas ‘imagens’ mobilizadoras do
fazer arquitetônico advêm do conteúdo sedimentado no imaginário
do homem, de cada homem: são, em geral, instâncias mentais ar-
mazenadas de toda sorte, sensações produzidas por referências
arquitetônicas visuais, reflexivo-verbais e contemplativas, proce-

1
ARGAN, G. C. Arte e crítica de arte. 2.ed. Lisboa: Estampa, p.128.
2
SEGUÍ DE LA RIVA, J. Theoretical considerations concerning
architectural design and its basic teaching. Madrid: ETSAM, não publicado.

10
A palavra arquitetônica

dentes de figuras ou coisas, absorvidas de situações ou ambientes,


retidas da comunicação e da leitura, que concorrerão no processo
criativo.3
Ativada a ação destas imagens retidas no exercício criativo, o
olho crítico depreenderá de todas as formas experimentadas pela
arquitetura a implicância da sua existência, a validade dos seus
princípios, a prática dos seus meios ao extrair do velho o novo, da
arquitetura uma realização periodicamente moderna, da constru-
ção uma arte.
Até aqui estou tratando de dizer que da arquitetura, por meio
da experiência das suas realizações e da formação do imaginário
do arquiteto, cabe deixar manifestar-se uma postura crítica funda-
mental e, por que não, obrigatória frente ao seu objetivo ulterior: o
projeto da arquitetura.

Percursos
A efetiva validade do pensamento exposto alinha-se com a
abrangência pedagógica do olhar crítico lançado por Lionello Venturi
ao considerar, na régua da sua crítica, fatores que participam da
gênese da obra pelo fomento e constituição do imaginário do artis-
ta, alargando então o universo da crítica da ‘pura visualidade’,
segundo a qual o valor da obra era atributo só do seu dado visual
puro.
Venturi4, fazendo confluir história e crítica da arte, credita à
tarefa de historiador um juízo de valor, e a exerceu servindo-se
dos documentos existentes, do pensamento do artista e de seus
contemporâneos, artistas ou não. A crítica de Venturi tomava en-
tão um sentido de abertura rumo a fatores culturais, sociais e his-
tóricos, em geral excluídos do âmbito puramente estético, como
ocorre com os esquemas ou constantes formais da teoria de
Wölfflin, que reduzem o estudo dos fenômenos artísticos à des-
crição de suas características diferenciais. Haveria então uma dis-

3
Idem, ibidem.
4
VENTURI, L. História da crítica de arte. Lisboa: Edições 70, s.d.

11
Renato Leão Rego

tinção entre a síntese da obra de arte, operada pela criatividade do


artista, e os seus elementos constitutivos, que podem separar-se
dela, que podem encontrar-se em outras obras e que não se iden-
tificam com a própria arte: de natureza variada, estes elementos,
que compreendem da técnica ao ideal, assumem uma característi-
ca comum frente à criação da obra de arte. Trata-se da historicidade
do fazer artístico, por meio daquilo que unia as personalidades
criadoras de cada período: o sujeito da obra não parte do nada,
mas de um universo experimentado, de uma tradição que seu am-
biente lhe oferece, presente na obra seja pela sua reafirmação, seja
ainda pelo seu avesso, a revolta da negação. A imaginação do artis-
ta não trabalha no vazio, mas de um modo historicamente concre-
to, sobre o reservatório de ‘imagens’ assimiladas.
O ‘gosto’ do artista e do coletivo ao qual pertence, sob a
forma de cultura dada, já histórica, funde-se à cultura que o pró-
prio artista faz fazendo arte. O problema ora levantado por Venturi,
que se torna relevante na produção contemporânea da arte, é o
papel da cultura específica de cada artista: uma cultura que incide
na construção da obra e, em parte, coincide com a da época e do
lugar, a ponto de englobar problemas cognoscitivos, religiosos ou
morais, além dos aspectos e problemas apenas próprios da arte,
uma vez que para ele “a criatividade não está isolada, nem é isolável
da vida do homem”. É, sem dúvida, esta noção que leva Argan a
afirmar que “fazer a história da cultura dos artistas, das suas idéi-
as, preferências, intenções no campo da arte, significava natural-
mente fazer a história daquilo que de ‘crítico’ se reconhecia no
seu procedimento artístico”.5
Para além da pesquisa de Venturi, Erwin Panofsky6 relacio-
nou a investigação no plano das estruturas formais – significantes
– com a ‘Filosofia das formas simbólicas’ de Ernst Cassirer, tra-
balho que se enquadrava no plano dos significados. O procedi-
mento da iconologia em seu envolvimento culturalizante deu va-
zão, pela tradição das imagens, ao sentido que jaz no sistema das
formas que cada artista faz depreender da sua experiência do mundo
5
ARGAN, op. cit., p.149.
6
PANOFSKY, E. Estudios sobre iconología. 2. ed. Madri: Alianza, 1976.

12
A palavra arquitetônica

real e cristaliza na obra: trata-se de uma história dos sintomas cul-


turais que faz reconhecer os significados dos simbolismos das
imagens, temas e motivos artísticos em face dos contextos parti-
culares de culturas e períodos históricos. As imagens criadas pelo
artista agora pesava também pelo que conotam ou dizem dos valo-
res simbólicos imanentes a uma época. Panofsky devolvia à obra
de arte a unidade desmembrada entre forma, tema e conteúdo.
O significado intrínseco àquelas imagens Panofsky vai
encontrá-lo indagando os pressupostos que revelam a atitude bási-
ca de uma nação, um período, uma classe, uma crença religiosa
ou filosófica, qualificados inconscientemente pela personalidade e
condensados na obra,7 o que faz do trabalho do historiador uma
‘síntese recriativa’ e uma ‘investigação arqueológica’, dois pro-
cessos entrelaçados, simultâneos, recíprocos. Estabelecem-se, des-
se modo, as bases futuras para um estudo estruturalista, como a
crítica de Renato De Fusco, que propõe entender globalmente os
fenômenos arquitetônicos mediante uma ligação entre a arquitetu-
ra e a experiência geral da cultura moderna, estabelecida por uma
‘estético-crítica’.8
Indo ao amontoado de documentos reunidos então pelo his-
toriador, nos vemos no ‘ateliê interior’ do artista e aí encontrare-
mos um pouco de tudo: esboços, anotações, obras já feitas e re-
produções antigas e modernas, material que o artista interessado
reunira e talvez seja utilizado, talvez não. Talvez sirvam não à obra
em curso, mas a outra, em projeto talvez. São, como nos diz Argan,
instrumentos mais que do seu trabalho, da sua poética.9 É o artista
alguém que faz e tem uma técnica, que certamente tem uma or-
dem, porque pressupõe um projeto e uma série de atitudes proces-
suais. A existência prática do fazer chamará de volta ao presente, à
urgência do que se tem de fazer, experiências passadas, distantes,
esquecidas ou quase. A ordem do fazer impõe recuperações
mnemônicas ao movimento da imaginação. Voltamos ao mundo
7
ARGAN, op. cit., p.17.
8
Cf. DE FUSCO, R. La idea de arquitectura. Historia de la crítica desde
Viollet-Le-Duc a Persico. 2.ed. Barcelona: GG, 1976.
9
ARGAN, op. cit., p.57.

13
Renato Leão Rego

das imagens experimentadas pelo nosso artista. A imagem, então


citada e recitada até, contaminada por associações ou combina-
ções ingênuas com outras imagens latentes na memória, é o docu-
mento de uma cultura: a de um significante ao qual se podem atri-
buir outros significados, no processo da ‘interpenetração criado-
ra’.10
Mais moderna, a semiologia continuou a revelar dimensões
até então ocultas ou sutilmente inscritas na obra, embora uma bus-
ca ávida de significação – participando o receptor no universo cri-
ado pela obra – tenha superado a busca até então exclusivista dos
seus valores expressivos. Os rumos desta linha de pesquisa certa-
mente se bifurcarão no ponto em que insistir nos signos gravados
pelo artista na obra será crítica da ideologia e explorar o significa-
do que tais signos possuem na vida ulterior da obra será registrar
a interpretação do observador a modo de uma ‘estética da recep-
ção’.
Revendo hoje os vários desdobramentos da metodologia da
historiografia da arte (fenomenologia, estruturalismo, semiologia),
quaisquer que sejam os campos de abrangência da sua pesquisa –
texto, contexto, metatexto – foi ficando cada vez mais claro que a
história da arte é, sim, história da cultura, de uma cultura estruturada
e dirigida pelo empenho operativo, na qual toda experiência passa-
da permanece, adentrando o campo do epistémê foucaultiano, como
uma virtualidade aberta à obra que se faz.
Transpondo a discussão para o campo da arquitetura, é desta
experiência que trata Manfredo Tafuri ao escrever que “qualquer
nova obra de arquitetura nasce em relação – de continuidade ou de
antítese, é indiferente – com um contexto simbólico criado por
obras precedentes, livremente escolhidas pelo arquiteto, como
horizonte de referência de sua temática, pelo que não tem qualquer
importância a continuidade ou afastamento histórico desse hori-
zonte, relativamente ao presente”.11

10
Ibidem, p.28-34.
11
TAFURI, M. Teorias e história da arquitetura. 2.ed. Lisboa: Presença,
1988. p. 135.

14
A palavra arquitetônica

Se por um lado o que saiu diretamente do forno da fabulação


não se caracteriza propriamente por um nexo lógico límpido, não
sendo discurso mas sim expressão, pelo outro esta obra não se
cifra a um caos de sensações, mas é organização formal onde as
sensações experimentadas se fundiram e se disciplinaram. Enten-
dendo-se a arte como linguagem, sua leitura deve ser entendida
como processo técnico que flagra o sentido colocado mais ou
menos conscientemente no seu texto. No nosso caso, é funda-
mental extrair do objeto arquitetônico todas as instâncias – estéti-
cas e simbólicas, funcionais e materiais – para, na reconstrução da
construção que engendrara o artista, abarcar pela estrutura da qual
a obra é a tecitura, o seu sentido. (Cabe um parêntesis aqui para
incluir o esforço de Jorge Glusberg em propor a crítica de arquite-
tura como um ‘sistema de sistemas’).12
Tendo em mente como referência a crítica operativa
apresentada por Tafuri, concluiremos que a análise da arquitetura
terá como objetivo não um levantamento abstrato prêt-à-porter e
sim a projeção de uma orientação poética precisa, antecipada nas
suas estruturas e resultante de análises históricas. Deparamo-nos
aqui com a tarefa de reencadear circunstância passada – experiên-
cia – e antecipação que a obra, quando realizada, vai fazer presen-
te, recobrando aquela correlação implícita de passado e futuro que
menciona Argan quando afirma que cada invenção nasce da crítica
do passado, à qual se agrega um projeto para o porvir.

A caminho da arquitetura
Reconhecido o golpe contra a ‘estética cartesiana’ desferi-
do em tempos pós-modernos, vemos que aquelas características
formais, de cunho abstrato-geométrico e teor anti-naturalista e anti-
histórico, fomentadas por uma racionalidade supra-individual, abs-
trata e universal, deixam de prevalecer sobre os aspectos sensí-
veis, emocionais e individuais da experiência artística que vêm re-
tratando a socialidade heterogênea, mais complexa, movediça, que
se sobrepôs à demarcação da modernidade.

12
GLUSBERG, J. Para uma crítica de arquitetura. São Paulo: Projeto, 1986.

15
Renato Leão Rego

As teorias do lugar arroladas a partir dos anos 60,


contextualismos de todos os matizes, representaram as tentativas
de superar o utopismo moderno, sem resvalar na redução da ar-
quitetura a mero significante, ainda que teorias da linguagem e
questões de comunicação fossem a ordem do dia. Destacando
Vittorio Gregotti13 e a afirmação do projeto como intenção, balizado
pela fenomenologia via Argan e pelo estruturalismo de Lévy-Strauss,
sobressaía aí a arquitetura como ‘lugar simbólico’ reclamado em
práticas que recorriam à experiência da história (da arquitetura, da
cidade, da cultura), sem esquecer que a ela pertencia também o
episódio do movimento moderno, depurando a racionalidade mo-
derna da sua dimensão instrumental e ideológica. Sua proposição
conciliava modernização e tradição, renovação e preservação.
Nem sempre esta atitude dialética se fez valer, daí assistir-
mos uma série de revivalismos indiscriminados, tomados do pas-
sado alheio, numa espécie de ‘memória sem memória’, como ar-
gumenta Otíllia Arantes14. Uma certa ausência de projeto favore-
ceu um repertório eclético de estilos, formas e técnicas, sem cri-
térios seletivos, à disposição do usuário como mercadorias em
equivalência na vitrine. Historicismo romântico, ecletismo como
sincretismo de linguagens, fragmentação alçada à categoria de ele-
mento ritual, a ‘correspondência’ do contexto e formas abertas
são detectados como parte do ‘vitalismo estético polimorfo’ vi-
gente. A ambigüidade, a contradição, o pluralismo, o relativismo
são conceitos que caracterizam o epistema contemporâneo. A frag-
mentação da experiência e sua tradução estética, já ensaiada na
estética das vanguardas, intensifica-se, permeada pelo que Michel
Maffesoli15 chama de placet futile, acantonado nos ângulos, es-
quinas e detalhes que renderão a melhor fotografia. Difrata-se por
entre nossa sociedade narcísica, em busca de si própria, da sua
identidade, um modo de agir animado por e pelo que é intrínseco,

13
Cf. GREGOTTI, V. Território da arquitetura. 2ed. São Paulo: Perspecti-
va, 1994.
14
ARANTES, O. Arquitetura no presente, uma questão de história. In:
rquitetura, cidade e natureza. Org.:IABDN. São Paulo: Empresa das artes, 1993
15
MAFFESOLI, M. No fundo das aparências. Petrópolis: Vozes, 1996.

16
A palavra arquitetônica

centrado sobre o que é da ordem da proximidade, uma espécie de


reencantamento, ‘religação’ mística, sem objeto particular. É nes-
sa ambiência (para usar uma palavra da moda) que a construção
do espaço, hoje, recorre à sensação, procede por sedução, dispõe
efeitos. A arquitetura se dá como acontecimento.
A arte de projetar anda se conformando em apreender a frag-
mentação da experiência. Entre descontrução e construção, o ce-
nário atual que se monta é um jogo de formas, fina celebração dos
sentidos, hedonismo consensual.
Nostalgias à parte, estou dizendo aqui que entre realismo e
crítica pode ser possível uma atitude sintônica com o reconheci-
mento da complexidade social deste tempo, que não tento ressus-
citar nenhum tipo de utopia que postulara o expediente do movi-
mento do moderno. Permitam-me, já na conclusão, lançar um ou-
tro argumento, de Valéry, segundo o qual a desordem deve apenas
subjacer à criação, uma vez que esta se define por uma certa ‘or-
dem’, esclarecida na articulação racional dos seus elementos.
Retomando a conclusão deste texto – a consideração da par-
ceria história e crítica como instrumentos projetuais –, sua
contraprova pode vir do programa estabelecido pelo regionalismo
crítico, sabendo ele desviar-se de bricolagens e pastiches primári-
os, apreender as lições do passado e os avanços tecnológicos do
presente, conduzir-se como ordem que dispensa a norma. Menci-
onei no início a compreensão da arte como atividade histórica de
Lionello Venturi porque, ao se tratar de uma construção, como as
de Álvaro Siza, por exemplo, cai-se numa teia que liga o arquiteto,
sujeito que soma as experiências da arquitetura, sua interferência
no sítio, o lugar a ser ocupado por ela, na condição de paisagem
antrópica, histórias portanto, sintetizadas no projeto, lição do pas-
sado a ser experimentada no futuro
Marília, 1998. Renato Leão Rego

17
Alvar Aalto

1
AS BELAS-ARTES

N os ambientes mais distintos de uma sociedade não se


conhecem, resumidamente, mais que dois gêneros de arte – de um
lado, se designa como realismo os quadros que representam, com
o máximo de exatidão possível, a Natureza, os homens e tudo que
os rodeia. A esta arte se contrapõe a arte não figurativa, ou como
se queira chamá-la, onde as formas surgem de concepções abstra-
tas. Esta distinção é superficial, pois a arte, manifestação humana
por excelência, não pode ser dividida deste modo.
Há milênios a arte tem estado ligada à Natureza e ao homem,
sem jamais separar-se dela, o que não significa que não possa se
libertar e inovar.
Quanto aos arquitetos, seus trabalhos e seus programas se
situam em outros planos, e a inquietude que os atormenta – se são
tradicionais ou modernos – é ociosa e tão vã como a que distingue
a arte realista da abstrata. Em arquitetura a postura é diferente. Os
estilos históricos se opõem à invenção, enquanto que, nas belas-
artes, trata-se de copiar ou não a Natureza.
A arquitetura não pode se livrar das contingências huma-
nas, naturais; não deve fazê-lo jamais, pelo contrário, deve aproxi-
mar-se da Natureza, dando a este termo uma acepção tão ampla
que compreenda a sociedade, a cidade e os costumes. Quanto à
expressão arquitetônica, deve-se desenvolver com a mesma liber-
dade que as belas-artes, permanecendo porém ligada ao homem e
às suas exigências.

1
. Publicado em Fleig, K. (editor). Alvar AAlto, Obras 1963-1970. Barcelo-
na: GG, s.d.

18
A palavra arquitetônica

Todas as tendências apontam, em suma, para o mesmo ob-


jetivo, mas não posso me alongar nisto. Na pintura e na escultura,
uma orientação nova surgiu, como na arquitetura. Mas não se deve
considerar somente sua aparência, e sim analisar os fenômenos
profundos que provocaram a renovação das concepções artísti-
cas. As artes devem-se inspirar no princípio da “expressão livre”,
mantendo o homem no centro de suas inquietações.

19
Alvar Aalto
1
A RESPONSABILIDADE DO ARQUITETO

A organização de um interior depende não só das formas


ou das cores da habitação. É um ato mais complexo, cujas inci-
dências têm origens longínquas e cujas raízes se situam na arte de
construir as cidades, contexto do qual é impossível abstrair-se.
O próprio urbanismo, ainda que a palavra relacione esta ciên-
cia com a cidade, não pode-se resumir ao estudo dela; as zonas
periféricas e a paisagem devem ser incorporadas a ele, como par-
te de um todo maior onde se concentram a vida das pessoas e o
conjunto de suas necessidades vitais.
No norte, esta região meio selvagem onde nasci, a disposição
dos espaços é mais fácil de se tratar que nos países de grande
densidade da Europa central. A Finlândia é tão grande quanto a
Alemanha, mas tem só quatro milhões de habitantes. Há, então,
espaço de sobra e a interferência entre cidade e paisagem não apre-
senta os problemas que existem em outras bandas. No entanto,
não se extrai muita vantagem desta situação. Um país como a Fin-
lândia tem tendência a confinar-se em certo provincianismo, imi-
tando o que se faz em outros lugares; nos nossos dias ainda existe
a moda de imitar Hollywood, a cidade mais mal construída que
conheço, quando se podiam aproveitar estas excelentes ocasiões
para moldar as construções por meio da incorporação racional da
arquitetura numa paisagem organizada.
É verdade que não é fácil construir uma cidade nova no
meio de uma Natureza intacta, como não é freqüente que se pro-

1
. 1957. Publicado em Fleig, K. (editor). Alvar A Alto, Obras 1963-1970.
Barcelona: GG, s.d.

