111 (1964) Mistério No Caribe (Agatha Christie)
111 (1964) Mistério No Caribe (Agatha Christie)
111 (1964) Mistério No Caribe (Agatha Christie)
A Caribbean Mystery
SINOPSE
Os hspedes do Goldem Palm Hotel, que passam as suas frias na ilha antilhana de
Trinidad pensam que esto gozando das delcias de um verdadeiro paraso, sem
suspeitar que, de acordo com a tradio bblica, nesse paraso terrenal tambm se
oculta uma serpente, na pessoa de um assassino que, depois de ter matado trs vezes,
j escolheu a sua quarta vtima entre os felizes veranistas. Porm o frio criminoso no
podia imaginar era que seria descoberto graas sagacidade extraordinria da mais
inofensiva, pelo menos aparentemente, destes veranistas: uma velhinha solteirona,
com um aspecto bondoso e tmido, Miss Marple, cuja vida passou no pequeno
povoado de St. Mary Mead, onde aprendeu tudo o que era necessrio sobre as
virtudes, os vvios e as paixes que consituem o miolo da natureza humana. Para
desmascarar o assassino e chegar a tempo para salvar a ltima das suas vtimas, a
famosa Miss Marple conta, esta vez, com a mais inesperada das ajudas.
AURELA
Miss Marple... num hotel de veraneio das ndidas Ocidentais...
Alm dela, uma senhora sul-americana, um magnata ingls acompanhado de
sua secretria, estranhamente silenciosa, e um sinistro massagista, obviamente capaz
de qualquer coisa... Cinco personagens importantes envolvidos numa estranha e
misteriosa trama onde a morte parece rondar.
Em Mistrio no Caribe Miss Marple tem diante de si um dos maiores
desafios de sua vida. E aqui, mais uma vez, com seu profundo conhecimento das
emoes humanas e de suas extremas conseqncias, ela conseguir juntar pea por
pea do quebra-cabea e desvendar de maneira brilhante toda a trama.
Mistrio no Caribe mais uma excelente criao de Agatha Christie que a
Nova Fronteira oferece, agora, em 3 edio.
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AGATHA CHRISTIE
MISTRIO
NO CARIBE
Traduo para o espanhol de
CARMEN BALLOT
NDICE
1. O Major Palgrave conta uma histria................................................................. 6
2. A Miss Marple compara ...................................................................................... 13
3. Morte no Hotel .................................................................................................... 19
4. A Miss Marple procura assistncia mdica ......................................................... 23
5. A Miss Marple toma uma deciso ....................................................................... 26
6. Na Madrugada ..................................................................................................... 30
7. Manh na praia .................................................................................................... 33
8. Uma conversa com Esther Walters....................................................................... 41
9. A Miss Prescott e os outros ................................................................................. 47
10. Uma deciso em Jamestown ............................................................................... 53
11. Uma noite no Hotel da Palmeira Dourada .......................................................... 56
12. Marcas Profundas de Antigos Pecados ............................................................... 63
13. A sada de um personagem importante .............................................................. 67
14. O inqurito .......................................................................................................... 70
15. O inqurito continua ........................................................................................... 76
16. A Miss Marple procura ajuda ........................................................................... 83
17. O Sr. Rafiel entra em ao................................................................................... 92
18. Um crime sem julgamento...................................................................................102
19. As utilidades de um sapato .................................................................................108
20. Alarme noturno ...................................................................................................113
21. Jackson e os cosmticos .....................................................................................120
22. Um homem em sua vida? ...................................................................................126
23. O ltimo dia ........................................................................................................131
24. Nemesis ..............................................................................................................136
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CAPTULO 1
O MAJOR PALGRAVE CONTA UMA HISTRIA
Veja todas estas histrias sobre o Qunia dizia o Major Palgrave. Um
bando de tagarelas que no sabem do que se trata! Agora eu, que passei quatorze anos
de minha vida l... Alguns dos melhores anos de minha vida...
A idosa Miss Marple balanou a cabea.
Um gesto delicado de polidez. Enquanto o Major Palgrave continuava a desfiar
as recordaes um tanto inspidas de sua vida inteira, Miss Marple tranqilamente
seguia o prprio fio de seus pensamentos. Era uma rotina com a qual ela j estava
habituada. O local variava. Antigamente era quase sempre a ndia. Majores, coronis,
generais e uma srie familiar de palavras: Simla, Carregadores, Tigres, Chota
Hazri, Tiffin, Khitmagars e muitas outras. Com o Major Palgrave os termos eram
ligeiramente diferentes: Safri, Kikuyu, Elefantes, Swahili. Mas os exemplos eram
essencialmente os mesmos. Um homem j velho que necessitava de um auditrio
para que pudesse reviver os dias em que fora feliz. Dias em que suas costas eram
retas, seu olhar aguado e seus ouvidos sensveis. A idade transformara alguns desses
soldados em velhos bonitos, outros tornaram-se lamentavelmente feios; e o Major
Palgrave, a cara muito vermelha, um olho de vidro, e a aparncia geral de um sapo
empalhado, pertencia a esta ltima categoria.
Miss Marple concedia a todos eles a mesma generosa caridade. Sentava-se
muito atenta, inclinando a cabea de tempos em tempos como se concordasse
gentilmente, pensando os seus prprios pensamentos e gozando o que houvesse a
gozar: neste caso, o azul profundo dos mares do Caribe.
Fora to gentil o querido Raymond estava pensando ela com gratido,
realmente fora tanta bondade... Por que teria ele tanta considerao por sua velha tia?
Ela mesma no sabia. Conscincia, talvez; sentimentos de famlia? Ou possivelmente
porque gostava realmente dela...
Achou que, acima de tudo, ele gostava mesmo dela sempre o demonstrara e
de uma maneira irritante e insolente! Sempre tentando moderniz-la. Mandando
livros para ler. Livros modernos. To difceis todos sobre pessoas desagradveis,
que faziam coisas estranhas, aparentemente sem gostar do que estavam fazendo.
Sexo como palavra em si no podia ser pronunciada nos dias da juventude da Miss
Marple. Mas existia e muito mais apreciado do que hoje em dia, pelo menos era o que
parecia. Apesar
De estar rotulado como Pecado, ela no podia deixar de imaginar que isto era
prefervel a ser o que era hoje uma espcie de Obrigao.
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___________________
- N. do T. Almoo leve na ndia.
- N. do T. Criado que serve a mesa.
- N. do T. Espcie de capim africano
- N. do T. Dialeto nativo da frica Oriental.
Seu olhar vagueou por um instante sobre o livro que estava em seu colo, aberto
na pgina vinte e trs, que fora at onde conseguira chegar (e ao que parece era at
onde ela achou que valia a pena chegar!)
Voc quer dizer que nunca teve nenhuma experincia sexual? perguntou
incrdulo o rapaz. Aos dezenove? Mas preciso ter. vital.
Eu sei murmurou ela eu sei.
Ele a olhou, a camisa de malha manchada, os ps descalos, as unhas dos ps
sujas, o cheiro de manteiga rana... Ps-se a pensar porque achava-a to loucamente
atraente.
Miss Marple ficou pensando tambm! Realmente! Exigia-se uma experincia
sexual exatamente como se obrigava a tomar um fortificante! Pobres dos jovens de
hoje...
Minha querida tia Jane, porque a senhora precisa enterrar a cabea na areia
como uma avestruz satisfeita? Sempre presa a esta sua idlica vida rural. A vida
verdadeira isto que interessa.
E foi desta forma que Raymond venceu e a sua tia Jane sentiu-se encabulada
e disse Sim, e ficou com medo de estar mesmo muito fora de moda.
Se bem que a vida rural estivesse longe de ser idlica. Pessoas como Raymond
eram to ignorantes... Ao longo de seus deveres junto parquia da cidadezinha, Jane
Marple adquirira um amplo conhecimento sobre os fatos da vida rural. Ela no sentia
necessidade de falar sobre ela, menos ainda de escrever a respeito, mas a conhecia
muito bem. Muito sexo, natural e anormal. Estupros, incestos, perverses de todas as
formas. (E algumas destas, na verdade, nem os espertinhos de Oxford que escrevem
livros pareciam ter jamais ouvido falar).
Jane Marple voltou outra vez ao Caribe e retomou o fio da narrativa do Major
Palgrave...
Uma experincia muito rara disse ela animando-o. Muito interessante.
Eu poderia contar-lhe muitas outras. Algumas coisas, claro, no servem
para os ouvidos de uma senhora...
Com a tcnica de uma longa prtica, a Miss Marple abaixou os olhos batendo
levemente as pestanas. O Major Palgrave continuou sua mirabolante verso sobre os
costumes tribais enquanto Miss Marple continuava seus pensamentos sobre seu
querido sobrinho.
Raymond West era um novelista de sucesso e ganhava bastante bem, e
consciente e bondosamente fazia o que estava a seu alcance para alegrar a vida de sua
velha tia. No inverno anterior ela tivera uma forte pneumonia, e a opinio mdica
aconselhava o calor do sol. Galantemente, Raymond lhe sugerira uma viagem s
ndias Ocidentais: ela pusera dificuldades as despesas, a distncia, as complicaes
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da viagem, o abandono de sua casa em St. Mary Mead. Raymond cuidara de tudo.
Um amigo que estava escrevendo um livro andava procura de um lugar tranqilo no
campo.
Ele tomar conta da casa muito bem. Adora cuidar de casas. meio bicha.
Isto ...
Fez uma pausa, levemente encabulado bem, mesmo a velha tia Jane j deve
ter ouvido falar de bichas.
Continuou a traar os prximos planos. Viajar no era mais nada hoje em dia.
Ela iria de avio outra amiga, Diana Horrocks, estava de partida para Trinidad e
levaria tia Jane at l, e em Sto. Honrio ela ficaria hospedada no Hotel da Palmeira
Dourada que era dirigido pelos Sandersons. O casal mais simptico do mundo. Eles
cuidariam muito bem dela. Ia escrever-lhes imediatamente.
Acontece que os Sandersons j tinham voltado para a Inglaterra: mas seus
sucessores, os Kendals, tinham sido igualmente gentis e amigveis e garantiram a
Raymond que ele no precisava preocupar-se com a tia. Para um caso de emergncia
havia um mdico muito bom na ilha e eles mesmos ficariam de olho nela e em seu
conforto; e cumpriram a palavra.
Molly Kendal era uma loura de ar inocente, de pouco mais de vinte anos,
sempre aparentando bom humor. Acolhera a idosa senhora com muita gentileza e
tudo fizera para que se sentisse em casa. Tim Kendal, seu marido, magro, moreno,
com uns trinta anos, tambm se mostrara a cortesia em pessoa.
E assim l estava ela, pensou Jane Marple, longe dos rigores do clima ingls,
com um lindo bangal a sua disposio, e sorridentes empregadinhas nativas para
servi-la. Tim Kendal sempre a esperava na sala de jantar com uma piada sobre a
comida do dia. Havia um caminho agradvel entre o bangal e a praia, onde ficava
sentada numa confortvel cadeira de palha assistindo ao banho de mar. Havia mesmo
alguns hospedes idosos que lhe faziam companhia. O velho Sr. Rafiel, o Dr. Graham,
o Padre Prescott e a irm, e no momento, o Major Palgrave.
O que mais poderia desejar uma senhora de idade?
Para seu grande pesar, Jane Marple sentia-se mesmo culpada em admiti-lo, mas
ela no estava satisfeita como deveria.
Um local encantador e tpico, sim e to benfico para seu reumatismo um
cenrio to lindo, talvez... um pouquinho montono? Tantas palmeiras. Tudo a
mesma coisa todos os dias no acontecia nada. No era como em St. Mary Mead,
onde sempre acontecia alguma coisa. Seu sobrinho comparara uma vez a vida em St.
Mary Mead com um poo de gua estagnada, e ela indignada demonstrara-lhe que, se
ele pusesse um pouco daquela gua sob uma lmina de microscpio, haveria muita
vida a ser examinada. Sim, era verdade que em St. Mary Mead sempre estava
acontecendo algo. Incidentes em cima de incidentes passaram pela memria de Miss
Marple, o engano com o remdio de tosse da velha Sra. Linnett o comportamento
estranhssimo do jovem Polegate quando a me de Georgy Wood viera v-lo (ser
que era sua me mesmo?); a verdadeira razo da briga entre Joe Arden e sua mulher,
tantos problemas humanos to interessantes e que davam margem a interminveis
horas de agradvel bisbilhotice. Se ao menos acontecesse alguma coisa por aqui...
bem... onde ela pudesse dar os seus palpites...
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tempos em tempos, tinha crises de depresso e tudo o mais. Bem, ficou por isso
mesmo. Tudo parecia correto. Mas, quase um ms depois, a mulher tomou uma dose
exagerada de plulas para dormir e morreu. Um caso triste.
O Major Palgrave fez uma pausa e abanou a cabea diversas vezes. Como
havia certamente mais alguma coisa. Miss Marple no disse nada e esperou.
E ficou nisso, a senhora pode dizer. Nada mais. Uma mulher neurtica, nada
fora do comum. Mas um ano depois, este camarada que era mdico, trocando
anotaes com um outro colega, escutou uma histria. Era sobre uma mulher que
tentara afogar-se mas o marido conseguira salv-la, chamou um mdico, conseguiram
faz-la voltar a si e ento, algumas semanas depois, ela se envenenou com gs.
Bem, era uma certa coincidncia, no era? A mesma histria. Meu amigo
disse: - Eu tive um caso parecido com este. O nome do homem era Jones (ou
qualquer coisa parecida). Qual era o nome do homem do seu caso? No me
lembro bem. Robinson, eu acho. Mas Jones eu tenho certeza de que no era. Bem,
os dois continuaram a conversar, mas achando que a coincidncia era muito grande.
Ento, o meu amigo tirou uma foto do bolso. Mostrou-a ao seu colega. O
camarada era este disse ele. Eu estive na casa dele no dia para saber de uns
detalhes, e reparei numa magnfica espcie de hibiscos, bem junto porta da frente, e
que eu nunca vira antes nesta regio. Minha mquina estava no carro e eu tirei a foto.
Enquanto a batia, o marido saiu pela porta da frente e eu o fotografei tambm. No
creio que ele tenha percebido. Perguntei-lhe sobre os hibiscos mas ele no soube
dizer-me o nome. O segundo mdico olhou para a fotografia e disse: -- Est meio
fora de foco... Mas eu posso jurar... de qualquer forma eu tenho certeza... o mesmo
homem!.
No sei se eles iniciaram uma busca. Se iniciaram, no chegaram
concluso alguma. Calculo que o Sr. Jones ou Robinson tenha apagado muito bem
seus rastros. Mas uma histria estranha, no ? Eu no imaginava que coisas assim
acontecessem.
Oh, sim, acontecem disse calmamente Miss Marple. Praticamente todos
os dias.
Vamos, vamos. So fantasias.
Se um homem emprega uma frmula que funciona... no pra mais. Ele
continua.
Afoga as noivas na banheira, hein?
Quase a mesma coisa, sim...
O mdico me deu a foto como uma curiosidade...
O Major Palgrave comeou a remexer em sua carteira estufada de coisas,
murmurando consigo mesmo:
Tem coisa demais aqui... no sei por que eu guardo tanta coisa...
Miss Marple ps-se a imaginar que ela sabia por qu; isto fazia parte do
repertrio do Major. Ilustravam as histrias que ele contava. A histria que ele
acabara de contar no fora originalmente assim devia ter sido bastante modificada
em suas repetidas verses.
O Major continuava remexendo em suas coisas e resmungando .
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CAPTULO 2
MISS MARPLE COMPARA
A noitada estava muito alegre no Hotel da Palmeira Dourada.
Sentada em sua mesinha de canto, Miss Marple olhava em torno de maneira
interessada. A sala de jantar era um salo aberto de trs lados para o ar morno e
perfumado das ndias Ocidentais. Em cada mesa, pequenas lmpadas suavemente
coloridas. A maioria das mulheres estava com vestidos longos, e leves, estampados
de algodo, que deixavam mostra braos e ombros bronzeados. A prpria Miss
Marple fora obrigada pela mulher de seu sobrinho, Joan, da maneira mais gentil
possvel, a aceitar um pequeno cheque.
Sabe, tia Jane, l vai fazer muito calor, e eu creio que a senhora no deve ter
roupas muito leves.
