Dworkin - Teoria Interpretativa
Dworkin - Teoria Interpretativa
Dworkin - Teoria Interpretativa
RESUMO:
ABSTRACT:
This article aims to analyze the interpretative process of the author Ronald Dworkin, in order
to clarify his proposal for a method of legal interpretation that may offer a fair and legitimate
use of the Law and the community values in a judicial decision. Dworkin offers a theory of
constructive interpretation that uses Law as integrity for a better justification and
legitimation of the judicial activity, where the role of the judge is more than a simple
Law applicator. The method used to conduct this study was inductive, through literature
review of the works of Dworkin, as well as study of the papers written by the critics
of Dworkin's theory.
1 INTRODUO
O presente artigo tem como objeto a anlise do pensamento do autor norte americano
Ronald Dworkin para determinar como esse autor concebe o processo interpretativo do direito
e sua aplicao nas decises judiciais, de maneira que o sistema judicirio possa oferecer uma
resposta justa e legtima s lides, utilizando em sua melhor luz as leis e os princpios que
permeiam uma comunidade de direito.
1
2 CRTICA AO POSITIVISMO
O positivismo, buscando uma teoria que possa dar conta da noo de direito e
obrigao jurdica, se apia numa teoria geral que tem em seu esqueleto os seguintes dogmas
centrais e organizadores que Dworkin dispe da seguinte maneira: (DWORKIN, 2002, p. 2728)
a) O direito consiste em um conjunto de regras especiais de que faz uso a comunidade,
de forma direta ou indireta, para determinar padres de conduta e parmetros para punio de
determinados comportamentos. Essas regras podem ser identificadas e distinguidas com o
auxlio de critrios especficos, de um teste de pedigree que as diferencia das regras esprias;
b) Este conjunto de regras exaustivo, os casos em que no forem claramente cobertos
por uma regra de direito vigente, o julgador, atravs de seu discernimento pessoal, cria uma
nova regra ou suplementa uma j existente;
c) A obrigao jurdica consiste na contraprestao de fazer ou no fazer algo, de
acordo com o disposto na regra jurdica vigente, cujo descumprimento importa no dever
pblico de punio e reprimenda.
Este apenas o esqueleto do positivismo. A carne distribuda diferentemente por
diferentes positivistas e alguns chegam mesmo a rearranjar os ossos. As diferentes
verses diferem sobretudo na sua descrio do teste fundamental de pedigree que
uma regra deve satisfazer para ser considerada uma regra jurdica. (DWORKIN,
2002, p. 29)
teoricamente sobre o que direito, esto na verdade divergindo sobre aquilo que o direito
deveria ser, uma divergncia sobre a natureza do direito uma divergncia emprica, sobre a
histria das instituies jurdicas. Portanto, as divergncias existentes entre as teorias
semnticas do Direito (as teorias positivistas) referem-se to somente sobre quais critrios
advogados e juzes de fato compartilham e sobre os fundamentos que esses critrios na
verdade estipulam.
Mas para Dworkin, os processos judiciais sempre suscitam questes de fato, de direito
e as questes interligadas de moralidade, poltica e fidelidade (DWORKIN, 2003, p. 5). A
primeira questo bastante direta, se os juzes divergem quanto aos fatos concretos, sabemos
do que esto divergindo e que uma evidncia decidiria a questo. A terceira questo comum
e trata dos conceitos pessoais de certo e errado, o que no apresenta um grande problema.
Mas quanto segunda, a divergncia se torna mais complicada por dizer respeito quanto
definio de qual o direito aplicvel e o que ele estabelece.
Advogados e juzes parecem freqentemente divergir sobre questes de direito, sobre
a verdade de uma proposio jurdica e os fundamentos desse direito. Essa divergncia sobre
o que determinada lei realmente , sobre os fundamentos do direito, Dworkin nomeia de
divergncia terica do direito. (DWORKIN, 2003, p. 8)
A divergncia emprica sobre o direito quase nada tem de misteriosa. As pessoas
podem divergir a propsito de quais palavras esto nos cdigos da mesma maneira
que divergem sobre quaisquer outras questes de fato. Mas a divergncia terica no
direito, a divergncia quanto aos fundamentos do direito, mais problemtica. [...]