20
A palavra arquitetônica

ponha a um arquiteto: eis aqui um bosque e lá um lago – construa


uma cidade para 20.000 habitantes.
Para um país como a Alemanha, uma cidade semelhante pa-
rece muito pequena, mas no norte resulta bastante importante.
Oportunamente nestes dias, me perguntaram se as cidades euro-
péias não caíram de moda, não estão superadas, inabitáveis até, e
se não seria melhor só construir cidades novas. Não acho que se
deva ser tão radical.
A vida humana é feita ao mesmo tempo de tradição e de renova-
ção. Não se podem rechaçar os valores tradicionais com o pretexto de
que se devem substituir as coisas antigas por aquisições novas. Uma
certa continuidade evita os inconvenientes das rupturas muito brus-
cas. Assim, graças a intervenções conscientes, é possível manter nas
cidades vegetação suficiente para que se torne agradável viver nelas,
tarefa sem dúvida difícil, porém realizável.
Perguntaram-me também se cada cidade finlandesa dispunha
de um perito, pelo qual entendiam um arquiteto encarregado ex-
clusivamente do urbanismo. Este funcionário existe, certamente,
mas não é o ideal, pois as cidades implicam tal complexidade de
problemas que se deve excluir a idéia de que possam ser resolvi-
dos por um só funcionário, mesmo sendo ele arquiteto.
Depois de construída uma cidade, é impossível modificá-la
essencialmente. Falo aqui, em Munique, uma região da Europa onde
outrora acamparam as legiões romanas, e não percebemos que a
implantação de certas cidades remonta a esses tempos, que seus
contornos, apesar das numerosas destruições e reconstruções, ain-
da seguem os antigos traçados. Isto demonstra a perenidade da
fisionomia urbana e a continuidade dos estabelecimentos. Poderia
esperar-se, então, que o público se interessasse por estas questões e
que as melhores forças se empregassem em criar as bases para que
as construções se integrassem harmoniosamente no contexto urba-
no. A harmonia da construção é um dos maiores segredos da vida,
quais são, pois, as suas premissas? Por que o ser humano está en-
tregue à servidão de trabalhar, comer e abrigar-se? Os animais, se
bem todos comam, nem todos possuem um abrigo. Mas, para o
homem, a habitação é primordial; sem morada não há civilização.

21
Renato Leão Rego

Qual será a verdadeira solução? Uma casinha em um grande


parque, o isolamento de cada família, ou o amontoamento nas ci-
dades? Ninguém sugeriu a solução ideal, e esta questão mal encon-
trará sua resposta.
Lembro-me que um dia a URSS encarregou um arquiteto de
fazer plantas de cidades que correspondessem ao regime. Este
urbanista limitava a extensão das cidades a 150.000 habitantes;
tivesse preferido menos, uns 60.000.
A sorte das cidades européias escapou aos urbanistas e pre-
feitos, que não puderam impedir seu crescimento, além de um
milhão de habitantes. A partir deste momento, elas deixam de ter
alma e de ser governáveis. Qual foi, então, o resultado dos proje-
tos russos Depois de vários anos de discussões, o governo che-
gou à conclusão de que os intercâmbios intelectuais, fontes de
bem-estar, só podiam acontecer em uma grande cidade. E consi-
derou liquidada a idéia de limitá-las a 150.000 habitantes.
Onde estão, portanto, as justas proporções? Devemos viver
junto da vegetação ou temos de nos amontoar para facilitar os
contatos intelectuais? Penso que as duas soluções são necessárias
e viáveis.
Devemos prever vilas ou arranha-céus? O ideal seria viver
em um arranha-céu com as vantagens de uma casa unifamiliar.
Em Berlim, no meu prédio da Interbau, tentei essa experiência,
mas duvido ter sido inteiramente bem sucedido, pois não é fácil
construir um prédio que possua as vantagens da proximidade com
a Natureza. Mas como temos necessidade das duas vantagens,
devemos desenvolver tipos de arranha-céus onde a vida se aproxi-
me ao máximo à da casa unifamiliar. As casas com fachada de
vidro e as sacadas onde se pode ver mexer cada dedo, cada inten-
ção de quem as habita, não oferecem a intimidade que convém à
vida privada. Temos de construir casas nas quais cada um se sinta
em seu lar, independente dos vizinhos. Pois seja qual for o tipo de
vida que nos reserva o futuro, quando centenas de satélites gira-
rem ao nosso redor, a família será sempre a célula humana natural.
É evidente que o homem vive duas vidas distintas: a vida
coletiva e a privada; estas duas instâncias se dão tão mal quanto o

22
A palavra arquitetônica

sonho e o trabalho. As casas que construímos têm que garantir, de


todas as formas, a cada um, sua vida privada de um modo absolu-
to. As soluções poderão diferir entre si, mas o princípio se man-
tém. A arquitetura não é uma decoração superficial, deve ser o
invólucro de uma existência moral digna do homem. É assim como
chego ao aspecto exterior da casa. Quando a decoração ou o orna-
mento dominam, isto indica que a casa não mantém o contato
conveniente com a Natureza, comprovação que será endossada
por qualquer pessoa sensata.
Poderia lembrar, com um pouco de “esprit”, que os tecidos,
em nossos interiores, são uma reminiscência da Natureza, pois
simbolizam os prados verdes e as flores de um mundo perdido
pelo homem que vive nas grandes cidades. No princípio, os vege-
tais ofereceram o material para o mobiliário e as instalações das
civilizações primitivas. Os tecidos determinaram as atitudes, re-
cordemos as tendas dos povos nômades.
Disse há pouco que as formas eram a expressão dos valores
morais, ainda que seja impossível para mim definir o que se deve
fazer ou não fazer, preferir isto, evitar aquilo. Penso que a vida
grata num interior é uma necessidade fundamental baseada mais
na ética que na estética.
As formas, ainda que diversas, são mais o resultado da atitu-
de pessoal que da imitação dos estilos. O esnobismo se distancia
das exigências fundamentais.
A vida é, ao mesmo tempo, tragédia e comédia, e o ambiente
da casa é o seu cenário. Os móveis, sua disposição, os tecidos e as
cores devem ser adaptados ao desenrolar dos acontecimentos co-
tidianos, assim como os trajes e os gestos, expressões da dignida-
de humana.
As formas muito rebuscadas são hipocrisias que ninguém vai
preferir atendo-se aos princípios do bem-estar.
A indústria, com seus produtos racionais e úteis, auxilia o ho-
mem quando quer se instalar convenientemente. Apoiando-se nas
regras da dignidade e da conduta, as pessoas poderão se beneficiar
do bem-estar que, em nossos dias, lhes oferecem o urbanismo, a
arquitetura, o equipamento interior e todas as aquisições do nosso
tempo. A alma do homem só aspira a um pouco mais de luz.

23
Le Corbusier

1
O ESPÍRITO NOVO EM ARQUITETURA

Senhoras e senhores,
Queria, nesta noite, tentar mostrar que a arquitetura da épo-
ca moderna tem abandonado suas vacilações, que possui a técnica
sã e poderosa capaz de sustentar uma estética, já formulada, por
outra parte, por prescrições profundas; técnica absolutamente nova,
pura e homogênea; estética que é o extrato de uma época total-
mente renovada e que, depois de muitas guinadas e caminhos opos-
tos, tem conseguido alcançar, no mais fundo de nós mesmos, as
bases essenciais de nossa sensibilidade, as bases puramente hu-
manas da emoção.
E talvez será então que tomaremos consciência de que esta
nova arquitetura, assim condicionada, é passível de grandeza e
capaz de acrescentar um novo elo na linha das tradições que funda
no passado.
Vou começar fazendo desfilar diante de seus olhos uma série
de fatos.
1. Surgem objetos novos, assombrosos, temerários, anima-
dos de grandeza, comovendo-nos, perturbando nossos cos-
tumes.
2. Reina a precisão. A economia manda. Invencivelmente so-
mos atraídos a um novo eixo. Começou outra época.Na at-
mosfera pura do cálculo voltamos a encontrar certo espírito
de clareza que animou o passado imortal. No entanto, a pre-
guiça domina nossos atos e nossos pensamentos: pesadumes,
recordações, desconfiança, timidez, medo,inércia.

1
. Conferencia na Sorbonne em 12 de junho de 1924.

24
A palavra arquitetônica

3. Um século de ciência conquistou meios poderosos e desco-


nhecidos até então. A matéria está em nossas mãos. Este sé-
culo do aço é novo, diante dos milênios. Em todos os conti-
nentes começa um imenso trabalho. Este espírito se comuni-
ca de povo em povo e o progresso desencadeia suas conse-
qüências.
4. Por todas as partes surgem interrogações. Sinais de inquie-
tação. Testemunhos do desejo de conhecer. Presságios de
atos que querem ser concisos e claros.
5. O homem está desejando. Seu coração, sempre um coração
de homem, busca a emoção muito além da obra utilitária,
aspira a satisfações desinteressadas. Dos novos fatos se des-
prende uma poesia violenta e radiante. O coração tenta con-
ciliar os fatos brutais com os padrões profundos e íntimos da
emoção.
Vocês acabam de ver na tela uma série heteróclita de ima-
gens; esta série, chocante ao extremo, surpreendente em todo caso,
constitui o espetáculo quase cotidiano de nossa experiência; e
estamos em um momento em que a cada dia se propõem tais ino-
vações perturbadoras, contrastes tão surpreendentes que ficamos
transtornados e, no mínimo, sempre fortemente comovidos.
Vocês viram antes o navio “Paris”, por exemplo, que lhes
deve ter parecido algo notável, magnífico; depois viram o salão
deste mesmo navio que, sem dúvida, lhes doeu na alma: parece, de
fato, assombroso encontrar, no coração de uma obra tão perfeita-
mente ordenada, uma tal antinomia, um tal contrário, uma falta de
união, a bem dizer uma tal contradição: divergência total entre as
linhas mestres do navio e sua decoração interior; as primeiras são
a obra científica dos engenheiros, a outra, dos chamados
decoradores especialistas.
Também viram, na seqüência, as salas dos castelos de
Fontainebleau e Compiègne, assim como a galeria Colonna de Roma
obras célebres, cheias de valores diversos, que pertencem a outra
época: comparem-nas com o que, no nosso tempo, constitui o
marco de nossa vida; parecem chocantes, deslocadas, e levam
nosso espírito a admitir, com toda naturalidade, que é em outra
parte onde devemos buscar o aprendizado.

25
Renato Leão Rego

Mas em nossas escolas só se dá aos alunos um ensino base-


ado nestas obras de outro tempo: assim se compreende facilmente
o mal-estar que reina nos espíritos e o absoluto estado de crise em
que nos encontramos.
A seguir, lhes mostrei interiores de bancos americanos: são
de tal pureza, de tal precisão, de tal conveniência que estamos
perto de achá-los belos. Foram projetados por um arquiteto, cer-
tamente muito talentoso, que parece estar animado pela lógica e
por uma grande clareza de espírito: no entanto, na “Bankers Ma-
gazine”, que publica suas obras, este senhor acrescentou um con-
vite aos leitores para que o visitassem e, a fim de atraí-los, não
achou nada melhor que publicar o interior do seu escritório de
trabalho. E nesta foto se vê uma ambiente mobiliado com baús
Renascimento e, num canto, até uma armadura de guerreiro,
alabarda em punho, uma imensa mesa Luís XIII com enormes pés
torneados e esculpidos, tapeçarias... O homem que mobília assim
seu escritório é o mesmo que concebeu estes interiores de bancos,
obras de lógica pura! Aí está o desacordo.
Mais uma coisa. No ano passado visitei, nos Alpes, os traba-
lhos de um dique imenso; este dique será, certamente, uma das
obras mais belas da técnica moderna, uma das coisas mais
subjugantes para quem tem a possibilidade de se entusiasmar: sem
dúvida o lugar é grandioso, mas o efeito produzido se deve, sobre-
tudo, ao esforço combinado da razão, da invenção, do talento e da
ousadia. Um amigo me acompanhava, um poeta; tivemos o azar de
comunicar nosso entusiasmo aos engenheiros que nos acompa-
nhavam pela obra: tudo o que conseguimos foi riso e piadas, diria
até inquietação. Aqueles homens não nos levaram a sério, talvez
dissessem que estávamos loucos. Tentamos explicar que, se achá-
vamos maravilhoso seu dique, era porque compreendíamos o que
a envergadura de tais trabalhos, trasladada às cidades, por exem-
plo, poderia trazer como transformações radicais. E, de repente,
estes homens, que manuseiam o positivo, o lógico e o prático,
exclamaram: “Mas vocês estão querendo destruir as grandes cida-
des!, são uns bárbaros!, se esquecem das regras da estética!” Eram
totalmente diferentes de nós dois, pelo seu próprio estado de espíri-
to: acostumados a conceber e executar obras de puro cálculo, reve-
laram-se incapazes de imaginar, num campo diferente do seu, as

26
A palavra arquitetônica

conseqüências de sua própria atividade; transformaram-se em ho-


mens de outro tempo.
Na verdade, vivemos um transtorno, e somos obrigados a
fazer uma revisão total de valores se quisermos tentar ver claro na
atual situação e chegar a constatar que alcançamos um conceito
diferente daquele que podiam ter nossos pais e nossos avós; se
quisermos chegar a apreciar que a vida que levamos é radicalmen-
te oposta, distinta em todo caso, do que foi a vida das gerações
que nos precederam.
Estamos diante de um acontecimento novo, de um espírito
novo, mais forte que tudo, que passa por cima de todos os costu-
mes e tradições e que se difunde pelo mundo inteiro; as caracterís-
ticas precisas e unitárias deste espírito novo são o mais universais
e humanas que podem e, no entanto, jamais foi tão grande o abis-
mo que separa a antiga sociedade da sociedade maquinista em que
vivemos.
O nosso século e o século anterior opõem-se a 400 séculos
anteriores: a máquina, baseada no cálculo, que nascera das leis do
universo, erigiu, frente às divagações possíveis do nosso espírito,
o sistema coerente das leis da física; impondo suas conseqüências
à nossa existência e forçando nosso espírito a um determinado
sistema de pureza, modificou o marco de nossa vida: abriu-se um
fosso entre duas gerações.
Diante deste fosso, devemos refletir, parar e tentar ver o que
nos cabe resolver para começarmos a criar o mecanismo verda-
deiramente atual da nossa existência.
Sem medir muito exatamente os feitos, somos, neste mo-
mento, indivíduos revolucionados. Mal o percebemos. Participa-
mos de uma vida rápida, apressada, dura, penosa, muitas vezes
estressante, temos a impressão de que isto pode ser sempre as-
sim, que cada dia se torna talvez um pouco mais difícil, mas não
temos a sensação, repito, de que estamos completamente revolu-
cionados com respeito ao período anterior.
Somente um olhar lançado à história vai nos permitir captar
tal mudança. De fato, se vêem, na vida dos povos, certos momen-
tos em que a curva espiritual encontra seu ponto de inflexão, mar-
cando a transição de uma forma de pensar a outra, de uma deter-

27
Renato Leão Rego

minada cultura a outra totalmente diferente.


Permitam-me, para confirmar o que digo, tomar como exem-
plo a Idade Média, que se seguiu ao período românico, por sua vez
conseqüência de toda a cultura antiga. A transição aconteceu –
não se pode dizer bem a data precisa – deu-se entre o ano 1000 e
o 1200: homens vindos de todas as partes, novos povos, acaba-
vam de misturar-se com povos antigos, um caos geral... mais tar-
de, quando passa o tempo, com os séculos de distância necessári-
os, nos damos conta, num belo dia, que intervieram modos de
pensar e atuar, modificando radicalmente tudo o que havia existido
até então.
Se há um campo onde este fato é flagrante é o da arquitetura,
pois oferece testemunhos característicos que escaparam aos rigo-
res do tempo.
A arquitetura românica caracteriza-se, como sabem, por aber-
turas de meio ponto, denotando o uso de formas de geometria
primária, tradição de cultura antiga. Três séculos depois, eis que
se passou, sem alardes, a um sistema bem distinto, de formas
muito complicadas, revelando uma estética completamente dife-
rente. Foi uma revolução considerável, contudo, no momento em
que se produzia, ninguém mediu a reviravolta.
E esta mudança atingiu muito mais do que geralmente se ima-
gina.
Na época românica, a cidade era composta por prismas sim-
ples; entre as formas desenvolvidas nas casas, dominava a hori-
zontal: a geometria mais pura se afirmava em todas as partes, até
chegar a conferir à paisagem uma atitude muito precisa. Mal pas-
sado um século, a cidade e a paisagem tinham se transformado,
oferecendo ao olhar um aspecto radicalmente oposto.
Estamos no outono, plantam-se jardins: nos últimos dias plantei
dois. Vocês poderão constatar que o espírito humano age não só
sobre as obras puramente humanas, como a arquitetura, mas in-
clusive no que se vem chamando de natureza, moldando as paisa-
gens, escolhendo as essências das árvores cujas características
plásticas estejam dentro de num determinado sistema do espírito.
A natureza moldada pelo homem alia-se às casas que ele cons-

28
A palavra arquitetônica

trói. Viajando por vários países, nota-se que os modos de cultivo


determinam aspectos profundamente diferentes da paisagem; as
casas no campo unem-se num mesmo espírito. E não são só os
climas que ditam a forma do lugar.
O que quis mostrar é que se estabelece uma hierarquia entre
os diferentes estados de espírito, entre os distintos sistemas do
espírito, e que alguns talvez sejam superiores a outros. Isto, em
todo caso, permito-me afirmá-lo, porque para mim é uma certeza
(e demonstrarei) que o espírito se manifesta pela geometria. Daí
deduzirei que, quando a geometria é todo-poderosa, é que o espí-
rito progrediu com relação ao tempo de barbárie anterior.
Não quero dizer com isto que a cultura da Idade Média fosse
bárbara, mas que estava arraigada em fatos ainda bárbaros, em
um passado turvo e que se encontrava nos começos do seu desen-
volvimento, enquanto que a cultura antiga, pelo contrário, havia
chegado a importantes conclusões, manifestadas pelas geometria.
Mostrarei que a ascensão até a geometria se traduz no aspec-
to desta obra humana que se estende desde a casa até o lugar. Você
conhecem a casa tal como ela nasceu, mais ou menos normalmen-
te, com o telhado sobre o muro primitivo: pouco a pouco, evolui
numa busca cada vez mais declarada da horizontal, até que, num
período de claridade intelectual como o Renascimento, alcança a
todo-poderosa horizontal, a horizontal que no alto arremata a com-
posição com uma linha categórica, enquanto que até este momen-
to a composição se perdia nos pedaços oblíquos dos telhados,
mansardas, etc. Aí, os telhados se escondem atrás de um ático
cuja missão é mascarar uma obliqüidade que inoportunamente con-
tradizia o princípio ortogonal da composição. Esta situação no
Renascimento denota, inclusive contra as justas reivindicações da
razão, esta aspiração do espírito rumo ao definido e à pureza.
Pois este é o surpreendente exemplo de um espírito que se
cultiva pouco a pouco e que se depura até o ponto de buscar os
procedimentos que lhe permitam realizar obras de pura geometria
ou, pelo menos, obras onde a geometria possa realizar tudo o que
é capaz de realizar, ou seja as proporções, que são a linguagem da
arquitetura e que se expressam em sua maior perfeição no sistema
ortogonal.

