Interesse Público - Um Conceito A Determinar
Interesse Público - Um Conceito A Determinar
Interesse Público - Um Conceito A Determinar
, Princípios de Direito Constitucional Geral, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1977, pg. 145.
* Professora titular de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da Universidade Católica de
Salvador. Coordenadora Adjunta do Curso de Especialização em Direito Administrativo, em nível de
pós-graduação lato sensu, da Fundação Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. Membro
do Conselho Superior do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo.
2 Direito. Conceitos e Normas Jurídicas. São Paulo. Editora RT, 1988, pg. 72.
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estritamente situado no campo da discricionariedade administrativa. Tal concepção
traz, como inevitável corolário, a conclusão de que, tratando-se de matéria eminen-
temente discricionária, a aplicação pela Administração de conceitos indeterminados,
sobretudo o de interesse público, estaria totalmente subtraída à apreciação do Poder
Judiciário, porquanto estaríamos em face de noções ligadas à conveniência e opor-
tunidade das decisões, ao seu mérito, pois.
A moderna doutrina vem dedicando particular atenção ao reexame de tal colo-
cação, que, praticamente, resguardaria a Administração Pública de quaisquer freios.
Busca-se, a todo custo, a exata definição do que seja conceito jurídico indeterminado,
para determinar o seu preciso alcance e a sua controlabilidade.
Nesse sentido, são preciosas as lições de GARCIA DE ENTERRÍA:
"A discricionariedade é essencialmente uma liberdade de eleição entre alter-
nativas igualmente justas, ou, se se prefere, entre indiferentes jurídicos, porque a
decisão se fundamenta em critérios jurídicos (de oportunidade, econômicos etc.),
não incluídos na lei e remetidos ao julgamento subjetivo da Administração. Pelo
contrário, a aplicação de conceitos jurídicos indeterminados é um caso de aplicação
da lei, já que se trata de subsumir em uma categoria legal (configurada, não obstante
sua imprecisão de limites, com a intenção de demarcar uma hipótese concreta) umas
circunstâncias reais determinadas; justamente por isso é um processo regulado, que
se esgota no processo intelectivo de compreensão de uma realidade, no sentido que
o conceito legal indeterminado tem pretendido; processo no qual não interfere
nenhuma decisão de vontade do aplicador, como é próprio ,le iiuem exerce uma
potestade discricional.
As conseqüências desse contraste são capitais. Sendo a aplicação de conceitos
jurídicos indeterminados um caso de aplicação e interpretação da lei que criou o
conceito, o juiz pode fiscalizar sem esforço algum tal aplicação, avaliando se a
solução a que com ela tem-se chegado é a única solução justa que a lei permite.
Esta avaliação parte de uma situação de fato determinada - a que a prova lhe
oferece -, porém sua apreciação jurídica éfeita desde o conceito legal e é, portanto,
uma aplicação da lei. Entretanto, o juiz não pode fiscalizar a entranha da decisão
discricional, já que, seja esta do sentido que for, caso se tenha produzido dentro
dos limites da remissão legal à apreciação administrativa (e com respeito aos demais
limites gerais que veremos, é necessariamente justa (como o seria igualmente a
solução contrária) ...................................................................................................... .
Assim, conceitos como urgência, ordem pública, justo preço, calamidade pú-
blica, medidas adequadas ou proporcionais, inclusive necessidade pública, utilidade
pública e até interesse público, não permitem em sua aplicação uma pluralidade de
soluções justas, senão uma só solução em cada caso."3
Essa preocupação teórica, a respeito da interpretação, aplicação e preenchimento
dos conceitos jurídicos indeterminados, é tanto mais procedente, quando, como alerta
AGUSTIN GORDILLO, "a grande questão do direito contemporâneo é a de como
3 Curso de Direito Administrativo, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1990, pgs. 394 e 395.
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controlar uma administração pública que, por seu natural crescimento, tem incre-
mentado consideravelmente, de fato, as possibilidades de abuso e excesso" .