Advogados e juzes tm, de fato, divergncias tericas. Divergem, por exemplo,
sobre o que o direito realmente , sobre a questo da segregao racial ou dos
acidentes de trabalho, mesmo quando esto de acordo sobre as leis que foram
aplicadas, e sobre o que as autoridades pblicas disseram e pensaram no passado.
(DWORKIN, 2003, p. 8)
Para Dworkin, a maioria das teorias de direito recentes tm tentado dar uma soluo
ao problema dos desacordos tericos partindo da premissa de que juzes e advogados utilizam
fundamentalmente os mesmos critrios para decidir quando uma proposio jurdica
verdadeira ou falsa. Insistem que esses utilizam critrios lingsticos para avaliar as
proposies jurdicas e esto sempre de acordo quanto ao que o direito. (DWORKIN, 2003,
p. 40-41)
Dworkin chama esse argumento de aguilho semntico, que o defeito de se tentar
entender o direito apenas como uma questo de discordncia de conveno social, uma
imagem equivocada do que devem ser as divergncias. Suas vtimas pensam que apenas
podemos discutir sensatamente se seguirmos os mesmos critrios, mesmo que estes no sejam
5
Assim, Hart sustenta que, ao contrrio do que Dworkin pensa, alm de sua teoria no
ser meramente factual, posto que admite o ingresso de valores morais, sua teoria no tem
como cerne a justificao da coero. Hart afirma que no h nada em sua teoria que apie o
ponto de vista segundo o qual o direito consiste em justificar o uso da coero:
De fato, penso que totalmente despiciendo procurar qualquer finalidade mais
especfica que o direito, enquanto tal, sirva, para alm de fornecer orientaes
conduta humana e padres de crtica de tal conduta. (HART, 2005, p. 310)
Assim, Hart nega que sua teoria do Direito seja a teoria positivista meramente factual
apresentada por Dworkin em O Imprio do Direito, e conseqentemente nega a presena da
doutrina semntica em sua obra.
Mas Hart, ao sustentar que no se preocupa com a justificativa da coero, reafirma o
trao caracterstico positivista, que Dworkin gosta de nomear como direito como simples
questo de fato. Ainda, Dworkin atribui s teorias semnticas a preocupao em extrair
regras comuns de um criterioso estudo da atividade dos advogados e juzes, atividade esta
empreendida por Hart em suas obras.
Dworkin prope que o direito um conceito interpretativo e que os textos por si s
no possuem significados por si mesmos. necessrio um enfoque determinado, que os
positivistas no tm apreciado. O seu conceito interpretativo do direito a arma mais
poderosa de Dworkin no desafio ao positivismo (CALSAMIGLIA, 1992, p. 160), como
veremos a seguir.
3 ETAPAS INTERPRETATIVAS
O referido autor trata uma deciso judicial como uma pea de filosofia do direito
(DWORKIN, 2003, p. 113) onde o Juiz age interpretando todos os princpios morais e legais
de uma comunidade, trazendo-os para o caso concreto e fazendo a devida interpretao
construtiva, dando lei a melhor interpretao possvel dentro do caso concreto, sob o prisma
poltico da situao presente, aliado a uma crtica anlise dos precedentes.
Porm Vidal (1999b) faz a crtica de que Dworkin, ao sustentar que a interpretao
construtiva leva a uma nica e melhor interpretao da prtica social, no considera que o
Direito, como um fenmeno complexo, muitas vezes serve a vrios valores e, assim, no
apenas uma, mas vrias outras interpretaes que fariam prevalecer um certo valor frente a
outro poderiam ser admitidas. Assim no se poderia dizer que uma, e apenas uma dessas
interpretaes, seria a correta. (VIDAL, 1999b, p. 291)
Mas Dworkin afasta esta possibilidade, sustenta que sempre possvel encontrar uma
interpretao que seja a melhor, a nica resposta correta para o caso concreto. Mas para que
isso ocorra, necessrio que se recorra a juzos morais, que precisamente a atividade
realizada na etapa ps-interpretativa.