29
Renato Leão Rego

Mas hoje dispomos dos meios para continuar magnificamente


esta ascensão à geometria, graças à invenção do concreto armado,
que nos traz o mecanismo ortogonal mais puro, estamos de posse
de um meio ortogonal nunca possuído por época alguma, um meio
que nos permitirá utilizar a geometria como elemento capital da
arquitetura. Esta noite devo precisar, sobretudo, o valor e a impor-
tância inigualável da geometria.
Acontece que, através de sucessivas etapas da arquitetura, o
espírito se cultiva e se depura; por outra parte, os meios desenvol-
vem-se e tornam-se cada vez mais precisos e poderosos: detecta-
mos um meio que nos dá o ortogonal e a geometria pura, e deve-
mos ressaltar com entusiasmo esta aquisição, pois ela nos permi-
tirá abordar obras de alta arquitetura. Este espírito de geometria é
certamente a coisa mais preciosa que hoje pode nos interessar.
Mas, no momento atual da evolução, o reconhecimento deste es-
pírito é um fato bastante novo.
Em 1920, quando fundamos a Esprit Nouveau com dois
amigos – Ozenfant e Dermeé – , estávamos diante do fenômeno
cubista, então em plena potência: fonte de profundas invenções,
ato violento de revolta e novo contato com os elementos da plásti-
ca. Junto ao cubismo, o futurismo se entregava a estados de âni-
mo insensatos, entusiastas, desbordantes, sem medida. Por últi-
mo, o dadaismo, movimento de jovens, representava com esplen-
dor este período da vida entre os 20 e 30 anos, quando se nega
tudo, quando não se acredita em nada que não se tenha comprova-
do.
A Espírito Novo, neste momento, tinha por programa atuali-
zar, se possível, um sistema construtivo. Não podíamos fazer mais
que nos ocupar do maquinismo, estimando que era este o fenôme-
no novo, o acontecimento da época. Agora nos atacam, e estes
ataques se acentuam. “Maquinismo – dizem – você sempre fala da
mesma coisa, já a conhecemos, você nos fere os ouvidos, você
nos chateia!”
Se já estão cansados de ouvir falar do maquinismo, é prova
da fabulosa rapidez com que as idéias se implantam: quando em-
preendemos, num meio tumultuoso, nossas tentativas de depura-
ção de idéias e de construção de um sistema coerente do espírito,

30
A palavra arquitetônica

baseando-nos na atual transformação da sociedade, do estado so-


cial, éramos novos; somente podíamos encontrar gente que grita-
va de satisfação ou de indignação diante do tumulto da máquina,
diante da máquina metralhadora, do martelo pilão, da máquina fu-
megante, da máquina devoradora de homens; nós, ao contrário,
queríamos chegar a aprender a lição da máquina, a fim de abandoná-
la depois ao seu simples papel, o de servir. Não queríamos admirá-
la mais, e sim, estimá-la; queríamos classificar os acontecimentos
para oferecer ao nosso coração, depois desta vitória da razão, os
elementos pelos quais pode se emocionar.
Esta classificação que havíamos empreendido foi útil, penso
eu, para toda uma série de investigações que se seguiu, depois.
Naquele momento, também chegamos a precisar as condi-
ções em que se desenvolvia o maquinismo, a lei da economia que é
o meio pelo qual se guia todo trabalho moderno. Constatamos que
o maquinismo está baseado na geometria e, finalmente, estabele-
cemos que o homem vive, de fato, só de geometria, que esta geo-
metria é, falando com propriedade, sua própria linguagem, que-
rendo dizer com isto que a ordem é uma modalidade da geometria
e que o homem só se manifesta pela ordem.
O que um homem faz primeiro é estabelecer o ortogonal di-
ante de si, ajustar, pôr em ordem, ver claro; encontrou o modo de
medir o espaço por meio de coordenadas sobre três eixos perpen-
diculares. Este fenômeno de ordem é tão inato que podemos até
estranhar ter que falar dele. Mas não nos esqueçamos que saímos
de um período – o final do século XIX – de reação contra a or-
dem, de medo ante esta violenta instigação à ordem que trazia a
máquina, e de reação terrível: não se queria ordem; o fato de orga-
nizar a nova vida sobre o fenômeno da ordem é uma criação que
remonta a alguns poucos anos.
O homem, afirmo, manifesta-se pela ordem: quando vocês
saem de trem de Paris, o que vêem aparecer aos seus olhos senão
um imenso pôr-em-ordem? Luta contra a natureza para dominá-
la, para classificar, para se acomodar, em uma palavra, para insta-
lar-se num mundo humano que não seja o meio da natureza anta-
gonista, um mundo nosso, de ordem geométrica. O homem só
trabalha sobre geometria. Os trilhos são de um paralelismo absolu-

31
Renato Leão Rego

to, os taludes são a realização de desenhos geométricos, as pon-


tes, os viadutos, as barragens, os canais, toda esta criação urbana
e suburbana que se desenvolve ao longo dos campos mostra que,
quando o homem atua e quer fazer segundo sua vontade, conver-
te-se em um geômetra e cria sobre a geometria. Sua presença se
traduz no fato de que, apresentando-se sob um aspecto acidental,
numa paisagem que é ato da natureza, o trabalho humano somente
existe sob a forma de retas, verticais, horizontais, etc. E é assim
como se traçam as cidades e como se fazem as casas, sob o reina-
do do ângulo reto.
O fato de reconhecer neste ângulo um valor decisivo e capi-
tal já é uma afirmação de ordem geral muito importante,
determinante na estética e, conseqüentemente, na arquitetura.
Não obstante, a este respeito persiste a confusão. Em um
livro intitulado Eupalinos ou o arquiteto, Paul Valéry conseguiu,
como poeta, dizer coisas sobre a arquitetura que um profissional
não saberia formular, porque sua lira não está afinada neste tom:
sentiu e traduziu admiravelmente muitas das coisas muito profun-
das e muito puras que o arquiteto sente ao criar; no entanto, em
um diálogo entre Sócrates e Fedro, Valéry segue um pensamento
bastante desconcertante.
“Se te dissesse que pegasses um pedaço de giz ou carvão –
disse Sócrates – e desenhasses na parede, o que desenharias? Qual
seria teu gesto inicial?”
E Fedro pega um pedaço de carvão e risca no muro, respon-
dendo:
“Parece-me que tracei uma linha de fumaça, vai, volta, une-
se, enrola-se em si mesma, e me dá a impressão de um capricho
sem objetivo, sem princípio, sem fim, sem mais significação que a
liberdade do meu gesto no raio do meu braço.”
Não se admitirá sem estranheza que tal seja o gesto inicial de
um homem. Para mim, que não sou filósofo, que sou simplesmen-
te um ser ativo, parece que este gesto primeiro não pode ser vago,
que no próprio nascimento, no momento em que os olhos se abrem
à luz, surge imediatamente uma vontade: se tivessem-me dito que
traçasse algo numa parede, parece-me que teria traçado uma cruz,
que está feita de quatro ângulos retos, que é uma perfeição que

32
A palavra arquitetônica

traz em si algo divino e que é, ao mesmo tempo, um ato de posse


do meu universo, porque nos quatro ângulos retos tenho dois ei-
xos, apoio das coordenadas com as quais posso representar e medir
o espaço.
Paul Valéry também parece chegar a esta conclusão. Um pouco
mais adiante, de fato, Sócrates diz da geometria: “Não conheço
nada mais divino, mais humano, mais simples, mais poderoso...”
Elie Faure dizia-me certo dia: “Por que uma ponte é tão
emotiva?” Reconhecemos então que, entre as obras humanas de
todos os tempos, a ponte era a única feita totalmente de geometria,
tão pura que se mostrava nítida aos nossos olhos. Lançada sobre a
caprichosa sinuosidade do rio, dos desprendimentos de terra ou
das encrespadas massas de rochas, por entre a suavidade das matas,
a ponte, como um cristal, cintila firme e voluntária entre o tumulto
que a cerca. É a vontade humana escrita numa obra humana.
Mostrei-lhes, através das imagens desenhadas na lousa, que
o homem, adquirindo pouco a pouco um instrumental formidável,
descobre inconscientemente, encontra depois conscientemente, pelo
cálculo, o princípio essencial de suas atuações, encontra seus ‘pa-
drões’: a lei da geometria.
Chega a sentir tanto mais o divino quanto mais renuncia ao
trabalho de suas mãos pesadas, delegando-o à máquina que, base-
ada na geometria, pode executar com toda a eficácia as concep-
ções do seu espírito. O homem que pratica a geometria e que tra-
balha segundo a geometria pode então atingir este nível de satisfa-
ções superiores, chamadas de satisfações de ordem matemática, e
chegamos assim a admitir que, numa humanidade ocupada quase
exclusivamente com a geometria, como é o caso atual, as artes e o
pensamento não podem manter-se distantes deste fenômeno geo-
métrico e matemático.
Acredito que, até agora, nunca tínhamos vivido um período
de tal geometria; se pensamos no passado, se tentamos imaginar o
que era, nos surpreenderá ver que vivemos num mundo de geo-
metria quase pura, de geometria humanamente pura, suficiente-
mente pura a nossos olhos: tudo, ao nosso redor, é geometria;
jamais vimos tão claramente formas, círculos, discos, retângulos,
ângulos, francamente traçados com uma nitidez tão grande, tão

33
Renato Leão Rego

categórica: cilindros, esferas puras. O maquinismo nos deu um


imagem absolutamente nova do nosso mundo, imagem que os
outros séculos não podiam adotar. Os próprios grandes matemáti-
cos, Pitágoras, Copérnico e tantos outros, se viram obrigados a
dar-se mentalmente estes deleites, enquanto que nós os temos co-
tidianamente ao alcance das mãos.
Desde então, pode-se dizer que estamos preparados para ad-
mitir uma arte formada, em grande parte, por elementos geométri-
cos e orientada aos deleites matemáticos. A pintura, precedendo as
demais artes porque é um ofício mais facilmente realizável – não
digo em concepção, e sim materialmente – e porque sua evolução
é mais rápida que a da arquitetura, que só pode ser conseqüência
de meios definitivamente adquiridos, a pintura já havia expressado
através do cubismo esta tendência ao espírito geométrico e às sa-
tisfações de ordem matemática; os esforços que continuam o cubismo
empurram cada vez mais neste sentido.
Não diria que o público acompanhou o movimento; ao con-
trário, estamos diante de uma reação violenta, choque com retro-
cesso, última onda como a reação romântica do final do século
XIX, oposição, ódio e protesto contra a máquina. Hoje, estamos
de novo em estado de protesto contra coisas que serão fatalmente
nossas; estas queixas não têm outro efeito que fazer-nos perder
tempo – as coisas seguem seu rumo. No campo das artes, no
campo da pintura, o fenômeno da geometria intervirá cada vez
mais; a pintura até agora considerada normal, permitida, a de imi-
tação, não poderá reinar exclusivamente. Será substituída por um
conjunto de realizações plásticas novas que, por uma parte, vão
livrá-la do interesse que podia ter desde o ponto de vista represen-
tativo – aludo ao cinema e à fotografia, que absorvem por si só
todas as curiosidades de ordem representativa – e que, pela outra,
farão que só possa viver das relações existentes entre suas cores,
suas massas, suas linhas, conseqüentemente, da proporção e das
qualidades de ordem matemática que aí se encontrarem. E, bem
entendido, por um indispensável nexo de união sensível com nos-
so meio ambiente.
Chegamos, pois, ao fenômeno da geometria na arquitetura,
em tempos que, estou convencido, já nos permitem começar a

34
A palavra arquitetônica

formulá-lo porque os meios existem.


Coisa que não teria acontecido há quinze ou vinte anos por-
que não dispúnhamos, de maneira indiscutível, deste meio que é o
concreto armado.
Certo, o concreto armado existe há uns sessenta anos, mas
somente há pouco tempo é utilizado e admitido correntemente por
todos. Este meio, convertido em usual e à disposição de todos, é,
repito, de base ortogonal; logicamente, procede elementarmente
do ângulo reto; está, pois, feito para nos seduzir, porque contém
um princípio fundamental do nosso prazer estético.
(Peço desculpas pelo que vou dizer, por tomar exemplos dos
meus trabalhos e de meu sócio, Pierre Jeanneret, na intenção de
falar somente de coisas que conheço bem e, assim, evitar possí-
veis erros.)
Estamos acostumados a buscar o fenômeno arquitetônico
exclusivamente no estudo dos palácios, que, evidentemente, re-
presentam uma certa proposição. Mas vou falar meramente da
casa, que é um pretexto mais que suficiente para formular leis e
regras da arquitetura. A arquitetura atual se ocupa da casa, da casa
normal e corrente, para homens normais e correntes. Abandona o
palácio. Estudar a casa para o homem comum, ‘plano’, é recupe-
rar as bases humanas, a escala humana, a necessidade tipo, a fun-
ção tipo, a emoção tipo.
A casa tem duas finalidades. É, em primeiro lugar, uma
machine à habiter, ou seja, uma máquina destinada a dar-nos uma
ajuda eficaz para a rapidez e a exatidão no trabalho, uma máquina
diligente e atenta para satisfazer as exigências do corpo: comodi-
dade. Depois, é o lugar útil à meditação, e finalmente o lugar onde
a beleza existe e aporta ao espírito a calma indispensável; não pre-
tendo que a arte seja um prato para todo o mundo, simplesmente
digo que, para certos espíritos, a casa deve oferecer o sentimento
da beleza. Tudo o que concerne às finalidades práticas da casa o
engenheiro já o proporciona; o que diz respeito à meditação, ao
espírito de beleza, à ordem reinante (e que será o suporte daquela
beleza), será da arquitetura. Trabalho do engenheiro por um lado,
arquitetura pelo outro.
A casa procede diretamente do fenômeno do

35
Renato Leão Rego

antropocentrismo, ou seja, que tudo se remete ao homem, e isto


pela razão bem simples de que a casa, fatalmente, só interessa a
nós mesmos e mais que qualquer outra coisa; a casa se adapta a
nossos gestos: é a concha do caracol. É necessário, portanto, que
seja feita à nossa medida.
Remeter tudo à escala humana constitui, assim, uma neces-
sidade; é a única solução que se pode adotar; é, sobretudo, o único
meio de se ver claro no problema atual da arquitetura e que permi-
te uma revisão total dos valores, revisão indispensável depois de
um período que é, em suma, a última onda do Renascimento, a
culminação de quase seis séculos de cultura pré-maquinista, perí-
odo brilhante que veio a se romper ante o maquinismo, e que,
contrariamente ao nosso, consagrou-se à magnificência exterior,
palácios dos senhores, igrejas dos papas.
Mas, como já disse, nos encontramos frente a um fenômeno
novo, o maquinismo; os meios para se construir uma casa à escala
humana estão totalmente mudados, prodigiosamente enriquecidos,
opostos aos costumes, até o ponto em que nada do que nos che-
gou do passado é de alguma utilidade e uma estética nova está se
experimentando. Estamos no começo de uma nova forma: é ela o
que vamos tentar expressar.
O antropocentrismo, ou seja, o novo contato com a escala
humana, é, em uma palavra, brutal; estudar portas, estudar jane-
las; a casa é uma caixa na qual abrem-se portas e janelas; portas e
janelas são elementos da arquitetura. Chegou-se a construir edifí-
cios com portas de 12 e de 3 metros de altura – são tão inadequa-
das umas quanto outras; relaxaram-se as medidas legais, criou-se
pouco a pouco um código de medidas arbitrárias, enquanto con-
servamos imutável nosso tamanho de 1,80m. Há que se fazer, pois,
uma revisão das medidas, uma revisão dos elementos da arquite-
tura.
Acabo de afirmar que portas e janelas são determinantes da
arquitetura – não é um paradoxo e podemos comprová-lo estudan-
do a história da janela.
Nos tempos dos romanos, as casas de Pompéia nos mos-
tram que não havia, ou quase, janelas, somente grandes vãos aber-
tos a jardins ou a pátios internos. O grande vão era a passagem de

36
A palavra arquitetônica

luz e, para a passagem do homem, havia também a porta.


Nos nossos países, o clima e um conceito diferente da vida
doméstica reclamavam outra coisa; mas fazer um buraco em um
muro era de uma grande dificuldade: era preciso construir sobre
este buraco, salvar a abertura; como o arco não podia ser muito
grande, as janelas eram pequenas.
Com o descobrimento do arco ogival e dos sistemas de
arcobotante, realizou-se mais tarde a janela gótica, que permitiu
ganhar largura, como se vê nas catedrais; mas, na casa, ficava
impossível superar determinada largura porque seria necessário
elevar demais o arco – os pés-direitos acabariam desmedidos. As-
sim as janelas continuaram pequenas, porém multiplicaram-se. O
Renascimento viu surgir as janelas com montantes de pedras que
permaneceram integralmente iguais até nossos dias; é de se desta-
car, no entanto, o desaparecimento dos montantes, que já não se
encontram nas construções desde Luís XIV; estas janelas se tor-
nam, a cada dia, a melhor escala humana; no reinado de Luís XVI,
fazem-se casas tipo em série, bastante adequadas à escala huma-
na; e, finalmente, Haussmann, em suas obras de Paris, fixa a for-
ma e a dimensão de uma janela que tem direito de cidadania em
qualquer parte, que parece perfeita, ao ponto de permitir supor
que já não se alterará mais. Não me detenho na janela pós 1900,
falta de razões sérias, conseqüência de uma arquitetura de gesso e
papelão surgida dos palácios da Grande Exposição.
Assim pois, toda estética arquitetônica deriva de um simples
ato prático, a altura de uma planta, e vai se ver modificada por um
novo fenômeno técnico, o concreto armado.
As janelas, até este momento, não podiam alargar-se de modo
útil porque seria necessário fazer vergas muitos longas, de difícil
realização, ou arcos que acabariam levantando demais os tetos.
Mas agora a casa pode ser construída com estes pilares de con-
creto armado que vocês já conhecem, de 15 a 20cm de seção e
separados uns 5m em média, deixando-se entre eles um certo va-
zio e a casa construída antes com paredes de pedras já não se
constrói mais do que com estes pilares. A seguir, a nova casa de
várias plantas apresentará uma fachada com aspecto de uma enor-
me malha, constituída pelos pilares e pelas vigas de concreto ar-

37
Renato Leão Rego

mado, que deixam entre si vazios totais.


Neste momento, fatalmente surgiu um problema, que passei
a investigar, ainda sem conclusões, e que coloco em discussão, de
modo que se possa chegar a um sistema lógico e defensável.
Para que, pergunto, encher este espaço, posto que foi dado
vazio? Para que serve uma janela, senão para iluminar as paredes?
E isto não é uma obviedade, é uma realidade arquitetônica profun-
da. Se uma janela normal ilumina a parede em frente, ilumina me-
nos as paredes laterais e não ilumina, em absoluto, o plano no qual
foi aberta: duas zonas de sombra inundam a metade do cômodo.
Pelo contrário, se conservo vazio todo o espaço disponível, obte-
nho a sensação arquitetônica primordial, fisiológica, capital, a da
luz – se está a gosto na luz. Foi assim que cheguei a admitir que
uma janela corrida, igual em área a uma grande janela vertical, lhe
é superior, já que permite iluminar as paredes laterais. (E, diga-se
de passagem, tem também outras conseqüências práticas na dis-
posição das habitações.)
Daí pode-se deduzir todo tipo de conseqüências, mas o que
tento ressaltar é a força de um fenômeno antropocêntrico. Colo-
co, antes de tudo, o homem em seu meio, perguntando-me o que
ele necessita para ter sensações agradáveis. Deduzo, então, que
esta janela tem, fisiologicamente, uma vantagem. E é assim que
me posiciono diante de um quadro arquitetônico singularmente
transtornado. (Aplausos)
Até 1900, quando se falava de casas, entendia-se pelo termo
umas paredes e um telhado – eram as partes determinantes da
casa. Sem dizer uma sagacidade, podemos afirmar que as paredes
e os telhados já não existem, já não têm razão de existir. Tentarei
explicar o que vocês poderão tomar como uma piada.
Antes, uma parede tinha diferentes funções: servia para se
defender dos malfeitores; muros de cidades, de fortalezas, de ca-
sas, tudo isto repousava sobre uma noção de defesa. Uma vez
desaparecida esta primeira finalidade, as paredes permaneceram,
porque tinham outra função, a de suportar os pavimentos. Tinham
de ser grossas, já que eram feitas com pedras que dificilmente se
uniam, sobretudo porque não se dispunha de aglomerante de forte
aderência, quer dizer de argamassa; a argamassa não apareceu até

38
A palavra arquitetônica

o final do século XIX; não se dispunha mais que de barro, argila


ou cal magra para juntar bem ou mal as pedras ou as lascas: era
preciso, pois, fazer paredes grossas para faze-las suficientemente
sólidas.
Quando surgem os cimentos artificiais, aglomerantes mais
duros que a pedra, em seguida se pensa em fazer paredes menos
grossas. Mas esta tentativa, que levou à criação do concreto ar-
mado, logo fez considerar a própria supressão dos muros portantes.
Com os pilares empregados hoje em dia, tenho o direito de dizer
que a parede está suprimida. Não tenho mais que tampar o interva-
lo entre dois pilares para defender-me do frio, do calor ou dos
intrusos, atentando que uma parede fina, porém dupla, é mais efi-
caz que uma parede única e grossa.
Graças aos materiais modernos, a parede já está constituída
só por uma fina membrana de tijolos ou qualquer outro produto
que forme um fechamento, duplicada por uma segunda membrana
no interior; o que antes era um elemento portante converteu-se em
um simples recheio; levando as coisas ao absurdo, poderia fazer,
sem dificuldade e sem perigo, paredes de papel: a solidez do edifí-
cio não se importaria.
Eis aí um fenômeno novo em arquitetura; já não tenho que
utilizar espessuras enormes e grandes áreas de parede, que acarre-
tavam um sistema estético determinado.
A técnica moderna nos conduz ainda a outras conseqüênci-
as. O telhado inclinado era, antes, o único meio de evacuar as
águas da chuva. No entanto, desde o final do século XIX, o ci-
mento Portland permite fazer coberturas planas, em terraço, abso-
lutamente impermeáveis.
Sei que fazendo esta afirmação vou suscitar dúvidas, mas a
mantenho categoricamente. Se muitos construtores têm falhado
nas coberturas em terraço é porque o abordaram mal, misturando
velhos princípios com novos procedimentos.
Antes, os telhados eram constituídos por uma armação de
madeira, as chuvas eram captadas por calhas: não havia outro sis-
tema. Mas hoje, uma superfície de concreto pode evacuar as águas
da chuva já não ao exterior, mas ao interior da casa; há que se
construir a cobertura em forma de concha.