Jane Marple lhe agradecera e aceitara o cheque. Ela fazia parte do tempo em
que os velhos sustentavam e financiavam os jovens, mas tambm os de meia-idade
cuidavam dos mais velhos. Entretanto, ela no conseguira forar-se e comprar roupas
leves! Na sua idade raramente ela se sentia bem se no estivesse bem agasalhada
mesmo nos dias mais quentes, e a temperatura em Sto. Honrio no era realmente o
que pudssemos chamar de calor tropical. Nesta noite ela estava usando a melhor
das tradies das senhoras provincianas da Inglaterra renda cinzenta.
Mas ela no era a nica pessoa idosa presente. Havia representantes de todas as
idades no salo. Velhos magnatas de indstrias com jovens esposas nmeros trs ou
quatro. Casais de meia-idade do norte da Inglaterra. Uma famlia bem-humorada de
Caracas com todas as suas crianas. Vrios pases da Amrica do Sul estavam
representados, todos conversando animadamente em espanhol ou portugus. Dois
ministros da Igreja Anglicana, britnicos at a raiz dos cabelos, um mdico de um
juiz aposentado. Havia at uma famlia de chineses. O servio do jantar era feito
quase que por mulheres somente; negras altas de porte orgulhoso, vestidas de um
branco impecvel; mas havia um experiente maitre italiano e um especialista francs
em vinhos, e o olhar atento de Tim Kendal sobre todos eles, fazendo uma paradinha
aqui e ali para trocar uma palavra social com os hspedes em cada mesa. Sua mulher
secundava-o com habilidade. Era uma moa muito bonita. Seus cabelos, de um louro
dourado e natural, e a boca um pouco larga e que ria com facilidade. Raramente
veramos Molly Kendal mal-humorada. Seus criados trabalhavam para ela com
entusiasmo e ela se adaptava cuidadosamente para agradar aos seus variados clientes.
Com os homens mais velhos ria e namoricava; cumprimentava as mulheres mais
jovens pelo bom gosto de seus vestidos.
Oh, que vestido maravilhoso a senhora est usando hoje noite, Sra. Dyson.
Estou com tanta inveja que sou capaz de roub-lo.
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Mas ela tambm estava muito bem em seu prprio vestido, ou pelo menos
assim pensava Miss Marple; branco e de corte reto, com um xale de seda verde-claro
bordado sobre os ombros. Lucky estava passando a mo no xale.
Que tom encantador! Eu gostaria de ter um igual.
Voc pode encontrar na loja do hotel disse-lhe Molly e continuou seu
caminho. Ela no parou perto de Miss Marple, Senhoras idosas ficavam geralmente
por conta de seu marido. Essas velhinhas gostam mais dos homens costumava ela
dizer.
Tim Kendal chegou e debruou-se sobre Miss Marple.
A senhora no quer nada de especial? perguntou. Basta que me diga o
que deseja... e eu farei imediatamente preparar para a senhora. A comida do hotel
do gnero semitropical, no deve ser igual de casa, no ?
Miss Marple sorriu e disse que este era um dos prazeres da viagem.
Muito bem ento. Mas se quisesse mesmo qualquer coisinha...
De que tipo, por exemplo?
Bem... Tim Kendal pareceu meio em dvida -- ... Pudim de po e
manteiga? aventurou ele.
Miss Marple sorriu e disse que no momento ela estava passando muito bem
sem pudim de po e manteiga.
Pegou a colher e ps-se a saborear com gosto o seu enorme sorvete de frutas.
A orquestra comeou a tocar. Orquestras de instrumentos de sopro eram uma
das atraes principais da ilha. Para dizer a verdade, Miss Marple no achava muita
graa nelas. Faziam um barulho hediondo, desnecessariamente estridente. O prazer
que todos os outros pareciam sentir ao ouvi-las era inegvel, e Miss Marple, seguindo
o verdadeiro esprito de sua juventude, decidiu que ela precisava dar um jeito de
aprender a gostar disso. Infelizmente, ela no poderia pedir a Tim Kendal para num
passe de mgica apresentar os suaves acordes do Danbio Azul, (As valsas eram mais
bonitas...).
Que maneira de danar hoje em dia. Jogando-se para os lados contorcendo-se.
Bem, os jovens deviam gostar disso... Seus pensamentos pararam de divagar.
Pensando bem, calculou ela, muito poucas destas pessoas eram jovens. A dana, as
luzes, a msica da orquestra (mesmo a de uma orquestra de instrumentos de sopro?),
tudo isto era para a juventude. Mas onde estava a juventude? Estudando, imaginou
ela, nas universidades, ou trabalhando com frias de quinze dias uma vez por ano.
Um lugar como este ficava longe demais e era muito caro. Esta vida alegre e
despreocupada s servia para as pessoas de trinta ou quarenta anos ou os velhos que
tentavam animar (ou fazer esquecer?) a vida de suas esposas. Parecia-lhe entretanto,
um desperdcio!
Miss Marple suspirou pensando na juventude. Havia a Sra. Kendal, claro. Ela
no deveria ter mais de vinte e dois ou vinte e trs, provavelmente, e parecia gostar
do que fazia mas mesmo assim, era um trabalho o que ela estava fazendo.
Numa mesa prxima o Reverendo Prescott e sua irm estavam sentados.
Fizeram sinal a Miss Marple para acompanh-los no caf e ela aceitou. A Srta.
Prescott era uma mulher magra e de ar severo; o Reverendo era redondo de gordo,
transpirando cordialidade.
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preocupado (ele tinha uma lcera, ela estava lembrada). Quanto ao Major Palgrave,
era igualzinho ao General Leroy, ao Capito Flemming, ao Almirante Wicklow e ao
Comandante Richardson. Continuou com algum mais interessante. Greg por
______________
N.T. Quem tem ou d sorte...
exemplo? Greg era difcil porque era americano. Um ar de Sir George Trollops,
talvez, sempre cheio de piadas nas reunies da Comisso de Defesa Civil ou talvez
com o Sr. Murdoch, o aougueiro. O Sr. Murdoch tinha uma pssima reputao, mas
algumas pessoas diziam que eram apenas boatos e que ele prprio encorajava tais
boatos! E Lucky, ento? Bem, esta era fcil... Marleen das Trs Coroas. Evelyn
Hillingdon? No conseguiu enquadrar Evelyn facilmente. Sua aparncia servia para
diversos papis inglesas altas e magras que viviam ao ar livre havia s dzias. Lady
Caroline Wolfe, a primeira mulher de Peter Wolfe, que se suicidara? Ou quem sabe,
Leslie James aquela mulher sossegada que nunca demonstrava o que estava
sentindo e que vendera a casa e fora-se embora sem dizer a ningum para onde ia?
Coronel Hillingdon? Nenhuma pista fresca neste a. Ela precisaria conhec-lo um
pouco melhor. Um desses homens quietos e bem educados. A gente nunca sabe sobre
o que eles esto pensando. Muitas vezes nos surpreendem. O Major Harper, lembrouse ela, uma vez cortara calmamente a prpria garganta. Ningum nunca soube por
qu. Miss Marple pensava que talvez ela soubesse a razo... mas mesmo assim no
tinha certeza...
Seus olhos desviaram-se para a mesa do Sr. Rafiel. A principal coisa que sabia
sobre ele era que era incrivelmente rico, vinha todos os anos s Antilhas, era
semiparaltico e que parecia um velho gavio encarquilhado. As roupas danavam
livremente no corpo enrugado. Poderia ter setenta, oitenta ou mesmo noventa anos.
Os olhos eram argutos e ele freqentemente era grosseiro, mas raramente as pessoas
se ofendiam, em parte porque ele era muito rico e em parte devido a sua irresistvel
personalidade, que hipnotizava a todos, fazendo-os sentir que o Sr. Rafiel tinha o
direito de ser grosseiro se assim o quisesse.
Ao seu lado estava sentada sua secretria, Sra. Walters. Tinha os cabelos cor de
milho e um rosto agradvel. O Sr. Rafiel freqentemente era muito grosseiro com ela,
mas ao que parece ela no se incomodava com isso. No era servil, nem desatenta.
Procedia como uma enfermeira bem treinada. Provavelmente, pensou Miss Marple,
ela tinha sido enfermeira de hospital.
Um rapaz moo, alto e bem apessoado, de palet branco, chegou e ficou de p
ao lado da cadeira do Sr. Rafiel. O velho olhou-o, aquiesceu com um aceno e fez
sinal para que se sentasse. O rapaz sentou-se como lhe fora indicado.
O Sr. Jackson, eu imagino, disse consigo mesma Miss Marple seu criado de
quarto.
Ps-se a estudar o Sr. Jackson com ateno.
II
No bar, Molly Kendal esticou as costas, tirou fora seus sapatos de saltos muito
altos. Tim se uniu a ela procedente da terrao. De momento se encontravam sozinhos
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em aquele lugar.
Est cansada, querida? perguntou ele.
S um pouquinho. Os ps esto doendo um pouco esta noite.
No est sendo demais para voc? Isto tudo? Eu sei muito que o trabalho
muito duro. olhou para ela ansioso.
Ela riu.
Oh, Tim, no seja ridculo. Eu adoro isto aqui. maravilhoso. O tipo de
sonho que eu sempre sonhei tornou-se realidade.
Sim, eu sei que uma beleza... se somos apenas hspedes. Mas dirigir o
espetculo... isto trabalho.
Bem, no se pode mesmo conseguir nada sem fazer fora, no ?
empenho? disse Molly Kendal sensatemente.
Tim franziu a testa.
Voc acha que est dando certo? um sucesso? Estamos fazendo as coisas
direito?
claro que estamos.
Voc no acha que as passoas estejam dizendo: No comoi no tempo dos
Sanderson...
lgico que algum deve estar dizendo isto... sempre dizem! Mas somente os
cabeas-duras. Eu tenho certeza de que ns estamo-nos saindo melhor que eles.
Temos mais charme. Voc encanta as velhinhas e consegue convencer as desespeadas
de quarenta e cinqenta de que est ansioso para namor-las, e eu dou olhares para os
velhinhos, fao-os se sentirem grandes conquistadores... ou banco a filhinha inocente
que os mais sentimentais gostariam de ter tido. Ora, ns estamos enrolando-os
maravilhosamente.
Bem, enquanto voc pensa assim... Eu tenho um certo medo. Arriscamos
tudo o que tnhamos nete trabalho. Eu dei o fora do emprego...
E fez muito bem, j lhe disse isso Molly acrescentou rapidamente.
Estava acabendo com voc.
Ele riu e beijou-lhe a ponta do nariz.
Eu lhe garanto que ns estamos fazendo sucesso continuou ela. Por
que voc est sempre preocupado?
Eu fui feito deste jeito, creio eu. Sempre pensando... sempre imaginando
que as coisas no vo dar certo.
Que coisas?
Oh, eu nem sei! Talvez algum se afogue.
Essa no... uma das praias mais seguras da ilha E ns temos aquele
enorme sueco sempre de guarda.
Eu sou um tolo disse Tim Kendal. Hesitou e disse: Voc no teve
mais nenhum daqueles sonhos, teve?
Ora! Foram mariscos demais disse Molly, e riu-se.
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CAPITULO TRS
MORTE NO HOTEL
Miss Marple pediu que lhe levassem o caf da manh cama, como de
costume. Compunha-se de uma xcara de ch, um ovo cozido e uma fatia de mamo.
A fruta nativa da ilha, pensou Miss Marple. A desconcertava. Sempre mamo.
Ah! Se houvesse podido comer uma boa ma... Mas as mas pareciam ser
desconhecidas ali.
Ao cabo de uma semana de permanncia na ilha, Miss Marple se tinha
habituado j a refrear um instintivo impulso: o de perguntar pelo tempo. Era sempre
idntico: bom. No se registravam mudanas notveis.
OH! As mltiplas variaes meteorolgicas no transcurso de uma s
jornada, dentro da Inglaterra... murmurou para si. Ignorava se estas palavras
constituam uma entrevista, conseqncia de alguma leitura, ou eram inveno dela.
Certamente, aquela terra se via em ocasies aoitada por furiosos furaces. Isso
tinha ouvido contar. Mas Miss Marple no os relacionava com a palavra tempo, na
ampla acepo do vocbulo. Julgava-os, mas bem, por sua natureza, um ato de Deus.
Ali chovia, uma chuva curta e violenta que s durava cinco minutos, e tudo cessava
bruscamente. As coisas e as pessoas, em sua totalidade, ficavam ensopadas, para
secar-se outros cinco minutos mais tarde.
A moa negra nativa sorriu dizendo: Bom dia, enquanto colocava a bandeja
de que era portadora sobre os joelhos de Miss Marple. Que dentes mais bonitos e to
brancos os dela! A moa, sempre sorridente, dava a impresso de ser feliz. As jovens
indgenas possuam um suave e agradvel carter. Lstima que se sentissem to
pouco inclinadas ao matrimnio! Isto preocupava no pouco ao Padre Prescott. Havia
muitos batismos, e este fato supunha um consolo; mas nenhum casamento.
Miss Marple se tomou o caf da manh, dedicando-se de passagem a planejar
seu dia. O que faria durante aquele que comeava? Pouco era o que tinha que decidir.
Levantaria-se sem pressas, com lentos movimento, porque estava muito quente e seus
dedos no eram mais to geis quanto antigamente. Logo descansaria por espao de
uns dez minutos aproximadamente. Depois de pegar suas agulhas e sua l poria-se a
andar pouco a pouco em direo ao hotel. Ali veria onde ficava mais bem
acomodada. Do terrao se divisava uma ampla extenso de mar. Optaria por
aproximar-se da praia para distrair-se contemplando aos banhistas e aos meninos,
entretidos em seus jogos? Decidiria-se, certamente, pelo ltimo. Pela tarde, depois do
descanso, podia dar um passeio de carro. Na realidade lhe dava o mesmo fazer uma
coisa ou outra.
Aquele seria um dia como qualquer outro, pensou.
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CAPITULO QUATRO
A MISS MARPLE PROCURA ASSISTNCIA MDICA
O doutor Graham era um homem muito atento, que contaria sessenta e cinco
anos, aproximadamente. Tinha exercido sua profisso durante muito tempo nas ndias
Ocidentais, mas se havia retirado quase por completo da vida ativa. Saudou Miss
Marple afetuosamente, lhe perguntando o que se passava. Felizmente, idade de
Miss Marple sempre havia alguma doena que podia ser o tema de conversao com
os inevitveis exageros por parte da paciente. Ela vacilou entre seu ombro e seu
joelho, decidindo-se finalmente pelo ltimo.
O doutor Graham se absteve de lhe dizer com a cortesia nele peculiar que, a
sua idade, eram absolutamente lgicas certas molstias, as quais cabia esperar. A
seguir receitou umas plulas, pertencentes ao grupo dos remdios que formam a base
das prescries mdicas. Como sabia por experincia que muitas pessoas de idade
estavam acostumada sentir-se muito ss ao princpio de sua estadia no Sto. Honor,
ficou por uns momentos, a fim de entreter a Miss Marple com seu bate-papo.
Que homem extremamente agradvel pensou Miss Marple A verdade
que agora me sinto envergonhada por lhe haver contado tantas mentiras. Bom, e o
que outra coisa podia fazer?
Miss Marple se inclinou sempre, por temperamento, para verdade. Mas em
determinadas ocasies, quando ela estimava que seu dever era proceder assim, mentia
com uma assombrosa facilidade, sabendo tornar verossmeis os maiores disparates.
Pigarreou, deu uma tossidela de desculpa, e disse, de maneira muito delicada
e ligeiramente nervosa:
H algo, doutor Graham, que eu gostaria de lhe perguntar. Eu no queria
falar sobre isto, mas... no sei como poderia ser de outra forma... se bem que no seja
de muita importncia realmente. Mas, se o senhor sabe, para mim importante. E eu
espero que o senhor v compreender e no v pensar que seja algo aborrecido que eu
lhe esteja pedindo... ou que seja imperdovel sob qualquer ponto de vista.
Aps esta abertura, o Dr. Graham respondeu gentilmente:
Algo est lhe aborrecendo? Diga em que eu possa ajud-la.
Tem uma certa ligao com o Major Palgrave. Foi to triste a sua morte.
Foi um verdadeiro choque quando eu soube hoje de manh.
Sim disse o Dr. Graham. Foi de repente, eu creio. Ele estava to
bem-humorado ainda ontem.
Falava de maneira indulgente, porm convencional. Para ele, com certeza, a
morte do Major Palgrave no tinha nada fora do comum. Miss Marple ficou
imagindando se ela no estava mesmo vendo fantasmas onde no havia nada. Ser
23
que o hbito de suspeitar de tudo estava tomando conta dela? Talvez no pudesse
mais confiar em seu prprio julgamento. E nem julgamento era, apenas a suspeita. De
qualquer jeito, agora j era tarde! Precisava ir em frente.