Deste modo, conforme Vidal:
O juiz dworkiniano deve se situar precisamente na etapa ps-interpretativa e sua
tarefa consiste em resolver os casos concretos atravs da elaborao da melhor teoria
que reconstrua todo o sistema jurdico. neste sentido em que pode dizer-se que
Dworkin adota uma viso holstica ou integradora a respeito do fenmeno jurdico. 5
(VIDAL, 1999a, p. 44, traduo nossa)
Ainda, a referida autora critica Dworkin no sentido de que apesar de este sustentar que
para chegar etapa ps-interpretativa necessria uma identificao, um consenso a respeito
da matria jurdica na etapa pr-interpretativa, Dworkin descuida desse aspecto fundamental
para a teoria do Direito: uma teoria das fontes do ordenamento jurdico. (VIDAL, 1999b, p.
331-332)
a partir dessas fontes que se reconstri toda a ordem jurdica, mas Dworkin parece
menosprezar a matria de critrios de identificao dos elementos jurdicos, embora estes
sejam essenciais para determinar quais so os padres que os juzes tm o dever de aplicar e
que, segundo sua prpria definio, conformam o contedo do direito. Alm disso, Dworkin
9
um ferrenho opositor regra de reconhecimento de Hart, mas no oferece nenhuma teoria das
fontes de direito que satisfaa essa matria.
Porm,
[...] a teoria de Dworkin acrescenta algo que no parece estar nas teorias como a de
Hart e que pode contribuir para a melhor compreenso do fenmeno jurdico: a idia
de coerncia, que o que permitir ver o Direito objetivo no como um mero
conjunto de normas, mas sim como um conjunto de normas orientadas, a dizer,
com certos objetivos. Este elemento parece inclusive necessrio para dar conta das
funes que o prprio Hart atribui ao Direito como guia de conduta de uma
determinada sociedade.6 (VIDAL, 1999b, p. 332, traduo nossa)
A referida autora defende que no mbito jurdico, as decises adotadas por qualquer
instncia devem apresentar-se como justificadas juridicamente e, para isso, exige que estejam
de acordo com o Direito como um todo unitrio (e no como um mero agregado de distintos
materiais jurdicos). Para tanto, em sua opinio, se exige levar a cabo o tipo de atividade
interpretativa construtiva de todos os materiais jurdicos, a qual Dworkin sustenta em sua
obra. (VIDAL, 1999a, p. 46) O modelo construtivo seria, segundo a autora, o candidato
plausvel para ser o critrio de xito de todas as formas de interpretao.
A chave para a compreenso da argumentao jurdica de Dworkin reside na sua
interpretao construtiva. Na opinio de Vera Karam de Chueiri:
A sofisticao de Dworkin est no fato de que a chave para a compreenso da sua
proposta de uma filosofia liberal do direito est na compreenso da argumentao
jurdica enquanto exerccio de interpretao construtiva, no qual o direito consiste na
melhor justificao das prticas jurdicas como um todo, na histria narrativa que
faz dessas prticas o melhor possvel. (CHUEIRI, 1995, p. 65)
Dworkin critica em
A atividade jurdica deve ser coerente, fiel a princpios como equidade, justia,
legalidade e integridade. sobre o princpio da integridade que repousa a filosofia de Ronald
Dworkin, que utiliza um modelo ideal de sociedade democrtica, que considera a comunidade
como um agente moral, a qual denomina comunidade de princpios. (DWORKIN, 2003, p.