39
Renato Leão Rego

Este é um aperfeiçoamento importante. Chamado para cons-


truir uma casa a 1.000m de altitude, num clima muito duro com
fortes nevadas, tive que chegar a estudar o encadeamento dos
fenômenos e constatar que uma inovação técnica traz consigo uma
série de conseqüências consideráveis e inesperadas.
As casas do Alto Jura têm estufas de cerâmica que expan-
dem um suave calor em cada pavimento: se, por desgraça, intro-
duzimos a calefação central, o calor se expandirá em todo o imó-
vel, até a cobertura; a parte inferior da camada de neve em contato
com o telhado começará a derreter-se e a água escorrerá sobre as
telhas, sob a capa de neve.
No entanto, no alto da parede, na parte baixa do telhado o
efeito do calor cessa (pensem que o frio alcança às vezes –18o);
imediatamente a água que escorria sobre a telha ou a ardósia se
congela, formando estalactites de gelo penduradas nas calhas e
arrancando-as.
Mas, a introdução da calefação central tem conseqüências
muito mais graves, e eu as experimentei, às minhas custas, cons-
truindo, na mesma altitude, um grande cinema de 1.200 lugares.
Penso que esta experiência é uma experiência tipo, uma verdadeira
experiência de laboratório, pois raramente as condições são tão
limpas. Minha sala de projeção, de área grande, estava coberta por
um telhado sobre o qual se acumulava, em um dia, uma camada de
neve de mais de meio metro de espessura. Sob as telhas, a calefa-
ção central expelia do interior uma massa de ar quente. A este calor
acrescentava-se, por volta de meia noite, o calor desprendido por
1.200 espectadores. Fora, 20o de frio, no interior, 20 ou 30o de
calor. Minha cobertura à noite fumaçava, como um enorme ebulidor:
o vapor subia em nuvens até o céu! Entre a camada de neve e as
telhas, escorriam milhares de litros de água...
Mas no ângulo da parede exterior com o telhado, a calefação
cessava seus efeitos. Só o frio reinava, -20o! Sob a camada de
neve, a água tinha impregnado as telhas, e também a neve. A calha,
fora da parede, estava cheia de gelo; por cima, quer dizer, no beiral
do telhado, as telhas, a água e a neve formavam um bloco com-
pacto de gelo. Ou seja, uma muralha de gelo, portanto uma borda
intransponível para a água que jorrava deste imenso telhado: os

40
A palavra arquitetônica

milhares de litros de água, seguindo a lei dos vasos comunicantes,


encontraram sua saída mais além da primeira linha de telhas, em
direção ao interior, e passaram à sala de cinema! Dilúvio ao longo
das paredes, no interior.
Conclusão lógica desta experiência tipo: o telhado deve ser
em côncavo, não convexo; a água deve ser evacuada ao interior
por meio de condutores situados sob a influência do calor da casa
e, por conseguinte, com a impossibilidade de congelar. A neve per-
manece tranqüilamente amontoada sobre o terraço, formando um
excelente isolante contra o frio.
Se esta é a única solução nos casos mais difíceis, estamos
certos de que esta solução é a solução tipo para todos os casos. A
cobertura submetida à intempérie deve ser côncava e evacuar suas
águas no interior, desde que a calefação central tenha sido instala-
da na casa.
A partir daí, tentem perceber as implicâncias estético-
arquitetônicas que teria, num país inteiro, a supressão dos telha-
dos e sua substituição por terraços.
Há uns quinze anos fundou-se na Alemanha um liga para a
difusão das coberturas de terraço: as achavam bonitas, estetica-
mente falando. Mas não se afrontara o problema pelo lado justo,
não se deu a razão técnica que satisfaz o espírito, que tranqüiliza a
consciência e permite seguir adiante: com uma razão técnica que
confirma o espírito em seus direitos e o tranqüiliza, podemos en-
tão admitir as belezas da geometria, do ortogonal, posto que aí
estão, autorizadas a partir de agora, impulsionadas inclusive pelas
condições técnicas essenciais do problema.
Por conseguinte, quando digo que já não há telhados, nem
paredes, e que estes fatores atuam profundamente sobre a estéti-
ca, me vejo obrigado a buscar uma nova estética.
Para poder ser formulada, esta estética precisa se acomodar
em bases seguras: quais podem ser?
A fisiologia das sensações nos dá um ponto de partida útil.
Esta fisiologia das sensações é a reação de nossos sentidos
frente a um fenômeno ótico. Meus olhos transmitem aos meus
sentidos o espetáculo que lhes é oferecido. Diante destas várias

41
Renato Leão Rego

linhas que traço na lousa, nascem outras tantas sensações diferen-


tes: diante de uma linha quebrada ou contínua, até o sistema cardí-
aco se vê influenciado; sentimos as sacudidas ou a suavidade da
linhas que observamos.
Acompanhemos as repercussões sobre nossa sensibilidade
destas sensações fisiológicas; chegaremos a fazer uma seleção: tal
linha quebrada é desagradável, tal linha contínua é agradável, tal
sistema de linhas incoerentes nos afeta, tal sistema de linhas rítmi-
cas nos equilibra, logo perceberão que se faz uma escolha, que se
estabelece uma preferência e que se retorna, irremediavelmente,
ao que os artistas têm feito e escolhido sempre, a umas linhas e a
umas formas que satisfazem nossos sentidos.
Neste campo de linhas e formas que satisfazem nossos sen-
tidos, verificamos uma vez mais que a geometria é onipotente.
A conseqüência será o emprego de formas de geometria pura;
estas formas terão para nós um atrativo considerável, e isto por
duas razões: em primeiro lugar, atuam claramente sobre nosso sis-
tema sensorial; segundo, desde o ponto de vista espiritual, trazem
em si a perfeição. São formas que foram geradas pela geometria,
formas que chamamos de perfeitas, e cada vez que encontramos
uma forma perfeita experimentamos uma grande satisfação. Sai-
bamos que estamos numa época em que, pela primeira vez, graças
ao maquinismo, vivemos em coabitação efetiva com as formas
puras da geometria.
Queria que aferissem como se concretiza a composição da
obra arquitetônica e como o fenômeno geométrico da arquitetura
desemboca na precisão.
Disse que a questão técnica precede e é a condicionante de
tudo, que traz conseqüências plásticas imperativas e que leva, às
vezes, a transformações estéticas radicais: depois, trata-se de re-
solver o problema da unidade, que é a chave da harmonia e da
proporção.
Os traçados reguladores servem para resolver o problema da
unidade.
Diz-se que pela garra se reconhece o leão; em outros termos,
um leão tem todos os seus órgãos feitos de tal maneira que existe

42
A palavra arquitetônica

nele uma harmonia. Uma obra arquitetônica deve possuir os mes-


mos níveis de harmonia, pela garra deve-se reconhecer o leão.
Quais são os fatores emotivos de uma arquitetura? O que o
olho vê. O que vê o nosso olho? Vê superfícies, formas, linhas.
Trata-se, pois, de criar a todo custo na obra arquitetônica o
determinante essencial da emoção, quer dizer, as formas excitan-
tes que a constituem, que a animam, que estabelecem entre si re-
lações apreciáveis, que proporcionem as sensações.
Aí exatamente está a invenção arquitetônica: relações, ritmos,
proporções, condições da emoção, máquina de emocionar. Só o
talento atua aqui.
Eis aqui como se estabelece o caráter emotivo da arquitetura:
primeiro, o cubo geral do edifício lhes toca básica e definitivamen-
te, é a sensação primeira e forte. Vocês abrem nele uma janela ou
uma porta: imediatamente surgem relações entre os espaços assim
determinados; a matemática está na obra. Pronto, isto é arquitetu-
ra. Falta polir o trabalho introduzindo a unidade mais perfeita, ajus-
tando a obra, regulando os diversos elementos: intervêm os traça-
dos reguladores.
O traçado regulador foi muito empregado em certas grandes
épocas, ao menos pelo que dizem excelentes historiadores da arte;
isto é o que tenho lido, em particular, na admirável história da
arquitetura de Choisy, que diz o suficiente para despertar em nós o
gosto pela unidade.
Os traçados reguladores haviam caído em desuso neste últi-
mo período: trata-se pois de tornar a lançar mão deste meio tão útil
e de ver por que caminho se chega ao traçado regulador.
Certa vez escrevi um capítulo sobre o traçado regulador: um
ano mais tarde recebia uma carta de um colega de Amsterdam,
homem de grande valor, que tinha pelas costas uma carreira glori-
osa de precursor. Em sua carta me dizia que sempre fizera traça-
dos reguladores; ao mesmo tempo, me enviava seu livro. Aí en-
contrei traçados contra os quais, pelo que me diz respeito, sou
obrigado a levantar-me.
Dá, por exemplo, uma fachada com torres acopladas; seu
traçado regulador está formado por uma rede de diagonais pelas
quais chega a fazer passar (não é difícil) todos os pontos da sua

43
Renato Leão Rego

construção: já não se trata de um traçado regulador, é uma tela; de


acordo com este pensamento, todos os bordados de ponto cruz
estariam feitos com traçado regulador; o verdadeiro traçado regu-
lador é o que chega a unificar, em suas características, tal elemen-
to em relação ao conjunto, uns fragmentos em relação aos outros,
que chega a revelar a relação matemática suscetível de animar re-
gularmente todos os elementos da obra.
Indicarei rapidamente um ou dois, para tentar objetivar este
método que deve, de fato, conservar o máximo realismo e não cair
nunca no palavrório nem, sobretudo, na ilusão dos gráficos erudi-
tos.
(Demonstração na lousa, impossível de reproduzir sem a fi-
gura.)
Vocês vêm como chego a enlaçar os elementos principais
com os elementos secundários mediante uma relação geométrica
sensível e autêntica.
Para se chegar a estes traçados reguladores não existe uma
fórmula única, fácil de se aplicar; a bem dizer, é uma questão de
inspiração, de verdadeira criação; tem que se encontrar a lei geo-
métrica que está em potência em uma composição, que a regula e
determina; em um dado momento revela-se ao espírito e unifica
tudo; então acontecem alguns deslocamentos, algumas retifica-
ções; uma harmonia perfeita reina, no fim, em toda a composição.
Para terminar, deixem-me dizer ainda algumas palavras sobre
uma das características determinantes da arquitetura atual. Quero
falar da cornija, que neste momento apresenta um problema grave
e desencadeia posições antagônicas.
Do mesmo modo que não há paredes, nem telhado, chega-se
quase normalmente a formular este princípio heróico, onerado de
conseqüências: já não é possível a cornija. Nem parede, nem te-
lhado, nem cornija, resultado inquietante de uma evolução técnica.
Que conseqüências estéticas, pois!
Suprimir o valor da cornija é infligir um importante transtor-
no aos hábitos adquiridos e isto já me custou muitos protestos,
mais ou menos justificados. Mas, desde o ponto de vista estético,
o único que me interessa definitivamente, admitir que a cornija
deva ser eliminada é aportar um elemento capital à redação de um

44
A palavra arquitetônica

novo código da arquitetura.


Na origem, a cornija respondia a uma idéia: suportar algo. A
cornija primitiva no telhado que avançava a parede que o sustenta-
va, princípio elementar que encontramos em todas as construções
primitivas; depois, com o desejo de faze-lo melhor, se sustentaram
as vigas em balanço com mísulas de pedras; em seguida, colocou-
se sobre as mísulas uma pedra horizontal sobre a qual se fizeram
apoiar as vigas do telhado: tinha nascido a cornija. Nasceu. Mas
também vai desenvolver-se e converter-se no elemento principal
de toda arquitetura: a cabeça, em certo modo, órgão sentimental. A
cornija, como as ‘ordens’, toma o valor de um postulado. Impos-
sível destroná-la sem uma razão válida!
De repente, surge um procedimento novo que suprime o te-
lhado: manter a cornija se converte num paradoxo; já não é dese-
nhada pelas mãos de um arquiteto, pelas mãos de um construtor.
Mas, dizem, a cornija protege a fachada. É, no entanto, um
elemento caro de se fazer e estamos, por sorte ou desgraça, em
uma época que obriga a buscar soluções mais econômicas. Filoso-
ficamente, a economia é uma aspiração elevada. Assim pois a
cornija já não tem razão de ser, posto que bastará fazer com ci-
mento uma aresta viva, nítida como a borda de uma tigela, que
enviará as águas da chuva em direção ao deságüe central da cober-
tura. E nego, até novo aviso, a eficácia da pretendida proteção que
a cornija exerce sobre as paredes: a chuva cai mais ou menos
obliquamente, para que queremos uma cornija que proteja 2 ou 3m
de fachada de um arranha-céu de 200m? Para que uma cornija,
mesmo em uma casa de dois andares?2
Eliminar a cornija, atualmente, é desembocar em uma conse-
qüência estética considerável e verdadeiramente revolucionária. O
fato de eliminá-la e poder explicar esta eliminação logicamente, o
fato de construir bem, de não fazer uma construção que seja incô-
2
Restam, no entanto, dois fenômenos por vencer: 1) o da porosidade das
argamassas geralmente empregadas, e sua opacidade: a água da chuva, no decorrer
das horas, filtra-se lentamente de cima abaixo, formando uma ‘baba’ momentânea
muito feia, que desaparece com o primeiro raio de sol. Mas por que limitar-se a
argamassas que imitam pedra e não admitir os esmaltes brilhantes sobre os quais
este fenômeno de porosidade não se produz? 2) Talvez se produza um efeito de
sifão por cima da aresta aguda do coroamento, em favor do plano vertical da
fachada. Estudamos um coroamento de ferro laminado, perfil nítido e decisivo
da casa contra o céu, e que serve de para-sifão.

45
Renato Leão Rego

moda, que apresente avarias, representa uma das conquistas mais


características da arquitetura atual. Chegamos a uma conclusão
de ordem estética que é o aspecto simples.
O simples é o resultado da economia, e dou a esta última
palavra o mais alto valor, porque tem o mais belo significado. A
grande arte é simples; as grandes coisas são simples.
Mas não nos esqueçamos jamais – e terminarei com isto –
que se o simples é grande e digno é porque, por definição, é a
síntese do complicado, do rico, do complexo. É um comprimido.
Seria desolador ver-nos fracassar na moda do simples, se esta
simplicidade não for mais que uma moda. E este é mais ou menos
o senão que nos ameaça.
Por todas as partes se vêem coisas simples e nos extasiamos
dizendo: é simples! Se é uma simplicidade que resulta de uma grande
complexidade e de uma grande riqueza, tudo bem; mas, se é a
pobreza o que se expressa sob estas novas modalidades, como se
expressava antes sob as modalidades complicadas da decoração,
não se ganhou nada, não se fez nenhum progresso.
Desejo que esta simplicidade seja, ao contrário, a concentra-
ção, a cristalização de uma infinidade de pensamentos e de meios.
Assim, o traçado regulador, a supressão da cornija e do telha-
do conduzem à simplicidade; mas esta simplicidade exige em tro-
ca uma grande exatidão construtiva, uma precisão de intenção e
um rigor de raciocínio absolutos; sobretudo requer o aporte da
proporção, da relação matemática, se se propõe provocar este de-
leite de ordem matemática que é, como tentei dizer no início desta
conferência, uma das aspirações mais lícitas do nosso caráter de
espírito moderno.
A este respeito, acho que a Exposição das Artes Decorativas,
que será aberta no próximo ano, vai dar um golpe ao que ainda se
chama de ‘artes decorativas’. Já não estamos em um tempo que
possa digerir a arte decorativa; a arte decorativa é um resto velho
do passado que já não tem razão de subsistir ante uma renovação
tão completa do nosso estado mental. Logo estaremos fartos dos
encantos um tanto obsessivos e fúteis da decoração e nos vere-
mos diante do único problema que poderá nos seduzir, a pureza, a
cristalização, a coisa nítida, um pouco irremissível, dura talvez,

46
A palavra arquitetônica

mas tal como pode criá-la o estado de espírito a que nos terão
conduzido o maquinismo e suas inevitáveis conseqüências; um
estado de espírito de época requer de nós concentração, violência
contra nós mesmos. É este espírito de ordem geométrica, mate-
mática, que será o dono dos destinos arquitetônicos. Da mesma
forma que a pintura, por meio de muitas guinadas, se dirige a tais
destinos, do mesmo modo a arquitetura, que se pauta pela exce-
lência das relações, será o lugar da geometria pura.
A este respeito, o urbanismo, que é a coisa eminente sem a
qual a arquitetura não tem sentido, que é a única razão de ser de
uma arquitetura de época, o urbanismo que bate à porta com pan-
cadas fortes, sacudindo todas as torpezas pela potência e rapidez
com que se impõe o acontecimento moderno, o urbanismo, digo,
vai nos proporcionar, sobre traçados geométricos, cidades novas,
que poderão estar tão bem intra-muros como extra-muros. O ur-
banismo se dedicará à grande cidade e não irá construir novas
cidades em países novos e desconhecidos: está feito para ser apli-
cado ao estado atual das cidades atuais. Chegaremos a traçados
novos das cidades: quer se trate de Paris, Londres, Moscou ou
Roma, estas capitais deverão transformar-se totalmente sobre seu
próprio meio, por mais esforço que custe, por radical que deva ser
o transtorno. E aqui também, repito, o único guia possível será o
espírito de geometria.
(Aplausos.)
Terminarei esta conferência oferecendo aos seus olhos foto-
grafias destinadas a objetivar as idéias que acabo de expressar.

47
Louis Kahn
1
FORMA E DESENHO

Um jovem arquiteto formulou-me esta pergunta: “Sonho


com espaços maravilhosos, espaços que surgem e se desenvol-
vem fluidamente, sem começo nem fim, feitos de um material con-
tínuo, branco e ouro. Por que quando traço a primeira linha sobre
o papel, tratando de fixar o sonho, ele acaba desmerecido?”
É uma pergunta interessante. Aprendi que uma boa pergunta
tem mais valor que a mais brilhante das respostas. Esta é uma
pergunta que se relaciona com o comensurável e o incomensurá-
vel. A natureza – a natureza física – é comensurável. As emoções
e a fantasia não têm medida, não têm linguagem, e os sonhos de
cada um são distintos. Entretanto, tudo o que se faz obedece às
leis da natureza. O homem é sempre maior que suas obras porque
nunca pode expressar completamente suas aspirações. Para se
expressar através da música ou da arquitetura deve recorrer a meios
comensuráveis como a composição e o desenho. A primeira linha
sobre o papel já é uma medida do que pode ser expressado de fato.
A primeira linha sobre o papel já é uma limitação.
“Então – perguntou o jovem arquiteto – qual é a disciplina,
qual é o ritual que pode nos acercar à psique? Porque é nesta aura
sem matéria nem linguagem onde sinto que o homem verdadeira-
mente é.”
Volte ao Sentimento, afaste-se do Pensamento. No Senti-
mento está a Psique. O Pensamento é o Sentimento mais a presen-
ça da Ordem. A Ordem, feitora de toda a existência, não tem Von-

1
. Artigo publicado na Revista “Architectural Desing” em abril de 1961.