Cresce de ponto, entre nós, tal espécie de preocupação, na medida em que temos
um ordenamento jurídico que consagra, em patamar constitucional, a universalidade
e a inafastabilidade do controle jurisdicional sobre as lesões e até simples ameaças
aos direitos dos cidadãos (art. 52, inc. XXV - CF).
A Constituição-Cidadã, abrigada nos postulados do Estado Democrático de
Direito, assegura, ainda, o controle participativo dos cidadãos, a provocar, por sua
vez, o reexame da aplicação de tais conceitos, perante os três poderes estatais e por
diversas formas, sobretudo, precisamente, quanto à definição do interesse público.
Pois, força é convir, ao exame dos alentados tratados doutrinários que se de-
bruçam sobre o fascinante e controvertido tema: entre os conceitos jurídicos inde-
terminados invocáveis no direito público, é o interesse público o de mais difícil
determinação.
4 Le Droit Administratif - Essai de réflexion théorique, Paris, LGDJ, 1978, pg. 99, nota 27.
5 "O interesse público não é, por essência, distinto do interesse de pessoas e grupos; é uma arbitragem
entre os diversos interesses particulares" (apud DEMICHEL, ob. cit., pg. 102, nota 3).
6 "O interesse geral não é, portanto, o interesse da comunidade considerada como uma entidade distinta
daqueles que a compõem e a eles superior; é, mais simplesmente, um conjunto de necessidades humanas
- aquelas às quais o exercício das liberdades não provê de maneira adequada, e cuja satisfação, entretanto,
condiciona o cumprimento dos destinos individuais" (apud DEMICHEL, ob. cit., pg. 102, nota 32).
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facilmente aquilo que se deve? Se assim é, esforcemo-nos por delinear em esboço
o que seja ele, e de qual, dentre as ciências ou faculdades, seja objeto. Ninguém
duvidará de que o seu estudo pertença à ciência principal e mestra de todas as
outras. Tal é, vê-se claramente, a ciência política. Pois que esta dispõe, na cidade,
as ciências de que necessitais, e quais cada um as deve aprender e até que ponto.
Vemos que também as faculdades tidas em maior apreço, como a arte militar, a
economia, a oratória, lhe estão sujeitas. E, valendo-se ela de todas as demais
ciências práticas, e, além disso, estabelecendo por lei que coisa se deve fazer e de
que coisas se abster, pode dizer-se que o seu fim abrange os fins de todas as outras.
Donde ser o bem humano o seu fim. E, embora sendo idêntico o bem do indivíduo
e o da cidade, todavia obter e conservar o bem da cidade é coisa maior e mais
perfeita. Em verdade: o bem é digno de ser amado também por um único indivíduo;
porém, é mais belo e mais divino quando referente a povos e cidades" .7
"Evidentemente, o Estado está na ordem da natureza e antes do indivíduo;
porque, se cada indivíduo isolado não se basta a si mesmo, assim também se dará
com as partes em relação ao todo. Ora, aquele que não pode viver em sociedade,
ou que de nada precisa por bastar-se a si próprio, não faz parte do Estado: é um
bruto ou um deus." 8
7 A Ética, Rio, Tecnoprint, trad. de CASSIO M. FONSECA, pgs. 22-23 - 2 a 9 são nossos os destaques.
8 A Política - Rio, Tecnoprint, trad. de NESTOR SILVEIRA CHAVES, pg. 19 - I, § 11.
9 EI lnterés Público como Fundamento dei Derecho Administrativo - Buenos Aires, DEPALMA,
1989, pgs. 236 e seguintes.
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1. O interesse público é um somatório de interesses individuais coincidentes em
torno de um bem da vida que lhes significa um valor, proveito ou utilidade de ordem
moral ou material, que cada pessoa deseja adquirir, conservar ou manter em sua
própria esfera de valores.
2. Esse interesse passa a ser público, quando dele participam e compartilham
um tal número de pessoas, componentes de uma comunidade determinada, que o
mesmo passa a ser também identificado como interesse de todo o grupo, ou, pelo
menos, como um querer valorativo predominante da comunidade.