254)
A respeito desse tema, Stephen Guest esclarece:
A comunidade propriamente dita aquela em que a associao fraternal fornece a
justificao para a obrigao poltica, enfatiza a preocupao pelo bem-estar e
eqidade. Dworkin chama tal comunidade de comunidade de princpios [...]. A
comunidade de princpio, diz ele, faz a responsabilidade de cidadania especial
porque cada cidado deve respeitar os princpios de imparcialidade e justia que
esto inseridos nos acordos polticos de uma comunidade em particular. A
comunidade de princpios, portanto, fornece a melhor defesa da legitimidade, bem
como, a defesa de nossa prpria cultura poltica. 7 (GUEST, 1997, p. 70, traduo
nossa)
Ainda,
Uma sociedade poltica que aceita a integridade como virtude poltica se transforma,
desse modo, em uma forma especial de comunidade, especial num sentido que
promove sua autoridade moral para assumir e mobilizar monoplio de fora
coercitiva. (DWORKIN, 2003, p. 228)
direito como integridade rejeita, por considerar intil, a questo de se os juzes descobrem ou
inventam o direito; sugere que s entendemos o raciocnio jurdico tendo em vista que os
juzes fazem as duas coisas e nenhuma delas. (DWORKIN, 2003, p. 271)
No direito como integridade as proposies jurdicas so verdadeiras se constam ou
derivam de princpios de justia, equidade e devido processo legal adjetivo, os quais oferecem
a melhor interpretao construtiva da prtica jurdica de uma comunidade. Os juzes so
instrudos a identificar direito e deveres legais, partindo do pressuposto de que foram criados
por um nico autor a comunidade personificada expressando uma concepo coerente de
justia e equidade. (DWORKIN, 2003, p. 272)
Mas o direito como integridade no apenas o produto da interpretao da prtica
jurdica, mas tambm sua fonte de inspirao, pede aos juzes que exeram uma atividade
contnua de interpretao do mesmo material que afirmam j terem interpretado com sucesso.
(DWORKIN, 2003, p. 273)
Essa caracterstica do direito como integridade expressa a dinamicidade da teoria de
direito dworkiniana, que conforme Chueiri:
Esse dinamismo faz com que o direito se recicle constantemente, revigorando sua
estrutura ante a atrofia ameaadora dos esqueletos esclerosados do positivismo e do
utilitarismo que lhe oferecem uma frgil, quase inepta sustentao. (CHUEIRI,
1995, p. 130)
Ainda conforme essa autora, o direito como integridade segue a lgica do pensamento
moderno, da qual a razo a fundadora e cujas unidades constitutivas funcionam,
harmonicamente, a interagir uma com a outra (CHEIRI, 1995, p. 131). Desta forma, esta
julga o direito como integridade como a melhor concepo do direito e, ao mesmo tempo,
como unidade constitutiva de um projeto de sociedade.
Dworkin pontua que a interpretao criativa busca sua estrutura formal na idia de
inteno, na medida em que pretende impor um propsito tradio que se est interpretando.
Pode o jurista afirmar [...] que o impacto da lei sobre o direito determinado pela
pergunta de qual a interpretao, entre as diferentes possibilidades admitidas pelo
significado abstrato do termo, promove melhor o conjunto de princpios e polticas
que oferecem a melhor justificativa poltica para a lei na poca em que foi votada.
(DWORKIN, 2005, p. 190)
O autor ento faz uma comparao do Direito com a atividade literria, argumentando
que em uma interpretao legal, os juzes agem como autores e crticos.
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Para que o romance em cadeia tenha coerncia, necessrio que haja respeito aos
captulos anteriores e uma devida justificao para a elaborao do captulo seguinte. No
significa propriamente que a histria deve seguir uma direo rgida iniciada pelo primeiro
romancista, isso seria contrariar o carter dinmico da interpretao construtiva, mas sim que
cada captulo escrito tenha coerncia com os anteriores e demonstre uma justificativa
plausvel para os novos rumos a serem tomados. O aplicador do direito deve estar sempre
disposto a abandonar solues jurdicas adotadas no passado para consagrar novas diretrizes
jurdicas. (ARAS, 2005, p. 581)
Traando um paralelo entre o romance em cadeia e a atividade jurisdicional, Dworkin
sustenta que:
O direito como integridade [...] pede ao juiz que se considere como um autor na
cadeia do direito consuetudinrio. Ele sabe que outros juzes decidiram casos que,
apesar de no exatamente iguais ao seu, tratam de problemas afins; deve considerar
as decises deles como parte de uma longa histria que ele tem de interpretar e
continuar, de acordo com suas opinies sobre o melhor andamento a ser dado
histria em questo. (Sem dvida, para ele a melhor histria ser a melhor do ponto
de vista da moral poltica, e no da esttica.) [...] O veredito do juiz - suas
concluses ps-interpretativas deve ser extrado de uma interpretao que ao
mesmo tempo se adapte aos fatos anteriores e os justifique, at onde isso seja
possvel. (DWORKIN, 2003, p. 286)
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Por tal razo sustenta que a parte clssica da filosofia moral e poltica deve fazer parte
da formao dos profissionais de direito, porque os Juzes carecem de informao, controle e
legitimidade para concretizar os direitos sociais, econmicos e financeiros. No bastam
apenas conhecimentos da tcnica jurdica, mas uma ampla capacidade de raciocnio filosfico
que muitos juristas insistem em ignorar.