48
A palavra arquitetônica

tade de Ser. Prefiro a palavra Ordem em lugar de Conhecimento,


porque o conhecimento pessoal não chega a expressar o pensa-
mento de forma abstrata. Esta Vontade de Ser está na Psique. Tudo
o que queremos criar tem seu princípio, exclusivamente, no senti-
mento. Isto que é verdade para o cientista, igualmente o é para o
artista.
Mas preveni o meu interlocutor de que contar só com o Sen-
timento e ignorar o Pensamento significa não realizar.
Disse o jovem arquiteto: “Viver e não realizar é intolerável.
Os sonhos trazem implícitos a vontade de ser e o desejo de ex-
pressar essa vontade. O Pensamento é inseparável do Sentimento.
Então, de que maneira o Pensamento pode participar da criação,
de modo que esta vontade psíquica possa ser mais cabalmente
expressada? Esta é minha segunda pergunta.”
Quando o sentir pessoal transcende a Religião (não em uma
religião, mas na essência da religião) e o Pensamento nos leva à
Filosofia, a mente se abre à compreensão. Compreensão da virtual
vontade de ser de, digamos, determinados espaços arquitetônicos.
A compreensão é combinação do Pensamento e do Sentir num
momento em que a mente se encontra em uma relação mais estrei-
ta com a psique, origem do que uma coisa quer ser. Este é o come-
ço da Forma. A Forma implica uma harmonia de sistemas, um
sentido de Ordem e do que individualiza uma existência. A forma
não tem figura nem dimensão. Por exemplo, ‘colher’ (o conceito
de colher) caracteriza uma forma que possui duas partes
inseparáveis – o cabo e o receptáculo côncavo – enquanto que
uma colher implica um desenho específico feito em prata ou ma-
deira, grande ou pequena, profunda ou não.
A Forma é o “quê”. O Desenho é o “como”. A Forma é
impessoal, o Desenho pertence ao designer. Desenhar é um ato
circunstancial, depende do dinheiro de que se dispõe, do lugar, do
cliente, da capacitação. A Forma não tem nada a ver com as con-
dições circunstanciais. Em arquitetura, caracteriza uma harmonia
de espaços adequada a certa atividade do homem.
Reflita então sobre o que caracteriza, abstratamente, os
conceitos “casa”, “uma casa”, ou “o lar”. “Casa” é o conceito

49
Renato Leão Rego

abstrato de espaços convenientes para se viver neles. “Casa” é


portanto uma forma mental, sem configuração nem dimensão. Em
câmbio, “uma casa”, é uma interpretação condicionada destes es-
paços. Isto é desenho. Na minha opinião, o valor de um arquiteto
depende mais de sua capacidade de apreender a idéia de “casa”,
que de sua habilidade para desenhar “uma casa”, que é um ato
determinado pelas circunstâncias. “O lar” é a casa e seus ocupan-
tes. “O lar” varia de acordo com o ocupante.
O cliente para quem se desenha uma casa diz ao arquiteto as
superfícies de que necessita. O arquiteto cria espaços a partir des-
tas indicações. Uma casa criada desta maneira para uma família
determinada deve possuir a qualidade de servir também a outra
família. Desta maneira o desenho reflete sua fidelidade à Forma.
Imagino a escola como um meio ambiente constituído por
espaços nos quais pode-se estudar satisfatoriamente. As escolas
começaram com um homem, que não sabia que era um mestre,
discutindo suas experiências, sob uma árvore, com uns poucos
que, por sua vez, ignoravam que eram estudantes. Estes últimos,
refletindo sobre o que se falara e sobre o útil que lhes tinha sido a
presença daquele homem, desejaram então que seus filhos tam-
bém escutassem a um homem semelhante. Logo se construíram
os espaços necessários e apareceram as primeiras escolas. A apa-
rição da escola era inevitável porque formava parte dos desejos do
homem.
Nossos vastos sistemas educacionais, agora
institucionalizados, surgiram destas pequenas escolas, mas o espí-
rito dos seus primórdios se esqueceu. Os locais que hoje requerem
nossas instituições são estereotipados e pouco sugestivos. As sa-
las uniformes, os corredores com seus armários e o resto das
dependências estão dispostos pelo arquiteto em busca de uma res-
posta supostamente funcional que não exceda os limites métricos
e orçamentários rigidamente impostos pelas autoridades. Estas
escolas, ainda que agradáveis, são pobres de arquitetura porque
não refletem o espírito daquele homem que ensinava debaixo da
árvore. No entanto, todo sistema de escolas que seguiu aquele
princípio não teria sido possível se o próprio princípio não estives-

50
A palavra arquitetônica

se em harmonia com a natureza do homem. É provável que a


vontade de ser da escola existisse antes mesmo que circunstância
do homem sob a árvore.
É bom para a mente voltar aos primórdios porque o começo
de toda atividade estável do homem é o seu momento mais mara-
vilhoso. Nele se encontram todo seu espírito e toda sua riqueza, e
é nele que constantemente devemos buscar inspiração para resol-
ver nossas necessidades atuais. Podemos contribuir para o en-
grandecimento de nossas instituições brindando-lhes nosso modo
de sentir esta inspiração mediante a arquitetura que lhe oferece-
mos.
Reflita então sobre o significado de escola, em contraste com
o de uma escola ou instituição. A instituição é a autoridade que nos
expõe as necessidades às quais devemos responder. Uma escola,
um desenho específico, é o que a instituição espera de nós. Mas
Escola – o espírito Escola, a essência da vontade de ser – é o que
o arquiteto deve expressar por meio do seu desenho.
Isto é o que distingue o arquiteto do mero desenhista.
Na escola como reino dos espaços aptos para o estudo, o hall
de entrada – que para a instituição é só uma área de x metros
quadrados por aluno – se converteria em um generoso espaço do
tipo Partenón, que convidaria os alunos a entrar. Os corredores,
de dimensões mais amplas, abertos aos jardins, se transformariam
em verdadeiras salas de aula, propriedade dos estudantes. Nestes
lugares, os rapazes se reuniriam com as moças e poderiam discutir
as aulas dos professores. Se estes espaços fossem também utiliza-
dos nas horas de aulas, e não só nos intervalos, eles se converteri-
am em lugares de reunião, oferecendo assim a oportunidade de
intercâmbio e de estudo. Neste sentido viriam a ser classes de
propriedade dos alunos. As classes deveriam refletir seu uso atra-
vés da variedade espacial e não manter uma semelhança de dimen-
sões de tipo familiar, porque uma das maiores qualidades do mes-
tre que ensinava sob a árvore era a de reconhecer a individualidade
de cada homem. Um mestre ou um aluno que se encontra numa
habitação diante de uma chaminé, rodeado por pouca gente, não é
o mesmo quando se encontra em uma grande habitação junto com

51
Renato Leão Rego

muitas pessoas. O refeitório pode estar no sótão, ainda que o tem-


po que se permaneça ali seja pequeno? O momento de descanso da
refeição não é também parte do ensino?
Enquanto estou sozinho, escrevendo no meu escritório, te-
nho sensações das mesmas coisas diferentes das que tinha quan-
do, falando sobre elas, me dirigia há poucos dias a um grupo nu-
meroso em Yale. O espaço é forte e dá o tom. Além disso, o con-
ceito de que cada pessoa é um indivíduo distinto sugere também a
necessidade da variedade de espaços, e da variedade de iluminação
natural e de orientação relativa dos recintos e o jardim. Este tipo de
espaços é capaz de produzir novas idéias para o programa de ensi-
no, para uma melhor vinculação entre o mestre e o aluno, para
uma maior vitalidade no desenvolvimento da instituição.
A compreensão do que caracteriza os espaços ideais para
uma escola, por parte do instituto de ensino que a demanda, obriga
o arquiteto a inteirar-se do que a Escola quer ser, quer dizer, tomar
consciência da forma Escola.
Neste mesmo sentido gostaria de me referir a uma Igreja
Unitária.
No primeiro dia falei diante da congregação usando uma lou-
sa. Das discussões do ministro com os homens que o cercavam
deduzi que o aspecto formal, a concepção formal da atividade
Unitária, baseia-se no Questionamento. O eterno Questionamento
do por quê acontece tudo. Eu tinha que chegar a compreender que
vontade de ser e que ordem de espaços expressava o
Questionamento. Esbocei um diagrama na lousa com a intenção de
que servisse como esquema da Forma da igreja; claro que de modo
algum era o desenho que eu sugeria. Rabisquei um quadrado cen-
tral, dentro do qual coloquei um sinal de interrogação. Digamos
que este seria o santuário. O circundei com uma galeria, destinada
àqueles que não desejassem penetrar no santuário. Em volta do
galeria rabisquei um corredor, limitado pelo círculo exterior, que
continha o espaço destinado à escola. Estava claro que a Escola,
na qual se originava o Questionamento, se converteria no muro
que a cercava. Isto era a expressão da forma da igreja, não seu
desenho.

52
A palavra arquitetônica

Com relação a isto, considerarei por um momento o signifi-


cado da Capela numa universidade. Este significado radica nos
mosaicos, nos vidros coloridos, nos efeitos de água e outros arti-
fícios conhecidos? Não se trata mais do lugar de um ritual inspira-
do que poderia expressar-se pelo gesto de um aluno que passa
perto da Capela, depois que um bom mestre lhe tenha mostrado o
verdadeiro sentido da dedicação ao trabalho? O aluno nem sente
necessidade de entrar.
Este lugar, que no momento não descreverei, possui uma
galeria para quem não deseja entrar. A galeria, por sua vez, está
rodeada por uma varanda, para quem não quiser passar pela gale-
ria. A varanda dá para o jardim, para quem preferir não passar por
ela. O jardim tem uma parede e o aluno pode estar do lado de fora,
dirigindo-se à capela com um gesto. Trata-se pois de um rito ins-
pirado, não estabelecido, e é a base da forma Capela.
Voltemos à Igreja Unitária. Minha primeira solução foi uma
figura completamente simétrica: um quadrado. As classes forma-
vam a periferia do edifício, cujos ângulos estavam ocupados por
salas maiores. No espaço central situavam-se o santuário e a gale-
ria. O desenho tinha uma disposição muito similar à do diagrama
que tinha esboçado na lousa. No começo a idéia agradou a todos,
até que os interesses particulares de cada um dos membros do
comitê começaram a minar a rígida geometria em que se baseava.
Mas a premissa original da escola ao redor do santuário se manti-
nha.
Ajustar-se à circunstância é justamente o papel que compete
ao desenho. Durante uma discussão com os membros do comitê,
alguns insistiram em que o santuário devesse ficar completamente
separado da escola. Eu o aceitei, provisoriamente, e coloquei então
o auditório num lugar à parte e o conectei com a escola mediante
uma pequena circulação. Logo perceberam que a hora do cafezinho,
depois da cerimônia, exigia várias salas próximas ao santuário, e
que, como agora elas se encontravam num bloco independente,
não chegavam a cumprir sua função, sendo necessário duplicar
seu número. Além disso, as classes, com a separação, perdiam o
poder de evocar seu objetivo religioso e intelectual, de modo que

53
Renato Leão Rego

voltamos a agrupá-las ao redor do santuário. O desenho final dife-


re do primeiro, mas a forma se mantém.
Quero dizer mais alguma coisa sobre a diferença que existe
entre forma e desenho, sobre a concepção, sobre os aspectos
comensuráveis e incomensuráveis do nosso trabalho e de suas
limitações. Giotto foi um grande pintor. Porque foi um grande ar-
tista, pintou céus diurnos de cor negra, pássaros que não podiam
voar, cachorros que não podiam correr e homens mais altos que
as portas. Um pintor tem destas prerrogativas. Não tem por que
responder aos problemas da gravidade, nem considerar as ima-
gens tais como as conhecemos na vida real. Como pintor, expres-
sa uma reação frente à natureza e, por meio de seus olhos e suas
reações, nos ilustra a natureza do homem. O escultor modifica o
espaço com objetos que também são expressão das suas reações
diante da natureza. Não cria espaços, os modifica. O arquiteto cria
espaços.
A arquitetura tem limites. Quando tocamos os muros invisí-
veis dos seus limites é quando conhecemos melhor o que eles
contêm. Um pintor pode conceber quadradas as rodas de um ca-
nhão para expressar a futilidade da guerra. Um escultor também
pode moldá-las quadradas. Mas um arquiteto deve fazê-las redon-
das. Ainda que a pintura e a escultura tenham um belo papel no
reino da arquitetura, assim como a arquitetura o tem nos reinos da
pintura e da escultura, todas elas são regidas por disciplinas distin-
tas. Pode-se dizer que a arquitetura não consiste simplesmente em
cobrir as áreas determinadas pelo cliente. É a criação de espaços
que evocam o sentimento do seu uso adequado.
Para o compositor, a folha de música é um registro visível do
que ele ouve. O projeto de um edifício deve – do mesmo modo –
poder ser lido como uma harmonia de espaços iluminados. Cada
espaço deve ser definido pela sua estrutura e pelo caráter de sua
iluminação natural. Mesmo um espaço concebido para permane-
cer às escuras deve ter luz suficiente – proveniente de alguma
misteriosa abertura – que nos mostre quão escuro de fato é. É
claro que não falo das áreas minúsculas que servem espaços mai-
ores.

54
A palavra arquitetônica

Um espaço arquitetônico deve revelar, por si mesmo, a evi-


dência de sua formação. O que não acontecerá se ele estiver mol-
dado dentro de uma estrutura maior concebida para um espaço
maior, porque a escolha da estrutura é sinônimo da escolha da luz
que dá forma a este espaço. A luz artificial é apenas um breve
momento estático da luz; é a luz da noite e nunca pode se igualar
aos matizes criados pelas horas do dia e pelas maravilhas das esta-
ções.
Um grande edifício deve começar com o incomensurável;
depois submeter-se a meios comensuráveis, quando se encontrar
na etapa do desenho, e ao final deve ser de novo incomensurável.
O desenho – fazer coisas – constitui um ato comensurável. Neste
momento é como se o desenhista fosse a própria natureza física,
já que na natureza física tudo é passível de medida, mesmo o que
ainda não se mediu, o caso da distância até as estrelas mais distan-
tes, que algum dia, supomos, também poderemos medir.
O que é incomensurável é o espírito psíquico. A psique se
expressa por meio do sentimento e do pensamento, e eu acredito
que permanecerá para sempre incomensurável. Intuo que a Vonta-
de de Ser psíquica invoca a natureza para realizar-se naquilo que
quer ser. Eu penso que uma rosa quer ser uma rosa. A Vontade de
Ser homem se concretiza na existência por meio das leis da nature-
za e da evolução. O resultado é sempre inferior ao espírito de ser.
Do mesmo modo, um edifício tem de começar em uma aura
incomensurável e concretizar-se por meio do comensurável. É a
única maneira de construirmos; a única maneira de chegar a ser
concretiza-se através do comensurável. É preciso respeitar as leis,
até que, no fim, o edifício passa a ser algo vivo, evoca qualidades
que são, de novo, incomensuráveis. O desenho, enquanto demons-
tração da quantidade de tijolos, dos sistemas construtivos e de
cálculo, está finalizado; o espírito de ser do edifício ocupa então
seu lugar.
Tomemos por exemplo o bela torre de bronze erguida em
Nova York (por Mies van der Rohe).
É uma dama de bronze, de beleza incomparável. Mas sabe-
mos que tem corpetes de 15 andares porque não se vê o

55
Renato Leão Rego

contraventamento, ou seja, aquilo que faria dela um objeto contra


o vento expresso com beleza, assim como a natureza expressa a
diferença entre o musgo e o junco. A base deste edifício deveria
ser mais larga que a parte superior; as colunas superiores que dan-
çam como fadas, e as de baixo, crescendo loucamente, não tem as
mesmas dimensões porque não são a mesma coisa. A concepção
da forma de uma torre deveria ser mais expressiva das forças im-
plícitas nela. E ainda que a primeira tentativa de desenho tendesse
a ser feia, a fidelidade à forma terminaria por fazer-se bela.
Estou construindo um edifício na África, num lugar bem pró-
ximo ao Equador.
A luminosidade é insuportável; todas as pessoas parecem
negras quando observadas à luz. A luz é necessária, mas também é
uma inimiga. Com o sol implacável a pino, a hora da sesta se
descarrega como um trovão. Vi por lá muitas cabanas construídas
por nativos. Não há arquitetos entre eles. Mas voltei muito impres-
sionado com a inteligência que aqueles homens demonstraram ao
resolver os problemas do sol, da chuva e do vento. Percebi que a
cada janela deve opor-se uma parede livre para receber a luz do dia
e que esta parede deve ter uma abertura ao céu. Deste modo, a
parede modifica a luminosidade e não anula a visão; além disso,
evita-se o contraste causado pelas manchas de luz e sombra que
projetaria qualquer treliçado disposto diante da janela. Também pude
perceber a efetividade do uso da brisa como isolante, coisa que se
pode conseguir por meio de um teto-sombreiro solto e separado
da cobertura impermeável por um espaço de aproximadamente
1,80m. Estes desenhos de janela, parede e proteção de sol e chuva
mostrarão ao homem comum a forma de vida em Angola.
Estou projetando um original laboratório de pesquisa em San
Diego, na Califórnia.
É assim que começou o programa: o diretor, um homem fa-
moso, me ouviu falar em Pittsburgh. Mais tarde veio até a Filadél-
fia ver o edifício que eu tinha projetado para a Universidade da
Pennsylvânia. Saímos juntos num dia chuvoso.
“Um belo edifício – disse-me -, não imaginava que podia ser
bonito um edifício tão grande. Que área tem?”

56
A palavra arquitetônica

“10.140 m2.”
“É mais ou menos o que precisamos.”
Este foi o começo do programa das áreas. Mas disse mais
alguma coisa que se converteu na Chave de toda a ambientação
espacial: que a pesquisa médica não é um produto exclusivo da
medicina ou das ciências físicas, mas também das pessoas em
geral. Quis dizer que qualquer pessoa versada em humanas, ciên-
cias ou artes, pode contribuir para conformar este ambiente men-
tal de investigação capaz de conduzir às grandes descobertas cien-
tíficas.
Livre das restrições de um programa ditatorial, foi uma gran-
de experiência participar no projeto de um programa de desenvol-
vimento de espaços, sem precedentes. Isto só foi possível porque
o diretor era um homem com um senso único do entorno como
fonte de inspiração, e podia sentir a vontade de ser e sua apreensão
na forma dos espaços que eu sugeria.
O que no princípio foi só a necessidade de laboratórios e
seus serviços incluiu depois jardins enclausurados, escritórios co-
locados sobre galerias e espaços para reuniões e descanso, entre-
laçados com outros espaços sem nome para maior expansão do
ambiente geral.
Os laboratórios podem caracterizar-se como uma arquitetura
de ar depurado e áreas adaptáveis. A mesa de mogno e o tapete
correspondem à arquitetura dos Escritórios.
Meu edifício para Pesquisas Médicas da Universidade da
Pennsylvânia incorpora a concepção de que os laboratórios cientí-
ficos são essencialmente escritórios e que deve existir uma sepa-
ração entre o ar que se respira e o ar viciado que se deve eliminar.
As plantas comuns de laboratórios colocam as áreas de trabalho
de um lado do corredor público e as escadas, elevadores, quartos
para animais, dutos e outros serviços, do outro lado do mesmo
corredor. Este corredor é, ao mesmo tempo, o veículo de escape
do ar nocivo e de abastecimento de ar respirável. A única diferença
entre o espaço de trabalho de um homem e de outro é o número
colocado nas suas portas.