3. Sem dúvida, pode bem acontecer que uma parcela da comunidade não reco-
nheça ou identifique aquele interesse como seu, ou cujo próprio interesse se ache,
até, em colisão com esse querer valorativo predominante. O interesse público, em
uma ordem democrática, não se impõe coativamente. Somente prevalece, em relação
aos interesses individuais divergentes, com prioridade e predominância, por ser um
interesse majoritário. O interesse público e o interesse individual colidente ou não
coincidente, são qualitativamente iguais; somente se distinguem quantitativamente,
por ser o interesse público nada mais que um interesse individual que coincide com
o interesse individual da maioria dos membros da sociedade. No dizer de ESCOLA,
"Os indivíduos que não reconhecem em um interesse público seu próprio
interesse individual, ficam, entretanto, constrangidos a aceitá-lo e até contribuir
para sua obtenção, porque,formando parte da comunidade, aquele querer valorativo
majoritário lhes é imposto obrigatoriamente sobre a base de uma igualdade de
possibilidades e obrigações, já que outros interesses públicos, em que tais indivíduos
reconhecem seu próprio interesse individual. são impostos a outros indivíduos que
deles não participam, e assim sucessivamente.
"É, pois, esse princípio de igual distribuição e participação nos efeitos, exigên-
cias e resultados do querer social, como querer majoritário dos componentes da
comunidade, que dá lugar a sua imposição aos indivíduos que do mesmo não
participam, exteriorizando-se através de um claro sentimento de solidariedade e
integração social." (Ob. cit., pg. 238.)
4. Na medida em que o interesse público e o particular, em uma ordem demo-
crática, são qualitativamente iguais e respeitados, quando o interesse individual é
alijado ou substituído pela natural predominância do interesse público, tem de ser
compensado pela perda de seus direitos e interesses, mediante sua eqüitativa con-
versão em outro valor equivalente.
É o que acontece, por exemplo, com o despojamento de uma propriedade
particular, mediante desapropriação, para um fim de interesse público, em que o
direito de propriedade deve ser eqüitativamente convertido na justa indenização
constitucionalmente assegurada pelo art. 24, inc. XXIV. Tal indenização, para ser
justa, há de possuir um valor necessariamente equivalente ao do bem expropriado.
O mesmo ocorre no campo dos contratos administrativos. Pode a Administração,
unilateralmente, para dar satisfação a um interesse público relevante, rescindir an-
tecipadamente o contrato celebrado com um particular. Mas, exige o art. 79, § 2º da
Lei Geral de Licitações (n Q 8.666/93), deverá ser integralmente ressarcido de seus
prejuízos.
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Também na Lei das Concessões de Serviços Públicos, de n2 8.987/95, é asse-
gurado esse mesmo princípio de equivalência, relativamente à encampação do ser-
viço concedido, por motivo de interesse público (art. 37).
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Pois há um interesse público contido e delimitado pela Constituição e pela lei,
que já corresponde à expressão positiva do bem comum.
Pode ocorrer, por exemplo, uma conflitualidade na definição do que seja inte-
resse público, quando uma ação administrativa, exercida no melhor dos propósitos
para o atingimento de um interesse relevante, porém imediato, representa, entretanto,
um dano ecológico. Aí, nem há maior dificuldade para a apreciação do Judiciário,
uma vez que o art. 225 da Constituição da República JÁ IMPÕE, "ao Poder Público
e à coletividade, o dever de defender o meio ambiente e de preservá-lo para as
presentes e futuras gerações.
Mas há também um interesse público possivelmente conflitante, que legitima a
atuação da Administração Pública, somente na exata medida em que corresponda à
expressão da vontade geral da sociedade, democraticamente expressa, positiva ou
não, relativamente a determinado momento histórico-sociológico.
Aí, sim, é que a definição do interesse público corresponde a uma noção
ideológica, como quer DEMICHEL. De qualquer sorte, um conceito indeterminado
que precisa ser" preenchido" , para cada sociedade e para cada tempo, tendo, como
ultima ratio, o atingimento do ideal aristotélico do sumo bem comum que corres-
ponda à aspiração dos indivíduos, sim, mas que se tome "mais belo e mais divino
quando referente a povos e cidades".
Bibliografia
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