Ns estvamos sentados ontem tarde, conversando disse ela. Ele
estava me falando sobre a sua vida to variada e interessante. Tantas partes estranhas
da terra.
Sim, verdade disse o Dr. Graham, que se aborecera diversas vezes
com as reminiscncias do Major.
E ento ele falou sobre a sua famlia, sua juventude, e eu lhe contei
histrias sobre os meus sobrinhos e sobrinhas e ele as escutou com muita
complacncia. Ento mostrei-lhe um instantneo de um de meus sobrinhos. Um rapaz
adorvel... isto , no seria mais um rapaz agora, mas sempre um menino para mim, o
senhor compreende.
Claro disse o Dr. Graham, imaginando quanto tempo ainda levaria a
velhinha para chegar ao ponto desejado.
Eu lhe entreguei a fotografia e ele estava examinando-a quando chegaram
de repente algumas pessoas... aquele grupo to simptico... que colecionam flores e
borboletas, o Coronel e a Sra. Hillingdon eu creio que se chamam...
Oh, sim? Os Hillingdons e os Dysons.
Sim, isto mesmo. Chegaram de repente, rindo muito e conversando.
Sentaram-se e pediram umas bebidas e todos ns ficamos conversando. Foi muito
agradvel. Mas sem prestar ateno, o Major Palgrave deve ter posto a minha
fotografia em sua carteira e guardado no bolso. Eu no estava prestando muita
ateno naquele momento, mas me lembrei um pouco depois e pensei comigo
mesma: eu no posso esquecer-me de pedir ao Major para me devolver a foto de
Denzil. Eu pensei nisto ontem noite, mas no quis interromp-lo naquela hora,
porque eles estavam muito alegres juntos e eu calculei que era melhor pedir-lhe hoje
de manh. S que hoje de manh... Miss Marple fez uma pausa, com falta de
flego.
Sim, sim disse o Dr. Graham eu compreendo. E a senhora... bem,
naturalmente gostaria de ter a sua foto de volta. No isto?
Miss Marple balanou a cabea num gesto ansioso.
Sim, isto mesmo. O senhor sabe, a nica que eu tenho e no possuo o
negativo. E no gostaria de perder aquela fotografia, porque meu pobre Denzil
morreu h uns cinco ou seis anos e era o meu sobrinho predileto. Esta a nica foto
que tenho dele. Fiquei pensando... eu espero... muito penoso ter de lhe pedir isto...
Ser que o senhor poderia consegui-la para mim? No sei mais a quem eu possapedir,
sabe? No sei quem que vai cuidar dos pertences dele e destas coisas. tudo to
difcil. Iriam pensar que era muito aborrecido de minha parte. O senhor sabe, as
pessoas no compreendem essas coisas. Ningum poderia calcular o que esta
fotografia significa para mim.
claro, claro disse o Dr. Graham. Eu compreendo muito bem. Um
sentimento muito natural de sua parte. Na verdade, eu vou encontrar-me muito em
breve com as autoridades locais... o enterro amanh, e um funcionrio do escritrio
do Administrador vir dar uma olhada nos papis e documentos antes de se
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25
CAPITULO CINCO
A MISS MARPLE TOMA UMA DECISO
O servio fnebre foi feito no dia seguinte, junto ao corpo do falecido Major
Palgraver. Miss Marple foi acompanhada pela Srta. Prescott. O padre leu o ofcio e
depois disso a vida continuou como sempre.
A morte do Major Palgrave fora considerada apenas um incidente, um
incidente ligeiramente desagradvel, mas que logo seria esquecido. A vida aqui era a
luz do sol, o mar e os prazeres sociais. Um visitante sinistro interrompera estas
atividades, lanando uma sombra momentnea, mas agora esta sombra j se fora.
Ningum conhecia o falecido muito bem. Sobretudo porque havia sido um velho
tagarela, deste tipo de chatos de clube, sempre lhe contando reminiscncias
pessoais que ningum tinha interesse em escutar. Quase nada o prendia a um
determinado lugar do globo. Sua mulher morrera h muitos anos. Tivera uma vida
solitria e uma morte solitria. Mas fora um tipo de solido que se leva ao viver entre
muitas pessoas, e o passar do tempo desta forma no era de todo desagradvel. O
Major Palgrave pode ter sido um homem solitrio, mas fora igualmente um homem
jovial. Divertira-se de uma maneira particular. E agora, que estava morto, enterrado,
que ningum se importava muito com o que lhe acontecera, em mais uma semana de
tempo ningum nem mesmo se lembraria dele ou lhe dirigiria um pensamento
distrado.
A nica pessoa que poderamos provavelmente dizer que sentia falta dele era
Miss Marple. No por nenhum sentimento pessoal de afeio, mas porque ele
representava um tipo de vida que ela conhecia. Quando envelhecemos, refletia ela
consigo mesma, mais a mais aprendemos o hbito de ouvir: ouvir as coisas mesmo
sem um grande interesse, mas entre ela e o Major existia aquele tipo de compreenso
que existe entre as pessoas idosas. Havia uma compreenso humana e cordial. Na
realidade, ela no lamentava a morte do Major, mas sentia falta dele.
Na tarde do enterro, quando ela estava sentada em seu lugar favorito
tricotando, o Dr. Graham aproximou-se. Ela baixou as agulhas e cumprimentou-o.
Ele falou logo, como se pedisse desculpas:
Eu sinto muito, mas vou-lhe dar uma m notcia, Miss Marple.
Sim? Sobre a minha...
Sim. No encontramos a sua preciosa fotografia. Eu penso que a senhora vai
ficar muito desapontada.
Sim. um desapontamento. Mas, claro, que realmente no to
importante assim. Era um sentimentalismo. Agora eu vejo melhor. No estava na
carteira do Major Palgrave?
No. E nem estava no meio de seus papis. Havia algumas cartas e recortes
de jornais, vrias miudezas e algumas velhas fotos, mas nenhum sinal do instantneo
procurado.
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Oh, que perna! disse Miss Marple. Bem, j que no se pode fazer
nada... Muito obrigada, Dr. Graham, pelo trabalho que teve.
Ora, no foi trabalho nenhum, na vertdade. Mas eu sei por experincia
prpria como essas coisas de famlia significam tanto para a gente, especialmente
quando vamos ficando velhos.
A velhinha estava aceitando tudo com muita calma, pensou ele. Provavelmente
o Major Palgrave achara a fotografia quando estava tirando alguma coisa da carteira
e, sem mesmo pensar como ela viera parar ali, rasgara-a como se no tivesse
nenhuma importncia. Mas era lgico que para esta velhinha ela era muito
importante. Entretanto, parecia muito jovial e filosfica a respeito.
Por dentro, no entanto, Miss Marple estava longe de se sentir jovial ou
filosfica. Precisava de um tempinho para coordenar seus pensamentos, mas estava
igualmente determinada em aproveitar esta oportunidade ao mximo.
Comeou a puxar conversa com o Dr. Graham com uma ansiedade que no fez
questo de esconder. Aquele homem amvel, atribuindo aquela avalancha de palavras
solido natural de uma senhora idosa, empenhou-se em desviar sua ateno da
perda da fotografia, falando animadamente sobre a vida em Sto. Honrio e os vrios
locais interessantes que talvez Miss Marple gostasse de visitar. Ele nem soube
explicar como a conversa recaiu outra vez sobre a morte do Major Palgrave.
Foi to triste disse Miss Marple. Imagine, pensar em algum
morrendo assim to longe de casa. Se bem que eu me lembre que ele falou que no
tinha nenhum parente prximo. Parece que vivia sozinho em Londres.
Ele viajava um bocado, eu creio disse o Dr. Graham. Pelo menos
durante o inverno. No gostava muito de nossos invernos ingleses. E eu no diria que
estivesse errado.
De certo que no disse Miss Marple. E talvez por alguma razo de
sade como alguma fraqueza nos pulmes. Quem sabe se no seria necessrio para
ele passar o inverno longe da Inglaterra?
No, no creio que fosse por isto.
Ele tinha presso alta, eu acho. triste hoje em dia. Ouve-se falar tanto a
respeito.
Ele falou com a senhora sobre isto?
Oh, no! No, ele nunca mencionou isso. Foi outra pessoa que me falou.
Realmente?
Eu creio continuou Miss Marple que a morte pode ser esperada nestas
circunstncias, no?
No forosamente disse o Dr. Graham. Hoje em dia h mtodos para
se controlar a presso sangunea.
A morte dele pareceu-me to repentina... mas eu calculo que o senhor no
ficou surpreso?
Bem, eu no me surpreendi devido idade dele. Mas certamente no
esperava por isto. Para falar com franqueza, sempre me pareceu em muito boa sade,
mas nunca o examinara profissionalmente... Nunca lhe havia tirado a presso ou
qualquer coisa parecida.
27
pensar sobre este fato e sobre o seu significado. A fotografia que o Major tirara da
carteira e recolocara apressadamente no estava l depois de sua morte. No era o
tipo de coisa que o Major tivesse jogado fora. Ele a recolocara na carteira e era l que
ela deveria estar depois de sua morte. O dinheiro podia ter sido roubado, mas
ningum iria roubar uma pequena foto. A menos que tivesse uma razo especial para
isso...
O rosto de Miss Marple ficou srio. Ela precisava tomar uma deciso. Deixaria
ou no o Major Palgrave repousar tranqilamente em seu tmulo? No seria melhor
deixar tudo para trs? Recitou entre os dentes: Duncan est morto. Depois de
febril inconstncias da vida ele repousa em paz! Nada mais poderia ferir o Major
Palgrave agora. Ele fora para um lugar onde o perigo no poderia mais atingi-lo.
Teria sido apenas uma coincidncia o fato de ele ter morrido naquela mesma noite?
Ou no fora exatamente uma coincidncia? Os mdicos aceitam a morte das pessoas
idosas to facilmente... Especialmente quando encontram em seus quartos um vidro
de plulas que as pessoas que tm presso alta precisam tomar aa cada dia de suas
vidas. Mas se algum levara a fotografia que estava na carteira do Major, esta mesma
pessoa poderia ter colocado o vidro no quarto dele. Ela prpria no se lembrava de ter
visto o Major tomando plulas alguma vez; ele nunca lhe falara sobre presso alta. A
nica coisa que mencionara a respeito de sua sade, era a confisso: J no sou
to moo quanto era! s vezes, ficava com um pouquinho de falta de ar, uma
asminha toa, nada mais. Mas algum mencionara que o Major tinha presso alta
Molly? A Srta. Prescott? Ela no se lembrava direito.
Jane Marple suspirou e depois recriminou-se com palavras, se bem que apenas
as dissesse em pensamento:
Vamos, Jane, o que que voc est imaginando? Ser que j est inventando
bobagens outra vez? Ser que haver mesmo alguma coisa?
Repassou, palavra por palavra, com a maior exatido possvel, a conversa que
tivera com o Major a respeito de crimes e de assassinatos.
Oh, Deus! disse Miss Marple, Messmo se eu... realmente, eu no sei o
que possa fazer sobre isso...
Mas ela sabia que pelo menos tentaria...
29
CAPITULO SEIS
NA MADRUGADA
Miss Marple acordou cedo. Como a maior parte das pessoas de idade o seu
sono era leve e passava por diversos perodos de insnia que ela utilizava para
planejar o que iria fazer nos dias seguintes. Normalmente, lgico, eram problemas
de natureza domstica, de pouco ou nenhum interesse para ningum a no ser ela
mesma. Mas nesta manh Miss Marple estava deitada pensando seriamente sobre um
crime, e que, se suas suspeitas fossem verdadeiras, o que fazer a respeito. No ia ser
fcil. Ela tinha uma arma, e uma arma apenas, e esta era a conversa.
Velhinhas so sempre dadas a bate-papos incoerentes. As pessoas acham isto
maante, mas certamente no suspeitariam de motivos ulteriores. No seria o caso de
formular perguntas diretas (Na verdade, ela teria achado muito difcil saber quais as
perguntas a fazer!). Seria o caso de descobrir um pouco mais sobre certas pessoas.
Ps-se a consider-las.
Provavelmente ela poderia ter mais informaes sobre o Major Palgrave, mas
isso lhe seria til? Duvidava que fosse. Se o Major Palgrave fora assassinado no
seria pelos segredos de sua vida ou porque tivesse recebido uma herana ou ainda por
vingana. De fato, se bem que ele tivesse sido a vtima, era um desses casos em que
um grande conhecimento sobre esta vtima no ajuda em nada, nem o levar mais
perto do criminoso. O motivo pareceu-lhe, o nico motivo, era que o Major Palgrave
falava demais!
Ela soubera de um fato interessante atravs do Dr. Graham. Ele tinha na
carteira diversas fotografias; uma dele montando num cavalo plo, outra de um tigre
morto, mais uma ou duas do mesmo tipo. Agora vejamos, por que o Major Palgrave
trazia consigo essas fotos? Evidentemente, pensou Miss Marple baseada em sua
longa experincia com velhos almirantes, brigadeiros, generais, e meros majores,
porque ele tinha vrias histrias que gostava de contar aos outros. Comeando com
Uma coisa curiosa me aconteceu uma vez quando eu estava caando tigres na
ndia... Ou uma lembrana de uma partida de plo. Da mesma forma que aquela
histria sobre um suposto assassino deveria ser ilustrada com a apresentao do
instantneo que estava em sua carteira.
Ele seguia sempre o mesmo padro de conversa. Quando o assunto passou para
o crime, e para dar mais interesse ao que ia contar, fez o que devia fazer
normalmente, mostrou a fotografia e disse algo assim: No acreditaria que este
camarada fosse um assassino, no ?
O problema que isto se tornara um hbito para ele. A histria deste crime
fazia parte de seu repertrio regular. Caso houvesse alguma referencia a um crime,
logo o Major entraria em ao, a todo o vapor.
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Neste caso, refletiu Miss Marple, talvez ele j houvesse contado esta histria
para outra pessoa. Ou talvez para mais de uma pessoa e se fosse este o caso, ento
ela mesma poderia saber com esta outra pessoa de mais alguns detalhes ou
possivelmente, com quem se parecia a pessoa da fotografia.
Ela balanou a cabea satisfeita... Isto poderia ser um comeo.
E, claro, sempre havia as pessoas que ela chamava em seu ntimo os Quatro
Suspeitos. Apesar de que na realidade, uma vez que o Major Palgrave estivesse
falando sobre um homem s houvesse mesmo dois. O Coronel Hillingdon ou o Sr.
Dyson, nenhum dos dois tinha cara de assassino, mas assassinos muitas vezes no
tm cara de assassinos. Poderia haver mais algum? Ela no tinha visto ningum
quando virara a cabea para espiar. claro que havia o bangal. O bangal do Sr.
Rafiel. Poderia algum ter sado de dentro do bangal e entrado novamente enquanto
ela no tinha virado a cabea? Se fosse assim, apenas podia ser o criado de quarto>
Como era mesmo o nome dele? Ah, Jackson! Poderia ter sido Jackson quem
aparecera na porta? Seria a mesma pose da fotografia. Um homem saindo por uma
porta. Um reconhecimento repentino. At aquele momento o Major Palgrave no
tinha olhado para Jackson, um criado de quarto, sem nenhum interesse. Seu nico
trao marcante era o de ser essencialmente esnobe Arthur Jackson no era um
pukka sahib. O Major Palgrave no teria olhado duas vezes para ele.
At o momento em que, estando com o instantneo entre as mos, e tendo
olhado por cima do ombro direito de Miss Marple, vendo um homem sair por uma
porta...?
Miss Marple virou-se no travesseiro programa para amanh, ou melhor,
programa para hoje: investigaes posteriores sobre os Hillingdons, os Dysons e
Arthur Jackson, criado de quarto.
II
O Dr. Graham tambm acordou cedo. Normalmente virava-se para o outro lado
e pegava no sono outra vez. Mas hoje estava preocupado e o sono no chegou. Esta
ansiedade que o impedira de pegar no sono novamente era uma coisa que ele no
sentia h muito tempo. O que ser que lhe estava causando isso? Realmente, no
podia imaginar o que fosse. Ficou deitado a pensar. Alguma coisa a respeiito de...
sim, alguma coisa a respeito do... sim, do Major Palgrave! A morte do Major
Palgrave? No podia ver nela nada que o deixasse preocupado. Teria sido alguma
coisa que aquela velhinha alvoroada dissera? Pouca sorte a dela sobre afotografia.