57
Renato Leão Rego

Desenhei para a Universidade três torres-escritório, nas quais


cada homem pode trabalhar em sua especialidade; cada escritório
destas torres tem sua própria sub-torre escada e uma sub-torre de
evacuação para ar isótopo, ar infeccioso e gás nocivo. Um edifí-
cio central que reúne as três torres principais abriga a área de
serviços que, nas plantas comuns, está usualmente colocada do
outro lado do corredor. Este edifício central tem aletas para absor-
ver o ar puro, independentemente das sub-torres de evacuação de
ar viciado. Este desenho, produto da consideração do uso particu-
lar destes espaços e dos serviços que requerem, expressa o caráter
do laboratório de pesquisas.
Um dia visitei o lugar enquanto se erguia a estrutura pré-
fabricada do edifício.
O braço de 61 metros da grua levantava elementos de 25
toneladas e os colocava no lugar como se fossem palitos de fósfo-
ro. Detestava aquela grua pintada chamativamente, aquele mons-
tro que humilhava meu edifício fazendo-o parecer fora de escala.
Observava seus movimentos múltiplos, calculando por quanto tem-
po aquela ‘coisa’ dominaria o lugar e o edifício, até que se pudesse
tirar dele uma boa foto.
Agora, contudo, estou contente com esta experiência porque
me fez ver o significado da grua no desenho, e me permitiu com-
preender que a grua é só uma prolongação do braço humano, do
mesmo modo que um martelo. Comecei então a pensar em ele-
mentos de 100 toneladas elevados por gruas ainda maiores. Estes
grandes elementos constituiriam somente as partes de uma coluna
composta, cujas uniões seriam como esculturas em ouro e porce-
lana e guardariam habitações, em diferentes níveis, com pisos de
mármore. Estas uniões representariam as estações dentro da aber-
tura maior, cujo fechamento estaria formado por vidros sustenta-
dos por montantes de cristal, com cabos de aço inoxidável entre-
laçados como eras para ajudar o vidro e os montantes contra o
vento.
A grua se convertera em um amigo e um estímulo à con-
cepção de uma forma nova.

58
A palavra arquitetônica

As instituições das cidades podem ser enobrecidas pelo po-


der dos seus espaços arquitetônicos.
A casa comunal da aldeia deu lugar à prefeitura, que já não é
um lugar de reunião. Mas sinto a Vontade de Ser deste lugar na
praça porticada, onde brincam as fontes, onde novamente se en-
contram o jovem e a moça, onde se podem receber e atender os
visitantes ilustres, onde podem se reunir em grupos as sociedades
que mantêm nossos ideais democráticos.
O automóvel alterou por completo a forma da cidade. Acre-
dito ter chegado o momento de se fazer uma distinção entre a
arquitetura do Viaduto para o automóvel e a arquitetura das ativida-
des humanas. A tendência a combinar as duas arquiteturas num
mesmo desenho confundiu o sentido do planejamento e da
tecnologia. A arquitetura do Viaduto chega à cidade desde áreas
exteriores. Neste ponto deve-se desenhá-la com maior cuidado e,
a custo alto, colocá-la estrategicamente em relação ao centro.
A arquitetura do viaduto inclui a rua que, no centro da cidade,
quer ser um edifício (um edifício com um espaço subterrâneo
destinado às tubulações para evitar interrupções do trânsito quan-
do elas necessitem ser reparadas). A arquitetura do Viaduto repre-
sentaria um conceito completamente novo do movimento da rua.
Distinguiria os movimentos staccato de arranco e freada do ônibus
da arrancada do carro. As avenidas de acesso rápido, que limitam
áreas, são como rios. Estes rios precisam de portos. As ruas inter-
mediárias são como canais que precisam de cais. Os portos são as
entradas gigantescas destinadas a expressar a arquitetura do freio.
Estes terminais da arquitetura do Viaduto teriam garagens no seu
centro, hotéis, prédios de apartamentos e lojas na periferia, e cen-
tros comerciais no nível da rua.
Esta posição estratégica em volta do centro da unidade cons-
titui uma proteção lógica contra a destruição da cidade pelo auto-
móvel. Em certo sentido, os problemas do automóvel e da cidade
implicam em uma guerra, e o planejamento do novo crescimento
das cidades não deve ser visto como um ato agradável, mas sim
de emergência. A distinção entre as duas arquitetura – a arquitetura
do Viaduto e a das atividades do homem – poderia dar lugar a uma

59
Renato Leão Rego

lógica do crescimento e a uma postura empresarial razoável.


Recentemente, um arquiteto da Índia fez uma conferência na
Universidade sobre os excelentes novos trabalhos de Le Corbusier
e sobre os seus próprios. No entanto, pareceu-me que os belos
trabalhos que mostrava estavam fora do contexto e sem arranjo.
No final da conferência me pediram um comentário. Senti-me im-
pelido a ir à lousa e a desenhar no centro uma torre de água, larga
na parte superior e estreita em baixo. Rabisquei aquedutos que se
espraiavam da torre, semelhantes aos raios de uma estrela. Isto
implicava futuras árvores e terra fértil e começo de vida. Os edifí-
cios ainda existentes, porém agrupados em volta do aqueduto, te-
riam uma disposição e um caráter cheios de sentido. A cidade teria
forma.
Não desejo que daquilo que eu disse se deduza um sistema de
pensamento e trabalho que leve rigidamente da concepção da For-
ma à do Desenho. O Desenho também pode induzir a concepção
da Forma. Esta interação, em arquitetura, constitui uma fonte cons-
tante de estímulo.

60
Adolf Loos
1
SOBRE UM POBRE HOMEM RICO

Quero lhes contar de um pobre homem rico. Tinha di-


nheiro e bens, uma mulher fiel que, com um beijo na testa, o livra-
va das preocupações que traziam os negócios, de um bando de
filhos, que teria causado a inveja do mais pobre dos seus trabalha-
dores. Seus amigos o adoravam, pois tudo o que empreendia pros-
perava. Mas hoje a situação é muito, muito diferente. E assim acon-
teceu.
Um dia, disse este homem a si mesmo: “Você tem dinheiro e
bens, uma mulher fiel e filhos, pelos quais o invejaria o trabalhador
mais pobre. Mas, você é feliz? Sabe que há pessoas que necessi-
tam de tudo o que lhe invejam. Mas as preocupações deles são
afugentadas por uma grande fada, a arte. E o que é a arte para
você? Nem sequer de nome a conhece. Qualquer adventício pode
apresentar o cartão de visita e o seu mordomo lhe abrirá de par em
par. Mas você ainda não recebeu a arte em sua casa. Sei bem que
ela não virá. Mas vou a sua procura. Ela deve se instalar e habitar
minha casa como um rei.”
Era um homem de muito vigor, o que pegava, o fazia com
energia. Era costumeiro nos seus negócios. Assim, neste mesmo
dia, recorreu a um famoso arquiteto, dizendo a ele: “O senhor me
ponha arte, arte entre minhas quatro paredes. O gasto não impor-
ta.”
O arquiteto não deixou que o dissessem duas vezes. Foi à
casa do homem rico, jogou fora todos os seus móveis, fez vir um
exército de assentadores de parquê, estucadores, envernizadores,

1
. Artigo publicado no “Neues Wiener Tagblatt” em 26 de abril de 1900.

62
A palavra arquitetônica

pedreiros, pintores de paredes, entalhadores, encanadores,


instaladores, tapeceiros, pintores e escultores, e zás!, sem se no-
tar, havia prendido, empacotado, bem guardado a arte entre as
quatro paredes do homem rico.
O homem rico era mais do que feliz. Mais do que feliz passe-
ava pelos novos cômodos. Onde quer que olhasse havia arte, arte
em tudo e por tudo. Pegava arte quando pegava a maçaneta, senta-
va-se sobre arte quando se sentava em uma poltrona, apoiava sua
cabeça em arte quando cansado a apoiava nas almofadas, seu pé
se afundava em arte quando andava pelos tapetes. Se deleitava
com a arte com enorme fervor. Desde que seu prato também havia
sido decorado com motivos artísticos, cortava o seu boeuf à
l’oignon com energia redobrada.
Elogiavam-no, invejavam-no. As revistas de arte glorifica-
vam o seu nome como um dos primeiros no reino dos mecenas,
seus cômodos foram retratados, comentados e explicados para
servir de modelo às cópias.
E o mereciam. Cada recinto constituía uma determinada sin-
fonia de cores. Parede, móveis e tecidos estavam combinados da
maneira mais refinada. Cada objeto tinha seu lugar adequado e
estava ligado aos demais por umas combinações maravilhosas.
O arquiteto não tinha esquecido de nada, absolutamente nada.
Cinzeiros, talheres, interruptores, tudo, tudo havia sido combina-
do por ele. E não se tratava das artes arquitetônicas vulgares, não,
em cada ornamento, em cada forma, em cada prego estava ex-
pressa a individualidade do proprietário. (Um trabalho psicológico
cuja dificuldade qualquer um reconhecerá).
O arquiteto, no entanto, recusava todos os elogios modesta-
mente. Porque, dizia ele, estes ambientes não são meus. Lá na
frente, no canto, há uma estátua de Charpentier. E, assim como eu
censuraria qualquer um que afirmasse ter desenhado uma sala ten-
do usado apenas uma das minhas maçanetas, do mesmo modo eu
não posso dizer que estes ambientes tenham sido concebidos por
mim. Estas eram palavras nobres e conseqüentes. Certo entalhador,
que talvez empapelara sua sala com papel pintado por Walter Crane
e que, apesar disto, se atribuía os móveis que aí se encontravam

63
Renato Leão Rego

por tê-los projetado e executado ele mesmo, se avergonhava até o


fundo da sua negra alma ao inteirar-se destas palavras.
Voltemos, depois desta divagação, ao nosso homem rico. Já
disse quão feliz era ele. Uma grande parte do seu tempo ele dedi-
cou, desde então, só ao estudo da sua casa. Logo se deu conta de
que devia estudá-la. Havia muito o que memorizar. Cada objeto
tinha seu lugar preciso. O arquiteto tinha agido bem com ele. Ti-
nha pensado em tudo antecipadamente. Para a menor caixinha ha-
via um lugar definido, feito intencionalmente para ela.
A casa era cômoda mas, para a cabeça, esgotante demais.
Por isso, nas primeiras semanas, o arquiteto vigiou a forma como
atuavam para que não incorressem em nenhum erro. O homem
rico se esforçava. Mas aconteceu que, distraidamente, deixou um
livro que tinha na mão na gaveta destinada aos jornais. Ou que
bateu a cinza do charuto naquele buraco da mesa destinado ao
candelabro. Quando apanhado um objeto, o adivinhar e buscar o
antigo lugar que lhe correspondia não tinha fim e certa ocasião
teve o arquiteto que consultar os desenhos dos detalhes para voltar
a encontrar o lugar de uma caixa de fósforos.
Onde as artes aplicadas tinham conseguido tais triunfos,
não podia ficar atrás a música aplicada. Esta idéia preocupava de-
mais o homem rico. Fez uma solicitação à companhia de bondes,
pela qual tentava que seus veículos utilizassem o motivo de sinos
de Parsifal no lugar de sons sem sentido. Na companhia não lhe
deram a mínima. Ainda não davam suficiente acolhida a idéias
modernas. De quebra, lhe permitiram pavimentar, por sua conta, a
área em frente à sua casa de modo que todo veículo estivesse
obrigado a passar diante dela ao ritmo da Marcha de Radetzky. As
campainhas elétricas das suas salas também foram providas de
trechos de Wagner e Beethoven e todos os profissionais da crítica
de arte elogiavam sobremaneira o homem que havia aberto um
novo domínio para “a arte nos artigos de uso.”
Como se pode imaginar, todas estas melhorias fizeram ao
homem ainda mais feliz.
Mas não se pode esconder que ele procurava passar o menor

64
A palavra arquitetônica

tempo possível em casa. É que, de vez em quando, se quer des-


cansar um pouco de tanta arte. Ou você poderia viver em uma
galeria? Ou estar sentado meses inteiros em ‘Tristão e Isolda’?
Enfim, quem lhe censuraria por acudir novamente ao café, ao res-
taurante ou aos amigos e conhecidos para reunir forças para estar
em sua casa? Imaginara outra coisa. Mas, a arte requer sacrifíci-
os. Já havia feito tantos. Os olhos se umedeciam. Pensava em
muitas coisas velhas pelas quais tinha tido tanto carinho e que, de
vez em quando, davam saudade. A poltrona grande! Seu pai sem-
pre descansara nela. O velho relógio! E os quadros! Mas a arte o
exige! Antes de tudo, não esmorecer!
Uma vez, celebrara seu aniversário. A mulher e os filhos o
encheram de presentes. As coisas lhe agradaram demais e lhe de-
ram uma alegria cordial. Logo chegou o arquiteto para comprovar
se tudo estava em ordem e dar respostas a questões difíceis. En-
trou na sala. O dono veio contente ao seu encontro pois tinha
muitas perguntas a fazer. Mas o arquiteto não percebeu a alegria
do dono. Tinha descoberto algo muito esquisito e empalideceu:
“Mas que sapatilhas o senhor está usando!”, exclamou com voz
penosa.
O dono olhou seu calçado bordado. E respirou aliviado. Des-
ta vez se sentia totalmente inocente. As sapatilhas tinham sido con-
feccionadas fielmente de acordo com o desenho original do arqui-
teto. Por isso replicou com ar de superioridade:
“Mas, senhor arquiteto, esqueceu-se? As sapatilhas, o se-
nhor mesmo as desenhou!”
“Certamente!”, trovejou o arquiteto, “mas para o quarto. O
senhor está estragando todo o ambiente com essas duas horríveis
manchas de cor. O senhor não se dá conta?”
O dono da casa compreendeu imediatamente. Tirou rapida-
mente as sapatilhas e se alegrou tremendamente de que o arquiteto
não achara insuportáveis também suas meias. Dirigiram-se ao quarto
onde o homem rico pôde voltar a calçar as sapatilhas.
“Ontem”, começou timidamente, “comemorei meu aniversá-
rio. Os meus me encheram de presentes. Mandei chamá-lo, queri-

65
Renato Leão Rego

do senhor arquiteto, para que nos aconselhe sobre qual é a melhor


maneira de dispor os objetos.”
A cara do arquiteto se alargava visivelmente. Então estalou:
“Como lhe ocorre deixar-se presentear com alguma coisa!
Eu não lhe desenhei tudo? Eu não pensei em tudo? O senhor não
precisa de mais nada. O senhor está completo.”
“Mas”, permitiu se replicar o dono da casa, “ainda vou poder
comprar-me alguma coisa!”
“Não, o senhor não pode! Nunca mais e nada mais! Só me
faltava esta. Coisas que não foram desenhadas por mim. Não fiz o
bastante permitindo o Charpentier? A estátua que rouba toda a fama
do meu trabalho! Não, o senhor não pode comprar nada mais!”
“E se meu neto me der um trabalho do jardim de infância?”
“Pois o senhor não pode aceitá-lo!”
O dono da casa estava estupefato. Mas ainda não se dava por
perdido. Uma idéia, já a tinha, uma idéia!:
“E se quisesse comprar-me um quadro da Secessão?”, per-
guntou triunfante.
“Experimente pendurá-lo em algum lugar. O senhor não vê
que não há lugar para mais nada? O senhor não vê que, para cada
quadro que eu lhe pendurei, eu compus uma moldura na parede,
no muro? Não pode deslocar um só quadro. Experimente o senhor
colocar um novo quadro.”
Então produziu-se uma mudança no homem rico. O homem
feliz se sentiu de repente profunda, profundamente desgraçado.
Viu sua vida futura. Ninguém podia proporcionar-lhe alegria. De-
veria passar sem desejos diante das lojas da cidade. Para ele já não
se criava mais nada. Nenhum dos seus podia lhe dar seu retrato,
para ele já não existiam mais pintores, mais ofícios manuais. Esta-
va podado do futuro viver e respirar, devir e desejar. Ele sentia:
Agora devo aprender a vagar com meu próprio cadáver. Certo:
Completo! Acabado!

66
Adolf Loos

1
O PRINCÍPIO DO REVESTIMENTO

Para o artista todos os materiais são igualmente valiosos,


mas não são igualmente adequados a todos os fins. A solidez e a
produção exigem materiais que, com freqüência, não estão de acor-
do com a finalidade própria do edifício. Estabeleçamos que o ar-
quiteto tenha a missão de fazer um espaço aconchegante e cômo-
do. Os tapetes são aconchegantes e cômodos. Este espaço poderia
ser resolvido colocando-se um deles no chão e pendurando outros
quatro de modo que formassem as quatro paredes. Mas com tape-
tes não se pode construir uma casa. Tanto o tapete como a tapeça-
ria requerem uma armação construtiva que os mantenha sempre
na posição adequada. Conceber esta armação é a segunda missão
do arquiteto.
Este é o caminho correto, lógico e real que se deve seguir na
arte de construir. A humanidade também aprendeu a construir nes-
ta mesma ordem. Primeiro foi o revestimento. O homem buscava
abrigo das inclemências do tempo, proteção e calor durante o sono.
Buscava cobrir-se. A manta é o detalhe arquitetônico mais antigo.
A princípio era feita de peles ou de produtos da arte textil. Esta
coberta devia ser estirada em algum lugar se quisessem abrigar
toda uma família. Logo apareceram também as paredes, para dar
proteção lateral. E nesta ordem se desenvolveu o pensamento
arquitetônico, tanto na humanidade como no indivíduo.
Há arquitetos que trabalham de outro modo. Sua fantasia não
forma os espaços, mas as paredes. O que ficar entre as paredes
são os espaços. E, para estes espaços, escolhem depois alguma
1
. Artigo publicado no “Neue Freie Presse” em 4 de setembro de 1898.

68
A palavra arquitetônica

forma de revestimento que lhes pareça adequada. Isso é arte pelo


caminho empírico.
Mas o artista, o arquiteto, sente primeiro o efeito que quer
alcançar e vê depois, com seu olho espiritual, os espaços que quer
criar. O efeito que quer criar sobre o espectador, seja somente
medo ou espanto como na prisão, temor a Deus como na igreja,
respeito ao poder do Estado como no palácio, piedade como dian-
te de um monumento fúnebre, sensação de comodidade como em
uma casa ou alegria como em um bar, este efeito vem dado pelos
materiais e pela forma.
Cada material tem sua própria linguagem formal e nenhum
deles pode assumir a forma de outro. Porque as formas resultam
da utilidade e da fabricação de cada material, surgiram com o ma-
terial e através dele. Nenhum material permite intromissões em
seu rol de formas. Quem ousa faze-lo é marcado pelo mundo como
falsificador. E a arte não tem nada a ver com a falsificação, com a
mentira. Seus caminhos são cheios de espinhos, porém limpos.
A torre da catedral de Santo Estevão de Viena podia ser feita
de concreto e colocada em qualquer outro canto, mas já não seria
uma obra de arte. O que vale para o campanário de São Estevão
vale também para o palácio Pitti, e o que vale para o palácio Pitti
vale também para o palácio Farnese. E, seguindo com estes edifí-
cios, chegaríamos aos nossos dias e nos encontraríamos diante da
arquitetura do nosso Ring. Um tempo triste para a arte, um tempo
triste para os poucos artistas que havia entre os arquitetos de en-
tão, que eram obrigados a prostituir sua arte para favorecer os
interesses do populacho. Só a alguns o destino permitia encontrar
um proprietário que pensasse em coisas grandes e outorgasse ao
artista a liberdade de trabalhar a seu gosto. O mais feliz de todos
eles com certeza foi Schmidt. Depois dele veio Hansen, que, quan-
do as coisas iam mal, procurava consolo construindo com
terracota. Certamente quem teve de suportar grandes tormentos
foi o pobre Ferstel, que, no último instante, foi obrigado a revestir
com concreto partes inteiras da fachada da sua universidade. Os
outros arquitetos desta época, salvo poucas exceções, estavam
lilvres de tais sentimentos.