perfeitamente compreensvel que os juristas temam a contaminao pela filosofia
moral, particularmente pelos filsofos que falam sobre direitos, porque as nuanas
fantasmagricas desse conceito assombram o cemitrio da razo. [...] No
necessrio que os juristas desempenhem um papel passivo no desenvolvimento de
uma teoria dos direitos morais contra o Estado, assim como no foram passivos no
desenvolvimento da sociologia e da economia jurdicas. Eles devem reconhecer que
o direito no mais independente da filosofia do que essas outras disciplinas.
(DWORKIN, 2002, p. 233-234)
Junto com esse juiz-filsofo, o leitor levado a acompanhar todo o paciente processo
de anlise de um caso e as possibilidades interpretativas que Hrcules considera. Dworkin
prope uma srie de questes e demonstra de forma didtica como Hrcules analisa e decide
as questes, usando os princpios, a lei e os fatos reunidos sob o prisma da integridade.
Hrcules interpreta no s o texto da lei, mas tambm sua vida, o processo que se
inicia antes que ela se transforme em lei e que se estende para muito alm desse
momento. Quer utilizar o melhor possvel esse desenvolvimento contnuo, e por isso
sua interpretao muda medida que a histria vai se transformando. (DWORKIN,
2003, p. 416)
Dworkin assinala, com o exemplo de Hrcules, que o juiz, ao decidir uma lide, deve
capturar a fora gravitacional dos precedentes que atuam nas decises judiciais, que
sustentada pelos argumentos de princpios. Ainda, que a deciso deve ser como uma teia
inconstil, ou seja, como uma trama que no apresenta emendas ou costuras, sem fendas e
sem interromper o fio argumentativo.
Hrcules concluir que sua doutrina da eqidade oferece a nica explicao
adequada da prtica do precedente em sua totalidade. Extrair algumas outras
concluses sobre suas prprias responsabilidades quando da deciso de casos
difceis. A mais importante delas determina que ele deve limitar a fora
gravitacional das decises anteriores extenso dos argumentos de princpio
necessrios para justificar tais decises. (DWORKIN, 2002, p. 177)
16
Hrcules adota o Direito como integridade, vez que est convencido de que este
oferece tanto uma melhor adequao quanto uma melhor justificativa da prtica jurdica como
um todo.
O autor em estudo alerta que as respostas s vrias questes que Hrcules lida em seus
exemplos no supem que estas definem o direito como integridade como uma concepo
geral do direito, so apenas as respostas que lhe parecem as melhores. O direito como
integridade consiste numa abordagem, em perguntas mais do que em respostas, e outros
julgadores poderiam dar respostas diferentes das de Hrcules s perguntas colocadas por essa
concepo do direito, mas rejeitar os pontos de vista distintos por consider-los pobres ou
insuficientes enquanto interpretaes construtivas da prtica jurdica no significa uma
rejeio ao direito como integridade, mas sim que o julgador ter-se- unido a sua causa.
(DWORKIN, 2003, p. 287)
O direito como integridade tem uma atitude mais complexa com relao aos ramos do
direito. Seu esprito geral os condena, pois o princpio adjucativo de integridade pede que os
juzes tornem a lei coerente como um todo, at onde lhes seja possvel faz-lo, e isso poderia
ser mais bem-sucedido se ignorassem os limites acadmicos e submetessem alguns segmentos
do direito a uma reforma radical, tornando-os mais compatveis em princpio com os outros.
Contudo, o direito como integridade interpretativo, e a compartimentalizao uma
caracterstica da prtica jurdica que nenhuma interpretao competente pode ignorar.
