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Realismo Machadiano (Editado)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS - ARAPIRACA

Literatura de Lngua Portuguesa 2 Prof. David Lopes


Consideraes sobre o Realismo de Machado de Assis 03/05/2016

1) BERNARDO, Gustavo. O Problema do Realismo de Machado de Assis. RJ: Rocco, 2011.


- Defendo que a obra literria do escritor Joaquim Maria Machado de Assis no pode ser enquadrada em nenhum
estilo de poca, muito menos no estilo conhecido como realismo.
- demonstrar que [Machado] o adversrio mais veemente e mais qualificado do realismo em qualquer poca.
- Esta diviso, que mostra um Machado algo esquizofrnico e inverossmil, reflete bem a querela entre romantismo
e realismo: como o realismo supostamente evolui a partir do romantismo, ento o realismo melhor; como os
romances da segunda fase de MA so realistas, ento eles so melhores do que os do primeiro.
- o pacto realista sobrevive [...] no neorrealismo com desenho socialista dos anos 30; no neoneorrealismo dos
romances-reportagem dos anos 70; no neoneoneo-(ufa)-realismo dos romances sobre marginalidades e periferias, j
na passagem do sculo XX para o XXI
- Gustavo Bernardo prossegue a argumentao mostrando que MA seria, segundo a opinio comum dos manuais
didticos de literatura, na verdade, o nico realista em sentido estrito, pois outros, como Alusio de Azevedo,
seriam realistas-naturalistas.
- Bernardo tambm no considera que MA tenha alguma vez sido romntico, e, apoiado em Ortega Y Gasset,
comete: que o romantismo seja a verso beta do realismo, ou que o realismo seja a verso 2.0 do romantismo. [!!]
- John Gledson sustenta que se chame Machado de realista, mas ressalvando que esse realismo enganoso, ou
seja, est oculto do leitor, de maneira que se torna necessrio ler nas entrelinhas para entender o romance
(GLEDSON, p.23)
- Bernardo: no incomoda a John Gledson que um livro com o ttulo de Memrias Pstumas de Brs Cubas seja
considerado realista, como se fizesse parte da realidade corrente que um morto redigisse da tumba suas prprias
memrias a narrativa omite se o caixo do personagem dispunha de papel, pena e luz de vela, mas estes decerto
so detalhes irrelevantes.
- Eugnio Gomes, j em 1958, v, em MA, um microrrealismo psicolgico, em que buscaria o detalhe do detalhe
para assim desvelar o que se encontra encoberto pelo hbito, pelo costume e pelos discursos vigentes.
- na linha do microrrealismo psicolgico de Eugnio Gomes, Bernardo detecta em Massaud Moiss o realismo
interior, que inclusive se transforma numa espcie de antinaturalismo, dedicado a combater o realismo exterior,
o qual defenderia a obra de arte como fotografia verbal ou documentrio escrito da realidade concreta. (MOISS,
Massaud. Machado de Assis: Fico e Utopia. SP: Cultrix, 2001)
CONTRA O SUPOSTO REALISMO DE MACHADO DE ASSIS, BERNARDO TRAZ OS SEGUINTES APOIOS:
- Paul Dixon defende claramente: se tivssemos que identificar um sistema de pensamento como alvo das crticas
de MA, o mais bvio seria a escola realista (DIXON, Paul. Os Contos de Machado de Assis: mais do que sonha a
filosofia. Porto Alegre: Movimento, 1992).
- Abel Barros Baptista reconhece que os contos de MA no cabem facilmente em nenhuma das categorias rpidas,
porque no so realistas nem formalistas, muito menos exemplos do que agora se chama fico metaliterria.
(BAPTISTA. A emenda de Sneca Machado de Assis e a forma do conto. Teresa Revista de Literatura Brasileira,
SP, n.6-7, USP, 2006.)
- Silviano Santiago tambm trazido para essa galeria do bem (isto , a que no considera MA como realista), ao
incluir MA no grupo de escritores do que ele chama de literatura de exausto, aqueles que reconhecem a
existncia da Biblioteca de Babel, ou seja, reconhecem que tudo j foi escrito, mas ainda assim insistem em
escrever dentro desse tudo que j foi escrito. Por isso, escreve-se no para dizer como a realidade de tanto que j
se tentou faz-lo, s se pode concluir pela impossibilidade da tarefa mas sim para navegar no meio do que j se
escreveu. (SANTIAGO, Silviano. Toda a Memria do Mundo. Teresa Revista de Literatura Brasileira, SP, n.6-7,
USP, 2006.)
- para Silviano Santiago, Machado desprezou tanto o estilo romntico quanto o estilo realista-naturalista.
- Bernardo conclui que o sonho de todo realista no escrever metforas, mas a realidade como ela . O sonho
oculto da fico realista o de no ser fico de modo algum.