Ela aceitar a derrota muito bem. Mas agora, o que foi mesmo que ela dissera, qual
fora a palavra que lhe deixara com aquela sensao de inquietude? Acima de tudo,
no havia nada de estranho na morte do Major. Nada mesmo. Pelo menos, ele
imaginava que no houvesse nada.
Era bvio que o estado de sade do Major uma ligeira dvida passou por
sua cabea ser que sabia mesmo alguma coisa sobre o estado de sade do Major?
Todos diziam que ele sofria de presso alta. Mas ele mesmo nunca conversara com o
Major a esse respeito. Bem, no gostava de conversar muito com o Major Palgrave.
31
________________
- N.T. Um verdadeiro cavalheiro.
Palgrave era um chato e ele evitava os velhos chatos. Por que diabos estava agora na
cabea com esta idia que talvez tudo no estivesse assim to certo? Teria sido a
velhinha? Mas afinal de contas ela no dissera nada. De qualquer forma, o problema
no era dele. As autoridades locais estavam satisfeitas. E ainda havia o vidro de
Serenite, e o garoto freqentemente falava sobre a sua presso arterial.
O Dr. Graham virou-se na cama e logo pegou no sono novamente
III
Fora das vizinhanas do hotel, em um dos barracos da favela ao lado de uma
enseada, a jovem Victria Johnson virou-se e sentou na cama. A moa de Sto.
Honrio era uma bela criatura, com um corpo de mrmore negro que qualquer
escultor teria prazer em ver. Passou os dedos pelos cabelos pretos, muito crespos.
Com um p cutucou as costelas de seu companheiro adormecido.
Acorde, homem.
O homem remungou e voltou-se.
O que que voc quer? Ainda no de manh.
Acorde homem. Eu quero falar com voc.
O homem sentou-se, se espreguiou, abriu a boca mostrando dentes muito
bonitos.
O que que lhe est preocupando, mulher?
Aquele Major que morreu. H algo de que eu no gostei. H algo errado.
E por que que voc est se preocupando? Ele era velho. Morreu.
Escute, homem. Foram as plulas. As plulas que o doutor me perguntou.
E ento? Vai ver que ele tomou demais.
No. No nada disso. Escute debruou-se sobre ele, falando com
veemncia. Ele bocejou e deitou-se outra vez.
No tem nada demais. O que que voc est inventando?
De qualquer jeito, eu falarei amanh com a Sra. Kendal a respeito. Eu acho
que tem alguma coisa errada nalgum lugar.
Nem devia se meter disse o homem, que apesar da ausncia de qualquer
cerimnia, ela considerava como seu atual marido. No v comear a procurar
encrencas disse ele e virou-se para o outro lado, bocejando.
32
CAPITULO SETE
MANH NA PRAIA
Seriam ao redor das dez...
Evelyn Hillingdon saiu da gua, deixou-se cair sobre a dourada e quente areia
da praia. Logo tirou a toca de borracha e fez uns enrgicos movimentos de cabea. A
praia no era muito grande. A gente tendia a congregar-se ali pelas manhs e ao redor
das onze e meia se celebrava uma espcie de reunio social. esquerda da Evelyn,
em uma moderna poltrona de vime de extico aspecto, descansava a senhora do
Caspearo, uma formosa venezuelana. Perto dela se encontrava o velho Sr. Rafiel, que
era agora o deo do do Hotel da Palmeira Dourada e que mantinha um domnio que
apenas pode pesar a emanada de um homem em posse de uma grande fortuna, j
ancio e invlido. Esther Walters cuidava dele. Levava sempre consigo um bloco de
papel e lpis de taquigrafia, no caso do Sr. Rafiel se via forado a adotar decises
rpidas com relao a qualquer negcio, a par dos quais se mantinha por telegrama. O
Sr. Rafiel se mostrava incrivelmente seco em traje de banho. Suas escassas carnes
cobriam um esqueleto deformado. Parecia, sim, encontrar-se beira da morte, mas o
mais curioso era que fazia oito anos que oferecia aquele aspecto. Pelo menos, isso era
o que se afirmava nas ilhas. Por entre suas enrugados plpebras apareciam uns olhos
azuis, vivazes, penetrantes. No havia nada que lhe produzia mais prazer do que
negar o que qualquer outro homem houvesse dito.
Tambm Miss Marple se encontrava por ali. Como de costume estava sentada,
fazendo tric. Escutava tudo o que dizia-se e de vez em quando intervinha nas
conversaes. Estava acostumado a surpreender ento aos que conversavam porque
estes, habitualmente, chegavam a esquecer-se de sua presena! Evelyn Hillingdon a
olhava indulgentemente, julgando-a uma anci muito agradvel.
A senhora De Caspearo esfregou em suas longas pernas com um pouco mais de
leo. Era uma mulher que no falava muito. Parecia aborrecida com seu vidro de
leo, que utilizava para bronzear-se.
Este no to bom como o Frangipanio murmurou entristecida.
Mas aqui no se consegue aquele. uma lstima acrescentou, baixando a vista.
No vai dar seu mergulgo agora, Sr. Rafiel? perguntou-lhe seu secretria.
Banharei-me quando estiver com vontade replicou o Sr. Rafiel
secamente.
J so onze e meia assinalou a senhora Walters.
E da? Voc acha que sou um desses tipos que vivem acorrentados aos
ponteiros do relgio? Ter que fazer isto dentro de uma hora; ter que fazer aquilo
vinte minutos depois... Ora!
33
J tinha transcorrido algum tempo, desde o dia em que a senhora Walters tinha
comeado a trabalhar para o Sr. Rafiel. Naturalmente, havia tido que adotar uma
linha de conduta. Ela sabia, por exemplo, que ao velho gostava de repousar uns
momentos, depois do banho. Por conseguinte, tinha-lhe recordado a hora. Isto
provocava uma instintiva rebeldia por sua parte. Embora, no final o Sr. Rafiel teria
muito em conta a advertncia da senhora Walters sem mostrar-se por isso submisso.
Eu no gosto destas sandlias manifestou o velho, levantando um p.
J o disse a esse estpido do Jackson. No me faz nunca o menor caso.
Buscarei-lhe outras, o senhor quer ?
No. No se mova da. E procure estar ficar quieta. Chateia-me a gente que
no cessa de correr de um lado para outro.
Evelyn se moveu ligeiramente sobre seu leito de areia, estirando os braos.
Miss Marple, absorta em seu trabalho no tric pelo menos e o que parecia,
estendeu uma perna, apressando-se a desculpar-se...
Sinto muito... OH! Sinto-o muito, senhora Hillingdon. Imagino que eu lhe
dei um pontap.
Ora! No tem importncia replicou Evelyn . Esta praia se encontra
lotada de gente.
Por favor, no se mova. Colocarei minha poltrona um pouco mais atrs, de
modo que no possa incomod-la de novo.
Havendo-se acomodado melhor, Miss Marple prosseguiu falando com seu
peculiar estilo infantil e a loquacidade de que fazia ornamento em ocasies.
muito maravilhoso estar aqui. Eu no havia estado nunca, antes de agora,
nas ndias Ocidentais. Sempre pensei que ficaria sem ver estas ilhas... E, entretanto,
aqui estou eu. Tenho que diz-lo: graas amabilidade de um de meus sobrinhos.
Imagino que voc conhece perfeitamente esta parte do mundo. certo, senhora
Hillingdon?
Estive aqui umas duas vezes antes e conheo quase todas as ilhas restantes.
Ah, claro! Voc se interessa pelas borboletas desta regio e tambm pelas
flores silvestres. Voc e seus... amigos, no? Ou bem so parentes?
Amigos, nada mais.
Suponho que tenham viajado juntos em muitssimas ocasies, devido
interesses em comum...
Sim. Andamos juntos h vrios anos.
Imagino que tenham vivido emocionantes aventura.
Eu creio que no disse Evelyn, falando com uma entonao especial,
levemente entediada. As aventuras ficam reservadas a outros seres. Evelyn
bocejou.
No teve nunca perigosos encontros com serpentes venenosas e outros
animais da selva? No tiveram encontros com indgenas revoltados?
Nestes momentos devo lhe parecer com uma mulher tola!, pensou Miss
Marple.
S sofremos algumas vezes com picadas de insetos afirmou Evelyn.
Voc sabia que o pobre Major Palgrave foi mordido em certa ocasio por
uma serpente? inquiriu Miss Marple.
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Sim respondeu Miss Marple. Voc deve estar bem inteirada disso.
A senhora De Caspearo lhe correspondeu com um olhar de profunda surpresa.
No tinha esperado por tal comentrio por aquela parte.
Miss Marple, no obstante, continuava contemplando as elevadas ondas com
uma expresso de completa inocncia na face.
II
Poderia falar com voc, senhora Kendal?
Sim, naturalmente -respondeu Molly, que se encontrava no escritrio,
sentada frente a sua mesa de trabalho.
Vitria Johnson, alta, esbelta, em seu impecvel uniforme branco e engomado,
entrou no quarto, fechando a porta a seguir. Havia algo de misterioso em seu porte.
Eu gostaria de dizer a voc uma coisa, senhora Kendal.
Do que se trata? H alguma coisa errada?
No sei, no estou segura... Desejava lhe falar do senhor idoso que morreu
aqui, do Major que faleceu enquanto dormia.
Sim, sim. Fala.
Havia um frasco de plulas em seu dormitrio. O mdico me perguntou por
elas.
Segue.
O doutor disse: Vejamos o que ele guardava no armrio do banheiro E ele
descobriu pasta de dentes, plulas digestivas, um tubo de aspirinas e plulas laxativas
e encontrou um frasco de plulas chamado Serenite.
Que mais?
O doutor as examinou. Parecia muito satisfeito e no cessava de fazer
gestos de assentimento. Logo aquilo me deu o que pensar. As plulas que ele viu no
tinham estado ali antes. Eu nunca as tinha visto na prateleira. As outras coisas, sim.
Refiro-me a pasta de dentes, as aspirinas, a loo para o barbeado... Mas esse frasco
de plulas de Serenite era a primeira vez que eu via-o.
Em conseqncia, voc pensa que... seguiu Molly, confusa.
No sei o que pensar agora disse Vitria . Imaginando que aquilo no
estava em ordem, decidi que o melhor era pr o fato em seu conhecimento. Falou
voc com o doutor? Talvez isso possua algum significado especial. Possivelmente
algum colocou as plulas ali, com objetivo do senhor Major tomar e morrer.
OH! No posso acreditar que tenha acontecido nada disso opinou Molly.
Vitria balanou a cabea.
Nunca se sabe... Tem gente que faz verdadeiras loucuras.
Molly olhou para fora pela janela. O lugar devia ser, em pequeno, um cpia de
paraso terrestre. Brilhava o sol nas alturas; sobre um mar azul imenso, com seus
recifes de coral... Por isso, pela msica e o baile, quase contnuo ali, o hotel era um
den. Mas at no Jardim do den tinha havido uma sombra, a sombra da Serpente.
Tem gente que faz verdadeiras loucuras. OH, quo desagradvel era ouvir estas
palavras!
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CAPITULO OITO
UMA CONVERSA COM ESTHER WALTERS
Este hotel j no o que era antes disse irritado o Sr. Rafiel, ao observar
que Miss Marple se aproximava do lugar em que ele e seu secretria se tinham
acomodado. No se pode dar um passo sem tropear com algum. Que diabos
tero que fazer estas velhas damas nas ndias Ocidentais?
Aonde sugere voc que poderiam ir? perguntou-lhe Esther Walters.
Ao Cheltenham replicou o Sr. Rafiel sem vacilar. Ou para
Bournemouth. E se no ao Torquay, ou ao Llandudno Wells... Acredito que tm onde
escolher, no? Em troca, gostam de vir aqui. Nestes lugares se sentem felizes, afinal
das contas isso que vejo.
Visitar uma ilha como esta em que vivemos um privilgio reservado a
poucas pessoas. Ter que aproveitar a ocasio quando se apresenta argiu Esther.
Todo mundo no dispe de uma situao financeira como a sua.
Isso verdade confirmou o Sr. Rafiel. Esquea do que falei... Bom,
aqui voc me tem, com um monto de dores e males, todo desconjuntado. E no
obstante, nega-me qualquer ajuda. Alm de no trabalhar absolutamente nada... por
que j no escreveu essas cartas a mquina?
No tive tempo.
Muito bem, veja se arranja tempo ento. Eu lhe trouxe foi para que
trabalhasse, e no ficar tomando tranqilamente o sol e exibir seu corpo para todo
mundo.
Qualquer pessoa que tivesse ouvido o Sr. Rafiel teria julgado seus observaes
intolerveis. Mas Esther Walters trabalhava a seus ordens j a vrios anos e lhe
conhecia bem. Co que ladra no morde, reza um refro, e a senhora Walters sabia
que tal refro era perfeitamente aplicvel a seu chefe. O Sr. Rafiel se sentia afligido
de contnuo por mltiplas dores e suas speras palavras deviam ser para ele uma
vlvula de escape. Dissesse o que dissesse, sua secretria permanecia imperturbvel.
Que linda tarde, no ? comentou Miss Marple, detendo-se junto aos
dois.
E como no? perguntou com sua brutalidade to habitual o velho .
No isso o que todos viemos procurar aqui?
Miss Marple deixou ouvir uma leve risadinha.
OH, Sr. Rafiel! Que severo voc sempre se mostra! No esquea que o
tempo para os ingleses um dos temas preferidos de conversao... Oh, Deus!... eu
trrouxe a cor de novelo errada.
Miss Marple depositou sua bolsa sobre uma mesinha prxima e caminhou com
toda pressa em direo a seu bangal.
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Estou com ele h quatro ou cinco anos. Quando meu marido morreu,
comecei a trabalhar de novo. Tenho uma filha interna em um colgio e a situao
econmica de minha casa era bastante difcil.
Deve ser difcil trabalhar para um homem como o Sr. Rafiel.
No realmente. Ter que lhe conhecer, simplesmente. A ira domina-o as
vezes e se contradiz em muitas ocasies. O que lhe acontece que se cansa da gente.
Em dois anos teve cinco criados de quarto. Gosta de ver ao seu redor caras novas,
outra pessoas com quem possa brigar. Mas ns dois sempre nos demosmuito bem.
O senhor Jackson parece ser um jovem muito prestativo?
um homem com tato, em posse tambm de certos recursos declarou
Esther. Naturalmente, de vez em quando se v em...
Esther Walters se interrompeu ao chegar aqui.
Em uma difcil posio, acaso? sugeriu depois de meditar uns segundos
miss Marple.
Sim, sim, com efeito. Entretanto... adicionou Esther, sorrindo,
acredito que ele consegue ajeitar as coisas muito bem.
Miss Marple considerou atentamente estas palavras. No iam lhe servir muito.
Esforou-se por animar a conversao e em poucos minutos ouvia uma ampla
informao sobre o quarteto amante da Natureza, os Dyson e os Hillingdon.
Os Hillingdon tm vindo aqui nos ltimos trs ou quatro anos
manifestou Esther. Mas Gregory Dyson j vem h mais tempo que eles na ilha.
Conhece as ndias Ocidentais perfeitamente. Acredito que veio aqui com sua primeira
esposa. Era uma mulher delicada e se via obrigada a passar em um pas de clima
temperado os invernos.
E ela morreu? Ou acaso se divorciaram?
Morreu. Em uma destas ilhas. produziu-se um conflito, conforme acredito.
Houve certo escndalo... Gregory Dyson no fala nunca dela. Um conhecido me
contou tudo isto. Pelo que ouvi comentar eu deduzi que no se davam muito bem.
E mais tarde se casou com esta outra mulher, com a Lucky. Miss
Marple pronunciou esta ltima palavra empregando um tom especial, como se
pensasse: Um nome incrivelmente ridculo, na verdade!
Parece-me que era parente da primeira esposa.
Faz muitos anos que conhece os Hillingdon?
Eu diria que se relacionam desde que seus amigos chegaram aqui, h trs ou
quatro anos, no mais.
Os Hillingdon formam um casal muito agradvel comentou Miss
Marple. So muito calados, tranqilos...
Sim, em efeito.
Todo mundo diz por aqui que so afetuosos um com o outro acrescentou
Miss Marple, falando com reserva.
Esther Walters se deu conta disto, levantando a vista.
Mas voc no acredita, no verdade?
E voc mesma pensa assim, no , querida?
Bem... s vezes eu fico imaginando...
43
Penso que Molly faz esforos inauditos por aparecer contente, satisfeita de
estar aqui. Trabalha muito e acaba exausta. Por tal motivo passa por terrveis
momentos de depresso. No ... Bom, no uma garota perfeitamente equilibrada.