(DWORKIN, 2003, p. 301)
Hrcules responde a esses impulsos antagnicos procurando uma interpretao
construtiva da compartimentalizao, um juiz cuidadoso e criterioso, de forma metdica
seleciona diversas hipteses para corresponderem melhor interpretao dos casos
precedentes, partir de uma anlise completa e criteriosa da legislao, dos precedentes e da
histria institucional como um movimento constante, assim como a leitura feita pela prpria
sociedade dos princpios jurdicos que se aplicam situao e as suas convices sobre os
valores que circundam a situao, quando Hrcules fixa direitos jurdicos, j levou em
considerao as tradies morais da comunidade, pelo menos do modo como estas so
capturados no conjunto do registro institucional que sua funo interpretar. (DWORKIN,
2002, p. 196)
De acordo com Habermas:
O juiz Hrcules dispe de dois componentes de um saber ideal: ele conhece todos os
princpios e objetivos vlidos que so necessrios para a justificao; ao mesmo
tempo, ele tem uma viso completa sobre o tecido cerrado dos elementos do direito
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vigente que ele encontra diante de si, ligados atravs de fios argumentativos. Ambos
os componentes traam limites construo da teoria. O espao preenchido pela
sobre-humana capacidade argumentativa de Hrcules definido, de um lado, pela
possibilidade de variar a hierarquia dos princpios e objetivos e, de outro lado, pela
necessidade de classificar criticamente a massa do direito positivo e de corrigir
erros. (HABERMAS, 2003, p. 263)
Ao decidir um caso difcil, Hrcules sabe que os outros juzes decidiram casos que,
apesar de no guardarem as mesmas caractersticas, tratam de situaes afins. Deve, ento,
considerar as decises histricas como parte de uma longa histria que ele deve interpretar e
continuar, de acordo com suas opinies sobre o melhor andamento a ser dado trama em
questo.
Hrcules deve se posicionar, formar sua prpria opinio sobre o problema
apresentado, assim como um romancista em cadeia deve encontrar alguma maneira coerente
de ver um personagem e um tema, tal que um autor hipottico com o mesmo ponto de vista
pudesse ter escrito pelo menos a parte principal do romance at o momento em que lhe foi
entregue. (DWORKIN, 2003, p. 288)
Mas existe um limite para o uso das convices do juiz ao decidir um caso, conforme
demonstra Dworkin, Hrcules no deve, em momento algum, fazer nenhuma escolha entre
suas prprias convices polticas e aquelas que ele considera como as convices polticas
do conjunto da comunidade. Ao contrrio,
Sua teoria identifica uma concepo particular de moralidade comunitria como um
fator decisivo para os problemas jurdicos; essa concepo sustenta que a
moralidade comunitria a moralidade poltica que as leis e as instituies da
comunidade pressupem. Ele deve, por certo, basear-se em seu prprio juzo para
determinar que princpios de moralidade so estes, mas essa forma de apoio a
segunda daquelas que distinguimos, uma forma que inevitvel em algum nvel.
(DWORKIN, 2002, p. 197-198)
18
que formulou tal regra. A teoria da inteno legislativa exige que as leis devem ser
interpretadas no de acordo com o que os juzes acreditam que iria torn-las melhores mas de
acordo com o que pretendiam os legisladores que realmente a adotaram. (DWORKIN, 2003,
p. 278)
O autor admite que na prtica jurdica norte-americana os juzes freqentemente
recorrem s mltiplas declaraes feitas por membros do Congresso e outros legisladores nos
relatrios das comisses a respeito da finalidade de uma lei. Tais declaraes formam uma
histria legislativa a que os juzes devem respeitar. Tal teoria:
Supe que a legislao uma ocasio ou um exemplo de comunicao, e que os
juzes se voltam para a histria legislativa quando uma lei no clara, para descobrir
qual era o estado de esprito que os legisladores tentaram comunicar atravs de seus
votos. (DWORKIN, 2003, p. 379)
Dworkin apregoa que impossvel saber qual foi a inteno de um legislador ao votar
uma lei h trezentos anos, e, mesmo se houvesse a possibilidade de saber exatamente qual foi
a inteno deste legislador ao promulgar a lei, esta inteno seria incoerente com a situao
contempornea, e conseqentemente, com a interpretao construtiva da tese dworkiniana.