POSICIONAMENTOS DO PRPRIO MACHADO DE ASSIS SOBRE O REALISMO:


- a Advertncia inscrita no primeiro romance de MA, Ressurreio, na qual reivindica por duas vezes o carter de
ensaio para sua narrativa.
- o pesquisador lembra o que frequentemente se omite: MA posicionou-se vrias vezes, em seu prprio nome ou
atravs de seus narradores e personagens, contra o realismo, com ou sem adjetivos, de maneira absolutamente
categrica.
- aos 20 anos de idade, MA posicionou-se a favor do realismo, numa crtica a pea teatral de Joaquim Manuel de
Macedo, em 1859. Diz MA: Perteno a esta ltima [a escola realista, em contraposio escola romntica] por mais
sensata, mais natural, e de mais iniciativa moralizadora e civilizadora.
- no entanto, poucos meses depois, em maro de 1860, afirma: No subscrevo, em sua totalidade, as mximas da
escola realista, nem aceito, em toda a sua plenitude, a escola das abstraes romnticas.
- a mais famosa de suas declaraes sobre o assunto est no ensaio A Nova Gerao, em que, segundo Bernardo,
emite a condenao mais categrica do realismo que algum poderia enunciar: A realidade boa, o realismo
que no presta para nada.
- segundo Bernardo, s ao dizer que a realidade boa, MA j estaria se opondo ao realismo, j que este defende,
pragmaticamente, que a realidade ruim.
- ainda: porque a nova potica [o realismo] isto e s chegar perfeio no dia em que nos disser o nmero exato
dos fios de que se compe um leno de cambraia ou um esfrego de cozinha (MA). Assim, Bernardo conclui dizendo
que a descrio machadiana do realista o mostra como um sujeito pattico afetado por um devastador Transtorno
Obsessivo Compulsivo, tambm conhecido como TOC, a tentar contar, pelo resto da vida, o nmero exato de fios
de um leno de cambraia.
**
- tese que Luiz Costa Lima dedicou a vida a demonstrar, a saber: que existe um fortssimo veto ao ficcional na
cultura burguesa contempornea, traduzido tambm pelo elogio recorrente e tautolgico ao realismo.
**
OUTRAS POSIES SOBRE O REALISMO MACHADIANO:
2) LEOPOLD WAIZBROT: O realismo peculiar de Machado, no a realidade tal qual a histria e a sociologia, boas
irms que so, mas sim uma iluminao dessa realidade: no o espelho que simplesmente reflete, mas a lmpada
que deforma.1
3) JOHN GLEDSON
As duas principais proposies de Gledson sobre a vida e a obra do escritor aparecem em suas obras dos
anos 1980. Em Machado de Assis: impostura e realismo, que tem como subttulo Uma reinterpretao de Dom
Casmurro, Gledson defende que o romance de 1899-1900 se insere no mbito do realismo, entendido como a
inteno do romancista em revelar, atravs da fico, a verdadeira natureza da sociedade que est retratando. Na
obra seguinte, Fico e Histria, o crtico ampliava o argumento, propondo que o conjunto da fico de Machado
contm uma interpretao sistemtica, organizada e original do processo histrico brasileiro.
Na linha do que Raymundo Faoro e Roberto Schwarz tinham acabado de fazer na dcada de 1970, e
francamente inspirado por A Pirmide e o Trapzio [de Faoro] e Ao Vencedor, as Batatas [de Schwarz], Gledson
mostrava que o projeto ficcional de Machado, por dcadas encarado como alienado e indiferente aos processos
sociais e histricos brasileiros, fora meticulosamente entretecido com fios da histria local. [...] intimidade
impressionante com a histria do Brasil, inclusive nos detalhes mais insuspeitos e s vezes quase incrveis, muitos
deles recuperados das velhas pginas de jornal. (GUIMARES, Hlio de Seixas. O Machado terra-a-terra de John
Gledson. In: GLEDSON, John. Por um novo Machado de Assis. SP: Companhia das Letras, 2006. Pp. 261-271)
4) ROBERTO SCHWARZ, 1990
- logo nas primeiras pginas Schwarz j afirma que a situao de defunto-autor, sendo uma agudeza
intencionalmente barata, aqui no desmancha a verossimilhana realista, embora a desrespeite. Antes a confirma,
pois sem ela no seria originalidade nem teria graa. Menos que afirmar outro mundo, Brs quer destratar o nosso
1

WAIZBORT, Leopoldo. A passagem do trs ao um: crtica literria, sociologia, filologia. SP: Cosac Naify, 2007. p.21.