Pobre moa! exclamou Miss Marple. verdade que h pessoas que
so assim. Muito freqentemente, os que as tratam levianamente no se do conta de
tais coisas.
, geralmente elas dissimula muito bem seu verdadeiro estado de nimo,
no lhe parece? inquiriu Esther. Em minha opinio, Molly no devia
preocupar-se tanto. Nada tem de particular que um homem ou uma mulher, aqui ou
fora daqui, morram em conseqncia de uma trombose coronria, uma hemorragia
cerebral ou outras enfermidades semelhantes. Isso ocorre hoje todos os dias, em
qualquer parte, e mais freqentemente que nunca. Para que um estabelecimento como
este se despovoasse teriam que dar-se casos, dentro dele, de envenenamento por
causa das ms condies da comida, de febres tifides, e coisas parecidas.
O Major Palgrave no me disse nunca que sofresse de presso alta
manifestou abertamente Miss Marple. E a voc, sim?
Sei que ele disse a algum, ignoro quem... Talvez tivesse sido o Sr. Rafiel.
J sei que este afirma o contrrio, mas, o que lhe vamos fazer! Ele assim! Agora
recordo, ter ouvido Jackson mencionar isso. Disse que o Major Palgrave devia ser
mais cuidadoso com todo aquele lcool que bebia.
Miss Marple, pensativa, guardou silncio. Logo manifestou:
Eu imagino que voc achava Palgrave um homem muito maante? No
cessava de contar histrias e muito possvel que algumas delas as tivesse repetido
at no poder mais.
Isso era o pior dele declarou Esther. Sempre acabava contando algo
que j sabamos, e nesse momento era preciso ser ligeiro e escapulir-se.
A mim isso no incomodava assinalou Miss Marple. Seria porque
estou acostumada a essas coisas e tambm por minha m memria. Como esqueo
facilmente o que me contam no me importa escutar um relato pela segunda vez.
Tem graa! exclamou Esther.
O Major Palgrave tinha preferncia por uma histria apontou Miss
Marple. Falava nela de um crime. Suponho que lhe contara em alguma ocasio...
Esther Walters abriu sua bolsa, comeou a procurar alguma coisa em seu
interior. Trou o batom dizendo:
Pensei que o tivesse perdido. disse. A seguir perguntou: Perdoe, Miss
Marple. O que dizia voc?
O Major Palgrave chegou a lhe contar sua histria favorita sobre um crime?
Parece-me que sim, agora se me lembro bem. Algo referente a algum que
se suicidou abrindo a chave do gs do forno, verdade? Mais adiantedescobriu-se que
isso no tinha sido um suicdio, sendo a esposa da vtima a culpada de sua morte. Era
disso do que desejava me falar?
No, no. Parece-me que o relato era outro... respondeu Miss Marple,
indecisa.
Contava tantas histrias! exclamou Esther Walters. Bom, como disse,
eu nem sempre estava atenta ao que ele dizia...
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46
CAPITULO NOVE
A MISS PRESCOTT E OS OUTROS
Isto o que eu sei... comeou a dizer a senhorita Prescott, baixando a
voz e jogando, atemorizada, uma olhada a seu redor.
Miss Marple aproximou a cadeira que ocupava a de seu acompanhante. J fazia
algum tempo que ela tentava ter uma conversa a ss com a senhorita Prescott. Isto era
em parte devido a que os clrigos fossem muito apegados aos familiares. A senhorita
Prescott se achava acompanhada quase sempre de seu irmo. Naturalmente, para
mexericar a gosto, as duas mulheres gostavam de encontrar-se a ss.
Parece ser... Claro est, Miss Marple, eu no quero pr em circulao
desagradveis rumores que pudessem lhes prejudicar... Em realidade eu no sei
nada...
No se preocupe. Compreendo-a muito bem... apressou-se a lhe
responder Miss Marple para tranqiliz-la.
Parece que houve algum escndalo vivendo ainda sua primeira esposa. Esta
mulher, Lucky (que nome esquisito, n?), acredito que era prima da primeira esposa.
Juntou-se a eles aqui, comeou a fazer pesquisas sobre as flores, as borboletas e no
sei que mais coisas. A gente falou muito porque sempre se via os dois juntos... J me
entende, no?
O povo repara tanto nos mais nfimos detalhes sublinhou Miss Marple.
Logo, a esposa morreu quase repentinamente...
Aqui? Nesta ilha?
No. Acredito que foi na Martinica ou Tobago, onde se encontravam ento.
Compreendo...
Das palavras pronunciadas por algumas pessoas que os conheceram ali
deduzi que o doutor no estava muito satisfeito.
Miss Marple se esforou por demonstrar o interesse com que escutava a sua
interlocutora. Queria anim-la a prosseguir.
Foram apenas mexericos, obvio. Mas, enfim, o caso que o senhor Dyson
voltou a contrair matrimnio com uma pressa excessiva. A senhorita Prescott
baixou de novo a baixar a voz. Acredito que o fez ao cabo de um ms. Voc v o
pouco tempo...
S deixou passar um ms?
As duas mulheres se entreolharam com um significativo olhar.
Pareceu-me..., uma falta de considerao, e que o desaparecimento de sua
primeira esposa no lhe impressionou muito disse a senhorita Prescott.
Efetivamente disse Miss Marple, perguntando a continuao:- Havia...
dinheiro pelo meio?
Ignoro-o. Ele sempre faz a mesma piada... talvez a senhora j tenha
ouvido... de que a sua mulher lhe traz sorte?
Bom, talvez j tenha presenciado. Assegura que sua esposa vem ser para ele
o mascote da sorte.
47
seguida. Miss Marple desejava trocar umas palavras com aquele homem sem
testemunhas e acabava de apresentar-se a oportunidade ansiada. Teria que comunicarlhe com toda rapidez o eu queria dizer-lhe. O velho no iria facilitar o caminho. O Sr.
Rafiel era uma pessoa que no gostava de conversa fiada de velhinhas.
Provavelmente, acabaria retirando-se a seu bangal, considerando-se a si mesmo
vtima de uma perseguio. Miss Marple decidiu ao fim seguir a rota mais curta.
Dirigiu-se para onde ele estava sentado, e tomando uma cadeira se acomodou
a seu lado.
Queria lhe perguntar algo, Sr. Rafiel.
De acordo, de acordo... Concedido. O que deseja voc? Suponho que uma
assinatura para as misses africanas ou as obras de restaurao de uma igreja, ou
qualquer coisa do gnero...
Sim replicou Miss Marple tranqilamente. Precisamente me
interessam muito essas coisas e ficarei muito reconhecida se me conceder um
donativo. No obstante, nestes momentos pensava em outro assunto. Eu queria era
lhe perguntar se o Major Palgrave contou a voc alguma vez uma histria relacionada
com um crime.
Ora, ora! exclamou Sr. Rafiel. Tambm contou a voc disso? E, claro
est, voc engoliu a isca direitinho?
No soube o que pensar ento, realmente. O que o que lhe disse
exatamente?
Esteve divagando um momento em torno de uma formosa criatura, uma
espcie da Lucrecia Borgia, uma reencarnao mas bem da mesma. Pintou-me isso
bela, de loiros cabelos e todo o resto...
Oh! fez Miss Marple, um tanto desconcertada ante aquela resposta. E
quem assassinou essa mulher? inquiriu.
O seu marido, obvio. E quem iria assassina-la?
Envenenou-lhe?
No. Administrou-lhe um sonfero e depois abriu a chave do gs. Se tratava,
pelo visto, de uma mulher de grandes recursos. Logo, disse que se havia suicidado.
Em seguida conseguiu escapar-se com uma pena leve mediante uma mutreta legal,
dessas s que hoje em dia recorrem os advogados quando a acusada uma mulher de
grandes atrativos fsicos ou quando no banquinho dos acusados se senta qualquer
miservel jovem excessivamente mimada por sua me. Ora!
O Major Palgrave mostrou-lhe alguma fotografia?
O que? Uma fotografia da mulher? No. Por que tinha que faz-lo?
Miss Marple se recostou em uma cadeira, olhando a seu interlocutor com uma
acentuada expresso de perplexidade. Sem dvida, o Major Palgrave tinha passado a
vida contando historia que no s tinham que ver com os tigres e os elefantes que
tinha caado, a no ser tambm criminosos que tinha conhecido, direta ou
indiretamente, ao longo de sua existncia. Devia contar com um grande repertrio.
Terei que reconhecer esse fato... Ela assustou-se com o sbito grito do Sr. Rafiel, que
chamava a seu criado.
Jackson!
No lhe respondeu ningum.
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especial, se que existe no mercado? Atualmente toma umas plulas para dormir, mas
ela assegura que esse remdio a prejudica. Tem ocasies que ela faz fora para
acordar e no consegue...
Sobre o que so seus sonhos?
OH! Sempre se trata de algum que a persegue, que a vigia ou est
espiando... Nem sequer depois de despertar consegue recuperar a tranqilidade, voltar
para seu estado normal.
Um mdico poderia, certamente...
uma mulher que detesta os mdicos. No quer nem ouvir falar deles.
Bom... Imagino que tudo isto passar. Mas uma lstima. Sentamo-nos muito felizes
aqui. Estivemo-nos divertindo, inclusive, enquanto trabalhvamos. E agora,
ultimamente... possvel que a morte do Palgrave a transtornasse. Depois disso,
minha esposa parece outra pessoa...
Tim Kendal ficou em p.
Tenho que sair, Miss Marple. Me esperam as minhas obrigaes de todos os
dias. Tem certeza que no quer desse refresco de limo que lhe ofereci?
Miss Marple, sorridente, balanou a cabea negativamente.
Ficou sentada ali mesmo. Meditava. A expresso de seu rosto era grave,
preocupada.
Logo voltou a cabea, olhando o doutor Graham.
Tomou uma deciso imediatamente, levantou-se, aproximando-se de sua mesa.
Devo me desculpar ante voc, doutor Graham disse-lhe.
Sim? O doutor a olhou com certo assombro. Ele puxou uma cadeira,
acomodando-a ao seu lado.
Acredito ter feito uma coisa terrvel com o senhor, Dr. Graham
manifestou miss Marple. Menti a voc deliberadamente, doutor.
Ela o olhou apreensiva.
Este no parecia escandalizado, s um pouco surpreso, nada mais...
O que me diz? Bom, suponho que se tratar de algo desprovido por
completo de importncia.
Que fazia miss Marple ali, expressando-se naqueles trminos?
O que seria que aquela velhinha encantadora estaria escondendo? A idade? Se
bem que ele no se lembrasse de que ela lhe ouvesse falado de idade. Bem,
vejamos o que , Miss Marple. Voc fale com clareza prosseguiu, posto que ela,
evidentemente, queria confessar.
Voc recorda que lhe falei algo relativo fotografia de um de meus
sobrinhos? Falei-lhe que havia posto nas mos do Major Palgrave e este me esqueceu
de devolver ?
Sim, sim, j me lembro. Quanto lamento no hav-la podido encontrar entre
suas coisas pessoais!
Voc no pde encontr-la porque no se achava entre eles - declarou Miss
Marple, baixando a voz, atemorizada.
Como?
No. Essa fotografia no existiu nunca. Ao menos em poder desse homem.
Tudo foi uma histria de minha inveno.
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CAPITULO DEZ
UMA DECISO EM JAMESTOWN
O doutor Graham se encontrava no Jamestown, no escritrio do administrador.
Sentado frente a ele, atrs de uma mesa, estava seu amigo Daventry, homem de uns
trinta e cinco anos de idade, de expresso grave.
Por telefone me pareceram um tanto misteriosas suas palavras, Graham
disse Daventry. Aconteceu algo especial?
No sei respondeu o doutor, mas a verdade que estou preocupado.
Enquanto lhes serviam umas bebidas, Daventry passou a contar as incidncias
havidas na ltima expedio de pesca em que havia participado. Assim que o criado
saiu, recostou-se em sua poltrona, fixando o olhar no rosto do visitante.
J pode voc comear, Graham.
O mdico enumerou os detalhes motivadores de suas reflexes.
Daventry acolheu os mesmos com um leve assobio.
J estou entendendo. Voc acredita que h algo estranho na morte do
Palgrave, no? J no est seguro de que a mesma foi devida a causas naturais, n?
Quem deu o atestado de bito? Bom, Robertson, suponho. Tenho entendido que este
no teve nenhuma dvida...
No. Mas eu estimo que influiu nele uma circunstncia: o achado das
plulas de Serenite na prateleira do banheiro. Perguntou-me se eu tinha ouvido o
Major Palgrave dizer que padecia de hipertenso. Minha resposta foi negativa. No
sustentei nunca uma conversao de tipo mdico com o Major, mas, aparentemente
ele havia tratado deste assunto com diversas pessoas residentes no hotel. O frasco de
plulas e as declaraes do Palgrave se encaixavam perfeitamente. Quem podia
suspeitar que ali se escondia algo estranho? Entretanto, dou-me conta agora de que
cabia a possibilidade de algo estranho. Tenho que reconhecer, no obstante, que se
tivesse sido eu, diante das aparncias claras que ele morrera de presso alta, teria
dado o atestado de bito. Aparentemente no havia por que desconfiar. Eu no teria
voltado para pensar nesse assunto se no tivesse sido surpreendido pelo
desaparecimento da fotografia...
Vejamos, Graham disse Daventry, interrompendo a seu amigo. me
permita que me expresse assim... Voc no teria dado uma ateno excessiva a essa
histria fantstica (pode s-lo, no?) que lhe referiu uma dama, j de idade, de
imaginao bastante viva? J sabe como so as mulheres idosas acostumam exagerar
o que vem, ou o que acreditam ver, inventando coisas de passagem.
Sim, sei... respondeu o doutor Graham, com certo desassossego. No
perdi de vista essa possibilidade. Mas no consegui me convencer. Miss Marple me
falou com toda clareza e preciso.
Eu, em troca, duvido assegurou Daventry . Deixemos a um lado a
histria que conta a velha dama da fotografia... Um bom ponto de partida para a
investigao, o nico, seria a declarao da faxineira indgena. Esta sustenta que um
frasco de plulas tido pelas autoridades como prova no se achava no bangal do
53
Major Palgrave no dia anterior a sua morte. Mas havia mil maneiras de explicar isto
tambm. Existe a possibilidade de que a vtima acostumasse guardar em qualquer um
de seus bolsos esse medicamento.
O doutor assentiu.
Sim, certamente, seu raciocnio no nada impossvel.
Pode tratar-se, do mesmo modo, de um engano da criada. Possivelmente
no tivesse reparado nunca naquele frasco.
Tambm isso possvel.
Ento, o que?
Graham baixou a voz, respondendo lentamente:
A garota se mostrou muito segura de suas afirmaes.
Bom. Voc tenha em conta que as pessoas de St. Honor esto acostumadas
a serem muito excitveis e emotivas. Custa-lhes muito pouco trabalho inventar
coisas. Acaso pensa que ela sabe... mais do que deu a entender?
Pois..., sim.
Em tal caso tente faz-la falar. No podemos provocar certa agitao
desnecessariamente. Temos que dispor de dados concretos para proceder assim. Se o
Major Palgrave no morreu em conseqncia de sua hipertenso, qual voc acredita
que foi a causa determinante de sua morte?
Podem ser tantas realmente! exclamou o doutor Graham. Voc se
refere aos meios suscetveis de no deixar rastro algum, verdade?
Com efeito. Poderamos considerar, por exemplo, o emprego do arsnico.
Bom, vamos pensar claramente... O que que voc sugere? Que foi
utilizado um frasco que continha falsos comprimidos? Que algum se valeu desse
meio para envenenar o Major Palgrave?
No... No isso. Isso o que Vitria e no sei quem mais pensam isso.
Mas a jovem enfocou mal a questo. Se algum decidira eliminar ao Palgrave
rapidamente, o assassino teria escolhido por um mtodo rpido: uma bebida
preparada, por exemplo.
Logo, para fazer aparecer sua morte como uma coisa natural teria colocado em
seu quarto um frasco de comprimidos prprios para o tratamento da hipertenso.
Seguidamente, o criminoso so teria que se preocupar em pr em circulao o rumor
referente a seu enfermidade.
E quem foi o que levou a cabo essa tarefa no hotel?
Fiz averiguaes, sem xito... Tudo foi inteligentemente planejado. A,
interrogado, manifesta: Acredito quem me disse isso foi "B"... B, interrogado por
sua vez, declara: No, eu nunca falei isso, mas sim recordo-me ter ouvido ser
mencionado por "C" tal detalhe. C informa: So vrias pessoas que fizeram
comentrios a respeito disso... Uma delas me parece que foi "A". Assim como
voltamos para ponto de inicio das indagaes, sem ter obtido nenhum fruto delas.