Hrcules [...] entende a idia do propsito ou da inteno de uma lei no como uma
combinao dos propsitos ou intenes de legisladores particulares, mas como o
resultado da integridade, de adotar uma atitude interpretativa com relao aos
eventos polticos que incluem a aprovao da lei. (DWORKIN, 2003, p. 380)
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suas decises, pois sempre aplicar os direitos previamente estabelecidos pela prpria
sociedade. (SOARES, 2006, p. 10-11)
Crticos acusam Dworkin de ser excessivamente abstrato na construo de seu modelo
terico, sustentando que um juiz de verdade tem muito menos tempo do que at um professor
de direito, para construir suas decises imitando Hrcules.
Estes crticos sustentam que as prerrogativas de tempo e pacincia ilimitados que
Hrcules possui so irreais, um juiz jamais disporia de tais vantagens. Alm disso, Dworkin
teria elevado a coerncia a uma exigncia infinita e a interpretao a uma temporalidade
impossvel que s pode ser cumprida pelas capacidades super-humanas de Hrcules.
Frank Michelman sugere que:
O que est faltando na concepo de direito de Ronald Dworkin como integridade
(jurdica) [...] dilogo. Hrcules, o juiz mtico de Dworkin, evita outras pessoas.
Ele tambm excessivamente herico. Suas construes narrativas so monlogos.
Ele no conversa com ningum, exceto atravs de livros. Ele no tem encontros. Ele
no se rene com ningum. Nada o estremece. Nenhum interlocutor viola o
isolamento inevitvel de sua experincia e perspectiva. Mas, depois de tudo,
Hrcules s um homem. Ele no toda a comunidade. Nenhum homem ou mulher
pode ser toda a comunidade. (MICHELMAN, 2006, p. 21)
como o que os demais juzes fariam se tivessem toda uma carreira a dedicar a uma nica
questo; precisam no de uma concepo do direito diferente da dele, mas de algo que ele
nunca precisou cultivar: eficincia e capacidade de administrar com prudncia. (DWORKIN,
2003, p. 316)
Stephen Guest argumenta que:
Hrcules um juiz ideal e ento intil supor que ele realmente existe. Este ponto
de vista to banal mas ainda surpreendente como isso criticado em Dworkin.
[...] A idia econmica de mercado perfeito semelhantemente um ideal. Ns
julgamos as imperfeies no mundo real pela referncia daquele ideal sem sentir a
necessidade de dizer que h mercados perfeitos no mundo real. Ento porque
deveramos nos sentir incomodados que uma pessoa como Hrcules no exista? 8
(GUEST, 1997, p. 39, traduo nossa)
Para este autor, a dificuldade que os leitores tm com Hrcules devida ao fato de que
o seu esquema de argumento legal bem mais complexo do que, por exemplo, o fornecido
pela regra de reconhecimento de Hart. Dworkin nem poderia fornecer um esquema de
premissas de interpretao dedutiva simplesmente porque ele no pensa o Direito desta forma.
Sua teoria critica esse ponto de vista formalista e positivista por ser, em sua opinio, simples
demais. (GUEST, 1997, p. 39)
5 CONSIDERAES FINAIS
somente como aplicador mas tambm como realizador de direitos, ocorre uma combinao de
tradies (direito romano germnico e common law).
Como citado anteriormente, esta combinao leva decises inovadoras, conquista
de direitos, mas tambm gera insegurana jurdica, o Poder Judicirio necessita de
legitimao nas decises tomadas. O processo interpretativo de Dworkin busca oferecer essa
legitimao, pois oferece uma interpretao crtica e (re)construtiva do direito.
O processo interpretativo de Dworkin passa pela fase de identificao do fato jurdico,
a adequao do fato s normas e princpios cabveis para a soluo da lide, e ento segue a
fase de justificao da deciso, a busca da melhor resposta ao caso apresentado. Dworkin
sustenta que um juiz tem o dever legal de analisar de modo mais abrangente as fontes de lei,
os princpios e a histria jurdica da comunidade, de maneira que torne a atividade judiciria
capaz de alcanar os casos mais difceis e oferea a melhor resposta lide apresentada.
inegvel que os valores e princpios so fundamentais na teoria de Dworkin. Este
defende que de crucial importncia que a atividade judiciria esteja norteada por princpios
como (e principalmente) a integridade, que vai possibilitar uma adequao esclarecedora das
prticas jurdicas de uma comunidade. Portanto as decises tomadas nas cortes como,
principalmente, o STF devem buscar a resposta mais coerente frente ao sistema de princpios
consitucional.
