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Valentina Daldegan

Tcnicas estendidas e msica contempornea


no ensino de flauta transversal
para crianas iniciantes

Dissertao apresentada como requisito parcial


para a obteno do grau de Mestre no Curso de
Ps-Graduao em Msica, do Departamento de
Artes, do Setor de Cincias Humanas Letras e Artes,
da Universidade Federal do Paran.
Orientador:
Prof. Dr. Guilherme Gabriel Ballande Romanelli.

Curitiba
2009

Livros Grtis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grtis para download.

Catalogao na publicao
Sirlei do Rocio Gdulla CRB 9/985
Biblioteca de Cincias Humanas e Educao - UFPR

Daldegan, Valentina
Tcnicas estendidas e musica contempornea no ensino de flauta
transversal para crianas / Valentina Daldegan. Curitiba, 2009.
152 f.
Orientador: Prof. Dr. Guilherme Gabriel Ballande Romanelli
Dissertao (Mestrado em Msica) Setor de Cincias Humanas,
Letras e Artes, Universidade Federal do Paran.
1. Msica estudo e ensino. 2. Flauta estudo e ensino crianas.
I. Ttulo.
CDD 788.32
CDU 788.5

Tcnicas estendidas e msica contempornea


no ensino de flauta transversal
para crianas iniciantes

Ao Maurcio, meu amor, sempre.

vii

Agradecimentos
aos meus alunos, especialmente Pietra, Elisa, Carlos e Augusto, e suas mes;
aos meus amigos e colegas compositores Vincius, Slon, Mrcio, Gilson, Felipe,
Fernando, Dbora, e Bernardo, por dedicarem parte de seu escasso
tempo criando peas que tornaram possvel meu projeto;
aos meus orientadores Orlando Fraga e Guilherme Romanelli, pelo incentivo e pela
leitura cuidadosa em diferentes fases deste trabalho;
ao meu amigo e co-advisor Danilo Mezzadri, pelos textos aos quais no teria acesso, e
por gravar as peas comigo e com o Slon (obrigada, mais uma vez,
Slon!);
a Rosane Cardoso, Beatriz Ilari e Antnio Guimares, pelas diferentes leituras e
sugestes que enriqueceram esta pesquisa;
aos meus colegas de mestrado, pela fora durante esta jornada;
aos professores que compem a banca Guilherme Romanelli, Orlando Fraga,
Bernadete Zagonel e Antnio Guimares;
a minha me, que sempre me ajudou quando mais precisei, e tambm quando no
precisei; a meu pai, que sempre me quis flautista (desculpe-me por no
tocar chorinho . . .); e a minhas irms Vanessa e Ana, com quem conto
todas as horas;
ao Estvo, meu querido super-tonto, e Constana, minha princesinha, por existir.

viii

Resumo
No incio do aprendizado da flauta transversal os alunos produzem sons que
no fazem parte da sonoridade tradicional do instrumento. Alunos adiantados tm
maior dificuldade em comear a produzir sons estendidos do que os iniciantes, que
geralmente conseguem faz-lo brincando, literalmente. Como, a princpio, as crianas
geralmente so abertas a msicas que envolvam sonoridades diferentes e acham divertido explorar novas possibilidades sonoras o incentivo e o trabalho com estas tcnicas desde o incio pode ser de grande valia para o seu desenvolvimento.
Um dos problemas no sentido da explorao do repertrio contemporneo, que
inclua novos sons, com iniciantes na flauta transversal que este em geral muito difcil tecnicamente. Para contornar esta dificuldade, foram criados para este trabalho
pequenos estudos didticos e desenvolveu-se, junto a colegas compositores, um repertrio apropriado ao nvel de habilidade dos recm iniciantes, que incluiu as tcnicas estendidas a serem aprendidas.
A utilizao deste material mostrou-se efetiva com iniciantes, no denotando
dificuldades maiores do que aquelas encontradas com o repertrio tradicional. Procura-se ainda sugerir maneiras de ensinar, na prtica, as tcnicas abordadas, a partir
de dados coletados em um estudo de campo com quatro alunos iniciantes, de oito a
treze anos de idade, que, durante suas aulas semanais e paralelamente ao repertrio
tradicional, trabalhavam tambm com tcnicas estendidas envolvendo a produo
de novas sonoridades e prtica deste repertrio. Relata-se o estudo de um caso que
resultou do trabalho junto a uma das crianas que participaram da pesquisa de campo.
A nfase est voltada dificuldades especficas encontradas durante a prtica dos estudos didticos e do repertrio. O paradigma adotado foi o da pesquisa qualitativa.

ix

Abstract
When beginners are learning to play the flute, some produce sounds that are
not part of the traditional sonority of the instrument. Advanced pupils have greater
difficulty in starting to produce these extended sounds than beginners, who generally do it playing with them, literally. Since, at the beginning, children are generally
open to music that involve different sonorities and amuse themselves exploring new
sonic possibilities, the incentive and the work with these techniques can be of great
value in their development.
One of the problems in exploring the contemporary repertoire that includes
new sounds with flute beginners is that it is in general technically too difficult. To
deal with this difficulty, little didactic studies have been created for this work. In addition, a repertoire appropriate to the level of ability of young beginners and including extended techniques was developed, in a joint work with a few composers,
colleagues of the author.
The use of this material has been shown to be effective with beginners, not presenting greater difficulties than those encountered in traditional repertoire. Suggestions of ways to teach the extended techniques, in practicum, are part of this work.
These were made using data collected in a field study which included four beginning
pupils, aged eight to thirteen, that, during their weekly lessons and parallel to the
traditional repertoire, worked with extended techniques involving the production
of new sonorities and the practice of this repertoire. A case study on one of the children who had participated in the field research is reported. The emphasis is given to
specific difficulties met during the practice of one of the didactic studies and of the
repertoire. Qualitative research was the adopted research paradigm.

ndice
Introduo

Captulo Primeiro Materiais bibliogrficos pertinentes ao ensino


da msica contempornea para flauta transversal
1.1 Teses
1.2 Trabalhos voltados a crianas
1.3 Mtodos, estudos e manuais
1.4 Internet

9
11
14
16

Captulo Segundo Tcnicas estendidas


2.1 Trilo tonal
2.2 Som de vento ou wind tones
2.3 Whisper tones
2.4 Tongue ram
2.5 Percusso de chave
2.6 Harmnicos
2.7 Glissando, mudana de afinao ou pitch-bend
2.8 Assobio a jato ou jet whistle
2.9 Multifnicos
2.10 Trmolos com efeito glissando
2.11 Tocar s com a cabea da flauta

21
22
23
25
26
27
28
28
29
30
31

Captulo Terceiro Apreciao


3.1 Familiaridade e gosto
3.2 Apreciao musical: uma experincia
3.2.1 Procedimentos metodolgicos

37
40
41

3.2.1.1 Participantes
3.2.1.2 Resultados

43
43

3.2.2 Discusso
Captulo Quarto Composies
4.1 Preparao e reviso da lista Orientao para compositores
4.1.1 Diviso Rtmica
4.1.2 Extenso
4.1.3 Tcnicas estendidas possveis
4.1.4 Observaes
4.2 As composies
4.2.1 Gilson Fukushima
4.2.2 Dbora Opolski
4.2.3 Fernando Riederer
4.2.4 Slon Mendes
4.2.5 Mrcio Steuernagel

xi

45
49
50
52
52
52
53
53
54
55
56
57
58

4.2.6 Bernardo Grassi


4.2.7 Valentina Daldegan
4.3 Estudos Didticos

xii

60
61
62

Captulo Quinto Prtica: o ensino das tcnicas


5.1 Trilo tonal
5.2 Som de vento ou wind tones
5.3 Whisper tones
5.4 Tongue ram
5.5 Percusso de chave
5.6 Harmnicos
5.7 Glissando, mudana de afinao ou pitch-bend
5.8 Assobio a jato ou jet whistle
5.9 Multifnicos
5.10 Trmolos com efeito glissando
5.11 Tocar s com a cabea da flauta

67
67
68
69
70
71
72
74
75
77
77

Captulo Sexto Prtica: o caso Alice


6.1 Parmetros metodolgicos
6.2 Alice
6.2.1 Explorao
6.2.2 O cuco e os sons de vento
6.2.3 Harmnicos
6.2.4 Multi-sons
6.2.5 Trilo, tonal, & cia.
6.2.6 La Farfalla

83
84
85
86
87
87
89
91

Consideraes finais
Referncias
Bibliogrficas
Discogrficas
Apndices
A. Partituras
Pra de atrapalhar minha msica
A cobra encantada
O Mistrio da Rosa Manca
Duos
1. O Castelo

97
103
106

A2
A4
A6
A8

2. A Bruxa

A8

3. A Noite

A8

3a. A Noite (acompanhamento de piano)

A9

4. O Bosque

A10

Cronocosmos a jato
Cronocosmos n 9
Cinque Canzoni di Farfalle e Coccinelle
1. La Farfalla

A11
A12
A14

2. Due Farfalle

A16

3. La Coccinella

A18

4. La Farfalla e la Coccinella

A19

5. Due Farfalle et un Papillon

A20

Ao Largo
O Chins Passeia
A msica da cabea
Trilo, tonal & cia.
Estudos didticos
B. Lista Orientao para compositores revista e alterada
C. Instrumentos de coleta de dados
1
Questionrio de apreciao
2
Agenda do aluno (exemplo de pgina preenchida)
D. Modelo dos consentimentos assinados pelos responsveis
E. udio (CD)
1-12 Gravao de algumas das peas compostas para esta pesquisa
1.
Gilson Fukushima Pra de atrapalhar minha msica
2.
Dbora Opolski O Mistrio da Rosa Manca
3.
Fernando Riederer 1. O Castelo Mal-assombrado
4.
Fernando Riederer 2. A Bruxa
5.
Fernando Riederer 3. A Noite
6.
Fernando Riederer 4. O Bosque
7.
Slon Mendes Cronocosmos a jato
8.
Mrcio Steuernagel 1. La farfalla
9.
Mrcio Steuernagel 2. Due farfalle
10. Mrcio Steuernagel 3. La Coccinella
11. Mrcio Steuernagel 4. La farfalla e la coccinella
12. Valentina Daldegan O Chins passeia
13-20 Trechos das peas utilizadas no teste de preferncias

A24
A26
A28
A29
A30

C2
c7

xiii

Rol de figuras
1.1
1.2
1.3
1.4
1.5

xiv

Offermanns, Fr den jungen Fltisten, The First Step


Notao rtmica em Telephone
Notao para cantar-e-tocar em Pop goes the Weasel
Notao para cantar-e-tocar em The Bagpiper
Notao de multifnico no tamanho como aparece
em Special effects for flute

2.1
2.2
2.3
2.4
2.5

12
13
13
13
15

Notao de trilo tonal usada por Takemitsu


Notao de trilo tonal sugerida por Mller
Notao de trilo tonal aprovada na conferncia de Gent
Notao de trilo tonal adotada neste trabalho
Notao da transformao de som de vento em som normal,
adotada por Artaud
2.6 Notao de sons de vento, usada por Offermans
2.7 Notao da transformao gradual de som de vento
em som normal, adotada neste trabalho
2.8 Notao da varredura (balayage) de whisper tones,
adotada por Artaud
2.9 Notao dos whisper tones, adotada neste trabalho
2.10 Notao usada por Artaud para o tongue ram,
dentro da tessitura sugerida
2.11 Notao de tongue ram por Sciarrino.
2.12 Notao de clique de chave, sem usar e usando ar
2.13 Notao de harmnico, sem a indicao da fundamental
2.14 Notao de harmnico, com a indicao da fundamental
2.15 Notao de pitch bend
2.16 Notao de jet whistle
2.17 Notao de jet whistle, com controle da presso do ar,
e com a posio determinada ou no
2.18 Notao dos multifnicos selecionados
2.19 Sciarrino, notao de trmolos com efeito glissando
2.20 Notao de trmolo com efeito glissando adotada
2.21 Notao de Ory de exerccio executado apenas com a cabea
2.22 Simbologia sugerida por Stahl
2.23 Exemplo de notao em pentagrama por Stahl
2.24 Parte da flauta em Daldegan, Msica da Cabea
Tabela 1, Tcnicas estendidas abordadas

21
21
22
22

29
30
30
30
31
32
32
32
33

3.1 A agenda do aluno


3.2 Questionrio de apreciao: Gostar
3.3 Questionrio de apreciao: Gostar por idade

42
43
44

22
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23
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24
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26
27
27
28
29

3.4 Questionrio de apreciao: Vontade de tocar


44
3.5 Questionrio de apreciao: Familiaridade
44
4.1 Orientaes para os compositores, primeira verso
51
4.2a Fukushima, Pra de atrapalhar . . ., verso inicial, comp. 17-19 54
4.2b Fukushima, Pra de atrapalhar . . ., verso final, comp. 17-19
54
4.3a Fukushima, Pra de atrapalhar . . ., verso inicial, comp. 9-11
54
4.3b Fukushima, Pra de atrapalhar . . ., verso final, comp. 9-11
54
4.4a Opolski, O Mistrio da Rosa Manca, verso inicial, comp. 1 - 12 55
4.4b Opolski, O Mistrio da Rosa Manca, verso final, comp. 1 - 12 55
4.5a Opolski, O Mistrio da Rosa Manca, verso inicial, comp. 31 - 35 56
4.5b Opolski, O Mistrio da Rosa Manca, verso inicial, comp. 31 - 35 56
4.6 Riederer, O Bosque, comp. 1-2
57
4.7a Mendes, Cronocosmos a Jato, verso inicial, comp. 1
57
4.7b Mendes, Cronocosmos a Jato, verso final, comp. 1
57
4.8 Steuernagel, La farfalla e la coccinella, primeira verso, incio
59
4.9a Steuernagel, Due farfalle et un papillon, verso inicial,
trs ltimos compassos
60
4.9b Steuernagel, Due farfalle et un papillon, verso final,
trs ltimos compassos
60
Tabela 2, Peas e Estudos em que aparecem as tcnicas

80

6.1 Notao do incio de O Cuco e os Sons de Vento

86

6.2
6.3
6.4
6.5
6.6

Notao de ritmo em accelerando


Incio de La Farfalla
Segunda linha de La Farfalla
Frase longa em escrita proporcional em La Farfalla
Trmolo crescendo ligado a nota longa em La Farfalla

90
91
92
93
93

xv

Tcnicas estendidas e msica contempornea


no ensino de flauta transversal
para crianas iniciantes

Aspectos relativos msica contempornea so de especial interesse para


instrumentistas mais jovens: as crianas com freqncia conseguem
identificar-se mais prontamente com questes pertinentes msica
escrita recentemente do que com a msica europia dos sculos XVII e
XIX. Aprender como introduzir a msica contempornea, suas questes
tcnicas e estticas, um dos principais deveres dos professores de
instrumento.
Olson, The Pedagogy of Contemporary Flute Music, 2.

Introduo
No incio do aprendizado da flauta transversal os alunos produzem sons que
no fazem parte da sonoridade tradicional do instrumento. Ao tentar produzir notas
graves ouvem-se whisper-tones, que so harmnicos superiores, quase inaudveis, que
soam quando o ar entra no tubo da flauta, sem produzir uma nota fundamental perceptvel; ao tentar mudar de registros produzem-se harmnicos; ataques no registro
grave1 soam como wind-tones, que o som do ar passando pelo tubo da flauta, sem
que a coluna de ar vibre; ao aquecer a flauta, produz-se um jet whistle, que um som
de assovio caracterstico. Estes equvocos so, de modo geral, prontamente corrigidos pelos professores de instrumento.
Entretando, estes sons novos de produo no-tradicional, encontram uso freqente na msica de hoje e so conhecidos como sons produzidos por tcnicas estendidas. Alunos adiantados tm maior dificuldade em comear a produzir sons
estendidos do que os iniciantes, que geralmente conseguem faz-lo brincando, literalmente. Portanto o incentivo e o trabalho com estas tcnicas desde o incio, inclusive com crianas, pode ser de grande valia para o seu desenvolvimento.
Outro fato interessante que, a princpio, as crianas geralmente so abertas a
msicas que envolvam sonoridades diferentes e acham divertido explorar novas possibilidades sonoras. Delalande, por exemplo, sugere que a produo do som est ligada
possibilidade do sujeito manipular o mundo sonoro em que vive, e que, portanto,
provoca prazer.2 Porm, se essas possibilidades so pouco ou de fato no so
vivenciadas, seu universo se fecha e, mais tarde, com maior domnio do instrumento,
em geral somente o repertrio tradicional o que as atrai. Nota-se tambm que, ao
iniciar-se no instrumento, as crianas se interessam principalemente pelo prprio instrumento, e no por um gnero ou repertrio em especial o que pode facilitar o trabalho com gneros que lhes sejam pouco ou nada familiares, como a msica
contempornea.
1

Tradicionalmente entendem-se os registros na flauta como:


Grave:

Mdio:
&

&

Agudo:

&

Franois Delalande, La musique est um jeu denfant (Paris: Buchet/Chastel, 1984), apud
Guilherme Romanelli, A Msica que Soa na Escola: Estudo Etnogrfico nas Sries Iniciais do Ensino Fundamental (Tese de Doutorado em Educao, Universidade Federal
do Paran, 2009), 127.

Alm disso, acredita-se que o trabalho com tcnicas estendidas tcnicas notradicionais, a partir das quais so produzidas novas sonoridades no instrumento
vem contribuir para ampliar o universo esttico dos instrumentistas. O aprendizado
de tcnicas estendidas, juntamente com a exposio ao repertrio contemporneo e
especialmente a execuo de peas que explorem este material sonoro pode vir a quebrar um ciclo vicioso com relao msica contempornea no conheo, no gosto
e no toco que afeta e prejudica inclusive msicos profissionais, que muitas vezes
so tambm professores de instrumentos.
4

Um dos problemas da explorao do repertrio contemporneo em aulas de


instrumento que este em geral muito difcil tecnicamente, o que via de regra impede a sua utilizao com iniciantes.3 A inteno desta dissertao, portanto, ser
produzir subsdios para um aprendizado da flauta transversal que, pela incluso de
tcnicas estendidas, possibilite ao iniciante no instrumento a ampliao de seus horizontes estticos, para a apreciao e prtica de repertrio contemporneo que se
utilize destas tcnicas.
No foram encontrados trabalhos sistemticos na direo do desenvolvimento
de tcnicas estendidas para iniciantes na flauta transversal mesmo peas fceis que
envolvam este tipo de tcnica so muito raras. No primeiro captulo desse trabalho
encontra-se um levantamento de mtodos e estudos que abordam tcnicas estendidas
3

Neste trabalho, so considerados iniciantes alunos que estejam entre os nveis beginner
e beginner novice segundo a maior parte das listas de classificao de repertrio, por
exemplo, entre os nveis 1 e 2 do Royal Conservatory of Canada e UK Guildhall, ou
pouco abaixo do nvel 1 do ABRSM (Associated Board of the Royal Schools of Music)
e do catlogo da Fluteworld (cf. Jen Cluff, Flute Levels Chart, http://www.jennifercluff.
com/chart.htm).
Espera-se que sejam capazes de tocar:

do r grave ao r agudo (r com duas linhas suplementares);

com armaduras de claves de at 2 bemis ou 2 sustenidos, e suas escalas;

todas as notas da escala cromtica;

ritmos com colcheias tocados corretamente e com semicolcheias ocasionalmente;

compassos simples, lidos corretamente; e tenham tambm

habilidade para bater-contar-reconhecer ritmos bsicos; e

capacidade de leitura primeira vista de frases musicais simples.

Exemplos de solos e duos: Minuetos em sol maior de J. S. Bach; canes folclricas; Minueto da Dana dos Espritos Abenoados de Gluck; os primeiros duetos de Franois Devienne, in H. Voxman, Selected Duets, vol. I (Miami: Rubank, 1955); Toshio Takahashi,
Suzuki Flute School, vol. 1(Miami: Warner Bros., 1971).
Exemplos de estudos: at a 4 parte de Pierre-Yves Artaud, Pour la Flte Traversire: Mthode lmentaire (Paris: Henri Lemoine, 1989).

para flauta transversal, destinados a flautistas adiantados e tambm de algumas poucas


partituras apropriadas para iniciantes que envolvam tcnicas estendidas, a fim de
expor um panorama da literatura que forma uma interseo com meu objeto de
estudo.
Quando se discute a interpretao da msica contempornea, um outro aspecto
relevante o da notao. Para Murray Schafer, o dilema da notao musical convencional est hoje no fato de ela j no estar altura de enfrentar o emaranhado dos
mundos da expresso musical e do ambiente acstico . . . , provavelmente o fato musical mais significativo de nosso sculo.4 Ainda assim, importante frisar que uma
das propostas deste trabalho evitar a mistificao da notao contempornea como
inacessvel e esotrica, pois muitas vezes justamente a notao que afasta o msico
da obra que envolva sonoridades estendidas, mesmo que esta no esteja alm de sua
capacidade tcnica. O propsito da utilizao de notao contempornea iniciar a
criana na leitura de smbolos diferentes daqueles da notao musical tradicional, de
modo que, ao deparar-se com uma partitura que inclua tcnicas estendidas, a notao
no a desencorage da msica. Assim, no procurar-se- avaliar e produzir notao
com as crianas, apesar deste tema ser bastante interessante para um estudo posterior;
apenas ser explorada a notao existente. No segundo captulo descrevem-se detalhadamente as tcnicas e sua notao que, estando ao alcance de iniciantes, se
enquadram no escopo deste trabalho.
Como a familiaridade com o repertrio parece ser um fator importante na formao das preferncias, a apreciao um dos temas abordados neste trabalho. Para
avaliar este aspecto, desenvolveu-se uma pesquisa de campo na qual incluiu-se a familiarizao das crianas com o repertrio contemporneo atravs da escuta informal
de CDs. A descrio desta parte da pesquisa compe o terceiro captulo.
Para contornar a dificuldade quanto ao repertrio adequado, foram criados para
este trabalho pequenos estudos, bem simples, com o intuito de auxiliar as crianas
no desenvolvimento das tcnicas. Desenvolveu-se tambm, junto a colegas compositores, um repertrio apropriado ao nvel de habilidade dos recm iniciantes, que
inclusse as tcnicas estendidas a serem aprendidas. O objetivo era a diversidade estilstica, e deste trabalho resultou uma srie de duos e solos para flauta. Neste caso, foi
importante orientar os compositores quanto s possibilidades tcnicas do instrumento e o nvel de dificuldade acessvel. Preparou-se, ento, uma lista de possibili4

Raymond Murray Schafer, A afinao do mundo (So Paulo: Editora Unesp, 2001), 176.

dades sonoras e tcnicas que foi utilizada pelos colegas na composio de suas peas.
As peas foram revistas e alteradas, quando necessrio. Todo este processo ser
relatado no quarto captulo.
No quinto captulo, procura-se sugerir maneiras de ensinar, na prtica, as tcnicas abordadas. Estas sugestes foram elaboradas a partir de um estudo de campo,
realizado com quatro de meus alunos iniciantes, de oito a treze anos de idade. No decorrer do perodo deste estudo, durante suas aulas semanais e paralelamente ao re6

pertrio tradicional de flauta transversal, os alunos trabalhavam tambm com tcnicas


estendidas envolvendo a produo de novas sonoridades, atravs dos estudos musicais
e da prtica de repertrio contemporneo, aprendendo algumas daquelas peas compostas especialmente para este projeto. As dificuldades encontradas, assim como maneiras de contorn-las na prtica, so detalhadas neste trabalho, constituindo-se como
elemento fundamental para discutir a utilizao da msica contempornea no ensino
de iniciantes.
No sexto captulo ser relatado o estudo de um caso que resultou do trabalho
junto a uma das crianas que participaram da pesquisa de campo. A nfase ser voltada
s dificuldades especficas encontradas durante a prtica dos estudos didticos e do
repertrio. O paradigma adotado aqui foi o da pesquisa qualitativa.
Como apndices, sero includas as partituras referentes aos estudos musicais e
s peas compostas para este projeto, assim como a lista orientao para compositores revisada; cpias de exemplos dos instrumentos de coleta de dados utilizados
na pesquisa de campo (questionrio de apreciao e agenda do aluno); o modelo dos
consentimentos assinados pelas mes dos alunos que participaram do estudo e um
CD com a gravao de algumas das peas compostas para esta dissertao e com os
trechos das msicas utilizadas no questionrio de preferncias.

Captulo 1 Materiais bibliogrficos pertinentes


ao ensino da msica contempornea
para flauta transversal

Materiais bibliogrficos pertinentes ao ensino


da msica contempornea para flauta transversal
Neste captulo, procura-se discutir a literatura relativa ao ensino de flauta que
de alguma maneira apresenta relao com esta dissertao.

1.1

Teses

A tese de doutorado Integrating Extended Techniques into Flute Pedagogy, de


Leslie Marrs,1 uma grande reviso de literatura relacionada ao ensino da flauta contempornea. A autora comenta que desde meados do sculo passado um nmero considervel de composies requer o uso de tcnicas estendidas, porm h um nmero
restrito de materiais didticos que abordam o tema e mesmo msicos adeptos ao uso
destas novas tcnicas tm dificuldade em encontr-los. Sua tese faz um levantamento
e anlise sumria de onze mtodos e materiais de referncia sobre o assunto que, em
sua opinio, seriam relevantes. Cada uma das publicaes examinada levando em
considerao o nvel de dificuldade ao qual dirigida, quais tcnicas estendidas so
includas, como a execuo das tcnicas explicada e sua contribuio para o repertrio. Sua tese traz uma srie de tabelas nas quais a autora classifica e categoriza os
materiais analisados, alm de uma reviso e descrio das tcnicas estendidas mais
comuns no repertrio flautstico, categorizando-as em cinco grupos: 1) tcnicas comuns didtica da flauta; 2) multifnicos; 3) microtons; 4) efeitos percussivos; e 5)
aspectos de respirao circular. O material pedaggico publicado dividido em duas
categorias: manuais e estudos; que so, por sua vez, classificados em sete nveis, de
iniciante a profissional/graduando. Como apndice h um CD com gravaes de
cada uma das tcnicas mencionadas no trabalho.
Em sua tese The Pedagogy of Contemporary Flute Music, Lesley Carol Olson,2
assim como Marrs, aponta que o nmero restrito de flautistas que consegue tocar o
repertrio de vanguarda composto aps 1945 conseqncia, entre outros fatores,
da falta de conhecimento e de experincia prticos (hands-on) em lidar com os problemas tcnicos especficos desse tipo de msica, e da falta de familiaridade com a literatura disponvel aliada dificuldade de ter acesso a tais trabalhos. Olson defende
a integrao da msica contempornea na pedagogia da flauta em todos os nveis. A
1

Leslie Ann Marrs, Integrating Extended Techniques into Flute Pedagogy: a resource
guide for flutists, teachers and composers (Tese de doutorado, North Caroline University at
Greensboro, 2004).
2

Lesley Carol Olson, The Pedagogy of Contemporary Flute Music (Tese de doutorado
em Artes Musicais, University of Illinois, Urbana-Champaign, 1998).

autora faz um levantamento muito rico da literatura disponvel para flauta livros,
manuais e partituras que abordam novas sonoridades e tcnicas estendidas, includos materiais em alemo e francs no traduzidos para a lngua inglesa, o que amplia muito a abrangncia do trabalho. Cada material descrito brevemente e avaliado,
alm de ser classificado por nvel de dificuldade de iniciantes a flautistas adiantados
facilitando a escolha dos materiais para professores que desejem utiliz-los didaticamente. Olson tambm discute longamente a questo da notao contempornea,
apontando os pontos positivos e negativos de cada sistema e propondo o que consi10

dera mais adequado, de acordo com questes que segundo ela definiriam a legibilidade da notao: a correspondncia unvoca a um smbolo deve corresponder
sempre uma mesma ao; a distinguibilidade cada smbolo deve ser claramente
distinto dos outros, a uma distncia normal de leitura; sugestividade o smbolo
deve, de alguma forma, sugerir a ao; memorabilidade o smbolo deve ser facilmente memorizado; estabilidade o smbolo deve levar em conta a legitimidade
histrica, dada pelo uso por outros compositores; e reprodutibilidade tipogrfica
o smbolo deve ser de fcil reproduo com procedimentos de impresso normais.3
A Tese de Olson muito bem estruturada, uma fonte realmente til para o professor
que tenha em mente o ensino de msica contempornea e novas sonoridades.
Michael J. Davis comenta, na introduo sua tese Creative strategies for teaching
extended flute techniques: a pedagogical approach with a performance and analysis of
an original work, Dream Weaving for Flute and Tape, que h evidncias de que msicas da chamada avant-garde tm tido maior aceitao agora, tanto entre os ouvintes quanto entre os intrpretes e que qualquer estudante de flauta que no aprenda
estas tcnicas [estendidas] ter que ignorar uma parcela substancial do repertrio
flautstico e, deste modo, uma parte valiosa de sua educao e experincia musical se
perder.4 Segundo Davis, apesar da extensa literatura que requer o domnio de tcnicas estendidas, os mtodos de flauta ainda so centrados apenas nas tcnicas tradicionais e o nmero restrito de materiais sobre a performance de tcnicas estendidas
geralmente dirigido somente ao domnio das tcnicas deixando de lado questes
interpretativas e artsticas especialmente em se tratando de materiais voltados a
iniciantes e flautistas mais jovens.5
3

Ibidem, 109-111.