Daventry apontou:
Ter que pensar em que o autor da mutreta no tem nada de tolo.
Certamente. To logo se soube da morte do Major Palgrave todo mundo
pareceu ficar de acordo para falar da hipertenso sangnea da vtima, com conceitos
prprios ou valendo-se de outros, ouvidos de pessoas comentarem.
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CAPITULO ONZE
UMA NOITE NO HOTEL DA PALMEIRA DOURADA
Molly arrumou a decorao das mesas da sala de jantar. Tirava aqui um faca
que sobrava, punha ali direito um garfo ou alinhava corretamente uns copos para,
continuando, dar um passo atrs e contemplar o efeito do conjunto... Depois saiu ao
terrao. No viu ningum e ela se encaminhou at o lado mais afastado, apoiando-se
uns instantes na balaustrada. Logo se iniciaria outra noitada. Seus hspedes se
entregariam despreocupadamente ao bate-papo, s fofoca, bebida... Era aquele tipo
de vida que tinha ansiado levar e, na verdade, que at uns dias antes tinha desfrutado
muito. Agora inclusive Tim dava a impresso de estar preocupado. Era natural que
ela andasse igual. A aventura em que haviam embarcado tinha que terminar bem. No
podia medir esforos nesse sentido. Tim tinha investido tudo quanto possua naquela
empresa.
Mas no o negcio o que lhe preocupa, pensou Molly. Suas preocupaes
se centram em mim. E isto, por qu? Por qu? No consigo encontrar a explicao.
E, entretanto, estava segura de isso... As perguntas que ele fazia, seus rpidos olhares.
Por qu? perguntou-se mais uma vez Molly. Eu tenho sido cuidadosa. Fez
um repasse levantamento mental dos ltimos acontecimentos. No conseguia
recordar em que ponto ou momento tinha comeado aquilo. Nem sequer estava
segura da natureza do fato. Tinha comeado por sentir-se atemorizada ante as
pessoas. Por que causa? O que podiam lhe fazer os outros?
Molly baixou a cabea. Experimentou um forte sobressalto ao notar que
algum lhe tocava no brao. Deu a volta rapidamente, encontrando-se ento com o
Gregory Dyson, levemente desconcertado, que se dirigia a ela falando em um tom de
desculpa:
Vejo-a sempre to abatida! Assustei voc, pequena?
Molly no gostou que Dyson a chamasse de pequena. Se apressou a lhe
responder:
No o ouvi aproximar-se, senhor Dyson, e devido a isso chegou a me
assustar.
Senhor Dyson? Como estamos formais hoje noite! No formamos todos
acaso, aqui dentro, uma espcie de famlia, uma famlia grande e feliz? O Ed e eu,
Lucky, Evelyn e voc mesma, Tim, Esther Walters e o velho Rafiel... Sim, somos
como uma grande famlia.
J deve ter bebido muito esta noite, pensou Molly, sorriu-lhe amavelmente.
Oh! s vezes eu me transformo numa dona de casa respondeu Molly,
subtraindo com o gesto a seriedade de suas palavras. Tim e eu acreditamos que
mais corts no chamar a nossas hspedes por seus primeiros nomes.
Ora, ora! Deixemos a cerimnia de lado... Agora, Molly, querida, vamos
beber alguma coisa juntos.
Me convide mais tarde, se quiser. Nestes momentos tenho muitos coisas que
fazer ainda.
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Ainda no compreendi bem o que voc est me falando. Voc assegura ter
achado este frasco de plulas no bangal do Major Palgrave, no assim?
Sim, senhor. Quando o doutor e os homens do Jamestown foram embora,
me encarregaram que recolhesse as coisas do Major para as jogar fora, isto : os ps
para os dentes, as loes... Tudo isso.
E por que no jogou fora isto tambm?
Porque isto no era dele. Voc sentiu falta delas. No recorda que
perguntou-me pelo frasco?
Sim... pois... sim, verdade. Acreditei... pensei que tivesse deixado em
algum lugar....
No; no o extraviou. Essas plulas tiraram de voc para as pr entre as
coisas do Major Palgrave.
Como sabe voc isso? a voz dele era rouca.
Sei, porque eu vi. Vitria sorriu. Houve um branqussimo cintilo em seus
lbios. Algum as deixou no quarto do cavalheiro. Agora eu a devolvo.
Um momento... Espera. O que voc quis dizer? O que ... o que o que
voc viu?
Vitria se afastou por onde tinha chegado, perdendo-se entre as sombras dos
arbustos prximos. O primeiro impulso do Greg foi pr-se a correr atrs dela. Detevese imediatamente. Ficou parado coando o queixo.
-O que foi que houve, Greg? Viu algum duende? perguntou-lhe sua mulher,
avanando pelo caminho, procedente do bangal que ocupavam.
Durante uns segundos isso foi precisamente o que acreditei ter visto.
Com quem estava falando?
Com essa garota nativa que arruma o bangal. Se chama Vitria, verdade?
O que queria? Estava lhe passando uma cantada?
No seja tola, Lucky. Aquela moa tem na cabea uma idia estpida.
Que coisa idiota?
Voc se lembra de que outro dia no conseguia encontrar meu vidro do
Serenite?
Isso voc me disse.
O que quer me dar a entender com essa frase: Isso voc me disse!
OH, Greg! Agora voc vai analisar cada uma das palavras que pronuncio?
Sinto muito, Lucky disse Greg. Todos andamos nervosos nestes dias.
A seguir lhe mostrou o frasquinho. Essa garota me trouxe o remdio de volta.
Ela o tinha roubado?
No. Encontrou-o em no sei onde...
Muito bem, e da? Por que todo esse misterio?
OH, nada! declarou Greg. que a moa conseguiu me irritar.
Bom, Greg. Esqueamos isso... Vamos embora beber algo antes de nos
sentar mesa do jantar.
58
II
Molly tinha ido at a praia. Agarrou uma das velhas poltronas de vime, uma
das mais danificadas, que quase ningum mais a utilizava. Permaneceu sentada,
imvel, frente ao mar por uns minutos, de repente baixou a cabea entre as mos e
desatou a chorar. Logo ouviu um rumor de passos e ao levantar as vistas se encontrou
com a figura da senhora Hillingdon, que a olhava em silncio.
Ol, Evelyn. Perdoe. No a ouvi chegar.
O que aconteceu, minha filha? perguntou-lhe Evelyn. H algo errado?
Tomando outra poltrona, sentou-se a seu lado. Vamos, me conte.
No, no nada...
Claro que h algo, filha? No se busca a solido para chorar sem um motivo
justificado. que no me pode contar? H algum problema entre voc e Tim?
OH, no!
Me alegro de que assim seja. Vocs do a impresso de ser uma casal
perfeito, feliz.
Igual a voc e seu marido disse Molly. Tim e eu sempre comentamos
como deve ser maravilhoso parecer assim to felizes depois de tantos anos de
casados...
OH, isto...! Evelyn pronunciou esta exclamao quase
involuntariamente. Molly no soube interpretar seu significado.
So muito freqentes as brigas e discusses entre marido e mulher, de modo
especial os casados a mais tempo. H casais que se querem muito e, entretanto,
discutem por algo e, o que mais lamentvel, fazem-no em pblico.
H pessoas que gostam de viver assim, manifestou Evelyn. Isto no
quer dizer nada.
Eu acredito que isso horrvel. disse Molly.
, tabm acho. falou Evelyn.
Agora, quando a gente v voc com o Edward...
Olhe, Molly... No adianta mais eu querer esconder de voc uma coisa
destas. Edward e eu... Evelyn fez uma pausa. Se voc quer saber a verdade, ns
raramente trocamos uma nica palavra a ss nestes ltimos trs anos.
O que? Molly olhou-a estarrecida. No... no posso acredit-lo.
Claro. que ns dois somos bons atores. No. No nos pode incluir entre
esses casais que brigam em pblico, certamente. Alm de que em realidade no temos
por que chegar a discutirmos.
Mas, o que o que aconteceu a vocs?
Em nosso caso aconteceu o de sempre.
O que quer dizer com o de sempre? Outra...?
Sim, outra mulher. E acredito que no lhe ser muito difcil adivinhar quem
esta mulher...
Voc quer dizer a senhora Dyson? A Lucky?
Evelyn assentiu.
59
imaginao. OH, Meu Deus! Como tarde! Devia agora mesmo estar cuidando l da
sala de jantar. Me perdoe, Evelyn. No tenho mais jeito, preciso voltar para o hotel.
Molly se despediu da Evelyn Hillingdon com um expressivo olhar, pondo-se a
correr. Aquela observou como sua figura se desvanecia na crescente escurido.
62
CAPITULO DOZE
MARCAS PROFUNDAS DE ANTIGOS PECADOS
Acredito ter dado com a pista certa, homem.
O que foi que voc disse, Vitria?
Acredito ter dado com algo bom, que nos pode proporcionar dinheiro e em
abundncia.
Tome cuidado, menina, no v se meter em uma confuso. Melhor seria que
me explicasse do que se trata.
Vitria se ps-se a rir de boa vontade.
Espere e ver. Eu sei muito bem como tenho que jogar esta cartada. Neste
assunto h dinheiro, em quantidade, sim. Vi umas coisas e adivinho outras. E me
parece que no me enganei.
De novo a garota voltou a dar suas risadas...
II
Evelyn...
O que quer?
Evelyn Hillingdon falava mecanicamente, sem demonstrar o mais leve
interesse. Nem sequer olhou para seu marido.
Evelyn, o que lhe parece se eu acabasse com tudo isto e retornssemos para
casa na Inglaterra?
Ela estava penteando seus escuros cabelos. Agora deixou cair os braos
abandonadamente ao longo de seu corpo. Voltou-se para seu marido.
Mas... Se acabamos de chegar aqui? No estamos aqui nas ilhas no faz
nem trs semanas...
J sei. No obstante, o que lhe parece minha proposta?
Lhe olhou incrdula.
Quer retornar seriamente a Inglaterra, para nossa casa?
Sim...
Pensa em separar-se da Lucky?
Seu marido estremeceu.
Voc sabia de tudo o tempo todo, eu suponho, que... sobre o que estava se
passando?
Naturalmente.
Nunca disse nada.
Para que? Deixamos resolvido esse assunto faz anos atrs, no recorda? No
quisemos romper de tudo. Decidimos seguir caminhos distintos... salvando as
aparncias. antes de que seu marido pudesse responder, Evelyn lhe perguntou:
Mas por que voc agora quer voltar para a Inglaterra?
63
Posso tentar imaginar. H uma coisa que me preocupa: Lucky ir reter voc,
provavelmente, com mo de ferro. No a vejo no papel de amante abandonada. Ser
uma tigresa com suas garras. Tem que me dizer a verdade, Edward. No h outro
caminho se realmente deseja que eu permanea a seu lado.
Edward baixou a voz para declarar:
Se no me separar dela logo... matarei-a.
Fala de matar a Lucky? Por qu?
Por causa do que me obrigou a levar a cabo...
O que foi?
Ajudei-a a cometer um crime.
As ltimas palavras ficaram como flutuando no ar da habitao... Houve um
silncio. Evelyn no perdia de vista a seu marido.
Voc se d conta do que est dizendo?
Sim. Eu no sabia o que fazia... Encarregou-me de conseguir certos
produtos da farmcia, a respeito de cujo destino no tinha a mais leve idia... Me
mandou fazer uma cpia de uma receita que ela guardava.
Quando aconteceu isto?
Faz quatro anos. Estvamos na Martinica. Quando... quando a esposa do
Greg...
Voc quer dizer primeira esposa do Greg? A Gail? Quer dizer que Lucky
a envenenou?
Sim. Eu a ajudei. Ao compreender...
Evelyn interrompeu a seu marido.
No momento em que compreendeu a situao, tal como se achava
planejada, Lucky se apressou a lhe recordar que havia sido voc quem escreveu a
receita, voc quem comprou as drogas... Lhe faria ver que nesse assunto andavam
juntos e que no podiam separar-se. No foi assim?
No. Lucky me assegurou que tinha feito daquele modo por compaixo, j
que Gail sofria, lhe havendo rogado que encontrasse algum modo para acelerar seu
fim.
Matou-a por piedade! E voc acreditou?
Edward Hillingdon meditou sua resposta:
No... Na realidade, no. Aceitei sua explicao porque necessitava
acreditar nela. Lucky me dominava, estava apaixonado.
E mais tarde, quando contraiu matrimnio com o Greg, continuou
acreditando nela?
Eu j me acostumara com a idia, ento...
E o que o que Greg sabe de tudo isto?
Nada absolutamente.
Vamos, Edward. No quer que eu seja to crdula como voc, no
verdade?
Edward Hillingdon pareceu perder os estribos ao chegar aqui.
Evelyn... Desejo com toda minha alma me separar dela. Essa mulher me
recorda a cada passado o que eu me sujeitei a fazer. Sabe que j no tem influncia
sobre mim e se vale das ameaas para me obrigar a realizar seu desejo. Que
65
influncia vai ter se passei a odi-la? No obstante, aproveita quantas ocasies lhe
apresentam para que no esquea que estou ligado a ela, pelo crime em que colaborei
com ela...
Evelyn ps-se a andar de um lado a outro do quarto. Depois se deteve,
enfrentando-se com seu marido.
Edward, o maior problema com voc que ridiculamente sensvel e
incrivelmente apto para acolher as mais desatinadas sugestes. Essa endiabrada
mulher te levou onde quis utilizando astutamente seu sentido pessoal da
culpabilidade. Vou lhe explicar isto em claros e contundentes termos bblicos: O
pecado que pesa sobre voc o adultrio e no o assassinato. Sentia-se culpado ao
iniciar-se sua relao com a Lucky e esta se valeu de voc como quis ao idear seu
plano criminoso, obtendo que compartilhasse moralmente sua culpa. No h dvida
disso.
Edward ps-se a andar para sua esposa...
Evelyn...
Esta retrocedeu. Olhou-o inquisitivamente.
Edward... verdade tudo o que me disse? Verdade mesmo? Ou trata-se de
sua inveno?
Evelyn! Por que tinha que te mentir? O que podia obter com isso?
No sei respondeu ela. Falo assim porque agora acho difcil acreditar
em algum... quem quer que seja, porque... OH, no sei! Suponho que j no sei
distinguir a verdade quando esta se oferece a meus ouvidos ou a meus olhos.
Deixemos esta ilha... Retornemos a Inglaterra.
Sim. Isso o que faremos. Mas no agora.
Por qu no agora?
De momento devemos seguir levando a mesma vida. importante. Voc
compreende, Edward? No deixe que Lucky desconfie a respeito desta conversao e
o que ns vamos fazer...
66
CAPITULO TREZE
A SADA DE UM PERSONAGEM IMPORTANTE
A noitada chegava a seu fim. Os membros da orquestra estavam finalmente
descansando um pouco. Tim permanecia de p, junto a uma das sadas que davam
para o terrao. Apagou algumas luzes das vrias mesas abandonadas j por seus
ocupantes. de repente percebeu umas palavras pronunciadas por algum a seu costas:
Poderia falar com voc um momento, Tim?
Este se voltou.
Ol, Evelyn... No que posso servi-la?
Ela olhou a seu redor.
Nos sentemos um instante nesta mesa...
Conduziu o jovem at aquela, situada no outro extremo da terrao. No viram
ningum em torno deles.
Perdoe-me por lhe falar sobre isto, Tim. No quero lhe assustar, mas devo
confessar que Molly me preocupa muito.
A expresso do rosto do jovem mudou em seguida.
O que acontece com a Molly?
No acredito que se encontre muito bem. Vejo-a alterada, sob os efeitos de
uma profunda depresso nervosa.
Ultimamente no ela a nica pessoa que se acha em tais condies. Todos
andamos desequilibrados por uma razo ou outra.
Me parece que deveria consultar um mdico.
Sim, e eu penso igual, mas ela se nega a ir ver um mdico.
Por qu?
Hein? O que que voc quer dizer?
Perguntei-lhe por que sua esposa se nega a consultar com seu mdico.
Tim deu uma resposta bastante imprecisa a estas palavras.
Isso acontece com muita gente... No sei exatamente por que motivo... Tais
pacientes, pssimos doentes, olham ao doutor com averso e temor.
Voc esteve preocupando com a Molly por estes dias, no verdade, Tim?
Sim, muito. E ainda continuo...
Voc no poderia fazer com que viesse aqui um de seus familiares para que
cuidasse dela?