69
Renato Leão Rego

Isto mudou? Dispensem-me de responder esta pergunta. Ain-


da domina, na arquitetura, a imitação e a arte do sucedâneo. Sim,
ainda mais que então. Nos últimos cinco anos encontra-se inclusi-
ve gente que se fez defensora desta tendência em arquitetura – um
após o outro, anonimamente, já que a coisa não lhe parecia sufici-
entemente limpa -, de modo que o arquiteto de sucedâneos já não
tem mais necessidade de sentir-se discriminado. Hoje já se reco-
brem as fachadas com desembaraço e se penduram as “pedras
portantes” com justificação artística, sob a cornija principal. Acer-
quem-se, arautos da imitação, produtores da falsa marchetaria, do
acochambre-você-mesmo-a-janela-de-sua-casa, dos cântaros de
papier marché! Em Viena está florescendo uma nova primavera, o
solo está recém adubado!
Mas, o espaço aconchegante coberto totalmente com tapetes
não é uma imitação? As paredes não estão feitas de tapetes? Claro
que não. Estes tapetes só querem ser tapetes e não paredes de
pedra, jamais quiseram mostrar-se como tais, nem por sua cor
nem por seu desenho, apenas querem deixar bem claro seu signi-
ficado como revestimento da superfície da parede. Cumprem sua
finalidade segundo o princípio do revestimento.
Como já mencionei no início, o revestimento é mais antigo
que a construção. As bases do revestimento são diversas. Assim
como é proteção contra a inclemência do tempo, como a pintura a
óleo sobre a madeira, aço ou pedra, pode ter motivos higiênicos –
o caso das peças esmaltadas no banheiro para proteger a superfí-
cie da parede, e outras vezes tem uma finalidade concreta, como o
efeito da pintura colorida das estátuas, das tapeçarias nas paredes
ou dos painéis de madeira. O princípio do revestimento, termo
cunhado por Semper, se estende também à natureza. O homem
está revestido com uma pele, a árvore com uma casca.
Deste princípio do revestimento eu formulo também uma lei
perfeitamente determinada que chamo de lei do revestimento. Que
ninguém se assuste. As leis, dizem, caracterizam uma evolução.
Mas, os velhos mestres nunca precisaram de leis. Certo. Onde o
roubo fosse coisa desconhecida, seria desnecessário impor leis
que o castigassem. Quando os materiais usados para revestir não

70
A palavra arquitetônica

eram imitações, não fazia falta nenhuma lei contra eles. Mas acre-
dito que chegou a hora de estabelecê-la.
Tal lei diz assim: a possibilidade de que o material revestido
se confunda com o revestimento deve ser excluída em todos os
casos. Para casos particulares, esta frase teria que dizer: pode-se
pintar a madeira com qualquer cor, menos com uma – cor de
madeira. Para uma cidade como Viena, cujo conselho de exposi-
ções decidiu pintar todo o madeiramento do seu pavilhão ‘como
mogno’, no qual a imitação é o único motivo de decoração da
madeira, esta frase é muito atrevida. Parece que aqui há pessoas
que acham isso elegante. Já que os bonde, os trens e em geral toda
construção de vagões provêm da Inglaterra, eles são os únicos
objetos de madeira que estampam cores puras. Eu me atrevo a
dizer que qualquer veículo – sobretudo os da linha elétrica – me
agrada mais com cores puras que, seguindo os padrões de beleza
daqui, fossem pintados como mogno.
Mas, em nosso povo cochila, ainda que funda e enterrada, a
verdadeira noção do elegante. De outro modo, na companhia de
bondes, a primeira e a segunda classes não estariam pintadas de
verde, já que a terceira é cor de madeira.
Certa vez provei a um colega, de um modo drástico, esta
noção inconsciente. Em um edifício, no primeiro andar, havia dois
apartamentos. Ao inquilino de um deles ocorreu pintar, por sua
conta, a esquadria das janelas, que originalmente eram marrom, de
branco. Então fizemos uma aposta de que levaríamos um certo
número de pessoas diante do edifício e, sem chamar a atenção
deles para a diferença das janelas, perguntaríamos em qual dos
apartamentos lhes parecia morar o João e em qual morava o Con-
de Fulano de Tal, ambos inquilinos hipotéticos. Todos apontaram
a janela pintada de madeira como casa do João. Desde então meu
colega só as pinta de branco.
A imitação da madeira é naturalmente uma invenção do nosso
século. Na idade média pintavam a madeira, em geral, de vermelho
gritante, e no Renascimento, de azul, no Barroco e no Rococó,
branco por dentro e verde por fora. Nossos camponeses, ainda
lúcidos, a pintam com cores puras. Quando estamos no campo

71
Renato Leão Rego

vibramos com o portão ou a cerca verde, ou as treliças verdes


diante de uma parede recém pintada de branco. É uma pena que
em alguns lugares se comece a imitar o gosto da nossa comissão
de exposições.
Ainda se lembra da indignação moral da indústria artística do
sucedâneo quando os primeiros móveis pintados a óleo chegaram
da Inglaterra. Mas a bronca dessa boa gente não se dirigia à pintu-
ra em si. Em Viena, quando se utilizava madeiras brancas, elas
também recebiam pintura a óleo. Mas que os móveis ingleses ou-
sassem luzir suas cores com tanta franqueza e liberdade, em vez
de imitar madeira nobre, isso sim enfurecia aqueles santos. Vira-
ram a cara e davam a impressão de que nunca usáramos a pintura
a óleo. Provavelmente estes senhores são da opinião de que seus
móveis e trabalhos de madeira com seus falsos veios eram tidos
como de madeira nobre.
Se, com este ponto de vista, não cito nomes, acho que mere-
ço o agradecimento deles.
Aplicado aos estucadores, o princípio do revestimento diria o
seguinte: o estuque pode resolver qualquer ornamento menos um
– a imitação da construção de tijolo aparente. Poderia se pensar
que dizer tamanha evidência é desnecessário, mas há pouco me
chamaram a atenção para um edifício cuja parede estucada estava
pintada de vermelho e com o desenho de juntas brancas. A tão
querida decoração de cozinhas imitando pedras também se encai-
xa aqui. E assim, todos os materiais que servem para revestir uma
parede, como tecidos, papéis, telas, não podem representar nunca
nem pedras nem tijolos. E daqui também se pode entender por que
as meias de malha que usam nossas bailarinas têm um efeito tão
antiestético. Em uma palavra, a roupa de malha pode estar tingida
de qualquer cor, menos cor de carne.
Um material de revestimento pode conservar sua cor natural
quando o material revestido também é desta cor. Desse modo eu
posso pintar o aço negro com betume, posso cobrir uma madeira
com outra (tornejado, marchetaria, etc. ) sem ter que colorir a
madeira que cobre. Eu posso revestir um metal com outro metal
através do fogo ou galvanizando-os. Mas o princípio do revesti-

72
A palavra arquitetônica

mento proíbe que mediante uma pintura se imite o material que há


por baixo dela. Assim, a aço pode ser betumado, pintado a óleo ou
galvanizado, mas nunca tapado com cor de bronze, ou seja com
uma cor metálica. Também merecem ser mencionados aqui as
placas de cerâmica refratária e de pedra artificial que, por um lado,
imitam o pavimento do terraço (mosaico) e, por outro, imitam
tapetes persas. Sem dúvida há pessoas que acreditam – as fábricas
conhecem bem sua clientela.
Mas não, vocês, imitadores e arquitetos de sucedâneos, es-
tão equivocados. A alma humana é algo demasiado alto e sublime
para que possam enganá-la com seus truques e recursos. A oração
da pobre camponesa chegará com mais força e mais rápido ao céu
se é feita em uma igreja construída com material autêntico que se
feita, com o mesmo fervor, entre paredes de gesso pintadas com
mármore. Nosso corpo miserável está, é certo, em seu poder. Só
dispõe de cinco sentidos para diferenciar o autêntico do falso. E lá
onde o homem, com todos os sentidos, já não alcança mais, co-
meça o seu domínio, lá está o seu reino. Mas, uma vez mais, vocês
estão equivocados. Pintem no teto de madeira bem, bem alto os
melhores efeitos: os pobres olhares acreditarão e as tomarão como
de verdade. Mas a psique divina não acreditará em sua falácia. Vê,
na melhor marchetaria pintada “como autêntica”, pura pintura a
óleo.

73
Adolf Loos

REGRAS PARA QUEM CONSTRÓI


1
NAS MONTANHAS

Não construa de modo pitoresco. Deixe que os maciços,


as montanhas e o sol produzam este efeito. O homem que se veste
de modo pitoresco não é pitoresco, é um palhaço. O camponês
não se veste pitorescamente e, no entanto, o é.
Construa tão bem quanto possa. Nem mais, nem menos. Não
se sobreesforce. Tampouco se submeta intencionalmente a um
nível inferior àquele que, por sua origem e formação, lhe
corresponde. Ainda que seja na montanha. Fale com os campone-
ses na sua língua. O advogado vienês que só fala em dialeto com o
camponês há de deixar de existir.
Preste atenção às formas que constrói o camponês, já que
são parte da substância que advém da sabedoria dos seus antepas-
sados. Mas, busque o fundamento da forma. Se os avanços da
técnica têm permitido o aperfeiçoamento da forma, há que se
empregá-la sempre assim: aperfeiçoada. O trilho se desprende da
trilhadora.
A planície exige uma disposição arquitetônica vertical. As
montanhas, horizontal. A obra humana não deve competir com a
obra divina. O observatório dos Habsburgo estraga o bosque vienês,
enquanto o templo dos hússares se incorpora à paisagem harmoni-
osamente.
Não pense na cobertura, mas sim na chuva e na neve. Assim
pensa o camponês. E por isso constrói nas montanhas o telhado

1
. Artigo publicado no anuario Schwarzwald’Schen Schulanstalten” , 1913

74
A palavra arquitetônica

mais plano que lhe permitem seus conhecimentos técnicos. Nas


zonas montanhosas a neve não deve deslizar-se quando ela quer, e
sim quando o camponês o desejar. Por isso o camponês tem de
subir ao telhado sem que haja o menor perigo à sua vida e, então,
tirar a neve. Nós também temos que criar a cobertura mais plana
possível de acordo com nossas condições técnicas.
Seja sincero. A natureza só pode suportar a sinceridade. Se
dá bem com pontes treliçadas, mas se distancia dos arcos dos
arcos góticos com pináculos e seteiras.
Não tema que lhe pichem por não ser moderno. Só estão
permitidas aquelas transformações no modo de construir tradicio-
nal que signifiquem melhorias, do contrário conserve os sistemas
tradicionais. Pois a verdade, ainda que tenha milhares de anos, se
dá melhor com a gente que a mentira que caminha ao nosso lado.

75
Mies van der Rohe

SOBRE O SIGNIFICADO E A
1
TAREFA DA CRÍTICA

N
ão receiem que eu vá contribuir à longa sucessão de
reprovações e ataques. Juízos equivocados não são esperados no
curso natural dos fatos?
A crítica é assim tão fácil? A verdadeira crítica não é tão rara
quanto a verdadeira arte? Gostaria, contudo, de chamar sua aten-
ção para os pré-requisitos básicos de qualquer crítica, pois acredi-
to que sem tal esclarecimento não poderá haver crítica verdadeira,
e se pedirá da crítica aquilo que ela não está apta a responder.
A crítica é o exame de um feito com relação a seu significado
e valor. Para tanto é necessário posicionar-se em relação ao objeto
a ser examinado, ter contato com ele. Isto não é fácil. As obras de
arte têm uma vida própria. Não são acessíveis a todos. Para que se
expressem, deve-se abordá-las em seus próprios termos. Esta é a
obrigação do crítico.
Outra obrigação da crítica diz respeito à graduação de valo-
res. Aí a crítica encontra sua escala de medida. A verdadeira críti-
ca está, no fim, a serviço do valor.

1
. Publicado em Das Kunstblatt” , 14, no 6, 1930.

76
Mies van der Rohe

A ARTE DE CONSTRUIR E O
1
ESPÍRITO DA ÉPOCA

N ão são as realizações arquitetônicas dos tempos primiti-


vos que fazem seus edifícios nos parecer tão significativos, mas
sim a particularidade de que os templos antigos, as basílicas roma-
nas e também as catedrais da Idade Média são menos o trabalho
individual de personalidades que criações de toda uma época. Quem
pergunta, ao ver tais edifícios, quais os nomes ou o que a persona-
lidade fortuita dos seus construtores queria dizer? Estes edifícios
são, pela sua própria natureza, totalmente impessoais. São repre-
sentativos do espírito da sua época. Este é o seu significado. Só
assim podem se tornar símbolos do seu tempo.
A arte de construir é sempre o espírito de uma época apreen-
dido no espaço, nada mais. Só quando esta verdade simples for
claramente reconhecida, estará efetivamente direcionado o esfor-
ço pelos fundamentos de uma nova arquitetura. Até então deverá
permanecer um caos de forças confusas. Por esta razão, uma ques-
tão como a natureza da arte de construir é de importância decisiva.
Deve-se entender que toda arte de construir nasce da sua própria
época e só pode se manifestar ocupando-se de tarefas vitais com
os meios do seu próprio tempo. Nunca foi de outro modo.
Por esta razão, é um esforço inútil usar conteúdos e formas
de edifícios primitivos hoje. Aí, até mesmo o talento artístico mais
forte fracassará. Vemos freqüentemente excelentes arquitetos fra-
cassarem porque o trabalho deles não satisfaz o espírito da sua

1
. Publicado em Der Quer Schunitt”, 4, no 1, 1924

78
A palavra arquitetônica

época. Em última instância, apesar do seu enorme talento, são


diletantes, já que o entusiasmo com que concordam com a coisa
errada é irrelevante. É a essência o que importa. Não se pode ir
adiante enquanto se olha para trás, e não se pode ser o instrumento
do espírito da época se se vive no passado. Observadores distan-
tes caem no mesmo velho erro quando responsabilizam a época
por tais tragédias.
Toda a energia da nossa era está direcionada ao laico. Os
esforços dos místicos continuarão esporádicos. Apesar de nossa
compreensão da vida ter se tornado mais profunda, não construi-
remos catedrais. Até mesmo o grandiloqüente gesto dos românti-
cos nada significa para nós, uma vez que percebemos, por trás
dele, seu vazio formalista. Nosso tempo é nada patético, não apre-
ciamos os grandes gestos mas sim a racionalidade e o realismo.
As demandas do nosso tempo por realismo e funcionalidade
devem ser satisfeitas. Se isto é plenamente assumido, os edifícios
do nosso tempo demonstrarão a grandeza de que nosso tempo é
capaz, e só um tolo diria o contrário.
Questões de natureza comum são de interesse capital. O in-
dividual se torna cada vez menos importante – seu destino não nos
interessa mais. Os êxitos decisivos em todas as áreas são de or-
dem objetiva e seu autores, na maioria, desconhecidos. É aqui que
o grande marca do nosso tempo aparece. Nossas obras de enge-
nharia são exemplos típicos. Diques gigantescos, extensos com-
plexos industriais e pontes importantes surgem com uma destreza
natural imensa, sem mencionar o nome dos seus construtores.
Ademais, estas estruturas mostram os meios técnicos que tere-
mos de empregar no futuro.
Se compararmos o peso pesado do aqueduto romano com a
agilidade de uma grua moderna, ou as volumosas construções
abobadadas com a impetuosa falta de gravidade das recentes es-
truturas de concreto armado, teremos noção de quanto nossa for-
ma e expressão diferem daquelas de então. Os métodos de produ-
ção industrial vão exercer sua influência. A objeção de que são
apenas estruturas funcionais é irrelevante.
Se rejeitarmos todos os pontos de vista românticos, reco-

79
Renato Leão Rego

nheceremos que as estruturas de pedra da antigüidade, as cons-


truções de tijolo e concreto dos romanos e as catedrais medievais
foram incríveis proezas da engenharia – e pode-se estar certo de
que o primeiro edifício gótico foi tido, no seu entorno românico,
como um corpo estranho.
As nossas construções somente serão arquitetura quando,
satisfazendo sua finalidade, tornarem-se instrumentos do espírito
da nossa época.
A finalidade de um edifício é o seu verdadeiro significado. Os
edifícios de todas as épocas atenderam propósitos, e alguns bas-
tante concretos. Estes propósitos eram, contudo, diferentes no
tipo e no caráter. A finalidade do edifício sempre foi decisiva (e o
caracterizava). Determinava sua forma sagrada ou profana.
Nossa histórica educação não tem clareado nossa visão des-
tas coisas, por isso sempre confundimos efeito e causa. Isto con-
tribui para a crença de que os edifícios existem para o bem da
arquitetura. Até mesmo a linguagem ritual dos templos e catedrais
é o resultado de um propósito. Este é a regra e não a exceção. A
cada época, o propósito da edificação modifica sua linguagem,
assim como seus meios, seu material e sua técnica.
As pessoas que têm apreço pelo essencial (e cuja profissão é
ocupar-se com antigüidades) sempre tentam ressaltar os resulta-
dos de épocas passadas como paradigmas para o nosso tempo e
recomendam velhos métodos de trabalho como meio para o su-
cesso artístico. Ambos são equívocos; não podemos nos valer de
nenhum deles. Não precisamos de paradigmas. Aqueles sugesti-
vos métodos artesanais, nos nossos dias, provam que eles sequer
têm noção das inter-relações do novo tempo. O próprio artesanato
não é mais que um método de trabalho e uma forma de economia.
(E aqui, de novo, são os historiadores quem recomendam
uma forma antiquada, outra vez o mesmo erro. Aqui, também, eles
confundem forma com essência). Acredita-se sempre que o arte-
sanato é melhor e atribui-se a ele um valor ético inato. Não sendo
nunca o método de trabalho que tem tal valor e sim o próprio
trabalho.

80
A palavra arquitetônica

Como nasci numa velha família de canteiros, estou acostu-


mado a trabalhos artesanais, e não só como observador da estéti-
ca. Minha receptividade à beleza do trabalho manual não me impe-
de de reconhecer que o artesanato como forma de produção da
economia está morto. São raros os verdadeiros artesãos ainda
vivos na Alemanha, seu trabalho pode ser adquirido somente por
pessoas muito ricas. O que realmente importa é algo totalmente
distinto. Nossas necessidades têm assumido tamanhas proporções
que não podem mais ser atendidas com meios artesanais. Isto cla-
ma o fim dos trabalhos manuais: não podemos mais salvá-los, mas
podemos aperfeiçoar os métodos industriais até o ponto em que
obtenhamos resultados comparáveis ao artesanato medieval. Quem
quer que tenha a coragem de afirmar que ainda podemos sobrevi-
ver sem a indústria deve prová-lo. A necessidade de apenas uma
única máquina abole o artesanato como um sistema econômico.
Tenhamos em mente que todas aquelas teorias sobre o arte-
sanato foram formuladas por estetas sob o clarão da luz elétrica.
Eles começam sua campanha com papel que foi produzido por
máquinas, impresso por máquinas e encadernado por elas. Se al-
guém dedicasse somente um porcento a mais de cuidado para
melhorar a má encadernação do livro, (faria um grande serviço à
humanidade) reconheceria por este exemplo a imensidão de possi-
bilidades que os métodos de produção industrial oferecem. Trazer
isto à tona é nossa tarefa. Como estamos apenas na fase inicial do
desenvolvimento industrial, não podemos comparar imperfeições
e hesitações iniciais com uma cultura do artesanato altamente
amadurecida.
Esta eterna preocupação com o passado é nossa ruína. Ela
nos impede de cumprir a tarefa à mão da qual só pode surgir uma
arquitetura suprema. Velhos conteúdos e formas, velhos meios e
métodos de trabalho têm, para nós, somente valor histórico. A
vida nos enfrenta diariamente com novos desafios, e eles são mais
importantes que toda essa bobagem histórica. Demandam gente
criativa, gente que enxergue longe, que não tenha medo de resol-
ver cada tarefa sem preconceito de fio a pavio e que não pense
excessivamente nos resultados. O resultado é simplesmente um

81
Renato Leão Rego

subproduto. Toda tarefa representa um novo desafio e leva a no-


vos resultados. Nós não resolvemos problemas de forma mas pro-
blemas de construção, a forma não é a meta e sim o resultado de
nosso trabalho. Esta é a essência de nossa dedicação – e este pon-
to de vista ainda nos isola de muitos. Até da maioria dos mestres
da arquitetura moderna. Mas nos une com todas as disciplinas da
vida moderna.
Muito do conceito da edificação não está, para nós, preso às
velhas formas e conteúdos, como também não está conectado a
materiais específicos. Estamos muito familiarizados com o charme
das pedras e dos tijolos, mas isto não nos impede de usar, hoje,
vidro e concreto, metal e vidro, considerando-os como materiais
totalmente equivalentes. Em muitos casos, estes materiais
correspondem melhor aos propósitos hodiernos.
(O aço se aplica hoje em arranha-céus como esqueleto estru-
tural, e o concreto armado provou ser, em muitos casos, um exce-
lente material de construção. Se já se constrói um edifício com
aço, é difícil entender porque se deveria então fechá-lo com pare-
des maciças de pedra e dar-lhe a aparência de uma torre. Até mes-
mo do ponto de vista da segurança contra incêndio isto não se
justifica. É um absurdo parecido com revestir uma estrutura de
concreto armado com uma manta. Em ambos casos, mais idéias
ao invés de mais materiais atingiriam a meta.)
Os propósitos de nossas obras são, na maioria, muito sim-
ples e claros. Basta reconhecê-los e formulá-los, então eles con-
duzirão a significativas soluções arquitetônicas. Arranha-céus, edi-
fícios de escritórios e estruturas comerciais praticamente exigem
soluções compreensivas, claras, e estas só podem ser invalidadas
se repetidamente tentamos adaptar estes edifícios a atitudes e for-
mas antiquadas.
O mesmo se aplica ao edifício residencial. Aí, também, cer-
tos conceitos de casa e cômodos levam a resultados impossíveis.
Ao invés de simplesmente desenvolver uma residência que satisfa-
ça seu objetivo - a saber: organizar a moradia - alguns a tomam
como um objeto que demonstra ao mundo até onde chegou seu
proprietário no reino da estética.