Michael Jerome Davis, Creative strategies for teaching extended flute techniques: A pedagogical approach with a performance and analysis of an original work, Dream Weaving for
Flute and Tape (Dissertao de doutorado, Columbia University, 1993), 10.

Ibidem, 13.

Davis desenvolve uma abordagem que consiste em propor estratgias para o auxlio no ensino de msicas que envolvam tcnicas estendidas com jovens iniciantes
na flauta transversal. O autor define como jovens iniciantes (young beginners) especialmente os alunos do ensino mdio (high-school) das escolas americanas, que se
preparam para o curso superior de msica portanto, alunos nem to jovens e nem
to iniciantes assim. So oito estratgias, para serem usadas com grupos de 4 a 8 alunos
aproximadamente do mesmo nvel, que abarcam quatro reas principais:
a) a primeira foca na exposio e exame das atitudes prvias dos alunos sobre a
natureza da msica e o encorajamento de uma abertura s qualidades expressivas
inerentes em algumas msicas de vanguarda (incluindo estratgias filosficas)
e podem ser usadas com alunos de qualquer nvel;
b) a segunda rea engloba a descoberta de novas sonoridades e idias musicais
e suas definies atravs de reaes pessoais antes de relacion-las a conceitos
musicais pr-existentes e estabelecidos (estratgias auditivas, de improvisao e
transcrio, recomendadas para o uso com grupos um pouco mais avanados
que estejam comeando a tocar peas de vanguarda da literatura para flauta
solo);
c) a terceira rea engloba a compreenso e a organizao significativa destas
idias numa composio musical (estratgias analticas e composicionais);
d) na quarta, finalmente, so oferecidas tcnicas que facilitaro o aprendizado
de msicas que requeiram o uso de tcnicas estendidas (estratgias aplicadas,
estas basicamente para alunos que estejam estudando uma pea para performance, sendo as nicas que podem ser usadas em aulas individuais).
O autor criou uma pea solo de vanguarda, Dream weaving, com fins didticos,
especificamente para a dissertao, para ser usada com as estratgias, mas adverte que
a pea muito difcil e sugere outras trs, um pouco mais fceis, que poderiam ser
usadas para o mesmo fim. Apesar de, idealmente, as estratgias parecerem a princpio
muito atrativas, mostram-se vazias medida que o autor as explicita, pois prtica
no instrumento, o que seria o ponto principal da tese de acordo com o autor, no
dada nfase suficiente. Os exerccios sugeridos envolvem muito mais uma discusso
esttica do que estratgias para introduo de tcnicas estendidas para iniciantes.

1.2

Trabalhos voltados a crianas

O livro de Wil Offermans Fr den jungen Fltisten, direcionado a crianas iniciantes na flauta transversal. A obra no trabalha exatamente com tcnicas estendidas
(inclui apenas wind tones, sons de vento, em uma das peas), mas procura introduzir

11

a msica contempornea atravs de dez pequenas peas que incluem desde o uso de
notao grfica, at tocar e andar ao mesmo tempo. Algumas peas tm estrutura
de jogo (como por exemplo um labirinto com sugestes de posies de notas e dinmicas pelo caminho) ou brincadeiras (como uma histria em quadrinhos com
desenhos de uma s linha que dever ser tocada pelo flautista).
Diferentemente das estratgias de Davis, Offermans sugere muito inteligentemente maneiras de instigar a criatividade e a improvisao em msica contempornea
12

com flautistas de fato jovens e iniciantes. No final do livro encontram-se instrues


para o professor de como introduzir aos alunos e trabalhar cada uma das peas. A
primeira, por exemplo, chamada The First Step na verdade um conjunto de quatro
pequenas peas, focadas naquilo que Offermans considera as mais fascinantes qualidades da msica: dinmica, densidade, altura e articulao.6 Para cada uma delas,
o autor escreve trs verses, A, B e C. Nas verses A, usa notao tradicional; nas
verses B, desenhos que sugerem a qualidade trabalhada; e nas C, notao grfica.
Desta maneira procura estimular a imaginao criativa, pois nas ltimas duas verses
o aluno livre para escolher diferentes notas e ritmos, desde que seguindo as sugestes
da partitura (figura 1.1). O livro bem organizado, as instrues para o professor so
bastante claras e sugestivas, trazendo idias divertidas que parecem realmente seduzir
as crianas iniciantes.

Figura 1.1 Offermans, Fr den jungen Fltisten, The First Step.

6
Wil Offermans, Fr den jungen Fltisten: 10 unterhaltsame zeitgenssische Stcke fr SoloFlte und Fltenensemble (Frankfurt: Zimmermann, 1995), 4.

Tambm voltada a crianas iniciantes no instrumento, Phylis Avidan Louke


comps uma srie de doze duetos, Extended Techniques Double the Fun,7 que, por
sua vez, incluem uma ou mais tcnicas estendidas cada. So nove composies prprias e trs arranjos de melodias tradicionais americanas, a maioria bastante acessvel
a alunos iniciantes. H, entretanto, alguns problemas de notao que podem dificultar a interpretao. Na pea Telephone, por exemplo, as colcheias so agrupadas de
trs em trs num compasso (figura 1.2). A inteno enfatizar a acentuao; mas,
com iniciantes, agrupar as colcheias duas a
13

duas e acentu-las a cada trs funcionaria


muito melhor, pois o aluno pode confundir essa notao com a de um compasso 68.
J para a tcnica cantar-e-tocar no h
notao especfica, apenas a indicao sing
and play acima das notas, na pea Pop

Figura 1.2 Notao rtmica em Telephone.

Goes the Weasel (figura 1.3); ou uma indicao na primeira de uma srie
de notas de que devem ser cantadas e tocadas, na pea The Bagpiper (figura 1.4).
Ainda assim, alguns dos duetos so interessantes. Meldica, harmnica, rtmica e estruturalmente, contudo, todos so muito convencionais, o que, de certa
forma, enfraquece o trabalho, pois nele o autor desperdia a oportunidade de introduzir traos estilsticos mais contemporneos.
Figura 1.3 Notao para cantar-e-tocar
em Pop goes the Weasel.

Figura 1.4 Notao para cantar-e-tocar em The Bagpiper.

Phylis Avidan Louke, Extended Techniques Double the Fun (Charlotte, NC: Alry
Publications), 2004.

1.3

Mtodos, estudos e manuais

Como exemplo de manual de tcnicas estendidas, temos Metodo per flauto, de


Pier Luigi Mencarelli (1975), parte da coleo Nuova tecnica per istrumenti a fiato
di legno. No prefcio do livro, o organizador da coleo, Bruno Bartolozzi pioneiro na sistematizao de tcnicas estendidas para instrumentos de madeira adverte que estes mtodos so dirigidos mais do que a principiantes a
instrumentistas adiantados, com bom domnio das tcnicas tradicionais.8 Esse livro
14

amplamente usado como fonte de consulta para compositores, por apresentar


tabelas bastante completas das possibilidades estendidas do instrumento. dividido
em duas grandes partes: tabela geral de posies e classificao tmbrica dos sons (alteraes de quarto-de-tom, diversidade tmbrica de um mesmo som, tratamento do
som por meio do controle do lbio e efeitos especiais); e tabela dos acordes de timbres homogneos e heterogneos (multifnicos). As instrues para a produo dos
sons no so muito elucidativas, e assim o mtodo parece mesmo dirigido a quem j
tem domnio e experincia com tcnicas estendidas, abrindo uma gama enorme de
possibilidades sonoras no-tradicionais.
Mais recente (1986), e complementar ao trabalho de Mencarelli, o livro de Robert Dick, Tone Development through Extended Techniques, tambm referncia no
estudo das tcnicas estendidas. Diferentemente do primeiro, o autor defende que o
trabalho com novas sonoridades pode auxiliar, muito, no aperfeioamento da sonoridade tradicional por desenvolver fora, flexibilidade e sensibilidade na embocadura, alm de maior acuidade auditiva e portanto seu uso deve ser incentivado
mesmo que no haja interesse pelo repertrio que as envolva diretamente. Segundo
o autor, algum que consiga tocar, por exemplo, a Sonata de Hindemith, est pronto
para comear este trabalho.9 O livro traz uma srie de exerccios e explicaes de
como as tcnicas devem ser realizadas, e dividido em trs captulos. O primeiro, Estudos Preliminares, trata do aperfeioamento da embocadura aborda harmnicos,
flexo de afinao (tone bending) e whisper tones. O segundo, Timbres Estendidos,
dividido em sons difusos, sons brilhantes, escalas tipo bambu e trilos tonais; traz
tabelas de posies para cada nota sugerida. O terceiro captulo, Multifnicos, tambm apresenta tabelas bastante claras, mas que no incluem a dinmica possvel ou a
facilidade de emisso de cada um. Estas informaes so encontradas em outro livro
8
Pierluigi Mencarelli e Bruno Bartolozzi, Metodo per flauto (Milo: Edizioni Suvini Zerboni, 1975), 3.
9
Robert Dick, Tone Development through Extended Techniques (Saint Louis: Multiple
Breath, 1986), 7.

do mesmo autor, The Other Flute.10 As duas publicaes so semelhantes tanto no


contedo quanto na estrutura.
Outra fonte bastante rica e muito utilizada tanto por intrpretes quanto por
compositores o tratado Fltes au prsent, do flautista Pirre-Yves Artaud e do compositor Gerard Geay.11 Apesar da estrutura dos captulos e suas sub-divises serem
bastante obscuras, o livro, cuja edio bilnge (francs e ingls), alm de tabelas
de posies tanto para flauta de concerto quanto para flautim, flauta contralto e flauta
baixo, traz descries detalhadas das tcnicas estendidas mais usadas, com uma sugesto de notao bastante aceita na literatura contempornea para flauta, especialmente na Europa. Nelas, inclui informaes extremamente teis e precisas sobre o
que funciona melhor em determinado registro, ou conselhos para os compositores
sobre como utilizar as tcnicas com maior eficincia.
No manual de tcnicas estendidas Special effects for flute, Sheridon Stokes e Richard Condon12 incluem um disco compacto de vinil com exemplos gravados de vrias novas sonoridades. A edio muito bem ilustrada, com desenhos grandes das
posies alternativas necessrias para a execuo (figura 1.5). Os autores descrevem
e procuram explicar trilos tonais, sons difusos, multifnicos, ataques acentuados incomuns, whisper (whistle) tones, cantar-e-tocar, harmnicos, pulsaes no usuais da
coluna de ar (frullato, vibrao do lbio ou da garganta e vibrato pronunciado), subtons alcanados soprando-se a flauta ao modo de um trompete, glissando e uma surdina, feita tampando-se parte da abertura do bocal com uma fita adesiva. O manual
pode ser usado como referncia tanto
para flautistas (mesmo com iniciantes,
pois as ilustraes so claras) quanto
para compositores (que tm a oportunidade de ouvir alguns dos sons especialmente os multifnicos
gravados).
Figura 1.5 Notao de multifnico no tamanho como aparece em Special effects for flute.
10

Robert Dick, The Other Flute: a Performance Manual of Contemporary Techniques, 2 ed.
(Saint Louis: Multiple Breath), 1989.
11 Pierre-Yves Artaud e Grard Geay, Fltes au prsent: trait des techniques contemporaines
sur les fltes traversires lusage des compositeurs et des flutistes (Paris: ditions Jobert, 1980).
12 Sheridon W. Stokes e Richard A. Condon, Special effects for flute (S.l.: Trio Associates,
1976).

15

Tambm de Wil Offermans, h um caderno contendo doze estudos voltados a


flautistas adiantados For the Contemporary Flutist cada um dedicado ao domnio de uma tcnica estendida em particular (com exceo do nono, que emprega vrias delas), alm de um voltado notao grfica e improvisao. As composies so
musicalmente interessantes, o que torna sua execuo prazerosa.13 No final do volume,
explanaes detalhadas sobre o domnio de cada uma das tcnicas fazem este livro
um guia valioso para o flautista interessado na interpretao de msica
contempornea.
16

1.4

Internet

H, disponvel na web, o artigo Why not Extend your Palette?, no qual Dean
Stallard prega o uso de tcnicas estendidas por flautistas de todos os nveis, sejam eles
interessados em msica contempornea ou no. Seu argumento que, se artistas [plsticos] esto sempre buscando o desenvolvimento de novas tcnicas que sirvam as suas
preferncias, os msicos deveriam fazer o mesmo, j que a msica tambm uma
forma de Arte.14 O autor descreve detidamente vrias tcnicas estendidas, arrolando
razes para o aprendizado de cada uma delas e sugerindo uma srie de exerccios para
o seu desenvolvimento e prtica, com uma linguagem esclarecedora e acessvel.
Tambm na web, h uma lista bastante completa de tcnicas estendidas, escrita
por Matts Mller, New Sounds for Flute on flute techniques from the 20th century, na qual se incluem exemplos sonoros dos efeitos.15
Em sua pgina, do mesmo modo, Larry Krantz lista uma srie de tcnicas estendidas (especialmente baseadas na bibliografia de Robert Dick), descrevendo-as e
disponibilizando exemplos sonoros, alm de uma pequena bibliografia anotada sobre
o assunto.16
No stio de John McMurtery h textos, partituras e vdeos descrevendo as tc13

Wil Offermans, For the contemporary flutist: twelve studies for the flute with explanations
in the supplement (Frankfurt: Zimmermann, 1992). Offermans gravou dez dos estudos e os
lanou comercialmente num CD intitulado Daily Sensibilities (Amsterdam: BVHAAST Records, s.d.).

14

Dean N. Stallard, Extended Techniques for New Beginners: a presentation of the use
of contemporary flute technique at the beginner level, The Full Pitch Music Resource,
http://www.fullpitcher.co.uk/Dean.htm (acesso em 12 de maro de 2009).

15

Matts Mller, New Sounds for Flute: on Flute Techniques from the 20th Century,
http://www.sfz.se/flutetech/index.htm (acesso em 12 de maro de 2009).

16

Larry Krantz, Extended Techniques Resource Page, http://www.larrykrantz.com/


et/et.htm (acesso em 12 de maro de 2009).

nicas estendidas mais usadas no repertrio contemporneo. O autor divide as tcnicas


em cinco grupos (tcnicas comuns, tcnicas polifnicas, efeitos percussivos, sonoridades alternativas e outras tcnicas). Para cada tcnica descrita h geralmente um
ou mais exemplos (excertos) de obras contemporneas em partitura e o prprio
McMurtery executando-os em vdeo.17
Phylis Avidan Louke dispe na web uma lista de repertrio com gradao do
nvel iniciante ao intermedirio para flauta solo, flauta e piano, duetos, trios, e
grupo de flautas que inclui tcnicas estendidas, indicando quais tcnicas aparecem
em cada pea ou coleo.18

No possvel, e nem a inteno aqui, que esta reviso bibliogrfica seja exaustiva. No decorrer deste trabalho foram sendo encontradas novas fontes especialmente na internet, onde so mais facilmente acessveis. Isto justificvel, exatamente
porque estamos lidando com a msica de nosso tempo, e as possibilidades, juntamente com o interesse pelo novo, so desejavelmente crescentes. Este um
campo aberto e em expanso.

17

John McMurtery, Extended techniques for flute, http://www.johnmcmurtery.com/


ET/index.html (acesso em 12 de maro de 2009).
18

Jennifer Binney Clippert, Patricia George, Camilla Hoitenga, Rita Linard, Phyllis Louke,
e Cynthia Stevens, Pedagogy Panel on Extended Techniques (Lista de repertrio compilada
para o conveno anual da National Flute Association, em Nashville, EUA, 11-15 de agosto
de 2004), in Phyllis Louke Extended Techniques, http://palouke.home.comcast.net/
~palouke/RepExtendedTechniques.htm (acesso em 12 de maro de 2009). Ver tambm Susan
Maclagan, The ABC'S of teaching extended techniques, Dr. Johns Flute Clinic,
http://www.johnranck.net/studio/clinic/practice_corner/ abcs.html (acesso em 12 de maro
de 2009).

17

Captulo 2

Tcnicas estendidas

Tcnicas estendidas
O universo de sonoridades possveis atravs do uso de tcnicas estendidas crescente. Novos sons so criados de acordo com as idias do compositor e novas idias
podem necessitar de novos caminhos de execuo, resultando em novas tcnicas.
Porm, em funo de seu uso bastante difundido, algumas tcnicas estendidas j so
tradicionais (se que cabe aqui a palavra) e fazem parte de manuais e catlogos que
podem ser utilizados tanto por compositores quanto por intrpretes.
Neste captulo ser abordada uma seleo das principais tcnicas, aquelas usadas
nas composies que fazem parte deste trabalho (ver Captulo 5) e que, por experincia, sabe-se no serem de difcil execuo para os iniciantes.

2.1

Trilo tonal

s vezes chamado bisbigliando (murmurando em italiano, termo que deve


entretanto ser evitado, porque usado por diferentes autores para efeitos diversos),
ou vibrato de chave, ou trinado enarmnico, ou trinado de timbre (timbral
trill).
Enquanto o trinado tradicional obtido alternando-se uma nota com outra um
semitom ou um tom acima da principal, no trilo tonal a alternncia entre dois timbres diferentes da mesma nota, aquele obtido com a posio normal e um segundo
usando-se de uma posio adicional, esta muitas vezes com alterao da afinao um
pouco para baixo. H vrias notaes diferentes para este efeito.
~~~
~~~
~~~

~~~~~~~
#
&
7

Takemitsu1 nota um sinal de trinado normal com a indicao


da posio das chaves que se alternam entre abertas e fechadas
com o sinal ~~~ (figura 2.1), muito parecida com a de Mller (web), que no uti-

Figura 2.1 Notao


usada por Takemitsu.

liza as letras , apenas a linha ~~~~ para


indicar o trinado (figura 2.2).

A notao aprovada pela conferncia de Gent (figura 2.3) uma


notao tradicional de trinado com a nota a ser alternada entre Figura 2.2 Notao
parnteses3 no caso, sempre a mesma nota, dado que o tri- sugerida por Mller.
nado de timbre:
1

Toru Takemitsu, Air, for flute (Tokio: Schott Japan, 1996), 5.

Matts Mller, New Sounds for Flute, <http://www.sfz.se/>.

Lesley Carol Olson, The Pedagogy of Contemporary Flute Music, 116.

21

&

~~~~~~
# #
( )

Figura 2.3 Notao aprovada na conferncia de Gent.

A notao utilizada neste trabalho vem a ser uma combinao destas trs. Basicamente a notao usada por Takemitsu e Mller, que apresentam bastante clareza
quanto digitao e ao smbolo de trinado j familiar. Porm, para indicar claramente
que o trinado feito com a mesma nota, esta ser colocada entre parnteses, como
22

indicado pela Conferncia de Gent.