(SCHWARZ, Roberto. Um Mestre na Periferia do Capitalismo: Machado de Assis. SP: Duas Cidades; Ed.34, 2000
(1990))
5) FACIOLI, Valentim. Um Defunto Estrambtico: anlise e interpretao das MPBC. SP: Nankin, 2002.
- a partir das MPBC o ponto de vista muda quase completamente e no so mais os humilhados e ofendidos
medianos que falam, nem as convenes romnticas e nem mesmo as realistas amenas de antes, seno que passam
a falar os humilhadores e ofensores de cima, completos em desfaatez [descaramento], hipocrisia e caprichos
brbaros do paternalismo, mesmo quando disfarados por cara amena, e prdigos em camaradagem cnica. (45-6)
- MPBC sai primeiramente em captulos de maro a dezembro de 1880, na Revista Brasileira. Em livro no ano
seguinte e esperou 15 anos para uma nova edio, em 96 (pela Garnier) e a terceira, em 99, a ltima em vida do
autor. Ao todo, devem ter sido impressos de 3 a 4 mil exemplares. Apenas um ou outro comentrio a respeito do
livro na imprensa da poca. Por outro lado, O Mulato, de Aluisio Azevedo, tambm de 1881, provocou polmica e
mereceu mais de duzentos comentrios e resenhas por todo o pas. (56-7)
- no h na narrativa, conforme pedia o modelo do romance realista, um conflito central entre protagonista e
antagonista, ou entre um indivduo e a sociedade (69)
- o aparente triunfo do antirrealismo sobre o realismo, do fantstico sobre a verossimilhana e, ainda, do mito
sobre a histria. Mas, esquisitamente, permitindo tambm a reverso dos segundos polos sobre os primeiros dessas
dualidades, porque produz e projeta um forte efeito realista, como a requerer para suas memrias uma leitura
virtual, ou de segundo nvel, capaz de revelar algo que os efeitos retricos de superfcie estariam obscurecendo.
(69)
- no h nenhum heri na narrativa. Brs Cubas no parece nem mesmo um anti-heri. [...] Tornou-se uma espcie
de vilo simptico. (70)
- De fato, uma representao de rico homem comum letrado do Brasil escravista, como queria o romance
realista (70)
- Essa autoconscincia do processo narrativo faz surgir uma duplicidade estrutural, porque so contadas, de fato,
duas histrias: 1) as histrias das personagens, suas vidas [etc.]; 2) a histria do narrador, um fantasma escandaloso,
que vai relatando a histria do ato e do processo de narrar. [...] Essa auto-reflexividade, que tambm se costuma
chamar de metalinguagem ou metanarrativa, tem um importante efeito de quebra da iluso realista, pois lembra
sempre o leitor de que ele est lendo um livro e que este, embora narre a respeito da vida das personagens,
apenas um livro, ou seja, um artifcio, um artefato inventado (73)
- se trata de uma escrita ecltica ou anfbia, se se pode dizer assim de um texto, que s se realiza plenamente na
duplicidade de ser fantstica e realista ao mesmo tempo. (82)
- Brs Cubas remete maliciosamente para Brasil e Cuba. [...] Eram os dois ltimos pases das Amricas que ainda
mantinham o regime escravista e tambm os ltimos a abolir o trfico negreiro. (83)
- o defunto-narrador, rompendo a verossimilhana, tecnicamente antirrealista. [...] O ponto-de-vista da morte
tanto antirrealista quanto antirromntico. [...] muito moderno porque revela potencialidades pouco utilizadas
at ento no gnero romance, o qual fica, em consequncia, tanto questionado como reforado, impondo-se como
narrativa cmico-fantstica-satrica e ao mesmo tempo de forte efeito realista. (107)

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