82
A palavra arquitetônica

Uma residência deve servir somente à moradia. O lugar, a


insolação, o programa dos cômodos e os materiais de construção
são fatores essenciais para o projeto de uma casa. A edificação
deve ser formada de acordo com estas condições. As velhas ima-
gens-comuns devem desaparecer e no seu lugar surgirão residên-
cias que são funcionais em todos os aspectos. O mundo não se
tornou mais pobre quando a carruagem foi substituída pelo auto-
móvel.

83
Mies van der Rohe

1
OS NOVOS TEMPOS

Os novos tempos são um fato: existem, quer digamos sim


ou não a eles. Mas, não são nem piores nem melhores que outros
tempos. São um simples dado e, em si mesmo, indistinto. Por isso
não me demorarei em descrever os novos tempos e apontar suas
relações e esclarecer sua estrutura básica. Igualmente, não quere-
mos superestimar a mecanização, a padronização e a
estandardização. Até mesmo as novas condições sócio-econômi-
cas, nós as tomaremos como fato.
Todas estas coisas seguem seu caminho cego, fatal. O que é
decisivo é somente o modo como nos posicionaremos diante des-
tes dados. É aqui que começam os problemas do espírito.
O que importa não é “o que” mas somente o “como”. O que
produzimos e os meios pelos quais o fazemos, espiritualmente,
não nos dizem nada. Se construímos em pavimentos ou térreo, em
aço ou em vidro, isto não é uma questão de valor espiritual. Apon-
tar a centralização ou a descentralização no planejamento urbano é
uma questão prática, não de valores. E o que é decisivo é exata-
mente esta questão de valores.
Devemos estabelecer novos valores e apontar metas básicas
a fim de obter novos critérios. Pois o significado e a justificativa
de cada época, inclusive os novos tempos, consiste em estabele-
cer condições para que o espírito possa existir.

1
. Publicado em Die Form” , 5, no 15, 1930

84
Mies van der Rohe

ESTAMOS NO PONTO CRÍTICO DOS


TEMPOS: A ARTE DE CONSTRUIR COMO
1
A EXPRESSÃO DE DECISÕES ESPIRITUAIS

A arte de construir não é o objeto de uma especulação inte-


ligente, na verdade, somente é entendida como um processo vital,
uma expressão da habilidade do homem ao posicionar-se e ao do-
minar seu entorno. Um conhecimento da época, suas incumbênci-
as e seus meios são pré-requisitos necessários para o trabalho do
arquiteto, a arte de construir é sempre a expressão espacial de
decisões espirituais.
O tráfego cresce. O mundo encolhe mais e mais, mais e mais
chega aos mais remotos ermos. Consciência do mundo e consci-
ência da humanidade são os resultados.
A economia começa a ditar as regras, tudo está a seu serviço.
O aproveitamento torna-se lei. A tecnologia traz com ela atitudes
econômicas, transforma matéria em força, quantidade em qualida-
de. A tecnologia pressupõe o conhecimento das leis naturais e tra-
balha com suas forças. O uso mais efetivo da força é introduzido
deliberadamente. Estamos no ponto crítico dos tempos.

1
. Publicado em Innendekoration”, 39, no 6, 1928

86
Frank Lloyd Wright

ARQUITETURA E NATUREZA

Minha receita para uma casa moderna: primeiro, um bom


lugar. Escolha aquele no ponto mais difícil – escolha o lugar que
ninguém quer – mas, escolha um que tenha características que o
distinga: árvores, individualidade, uma imperfeição de qualquer tipo
aos olhos do empreendedor. Tudo isto quer dizer distanciar-se da
cidade. Então, parado num ponto deste lugar, contemple o entorno
até descobrir o que é charmoso. Qual é a razão para você querer
construir aí? Descubra. Construa, então, sua casa de modo que
você ainda possa ver, desde aquele ponto, tudo aquilo que lhe pa-
recera charmoso, e muito mais, sem perder nada daquilo que você
vira antes da casa construída. Se a arquitetura é correta, a associ-
ação arquitetônica acentua o caráter da paisagem.1
Primeiro, um estudo da natureza dos materiais que você es-
colheu usar e das ferramentas que você empregará, buscando des-
cobrir, em ambos, as qualidades características que satisfaçam
seu propósito. Segundo, com o ideal de uma arquitetura orgânica
como guia, reuna estas qualidades para atender seu propósito de
modo que a imagem daquilo que você criar tenha integridade ou se
adeqüe naturalmente, ignorando noções preconcebidas de estilos.
O estilo é um subproduto do processo e resulta do homem ou da
mente em atividade. O estilo da coisa, portanto, será o homem – é
dele. Deixe sua forma em paz.2
Em todo caso, o que é arquitetura? É a vasta coleção de
tantos edifícios que têm sido construídos para agradar o gosto

1
.Discurso `a Association of Federal Architects”, 1938.
2
. Publicado na Revista The Architectural Records”, maio, 1914.

88
A palavra arquitetônica

diferente de vários senhores da humanidade? Penso que não. Não,


eu acho que arquitetura é vida, ou, pelo menos, é a própria vida
tomando forma e, por isso, é o registro mais verdadeiro da vida
como ela foi no passado, como é hoje ou como será então. Assim,
penso ser a arquitetura um Grande Espírito. Não pode ser somente
algo que consista de edifícios construídos pelo homem na
terra...hoje na maioria simplesmente empilhados ou prestes a ser...A
arquitetura é aquele grande espírito criativo vivo que, de geração
em geração, age, persiste, cria, de acordo com a natureza do ho-
mem e suas circunstâncias, conforme mudem. Isto é arquitetura
de fato.3
Assim, fazer de uma residência uma completa obra de arte,
por si mesma expressiva e bela, intimamente ligada à vida moder-
na e apropriada para se viver nela, acomodando livre e agradavel-
mente as necessidades individuais dos residentes enquanto entida-
de harmoniosa, incorporando na cor, no padrão e na natureza as
demandas da utilidade e, ainda, uma expressão deles no seu aspec-
to – esta é a grande oportunidade americana na arquitetura. Autên-
ticos fundamentos para uma cultura autêntica. Uma vez fundada,
tornar-se-á uma nova tradição: um largo passo à frente daquela
moda imposta quando uma residência era um composto de ambi-
entes isolados: cômodos para conter meras agregações de mobília,
faltando conforto e utilidade. Uma entidade orgânica, este edifício
moderno, quando comparado à insensata e antiga agregação de
partes. Seguramente, temos aqui o mais alto ideal de unidade en-
quanto uma solução mais íntima para expressão de uma vida no
seu próprio entorno. Uma coisa ao invés de muitas; uma grande
coisa ao invés de uma coleção de coisas pequenas.4
Nenhum edifício verdadeiramente italiano parece incomo-
dado na Itália. Todos estão contentes com o ornamento e a cor
que naturalmente carregam. As pedras e as árvores naturais e as
encostas ajardinadas concordam com eles. Onde quer que os ci-

3
.Publicado em Wrigth, F. Ll. An Organic Architeture: The Architeture of
Democracy. Londres: London Humphries & Co. , 1939.
4
. Publicado em Wright, F. Ll. Ausgfuhrte Bauten und entwurrfe. Berlim:
Wasmuth, 1910.

89
Renato Leão Rego

prestes cresçam, lá, como o toque da mão de um mágico, tudo se


resolve numa composição harmoniosa e completa.

O segredo deste charme inefável seria procurado em vão no


ar rarefeito da escolástica ou nos ateliês de qualquer das pedantes
belas-artes. Faz parte da própria terra, como um punhado úmido e
doce dela. Tão simples que, para as cabeças modernas, treinadas
na ginástica intelectual do gosto “cultivado”, pareceria de pouca
importância. Tão perto do coração está que é quase universalmen-
te ignorado, sobretudo pelos estudiosos.
Quando pegamos a estrada, nos atraem flores de uma cor
viva incomum ou de uma aparência charmosa. Tomados por elas,
aceitamos generosamente sua graça perfeita. Mas, procurando o
segredo deste charme inefável, descobrimos que as flores, cujo
apelo mais óbvio chamou primeiro nossa atenção, são nativas, in-
timamente ligadas à textura e ao tipo da folhagem que há sob ela.
Descobrimos a conformidade entre a forma daquelas flores e o
sistema no qual as folhas estão dispostas no galho. Daí somos
levados a perceber uma maneira característica de crescimento e a
descobrir um tipo resultante de estrutura que primeiro tomou for-
ma nas raízes escondidas na terra cálida, sempre úmida pela co-
bertura de humo. A estrutura – como agora podemos observar –
estende-se do geral ao particular, chegando assim às flores, que
nos atraem, revelando, em suas linhas e forma, a natureza da es-
trutura que as sustenta. Temos aí algo orgânico. Lei e ordem são o
princípio da graça e da beleza completas. A beleza é a expressão de
condições fundamentais na linha, na forma e na cor, fiéis àquelas
condições e parecendo existir para completá-las de acordo com
algum desenho original inspirado. 5

5
. Publicado em Wright, F. Ll. Ausgfuhrte Bauten und entwurrfe. Berlim:
Wasmuth, 1910.

90
Frank Lloyd Wright

1
A DESTRUIÇÃO DA CAIXA

A cho que, conscientemente, comecei a tentar destruir a


caixa pela primeira vez em 1906 – no projeto do Edifício Larkin.
Encontrei a abertura natural que procurava quando (depois de uma
grande briga) finalmente empurrei as torres das escadas para além
dos cantos do edifício principal, transformando-as em elementos
individuais, auto-portantes. Aí a coisa começou a acontecer, como
você pode perceber.
Havia sentido esta necessidade de elementos bem cedo na
minha carreira. Você verá esta sensação crescendo, tornando-se
mais aparente um pouco mais tarde na Igreja Unitária: talvez, seja
lá onde você encontrará a primeira expressão verdadeira da idéia
de que o espaço interno é a realidade do edifício. Na Igreja Unitária
é onde eu penso tê-la alcançado, esta idéia de que a realidade de
um edifício não se reduzia mais a paredes e cobertura. Aflorou
então este senso de liberdade, que se tornou, para vocês, a arqui-
tetura de hoje, a qual chamamos de arquitetura orgânica.
Você pode ver lá, na Igreja Unitária, como lidei, naquele tem-
po, com este grande problema arquitetônico. Você perceberá o
sentido do salão se construindo – um espaço não enclausurado,
mas mais ou menos livre para se revelar. Na Igreja Unitária, você
notará as paredes, de fato, desaparecendo, o espaço interior abrin-
do-se ao exterior, o exterior penetrando. Vai ver reunidos em torno
deste interior, emoldurando-o, vários elementos livres relaciona-
dos ao invés de paredes que o encerram. Veja, você agora pode

1
. Publicado em The Junior Chapter of American Institut of Architects”,
1952.

92
A palavra arquitetônica

propor elementos de vários tipos para delimitar o ambiente e agrupá-


los em torno do espaço interior sem aquela sensação de encaixotá-
lo. Mas, o mais importante é, acima de tudo, a sensação de abrigo
estendido, expandido, que dá o indispensável sentido de proteção
ao mesmo tempo em que libera a visão do homem para além das
paredes. Este sentido primitivo de abrigo é o que uma arquitetura
de qualidade sempre deve ter. Se, em um edifício, você denota não
só proteção de cima, mas também liberação do interior em direção
ao exterior (o que se sente na Igreja Unitária e em outros edifícios
que construí), então você possui o segredo importante de deixar o
espaço interior manifestar-se.
Agora devo tentar mostrar a você por que a arquitetura orgâ-
nica é a arquitetura da liberdade democrática. Por quê? Bem...
Aqui, suponhamos, está sua caixa: uma grande abertura nela,
ou aberturas pequenas se você preferir, claro.
O que você tem aí agora é um contêiner quadrado. Certo?
Alguma coisa não se ajusta à nossa profissão liberal de caráter
democrático, uma coisa essencialmente anti-individual. Aí você
pode notar (mais ou menos) o que faz o aluno de arquitetura de
quase todas as nossas escolas.
Nunca quis ser um engenheiro. Infelizmente, fui educado
como um deles na Universidade de Wiscosin. Mas, sei o suficiente
de engenharia para saber que nos ângulos externos de uma caixa
não é onde estaria o apoio mais econômico, se você fizesse dela
um edifício. Não, a uma certa distância de cada canto em todos os
lados é onde, invariavelmente, se encontrariam os pontos de apoio
mais econômicos. Concorda?
Agora, quando você lança apoios nestes pontos você cria um
pequeno balanço nas extremidades que encurta a distância entre
pilares e deixa a esquina livre ou aberta na medida que você esco-
lher. Os cantos todos desaparecem se você preferir por aí deixar
entrar ou sair espaço. Ao invés de construção de pilares e vigas, a
tradicional caixa edifício, você agora tem um novo sentido da cons-
trução de edifícios através do balanço e da continuidade. Ambos
são novos elementos estruturais, uma vez que agora fazem parte

93
Renato Leão Rego

da arquitetura. Mas, em todo o mundo, tudo o que se vê hoje desta


liberação radical do espaço é a janela de canto. Nesta pequena alte-
ração do pensamento, porém, reside a essência da mudança
arquitetônica da caixa para o plano livre e a nova realidade que é o
espaço ao invés da matéria.
Deste ponto em diante podemos falar, então, de arquitetura
orgânica, ao invés de arquitetura clássica. Vamos lá. Estas paredes
laterais deslocadas tornam-se algo independente, não mais paredes
que encerram o ambiente. São planos de apoio separados, alguns
do quais podendo ser encurtados, estendidos ou perfurados, ou
ocasionalmente eliminados. Estes planos auto-portantes sustentam
a cobertura. E a cobertura? Elevada, ela fica realçada como uma
esplêndida sensação de abrigo, mas um abrigo que não esconde
nada quando, desde dentro, se olha para fora. É uma forma de
abrigo que realmente causa a sensação do exterior entrando ou do
interior estendendo-se para fora. Sim, você tem agora uma ampli-
tude que é realmente a liberação deste espaço interior ao exterior:
liberdade onde antes existia aprisionamento.
Você pode aperfeiçoar a imagem da liberdade com aqueles
quatro planos; de qualquer modo, a circunscrição da caixa mor-
reu. Algo se transforma, e algo na natureza da planta ou dos mate-
riais aparece naturalmente como possibilidade. Vou adiante: se esta
liberação funciona no plano horizontal, por que não funcionaria no
plano vertical? Ninguém nunca olhou para o céu lá em cima atra-
vés do ângulo superior da caixa, olhou? Por que não? Porque a
caixa sempre tinha uma cornija no topo. Era adicionada aos lados
para que a caixa não parecesse tanto uma caixa, e sim, mais clás-
sica. Esta cornija era o elemento que fazia da sua caixa convenci-
onal, clássica.
Agora – para seguir adiante – no Edifício Johnson, você não
tem nenhuma sensação de encerramento em qualquer dos ângu-
los, superiores ou laterais. Você está vendo o céu e sentindo a
liberdade do espaço. As colunas são projetadas para ficar em pé e
sustentar o teto, a coluna é feito uma parte do teto: continuidade.
A velha idéia de um edifício, como você vê, já se foi. Tudo
antes destes pensamentos libertadores de balanço e continuidade

94
A palavra arquitetônica

tiveram efeito, era a construção pilar e viga: superimposição de


uma coisa sobre a outra e repetição de laje sobre laje, sempre so-
bre pilares. E agora? Estabeleceu-se um uso natural do vidro con-
soante com esta nova liberdade espacial. O espaço agora pode
entrar ou sair de onde há vida, espaço como um componente dela.
Por isso a arquitetura orgânica é a arquitetura na qual você sente e
vê tudo isto acontecer como uma terceira dimensão. Muito chato
que os gregos não saibam deste novo uso do aço e do vidro como
uma terceira dimensão. Se tivessem conhecido o que eu estou
tentando descrever aqui, você não teria de pensar muito sobre isto
hoje, as escolas há muito teriam ensinado estes princípios a você.
Seja como for, este senso de espaço (espaço vivo pela tercei-
ra dimensão), não é aquele senso, ou sensação de arquitetura, de
que falara, um implemento para caracterizar a liberdade do indiví-
duo? Penso que sim. Se você recusa este sentido liberado da cons-
trução você não está jogando fora aquilo que é mais caro à nossa
vida humana e mais promissor como um novo campo para a ver-
dadeira expressão artística criativa em arquitetura? Haverá algo
mais? Por tudo isto, e mais, é que eu tenho brigado, a vida toda,
pelo fim da cavilosa velha caixa. Tenho tido um tempo tão curio-
so, controverso, interessante, nesta batalha que eu mesmo me tor-
nei controverso. A suspeita está sempre pronta.
Agora, voltando às minhas próprias experiências: depois do
edifício do Templo Unitário, como disse, eu pensava ter algo gran-
dioso nas mãos. Estava me sentindo, imagino eu, como um profe-
ta devesse se sentir. Pensava freqüentemente: bem, ao menos aqui
está o nascimento genuíno de um pensamento, de um sentimento
e de uma oportunidade nesta era da máquina. Este é o meio moder-
no. Eu o realizei! Naturalmente, lembro-me bem, tornei-me cada
vez menos tolerante e, suponho, intolerável. Arrogante, acredito,
seria a palavra certa. Eu a escutei muito.
Bem, sempre acontece alguma coisa quando você é despro-
porcionadamente arrogante.
Certo dia fui para o meu estúdio em Taliesin para descansar.
Apanhei um pequeno livro que eu acabara de receber do embaixa-
dor japonês nos Estados Unidos. Chamava-se O livro do Chá,

95
Renato Leão Rego

escrito por Okakura Kakuzo. Me pergunto quantos de vocês o


leram. Bem, naquele livrinho eu encontrei citações do grande poe-
ta-profeta Laotze, coisas que ele disse quinhentos anos antes de
Cristo. Ao virar as páginas, de repente dei de topo com isto: “A
realidade da edificação não consiste nas quatro paredes e o teto, e
sim no espaço entremeio onde se vive.” Curioso! Jamais o havia
visto antes. Mal podia acreditar no que lia e o reli inúmeras vezes.
Bem...bem...por um ou dois dias andei desiludido comigo
mesmo: sentia alguma coisa parecida a uma vela sendo arriada.
Até que, me sentindo bem, recomecei a raciocinar.
Pensei...ora...espere aí: Laotze o disse. Sim. Mas, eu o construi.
Aí me reergui e tenho passado bem desde então, arrogância intocada
- obrigado.

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