~~~~

~~~~~~~~~~~~
& bw t

Figura 2.4 Notao de trilo tonal adotada neste trabalho.

2.2

Som de vento ou wind tones

No som de vento (ou som elio), possvel escutar somente o sopro, e no


o som natural da nota. Para a sua produo, a abertura do lbio deve ser maior e a direo do ar mais horizontal do que na produo do som natural.4 Artaud5 indica que,
para obter uma altura precisa, a tessitura deve estar entre o mi grave e o mi mdio,
mas que seria possvel produzir sons de alturas menos precisas at o si b mdio e tam-

bm abaixo do mi grave. Artaud sugere ainda que a digitao deve ser a tradicional
entre o d grave e o r # mdio, e que a chave correspondente ao indicador da mo esquerda deve ficar aberta, mantendo-se os outros dedos nas posies tradicionais, entre
o mi mdio e o si b mdio.
possvel ainda misturar o som de vento ao som normal e passar de um para o
outro. A notao usada por Artaud a seguinte:

s o sopro

sopro e nota
passagem progressiva de um som ao outro

Figura 2.5 Notao da transformao de som de vento em som normal,


adotada por Artaud.

Wil Offermans, For the contemporary flutist, 39.

Jean-Yves Artaud, Fltes au prsent, 118.

De acordo com Olson6, esta notao, com uma cabea de nota triangular, seria
a notao que vem se tornando mais aceita (generally becoming accepted) para os
sons de vento (elios). Essa, porm, no ser a notao adotada neste trabalho, por
duas razes: muito parecida com a notao de tongue ram (ver abaixo 2.4), o que
pode gerar confuso; e causa dificuldade na notao rtmica (pois a distino entre
uma mnima e uma semnima faria com que fosse necessrio ou preencher o tringulo
vazado o que causaria ainda mais confuso com o tongue ram ou indicar-se o
ritmo paralelamente, fora da pauta.
A notao utilizada por Offermans (figura 2.6) parece mais apropriada, por ser
mais sugestiva.7 Parece elucidativo tambm o uso da letra N para indicar o som normal que, de modo gradual (indicado por uma flecha figura 2.7), muda para som
de vento, ou vice-versa. esta a notao que ser adotada.

& w

&

Figura 2.6 Notao de sons de vento, usada


por Offermans.

Figura 2.7 Notao da transformao


gradual de som de vento em som
normal, adotada neste trabalho.

2.3

Whisper tones

O whisper tone (som de sussurro, ou whistle tone som de assobio) produzido soprando-se muito suavemente no tubo da flauta com uma coluna de ar
lenta, porm focada de maneira tal que o ar na flauta no vibra completamente e
refora um dos harmnicos parciais em detrimento do resto do espectro sonoro. O
som obtido lembra o som de um assovio, tnue porm muito expressivo.9

Olson, 112.

Wil Offermans, For the Cotemporary Flutist, 7.

Olson (ibid.) comenta ser esta notao agradavelmente intuitiva, sugerindo sopros de
vento como os desenhados por cartunistas e distintas dos demais smbolos usados para T.E.,
apesar de ainda no ser usada por outros compositores.

Offermans, ibid., 50; Robert Dick, Tone Development through Extended Techiques, 26;
Artaud, ibid., 120; Sheridon W. Stokes & Richard A. Condon, Special Effects for Flute, 17.

23

Artaud10 indica duas possibilidades de uso desta tcnica:


1) Pode-se usar o som do harmnico parcial correspondente posio da nota.
Segundo o autor, essa tcnica relativamente fcil no registro agudo, e vai se
tornando mais difcil quanto mais grave for a nota, sendo praticamente impossvel no registro grave.
2) possvel produzir uma varredura (balayage) do espectro sonoro a partir
de uma s nota (preferivelmente uma nota grave). Este uso de whisper tones
tambm chamado efeito de guimbarda.
24

justamente este segundo uso que interessa aqui, por ser de mais simples execuo
do que o whisper tone com notas definidas, e portanto mais apropriado para iniciantes.
A notao sugerida por Artaud para esta tcnica grfica um diamante para
indicar a posio da nota e uma linha sugerindo o caminho dos harmnicos parciais
para dar mais liberdade ao intrprete.

Figura 2.8 Notao da varredura (balayage) de whisper tones, adotada por Artaud.

Ser adotada esta notao, acrescentando as letras WT (amplamente utilizadas na literatura) para deixar claro que se trata de um whisper tone.

&O
WT

Figura 2.9 Notao dos whisper tones, adotada neste


trabalho.

10

Artaud, 120-1.

2.4

Tongue ram

O tongue ram um efeito percussivo obtido quando se cobre o porta-lbio


com a boca e, atravs de um movimento rpido, fecha-se a passagem de ar com a lngua. O som resultante soa uma stima maior abaixo da nota digitada.11 Artaud12 sugere que a extenso para o tongue ram seja do d grave (que soa o r b uma stima
maior abaixo) ao d # mdio (que soa como r grave). Segundo o autor, alm desta
tessitura o efeito de tongue ram se conserva, mas a sonoridade mais um objeto sonoro do que um som preciso. Outro fato a ser considerado que, numa seqncia
de tongue rams, o intrprete deve ter tempo para que a lngua volte posio inicial
e seja possvel proceder ao tongue ram seguinte. A mesma preparao deve ser levada
em conta quando o tongue ram entra em meio a uma seqncia de notas tradicionais,
pois ainda soma-se o tempo necessrio para que o flautista consiga posicionar o instrumento na boca, girando-o para dentro para cobrir o orifcio completamente.13
A notao adotada tanto por Artaud referncia na Europa quanto por
Dick que exerce grande influncia na Amrica do Norte inclui as iniciais TR
e uma cabea de nota em forma de diamante.14 Artaud inclui ainda um smbolo para
indicar que a embocadura encoberta e um outro indicando o som resultante do tongue ram, semelhante notao dos harmnicos.
posio digitada
som produzido

Figura 2.10 Notao usada por Artaud para o tongue ram,


dentro da tessitura sugerida.

Justamente para evitar alguma possvel confuso com a notao dos harmnicos,
ser adotada neste trabalho uma notao semelhante de Salvatore Sciarrino15, e de
grande aceitao na Europa, em que se indica somente a posio dedilhada para o
tongue ram, da seguinte maneira:
11

John McMurtery, Extended techniques for flute, www.johnmcmurtery.com/ET/


PEtr.html; Larry Krantz, Extended Techniques Resource Page, www.larrykrantz.com/et/
et.htm ; Artaud, ibid., 117.
12

Artaud, ibid.

13

McMurtery, ibid.; Artaud, ibid.

14

Olson, 128.

15

Salvatore Sciarrino, Come vengono prodotti gli incantesimi?, in LOpera per flauto (Milano: Ricordi, 1990), 12.

25

Figura 2.11 Notao de tongue ram por Sciarrino.

Sciarrino acrescenta que os tongue rams podem ser produzidos inspirando ou expirando, o que possibilita maior velocidade nos ataques.16
26

2.5

Percusso de chave

Este efeito (tambm chamado de clique de chave ou key slap) obtido com
um golpe rpido da chave ao fechar um orifcio do instrumento. A princpio, a percusso de chaves possvel com qualquer posio bsica da flauta. Artaud, entretanto,
chama a ateno que, para que seja possvel a percepo de uma altura especfica, a
tessitura deve ser limitada a d gravel mdio, e que para as notas da segunda oitava
(ou registro mdio) deve-se abrir a chave correspondente ao indicador da mo direita.17 Para a sua execuo, o flautista posiciona os dedos para uma nota especfica e
percute uma chave (geralmente do anelar da mo esquerda ou do ltimo dedo mais
direita usado na posio da nota). O clique de chave pode ser executado sem o ar
soprado pelo tubo da flauta ou combinado com o sopro.18 A notao geralmente
usada para o clique de chave com um x no lugar da cabea da nota quando no se
usa o ar, ou uma nota regularmente escrita com um sinal + junto cabea.

&

Figura 2.12 Notao de clique de chave, sem


usar e usando ar, respectivamente.

16

Para o compositor, a informao de que o tongue ram soa uma stima maior abaixo realmente relevante. Para a criana, porm, desnecessrio que esta informao seja notada, pois
sobrecarregaria desnecessariamente a partitura uma vez que o professor pode informar, verbalmete, que o efeito soar mais grave do que o escrito. importante distinguir entre tongue
ram e tongue slap (tambm chamado de tongue pizzicato), que s vezes so confundidos. O tongue slap tambm produzido por um golpe de lngua, mas sem a ocluso do orifcio pelos lbios,
pontanto sem soar uma stima abaixo.
17
18

Artaud, ibid., 112.

No seu website, Krantz chama ateno para o fato de que, mesmo que o ar no seja usado,
a flauta deve estar posicionada no queixo, na posio de tocar, com os lbios semi-abertos pois,
caso contrrio, os cliques de chave ficaro desafinados (muito altos).

Segundo Dick, a boca pode servir de caixa de ressonncia, e possvel mudar a


sonoridade e a afinao do clique mudando a posio dos lbios.19 A posio da embocadura influencia a altura do som, que fica mais baixa medida que se cobre o orifcio com os lbios, e quando aquele totalmente coberto, os cliques de chave soam
uma stima maior abaixo.20

2.6

Harmnicos

Os harmnicos so usados naturalmente na produo do som na flauta, pois o


segundo registro (a partir do mi mdio at o d # agudo) obtido enfatizando-se o
segundo harmnico parcial ao invs da fundamental, o que se consegue atravs de
mudanas na coluna de ar, criando as condies para que a freqncia mais aguda
soe mais intensamente. Portanto, o uso de harmnicos faz parte da tcnica tradicional
da flauta transversal.
Como tcnica estendida, sero utilizados neste trabalho tambm o terceiro e
quarto harmnicos parciais a partir das posies das notas graves.21
Existem duas maneiras mais difundidas de notar o uso destes harmnicos:
1) possvel indicar que a nota deve ser produzida por harmnicos colocandose um pequeno crculo acima da nota (figura 2.13). Deste modo, o intrprete
tem a liberdade de escolher a partir de que fundamental a nota ser realizada:

Neste caso, o som do r agudo poder ser alcanado


a partir do r grave, do sol grave, ou do r mdio (o
timbre varia de acordo com a posio escolhida).

&
Figura 2.13

2) Indica-se a posio com uma nota em forma de diamante e o harmnico desejado com uma cabea de nota normal (figura 2.14), s vezes com um pequeno crculo acima da cabea da nota.22

& O

Figura 2.14 Notao de harmnico, com a indicao


da fundamental.

Neste trabalho, para que o iniciante no necessite pesquisar qual a fundamental


necessria para a obteno do harmnico, ser usado o segundo tipo de notao, indicando sempre a fundamental.
19

Robert Dick, The Other Flute, 137.

20

Artaud, ibid., 112; Krantz, ibid.

21

Em The Other Flute, 10-11, Robert Dick apresenta um tabela de harmnicos naturais,
onde h indicaes de afinao e de facilidade de execuo.
22

Quando a posio indicada, alguns compositores omitem o pequeno crculo.

27

2.7

Glissando, flexo de afinao ou pitch-bend

Existem dois tipos de glissandos: o glissando de chaves e o pitch bend, ou


glissando de lbio.23
Neste trabalho no ser abordado o uso de glissando de chaves, pois muitos
deles s podem ser realizados em flautas com chaves abertas e crianas iniciantes
usualmente tocam em flautas com chaves fechadas.
O outro tipo de glissando, que mais restrito na inflexo da mudana de altura,
28

porm bastante verstil, o realizado mudando o ngulo da flauta com relao ao


lbio. Consegue-se este efeito girando a flauta para dentro ou para fora e/ou levantando ou abaixando o queixo.24 Pode ser realizado com praticamente qualquer nota
na flauta, mas na primeira e segunda oitava so mais fceis.25 Outro fato a ser considerado que, quando o recurso a mudana de ngulo, mudanas de afinao para
baixo na flauta so mais fceis do que para cima.26
Este efeito notado com uma linha sugerindo a direo da altura da nota logo
aps sua cabea.

&

Figura 2.15 Notao de pitch bend.

2.8 Assobio a jato ou jet whistle


O nome desta tcnica estendida vem da pea de Villa-Lobos, Assobio a Jato.
Apesar de ser uma pea brasileira, o termo em ingls adotado universalmente. Para
conseguir este efeito, encobre-se o porta-lbios completamente com a boca e assopra-se com fora contra a parede interna do orifcio. Sua execuo a princpio bastante fcil, pois deste modo, assoprando dentro do instrumento, que o flautista
aquece seu instrumento.27 O compositor, porm, deve tomar o cuidado de dar tempo
23

Em seu website, McMurtery chama este efeito de lip gliss glissando de lbio; Dick (The
Other Flute, 76 e 140) distingue este efeito, que chama de pitch bend, do glissando, que seria o
de chaves.

24

Dick, Tone Development, 25; Olson, ibid.,120; McMurtery, ibid.; Mller, ibid.

25

McMurtery, ibid.

26

Em The Other Flute, 140, Robert Dick apresenta uma tabela com as possibilidades de
pitch-bend.

27

O professor normalmente alerta para que o aquecimento seja silencioso, com um leve
sopro quente, vindo da garganta, para o interior do instrumento. Entretanto os iniciantes, crian-

para que o instrumentista posicione a flauta, que fica numa posio diferente daquela
de tocar normalmente, e respire o suficiente, pois o jet whistle exige bastante ar. A
notao usada a seguinte:

JW

&

Figura 2.16 Notao de jet whistle.

nossa observao que possvel um controle, limitado, da direo do jet whistle, aumentando ou diminuindo a presso do ar. Para este efeito, podemos usar a
seguinte notao:
Figura 2.17 Notao de jet whistle, com controle
da presso do ar, e com a posio
determinada ou no.

2.9

Multifnicos

Quando se pensa na flauta, normalmente a idia que se toque uma nota de


cada vez. Offermans sugere que o flautista,
treinado e influenciado pelo sistema notacional ocidental, costuma imaginar e produzir apenas uma nota de cada vez. Infelizmente, este sistema notacional reduz o
sentido da escuta a simplesmente perceber e reconhecer uma nota. Como resultado,
ensina-se o flautista que no haveria a possibilidade de tocar mais de uma nota ao
mesmo tempo. Mas, na realidade, o oposto verdade! 28

Na verdade, os multifnicos duas ou mais notas tocadas de uma s vez


so uma possibilidade amplamente usada na msica contempornea.29 Para produzilos, o flautista deve ser capaz de manipular a coluna de ar de maneira a fazer duas ou
mais vibraes componentes do som soarem ao mesmo tempo. De acordo com
Dick30, existem literalmente milhares de possibilidades de combinaes de alturas,
desde algumas que so fceis de tocar at outras de dificuldade extrema.
Para notar multifnicos, escrevem-se regularmente as notas que devem soar e
indica-se acima como deve ser sua digitao.
as e adolescentes especialmente, gostam muito de aquecer a flauta sonoramente e comum
produzirem jet whistles espontaneamente (muitas vezes em momentos inoportunos!).
28

Offermans, ibid., 48.

29

curioso que os primeiros mtodos para multifnicos foram publicados por volta de
1820, como por exemplo, em Viena, Schule fr Doppeltone auf der Flte, de Georg Bayr (cf. Offermans, ibid., 48).
30

Dick, Tone Development, 36.

29

Para este trabalho, selecionamos algumas combinaes simples, tanto na digitao


quanto na emisso.

bw
& w
30

w
w

#w

#w
#w

n n ww

Figura 2.18 Notao dos multifnicos selecionados.

2.10

Trmolos com efeito glissando

Inspirado na obra de Sciarrino, especialmente em Come vengono prodotti gli


incantesimi?31, esse efeito de fcil execuo e sonoramente muito interessante. Digita-se normalmente notas que necessitam somente da mo esquerda enquanto a mo
direita faz um trmolo com as chaves de r e r # . Sciarrino nota-os da seguinte forma:

Figura 2.19 Sciarrino, notao de trmolos com efeito glissando.

No caso deste trabalho, as notas usadas sero sol-l-si e o trmolo feito somente
com a chave de r. A notao tambm foi simplificada:
r
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

&

Figura 2.20 Notao de trmolo com efeito glissando adotada neste trabalho.

31

Sciarrino, ibid., 16.

2.11

Tocar s com a cabea da flauta

Esta tcnica comumente utilizada para o ensino da embocadura a iniciantes.


possvel tocar com a cabea aberta ou fechada e ainda executar glissandos.
Isabelle Ory, em se mtodo La Flute Traversire32, sugere o trabalho com notas
provenientes da cabea fechada ou aberta e seus primeiros harmnicos parciais, l3 ,
l4 , mi 5 e l 5 .33 A autora indica se a posio com a cabea fechada ou aberta atravs
das letras F (ferme) e O (ouvert), escritas abaixo da nota, como mostra a figura:34
31

Figura 2.21 Notao de Ory de exerccio executado apenas com a cabea.

A indicao com letras para abrir e fechar no parece muito elucidativa, e a princpio funcionaria somente em francs. interessante notar que a criana de quem
tomei emprestado o mtodo, que francesa, fez anotaes acima das notas (crculos
vazados e preenchidos, bastante sugestivos, ver figura 2.21 acima) obviamente para
facilitar a leitura do exerccio.
Antje Stahl, no incio de seu mtodo para crianas iniciantes, tambm faz uso
desta tcnica.35 Alm de trabalhar com cabea fechada e aberta, sugere notao para
dois tipos de glissandos introduzindo e retirando o dedo indicador da mo direita
no tubo ou abrindo o orifcio aos poucos com a palma da mo e ainda o que chama
de Indianergeheul (em alemo, uivo do ndio), uma imitao do som obtido pelas
crianas quando vocalizam abrindo e fechando a boca com a palma da mo, fazendo
o movimento rpido de abrir e fechar a cabea da flauta.

32
33
34
35

Isabelle Ory, La Flute Traversire, vol. 1 (Paris: Edition Van de Velde, 1993), 11-16.
Esta afirmao errnea, pois o intervalo entre fechado e aberto de stima maior,
portanto as nota seriam l3 , sol # 4 , mi5 , sol # 5 .
Ory, ibid.,15.
Antje Stahl, Spiel- und Arbeitsbuch: fr junge Fltisten (Frankfurt: Zimmermann, 1997),
8-9.

Nome
(Alemo/Portugus)

Smbolo

Modo de Tocar

Zeigfinger/indicador

pr e tirar o dedo indicador dentro da cabea

Vogelruf/pio de pssaro

abrir lentamente a cabea


fechar lentamente a cabea

Kuckuck/cuco

abrir e fechar a cabea de modo rtmico lento

Indianergeheuel/uivo do ndio

Figura 2.22 Simbologia sugerida por Stahl.

32

Stahl usa os smbolos acima no pentagrama:

Figura 2.23 Exemplo de notao em pentagrama por Stahl.

Como no existe nenhum tipo de notao padro para esta tcnica, a que ser
adotada a que temos usado ao longo dos anos, em parte sugerida pelas crianas, em
parte adaptada para favorecer a escrita rtmica. Assim, no usaremos pentagrama, j
que o que interessa no a nota em si, mas a altura (grave ou agudo).

&c

~~~~~~~

~~~~~~

w ~~~~~~~~~~~
~

Figura 2.24 Parte da flauta em Daldegan, Msica da Cabea.

Alm das tcnicas apresentadas neste captulo, existem outras possibilidades, especialmente algumas que envolvem produo simultnea de sons vocais e com a flauta,
como por exemplo chiar, sussurrar, cantar ou falar, com a embocadura fechada ou
aberta. O frulatto produzido por meio da vibrao da lngua ou a vula durante a
passagem da coluna de ar outra tcnica comum, mas no foi usada aqui, pois,
apesar de alguns conseguirem execut-la sem nenhuma dificuldade, nem todos os iniciantes conseguem, e para esses no foi encontrada uma maneira realmente eficaz de
ensin-la na prtica. A tcnica de cantar e tocar ao mesmo tempo no foi especificamente explorada nesta abordagem, porque, por experincia, as crianas brasileiras,
especialmente os meninos, parecem no gostar, e em alguns casos recusam-se a cantar.

Entretanto, essa uma tcnica possvel, que algumas crianas conseguem executar
sem dificuldade. O som de interferncia em que se toca uma nota longa na flauta
e simultaneamente se vocaliza um glissando para baixo e ento ouve-se um som ascendente, que resultado da interferncia do som cantado e o da flauta, por exemplo, muito divertido para as crianas, por seu efeito inesperado.
A criao de novos efeitos um campo vasto a ser explorado o limite a
criatividade do compositor e da criana, pois muitas vezes elas mesmas inventam
sons diferentes e muito interessantes. Por outro lado, importante considerar que
efeitos sonoros devem estar a servio da msica. S a qualidade esttica desta o
que inclui seu valor ldico justifica seu uso, mesmo que em composies para
crianas.
Portanto, no prximo captulo ser descrito como foi realizado o trabalho com
os compositores no trato com o material sonoro e suas indicaes e restries para o
uso com iniciantes.
Tabela 1 Tcnicas estendidas abordadas
nome adotado

outra nomenclatura

descrio

trilo tonal

bisbigliando vibrato de
chave, ou trinado enarmnico, ou trinado de timbre
timbral trill)

alternncia entre dois timbres diferentes da


mesma nota

som de vento

wind tones som elio

efeito em que possvel escutar somente o


sopro, e no o som natural da nota

whisper tone

som de sussurro, ou whistle


tone som de assobio

o ar na flauta no vibra completamente e


refora um dos harmnicos parciais em
detrimento do resto do espectro sonoro

tongue ram

percusso de
chave

efeito percussivo obtido cobrindo-se o


porta-lbio com a boca e, atravs de um movimento rpido, fechando-se a passagem de
ar com a lngua
clique de chave ou key slap

harmnicos

golpe rpido da chave ao fechar um orifcio


do instrumento
efeito obtido enfatizando-se o terceiro ou
quarto harmnico parcial ao invs da
fundamental

glissando

flexo de afinao tone bend ou


pitch-bend

realizado mudando o ngulo da flauta com


relao ao lbio

jet whistle

assobio a jato

encobre-se o porta-lbios completamente


com a boca e assopra-se com fora contra a
parede interna do orifcio

multifnicos

duas ou mais notas tocadas de uma s vez

trmolos com
efeito glissando

digita-se normalmente notas sol-la-si enquanto a mo direita faz um trmolo com as


chaves de r

tocar s com a
cabea da flauta

posssvel tocar com a cabea aberta ou fechada e ainda executar glissandos

33

Captulo 3

Apreciao

Apreciao
3.1

Familiaridade e gosto

A grande maioria dos artigos envolvendo msica contempornea e gosto data


do final da dcada de sessenta. De maneira geral, esses textos apontam para a noo
de familiaridade como fator muito importante no desenvolvimento do gosto. Existem
vrios estudos relacionando o envolvimento dos pais e famlia com aptido e desenvolvimento de habilidades musicais de crianas. Zdzinski, em Relationships among
Parental Involvement, Music Aptitude, and Musical Achievement of Instrumental
Music Students,1 cita diversos. Na abordagem do Mtodo Suzuki, que toma a aquisio da lngua materna como base para qualquer aprendizado e que vem servindo
autora desta dissertao como fundamentao didtica no ensino de instrumento
o envolvimento dos pais tem papel preponderante. Acreditando que o meio fator
fundamental na formao do indivduo, Suzuki afirma que a msica que se ouve no
ambiente familiar determinante no desenvolvimento musical da criana, pois assim
ocorre a sua familiarizao com a msica.2 Ao longo desta pesquisa, no foi encontrada, porm, bibliografia relacionando especificamente o envolvimento dos pais e
desenvolvimento do gosto musical. Ian Bradley afirma que um dos principais aspectos
do ensino de msica seria o de desenvolver a habilidade de apreciao para possibilitar
uma experincia esttico-musical mais rica.3 Em Repetition as a factor in the development of music preferences, Bradley defende que treino e experincia tm relao
com a formao do gosto, preferncia e julgamentos de valor, assim como o desenvolvimento de atitudes positivas em relao a composies musicais. Resultados de
seus estudos apontam para a importncia da familiaridade com a msica atravs da
repetio, e que mesmo sem instruo formal em apreciao musical, uma rotina simples de escuta repetitiva colaboraria para a formao de preferncias positivas pela
msica contempornea de arte.4 Por outro lado, num artigo publicado um ano mais

1
Stephen F. Zdzinski, Relationships among Parental Involvement, Music Aptitude, and
Musical Achievement of Instrumental Music Students, Journal of Research in Music Education
40, n. 2 (Summer 1992): 114-125.
2

Shinichi Suzuki, Where Love is Deep (New Albany, Indiana: World-Wide Press, 1982),
passim.
3

Ian Bradley, Repetition as a Factor in the Development of Musical Preferences, Journal


of Research in Music Education 19, n. 3 (Autumn 1971): 295.
4

Idem, 298.

37

tarde, Effect on Student Musical Preferences of a Listening Program in Contemporary Art Music, o autor sugere que um programa envolvendo escuta analtica alm
da repetio poderia acarretar mudanas ainda maiores nas preferncias.5
H quem sustente, entretanto, que esta relao entre familiaridade e gosto no
seja assim to simples. David J. Hargreaves, num artigo escrito em 1984, intitulado
The effects of repetition on liking for music, defende tal ponto de vista, relatando
uma pesquisa experimental. Segundo o autor, a questo da escuta repetitiva na apre38

ciao positiva de uma msica tem efeitos tanto prticos quanto tericos. Canes
no rdio, por exemplo, ganham popularidade quando repetidas, alcanam um pico e,
depois disso, a repetio deixa de ter um efeito positivo e sua popularidade decai rapidamente. Este tipo de curva de popularidade pode ser descrita pela teoria do U
invertido, segundo a qual existe uma relao entre a exposio a um estmulo e o gostar deste.6 Segundo o texto, investigaes levam a crer que deve-se considerar tambm
o nvel de complexidade da pea e caractersticas pessoais do ouvinte; se h uma discrepncia grande entre o nvel de experincia musical do ouvinte e a complexidade
da pea, no se atinge o pico nvel timo do gostar. Para o autor, seria o caso, por
exemplo, de algum muito experiente ouvindo uma pea simplria demais ou uma
pessoa ingnua ouvindo uma obra muito complexa.7 Haveria variao no pico das
curvas tambm para diferentes tipos de msica: a msica popular alcana o pico com
poucas repeties, enquanto a msica erudita tem seu pico em escutas mais tardias.
Segundo Radocy e Boyle,8 as preferncias podem ser alteradas, mas os meios e
a direo destas alteraes no so sempre previsveis, e a reordenao destas preferncias seria filosoficamente questionvel. Por outro lado, atravs da educao formal, seria possvel e recomendvel a expanso das preferncias, com boas chances de
sucesso. Os autores citam um estudo de Hornyak segundo o qual a familiaridade aumentou as respostas positivas de crianas em idade de ensino fundamental com relao a composies contemporneas, mas no fez diferena nas respostas de crianas
mais velhas. Evidncias de que as crianas mais novas so mais abertas a novos reper-

Ian Bradley, Effect on Student Musical Preferences of a Listening Program in Contemporary Art Music, Journal of Research in Music Education 20, n. 3 (Autumn 1972): 352.

David J. Hargreaves, The Effects of Repetition on Liking for Music, Journal of Research
in Music Education 32, n. 1 (1984): 35.

Idem, 36.

8
R. E. Radocy e J. D. Boyle, Psychological Foundations of Musical Behavior (Springfield:
Charles C. Thomas Publisher, 1979), 235.

trios tambm so encontradas em Boal Palheiros et alii, numa pesquisa que investigou respostas de crianas brasileiras e portuguesas msica de arte do sculo XX.9
Os resultados mostraram tambm que a msica de arte do sculo XX no familiar
tanto para crianas portuguesas quanto brasileiras, pois no tocada na mdia, e raramente utilizada em programas de educao musical nas escolas. Os autores arrolam algumas razes pelas quais a msica contempornea considerada chocante e
no utilizada na sala de aula: melodias muito difceis de cantar, que vo alm dos limites da voz humana; ritmos e compassos irregulares; sons no-convencionais e eletroacsticos; harmonia no-tonal; contrastes extremos; freqentemente o feio se
torna valioso; misturas de gneros, estilos e modos de expresso e efeitos sonoros especiais. Segundo o texto, a combinao de algumas destas caractersticas perturbam
o senso de equilbrio na apreciao esttica, exigindo do ouvinte mais do que uma
escuta sedutoramente fcil e passiva.10
J Dalla Bella et alii parecem mesmo acreditar que o repertrio do sculo XX
seria inapropriado para uso com crianas pequenas, sugerindo inclusive o uso de msicas de filmes do Walt Disney para este propsito.11
Entretanto, um projeto de pesquisa com aplicao prtica direta na educao
musical como o Contemporary Music Project, entre outros, demonstra precisamente o contrrio.12 O projeto, que aconteceu nos Estados Unidos na dcada de sessenta, visava integrar compositores e programas de educao musical em escolas
pblicas e pagava para jovens artistas trabalharem como compositores em residncia
nessas escolas. Estes descobriram que a maioria dos educadores musicais no tinha
preparo para lidar com msica contempornea, por conseqncia tampouco seus alunos. Apesar disso, tanto alunos quanto professores participantes mostraram-se re9

Entende-se aqui msica de arte aquela cuja funo esttica exclusiva ou preponderante.

10

Graa Boal Palheiros, Beatriz Ilari e Francisco Monteiro, Childrens responses to 20th
century art music, in Portugal and Brazil, in Proceedings of the 9th International Conference
on Music Perception and Cognition, Bologna, 2006, ed. M. Baroni, A. R. Addessi, R. Caterina e
M. Costa (Bolonha: ICMPC and ESCOM, 2006), 590.

11

Simone Dalla Bella, Isabelle Peretz, Luc Rousseau e Nathalie Gosselin, A developmental
study of the affective value of tempo and mode in music, Cognition 80 (2001): B9. Esta idia,
de mera reproduo do que a mdia traz para o dia-a-dia, bastante comum na musicalizao
infantil. Em minha viso, quando adotado este caminho mais fcil, a escola, que a princpio
teria o papel de educar musicalmente, acaba corroborando a idia de limitar o horizonte esttico
das crianas.

12

Michael L. Mark, Contemporary Music Education (New York: Schirmer, 1996), 28-34.

39

ceptivos msica nova em sua experincia com os compositores em residncia; os


professores observaram que o crescimento musical das crianas e as atitudes com relao msica contempornea foram muito positivas. Algumas outras concluses a
partir do projeto foram:
A msica contempornea apropriada e interessante para crianas de qualquer
idade. Quanto mais cedo for apresentada, mais natural ser seu entusiasmo. Crianas
pequenas deveriam ser expostas ao som da msica contempornea antes de serem
capazes de intelectualiz-la.
()

40

Um dos maiores objetivos da apresentao de msica do sculo XX crianas deveria ser ajud-las a aumentar a sua discriminao auditiva, para que se tornem gradualmente capazes de ser seletivos em suas escolhas de msica contempornea.
Selees adicionais contemporneas, que sejam curtas em durao e simples em
estrutura, precisam ser localizadas ou compostas, de modo que possam ser incorporadas em um programa maior de educao musical.13

3.2

Apreciao musical: uma experincia

A fim de desenvolver familiaridade com o gnero, na pesquisa de campo que


ora se apresenta, alunos com idade entre oito e treze anos foram incentivados a escutar,
em casa, CDs com gravaes de msica contempornea para flauta que envolvessem
novas sonoridades. Antes deste perodo, de quatro meses, foi realizado um questionrio preliminar para avaliar a familiaridade e o gosto por este tipo de repertrio. Este
captulo versa especificamente esta parte do programa. Um aspecto importante a ressaltar, porm, que o projeto no tratou apenas da familiarizao das crianas com a
msica contempornea pela escuta passiva, mas a vivncia se deu tambm pela prtica
no instrumento. Durante suas aulas semanais, paralelamente ao repertrio tradicional,
os alunos trabalharam tambm com tcnicas estendidas, envolvendo a produo de
novas sonoridades atravs de pequenos estudos musicais e da prtica de repertrio
contemporneo. A parte prtica do programa discutida no sexto captulo.

13

Mark, ibidem, 31-32.

3.2.1

Procedimentos metodolgicos

Antes do incio do estudo, houve uma reunio com as mes, explicando o projeto. Elas assinaram um consentimento para que seus filhos participassem.14 Todas
se mostraram a princpio receptivas, e se dispuseram a colaborar com o estudo tocando os CDs para que seus filhos escutassem em casa.
No questionrio para avaliar a familiaridade e o gosto pelo repertrio contemporneo para flauta que envolvesse novas sonoridades no instrumento, as crianas
responderam a um questionrio que consistia na escuta de oito trechos de msica.
Aps cada trecho, respondiam a trs perguntas, marcando numa escala de 1 a 5 :
O quanto esta msica parece familiar para voc?
(1 muito estranha, 5 bem comum);
O quanto voc gosta desta msica?
(1 nem um pouco, 5 adorei); e
Gostaria de um dia tocar uma msica como esta?
(1 de jeito nenhum, 5 com certeza).
As crianas tambm eram livres para escrever algum comentrio sobre cada trecho. Os trechos ouvidos foram os seguintes, tendo sido escolhidos favorecendo a diversidade estilstica:
1. Brian Ferneyhough (1943- ) Carcere dInvenzione II (1985) flauta solo15
2. Wil Offermans (1957- ) Just a Short Version (1993) grupo de flautas16
3. Eric Dolphy (1928-1984) Gazzelloni (1964) flauta solo17
4. Toru Takemitsu (1930-1996) Cape Cod (1988) flauta e orquestra de
cordas18
14

interessante apontar aqui que, ao ser apresentada proposta da pesquisa na qual havia
a afirmao de que no haveria riscos fsicos ou psicolgicos para os participantes do estudo,
uma me comentou que a mudana de gosto poderia ser considerada um risco psicolgico.
Expliquei-lhe ento que o objetivo seria a expanso das preferncias, e no a sua alterao.
15

Brian Ferneyhough, Carceri di Invenzioni II, in Roberto Fabriciani, Flute XX. S.l.: Pilz,
1995, Arts 447167-2.

16

Wil Offermans, Just a Short Version, in Wil Offermans, The Magic Flute. Amsterdam:
E-Records, 1997, CD E-971.
17

Eric Dolphy, Gazzelloni, in Robert Dick, The Other Flute. Newton Centre, MA: GM
Recordings, 1995, GM2013.

18

Toru Takemitsu, Toward the Sea II, for alto flute, harp and strings, in 20th Century
Music for Flute and Orchestra. S.l.: Naxos, 1999, 8.554185.

41

5. Jean-Claude Risset (1938 - ) Passages (1982) flauta e eletroacstica19


6. Robert Dick (1950- ) Flying Lesson 5 (1984) flauta solo20
7. Wil Offermans (1957- ) Etude 8 (1990) flauta solo21
8. Bruno Maderna (1920-1973) Musica su due dimensione (1956) flauta e
eletroacstica22
Como instrumento de coleta de dados da audio informal das gravaes
CDs de msica contempornea para flauta cedidos em emprstimo foi organizada
42

uma agenda individual onde, entre outras coisas, cada aluno marcaria os dias em que
as escutasse (figura 3.1). Os alunos tambm foram incentivados a escrever algum comentrio sobre o que ouviam na semana. O CD com os trechos de msicas utilizado
no teste de preferncias, exemplos dos questionrios e tambm das agendas usados
para a coleta de dados encontram-se nos apndices desta dissertao.

Fig. 3.1 A agenda do aluno.

19

Jean-Claude Risset, Passages, in Roberto Fabriciani, Flute XX.

20

Robert Dick, Flying Lesson 5, in Robert Dick, The Other Flute.

21

Wil Offermans, Etude 8 (polyphonic singing), in Wil Offermans: Daily Sensibilities.


Amsterdam: BVHAAST Records, s.d., CD 9206.

22

Bruno Maderna, Musica su due dimensione, in Roberto Fabriciani, Flute XX. S.l.: Pilz,
1995. Arts 447167-2.

3.2.1.1

Participantes

Participaram do estudo quatro crianas de oito a treze anos, alunos meus, que
haviam iniciado seu aprendizado de flauta transversal h menos de dois anos. Os
nomes aqui apresentados so fictcios.
Alice, de oito anos, no incio do estudo tocava havia vinte e um meses. A
me, que leiga em msica mas envolvida com arte contempornea, desde o
incio do programa mostrou-se encantada pelo repertrio de msica com sonoridades diferentes. Seu pai msico profissional.
Ceclia, de dez anos, no incio do estudo tocava havia dezoito meses. A me
toca piano, e os dois irmos tambm tocam instrumentos. A me se diz receptiva
a todo tipo de msica.
Remo e Rmulo, gmeos de treze anos, no incio do estudo tocavam havia
seis e dezoito meses, respectivamente. Os pais gostam especialmente de MPB.
3.2.1.2 Resultados
Com relao ao questionrio de preferncias, um fato a ser considerado que
num teste como este no sempre possvel ter certeza de que as crianas, especialmente as mais jovens, entenderam completamente como proceder, por mais simples
que parea ser. Um problema apontado por Radocy e Boyle23 que qualquer tentativa de medir preferncias arriscada por diversos fatores, inclusive porque as pessoas
podem no responder honestamente s questes sobre suas preferncias. Ainda assim
foi possvel observar alguns pontos:
As peas Cape Cod, para flauta e orquestra de cordas, de Toru Takemitsu e
Gazzelloni, para flauta solo, de Eric Dolphy, mais convencionais do ponto de
vista da sonoridade e da harmonia, foram as peas com
Tradicionais
Eletroacsticas
avaliaes positivas mais altas (17 pontos numa escala de
20
4 a 20). As peas que envolviam sons eletroacsticos foram
as que tiveram as avaliaes mais baixas (9/4-20 nove
16
pontos numa escala de quatro a vinte; figura 3.2). Estes resultados so, em parte, diferentes dos apontados por Pa12
lheiros et alii,24 em que, num teste de apreciao
semelhante realizado em escolas pblicas, as peas conven8
cionais obtiveram as avaliaes mais altas, porm aquelas
4
com sons eletroacsticos tambm obtiveram resultados
positivos.
Fig. 3.2 Gostar
23

Radocy e Boyle, Psychological Foundations . . . , 224.

24

Palheiros et alii, Childrens responses . . . , 593.

43

As duas crianas mais jovens avaliaram mais alto o quanto haviam gostado
das peas (33/8-40, contra 21/8-40 dos mais velhos; figura 3.3) e demonstraram
vontade maior de tocar o repertrio (31/8-40, contra 23/8-40; figura 3.4).
As avaliaes apresentadas para familiaridade, no geral bastante baixas,
como era esperado, pareceram menos significativas: Alice parece ter confundido
familiaridade e gosto, apresentando valores improvavelmente altos (14,7/8-40,
sem considerar Alice, contra 30/8-40, para Alice; figura 3.5).

44

8-10 anos

8-10 anos

13 anos

13 anos

Sem Alice
Alice

40

40

30,0

30

30

22.5

20

20

15,0

10

10

7,5

Fig. 3.3 Gostar

Fig. 3.4 Vontade de tocar

Fig. 3.5 Familiaridade

No que tange o programa de escuta informal e no-dirigida, temos os seguintes


resultados:
Rmulo no ouviu nenhuma gravao.
Remo ouviu apenas dois CDs. Na terceira semana, escutou um com composies de Toru Takemitsu; seu comentrio foi na minha opinio o CD horrvel, as msicas so muito ruins. Na quarta semana ouviu um CD, com
gravaes de concertos de flauta e orquestra, com peas de compositores do sculo XX, bem mais tradicional harmonicamente do que o primeiro, e com uso
restrito de tcnicas estendidas na flauta. Seu comentrio: Msicas bem elaboradas e melhores que as do CD anterior. Depois no quis mais ouvir.
Alice ouviu todos os CDs, regularmente por dez semanas. Comentou: Eu
achei que [The Magic Flute, de Wil Offermans] lindo porque tem muitos
novos sons. Este CD [com peas de Andr Jolivet] no muito contemporneo, mas lindo. A melhor msica deste CD, a segunda [Piece, de Jacques
Ibert] porque mais clssica.
Ceclia ouviu os CDs com muita ateno, e produziu relatrios para cada
msica. Por exemplo: [Stabile de Jolivet] Demora para comear. D para ouvir
um sonzinho estranho e baixinho. uma msica estranha! Hey! Estou conseguindo ouvir algo . . . Que msica estranha. No consegui ouvir nada! Ah! Eu

no gostei desta msica. Ou sobre Hardiment, tambm de Jolivet: Nossa j


comea animada? E com tambores? Animada! Vrias notas agudas. Parece uma
festa de pssaros! J estou gostando desta msica! Agora s a flauta. O tambor
voltou! Parece um desfile! De escola! Acaba de repente! Gostei dessa msica!
Como, de certa forma, o estudo envolvia tambm a participao da famlia
pois seria papel das mes colocar os CDs para serem tocados em casa, cabe aqui levantar alguns pontos. A me de Alice, que, logo a princpio mostrou-se encantada
pelo repertrio a ser utilizado, foi a que mais incentivou a escuta, ouvindo, sempre
que possvel, os CDs com a filha. A me de Ceclia no teve a mesma disposio,
mesmo porque trabalha fora o dia todo, mas relatou perguntar sempre se a filha estava
gostando das msicas, procurando mostrar-se interessada. J a me de Remo e Rmulo, na primeira semana procurou incentivar a escuta dos CDs, lembrando-lhes
que deveriam ouvir as peas. Ao final de um ms, explicou, sensatamente, que no
iria for-los a ouvir os CDs, e que eles no demonstravam vontade de ouvir. Disse
tambm, que, na idade deles, ela no tinha como incentivar esta escuta informal.

3.2.2

Discusso

Os resultados do estudo indicam que reaes mais positivas so obtidas com


crianas mais novas (at dez anos) quanto abertura a repertrio no tradicional,
confirmando resultados de estudos anteriores.25 Os alunos mais velhos (treze anos)
demonstraram certo estranhamento na apreciao de gravao de obras contemporneas para flauta que envolvessem novas sonoridades.
A partir destes resultados, chegou-se concluso preliminar de que um programa que se restringisse escuta informal de CDs no traria resultados realmente
positivos quanto expanso das preferncias. Primeiramente, porque as crianas
ouvem o que gostam os alunos que a princpio no gostaram das msicas, tambm
no ouviram os CDs em casa. Estes resultados corroboram o que atestam Howe e
Sloboda numa pesquisa sobre influncias significativas em jovens msicos: o prazer
de uma criana na audio de msica , talvez surpreendentemente, muito limitado,
at que ela tenha aprendido um instrumento por vrios anos. Mesmo entre aqueles
jovens msicos muito competentes . . . de modo algum eram todos entusiastas por

25

Palheiros et alii, Childrens responses . . . ; e R. R. Hornyak, An analysis of student attitudes towards contemporary American music, Council for Research in Music Education 8
(1968): 1-14, apud Radocy & Boyle, Psychological Foundations . . . , 235.

45

escutar msica.26 Reibel, por sua vez, aps mais de quinze anos trabalhando com
msicos profissionais e amadores, adultos, crianas e adolescentes, deduziu que a
msica contempornea parece ser mais interessante de ser feita do que de ser ouvida.
Segundo o autor, muitas vezes os alunos no esto preparados para escutar essa msica, mas esto prontos para faz-la.27

46

26

Michael J. A. Howe e John A. Sloboda, Young musicians accounts of significant influences in their early lives. 1. The family and the musical background, British Journal of Music
Education 8 (1991): 48.

27

Guy Reibel, Jeux musicaux, v.1, Jeux vocaux, Essai sur l'invention musicale (Paris: Salabert,
1984), apud Bernardete Zagonel, Em direo a um ensino contemporneo de msica, Ictus 1
(1999): 8.

Captulo 4

Composies

Composies
Em seu trabalho sobre a pedagogia da msica contempornea para flauta, Lesley
Olson afirma que
Novas idias musicais so capturadas nas formas, estilos e materiais da msica contempornea; conseqentemente, a msica contempornea pode satisfazer o gosto
pelo novo expresso por instrumentistas mais jovens (. . .). Aquilo que faz a msica
contempornea atrativa e fascinante para muitos suas sonoridades novas e muitas
vezes estranhas, suas estruturas no-usuais, suas tentativas de forjar outras formas
de interao entre os msicos, sua abertura improvisao, o atrito com idias prconcebidas do que msica, sua batalha por e ocasionais manifestaes de independncia da histria da msica europia ocidental torna-a ideal para ser usada com
crianas e jovens msicos que tenham pouco conhecimento dos desenvolvimentos
do repertrio tradicional. Acima de tudo, jovens identificam-se mais prontamente
com a msica de seu prprio tempo, seja ela popular ou de arte: em sua busca por
novas formas de expresso pode ser visto um reflexo de sua prpria busca pela identidade e de adequao ao mundo contemporneo. Eu argumentaria que a falha para
integrar a nova msica em todos os nveis de instruo instrumental, e particularmente a falha para apresentar coisas novas e interessantes a jovens instrumentistas,
representa uma falha em sustentar um interesse duradouro em novas idias.1

O foco desta dissertao o desafio de como introduzir a msica contempornea aproveitando o momento em que as crianas esto mais abertas a novos repertrios, se normalmente elas ainda no tm o desenvolvimento tcnico-cognitivo para
lidar com as demandas de virtuosismo por essa exigido, pois este um problema para
quem ensina flauta para iniciantes. Uma soluo possvel a criao de repertrio
adequado, direcionado especificamente aos primeiros anos de estudo do instrumento.
Distintamente do sculos anteriores, a partir do sculo XX, o material da composio musical no mais compartilhado socialmente. Enquanto no passado os
compositores usavam em suas obras materiais meldicos, harmnicos, modos de tocar,
etc., comuns a todos, a partir do ltimo sculo, muitas vezes, a prpria inveno dos
materiais j parte da composio, fato que acarretou a exploso de diversidade da
msica moderna e contempornea. Segundo Ernst Krenek, a msica como arte
baseada primeiramente em axiomas que no so propostos nem pela natureza nem
pela histria, mas pelos compositores, cujas intenes estticas decidem o que deve
ser visto como significativo num senso tcnico-composicional.2 Dahlhaus explica
1
2

Olson, The Pedagogy of Contemporary Flute Music, 6.

Apud Carl Dahlhaus, A rejection of material thinking?, in Schoenberg and the New Music
(Cambridge: Cambridge University Press, 1987), 276.

49

que cabe aos compositores selecionar os axiomas da tcnica composicional que


correspondem s suas idias estticas.3
No inteno aqui teorizar sobre os processos composicionais da msica nova,
pois foge ao escopo desta dissertao. O fato que o ltimo sculo o da pluralidade
musical, marcado pela busca do novo.
Para tentar contemplar esta diversidade estilstica, foram procurados colegas
compositores que estivessem dispostos a colaborar com este trabalho, compondo
50

peas simples para flauta, dentro de uma esttica contempornea. Para delimitar o
material e o nvel de dificuldade das peas, elaborou-se uma lista de possibilidades
tcnicas e sonoras a qual foi nomeada Orientao para compositores que servisse de ponto de partida para as composies. Com alguns compositores houve uma
conversa individual, pois no tinham idia de como soariam os efeitos, e foi necessrio
toc-los e em alguns casos grav-los para que pudessem compreender e trabalhar com
o material. As peas foram revistas e alteradas, quando necessrio. Alm disso, a fim
de familiarizar os alunos com a notao e a linguagem, foram compostos, pela autora
desta dissertao, alguns estudos preparatrios que servissem de introduo s tcnicas mais comuns s composies. Este captulo relata como se deu o desenvolvimento deste repertrio.4

4.1

Preparao e reviso da lista Orientao para compositores

Como comentado anteriormente, muito da dificuldade de execuo das obras


contemporneas vem do virtuosismo tcnico exigido, mais do que das tcnicas estendidas em si. Por outro lado, mesmo instrumentistas bastante geis tecnicamente
muitas vezes afastam-se da msica contempornea em conseqncia da aparncia
complicada decorrente da escrita que envolve tcnicas estendidas.
A idia de elaborar-se uma lista veio da necessidade no s de delimitar o material, para que cada compositor tivesse uma gama de possibilidades sonoras escolha,
mas de relacionar tambm as restries impostas pelo fato de tratarem-se de composies voltadas a iniciantes. A lista foi elaborada empiricamente, atravs de uma explorao preliminar feita no incio do estudo de campo realizado com os alunos
(descrito no Captulo 6). Essa lista foi sendo re-elaborada medida em que surgiam
3
4

Ibidem.

As partituras completas das composies e estudos didticos relatados neste captulo constam no Apndice II desta dissertao.

Orientaes para sua composio


Ritmos simples

tipo comeo do Pozzoli;


diviso at colcheia, ou, no mximo, semi-colcheia;
pode haver ou , com notas repetidas;
pode ser sem mtrica fixa, por notao proporcional.

Extenso

Do r3 ao r5, na posio normal;


em posio de harmnicos, at l5;
evitar saltos extremos.

Tcnicas estendidas

Trilos tonais: que necessitem mover um s dedo (ver tabela);

51

Whisper-tones (WT);
Wind-tones ( );
Desafinao de quarto-de-tom acima ou abaixo (para baixo mais fcil),

Percusso de chaves (com bocal aberto ou fechado, que soa mais grave);
Slap-tongue (pouco, porque cansa e nem todos fazem direito);
Multifnicos (muito longos so impraticveis):
possvel

b
&