No. Isso agravaria a situao.
O que acontece com a famlia de sua mulher?
Nada que seja novo. Molly muito nervosa, tem outro carter, e no se d
muito bem com os seus, especialmente com sua me. Compem uma famlia...
estranha, mas bem, em certos aspectos. Molly decidiu finalmente, faz tempo, romper
com todos. Foi uma medida acertada, sem lugar para dvidas.
Evelyn falou um tanto hesitante:
67
De vez em quando, Molly sofre ataques de amnsia, a julgar pelo que ela
me contou. As pessoas lhe do medo. Padece freqentemente em certo modo de
mania perseguio.
No diga isso! exclamou Tim, zangado. Mania de perseguio! So
muitos os que falam assim respeito dos outros. No ocorre mais que isto: Molly est
nervosa... Nunca tinha vivido nestas terras, as fabulosas ndias Ocidentais. V muitos
rostos escuros a seu redor. J sabe voc que se inventaram inumerveis histrias
sobre a gente destas ilhas e a terra em que vivem.
Mas esse sobressalto contnuo em que agora vive Molly...
A gente se assusta das coisas mais estranhas e sem sentido. Tem gente seria
incapaz de viver em uma habitao cheia de gatos. E h quem se deprime quando lhe
cai em cima uma insignificante sanguessuga.
Me desagrada fazer esta proposta a voc, mas... no acha conveniente levar
ao Molly a um psiquiatra?
No! respondeu Tim, violento. No consentirei que esse tipo de
farsantes a convertam em um coelhinho de ndias. Essa gente agrava a situao de
seus doentes. Se sua me tivesse abandonado os psiquiatras a tempo...
Assim, sofreu a me de sua mulher transtornos mentais? Existem em sua
famlia casos de... desequilbrio?
Evelyn tinha escolhido com todo cuidado esta ltima palavra.
No quero falar disso. Separei a Molly de toda sua gente e sempre se
encontrou bem. Ultimamente se deixou levar muito de seus nervos... Mas, bom, essas
coisas, alm disso, no so hereditrias. Isto sabe todo mundo hoje em dia. Molly
uma mulher perfeitamente normal. que... OH! Eu acredito que foi a morte do
Palgrave a origem de seus atuais transtornos.
J compreendi respondeu Evelyn pensativamente. Mas, a que
preocupaes podia conduzir a algum o falecimento do Major?
Tem voc razo, Evelyn. Entretanto, no ter que negar que as mortes
repentinas sempre causam algum tipo de choque.
Tim Kendal era a viva imagem do desalento. Evelyn se comoveu.
Deixou cair uma mo sobre seu brao.
Vejo que voc no necessita de ningum que lhe sirva de guia... No entanto,
se precisar de minha ajuda, para o que seja (por exemplo poderia acompanhar a
Molly a Nova Iorque), estou ao seu dispor. Nessa cidade ou em Miami poderia ser
atendida por mdicos de reconhecida experincia.
Voc muito amvel, Evelyn, mas... Molly se encontra perfeitamente bem.
Superar a esses transtornos de que estamos falando.
Evelyn fez um gesto de dvida. Voltou-se lentamente e deu uma olhada no
interior do salo. A maior parte dos hspedes se tinham ido para seus bangals.
Evelyn se encaminhava lentamente para sua mesa para ver se no tinha deixado algo
nela quando ouviu Tim soltar uma exclamao. Voltou a cabea rapidamente. O
jovem olhava fixamente em direo dos degraus do fim do terrao. Ento conteve o
flego, assombrada...
68
Molly subia por ali, procedente da praia. Respirava angustiada, entre contnuos
soluos. Seu corpo oscilava cada vez que dava um passo, como se andasse sem rumo
fixo... Tim gritou:
Molly! O que foi que aconteceu, Molly?
Kendal ps-se a correr para ela e Evelyn lhe seguiu. A garota se encontrava j
na parte superior da escada, onde ficou plantada assinalando ao longe. Com voz
entrecortada disse:
Encontrei-a a... Est a, entre os arbustos... entre os arbustos... Olhem
minhas mos. Sim. as olhem... Estendeu os braos em direo a Evelyn e Tim...
Observaram em seguida umas manchas estranhas, escuras, em seus mos.
Evelyn sabia muito bem que meia-luz tivessem aparecido vermelhas a seus olhos.
Tim perguntou a sua esposa, atropeladamente:
O que aconteceu, Molly?
A abaixo... a moa vacilou. Por um instante pareceu que ia cair no cho,
deprimida. Nos arbustos...
Tim no sabia o que fazer. Olhou a Evelyn. Logo obrigou a Molly a que
aproximasse-se dela. A seguir comeou a descer a escada, com toda pressa.
Evelyn passou um brao em torno dos ombros da jovem.
Vamos, Molly. Sente-se aqui, quer? Vou lhe dar algo de beber. J ver
como se sentir melhor.
Molly desabou sobre uma cadeira, e inclinou-se sobre a mesa, afundando o
rosto entre seus braos. Evelyn se absteve de lhe fazer pergunta alguma naqueles
momentos. Pensou que era mais prudente deixar passar alguns minutos para que a
pobre garota se recuperasse.
Vamos, Molly, no se preocupe lhe disse logo. Isto no nada.
No sei... no sei o que aconteceu murmurou Molly. No sei nada.
No tenho lembrana de nada. Eu... levantou a cabea de repente. O que
acontece comigo? O que me passa?
Fique tranqila, moa. Vamos, se tranqilize.
Tim subia lentamente pela escadinha do terrao. Uma careta horrvel
desfigurava seu rosto. Evelyn olhou-o, erguendo as sombrancelhas numa
interrogao.
Trata-se de uma de nossas faxineiras manifestou . Qual seu nome...?
Sim. Vitria. Algum a apunhalou.
69
CAPITULO QUATORZE
O INQURITO
Molly estava estendida em seu leito. De um lado o doutor Graham e seu colega
o doutor Robertson, mdico da Polcia local, situou-se do outro lado. Tim se
encontrava frente a eles. Robertson havia pego uma das mos da jovem para tomar o
pulso... Fez um gesto ao homem que vestido com o uniforme da Polcia se achava ao
p da cama, era o inspetor Weston, das fora policiais de Sto. Honrio.
Que o interrogatrio seja breve disse o doutor.
Compreendido respondeu o outro.
Continuando, perguntou, olhando ao Molly:
Quer nos dizer, senhora Kendal, como descobriu o corpo de essa moa?
Por um momento todos experimentaram a impresso de que a figura que jazia
no leito no tinha ouvido as palavras do inspetor Weston. Logo perceberam uma voz
dbil, que parecia vir de muito longe...
Nos arbustos... Branco...
Sem dvida voc distinguiu algo branco nno meio da escurido do lugar e
se aproximou ali para ver o que era... Foi isso o que ocorreu?
Sim... branco... estava estendida. Tentei... tentei levant-la. Ela... sangue...
sangue em minhas mos...
Molly comeou a tremer.
O doutor Graham olhou expressivamente para seu colega. Robertson
sussurrou:
No est em condies de declarar nada.
O que voc estava fazendo no caminho da praia, senhora Kendal?
O ar morno... agradvel... eu gosto dali... junto ao mar.
Identificou em seguida garota?
Sim... Era Vitria..., uma garota muito agradvel..., sempre ria... OH! E
agora... No. J no voltaremos a v-la rir jamais... No poderei esquecer isto nunca...
nunca...
Molly levantou gradualmente a voz. Parecia ia ter um ataque de histeria.
Sossegue... se tranqilize, Molly... Vamos, querida...
Era Tim quem acabava de lhe falar assim.
No fale, no fale... ordenou-lhe o doutor Robertson, impondo-se
docemente. Descanse um pouco. J ver que ficar bem. Agora vai ser uma leve
espetada...
O mdico preparou uma seringa de injeo.
No se achar em condies de ser interrogada at que passem vinte e
quatro horas, pelo menos declarou. Eu avisarei a voc, inspetor Weston.
70
II
O atltico negro olhou, um por um, os rostos dos homens que sentaram-se
depois da mesa.
Juro que isso tudo o que sei disse.
Grossas gotas de suor brilhavam em sua testa. Daventry suspirou. O inspetor
Weston, do Departamento de Investigaes Criminais, que presidia a reunio, fez um
gesto dando-lhe licena para se retirar. O enorme Jim Ellis saiu lentamente arrastando
os ps.
Certamente, no declarou tudo o que sabe disse Weston, que falava com
a suave entonao peculiar dos habitantes da ilha. Claro que no conseguiremos
lhe tirar mais, por muitos esforos que faamos.
Voc acha que ele est envolvido no crime? inquiriu Daventry.
No. Parece que os dois se davam muito bem.
No estavam casados, verdade?
Os lbios do inspetor Weston se distenderam em uma leve sorriso.
No, no estavam casados. Pouca gente contrai matrimnio em nossa ilha.
Entretanto, batizam aos filhos. Vitria deu dois a esse homem.
Seja o que for ou o que haja atrs disto, voc acredita que Jim Ellis estava
de acordo com... com sua mulher?
provvel que no. Certamente lhe dava medo meter-se em uma confuso.
E me atreveria a afirmar que Vitria no tinha chegado a descobrir nenhum segredo
importante.
Possivelmente, o bastante para fazer chantagem?
Eu no sei sequer se me atreveria a empregar essa palavra. Duvido de que a
jovem conhecesse seu significado. Quando se recebe um pagamento para ser discreto
no se pode falar de chantagem propriamente dito. Voc sabe que algumas das
pessoas que se hospedam aqui pertencem a uma categoria social definida, que no
tem mais preocupao do que viver o melhor possvel. Sua conduta, assim que
moral, geralmente, deixa bastante a desejar, e cujo passado no suportaria sem outro
trabalho que o de realizar uma investigao superficial. Weston se expressava em tom
muito severo.
Sim. Est acostumado a fazer-se isso que voc assinalou manifestou
Daventry. Quando uma mulher, por exemplo, no quer que se divulguem suas
aventuras d algum presente algo arrumadeira que a atende normalmente. Existe
ento um convnio tcito. Com tais cuidados compra a discrio da servidora.
Exatamente.
Agora bem objetou Daventry, aqui no houve nada disso. Nos
achamos nada menos que ante um assassinato.
Duvido que a vtima acreditasse que andava metida em algo srio. O mais
seguro que visse algo que excitasse sua curiosidade, que presenciasse algum
chocante incidente. No mesmo, aquele frasco de plulas desempenhava seu papel.
Pertenciam ao senhor Dyson, tenho ouvido dizer. Ser melhor que lhe vejamos.
Gregory apareceu no quarto com seu ar cordial de sempre.
71
onde o velho Palgrave o pegou por um motivo ou outro. Talvez o jogasse no bolso
com o propsito de devolver-me isso esquecendo-se mais adiante.
E isso que sabe a respeito deste assunto, senhor Dyson?
Isso tudo o que sei. Lamento no poder lhes ser de mais utilidade. Tem
importncia o que lhes comuniquei? Por qu?
Weston deu de ombros.
Tal como esto as coisas qualquer detalhe pode ser da mxima importncia.
Ignoro que papel caberia atribuir a minhas plulas. Eu pensei que vocs
quereriam saber quais foram meus movimentos ao redor da hora em que essa pobre
moa foi apunhalada. Tenho tudo por escrito com o maior cuidado possvel.
Weston parecia pensativo.
Seriamente? Ter que reconhecer que voc muito servial, senhor Dyson.
Pensei que assim lhes economizava trabalho alegou Greg, lhe
estendendo um papel. Weston o estudou. Daventry aproximou sua cadeira a dele e se
ps a ler por cima de seu ombro.
Isto est muito claro manifestou Weston um minuto ou dois depois.
At as dez para nove, voc e sua esposa estiveram em seu bangal vestindo-se. A
seguir partiram para o terrao, onde em companhia da senhora Caspearo beberam
algo. s nove e quinze se uniram ao casal Hillingdon, entrando seguidamente todos
ao restaurante. At onde se lembra, deveriam ter se deitado pelas onze e meia.
Calou-se, esperando a resposta.
Assim disse Greg. No sei em realidade a que horas foi assassinada
essa jovem...
Pela entonao, as palavras daquele pareciam mais uma pergunta. O inspetor
Weston, entretanto, fez como se no o tivesse persebido.
Entendi que quem encontrou o cadver foi a senhora Kendal. Que
impresso terrvel ela deve ter experimentado!
Efetivamente. O doutor Robertson teve que lhe administrar um calmante.
Isso ocorreu numa hora avanada, no? Quer dizer, quando a maior parte
dos hspedes j foram para cama...
Sim.
Tinham transcorrido muitas horas do momento de seu falecimento? Refirome ao espao de tempo que passou entre o momento do assassinato e o macabro
achado da senhora Kendal.
No sabemos exatamente a que hora aconteceu declarou simplesmente o
inspetor.
Pobre Molly! Que experincia to desagradvel de se viver! A verdade
que ontem noite senti sua falta entre ns. Pensei que ela tivesse alguma enxaqueca
ou qualquer indisposio que a deixasse de cama.
Quando viu voc por ltima vez senhora Kendal?
OH! Muito cedo, antes de voltar para meu bangal me trocar de roupa.
Estava dando uma olhada nas mesas, lhes dando os toques decorativos. Arrumava os
talheres, punha um faca em seu lugar, etc.
Compreendo...
73
75
CAPITULO QUINZE
O INQURITO CONTINUA
Poderamos falar com voc uns minutos, senhor Kendal?
Por Deus, senhores! Claro!
Tim tinha levantado a vista. Estava sentado atrs de sua mesa de trabalho.
Colocou de lado vrios papis e indicou a seus visitantes umas cadeiras. Tinha a face
lvida. Parecia estar abatido.
Como vo suas pesquisas? Deram algum passo adiante? perguntou.
Parece que algum nos jogou uma maldio. Os hspedes tm pressa por ir-se; no
fazem outra coisa que pedindo para marcar as passagens areas. E isso vem
acontecemos quando o xito parecia estar assegurado. OH! Vocs no podem
imaginar o que significa este negcio, este hotel, para mim e para o Molly.
investimos nele tudo quanto possuamos.
Voc est enfrentando uma dura prova, efetivamente, senhor Kendal
respondeu o inspetor Weston. Lamentamos todo este alvoroo, esta verdadeira
catstrofe.
Se ao menos pudessem ser esclarecidos os fatos rapidamente...
manifestou Tim. Essa pobre garota, Vitria Johnson... OH! Certamente, no
devesse falar assim dela... Vitria era uma boa moa. Mas... Tem que existir detrs de
tudo isto uma razo muito simples, uma justificantiva que convena a primeira vista...
Eu penso em uma intriga, em um caso amoroso... Possivelmente o marido de
Vitria...
Jim Ellis no era seu marido. Por outro lado, o casal dava a impresso de
entender-se perfeitamente.
Se pudesse esclarecer tudo rapidamente... insistiu Tim. Perdoem.
Vocs vieram aqui para falar de algo, ou me perguntar algo...
Sim. Queramos falar de ontem noite. De acordo com as declaraes do
mdico, Vitria foi assassinada entre as dez e meia da noite e as doze. Dadas as
circunstncias os alibis so difceis de provar. As pessoas estiveram, como lgico,
indo de um lado para outro continuamente, umas vezes danando e outras passeando
pela terrao...
Certo. Agora bem, pensam vocs acaso que Vitria fosse assassinada por
um dos hspedes do hotel?
Temos que considerar tal possibilidade, senhor Kendal. Queria lhe falar da
declarao feita por um de seus cozinheiros.
O que? Qual?
Este a quem desejo me referir cubano, conforme acredito.
Conosco trabalham atualmente dois cubanos e um porto-riquenho.
Enrico, que assim se chama o homem em questo, afirma que seu esposa
cruzou em determinado momento, ontem noite, a cozinha, procedente do
restaurante, para dirigir-se ao jardim. Assegura que levava, nas mos, uma faca.
Tim ficou imvel.
76
Que Molly levava uma faca nas mos? Bem... E por que no tinha que levlo? Quero dizer que... Como! No pensaro vocs... O que tenta sugerir?
Falo-lhe do espao imediatamente anterior chegada dos hspedes ao
restaurante. Seriam ento as oito e meia, aproximadamente. Voc conversava nesses
momentos com o matre, Fernando.
Sim, sim... J recordo.
Sua esposa entrou procedente da terrao, n?