No que tange previsibilidade judicial, foi possvel, atravs de exemplos como o do
romance em cadeia, compreender a interpretao construtiva de Dworkin e a forma como este
preza pela coerncia nas decises judiciais, proporcionando medidas capazes de se atingir
uma adequao do Direito s transformaes sociais sem que, com isso, haja um sacrifcio
absoluto do valor de previsibilidade das decises judiciais.
Foi possvel compreender porque a deciso judicial to importante e como isso pode
influenciar no s sobre o direito das partes, mas em toda a histria legal da comunidade e na
formao de seu direito. Demonstra que o direito no uma prtica neutra e livre de valores,
mas uma atividade construtiva, dinmica, que no exclui os juzes do processo de criao do
direito, pois estes constroem o quadro jurdico de uma comunidade atravs da busca nos
princpios para a fundamentao das decises.
Avaliou-se como o autor compreende os limites postos pelo sistema jurdico ao uso de
juzos valorativos individuais do julgador, que em momento algum deve fazer uma escolha
entre suas prprias convices e aquelas que ele considera como as convices da
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REFERNCIAS
SGARBI, Adrian. Clssicos de Teoria do Direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
SOARES, Natlia Loureno. Uma relao entre o tipo ideal de legislao de jeremy
waldron e o juiz modelo Hrcules de Ronald Dworkin. In: XV Congresso Nacional do
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VIDAL, Isabel Lifante. La interpretacin jurdica en la teora del derecho
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VIDAL, Isabel Lifante. La teora de Ronald Dworkin: la reconstruccin del derecho a partir
de casos. Jueces para la democracia, Madrid, N 36, p. 41-46, 1999a.
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NOTAS
Importa citar que a respeito do termo teorias semnticas do direito, Isabel Lifante Vidal assim esclarece: Con
la expressin teoras semnticas, Dworkin se refiere a aquellas teoras segn las cuales el significado de la
palabra de Derecho viene dado por ciertas reglas de uso (semnticas) aceptadas por la comunidad lingstica,
de modo que los juristas seguiran principios lingsticos (aun de forma inconsciente) para juzgar las
proposiciones acerca del Derecho.
Abandonar las teoras semnticas y optar por una perspectiva de anlisis del Derecho diferente: una teora que
considere al Derecho como un concepto interpretativo.
De maneira que la presencia de este consenso se convierte para Dworkin prcticamente en un elemento
definitorio de las comunidades interpretativas.
Abandono, reforma o introduccin de algunas de las reglas identificadas en la primera etapa; esto coincide
precisamente con el requisito del segundo elemento de la actitud interpretativa.
El juez dworkiniano se debe situar precisamente en la etapa postinterpretativa y su tarea consiste en resolver los
casos concretos atravs de la elaboracin de la mejor teora que reconstruya todo el sistema jurdico. Es em
este sentido en el que puede decirse que Dworkin adopta una visin holstica o integradora respecto al
fenmeno jurdico.
La teora de Dworkin aade algo que no parece estar en teoras como la de Hart y que puede contribuir a la
mejor comprensin del fenmeno jurdico: la ideia de coherencia, que es lo que permitira ver al Derecho
objetivo no como un mero conjunto de normas, sino como un conjunto de normas orientado es decir, con
ciertos objetivos. Este elemento parece incluso necesario para dar cuenta de las funciones que el proprio Hart
atribuye al Derecho de gua de conducta de una determinada sociedad.
A proper community, one in which it is fraternal association that provides the justification for political
obligation, places weight on concern for well-being and equality. Dworkin calls such a community a
community of principle []. The community of principle, he says, makes the responsibilities of citizenship
special because each citizen must respect the principles of fairness and justice that are embedded in the
political arrangements in his particular community. The community of principle, therefore, provides a better
defense of political legitimacy as well as a defense of our own political culture.
Hercules is an ideal judge and so it is pointless to suppose that he really exists. This point is so banal but is
surprising how common it is to criticize Dworkin on this ground. [] The economists idea of the perfect
market is similarly such an ideal. We judge imperfections in the real world by reference to that ideal without
feeling that there is any need to say that there are perfects markets in the real world. So why should we be
bothered that no such person as Hercules exists?
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