~~~~
)

possvel

~~~
# )

#
#

possvel
~~~~~~~~
b
( b )

S possvel curto

.
n n

Jet-whistle
&

JW

JW

JW

Efeito de trmolo de sol-l-si, ou sol#-l-si, subindo ou descendo, usando o trilo com


chave de r e r#.

r - r #
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

&

ou

r - r #
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
#

Passagens rpidas entre notas quase glissando , por grau conjunto e sem alteraes
cromticas:
&

&

no usar:

&

(tambm descendo).
Assoprar dentro da flauta, com movimento de notas.
Frullato (nem todos conseguem).

Observaes

Evitar frases muito longas ligadas, e tudo o que exija flego demais.
Compor peas curtas.
Instrumentaes possveis: flauta solo, flauta e piano, flauta e eletroacstica, duo de flautas (aluno e professor, ou
aluno e aluno), grupo de flautas.
No preciso passar a limpo.
Novas idias so bem-vindas.

Figura 4.1 Orientaes para os compositores, primeira verso.

dvidas por parte dos compositores e informaes novas eram coletadas a partir de
novas referncias bibliogrficas encontradas.
A lista inicial foi dividida em 1) orientaes quanto a divises rtmicas; 2) orientaes quanto extenso possvel no instrumento; 3) orientaes quanto s tcnicas
estendidas possveis; e 4) observaes finais (ver figura 4.1, na pgina anterior).
4.1.1

Diviso rtmica

A precisa diviso rtmica uma dificuldade para a maioria das crianas no est52

gio inicial, especialmente para aquelas que no tiveram treinamento prtico musical
anterior. Portanto, as peas deveriam incluir ritmos muito simples, com subdivises
de semnimas em colcheias e semicolcheias ocasionais. A expresso como no comeo
do Pozzoli veio de uma pergunta de um dos compositores, quando comentei informalmente sobre o projeto, e pareceu-me bastante elucidativa. Faltou incluir no texto
para que se evitassem sncopes e contratempos seguidos, pois so extremamente difceis para os iniciantes, apesar de ser possvel escrev-los subdividindo semnimas
em colcheias. A falta desta explicao causou alguns problemas nas composies,
como ser visto mais tarde. J a notao proporcional, apesar de geralmente no ser
familiar aos iniciantes, parece no causar estranhamento ou maior dificuldade uma
vez que se explique como funciona. Os acelerandos

so possveis, porm a

afirmao de que deveriam ser com notas repetidas deveria ser enfatizada, pois algumas composies resultaram difceis por utilizarem-nos com notas diferentes.
4.1.2

Extenso

A extenso no inclui o d grave, por ser de difcil emisso, ou notas agudas, por
envolverem posies de forquilha5 (por isso poderiam ser alcanadas por harmnicos,
mas no na posio normal). Saltos extremos, especialmente envolvendo mudana
de registro, tambm podem muitas vezes causar dificuldades. Alm disso, faltou a
restrio do uso de muitos acidentes seguidos, especialmente da mistura de sustenidos
e bemis na mesma clula meldica.
4.1.3 Tcnicas estendidas possveis
Os trilos tonais, que a princpio estariam restritos a movimentos de um s dedo,
podem ser utilizados tambm quando o movimento de mais de um dedo, desde que
no envolvam as duas mos ou posies de forquilha.
5 Posies que envolvem dedos alternados em sua digitao.

Para whisper tones, havia a restrio de que s seria possvel a varredura de freqncias. Isto foi explicado e demonstrado individualmente a cada compositor.
Com relao aos sons de vento, ou wind tones, faltou delimitar a extenso
(sugerida por Artaud, e confirmada experimentando), do mi grave ao si b mdio.
A palavra desafinao foi substituda por glissando.
No item percusso de chaves, faltou deixar claro que o flautista necessita de
tempo para o movimento do dedo que usado para percutir a chave, a no ser que o
efeito desejado seja apenas pianssimo, sem altura definida, e ento pode-se percutir
vrias chaves ao mesmo tempo, aleatria e rapidamente.
H uma confuso de termos no item slap tongue, pois este nome usado por
diferentes compositores para determinar diferentes tcnicas. A tcnica especfica
abordada aqui determinada por tongue ram. tambm muito importante orientar
os compositores sobre a necessidade de preparao para a execuo do tongue ram,
pois esta demanda algum tempo para que o flautista posicione a flauta de maneira a
encobrir o bocal e ainda tempo para o movimento da lngua, que diferente do
tradicional.
Com relao ao jet whistle, faltou constar da lista que cada um no poderia ser
excessivamente longo, pois esta tcnica demanda muito ar.
Quanto ao trmolo com efeito glissando, notou-se que para as crianas muito
difcil trinar alternadamente as chaves de r e r # , alm do movimento de notas na
mo esquerda. Orienta-se portanto para o uso de apenas uma das chaves, a de r,
quando h movimento da mo esquerda. Para notas longas, como a mo esquerda
fica parada, possvel fazer o trmolo com r e r # .
4.1.4

Observaes

Por fim, nas observaes, deve ser includa uma nota sobre dinmica, alertando
sobre a dificuldade de produzir na flauta notas piano no agudo e notas fortes no grave.

4.2

As composies

A arregimentao dos compositores deu-se em grande parte atravs do contato


com os colegas do curso de mestrado e tambm por e-mail a compositores que talvez
se dispusessem a colaborar com o projeto. Treze compositores mostraram-se
interessados, dos quais oito compuseram uma ou mais peas. Foram utilizadas
efetivamente quatorze peas de seis destes compositores.

53

O retorno de cada um dos compositores foi muito diverso: alguns j haviam


trabalhado com tcnicas estendidas, mas para outros este foi um campo bastante novo,
tambm por serem peas para iniciantes. O trabalho com cada um deles, a partir de
suas peas, ser descrito a seguir.
4.2.1

Gilson Fukushima

Foi o primeiro a entregar as peas. J havia trabalhado antes com tcnicas estendidas para flauta, e suas peas foram bastante acessveis ao nvel proposto. Escreveu
54

um duo, Pra de atrapalhar minha Msica e uma pea para flauta e piano, A cobra
encantada. Pra de atrapalhar minha Msica descrita em sua bula como uma brin-

j
b

j U
& J J J b J n .

cadeira na qual um flautista tenta

17

tocar e o outro o atrapalha, a msica

rall.

& .

b nU .

segue at que os dois finalmente tocam


juntos, entrando em acordo. Neste duo

rall.

o compositor usa multifnicos, jet

Figura 4.2a Fukushima, Pra de atrapalhar . . .,


verso inicial, comp. 17-19.
17
b
j U

&

whistles, e tongue ram em um s mo-

b
n.
J

mento. A nica grande dificuldade

rall.

& .

tcnica encontrada aps a experi-

b nU .

mentao com os alunos foi a seqncia de contra-tempos no final da

rall.

Figura 4.2b Fukushima, Pra de atrapalhar . . .,


verso final, comp. 17-19.

pea, que foi modificada na sua verso


final repetindo as notas dos contra-

tempos no lugar das pausas (figuras 4.2a e b). Os elementos cnicos podem causar
certa dificuldade, especialmente se tratando de crianas mais velhas, que muitas vezes
sentem-se tmidas com relao a atuar no palco. O prprio compositor, porm, advertiu que a parte cnica no essencial, apesar de dar um tempero especial pea.
O uso dos jet whistles tambm causou certa

&

ar, difcil segur-los longamente, como


2

sugerido na pea, nos compassos 9 a 11 (fi-

. .
b #

. .

. .
b #
U

. .

Figura 4.3a Fukushima, Pra de atrapalhar . . .,


verso inicial, comp. 9-11.

gura 4.3a). O mesmo aconteceu em A


cobra encantada, nos compassos 12 a 14.
Para adapt-las, a sugesto que se execute

que entre cada um deles haja pausas, at a


entrada seguinte (figura 4.3b). Nesta se-

JW

. .
b #
&
. .

dificuldade, pois, como demandam muito

os jet whistles nas direes indicadas, mas

&

. .
b #
&
. .

JW

. .
b #

. .

. .
b #
U

. .

Figura 4.3b Fukushima, Pra de atrapalhar . . .,


verso final, comp. 9-11.

gunda pea, A cobra encantada, o pianista toca dentro do piano, fazendo glissandos
e percutindo a corda l0 num ostinato rtmico. A parte da flauta bastante acessvel
para iniciantes, e alm dos jet whistles inclui tambm glissandos para baixo e assoprar
dento do instrumento.
4.2.2 Dbora Opolski
Compositora ligada msica popular brasileira e msica de cinema, nunca
havia trabalhado com tcnicas estendidas antes, mas mostrou-se encantada com a
nova possibilidade. A princpio comps um duo para flautas no qual, com relao a
tcnicas estendidas, incluiu apenas alguns jet whistles no incio e no meio. Como no
tinha intimidade com o uso de tcnica estendida, mostrou-me o que seria um esboo
do duo para que decidssemos juntas exatamente o que incluir, ou que mudanas deveriam ser feitas. A primeira mudana foi com relao a re-arranjar as vozes, de modo
que tivssemos pelo menos uma delas bem simples (no caso, a primeira, como mostram as figuras 4.4a e 4.4b), e re-editar as notas de modo que no houvesse problemas
de enarmonia.

Figura 4.4a Opolski, O Mistrio da Rosa Manca, verso inicial, comp. 1 - 12

Figura 4.4b Opolski, O Mistrio da Rosa Manca, verso final, comp. 1 - 12

55

O segundo passo foi incluir as tcnicas estendidas de maneira que fizessem sentido musical, pois a melodia no havia sido construda a partir deste material a
compositora havia somente colocado alguns sinais sobre as notas que pensou que pudessem ser de alguma maneira transformadas em tcnicas estendidas. Optou-se
ento pelo uso de glissandos para baixo permeando toda a pea e duas intervenes
de percusso de chaves, estas em momentos nos quais a outra voz estivesse em pianssimo, para que fosse possvel ouvir este efeito, que muito sutil. Em certos momentos
foi necessrio ainda suprimir algumas notas, para que a realizao dos efeitos fosse
56

possvel para um iniciante, como por exemplo nos compassos 33 e 34 (figuras 4.5a e
4.5b), pois necessrio que haja tempo para re-posicionar a flauta e atacar a nota seguinte na afinao correta. Mais tarde, em conjunto com alunos, decidiu-se por omitir
o compasso final da pea para criar um efeito de suspenso. O nome da pea tambm
foi complementado, por sugesto das crianas, para O Mistrio da Rosa Manca.

Figura 4.5a Opolski, O Mistrio da Rosa Manca, verso inicial, comp. 31 - 35

Figura 4.5b Opolski, O Mistrio da Rosa Manca, verso inicial, comp. 31 - 35

4.2.3

Fernando Riederer

Compositor experiente, tcnicas estendidas so um material comum em muitas


de suas obras. Recebeu a lista de orientaes por e-mail, no necessitando de nenhuma
explicao posterior. Escreveu uma srie de quatro pequenos duos, cada qual explorando uma ou mais tcnicas estendidas, com exceo do segundo, no qual explora
apenas a criao de tenso e suspense atravs de dissonncias e dinmica crescente. O
primeiro combina jet whistle, tongue ram, multifnicos e trilo tonal. O terceiro, apenas
harmnicos; para este, o compositor escreveu como parte complementar um acompanhamento de piano. O quarto inclui percusso de chaves, glissandos e sons de vento.

A nica alterao sugerida foi


neste ltimo, pois o efeito de subir
ou descer a altura em acelerando e
ritardando com percusso de chaves (figura 4.6) mostrou-se muito
difcil para as crianas e pouco efetivo, apesar de possvel para alunos

Figura 4.6 Riederer, O Bosque, comp. 1-2.

mais adiantados. A sugesto para alunos iniciantes substituir a percusso de chaves


por tongue rams. O compositor sugeriu que fossem escolhidos nomes para as peas,
o que coube aos alunos em ordem, temos ento: O Castelo, A Bruxa, A Noite (que,
com piano, chamada Noite de Lua Cheia) e O Bosque. Tambm possvel executar
estes duos em grupo.
4.2.4

Slon Mendes

Flautista, o compositor tem idias claras das possibilidades e dificuldades do


instrumento, apesar de nunca ter escrito para crianas anteriormente. Escreveu um
duo e um trio de flautas. No duo explorou jet whistles, percusso de chaves e trmolos
com efeito glissando; alternou escrita mtrica e notao proporcional, numa estrutura
A-B-A muito clara e acessvel. Esta pea sofreu apenas algumas modificaes rtmicas
na segunda voz, acrescentando-se, aps alguns contra-tempos, notas no tempo em
substituio a pausas, a fim de facilitar a contagem e tambm as entradas da primeira
voz (figuras 4.7a e b, por exemplo). O nome Duo foi substitudo por outro, mais sugestivo Cronocosmos a Jato numa aluso tcnica usada e outra pea do compositor. Em seu trio, Cronocosmos n9,
tongue rams e trmolos com as chaves de r
e r # permeiam toda a pea, e jet whistles
marcam o seu final. No houve mudanas
necessrias para a realizao desta pea, que
Figura 4.7a Mendes, Cronocosmos a Jato, foi composta aps as mudanas rtmicas na
verso inicial, comp. 1.
anterior haverem sido sugeridas.

Figura 4.7b Mendes, Cronocosmos a Jato,


verso final, comp. 1.

57

4.2.5 Mrcio Steuernagel


O compositor j havia feito uso de tcnicas estendidas em peas anteriores. A
novidade para ele foi escrever para crianas. Para este trabalho escreveu um ciclo de
cinco peas, inspiradas em borboletas e joaninhas Cinque Canzoni di Farfalle e
Coccinelle. Quando evoca borboletas (farfalle), o compositor opta por tcnicas com
sons mais contnuos, e no caso de joaninhas (coccinelle) faz uso de outras, com efeitos
percussivos e secos.
A primeira pea, La Farfalla, para flauta solo, escrita com notao proporcio-

58

nal. Utiliza trilos tonais, trmolos e trmolos com efeito glissando. No apresenta
maiores dificuldades, mas aps experimentao, notou-se que demasiado longa para
uma criana iniciante, por exigir concentrao por um perodo muito longo numa
pea solo. Em conversa com o compositor, decidimos que poderia haver um corte,
criando-se assim a verso La farfallina (A borboletinha), para contornar o problema.
Este corte delimitado pelo smbolos

na partitura original. A pea apresenta

muitas indicaes de dinmica, mas todas dentro de um patamar possvel e natural


para o instrumento mais suaves na regio grave e fortes na regio mais aguda4
e portanto adequadas ao nvel iniciante.
O duo Due Farfalle utiliza as mesmas tcnicas estendidas da primeira pea, alm
de caixas de repetio, e figuras de ritardando

, combinando estes elementos,

polifonicamente, entre as duas vozes. Nenhuma das partes em si muito difcil, mas
toc-las em conjunto exige uma preciso que no facilmente alcanvel por dois
iniciantes. Por esta razo, recomenda-se que uma das vozes seja feita pelo professor
ou por um aluno adiantado, para dar suporte e segurana criana iniciante.
A terceira pea tambm um solo, La Coccinella (A Joaninha). Tem notao
mtrica e as tcnicas trabalhadas so tongue rams, percusso de chaves, glissando para
baixo e sussurrar um texto sobre notas dadas. Foram necessrias somente algumas alteraes muito sutis, a comear pelo andamento, que um pouco rpido demais; a
sugesto que seja entre 85 e 100 bpm. O pianssimo na regio aguda no compasso
19 tambm no possvel a iniciantes. Deve-se considerar que para mudar da posio
normal da flauta para o tongue ram e vice-versa, o iniciante pode levar um tempo um
pouco maior do que o sugerido na partitura; porm, em se tratando de uma pea solo,
desde que este tempo seja incorporado musicalmente na aggica da frase, no causa
problemas. De qualquer modo, a nota d do compasso 14 foi alterada para colcheia
4

Com exceo de um inciso forte no grave, mas que cortado na verso reduzida.

e pausa, para facilitar o ataque do tongue ram seguinte. Uma cesura antes do compasso
8 tambm sugerida, para que a criana tenha tempo para preparar-se para a frase
seguinte.
La Farfalla e la Coccinella um duo no qual o compositor combinou numa voz
os efeitos sonoros utilizados para evocar a figura da borboleta (trilos tonais e trmolos) e na outra a da joaninha (tongue rams, cliques de chave, sussurros e glissandos
para baixo). Nesta pea no h frmula de compasso, e, na maior parte dela, enquanto
a primeira voz tem uma parte mais livre e cantabile, a segunda marca o tempo atravs
de tongue rams e cliques de chave. O duo no em si complicado, mas, pela ausncia
da diviso em compassos, a escrita deveria trazer mais marcaes na partitura para as
entradas e pontos fundamentais em que as vozes devem estar precisamente juntas
(como acontece na primeira linha da pea, onde as marcaes so suficientes figura
4.8). S esta mudana na escrita j facilita muito a sua leitura.

Allegro Moderato {q = c 100}


1

&

tr tonal
~~~~~~

re
re
~~~~~
~~~~
U

&
P

slap tongue

re
re
~~~~~~~
~~~~~~~~

Figura 4.8 Steuernagel, La farfalla e la coccinella, primeira verso, incio.

O trio Due Farfalle et un Papillon comea com uma introduo em tempo livre
da terceira flauta (le papillon), tocando uma parte solo que apresenta, pela primeira
vez no ciclo, jet whistle, whisper tones e um trinado de chave em que o flautista afasta
a flauta dos lbios. Estes elementos vo permear toda a parte da terceira flauta. As
duas primeiras vozes caminham a maior parte do tempo juntas, e as tcnicas estendidas usadas so os trmolos com r e r # e trmolos com efeito glissando. No ltimo
compasso a primeira voz junta-se terceira num whisper tone para finalizar a pea.
Houve necessidade de alterao de uma nota, pois o compositor havia escrito um d
grave para a terceira flauta no compasso 17. Ao mesmo tempo, havia um mi mdio
soando na segunda flauta. A soluo encontrada foi passar a nota d para a segunda
flauta, no registro mdio, e o mi mdio para a terceira flauta, no grave. Assim, manteve-se a estrutura pois a pea foi escrita com base na teoria dos conjuntos de Allan
Forte, na qual a diferena de oitava no altera o conjunto; o contorno meldico, apesar de contrrio ao anteriormente escrito, continuou fazendo um movimento diat-

59

nico. Outra modificao foi feita no final da pea, com um re-arranjo das vozes. No
compasso 20, as quatro primeiras notas da primeira voz passaram para a segunda, que
tinha apenas pausas nos trs compassos finais (figuras 4.9a e b). Desse modo, alm
de distribuir melhor as partes, evitou-se o uso de um l # e um l b para a mesma voz
no mesmo compasso, o que pode causar confuso. A segunda voz tambm se junta
terceira no ltimo compasso, executando um whisper tone. Este efeito sempre pianssimo, e a segunda flauta somente refora o efeito da terceira e primeira vozes.
60
20

Fl. 1

&

# # # b

f
Fl. 2

re
re
~~~~~~~
~~~~~~


n
p
P

re
~~~~~~~~~~~

.

&

WT

rit. tr.

WT

Fl. 3

& # # # n

~~~~~~~~~~~~~~~~

#
()

Figura 4.9a Steuernagel, Due farfalle et un papillon, verso inicial, trs ltimos compassos.

Fl. 1

Fl. 2

&

&

r
r
~~~~~~~
~~~~~~


n
p
P

rit. tr.

WT

r
~~~~~~~~~~~

.

WT

# # #

WT

Fl. 3

& # # # n
P
f

~~~~~~~~~~~~~~~~
w

( )

p
aproximando

afastando

Figura 4.9b Steuernagel, Due farfalle et un papillon, verso final, trs ltimos compassos.

4.2.6

Bernardo Grassi

O compositor ligado msica popular. A primeira verso de sua pea um


duo de flauta e violo no inclua nenhuma tcnica estendida. Ele disse haver esquecido deste detalhe. Expliquei-lhe que era imprescindvel, porque a incluso de
tcnicas estendidas era justamente a proposta de meu trabalho. Mandei-lhe novamente a lista de orientaes, e a gravao de algumas peas, para que pudesse pensar
em como inclu-las em sua composio. Nos reunimos para decidir o que incluir ou
mudar. O compositor optou pelo uso de whisper tones que acompanhariam os acordes

do violo na introduo e na parte final da pea, alm da mudana gradual de uma


nota normal para whisper tone antes de uma cadncia do violo no meio da pea. Segundo o compositor o uso de qualquer outro efeito alteraria a idia inicial da msica.
Outra sugesto de mudana foi de que se escrevesse a primeira parte da msica na
qual na voz do violo h apenas acordes de notas longas (um ou dois compassos de

44 de durao) e uma melodia fluida na parte da flauta sem subdiviso de compassos, pois se poderia evitar a escrita de sncopes como as dos compassos 9 e 10, j que
o resultado seriam notas de mesma durao. A sugesto foi descartada pelo compositor, pois segundo ele a idia de sncope se perderia. Deste modo, no houve nenhuma alterao a no ser a incluso dos whisper tones.
4.2.7

Valentina Daldegan

Alm dos estudos didticos, incluem-se neste trabalho trs peas de minha autoria: uma pea para flauta e piano chamada Msica da Cabea, o duo O Chins Passeia, e Trilo, Tonal e cia., para flauta solo.
A primeira pea executada apenas com a cabea da flauta: fechada, aberta ou
glissando (introduzindo ou retirando um dedo do interior da cabea). Esta tcnica
usada para ensinar a embocadura para os recm-iniciantes, antes ainda de tocarem
com a flauta completa. Para acompanhar uma pequena melodia bem simples, foi composta uma parte para piano, com clusters alternados na regio aguda e grave e glissandos nas cordas, tudo sempre pianssimo.
O Chins Passeia foi composta tomando como base a Teoria dos Conjuntos.
Nesta composio h dois conjuntos pentatnicos, um na primeira voz e outro na segunda. A pea composta por pequenos segmentos, cada um com uma ou duas tcnicas diferentes. As tcnicas estendidas usadas so as seguintes: trilo tonal, whisper
tones, sons de vento, tongue rams, glissandos, percusso de chaves, efeitos sonoros com
a boca (com o som shhh) e tocar e cantar em glissando com efeito de interferncia.
Esta pea tambm pode ser executada em grupo. Neste caso, deve-se observar o seguinte: a) na primeira parte da seo C a observao de no respirar ao mesmo tempo
serve para cada membro do grupo, mesmo os que esto na mesma voz; b) na segunda
parte desta mesma seo os tongue rams devem estar entre as notas indicadas para
cada voz, mas existe uma aleatoriedade com relao ordem o importante que
haja o adensamento em direo ao meio da frase e rarefao de notas em direo ao
seu final, no sendo mesmo desejvel que duas pessoas toquem a mesma nota ao
mesmo tempo; c) na seo D, cada nota glissando da primeira voz deve ser tocada

61

por um s flautista, seguido consecutivamente por um outro, que toca a prxima nota,
at o f longo final, que todos tocam juntos; o efeito de tocar e cantar tambm deve
ser executado por apenas um flautista, entre os que fazem a segunda voz.
Trilo, tonal, e cia. foi composta, a princpio, como um estudo didtico, mas
mostrou-se longa demais para ser trabalhado como estudo. Inclui whisper tones, trilos
tonais e trmolos. No h frmula de compasso e as frases so delimitadas pelo
smbolo \\ .

4.3 Estudos Didticos

62

Estes estudos foram escritos com a inteno de ensinar algumas tcnicas estendidas aos iniciantes. A idia que no fossem exerccios ridos, e que incorporassem
as tcnicas de maneira musicalmente interessante. Deveriam ser curtos e a concepo
musical no poderia ser muito complicada. Foram compostos quatro estudos antes
das peas escritas pelos compositores ficarem prontas. Destes, o ltimo foi reconsiderado como pea e no estudo, por ser longo demais e demandar muita concentrao.
Aps ter recebido e avaliado as peas dos compositores, foram compostos mais quatro
estudos que contemplassem de antemo as dificuldades tcnicas l encontradas. H
ento uma srie de sete pequenos estudos, cada um envolvendo de uma a trs diferentes tcnicas estendidas.
1. O Cuco e os sons de vento
Este estudo tem seu foco nos sons de vento, ou wind tones, e a mudana gradual
de som natural em som de vento e vice-versa. No h frmula de compasso, e composto por trs notas bsicas d, l, f. H ainda uma seqncia entre f e d
que deve ser executada o mais rpido possvel, introduzindo esta notao que se
repete por trs vezes, num decrescendo que finalizado pelo ltimo cuco do estudo.
2. Chegando l no alto
A primeira verso deste estudo foi escrita partindo de uma frase bem simples
que se repetia em harmnicos superiores. Procurando uma maneira mais interessante
de introduzir os harmnicos, foi composta uma segunda verso.
3. Multi-sons
Em compasso quaternrio e com diviso rtmica bem simples semnimas, mnimas este estudo envolve tongue rams, glissandos e um multifnico. Justamente
por ser bastante simples, foi possvel a introduo de trs novas tcnicas
no mesmo estudo. Foi escolhido um multifnico que obtido atravs de uma posio

regular da flauta (r agudo), facilitando ainda mais a sua memorizao. Numa primeira verso este havia sido escrito como uma semibreve, mas foi encurtado na durao para uma mnima pontuada seguida de pausa a fim de evitar que falte flego e
conseqentemente que o efeito final falhe.
4. Passos e sopros
Neste estudo apresenta-se cliques de chave descendentes que aqui podem ser
executados percutindo-se a ltima chave da posio da nota na mo direita e
ascendentes que neste caso soam melhor percutindo-se a chave do sol na mo esquerda. No final de cada frase h uma seqncia de wind tones.
5. Maria tosquiou seu carneirinho
Numa referncia a uma pea do folclore ingls bastante conhecida das crianas,
este estudo introduz o uso de jet whistles com direo definida combinados com tongue rams.
6. A Lagarta tece o casulo
Escrito utilizando apenas as notas sol, l e si, este estudo foi composto para introduzir o trmolo com efeito glissando. Traz a observao importante de que primeiramente deve ser praticado sem o trinado, que deve ser acrescentado somente
quando o movimento da mo direita estiver fluente. Para finalizar, h uma respirao
sonora seguida de notas cada vez menos sonoras: um si pianssimo, um l em som de
vento e um whisper tone na nota sol que diminui at o nada.
7. O sonho da lagarta
O trilo tonal o foco deste estudo, combinado com seqncias rpidas ascendentes na regio grave e uma seqncia aguda descendente a partir do trilo tonal do
d agudo.

Para os compositores, a experincia foi um desafio diferente daqueles aos que


estavam acostumados, pois o processo da composio est ligado submeter as idias
ao material disponvel, e como no caso o material era aquele possvel aos iniciantes
limitado a restritas possibilidades rtmicas, intervalares e de tessitura, mas ao
mesmo tempo com efeitos sonoros no-usuais as peas resultaram do choque entre
as idias trazidas pelo material sonoro e as restries impostas pelas limitaes tcnicas dos pequenos intrpretes, dentro do estilo individual de cada compositor.

63

H quase cinqenta anos, Charles Rosen, descrevendo a difcil situao da msica contempornea, afirmava que
o problema que estamos to conscientes de que a responsabilidade de todos, que
esperamos que os outros demonstrem uma mudana de vontade e comecem a fazer
algo para repar-lo. (. . .) Os compositores, sabendo que uma obra, de qualquer dificuldade, ser raramente executada, tornam-na ainda mais difcil, tanto para o pblico quanto para o intrprete, e agora esto se voltando para o campo da eletrnica,
do qual o intrprete, e provavelmente o pblico, sero banidos em definitivo.5

Deste modo, para os compositores, o ganho cognitivo deu-se exatamente pelo

64

esforo de adequao; em um refinamento na percepo da realidade, pela busca da


capacidade tcnica de amoldar-se s diferentes realidades, pois que existem outras
alm da sua prpria. O trabalho junto aos compositores e o resultado obtido com as
crianas tambm interferiu no meu trabalho, de maneira que foi revista e alterada a
lista de orientaes para compositores para um futuro uso didtico deste material
(Apndice 3).
A partir deste contato com os compositores, ficou evidente a importncia da
relao compositor intrprete professor, no sentido de integrar o trabalho dos
trs. O compositor entendendo melhor as dificuldades do intrprete, o intrprete
compreendendo o processo do compositor, e enquanto professor desmistificando a
idia de que o compositor seria uma figura distante e inalcanvel. Esta integrao
sugerida naquele artigo de Rosen6 mostra-se um caminho possvel e desejvel
no ensino de msica.

Charles Rosen, The Proper Study of Music, Perspectives of New Music, 1, no. 1. (Autumn,
1962): 80.

Rosen lembra que at o fim do sculo XIX, o compositor interpretava ou dirigia qualquer
msica a ser ouvida, e ensinava tudo o que era considerado relevante sobre msica. E que a
compartimentalizao de atividades que no s deveriam estar ligadas, mas amalgamar-se umas
s outras a composio, a interpretao e o ensino tornara-se hoje patolgica. Rosen,
81-82.

Captulo 5

Prtica: o ensino das tcnicas

Prtica: o ensino das tcnicas


Neste captulo sero descritos os procedimentos didticos adotados no ensino
das tcnicas estendidas abordadas, com base em bibliografia e experincia prtica
atravs do estudo de campo com os alunos.
No final do captulo, encontra-se uma tabela informando em que estudos e
peas desta dissertao cada uma das tcnicas encontrada.

5.1

Trilo tonal

No h dificuldade em executar o trilo tonal, desde que o movimento dos dedos


no envolva ambas as mos.1 importante, porm, que o aluno atente para o fato de
que a mudana envolve apenas a afinao e o timbre de uma mesma nota, diferentemente do trinado tradicional. aconselhvel que se execute ento as duas posies
separadamente, ouvindo cada uma com ateno s diferenas de freqncia e timbre.
Depois, toca-se uma e outra ligadas, lentamente, e, em seguida, de maneira gradual,
acelera-se at obter-se o efeito de trinado. Uma outra idia interessante pedir para
o aluno posicionar a flauta no ombro para que perceba visualmente o movimento
dos dedos quantos e quais dedos devem mover-se. Esta ajuda visual eficiente especialmente com alunos bem iniciantes.
H tambm a possibilidade de executar-se o trilo tonal em accelerando ou ritardando graduais, de acordo com a sugesto da partitura.

5.2

Wind tones ou sons de vento

Em For the Contemporary Flutist, Offermans sugere um exerccio muito eficiente


para a introduo dos wind tones:
(. . .) toque uma nota longa. Gradualmente mova a flauta para fora enquanto toca.
Siga o orifcio da flauta com a coluna de ar movendo os lbios e o maxilar inferior,
entretanto no mova a sua cabea para frente. Continue controlando o som, mesmo
quando o porta-lbios est afastado do lbios. 2

Na prtica com as crianas, a instruo de comear com uma nota longa estvel
(o r mdio, por exemplo) e mover a flauta um pouco mais para longe como se ela
fosse fugir de voc, acompanhando-a com os lbios, que vo mais para fora bastante
1
2

Encontram-se tabelas bastante completas para as posies de trilos tonais em Artaud, 2941, Stokes & Condon, 2-8.
Offermans, 41.

67

eficiente. tambm importante enfatizar que deve-se manter a presso do ar (ou o


som acaba se transformando em whisper tone), e manter a embocadura relaxada.

5.3

Whisper tones

Em Tone Development through Extended Techniques, Robert Dick sugere alguns


exerccios prticos para que se alcance um bom resultado com whisper tones, todos
visando obter-se uma nica nota a partir de uma posio digitada. Segundo ele, whisper tones so uma das sonoridades mais difceis de produzir e controlar, mas o esforo
68

vale a pena pelos benefcios que acarretam na habilidade de tocar sem vibrato e tocar
em nveis de pianssimo em toda a extenso da flauta. 3 Justamente pela dificuldade
de produzir notas nicas em whisper tones, optou-se pelo trabalho com a varredura
de whisper tones, que mostrou-se bastante acessvel e muito interessante para os iniciantes.
Um exerccio simples e muito eficiente tocar uma nota grave (r, por exemplo)
piano, e diminuir a presso do ar ao mnimo, procurando ouvir com ateno o som
que realmente beira o inaudvel resultante deste mnimo de ar. Segundo Offermans, Pode parecer que voc no est mesmo soprando ar algum!4 Logo em seguida,
procurar atacar a nota (sem a lngua) soprando somente esta quantidade mnima de
ar, atentando novamente para o som resultante. Em alguns casos, ao invs de um whisper tone a sonoridade resultante pode ser de um wind tone (som de vento); isto geralmente acontece quando se usa presso do ar mais forte do que o necessrio. Uma
maneira de contornar esta situao relembrar verbalmente o aluno que a quantidade
de ar a ser usada muito menor do que se imagina, quase nada, mesmo. Ainda assim,
algumas vezes o som resultante to suave e numa freqncia to alta, que o aluno
tem dificuldade em identificar que h algum som. Para que o whisper tone soe mais
forte (digamos menos inaudvel, pois sempre ser uma sonoridade muito suave), a
posio da lngua deve ser a de assoviar. Dick sugere que se assovie a nota desejada, e
ento mantendo a lngua na posio do assovio, se toque o whisper tone.5 Esta instruo funciona bem, mesmo com as crianas que no conseguem assoviar, pois at neste
caso em que no conseguem produzir nenhuma nota assoviando normalmente
elas posicionam a lngua corretamente, o que ajuda muito a produo do whisper tone.

Dick, Tone Development . . ., 26.

Offermans, For the Contemporary Flutist, 50.

Dick, ibidem.

5.4

Tongue Ram

Para este efeito percussivo, a lngua deve mover-se com muita velocidade para
frente, obstruindo a passagem do ar entre os lbios enquanto estes encobrem o orifcio
da embocadura. Segundo Robert Dick6 a sua produo auxiliada por uma exalao
forte, que ajuda a jogar a lngua para frente, mas se o flautista no ajustar cuidadosamente o ngulo da flauta de maneira que esta fique completamente voltada para dentro, um pequeno jet whistle soar antes do tongue ram.
Uma boa maneira para treinar o movimento da lngua , a princpio, praticar
sem a flauta. Um exerccio que as crianas acham muito divertido o que chamo de
cuspe ao contrrio. Para conseguir entender o cuspe ao contrrio preciso fazer primeiro o exerccio de cuspir arroz, que muito simples, consistindo em quatro passos:
1- inspirar pela boca, de maneira a inflar a parte inferior do pulmo; 2- fechar a boca,
com uma minscula pontinha da lngua para fora, entre os lbios; 3- empurrar o ar
para fora, pressionando o abdmen de modo que enrijea, mas sem deixar o ar escapar; 4- colocar um gro de arroz cru na pontinha da lngua e cuspir de modo que este
voe bem longe, escutando o som do jato de ar.7 Uma vez que a criana tenha cuspido
muitos gros de arroz, geralmente fcil para ela entender que o tongue ram um
movimento de cuspir ao contrrio com a lngua; isto , ao invs de liberar a passagem do ar, a lngua vai, com um movimento rpido, bloquear esta passagem. O professor pode chamar a ateno para como o abdmen fica rijo quando se treina este
tipo de ataque, pedindo para que a criana sinta o abdmen com a mo. O que pode
acontecer no incio a criana soprar uma longa coluna de ar at que o bloqueie com
o tonge ram, o que normalmente no desejvel, j que o que interessa no tongue ram
o efeito percussivo da lngua ao bloquear a passagem de ar. Para contornar isso, geralmente a instruo de que o movimento da lngua deve ser mais curto efetiva. Uma
outra maneira de ilustrar este movimento o professor, enquanto executa o tongue
ram (ainda sem a flauta), fazer um gesto com a mo imitando o movimento da lngua
ao lado o rosto, j que no possvel visualiz-lo dentro da boca.
Depois de treinar bastante o movimento da lngua, posiciona-se a flauta, preferencialmente digitando uma nota grave (o r, por exemplo), com o orifcio totalmente
voltado para dentro, de modo que a abertura entre os lbios coincida com o orifcio

6
7

Dick, The other flute, 139.


O exerccio de cuspir arroz usado para ensinar a embocadura e produo de som a alunos
iniciantes no Mtodo Suzuki.

69

do bocal. O aluno pode atacar vrias vezes a mesma nota, at sentir-se confortvel
em mudar os dedos e fazer o tongue ram ao mesmo tempo. Se ainda houver muito
barulho de ar, relembra-se a instruo de que o movimento da lngua deve ser curto,
para dar destaque ao efeito percussivo. Sempre que necessrio, pratica-se novamente
sem a flauta, para, em seguida, posicion-la e repetir a execuo com o instrumento.

5.5 Percusso de chave


Geralmente, a percusso de chave uma tcnica fcil para os iniciantes. A ins70

truo e a demonstrao de que o flautista deve bater com velocidade a ltima


chave (mais para a direita) da posio digitada suficiente para que se alcance o efeito
sonoro desejado.
Para um primeiro contato mais fcil pedir para que, com a flauta posicionada
para tocar normalmente, se percuta uma seqncia descendente (diatnica de sol a
r, por exemplo), na qual os dedos batem nas chaves uma em seguida da outra.
Depois deste contato inicial, acrescentam-se mais detalhes. Primeiramente,
importante instruir que percusso de chaves deve sempre ser executada com a flauta
no queixo, na posio normal de tocar, com os lbios entreabertos, para que a boca
sirva de caixa de ressonncia, ou com o bocal encoberto pelos lbios, tambm neste
caso entreabertos. Chama-se tambm a ateno para a mudana de afinao decorrente do ngulo da flauta em relao embocadura: quanto mais voltada para dentro,
mais baixa a afinao, e encobrindo completamente o bocal com os lbios obtm-se
uma nota muito mais grave. 8 A posio da abertura dos lbios mais arredondada,
como para pronunciar da vogal , ou mais afilada, como no caso da vogal i
tambm influencia a afinao, mas de maneira mais sutil. Geralmente as crianas no
conseguem perceber tal diferena, portanto esta informao no relevante neste estgio inicial.
Para as notas entre d grave e f # grave (que envolvem a mo direita) tambm
possvel realizar a percusso de chave digitando a posio da nota e batendo o dedo
anelar da mo esquerda (que corresponde chave do sol), obtendo assim um som
mais forte do que quando se utiliza o ltimo dedo mais direita da posio desejada.
Apesar de mais eficiente quanto ao resultado sonoro, sugere-se que esta instruo
8

Esta nota soa uma stima maior mais grave, informao que s faz sentido se a criana tem
uma boa noo de intervalos. Mais fcil e til nesta fase seria comentar, a ttulo de curiosidade, que quando se digita um r, por exemplo, na percusso de chaves com o bocal fechado
o que vai soar o d # uma oitava abaixo.

(sempre seguida de demonstrao) seja trabalhada aps o contato inicial com este
efeito, por envolver, neste caso, uma atividade mais complexa: primeiro posiciona-se
a nota e ento percute-se uma chave para obter a nota desejada.
Existe tambm a possibilidade de combinar a emisso regular de uma nota (com
ar no tubo da flauta) e a percusso de chave. Para os alunos que estejam bem no incio
da aprendizagem, no se recomenda este efeito. Pois, em alguns casos, a criana associa
a idia de tocar uma nota mais forte de pressionar ou bater as chaves da flauta. Logo
no incio, necessrio enfatizar que para se obter um som mais forte, deve-se usar
mais ar, e que pressionar a chave ou bat-la com fora no o caminho para conseguir
um resultado melhor na emisso do som. Portanto, a idia de aliar a emisso do som
regular percusso de chaves no parece adequada neste estgio inicial, e por esta
razo que no se prope o trabalho sistemtico com esta tcnica nos estudos
didticos.9

5.6

Harmnicos

Como o uso de harmnicos parte da tcnica tradicional da flauta, a princpio,


estes no apresentam maior dificuldade. A novidade o uso de parciais mais agudos,
para a obteno de notas agudas com timbre diferente do usual.
Offermans aponta que existem duas maneiras de tocar os harmnicos na flauta:
simplesmente assoprando uma nota com mais fora para alcanar seu harmnico superior ou atravs do controle do sistema de respirao do diafragma embocadura
prestando ateno especial direo da coluna de ar. 10 Ele alerta que, apesar de
parecer mais difcil, esta segunda maneira traz resultados muito melhores:
Os harmnicos podem ser tocados em qualquer dinmica desejada (se fisicamente
possvel).
A garganta, a respirao e os msculos da embocadura so ativados em um alerta
permanente, porque cada som requer suas condies especficas, [. . .] o que leva a
embocadura a uma maior flexibilidade.11

Partindo desta viso de Offermans, o trabalho de harmnicos com os iniciantes


comea sem o instrumento, procurando mostrar como o a coluna de ar pode ser modificada quanto distncia velocidade. Para isso, o professor assopra de duas ma9

Na pea La Coccinella, criada para este trabalho, Steuernagel faz uso ocasional desta
tcnica, numa passagem de sua pea, o que, entretanto, no a torna mais difcil ou menos
executvel por um iniciante.

10

Offermans, For the Contemporary . . . , 43.

11

Ibidem

71

neiras, como se fosse produzir um som grave e outro agudo, e pede ao aluno que sinta
com a mo para onde o ar est sendo dirigido, posicionando a mo do aluno para demonstrar como o ar se comporta para se conseguir o som grave (prxima da boca e
com o ar lento, um pouco quente) e o agudo (a coluna de ar vai mais longe, com
maior velocidade, e o ar mais frio). Em seguida o aluno sopra sua prpria mo e testar se consegue direcionar o ar como fez o professor, das duas maneiras diferentes. O
professor pode tambm verificar com sua mo se o aluno est procedendo da maneira
certa. importante enfatizar que a cabea deve permanecer parada, ou algumas crian72

as podem tentar mudar a direo do ar movendo a cabea para frente, para cima ou
para baixo.
Depois, com a posio do r grave, pede-se para que o aluno toque das duas maneiras, direcionando o ar para o grave e para o agudo. No importa que harmnico
soar, pois o exerccio serve s para que ele perceba que o que faz o som diferente o
ar, e no a mudana de posio. Uma vez que o aluno esteja consciente disto, possvel
trabalhar harmnicos especficos, o que pode tambm ser feito a partir da posio
do r, por imitao dos sons tocados pelo professor: fundamental, primeiro harmnico (oitava), segundo harmnico (uma oitava mais uma quinta) e terceiro harmnico
(duas oitavas). A partir do r, que uma nota grave, alguns alunos podem se divertir
alcanando facilmente harmnicos bem agudos (muitas vezes alcanam at o sexto
harmnico), o que, como experincia, no traz problema. No entanto, um trabalho
sistemtico de explorao dos harmnicos muito superiores pode, num estgio inicial,
forar demais a embocadura pois a maneira mais imediata de conseguir alcanlos simplesmente soprando com mais fora criando uma tenso demasiada, o
que deve ser evitado.
Se o aluno no conseguir alcanar o harmnico desejado, uma alternativa que
toque a nota na posio real e logo em seguida a toque na posio de harmnico, o
que facilita sua percepo do som e da direo da coluna de ar.

5.7 Glissando, Mudana de afinao ou Pitch-bend


Como a flauta um instrumento no-temperado, a posio digitada de uma
nota no garante sua afinao. Mudanas sutis no ngulo da flauta com relao aos
lbios, na embocadura e na velocidade do ar podem causar alteraes na afinao
muitas vezes indesejveis. O trabalho com a mudana proposital de afinao numa
determinada nota pode ser muito valioso para conscientizar o instrumentista, desde
o incio, quanto afinao correta especialmente em notas longas de final de frase,

quando a afinao da flauta tende a baixar.


Robert Dick define pitch bend como mudana de altura sem mudana da digitao da nota.12 Basicamente, gira-se a flauta para dentro para baixar a afinao e para
fora para subi-la. Algumas correes de embocadura so necessrias para ajustar os
diferentes ngulos da coluna de ar. Para subir a afinao de uma nota o mximo possvel normalmente um quarto-de-tom deve-se girar a flauta para fora, bem para
cima na sua chamin (na parede do orifcio da embocadura), mantendo a coluna de
ar em foco, e empurrando o maxilar e os lbios para o alto e para frente, at que a
nota esteja quase quebrando (about to brake). Para baixar a afinao ao mximo
normalmente um semi-tom deve-se girar a flauta para dentro, direcionar o ar para
baixo, puxar o maxilar e os lbios bem para trs, e decrescer o nvel de dinmica at
que a nota esteja prestes a sumir (about to stop).13
No trabalho com crianas iniciantes, indicado comear ensinando a mudana
de afinao para baixo, que a mais fcil. Primeiramente, instrui-se o aluno para que
mova o pescoo de maneira a baixar o queixo, mantendo a flauta com as chaves voltadas para cima, pois pode acontecer que mova o queixo e a flauta juntos de modo
que o ngulo entre a flauta e os lbios no mude. Depois, acrescenta-se o movimento
de girar sutilmente a flauta para dentro. importante salientar que este movimento
seja sutil. Pois comum que a criana gire a flauta demasiadamente rpido e alm do
necessrio, e neste caso o som desaparece antes mesmo que seja possvel ouvir o efeito
da mudana de altura. A partir do momento que o aluno capaz de executar este movimento, possvel intensificar o efeito pedindo que diminua a velocidade do ar,
como se seu flego estivesse acabando, e direcionando a coluna de ar para baixo. Geralmente, no h muita dificuldade na execuo do pitch bend para baixo. Depois de
aprender este efeito, para o pitch bend ascendente, a instruo que tudo deve ser
feito ao contrrio do que foi para baixar a afinao. Seguem-se os mesmos passos
movimento do queixo para cima, rolar a flauta sutilmente para fora, direcionar o
ar para cima e aumentar a sua velocidade e neste caso a nfase em crescer a dinmica, como sugere Dick, especialmente efetiva. possvel tambm efetuar pitch
bends que voltem para a nota de referncia (para baixo e em seguida para cima, e vice
versa).

12

Dick, The Other . . . , 40; Dick, Tone development 25.

13

Dick, The Other . . . , 25.

73

5.8

Jet Whistle

Segundo Robert Dick, a combinao de quatro parmetros diferentes na execuo do jet whistle ngulo do orifcio da embocadura, vogal na qual se baseia a
frma interna da boca,14 posio dos dedos e presso do sopro pode determinar
uma variao de altura de aproximadamente trs oitavas na flauta.15 Dick prope inclusive o trabalho com jet whistles e diferentes articulaes. Como o objetivo aqui
uma introduo s tcnicas estendidas e o trabalho voltado a crianas iniciantes,
74

este ser limitado produo de jet whistles simples, sem a preocupao com alturas
ou articulaes precisas. Alguns dos parmetros propostos por Dick, entretanto, so
utilizados para que se alcancem melhores resultados na emisso bsica do efeito.
Para produzir um jet whistle basta, a princpio, encobrir completamente o bocal
com os lbios e assoprar na flauta com presso, assim como se faz para aquecer o instrumento. Esta instruo simples muitas vezes j suficiente para que o iniciante consiga emitir um jet whistle. Por outro lado, em alguns casos, por mais que o aluno tente
soprar com presso, o som resultante pode no ser suficientemente forte, geralmente
pela falta de parciais agudos. Para contornar este problema, a correo do ngulo do
orifcio da embocadura um dos parmetros propostos por Dick uma alternativa bastante eficaz. O professor pode explicar que o sopro pode ser direcionado mais
para frente, de modo que atinja diretamente a chamin da flauta, e que para isso o
instrumento no deve estar voltado muito para dentro16 O professor pode ele mesmo
arrumar o ngulo da flauta para o aluno e pedir-lhe que sopre como se fosse aquecer
a flauta, porm com fora e direcionando o ar para frente. Deste modo, consegue-se
um jet whistle sonoro, com muitos parciais agudos, sem desperdcio de ar o que
importante, pois esta tcnica exige muito flego.
Uma vez que se consiga este jet whistle sonoro, possvel introduzir aquele com
direo definida (ascendente, descendente ou uma combinao das duas direes,
como sugerido no captulo 2), mudando o ngulo da flauta para dentro ou para
fora a fim de subir ou descer e a presso do sopro aumentando-a para subir e
diminuindo-a para descer.
14

Se se faz, por exemplo, um jet whistle com a frma interna da boca de a e depois de i
pode-se escutar a altura se alterando. Uma vez que os lbios esto cobrindo totalmente o orifcio,
a boca passa a fazer parte, em conjunto com a flauta, do ambiente de ressonncia, de modo que
as diferentes vogais, por mudarem as dimenses da boca, mudam a altura do jet whistle.

15

Dick, The Other . . . , 142.

16

Pois os parciais mais graves so menos sonoros.

Quando conseguem produzir o jet whistle, as crianas se divertem com o efeito.


Deve-se tomar cuidado, entretanto, para que no o repitam muitas vezes seguidas
mesmo quando esto tentando aprender a tcnica pois, por exigir muito ar, a sua
repetio exagerada pode causar tontura.

5.9

Multifnicos

Para que se consiga tocar um multifnico, a coluna de ar deve ser manipulada,


de maneira que soem as duas (ou mais) alturas desejadas. Offermans afirma que
como se houvesse duas colunas de ar no mesmo tubo, cada coluna produz uma nota,
quando a direo do jato de ar necessria usada17 tambm necessrio que se busque uma presso de ar que funcione para ambas as alturas. Dick afirma enfaticamente
que aps selecionada uma presso de ar, o flautista no deve vari-la de modo algum:
na busca pela produo correta de cada multifnico [varie] a posio do maxilar, o
ngulo da flauta e/ou da embocadura, mas no a presso do ar.18
Tanto Dick quanto Offermans, sugerem maneiras semelhantes e complementares para o aprendizado de multifnicos. Segundo Dick, para aprender um multifnico
primeiro toque as duas alturas separadamente, para familiarizar-se com seus direcionamentos (target areas) e resistncias. Explore a gama de dinmicas de cada nota
separadamente. Ento, enquanto mantm a mais grave das alturas, gradualmente
mova a posio da embocadura no sentido da altura mais aguda. Durante o curso
desta mudana, as duas alturas vo soar ao mesmo tempo. O trabalho deve ento ser
feito no sentido de estabilizar o multifnico e desenvolver a habilidade de articullo de modo que as duas alturas soem imediatamente.19

Offermans afirma que, antes de tocar um multifnico necessrio imaginar os


sons tanto separada quanto simultaneamente e ajustar a cavidade bucal de acordo
com estas imagens imaginando cada som como uma vogal. Para o estudo de um
multifnico determinado o autor prope quatro passos, cada um separado por uma
longa respirao:
1) Toque a nota mais grave e imagine uma vogal apropriada. 2) Toque a nota mais
aguda e imagine uma vogal apropriada. 3) Comece pela nota mais grave, continue
at a mais aguda, e volte para a nota inicial, lentamente e legato. Imagine simulta17

For the Contemporary . . . , 48.

18

Tone development . . ., p. 36.

19

Ibidem.

75

neamente as vogais apropriadas, agora uma dissolvendo na outra. 4) Toque ambas


as notas ao mesmo tempo, enquanto imagina ambas as vogais.20

A experincia mostra que a existncia da possibilidade de se tocar duas ou mais


notas ao mesmo tempo na flauta intrigante para o iniciante no instrumento.
Quando o professor capaz de demonstrar que a possibilidade no s existe como
pode, em alguns casos, no ser muito difcil, o interesse na execuo dos multifnicos
o primeiro passo para a explorao deste efeito com as crianas.
76

O ensino de multifnicos a iniciantes pode ser abordado tomando como base


essas sugestes de Dick e Offermans, porm muito importante que se escolha um
multifnico de emisso fcil.21 Feito isso, o professor pode toc-lo e pedir para que
o aluno oua as duas notas que soam juntas.22 Depois disso, o professor toca as notas
separadamente e mais uma vez simultaneamente para facilitar a discriminao pelo
aluno. Ento, aps ensinar a posio do multifnico, pede-se para que, a partir desta,
o aluno procure tocar a nota mais grave geralmente direcionando o ar mais para
perto, com os lbios bem relaxados e que tente prestar ateno em como esto o
ar e a embocadura para que a nota soe. O professor pode a princpio tocar esta nota
para que a criana o imite, tocar junto com ela, e em seguida esperar que toque sozinha. Aps conseguir que a nota inferior soe consistentemente, a criana, imitando o
professor, toca ento a nota mais aguda que via de regra soar com mais facilidade
do que a inferior procurando uma dinmica que no seja muito diferente da alcanada na primeira nota. Depois disto, volta-se a tocar a primeira nota o mais longamente possvel. Em seguida, mantendo a nota inferior, procura-se gradualmente
alcanar a mais aguda. Nas primeiras tentativas, pode acontecer que o aluno passe de
uma nota para outra sem conseguir sustentar as duas ao mesmo tempo. Para contornar esta dificuldade, deve-se instru-lo para que tente ouvir mais a nota grave, tocando-a mais forte, e menos a nota aguda, tocando-a mais piano, o que resultar
eventualmente numa presso de ar que funcione para ambas as notas.23
20
21

22
23

For the Contemporary . . . , 49.


H sugestes de alguns no segundo captulo desta dissertao. Em The Other Flute, Robert
Dick apresenta tabelas muito abrangentes de multifnicos, indicando inclusive a facilidade
de execuo de cada um. De qualquer modo, aconselhvel que se verifique esta facilidade
que deve ser a mxima possvel antes de se usarem multifnicos com iniciantes.
No estudo de campo realizado com as crianas foi utilizada a posio do r agudo, a partir
da qual possvel tocar ao mesmo tempo tambm o d mdio.
Ao menos para as posies sugeridas nesta dissertao.

5.10 Trmolos com efeito glissando


Os trmolos com efeito glissando so inspirados em obras de Salvatore Sciarrino.
Para o efeito original necessrio que se execute um cromatismo na mo esquerda e
ao mesmo tempo um trmolo com as chaves de trinado de r e r# na mo direita.
Este movimento simultneo de ambas as mos trabalhando independentemente
tecnicamente muito difcil para um iniciante. Portanto, para que fosse possvel trabalhar um efeito semelhante com crianas iniciantes, algumas adaptaes foram necessrias (restrio das notas na mo esquerda apenas s naturais e uso de apenas uma
chave de trinado quando h movimento rpido de notas). O efeito final no to
marcantemente glissando quanto o original, mas bastante efetivo e interessante
para as crianas.
Para introduzi-lo, primeiramente trabalha-se apenas com o movimento da mo
esquerda (sol-l-si-la-sol-etc . . .) at que este esteja fluente. Depois disso, enquanto a
criana toca, o professor trina a chave de r, para que ela perceba que basta isso para
que o som das trs notas se transforme no efeito desejado. Ento, o professor pode
por seu dedo sobre o dedo mdio da mo direita da criana (que prossegue fazendo
o movimento da mo esquerda), e mex-lo para trinar a chave de r, deste modo induzindo o movimento para que ela perceba proprioceptivamente como proceder. Em seguida, a criana tenta sozinha executar simultaneamente os movimentos
de ambas as mos. (Algumas crianas podem achar mais fcil a execuo com o dedo
indicador ao invs do dedo mdio da mo direita, contra o que, a princpio, no h
restrio.)

5.11

Tocar s com a cabea da flauta

Tocar s com a cabea da flauta no exige nenhuma orientao especial alm


daquelas usuais para o ensino da embocadura a recm-iniciantes. recomendvel que,
antes de posicionar a flauta (ou, no caso, s a cabea) para que a criana toque, o jato
de ar seja praticado sem o instrumento. Deste modo evita-se a decepo das crianas,
especialmente das menores, diante da possibilidade de tentar tocar e no conseguir
fazer a flauta soar, o que no incomum entre iniciantes. Um exerccio muito interessante para formar a embocadura e construir a coluna de ar sugerido na introduo
do primeiro volume do Mtodo Suzuki para Flauta Transversal, e envolve cuspir arroz
(attack exercise by spitting):
Pratique cuspir um gro de arroz aps o outro usando a pontinha de sua lngua.
Ento, no lugar do arroz, voc tem que cuspir somente pequenas bolinhas de ar, pro-

77

nunciando tu, tu. A lngua deve estar sempre relaxada. Para uma boa cuspida, a
ponta da sua lngua deve tocar atrs do lbio superior, de modo a formar presso de
ar atrs da lngua. Esta presso de ar possibilita o cuspe do arroz.24

As crianas se divertem ao praticar este exerccio, que muito eficaz e facilita


ao professor verificar se a presso do ar est suficiente a produo do som. Para isso, a
criana deve ser capaz de cuspir o arroz e manter a coluna de ar por alguns instantes
geralmente basta pedir para que ela o imite e procure manter o barulho do ar
mesmo depois de ter cuspido o arroz. Se o professor percebe que a presso no su78

ficiente, deve incentivar a criana a cuspir arroz durante a semana, e que procure alongar o barulho do jato de ar, a fim de que ela consiga adquirir a capacidade de atacar
e sustentar o som, antes de iniciar o trabalho com a cabea da flauta.25
Uma vez que a criana seja capaz de sustentar o ar com presso, o professor pode
posicionar a cabea da flauta para que ela faa o instrumento soar, e ento ensin-la a
segurar a cabea de maneira apropriada. Depois que a criana consegue produzir o
som, pode brincar com a cabea. O professor pode mostrar como fazer graves e
agudos fechando-a e abrindo-a com a palma da mo e incentivar a explorao dos
sons por parte da criana introduzindo o dedo para fazer glissandos como se fosse
um trombone, imitando uma sirene ao abri-la e fech-la rapidamente ou fazendo som
de um fantasma, tremendo o indicador ao introduzi-lo na cabea, por exemplo. O
professor pode tambm fazer jogos de imitao, demonstrando algumas possibilidades, e instigando a criana para que descubra de que maneira os sons foram
produzidos.26

Algumas crianas tero mais facilidade em determinadas tcnicas do que em


outras. As sugeridas aqui foram trabalhadas durante o estudo de campo e mostraram-se executveis por iniciantes. Podemos adiantar aqui algumas concluses, que
sero detalhadas nas consideraes finais, especificamente com relao prtica das
tcnicas:
24
25
26

Toshio Takahashi, Suzuki Flute School - Flute Part, vol. 1, Warner Bros Inc., Miami, 1971,
11.
Esta apenas uma sugesto, e cada professor pode ensinar a produo do som e a embocadura da maneira que considere mais adequada.
Para esta tcnica, no foi composto um estudo didtico especfico, j que a prpria explorao dos sons sistematiza seu uso de maneira ldica.

A vontade de aprender influenciou imensamente a execuo;

H um ganho cognitivo evidente medida em que o repertrio tcnico vai


se tornando familiar;

Cada aluno tem seu estilo diferente de aprender. Para alguns, importante
uma explicao verbal, para outros o mais importante ter um exemplo
sonoro.

Para o ensino tanto dos estudos quanto das peas, durante o estudo de campo
a abordagem deu-se basicamente seguindo o seguinte caminho:
1.

Explorao da notao na partitura: identificando smbolos diferentes dos


tradicionais e avaliando se so ou no j conhecidos; em caso positivo,
procurando determinar que efeito representam;

2.

Aprendizagem das tcnicas especficas referentes aos diferentes smbolos


identificados: as estratgias usadas para cada uma foram descritas neste captulo;

3.

Leitura de cada frase: o aluno toca e o professor ajuda a identificar possveis


erros, procurando elucidar dvidas; quando necessrio, o professor toca para
que o aluno o imite, especialmente no caso de notao no-tradicional.
Em peas mais longas, necessrio avaliar o quanto o iniciante especialmente

quando se trata de crianas mais jovens capaz de aprender em uma aula e estudar
em casa, onde no h ajuda do professor. Vale mais a pena dividir a pea em partes
menores e acrescentar um trecho a cada aula, a arriscar que o aluno no seja capaz de
pratic-la corretamente e acabe memorizando possveis erros. Neste sentido, a escuta
da gravao das peas pode auxiliar em sua aprendizagem.

79

Tabela 2 Peas e Estudos em que aparecem as tcnicas

Tcnica

80

Peas

Estudos

Trilo tonal

Steuernagel: La Farfalla,
La Farfalla e la Coccinella;
Daldegan: O Chins Passeia

Wind tones

Riederer:
Daldegan:

Whisper tones

Steuernagel: Due Farfalle et un Papillon;


Grassi:
Ao Largo;
Daldegan: O Chins Passeia,
Trilo, tonal & cia.
Steuernagel: La Coccinella,
La Farfalla e La Coccinella;
Riederer: Duo I O Castelo;
Mendes:
Cronocosmos n 9;
Fukushima: Pra de atrapalhar minha msica;
Daldegan: O Chins Passeia.

A lagarta tece o casulo

Percusso de
chaves

Steuernagel: La Coccinella,
La Farfalla e la Coccinella;
Riederer: Duo IV O Bosque;
Mendes:
Cronocosmos n 9,
Cronocosmos a Jato;
Fukushima: A Cobra Encantada;
Daldegan: O Chins Passeia,
Trilo, Tonal & cia.

Harmnicos (1. verso),


Passos e Sopros.

Harmnicos

Riederer:

Tongue ram

Duo IV O Bosque;
O Chins Passeia

Duo III A Noite.

Glissando, Mudana Steuernagel: La Coccinella;


de afinao ou
Riederer: Duo IV O Bosque;
Pitch-bend
Daldegan: O chins passeia;
Opolski:
O Mistrio da Rosa Manca;
Fukushima: A Cobra Encantada,
Pra de atrapalhar minha msica.

O sonho da lagarta

O Cuco e os Sons de Vento

Multi-sons,
Maria Tosquiou seu
Carneirinho

Harmnicos (1. verso),


Multi-sons,
Chegando L no Alto.
Multi-sons.

Jet Whistle

Mendes:

Cronocosmos a jato,
Cronocosmos n 9;
Riederer: Duo I O Castelo,
Steuernagel: Due farfalle et un papillon;
Fukushima: Pra de atrapalhar minha msica,
A cobra encantada;
Opolski:
O Mistrio da Rosa Manca.

Maria tosquiou seu


carneirinho.

Multifnicos

Riederer: Duo I O Castelo;


Fukushima: Pra de atrapalhar minha msica.

Multi-sons.

Trmolo com efeito


glissando

Steuernagel: La Farfalla,
Due farfalle,
La Farfalla e la Coccinella,
Due farfalle et un papillon;
Daldegan: Trilo, Tonal & cia;
Opolski:
O Mistrio da Rosa Manca;
Mendes:
Cronocosmos n 9,
Cronocosmos a Jato;
Riederer: Duo IV O Bosque.

A lagarta tece o casulo.

Tocar s com a
cabea da flauta

Daldegan:

Msica da Cabea.

Captulo 6

Prtica: o caso Alice

Prtica: o caso Alice


Como exemplo do estudo de campo realizado com os alunos, descreveremos
aqui, tomando como base os dados coletados a partir das anotaes e filmagens das
aulas, o caso de Alice, que, apesar de tocar havia mais tempo vinte e um meses
era a mais iniciante, no sentido de ser a aluna mais jovem oito anos e a menos
adiantada dentre o grupo de quatro alunos iniciantes que participaram do estudo de
campo que envolveu, alm de um levantamento sobre apreciao (descrito no captulo
3), a prtica do repertrio que foi desenvolvido para este trabalho.

6.1 Parmetros metodolgicos


Como j dito, o critrio de seleo dos participantes foi a idade deveriam ser
crianas com menos de treze anos e o tempo de estudo de instrumento deveriam ter iniciado h menos de dois anos.
Os instrumentos de coleta de dados foram: um caderno de anotaes, no qual
foram registradas observaes gerais com relao ao ensino das tcnicas estendidas e
o desenvolvimento dos alunos no decorrer do estudo; agendas individuais, nas quais
os alunos (ou suas mes) assinalavam o que praticavam e ouviam em casa durante a
semana1; imagens das aulas semanais, registradas em vdeo.
As mes dos alunos assinaram um consentimento concordando que seus filhos
participassem do estudo, cedendo inclusive o uso, para fins acadmicos, das imagens
gravadas em vdeo durante as aulas.
Para a realizao da pesquisa, o paradigma adotado foi a pesquisa qualitativa,
por ser estratgia apropriada para responder a questes como e por que.2 Procurou-se estudar os alunos dentro do seu contexto usual de aprendizagem, pois a abstrao que decorreria dos alunos estarem desvinculados de seu contexto usual de
aprendizado de instrumento poderia produzir erros experimentais resultantes do prprio mtodo objetivo de pesquisa. A maneira como as pessoas se comportam, sentem ou pensam s pode ser entendida quando o seu mundo e o que tentam fazer nele
se tornam conhecidos. A objetividade pode ignorar dados importantes para sua
adequada compreenso.3
1

Vide figura 3.1, p. 37.

Robert K. Yin, Case Study Research: Design and Methods (Thousand Oaks, CA:Sage Publications, 3 ed., 2003 ), 22.
3

Bill Gillham, Case study research method (Londres: Continuum International Publishing
Group, 2000), 11.

83

O estudo durou quatorze semanas, durante as quais, paralelamente ao repertrio


tradicional, os alunos trabalhavam tambm com o repertrio contemporneo que
envolvia tcnicas estendidas, portanto a rotina de suas aulas e estudo no foi alterada,
a no ser pela incluso deste novo repertrio.

6.2

Alice

Do ponto de vista scio-familiar e cultural a situao de Alice poderia ser resumida do seguinte modo: Alice filha nica de pais separados; mora com a me, que
84

artista plstica, leiga em msica, mas envolvida com arte contempornea, e que
desde o incio do programa mostrou-se encantada pelo repertrio de msica com
sonoridades diferentes e incentivou muito a escuta dos CDs em casa, ouvindo-os,
sempre que possvel, com a filha. Seu pai, msico profissional, pianista, que toca especialmente repertrio de MPB e jazz, no mostrou-se muito entusiasmado pelo
novo repertrio da filha, que quando passava o dia ou o final de semana com ele estudava apenas o repertrio tradicional.
Apesar de Alice ter respondido, no questionrio de preferncias musicais, que
o repertrio de msica contempornea lhe era familiar, como sua professora e conhecendo sua famlia, sabia de sua falta de familiaridade com o repertrio no teste,
parece ter confundido familiaridade e o quanto gostava da msica, ou marcado um
nvel alto para no desapontar a professora, uma atitude comum em crianas de sua
idade.
Durante os dois primeiros meses do estudo de campo, Alice ouviu quase diariamente as gravaes de repertrio contemporneo. Segundo sua me, a escuta informal deu-se de maneira natural, e Alice dispunha-se a ouvir as selees, s vezes
com mais ateno, outras distraidamente, mas sempre de boa vontade. Mais tarde, a
partir de novembro, com a proximidade do fim do ano e agenda de compromissos
mais apertada as oportunidades de escuta diminuram. Mesmo assim, durante o estudo, ouviu nove diferentes CDs envolvendo msica contempornea e novas sonoridades na flauta transversal, mostrando constantemente uma atitude positiva com
relao escuta, o que era verificado durante as aulas semanais.
Quanto ao seu nvel tcnico com relao ao instrumento, no incio do estudo
de campo, Alice sabia todas as posies das notas do r grave ao r agudo, fazia exerccios de notas longas segurando-as no mximo por cerca de trs a quatro segundos,
restritos sua capacidade pulmonar e era capaz de tocar uma oitava das escalas
maiores de d, f e sol. No que diz respeito ao repertrio, tocava canes folclricas

simples (especificamente estava tocando a primeira voz de A Mar Encheu em um


trio) e estava aprendendo o Minueto em Sol Maior de J. S. Bach, a msica 14 do primeiro volume do Mtodo Suzuki para flauta transversal.4 Era capaz de ler melodias
com subdivises em colcheias e sem muitos saltos. Decorava as peas com muita facilidade, o que a fazia ter um pouco de displicncia com a leitura, mas preferia ter a
partitura em sua frente como uma forma de apoio.

6.2.1

Explorao

Durante as duas primeiras semanas do estudo, foi realizada uma explorao das
possibilidades que viriam a ser trabalhadas durante as aulas. Foram testadas com os
alunos participantes algumas tcnicas que pareciam com base na literatura e experincia acessveis a iniciantes. Com base neste levantamento inicial, foram compostos os estudos didticos e as peas utilizadas no decorrer da pesquisa.
Para esta explorao, o aluno procurava imitar o professor aps demonstrao
e explicao verbal da execuo da tcnica. Havendo dificuldade extrema, descartarse-ia a possibilidade de uso da tcnica.
Nessa fase, que durou parte das duas primeiras aulas, Alice conseguiu fazer os
harmnicos a partir da posio do r grave, at o l agudo, e achou muito divertido
poder tocar seis notas com a mesma posio. Ao tentar transformar o r em um som
de vento, saa um whisper tone; pedi que fizesse o r bem curto para que sobrasse ar
para transform-lo em som de vento e mesmo assim houve dificuldade, mas o som
de vento direto, desde o ataque, ela conseguiu produzir. Alice no teve dificuldade
alguma com o whisper tone, diminuindo a presso do ar e procurando ouvir os harmnicos que restavam no final da nota. Conseguiu fazer os multifnicos

&

&

mas com dificuldade para segurar as notas, pois faltava-lhe ar; mesmo na reviso dessas tcnicas, durante a segunda aula, ela s conseguiu sustentar um pouco. Mostrei
tambm como era feita a percusso de chave, mas a coordenao dos dedos foi difcil
a princpio; conseguiu faz-la repetindo vrias vezes a mesma nota (f), depois outra
(sol) mas mudar rpido causou confuso.
Depois de verificar, com Alice e outros alunos, quais tcnicas estendidas seriam
apropriadas para o trabalho com crianas iniciantes, escrevi alguns estudos didticos
para a abordagem destas tcnicas.

17.

Toshio Takahashi, Suzuki Flute School Flute Part, vol. 1 (Miami: Warner Bros Inc., 1971:

85

6.2.2

O cuco e os sons de vento

Para introduzir o primeiro estudo, O cuco e os sons de vento, toquei e perguntei


a Alice se reconhecia algum som novo, diferente do som natural da flauta. Ela identificou prontamente o som-de-vento, e mostrei sua notao (trs tracinhos embaixo da nota). Alice perguntou
ento sobre o risco depois da nota (figura 6.1) e expliFigura 6.1

86

quei que servia para sinalizar que a nota deveria ser alon-

gada, chamando sua ateno para o fato de no existirem compassos naquela melodia
(que escrita em notao aberta5). Alice teve dificuldade em transformar o som normal em som-de-vento. Isto aconteceu porque, para conseguir executar o efeito, ao
invs de soprar mais para fora, ela simplesmente fazia o ar passar entre os dentes, segundo sua explicao. Desta maneira, ela conseguia atacar um som-de-vento, mas
no transform-lo em som natural e vice-versa. Quando tentava transform-lo, acontecia de sair um whisper tone, pois diminua a presso do ar; depois que entendeu que
deveria mant-la, e que imaginasse que a flauta iria fugir de seus lbios, conseguiu
executar melhor o efeito, ou seja, precisou imaginar um processo fsico para obter
um resultado sonoro. Na primeira aula, fizemos somente a primeira linha o exerccio
pois ela comeava a mostrar sinais de falta de concentrao.
Na semana seguinte, Alice ainda demonstrava certa dificuldade no exerccio O
cuco e os sons de vento. Ao tentar transformar o d de vento em um som natural e
logo em seguida tocar um l, fazia um d extra antes do l. Toquei, exemplificando
vrias vezes, mas lhe parecia difcil entender que o primeiro d era uma continuao
do vento. Desenhei, ento, a lpis na partitura, uma representao do que ela estava
fazendo, e toquei; a seguir apaguei minha anotao, e toquei corretamente o que estava na partitura: deste modo ela entendeu melhor e corrigiu o erro.
Para trabalhar a segunda parte do exerccio, nos momentos em que aparecia a
seqncia o mais rpido possvel, praticamos primeiro com a flauta no ombro, para
que pudesse visualizar e prestar ateno no movimento de seus prprios dedos, pois
deveria tirar um dedo de cada vez, o mais rpido possvel para ela. Expliquei-lhe que
praticando mais, se tornaria possvel tocar mais rpido a passagem, bastava que treinasse seus dedos, mas que no deveria fazer mais rpido do que o possvel para ela,
pois os dedos ficariam mal acostumados em tocar sujo.6 A princpio ela conseguiu
5

Notao aberta aquela em que decises sobre a execuo de alturas e/ou duraes so
deixadas, em nveis variados, ao critrio do intrprete.

Notas de observao agendadas no caderno de campo, 6 de setembro de 2007.

apenas fazer a seqncia bem lentamente, e mesmo depois de treinar durante a semana
continuava tocando da mesma maneira. Disse-lhe ento, j na aula seguinte, que no
tivesse receio de tocar mais rpido, pois aquela maneira estava mais lenta do que o
possvel. Por imitao eu tocava, com as notas naturais, e ento ela imitava, inclusive a velocidade Alice descobriu que poderia mesmo tocar muito mais rpido
do que estava fazendo. Depois disso tocou muito mais expressivamente a segunda
metade do estudo. Na aula posterior, trabalhamos com as dinmicas, sempre por imitao. Conseguiu tocar muito bem o estudo, com os sons de vento, as seqncias r87

pidas e as diferentes dinmicas.

6.2.3

Harmnicos

No estudo Harmnicos, no houve problema algum na emisso dos harmnicos


(ela j havia gostado muito do efeito quando aprendeu sobre a sua possibilidade). Leu
a primeira frase sozinha. Depois foi necessrio ajud-la, para que pudesse imitar.
Houve certa dificuldade em alcanar o l mdio a partir da posio do r grave: s
vezes soava um harmnico superior (r ou l agudos), pois Alice no mantinha a coluna de ar com a presso e direo necessrias. Pedi que imaginasse a nota antes de
tocar, e tocasse um l na posio natural e logo em seguida o harmnico. Depois de
algumas repeties, conseguiu atacar e manter o mesmo harmnico por diversas vezes
seguidas, e no houve mais dificuldades. Na semana seguinte, quando iramos rever
o exerccio, Alice disse que havia esquecido de estudar aquele. Pedi que tocasse,
mesmo assim. Os harmnicos saram sem problemas, mas tocava todas as notas com
a mesma durao, sem prestar ateno ao ritmo. Mostrei-lhe ento as colcheias, e pedi
que escandisse o ritmo; depois disso tocou de novo, com o ritmo certo. Mesmo que,
a princpio, houvesse gostado muito do efeito de tocar vrias notas a partir da mesma
posio, pelo fato de haver esquecido da existncia do exerccio e tambm de t-lo
tocado sem motivao, transpareceu que o estudo parecia-lhe muito montono. Conclu que este estudo talvez devesse ser de algum modo reescrito, para torn-lo mais
interessante.

6.2.4

Multi-sons

Para o estudo Multi-sons, mostrei a partitura e perguntei a Alice o que havia de


diferente; sua resposta foi Um monte de coisas . . . esses triangulinhos . . . Trabalhamos com cada tcnica individualmente, a partir do que Alice identificava como notao diferente.7 Para o tongue ram, foi necessrio treinar vrias vezes sem a flauta.
7

Ibidem.

Disse para soprar normalmente, como se fosse tocar, e no fim pr a ponta da lngua
para fora. Fiz isso vrias vezes para que Alice imitasse. Mostrei o movimento da lngua
com um gesto da mo e sugeri que prestasse ateno no abdmen, quando a lngua
sai, a barriga fica dura;8 com sua mo sobre o abdmen, Alice verificou se a barriga
ficava mesmo dura. Lembrei-lhe tambm que o movimento da lngua deveria ser rpido, e que para conseguir bastante presso de ar deveria diminuir o espao entre os
lbios. Alice continuou imitando o som do ar sendo bloqueado pela lngua, at conseguir um som parecido com o meu. Quando experimentou na flauta, conseguiu exe88

cutar o efeito, porm ainda com um pouco de barulho de ar indesejvel. Entretanto,


procurei no corrigi-la mais para que no se cansasse, e preferi esperar at a prxima
semana, para observar o resultado depois de haver praticado em casa.
Quanto ao glissando, Alice conseguiu, por imitao, realizar o movimento para
baixo j na primeira tentativa, aps a explicao de que poderia tanto girar um pouquinho a flauta para dentro, quanto baixar um pouco cabea mas mantendo as chaves
olhando para cima (que como descrevo aos alunos a posio em que as chaves da
flauta ficam voltadas para cima e paralelas ao cho). Para baixar e depois subir a afinao na mesma nota, a instruo de aumentar a presso do ar e crescer no final, alm
de voltar a posio da flauta para a original, foi suficiente para que conseguisse o efeito.
Com relao ao multifnico, relembrei-lhe que na aula em grupo havamos tocado exatamente aquele que aparecia neste exerccio, na posio do r agudo, fazendo
soar, tambm, um do mdio. Assim, com a flauta na posio do r, toquei primeiro o
d, Alice imitou; depois o r, e ela imitou. Ento lembrei-lhe que seria preciso fazer
soar as duas notas ao mesmo tempo, toquei e ela imitou com perfeio, o que a deixou
muito contente. Acrescentar o trinado, entretanto, causou uma dificuldade que acabou por desanim-la de fazer o multifnico, por dois motivos: fazer o trinado com o
dedo mnimo (chave de sol #) j no lhe era muito fcil, e segurar simultaneamente
as duas notas por um tempo longo parecia-lhe impossvel, por falta de flego. Por
isto, a dispensei do trinado pedi que fizesse somente o multifnico e acrescentasse
o trinado se quisesse9 e disse-lhe tambm que estudasse o multifnico com trs
tempos ao invs de quatro. Alice conseguiu acrescentar o trinado depois de treinar
com a flauta no ombro olhando o movimento dos dedos, mas realmente no conseguia manter o multifnico por mais de dois tempos. Para que pudesse estudar em
casa, Alice sugeriu que eu anotasse a posio em cima da nota e o que significava cada
8

Ibidem

Notas de observao, 28 de setembro de 2007.

smbolo diferente na partitura, pois segundo ela era muita coisa para ter que se lembrar.10 Isso fez-me perceber que deveria incluir na edio final das partituras todas
as posies alternativas que fossem usadas nas peas e estudos. Finalmente, tocamos
juntas o estudo.
Na segunda aula em que trabalhamos Multi-sons, Alice parecia no se dar conta
das mudanas de registro; escrevi na partitura as palavras grave e agudo quando
havia mudanas, para que as percebesse e procurasse faz-las, pois parecia mesmo no
perceber quando no as executava. Para ajudar no tongue ram, a instruo de cuspir
ao contrrio foi muito eficiente, e Alice conseguiu diminuir o barulho de ar, melhorando a produo do efeito percussivo. Na aula seguinte, revisamos o exerccio que
melhorou muito, apesar de ainda no conseguir sustentar o multifnico. Mais uma
semana depois, percebi que, mesmo com treino, no conseguiria sustent-lo longamente por falta de flego. Por conta disto, fiz uma pequena alterao no estudo, reduzindo a durao do multifnico de quatro para trs tempos, seguido de uma pausa
de semnima. Funcionou muito bem, e assim Alice conseguiu tocar o estudo.

6.2.5

Trilo, tonal, & cia.

Para o estudo Trilo, tonal, & cia., iniciamos identificando os smbolos diferentes
na partitura. Alice os apontou. Seu comentrio inicial sobre o estudo que era muito
grande. Trabalhamos ento com cada uma das tcnicas diferentes identificadas por
ela na partitura.
Para o whisper tone (que ela j havia antes conseguido fazer ao tentar tocar os
sons de vento quando aprendia o estudo O cuco e os sons de vento), toquei e esperei
que imitasse, mas ao invs de um whisper tone, Alice produziu um som de vento. Ela
mesma comentou, ento: Puxa! Antes eu s sabia fazer o whisper tone e agora eu no
consigo! S consigo som de vento e antes eu no conseguia fazer som de vento!11
Lembrei-lhe ento que para o som de vento era necessrio usar bastante presso, e
que para o whisper tone o ar era usado como num assovio, e o lbio deveria ficar bem
solto. Sugeri ento que treinssemos assim como fizemos com os sons de vento, transformando um r em whisper tone. Quando Alice fez a transio a partir do som natural do r grave, conseguiu fazer o whisper tone, mas logo em seguida, ao tentar atacar
diretamente o whisper tone, soaram somente os harmnicos super agudos, quase inaudveis. Pedi ento para que treinasse em casa e veramos na aula seguinte se ainda
haveria dificuldade.
10

Notas de observao, 6 de setembro de 2007.

11

Notas de observao, 20 de setembro de 2007.

89

Com relao ao ritmos accelerando (figura 6.2), mostrei a partitura e toquei para
que imitasse, mas ela no conseguia acelerar muito, por dificuldade de digitao. Para
facilitar o acelerando de sol-si b , mostrei-lhe a posio alternativa do si b com o polegar, com a qual pde tocar estes acelerandos com maior facilidade. Adverti que para o si n seria
Figura 6.2

necessrio que o polegar voltasse posio normal.

Pra os trilos tonais, toquei cada um deles e ela os imitou, sem dificuldade.
90

Quando mostrei-lhe o trmolo com a chave de r sobre as notas sol-la-si, Alice teve
certa dificuldade de mexer o dedo rapidamente, mas achou o efeito muito divertido,
comentando Eu sempre quis saber para que serviam essas chavinhas (referindo-se
s chaves de trinado, que nunca havia antes usado).
Toquei ento o estudo inteiro e sugeri que tentasse acompanhar na partitura.
Alice preferiu reger ao invs disso, divertindo-se com os gestos. Quando terminei
de tocar, ela disse: Acharia bom voc marcar o que cada coisa . . . Fiz algumas anotaes em sua agenda, especialmente com relao s posies, para que tentasse tocar
em casa.
Na semana seguinte, comentou que havia estudado, mas tinha esquecido como
se fazia o whisper tone. Expliquei que deveria digitar a posio escrita (no caso, mi b)
e soprar suavemente, como se nem fosse tocar flauta, com a boca bem relaxada, e que
neste caso mais ar no significaria mais som, pois se soprasse com muita presso obteria um som de vento: Mantenha s um pouquinho de ar, com a boca bem relaxada
. . .8 Ento ela conseguiu executar o efeito. Em seguida, tocou o estudo inteiro, mas
no fez mudanas de registro, tocando tudo no grave do incio ao fim, e havia tambm
esquecido as posies dos trilos tonais; o whisper tone do final soou muito bem. Depois disso, revisamos a partitura, e fiz algumas anotaes, especialmente das posies
dos trilos tonais. Tambm chamei a ateno para as partes que seriam na oitava acima.
Toquei ento o estudo, parando a cada respirao para que Alice imitasse; conseguiu
imitar todos os pequenos segmentos. Ela sugeriu que cada uma fizesse um pedacinho,
alternando a cada respirao s vezes se confundia nas oitavas, mas por vezes j
percebia e tentava corrigir sozinha. Ficou satisfeita, feliz com o resultado.
Na semana seguinte, entretanto, ainda mostrou dificuldade em perceber as mudanas de oitava. Tive que escrever a palavra agudo quando este era o registro que
deveria tocar, o que a ajudou e manter a concentrao por todo o estudo, o que foi
8

Notas de observao, 28 de setembro de 2007.

um esforo grande para ela. Este estudo mostrou-se mais difcil do que o que se pretendia, e nesta pesquisa passou a ser indicado como uma pea.

6.2.6

La Farfalla

Propus tocar o incio de algumas das peas que os compositores haviam escrito,
para que Alice escolhesse a que mais gostasse, e ela decidiu-se logo pela segunda pea
que lhe mostrei. Encantou-se com La Farfalla de Steuernagel, parte do ciclo Cinque
Canzone de Farfalle e Coccinelle. Apesar de um pouco longa, dado o entusiasmo de
Alice, decidimos enfrentar o desafio. Como em outras peas mais longas do repertrio
tradicional que havia j tocado, dividimos esta em pequenos trechos, que seriam estudados aos poucos, geralmente somando-se um trecho novo a cada semana.
Na primeira semana, a proposta foi tocar somente a primeira linha da msica.
A partir da notao na partitura que j lhe era familiar, pois havamos trabalhado
as tcnicas nos estudos didticos Alice procurou tocar cada pequeno segmento
de seqncias rpidas, prestando ateno nas notas em que comeavam e terminavam.
Toquei os trechos para que imitasse; no houve nenhuma grande dificuldade. Mostrei
a digitao do trilo tonal de f e anotei na partitura com que dedo deveria trinar. Pedi
que tocasse a frase inteira sozinha, e Alice reproduzia indevidamente o prolongamento da ltima nota aps a primeira seqncia de notas rpidas, segurando as ltimas notas das demais seqncias (ver figura 6.3). Mostrei-lhe que, quando no h
U

&

~~~~~~~~
(

U
2s
~~~~~~~~~
U

(
J

Figura 6.3

indicao de que a ltima nota deva ser mais longa (como na primeira seqncia, que
termina com um longo trilo tonal de d), todas as notas so curtas (o mais rpido
possvel). Toquei novamente para que imitasse, mas mesmo assim prolongava a nota
final. Fiz ento uma brincadeira de tirar a flauta da boca logo que alcanasse as ltimas
notas das seqncias. Ela gostou da idia que se mostrou eficiente. Porm, depois de
trs minutos neste incio da msica, mostrou sinais de que perdera a concentrao.
Combinamos ento que tocaria em casa s a primeira linha, at a primeira pausa de
dois segundos. No fim desta mesma aula, depois de trabalharmos outro repertrio,
pedi para que tocasse o trecho que deveria estudar em casa, para certificar-me que
conseguiria estudar sozinha. Comeou tocando uma oitava abaixo, chamei a sua ateno verbalmente, mas s se corrigiu depois que toquei para ela a primeira seqncia;
depois tocou corretamente at o fim.

91

Na aula seguinte, pedi que tocasse o primeiro trecho, conforme combinado. Ela
havia estudado sem articulao, com o ritmo errado, algumas notas faltando e outras
erradas, e ao terminar comentou: Ih! Esqueci de fazer isso aqui! (mostrando o
gesto do trilo tonal de f)9. Meu comentrio ento foi: Pois , ento vamos do comeo . . . Toquei a primeira seqncia e Alice imitou, j fazendo as ligaduras, mas
comeando no sol ao invs do mi. Perguntei-lhe com que nota comeava; ela tocou
mais uma vez do mesmo jeito. Repeti a mesma pergunta, qual respondeu prontamente: Sol ? . . . Questionei: Est escrito um sol ? Olhando mais atentamente a
92

partitura respondeu, com surpresa: No . . . est escrito um mi!! E logo em seguida


tocou o trecho inteiro, inclusive com o trilo tonal de f. A impresso foi que reconhecera a msica, e assim conseguiu tocar at o fim. Repetiu mais uma vez a frase
para ter certeza que faria certo e ento decidimos seguir para o prximo trecho. Seguindo a partitura (figura 6.4), Alice tocou a clula seguinte. Nesta, houve dificuldade

&

U
~~~~~~~~~

b t

rit. tr.

bt
p

r
r
,
2s
~~~~~~~~~~~~
~~~~~~~
U
n

Figura 6.4

P
em interromper a seqncia na nota si, pois seu mpeto era tocar tambm o d, e
alongar a ltima nota, como na primeira passagem aguda da msica. Mostrei
ento na partitura que deveria acabar no si, e que este era curto. Toquei uma vez e ela
imitou prontamente. Para o trmolo, treinamos as notas antes sem o trilo s o movimento da mo esquerda acrescentando depois a chave de trinado na mo direita.
Trabalhamos neste dia at a pausa seguinte, de dois segundos.
Na semana subseqente, em casa, Alice estudou um pouco alm do que havamos visto na aula anterior, tocando as trs figuras seguintes de trmolos, que utilizavam as mesmas notas daquele j visto antes. Na aula consecutiva, tocou tambm o
que havia estudado sozinha em casa, porm a passagem estava lenta demais. Para que
percebesse que conseguiria fazer mais rpido, pedi que tocasse apenas a mo esquerda,
o mais rpido que pudesse, e eu faria o trinado de r em sua flauta. Em seguida, para
que Alice pudesse desenvolver a memria muscular da ao de tocar rapidamente as
notas sol-l-si, que envolviam o movimento da mo esquerda, e ao mesmo tempo
fazer o trinado com a mo direita, coloquei meu dedo sobre o seu dedo mdio e induzi o movimento sobre a chave de trinado de r, enquanto ela prosseguia fazendo o
movimento da mo esquerda. Alice perguntou se poderia usar o indicador ao invs
do dedo mdio para executar o trinado, e lhe respondi que no haveria problema, e
9

Notas de observao, 31 de outubro de 2007.

&
F

que o importante era trinar bem rpido.


Repetimos ento o exerccio usando o
dedo indicador. Em seguida, conseguiu

Figura 6.5

executar o efeito sozinha, e em veloci-

dade rpida, resultad0 que a deixou muito contente. O inciso seguinte, que envolvia
notas longas (figura 6.5), causou dificuldade, pois Alice no tinha flego suficiente
para ligar toda a frase, o que a fez confundir-se na leitura das ltimas notas. Sugeri
que tocasse um pouco mais rpido, e, aps algumas tentativas, com esforo, ela conseguiu executar a frase inteira ligada. Trabalhamos o novo trecho at a prxima pausa
de cinco segundos. Depois disso, pedi-lhe que tocasse do incio da msica at o final
do novo trecho, para certificar-me de que saberia o que estudar em casa.
Na aula seguinte, Alice tocou sozinha o trecho que havamos trabalhado na aula
anterior. Como as seqncias rpidas da primeira linha haviam sado um pouco lentas,
pedi para que tocasse um pouco mais rpido; ao tocar novamente a passagem, o fez
muito apressadamente: a instruo no havia sido eficiente. Toquei a passagem, mostrando como fazer, e ela prontamente repetiu na velocidade ideal. Nesta aula, Alice
perguntou se precisaria tocar a pea inteira, pois parecia-lhe longa demais para decorar; expliquei-lhe que no seria necessrio decorar, mas ainda assim comentou:
Mas vou ter que tocar inteirinha ???10 Percebendo sua preocupao, respondi que
talvez no fosse necessrio. Depois desta observao, voltamos msica e trabalhamos
a dinmica decrescendo no trmolo antes da pausa, no final do trecho que havia
tocado. Por imitao, ela tocou a passagem com dinmica, sem dificuldade. Seguimos
ento para o trecho seguinte da pea, at a prxima pausa de dois segundos. A difi-

&

r
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
,

culdade ali foi a falta de flego, especial-

mente no trmolo crescendo (figura 6.6), e

F
Figura 6.6

em conseqncia decidimos incluir uma


respirao antes das notas l e si, mais lon-

gas, do final do inciso, o que solucionou o problema. No final da passagem, durante


as ltimas notas longas ligadas, mostrou-se menos concentrada, pois estava cansada.
Combinamos que estudaria em casa comeando pela passagem nova, tocando-a duas
vezes antes de tocar a pea inteira (at onde havamos visto). Alice ento comentou
que achava que conseguiria, mas que a pea era mesmo bem comprida11.
Para contornar esta dificuldade da pea, que parecia longa demais para Alice,
10

Notas de observao, 22 de outubro de 2007.

11

Ibidem.

93

excedendo sua capacidade de concentrao, decidi fazer um corte com a aprovao


do compositor para reduzir um pouco sua durao. Batizamos juntas esta verso
de La Farfallina e na aula seguinte chegamos at o final da msica. A fim de auxiliar
na execuo das dinmicas, decidimos pintar cada indicao de uma cor diferente, facilitando sua visualizao e conseqentemente relembrando-lhe o que fazer a cada
momento.

94
Com base em alguns comentrios de Alice, assim como de outros alunos, e com
base na percepo das dificuldades atravs da observao, foram feitas alteraes
importantes nos estudos e peas.
Os estudos didticos no foram trabalhados consecutivamente um ao outro,
mas quando um houvesse sido lido at o final, introduzia-se um outro, enquanto
continuava-se revisando e aperfeioando o anterior.
A pea La Farfalla foi dividida em pequenas partes e estudada pouco a pouco
durante semanas, pois era longa demais para ser trabalhada por uma criana de oito
anos como Alice. Por outro lado, como ela mesma havia se encantado pela pea e a
escolhido entre outras, seu esforo valeu-lhe a pena. Quando foi trabalhar uma segunda pea o duo La Farfalla e la Coccinella, que apresentava tcnicas estendidas
semelhantes usou, por conta prpria, sem intervenes, estratgias utilizadas para
aprender a primeira, o que demonstrou um ganho cognitivo significativo, pois a princpio sempre precisava de ajuda e de exemplos para solucionar seus problemas tcnicos.
Como se viu, as orientaes tomaram vrias formas. Procurou-se despertar a
curiosidade para o que havia de novo na notao e nos sons; incluram-se, em alguns
momentos, auxlios visuais grficos, confrontando a notao que se apresentava de
fato na partitura com representaes daquilo que se tocava por engano, ou acrescentando-se cores notao, por exemplo; induziu-se, visual ou cinestesicamente, a percepo pela criana de seus dedos em relao flauta e da posio da flauta em relao
ao corpo e ao ambiente; mais, levou-se a criana a imaginar processos fsicos para
atingir resultados sonoros. Estas orientaes so freqentemente transmitidas pela
linguagem, mas to ou mais importantes so os processos apreendidos se utilizando
da prpria msica que comenta sobre a msica, no que chamo de meta-msica, e que
do ensejo a procedimentos de imitao, que muitas vezes acrescentam aspectos ldicos ao aprendizado.

Consideraes finais

Consideraes finais
H a polmica da sala de concertos lotada para a apresentao da nona de Beethoven,
que todo mundo gosta, ou a pouca platia que assiste com um sorriso conflituoso
estria da obra contempornea que rompe com a idia de nota musical.1

Desde a dcada de sessenta discute-se a importncia da incluso da msica


contempornea nas atividades musicais das crianas. Bradley2 comentava sobre a
existncia de um consenso entre educadores musicais de que a falta de explorao da
msica contempornea em sala de aula seria uma deficincia nos currculos escolares.
Ele sugeria que, se para tornar a msica contempornea parte integral da cultura,
seria importante que as pessoas fossem capazes de entender a sua natureza e significado; na educao musical, atividades com a vanguarda seriam de valor para tornar
as crianas conscientes desta natureza. Como afirmam vrios autores, explorar o
mundo sonoro importante para as crianas e, sobretudo, natural.3
Na prtica, em quase meio sculo, exceto por esforos pontuais para incluir-se
a msica contempornea no currculo, como por exemplo o Contemporary Music Project idealizado por Dello Joio (ver Captulo 3), muito pouco tem sido feito. Atualmente, como apontam Boal Palheiros e colegas,4 apesar do desenvolvimento de novas
abordagens de ensino, os professores de msica ainda so muito conservadores na escolha do repertrio mesmo porque sua formao geralmente no vai alm dos repertrios dos sculos XVIII e XIX. Ainda hoje as crianas no tm contato com
msica de arte contempornea. Os autores defendem que a incluso deste tipo de repertrio em atividades curriculares uma necessidade, pois de outra forma as crianas
so privadas de um conhecimento ampliado da msica.5
No Brasil, onde grande parte das escolas no oferece msica em seus currculos,
a discusso sobre a incluso de msica contempornea nos programas parece no ter

Afonso Galvo, Cognio, emoo e expertise musical, Psicologia: Teoria e Pesquisa 22,
n. 2 (2006), 169.
2

Bradley, Effect on Student Musical Preferences . . ., 353.

3
Franois Delalande, La musique est un jeu d'enfant (Paris: INA GRM/Buchet Chastel,
1984); Anne Bustarret, Loreille tendre: pour une premire ducation auditive, 3 ed. (Paris: Editions Ouvrires, 1982); Reibel, Jeux musicaux, v.1, Jeux vocaux, Essai sur l'invention musicale
(Paris: Salabert, 1984); R. Murray Schaffer, O Ouvido Pensante (So Paulo: Unesp, 1992); e
Bernadete Zagonel, Em direo a um ensino contemporneo de msica, Ictus 1 (dez. 1999).
4

Boal Palheiros et alii, Childrens responses to 20th century art music . . ., 590 e 593.

Ibidem, 594.

97

sentido. Mas talvez um plano de se comear justamente com atividades de vanguarda


e msica contempornea e no com repertrios do passado ou, em alguns casos extremos, apenas trazendo para a sala de aula a msica comercial do dia-a-dia, cuja nica
funo o entretenimento, e que os alunos j conhecem pela mdia, fosse uma alternativa radical e atraente para a ampliao dos horizontes estticos das crianas, juntamente com os dos professores de msica.6 Por outro lado, de fato, existe uma grande
demanda em discutir criteriosamente parmetros para o ensino de instrumento baseados em slidas pesquisas que investiguem repertrio, estudos e metodologias para
98

a introduo da msica contempornea.


Acredito que este trabalho, Tcnicas estendidas e msica contempornea no
ensino de flauta transversal para crianas iniciantes traga uma colaborao neste sentido a princpio de modo restrito, por estar voltado apenas a flautistas pois, se
a familiaridade das crianas com o repertrio contemporneo e sua prtica foi objetivo no meu trabalho, a ampliao de seus horizontes estticos seu propsito final.
Quem sabe as crianas que iniciarem seus estudos de instrumento incluindo msicas
que rompam com a idia de nota musical desde o incio, venham a modificar a cena
retratada por Galvo, mostrando no um sorriso conflituoso, mas aquele de satisfao por ouvir com interesse crtico uma estria de obra contempornea.
Como dito, o objetivo principal deste trabalho foi desenvolver materiais que
servissem diretamente para ser usados no ensino de flauta transversal para crianas
iniciantes, tendo como centralidade a msica contempornea e suas novas sonoridades. Alm dos estudos didticos, foram criadas quatorze peas, num trabalho conjunto, no qual coube a mim a orientao e a diversos compositores a criao. A
utilizao deste material mostrou-se efetiva com iniciantes, no denotando dificuldades maiores do que aquelas encontradas com o repertrio tradicional,7 e sobretudo
refutando a idia de que todos tm natural preconceito contra as novas sonoridades
caractersticas da msica contempornea. Idia esta presente na prtica corrente no

Minha pesquisa apontou que a dificuldade de considerar a msica de arte contempornea


relevante para o processo de aprendizagem musical parece se estender, s vezes, tambm aos
pais dos alunos.

No houve tempo hbil para que se trabalhasse com todas as composies durante o perodo de quatro meses que durou o estudo de campo apenas a pea La Coccinella foi estreada
em dezembro de 2007, quando Ceclia fez questo de toc-la, no recital de encerramento do
ano letivo no qual cada aluno era livre para escolher, dentre o repertrio estudado, a pea que
mais gostasse. De qualquer modo, todas as composies foram estreadas por alunos meus num
recital realizado no segundo semestre de 2008.

estudo de instrumento que muitas vezes nega a explorao de novas sonoridades e


exige que o aluno elimine qualquer som no desejado, concentrando-se unicamente
no vocabulrio musical tradicional.
Durante o estudo com as crianas, foi possvel observar que, como acontece
com relao ao repertrio tradicional, cada aluno tem seu estilo diferente de aprender. Para alguns, importante uma explicao verbal, para outros o mais importante
ter um exemplo sonoro. Ceclia, por exemplo, era capaz de se concentrar na notao
e procurar descobrir o que estava escrito, divertindo-se com isso. J Alice precisava
de auxlio sonoro e imitava com muita facilidade, demonstrando prazer ao explorar
as novas possibilidades e inventar improvisos com os novos sons.
Outra observao importante foi que a vontade de aprender as peas influenciou
imensamente a execuo. Ceclia e Alice estavam sempre muito mais atentas e dispostas a tocar. Quando era necessrio repetir, faziam isso sempre de boa vontade, procurando acertar. O resultado foi muito melhor do que com os gmeos. Rmulo, que
a princpio era o menos entusiasmado em tocar, teve dificuldades rtmicas muito elementares, aqum de sua capacidade tcnica, mesmo sendo o mais adiantado dos quatro. Inclusive pareceu ter influenciado seu irmo, que com o passar do tempo
tornou-se cada vez menos disposto e interessado.
Por sua vez, o ganho cognitivo de Ceclia e Alice ficou evidente durante o desenvolvimento do estudo. As primeiras peas os solos La Farfalla e La Coccinella
foram aprendidas lentamente, mas quando tiveram contato com uma segunda
pea (o duo La Farfalla e la Coccinella), j familiarizadas com o estilo do compositor
e as tcnicas estendidas, aprenderam-na muito mais rpido. Estratgias usadas para
contornar dificuldades das primeiras peas foram usadas espontaneamente na aprendizagem da segunda. Os gmeos no se mostraram muito dispostos em aprender uma
segunda pea, e fizeram apenas cada um uma voz do duo Pra de Atrapalhar minha
Msica.
Alm do uso futuro das composies aqui apresentadas, tambm a lista de orientaes para os compositores pode vir a ser ampliada para incluir novas possibilidades,
como podem ser geradas a partir desta novas criaes e descobertas de compositores,
professores e alunos-intrpretes, ensejando novas composies para flauta e a ampliao do repertrio. Seria interessante que se inclussem tambm mais peas solo e
acompanhadas por outro instrumento, assim como alguma que envolvesse elementos
eletroacsticos, de modo que se ampliasse o leque de combinaes de novos sons, que
um dos elementos centrais das estticas musicais contemporneas.

99

Em comentrio sobre parte deste trabalho, aps uma comunicao num


simpsio, uma professora disse que trabalhava com msica contempornea para a
iniciao no piano, mas que, ao passar da explorao sonora derivada desta prtica
para a notao (na pauta) e o repertrio tradicionais, percebia que havia uma falta de
interesse das crianas nesta transio. Segundo ela, alm do material sonoro mudar,
o fato de comearem a tocar a partir da partitura, com leitura de notas, j no trazia
o mesmo estmulo ldico de quando exploravam o som livremente, sem uma maior
formalizao.
100

Apesar da possibilidade de explorao das sonoridades somente pelo prazer de


manipular o som, ou atravs do improviso, ser um caminho possvel na iniciao e
existirem algumas pesquisas muito interessantes neste sentido, proporcionar uma
aproximao mais sistemtica com a msica contempornea formalizada composta e notada ainda neste perodo em que as crianas esto mais abertas ao novo
um desafio, mas mostra-se um campo aberto e instigante para os que trabalham
com a formao musical. A metodologia desenvolvida para a realizao deste trabalho
poderia servir de base para trabalhos futuros, voltados a outros instrumentos.
Finalmente, uma pesquisa que investigasse mais longa e profundamente se, e de
que maneira, um contato mais direto com a msica contempornea nesta fase de
abertura das crianas a novos repertrios influenciaria na formao do gosto poderia
tambm ser uma proposta para um futuro estudo longitudinal.

Referncias

Referncias
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Jolivet, Andr; Harrison, Lou; Cage, John; Sandstrm, Sven David. The Kroumata Percusion
Ensemble & Manuela Wiesler, flute. Estocolmo: Bis, 1985, CD-272.
Offermans, Wil. The Magic Flute. Amsterdam: E-Records, 1997, CD E-971.
. Wil Offermans: Daily Sensibilities. Amsterdam: BVHAAST Records, s.d., CD 9206.
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Valade, Pierre-Andr. Andr Jolivet: Luvre pour flte. S.l.: Accord, 1996. 4CDW.

Apndices

A2

Pra de atrapalhar minha msica


Para dois jovens atores flautistas

Gilson Fukushima

b .

q = 96

Flauta 1

Flauta 2

Fl. 1

Fl. 2

&c

Fl. 2

b . # .
&

b . # .

j j

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b . # .
&

U j j
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b.
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17

Fl. 1

b . # .
b . # .
b . # .
b . # .
U
U
43

b U
c
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12

Fl. 1

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b . # .
U

# .

U
b j .
n
J

& .

U
b n.
rall.

Gison Fukushima 2007

b . # .

b . # .

b b .

rall.

Fl. 2

JW

b . # .
j U

S
b .

b . # .
U

b . # .

A3
Pra de atrapalhar minha msica

BULA
A brincadeira comea com o segundo flautista querendo tocar seriamente e o primeiro tentando
acompanhar.
A cada fermata ocorre uma pequena encenao entre os dois msicos. Aps iniciar a msica, o
2F (segundo flautista) pra, ao perceber que o 1F (primeiro flautista) toca fora do tom
(primeira fermata). Nesse momento o 2F olha com cara de reprovao para o 1 que faz cara
de desculpa. Reinicia-se a msica e acontece novamente a mesma encenao (segunda
fermata), s que desta vez com mais intensidade. Na terceira tentativa, o 1F ignora que o 2
parou e segue tocando como se nada houvesse ocorrido (compasso 4). O 2 tenta mais uma vez,
e vai ficando bravo, at que ele toca um tongue ram esforando, como se fosse a gota dgua. O
1 se assusta e desta vez pra de tocar (terceira fermata). Ento o 2 suspira e percebendo que
no tem mais jeito, comea a repetir o que o 1 estava tocando. Enquanto toca, vai percebendo
que divertido, e vai se animando. Na quarta fermata, feliz por ter descoberto aquele som, o 2F
olha para o companheiro, e alegremente d a entrada para os dois tocarem juntos, at o fim da
msica.
No nal, os dois agradecem ao pblico.

A4

A cobra encantada
para flauta e piano

Gilson Fukushima

&c
Piano

Fl.

?c

&c

Flauta

percusso de chaves

percurtir a corda l0
dentro do piano, com o
pedal apertado...


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>

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> >


> >


>


# #
#

gliss. nas cordas com objeto


metlico, na regio sobre-aguda.

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Pno.

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10

Fl.

Pno.

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JW


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>
Gison Fukushima 2007

A5
A cobra encantada

15

Fl.

&
&

Pno.

assoprar dentro da auta

~~~~~~~~~
~~~~~~~

~~~~~~~

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> >
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> >
>
>
20

Fl.

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Pno.

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>
>

A6

O Mistrio da Rosa Manca


Dbora Opolski

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n.
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8
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13

16

#.

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F

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F
21

.
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F
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F

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e= e

#.

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FIM

J J
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j
j
j
# # # #

JW

JW

n #

#
#
c b b n # # #

f
p
p
F
Dbora Opolski 2007

A7
O Mistrio da Rosa Manca
26

&

# # b b

b b b b n n
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F
F

30

&

# n b
& # # n
p

35

&

3
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. .
F
p

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40

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45

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Da Capo

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#.
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J
J
J
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W.T.

W.T.

A8

DUOS
fernando riederer
~~~

Poco Allegro
Poco Allegro
Poco Allegro
Fl. 1

Fl. 2

&

JW

&
(

.
24

# ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
( )

n

&

j
2
4 . . . . . . . . .
.
.
.

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2. A

Lento
Lento
Lento

& n

1. O Castelo

Bruxa

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n
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n

n
n
n
n
f
cres - - - - - - cen - - - - - - do
U
b #~~~~~~~~~~~
j
#
w

# N
b # # b
f
cres - - - - - - cen - - - - - - do
n -

Andante
Andante
Andante

6 .
& 8 O.

.
O.

.
O.

.
O.

.
O.

.
O.

3. A

noite

O.

O.
O.
p
F

6

&8

p
F
.
& O.

.
O.

.
O.

.
p

.
O.

O.

O.

O.

O. O
J


.
&
J
J
p

Fernando Riederer 2007

A9
duos

3a. A Noite (acompanhamento de piano)


Andante

.
& 68 O .

Flute 1

6
& 8

Flute 2

& O.
F

O.

O.

&

Fl. 2

Pno.

Fl. 1

&

&

.
O.

p
Fl. 2

O.

O.

O.

Pno.

O.

O.

O.

O.

O
J

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.

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? J

&
?

.
O.

& 68
sempre
? 68
.
.

.
O.

.
O.

Piano

Fl. 1

.
O.

.
O.

A10
Duos

Bocal
aberto

Bocal
fechado

&

Bocal
aberto

&

III

Bocal
fechado

&

Bocal
aberto

&

4. O bosque

) pode ser substituda por tongue rams.

*a percusso de chaves (

&

III

Bocal
fechado

r~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
j

#
N

III

Bocal
aberto

&

~~ ~~~~~~
& #

~~ ~~~~~~
b

III

A11

Cronocosmos a jato
Slon Mendes

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JW

JW

&c
&

JW

&

JW

JW

JW

14

10

~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
&
P


&
r

JW

F
21
r
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

15

&

&

JW

&

JW

U,

r
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

Slon Mendes 2007

p
JW

. . .
&

. . .

A12

Cronocosmos n 9
Slon Mendes

Flauta 1

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r
r
~~~~~~~~~~~~~~
~~~~~~~~~~~~~~
~~~~~~~~~~~~~~~


&

r
~~~~~~~~~~~~~

~~~~~~~~~~~~~

#
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~~~~~~~~~~~~~~

Flauta 2

&

Flauta 3

. . . .
. . . .
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. .
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p

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.
.
. . . . # .

r
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

& . . . # . . . . . . . . .
.
.
.
.
Slon Mendes 2007

A13
Cronocosmos n 9

.
.
.
.
.
.
. . J # . . . .
&
r
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

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&

r
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JW

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r
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

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.
.
. . . . # .

r
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

. . . n . .
b

.
.
.

A14

cinque canzone di farfalle e coccinelle


Mrcio Steuernagel
Mrcio
M
rcio Steuernagel
Steuernagel

1. La Farfalla
11.. La
La FFarfalla
arfalla

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~~~
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2s
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o
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Mrcio Steuernagel 2007

A15
1. La Farfalla

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~~
~~~

~~~~~~~~~~~~~~
~~~~U~~~~~~~~
#
#
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Sp

##

2s
~~~~~~~~~~~~~~
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U
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U

r
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~ ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

&

A16

2. Due Farfalle
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r
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~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
r
U
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~~~~~~~~~~~~~
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4 .
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3

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4
p
P
S
Andante q

Flauta 1

Flauta 2

~~~

6
Fl. 1

Fl. 2

&

Fl. 2

~~~~~~~~~~~~~~
"
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~~~~~~~
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j
c

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S
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10
Fl. 1

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j
#

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~~~~~~
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.
f
S

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lento accel.
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P
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A17
Due Farfalle

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#


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F
r
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
#
&
p
F

14
Fl. 1

Fl. 2

Fl. 1

Fl. 2

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17

& 45
r
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5

& 4

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6
4

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j
#

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r
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r
~~~~~~~~~~~~~~~~~~

#
p

n
p

48 w

45
5
4

sem trilo

r
8 ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
4w

ritard.

A18

3. La Coccinella

tongue ram

&

.
J

12

+
J
F

j

p

&

.
p

j
b b j j b j
P

Percutir com fora na chave,


com emisso normal de ar.

+
&
J
f p

j
j j
b

c
b

& J

Flauta

& b

18

Sussurrando texto sobre


notas indicadas.

j
b j b j

&
p

La

Co

cci

j
b
-

ne

n n
J

.
J

la.

P
15

.
P

.
J

.
J
f

A19

4. La Farfalla e la Coccinella
Allegro Moderato {q = c 100}
Flauta 1

&

5
Fl. 1

Fl. 2

~~~~~~~~
(

&
P

re
re
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~~~~~~~~
&

10

Fl. 2

.
& b
p

15
Fl. 1

Fl. 2

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p

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Fl. 1

Fl. 2

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b .

cresc.

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p cresc.
+
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f

18

. .
p
cresc.

&

&

P
Fl. 1

re
~~

slap tongue
Flauta 2

Cci!

re
~~~~~~~~

Co!

re
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
U

Sp
f

Cci!

A20

5. Due Farfalle et un Papillon


Tempo ad libitum
Flauta 1 &
Flauta 2

Flauta 3

Fl. 1 &
Fl. 2

&
&

JW

6
4

&
,

WT

Fl. 3

& #

~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
# ()

com os lbios prximos ao


bocal, mas no encostados

Allegro { q = c 120}

Fl. 2

Fl. 3

Fl. 1

Fl. 2

Fl. 3

h.

6


& 4
F ~~~~~~~~~~~~~~~~
r
r
~~~~~~~~~~~~~
w q
w
6

& 4
F

& 46

afastando a auta

q.

r
~~~~~~~~~~~~~


r
~~~~~~~~~

q.

h.

6
4

r
~~~~~~~~~
r
~~~~~

r
r
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
~~~~~~~~~~~~~~~~~~

w~~~~~~~~~~~~~~~ q
r

Fl. 1

WT

"

WT

r
h ~~~~~~~~~

"

&
p

p
r
h ~~~~~~~~~

"
&

&

A21
5. Due Farfalle et un Papillon

Fl. 1

Fl. 2

Fl. 3

&

&

~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
# ( )
S

#.

& #.

afastando lbios do bocal

h.
Fl. 1

Fl. 2

&

&

r
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

" # #

r
P
p ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
h.
"

P
p

WT
Fl. 3

Fl. 1

Fl. 2

Fl. 3

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&
&

# #

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#
F

p
#

~~~~~~~~~~~~~~~~~
w
# ( )
P
aproximando

afastando

A22
5. Due Farfalle et un Papillon

Fl. 1

Fl. 2

r
r
q . ~~~~~~~~~~
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~~~~

.
&

f
cresc. r
p
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r
q
.
~~~~~~~~~~
~~~~~~~
,
~~~~ ,



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cresc.

Fl. 3

& .

f
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~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
h
q

# ( )
F
aproximando

Fl. 1

Fl. 2

Fl. 3

Fl. 1

Fl. 2

Fl. 3

&

# # # #

F

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& #.

&
&

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aproximando

afastando

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#.

WT

A23

A24

Ao Largo
Bernardo Grassi
Tranquillo

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Flauta

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3
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WT

WT

c O

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Violo

3
& 4 ...
.
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.

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a tempo

16

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meno mosso

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>

BERNARDO GRASSI 2007


Bernardo Grassi

www
w

www
w
subito

A25
Ao Largo

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P

rit.

rit.

A piacere

&
.
P

www
w

23

30

&

36

&

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b w b

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J
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D.S. al Fine

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.
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.
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w
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WT

41

43 O

O.

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.

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w

Fine

& ...
.

..

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w
w

WT

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smorzando

A26

O chins passeia
Valentina Daldegan
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U
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Pi mosso

& . . . . . . . .
F

U,

U
,
. . .

U,
.
.
.

b
b

b b b

VALENTINA Daldegan 2007

U,

A27
O chins passeia
Posio normal, fazendo o som shhhh ao invs de soprando.
Respirar bem entre cada nota, mas no os dois ao mesmo tempo.

, U

&

shhh

shhh

&

&

tongue ram

,U

, U
b

tongue ram

. . .
3 . .
&4
J
b . . . .
3
J
&4

bocal fechado

43

shhh

43

b b b b

& b

, U

, U

simile

shhh

shhh

, U

simile

, U
b

, U

, U

bocal fechado

shhh

& .

.
.

tocar:

&

shhh

shhh

&c

cantar:

E
key clicks

Sussurrar (com a auta


em posio normal)

tchau tchau tchau

&c

key clicks

b b b

tchau tchau tchau

A28

msica da cabea
Valentina Daldegan
Moderato

&c

Cabea
da flauta

&c

&c

Piano

e sempre

&
&

&

sempre !

VALENTINA Daldegan 2007

~~~
~
~
~
~
~~~~
~
~
~
~
~~~~
~
~
~
~
~~~~
~
~
~
~
~

gliss. dentro do piano

&

&

&

~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
~~~~~~~~~~~~~~~~

w ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
~~~~

~~~~
~
~
~
~
~~~~~
~
~
~
~
~~~~
~
~
~
~
~~
~~~~~

A29

trilo, tonal & cia.


Valentina Daldegan

,
,.
,
b

& bw

WT

&

\\

, b

F sonoro

, > >
~~~~~~~~~~ b
bw t

r n
, . . . \\ ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

r
r n
\\ ~~~~~~~~~~~~~~~
, ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
~~~~~~
n

& b

f
p

\\

& n
p

~~~~~~~~~
b

tonal

VALENTINA Daldegan 2007

,> >
n

bw

WT

A30

Pequenos Estudos de tcnica estendida


Valentina Daldegan
1. o cuco e os sons de vento

.
.
& . .

. .

&
>
f

= som-de-vento (windtone)
N = som natural

2. chegando l no alto

&c

&


O O O O O O

harmnico:
posio:


O O O


,U


& O O O O O O O O O O O O O O
percusso de chaves
(key-clicks

VALENTINA Daldegan 2007

A31

7 7 7

&c 7

,U

3. multi-sons

TR

~~

~~~~~~~~~~~~~~~
. (b )

& .

4. Passos e sopros

&
P

&
f

5. Maria tosquiou seu carneirinho

&c -

TR

&-

O
O

JW

O
JW

A32

6. a lagarta tece o casulo

,
,
~ ~~~~~~~~~~~~~~ ~~~~~~~~~~~~~~ ~~~~~~~~~~~~~~~
j
&

,
~~~~~~~~~~~~~~~~~ ~~~~~~~~~~~~~~~~
,
,

&

~~~~~~~~~~~~~~~

Ssss

WT

7. o sonho da lagarta

~~~~

~~~
~~~
~~~

,
,
U
U

&

F
F
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
()
b
&

~~~~~~~~~~~~~~~ ~~~~~~~~~~~~~~~
( )
b t
p
p

,
b
P

j U
.

j
.

B2

Apndice B
Orientaes para sua composio
Ritmos simples

tipo comeo do Pozzoli;


diviso at colcheia, ou, no mximo, semi-colcheias ocasionais;
evitando sncopes e contratempos seguidos;
pode haver ou , somente com notas repetidas;
pode ser sem mtrica fixa, por notao proporcional.

Extenso

Do r3 ao r5, na posio normal;


em posio de harmnicos, at l5;

Tcnicas estendidas

evitar saltos extremos com mudanas de registro.


Trilos tonais: que necessitem mover um s dedo, ou mais de um desde que no
envolvam posies de forquilha (no possvel com a nota sol);
Whisper-tones (WT), somente a varredura de freqncias;
Wind-tones ( ), na extenso do mi grave ao si b mdio;

Glissando (pitch bend) de quarto-de-tom acima ou abaixo (para baixo mais fcil),

Percusso de chaves (com bocal aberto ou fechado, que soa mais grave),
lentamente em ritmos definidos, sem alturas definidas so possveis aleatria e
rpidamente, mas apenas pp ;

Tongue ram (em ritmos lentos e pouco, porque cansa);


Multifnicos (muito longos so impraticveis):
possvel

~~~~
( )

b
&

possvel

~~~
# )

#
#

possvel
~~~~~~~~
b
( b )

S possvel curto

n n .

Jet-whistle, no muito longos, pois demandam muito ar;


&

JW

JW

JW

Efeito de trmolo de sol-l-si, ou sol#-l-si, subindo ou descendo, usando o trilo com


chave de r ou r# ; usando sol-sol# -l-si como notas longas possvel fazer o trmolo

alternando r e r# .

r
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

&

ou

~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
#

B3

Passagens rpidas entre notas quase glissando , por grau conjunto (tambm descendo), e sem
alteraes cromticas:
&

&

no usar:

&

Assoprar dentro da flauta, com movimento de notas.


Frullato (nem todos conseguem).

Observaes:

No usar

p no agudo e f no grave;

Evitar frases muito longas ligadas, e tudo o que exija flego demais;
Compor peas curtas;
Instrumentaes possveis: flauta solo, flauta e piano, flauta e eletroacstica, duo de flautas (aluno e
professor, ou aluno e aluno), grupo de flautas, etc.;
No preciso passar a limpo;
Novas idias so bem-vindas.

C2

Apndice C
Questionrio de Apreciao
1. BRIAN FERNEYHOUGH Passages flauta solo
FAMILIARIDADE
O quanto esta msica parece familiar para voc?
1

muito estranha

5
bem comum

GOSTAR
O quanto voc gosta desta msica?
1

nem um pouco

5
adorei

VONTADE
Gostaria de um dia tocar uma msica como esta?
1
de jeito nenhum

5
com certeza

C3

2. WILL OFFERMANS Short Version grupo de flautas


O quanto esta msica parece familiar para voc?
1

pouco

5
muito

O quanto voc gosta desta msica?


1

pouco

5
muito

Gostaria de um dia tocar uma msica como esta?


1

pouco

5
muito

3. ERIC DOLPHI Gazzelloni flauta solo


O quanto esta msica parece familiar para voc?
1

pouco

5
muito

O quanto voc gosta desta msica?


1

pouco

5
muito

Gostaria de um dia tocar uma msica como esta?


1
pouco

5
muito

C4

4. TORU TAKEMITSU Cape Cod flauta e orquestra de cordas


O quanto esta msica parece familiar para voc?
1

pouco

5
muito

O quanto voc gosta desta msica?


1

pouco

5
muito

Gostaria de um dia tocar uma msica como esta?


1

pouco

5
muito

5. JEAN-CLAUDE RISSET Passages flauta e eletroacstica


O quanto esta msica parece familiar para voc?
1

pouco
O quanto voc gosta desta msica?
1

5
muito

pouco

5
muito

Gostaria de um dia tocar uma msica como esta?


1
pouco

5
muito

C5

6. ROBERT DICK Flying Lesson 5 flauta solo


O quanto esta msica parece familiar para voc?
1

pouco

5
muito

O quanto voc gosta desta msica?


1

pouco

5
muito

Gostaria de um dia tocar uma msica como esta?


1

pouco

5
muito

7. WILL OFFERMANS Etude 8 flauta solo


O quanto esta msica parece familiar para voc?
1

pouco

5
muito

O quanto voc gosta desta msica?


1

pouco

5
muito

Gostaria de um dia tocar uma msica como esta?


1
pouco

5
muito

C6

8. BRUNO MADERNA Musica su due dimensione fl. e eletroacstica

O quanto esta msica parece familiar para voc?


1

pouco

5
muito

O quanto voc gosta desta msica?


1

pouco

5
muito

Gostaria de um dia tocar uma msica como esta?


1
pouco

5
muito

C7

C8

Apndice D
Modelo dos Consentimentos Assinados pelos Responsveis
Consentimento Informado
Este documento se destina a dar consentimento participao de crianas como
sujeitos da pesquisa experimental Tcnicas estendidas no ensino de flauta transversal
para iniciantes, cujo relato ser parte da Dissertao de Mestrado de Valentina Daldegan, aluna do curso de ps-graduao em msica da Universidade Federal do Paran. A pesquisa ser realizada com alunos seus de flauta transversal, de idade
compreendida entre 8 e 13 anos, e tomar lugar em sua residncia, Rua Coronel
Romo Rodrigues de Oliveira Branco, 193, Jardim Social, Nesta.
Este consentimento informado inclui a compreenso da natureza, dos procedimentos,
objetivos, riscos e possveis benefcios da pesquisa para o sujeito participante.
Natureza da pesquisa:
Objetivo Geral
Produzir subsdios para um aprendizado da flauta transversal que, pela incluso de
tcnicas estendidas, possibilite ao iniciante no instrumento a ampliao de seus
horizontes estticos, para a apreciao e prtica de repertrio contemporneo que se
utilize destas tcnicas.
Objetivos especficos
Desenvolver uma abordagem de ensino das tcnicas estendidas aproveitando a
facilidade dos iniciantes em produzir sons no tradicionais.
Auxiliar no desenvolvimento, junto a compositores, de um repertrio voltado para
iniciantes que inclua novas sonoridades.
Avaliar se a vivncia e um contato maior com o repertrio contemporneo de flauta,
que envolva tcnicas estendidas, afetaro o gosto por este repertrio.
Justificativa
Experincias recentes tm mostrado que a utilizao de tcnicas estendidas contribuem imensamente no aperfeioamento da sonoridade tradicional, o que em si j
uma boa razo para um trabalho nesta direo desde o incio do aprendizado, pois
em qualquer repertrio o domnio do som essencial para a interpretao.
Alm disso, acredito que o trabalho com tcnicas estendidas e novas sonoridades vem
contribuir para ampliar o universo esttico dos instrumentistas. O aprendizado de
tcnicas estendidas, juntamente com a exposio ao repertrio contemporneo e especialmente a execuo de peas que explorem este material sonoro pode vir a quebrar
um crculo vicioso com relao msica contempornea no conheo, no gosto e
no toco que afeta e prejudica inclusive msicos profissionais, que muitas vezes so

D1

tambm professores de instrumentos. No existem trabalhos sistemticos na direo


do desenvolvimento de tcnicas estendidas para iniciantes na flauta transversal
mesmo peas fceis que envolvam este tipo de tcnica so muito raras.
Metodologia
Participaro do estudo crianas de oito a treze anos que tenham iniciado seus estudos
de flauta h menos de trs anos.

D2

O estudo experimental ter durao de quatro meses, durante os quais cada aluno
ter aulas semanais, num total de quatorze. Durante estas aulas, paralelamente ao repertrio tradicional, trabalhar-se- tambm com tcnicas estendidas, envolvendo o
desenvolvimento de novas sonoridades e estudo de repertrio contemporneo.
Durante o processo de ensino, o aluno aprender a produzir as novas sonoridades
por imitao e seguindo explicao do professor. Uma vez dominando a produo
do som, tocar um estudo simples desenvolvido especialmente para a prtica daquela
tcnica. medida que o aluno dominar as tcnicas estendidas, executar repertrio
simples que utilize as novas sonoridades. Estas peas simples, compostas especialmente para este projeto, estaro gravados em CD, que o aluno dever escutar diariamente. Paralelamente a este trabalho, haver escuta informal, em casa, de CDs de
obras que envolvam novas sonoridades.
Ao incio e final deste estudo experimental as crianas respondero um questionrio
sobre a percepo de msica que envolva novas sonoridades, a fim de investigar quais
as suas posies iniciais em relao a esse repertrio, e se houve alguma alterao aps
os quatro meses.
O papel dos pais:
Para o desenvolvimento destes processos serviu-me de inspirao a filosofia do Mtodo Suzuki. Os pais j esto habituados a incentivar seus filhos a ouvirem as peas
do repertrio a ser tocado e outras com as quais queiram que eles se familiarizem
(para criar o meio-ambiente musical). Para esta pesquisa disponibilizarei CDs de
obras que envolvam novas sonoridades de flauta; os pais envolvidos procuraro toclos regularmente para que o aluno oua, de maneira informal, a fim de que desenvolvam familiaridade com o gnero. Na segunda fase do estudo experimental, os
alunos devero tambm ouvir o CD das peas que iro tocar. Na agenda do aluno os
pais anotaro diariamente o que foi trabalhado pelo aluno em casa, inclusive se houve
escuta dos CDs (tanto os informais de repertrio contemporneo quanto o com
as peas a serem executadas).
extremamente importante que estas informaes sejam verdadeiras, para que os resultados da pesquisa sejam legtimos.
Relevncia da pesquisa:
Tanto os pais quanto as crianas envolvidas estaro colaborando com uma pesquisa
cientfica. Os dados obtidos so significativos porque podero servir para o aprimo-

ramento das prticas de ensino da msica contempornea para crianas.


Quanto liberdade de desistir do estudo:
A qualquer momento e por qualquer motivo, sem sofrer qualquer tipo de nus, o
aluno ter a liberdade de desistir do estudo. Pede-se que os pais informem o pesquisador caso isto acontea.
Quanto garantia de que no h riscos, psicolgicos ou fsicos, para os sujeitos
de pesquisa, referentes participao no estudo:
Suas rotinas no sero alteradas, pois continuaro a ter aulas de flauta regularmente.
Continuaro tambm escutando msica em casa, como de costume. Tal prtica, portanto, no oferece nenhum risco psicolgico ou fsico aos participantes deste estudo.
Quanto ao direito de privacidade do participante:
Este estudo respeitar o direito de privacidade do participante, isto , seu direito de
se recusar a fornecer informaes sobre quaisquer reas que julgue ser de domnio
privado. As informaes sero somente pertinentes pesquisa, isto , sobre o estudo
da flauta. De qualquer modo, se o pesquisado ou seus pais decidirem omitir alguma
informao, sero livres para faz-lo.
Da confiabilidade, sigilo e uso de informaes:
Como as aulas sero filmadas, os pais autorizam, mediante este termo, o uso das imagens para fins acadmicos. A identidade dos participantes portanto no ser mantida
em sigilo, mas divulgada com aprovao dos pais.
importante deixar claro que qualquer inferncia ou crtica feita a partir das
imagens ser a respeito do trabalho do pesquisador, e no dos pesquisados.
Termo de participao
Aps leitura e esclarecimentos sobre o presente consentimento, eu,
,
autorizo a participao de minha filha como sujeito da pesquisa experimental Tcnicas estendidas no ensino de flauta transversal para iniciantes, a ser realizada de
agosto a novembro de 2007, e cujo relato ser parte da Dissertao de Mestrado de
Valentina Daldegan, aluna do curso de ps-graduao em msica da Universidade
Federal do Paran. Autorizo tambm o uso das imagens gravadas nas aulas de instrumento, durante o perodo da pesquisa, para fins acadmicos.

________________________________________

D3

Apndice E
udio (CD)
1-12 Gravao de algumas das peas compostas para esta pesquisa
1.
Gilson Fukushima Pra de atrapalhar minha msica
2.
Dbora Opolski O Mistrio da Rosa Manca
3.
Fernando Riederer 1. O Castelo Mal-assombrado
4.
Fernando Riederer 2. A Bruxa
5.
Fernando Riederer 3. A Noite
6.
Fernando Riederer 4. O Bosque
7.
Slon Mendes Cronocosmos a jato
8.
Mrcio Steuernagel 1. La farfalla
9.
Mrcio Steuernagel 2. Due farfalle
10. Mrcio Steuernagel 3. La Coccinella
11. Mrcio Steuernagel 4. La farfalla e la coccinella
12. Valentina Daldegan O Chins passeia
13-20 Trechos das peas utilizadas no teste de preferncias

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