Sim Tim concordou. Molly se encarrega sempre de dar uma ltima
olhada nas mesas. Tem ocasies, em que os garons colocam as coisas mau,
esquecem peas, etc. J sei o que aconteceu! Minha mulher deveria estar arrumando
os talheres, sua a tarefa de vigilncia e superviso como de costume. possvel que
encontrasse em qualquer das mesas uma faca ou uma colher a mais, isto , o objeto
que o cozinheiro cubano viu em suas mos.
Ao entrar ela no restaurante, disse-lhe algo?
Sim. Trocamos algumas palavras.
Voc as recorda?
Acredito ter perguntado com quem tinha estado conversando na terrao.
Tinha-me parecido ouvir uma voz fora, uma voz, certamente, que no era dela.
O que lhe respondeu sua mulher?
Que tinha estado falando com o Gregory Dyson.
Ah, sim. Isso o que ele declarou.
Tim prosseguiu, dizendo:
Ele estava passando uma cantada nela, foi o que percebi... homem muito
dado a isso. Irritei-me por ouvir sua resposta e proferi uma exclamao. Molly se
ps-se a rir, apressando-se a me tranqilizar. muito esperta... voc compreende.
Nossa posio aqui as vezes bastante delicada. No se pode ofender a um hspede
assim... Uma mulher to atrativa como Molly tem que acolher certos cumpridos com
algum sorriso e um encolhimento de ombros. Por outro lado, ao Gregory Dyson custa
muito trabalho deixar em paz s senhoras ou senhoritas bonitas.
Tiveram alguma briga?
No, no acredito. Ela deve ter lhe tratado com a corts indiferena de
outras ocasies.
Voc no pode nos dizer com certeza se ela era ou no portadora de uma
faca ento?
No recordo bem... Eu afirmaria que no. No, no, seguro que no.
Mas voc acaba de afirmar...
Um momento..., eu s insinuei que pelo fato de haver estado no restaurante
ou na cozinha podia muito bem ter pego uma faca, por uma ou outra razo. Em
realidade, e isto o recordo perfeitamente, Molly no levava nada na mo ao sair do
restaurante. Nada absolutamente. Com toda segurana.
Compreendo...
Tim olhou inquieto ao inspetor.
Aonde est querendo chegar? O que o que lhe contou esse cretino do
Enrico... do Manuel, quem quer que seja seu informador?
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Seu cozinheiro nos disse que ao entrar no lugar em que ele se encontrava,
sua esposa parecia achar-se muito nervosa e que levava uma faca nas mos.
H gente que se empenha sempre em complicar as coisas que so normais,
para lhes dar um forado carter dramtico.
Voc voltou a falar com sua mulher durante ou depois do jantar?
No. Parece-me que no. A verdade que eu andei bastante ocupado.
O inspetor indagou:
Sua esposa permaneceu no restaurante enquanto os garons serviam aos
seus hspedes?
Eu... OH!, sim. Em tais ocasies ambos estamos acostumados a ir de uma
mesa a outra. Temos que comprovar pessoalmente como anda tudo.
E no chegaram a trocar nenhuma palavra?
No, acredito que no... Habitualmente, nestes instantes estamos muito
ocupados. Cada um ignora o que est fazendo o outro e, por suposto, no dispomos
de tempo para conversar.
Quer dizer, voc no recorda ter falado com sua esposa at trs horas
depois, quando ela subia as escadas da terrao, depois do descobrimento do cadver
de Vitria...
Isso foi um golpe terrvel para o Molly.
Como foi que sua mulher se encontrava naqueles momentos pelo caminho
da praia?
Era seu costume dar uma volta por ali todas as noites, quando se tinha
servido o jantar. Isso lhe servia de sedativo depois das interminveis horas de
trabalho. Queria, simplesmente, permanecerm afastada dos hspedes uns minutos, ter
uma pausa...
No momento de sua volta pelo que entendi voc estava falando com a
senhora Hillingdon.
Sim. Quase todo mundo j tinha ido para a cama.
Qual foi o tema de sua conversao com a senhora Hillingdon?
Nada de particular... por que me pergunta isso? O que que ela andou
dizendo?
At agora ela no nos disse nada. No a interrogamos ainda.
Conversamos a respeito de muitas coisas. Falamos, por exemplo, de Molly
e das dificuldades que apresentava a administrao do hotel...
Nesse momento foi quando apareceu sua esposa nos degraus do terrao e
lhes contou o que tinha ocorrido, verdade?
Assim .
Viram sangue em suas mos?
Imediatamente! A senhora Hillingdon se aproximou de Molly e tentou
sustent-la, evitar que casse no cho, sem compreender o que estava acontecendo.
claro que sim que vimos sangue em suas mos! Mas, um momento! Que diabos est
voc sugerindo? Porque voc me est insinuando algo, verdade?
Acalme-se, Kendal mediu Daventry. Sabemos que tudo
extremamente penoso para voc, mas temos que fazer tudo quanto esteja em nossas
78
mos para esclarecer os fatos. Ultimamente, seu esposa, ao que parece, no esteve
muito bem... certo isso?
Ora! Molly se encontra perfeitamente bem. A morte do Major Palgrave a
transtornou um pouco. natural. Minha mulher muito sensvel.
Teremos que lhe fazer algumas perguntas to logo se recupere
manifestou Weston.
Sim, porque agora no pode ser. O doutor lhe administrou um sedativo,
recomendando que no ningum a incomodasse. No tolerarei que intimidem-na com
sua presena, atrasando desse modo sua volta a normalidade.
No pensamos nem um momento em intimid-la, senhor Kendal
respondeu Weston. Nos limitamos a fazer o possvel para pr as coisas em claro.
No a importunaremos de momento, mas quando o mdico nos permite faremos isso:
que conversar um momento com ela.
Weston se expressou em um tom corts... e inflexvel.
Tim ficou olhando. Logo abriu a boca. Mas no disse nada.
II
Evelyn Hillingdon, to serena como sempre, tomou assento na cadeira que lhe
tinham indicado. Logo considerou as perguntas que lhe tinham formulado, tomando
tempo para refletir. Seus escuros olhos, denotadores de uma inteligncia nada
comum, pousaram-se por fim no Weston.
Sim respondeu. Me encontrava falando com o senhor Kendal no
terrao quando apareceu sua mulher, quem nos notificou o crime.
Seu marido se achava presente?
No. J tinha ido se deitar.
Sua conversao com o senhor Kendal, foi motivada por algo especial?
Evelyn arqueou as sobrancelhas... Seu gesto era uma clara negativa.
Manifestou framente:
Que pergunta to estranha, inspetor! No. Nossa conversao no foi
motivada por nada especial.
A senhora discutiu a respeito da sade da senhora Kendal?
Evelyn refletiu de novo uns segundos.
Na realidade no me lembro disse friamente.
Tem certeza de que no se lembra?
Certeza de que no posso me lembrar? Sua insistncia neste ponto
curiosa... A gente fala de tantas coisas ao final do dia em distintas ocasies!
Ouvi dizer que a senhora Kendal no desfrutava de muito boa sade
ultimamente.
No sei... Parecia estar bem. Um pouco cansada, possivelmente.
Certamente, dirigir um estabelecimento como este supe uma srie grande de
preocupaes, voc acrescente a isso que ela precisa de experincia. Naturalmente,
tem ocasies que se v transbordando de problemas pequenos e grandes que surgem a
cada passo. fcil assim sentir-se a meio confusa, aturdida...
79
III
No queramos incomod-la, senhora Kendal. Agora bem, precisamos
contar tambm com sua declarao. Desejamos saber como voc encontrou o cadver
dessa garota indgena, Vitria. O doutor Graham nos disse que j pode falar, posto
que se encontra muito recuperada.
Sim... sim replicou Molly. Me sinto muito bem... A jovem sorriu
nervosamente. Foi a impresso... Algo terrvel, verdadeiramente.
Sim, eu creio que deve ter sido mesmo, senhora Kendal... Segundo nos
disse, saiu para dar um passeio depois do jantar...
Sim... Eu... uma coisa que fao freqentemente.
A jovem olhou para o outro lado. Daventry observou que ela no parava de
retorcer as mos.
Que hora seria ento, senhora? perguntou-lhe Weston.
No sei.
A orquestra ainda estava tocando?
Sim... Bom, acredito que sim... A verdade que no me lembro.
Que direo voc seguiu ao iniciar seu passeio?
OH! Limitei-me a andar pelo caminho da praia.
Para a esquerda ou para a direita?
OH! Primeiro em um sentido e logo em outro... Eu... No me dava conta...
Por que voc no se deu conta, senhora Kendal?
Suponho que estava... Sim, isso: suponho que estava pensando em minhas
coisas.
Pensava em algo em particular?
No... no... No se tratava de nada especial... Pensava nas coisas que tinha
que fazer, que ver, no hotel. Outra vez Molly comeou a retorcer-se nervosamente
as mos. E logo... reparei em algo branco... em um macio de hibiscos... O que
ser isso?, me perguntei. Eu parei e... empurrei as folhas... A moa engoliu em
seco, angustiada. Era ela... Vitria... Estava toda dobrada... Tentei lhe levantar a
cabea e ento... enchi as mos de sangue.
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82
CAPITULO DEZESSEIS
A MISS MARPLE PROCURA AJUDA
Qualquer que tivesse visto aquela senhora idosa que se encontrava frente a seu
bangal de p, em atitude meditativa, teria certamente pensado que ela tinha
unicamente na cabea o que programar para passar o seu dia hoje... O que fazer?
Possivelmente no fosse m idia visitar o Castelo do Cliff, ou ir ao Jamestown...
Tampouco era mau plano comer at a Ponta do Pelicano, ou passar tranqilamente a
manh na praia...
Mas a dama em questo pensava naqueles instantes em coisas muito diferentes.
A verdade era que interiormente tinha adotado uma atitude militante, estava com o
esprito muito belicoso.
preciso fazer algo, disse Miss Marple a si mesma.
Alm disso, estava convencida de que no havia tempo que perder.
Era indispensvel atuar com toda urgncia. Agora bem, a quem poderia
convencer que no andava completamente equivocada? Com tempo de sobra ela
acreditava ser capaz de decifrar o enigma por si mesmo. J tinha averiguado muitos
detalhes em relao aos acontecimentos. Mas no todos os que precisava. E o prazo
de tempo de que dispunha era muito breve. J tinha percebido, com amargura, que
aqui dentro desta ilha paradisaca no contava com nenhum de seus aliados habituais.
Pensou com tristeza em seus amigos da Inglaterra... Em sir Henry Clithering,
eternamente disposto a escut-la com a maior indulgncia. No Dermot, seu afilhado,
quem, apesar de sua alta qualificao no Scotland Yard, acreditava firmemente que
quando Miss Marple emitia uma opinio esta era merecedora de uma detida anlise
porque, normalmente, continha algo substancial...
Em troca, que ateno podia esperar daquele policial indgena da voz melosa
que ela conhecia, ser que suas sugestes sero analisadas... vindas de uma anci,
dama estrangeira? Cabia pensar no doutor Graham? No. Este no era o homem que
ela necessitava. Muito educado em suas maneiras, muito vacilante... No era homem
de vivos reflexos, de rpidas decises.
Miss Marple, sentindo uma humilde enviada do Todo-Poderoso, chegou quase
a gritar em alta voz sua necessidade com frases bblicas.
Quem ser por mim?-- A quem serei enviada?
O som que percebeu pouco depois no foi reconhecido instantaneamente por
ela como uma resposta a sua prece... No, no. Absolutamente. Mentalmente o
registrou como a possvel chamada de um homem, pendente de seu co.
Oi!
Miss Marple, perdida em suas reflexes, no prestou ateno aquela voz.
Oi!
Agora o tom era mais rouco. Miss Marple olhou vagamente ao seu redor.
Oi! chamou o Sr. Rafiel impaciente, acrescentando: Sim, voc...!
83
A Miss Marple custou a compreender que aquela chamada era dirigida a ela.
No era uma maneira muito cavalheiresca para estabelecer comunicao. Certamente,
o procedimento tinha bem pouco ou nada de corts. Miss Marple no ofendeu-se
porque ningum se ofendia nunca com o Sr. Rafiel, quem fazia muitas coisas
arbitrariamente. A gente lhe aceitava como era, ele dispunha de uma autorizao
especial. Miss Marple olhou para o bangal vizinho. O velho lhe fez gestos.
Voc estava me chamando? inquiriu Miss Marple.
Naturalmente que a estava chamando respondeu o Sr. Rafiel. Quem
voc pensou que eu estivesse chamando? A algum gato? Vamos, aproxime-se.
Miss Marple voltou a cabea, procurando sua bolsa, apanhou-a e cruzou o
espao que separava um bangal de outro.
A menos que algum me ajude, no posso ir at voc replicou o Sr.
Rafiel, ento voc tem de vir at aqui.
Compreendo-lhe perfeitamente, Sr. Rafiel.
Este lhe mostrou uma cadeira.
Sente-se. Quero conversar com voc. Algo muito estranho est ocorrendo
em nossa ilha.
Sim, de fato respondeu ela, apanhando a cadeira que ele indicara. Por
puro hbito Miss Marple tirou da bolsa suas agulhas e sua l.
Voc deixe seu trabalho de lado disse o Sr. Rafiel. No posso
suportar isso. Detesto as mulheres que passam o tempo entretidas com essas tarefas.
Irrita-me.
Miss Marple voltou a guardar docilmente suas coisas na bolsa. Em seu gesto
no houve a menor ameaa de rebeldia. Antes bem, adotou o ar da enfermeira
disposta a tolerar as extravagncias de um doente rebelde.
H um monte de boatos por a e garanto que voc est frente deles todos
declarou o ancio. E o que digo agora de voc faa-o extensivo ao padre e a sua
irm.
Em vista do acontecido no hotel recentemente parece muito natural que haja
tantos boatos alegou Miss Marple.
Vejamos... Essa garota nativa achada entre uns arbustos, assassinada. Esse
incidente possivelmente no oferea nada de particular. possvel que o homem que
vivia com ela fosse ciumento e... Tambm pode ser que andasse com outra mulher, e
a moa provocasse uma rixa. Voc j sabe o que so estas coisas no trpico. Algo por
este estilo deve ter ocorrido. Voc o que acha?
No disse Miss Marple balanando negativamente a cabea.
As autoridades adotam idntica posio...
Eles informariam a voc melhor que a mim sempre assinalou Miss
Marple.
Entretanto, estou seguro de que voc sabe mais do que eu. Sempre d
ouvidos a esses mexericos.
Isso certo.
Voc, alm disso, no tem mais nada a fazer do que ouvir mexericos, n?
Geralmente muito til e informativo.
84
face semelhante ou o homem de carne e osso que acabava de ver era o indivduo da
fotografia?
O Sr. Rafiel refletiu uns segundos. Logo moveu a cabea expresivamente.
Aqui h algum engano. O motivo no adequado, absolutamente
inadequado. Ele estava falando com voc em voz alta, no?
Sim respondeu Miss Marple. Acostumava sempre levantar a voz.
certo. Por conseguinte, qualquer que se aproximou de vocs teria podido
ouvi-lo.
Imagino que seu vozeiro era audvel em muitos metros ao redor.
O Sr. Rafiel balanou a cabea outra vez e disse:
fantstico, muito fantstico manifestou aquele. Quem no se poria a
rir ao conhecer tal histria? Aqui temos a um velho gag contando uma bobagem
sobre uma histria que algum lhe contou, mostrando a seguir uma fotografia em que
aparece um indivduo que teve que ver com um crime cometido anos atrs. Um ano
ou dois, ponhamos. Como diabos vai preocupar isso ao sujeito em questo? No
existem provas... H, todo o mais, falatrios, circulando por diversos lugares, uma
histria de terceira mo. Inclusive tivesse podido admitir a semelhana, comentando
despreocupadamente: Pois verdade que me pareo com esse da fotografia, tem
graa. Que coincidncia, n? Ningum ia levar a srio a sugesto do Palgrave. O
homem no tem por que temer nada, absolutamente nada. uma acusao que se
pode rir dela tranqilamente. Por que demnios decidiu assassinar ao Palgrave?
Parece-me um crime desnecessrio. Pense nisso...
J pensei nisto, replicou Miss Marple. E por tal motivo no posso
estar de acordo com voc. E isto que me faz ficar to nervosa, to desassossegada,
que ontem noite no cheguei a pregar um olho.
O Sr. Rafiel olhou para seu rosto.
Vejamos o que o que est passando por sua cabea nestes momentos...
possvel que eu esteja enganada manifestou Miss Marple, vacilando.
o mais provvel confirmou o Sr. Rafiel, com sua habitual falta de
cortesia. Mas de qualquer modos, me deixe ouvir o que esteve pensando ao longo
das horas da madrugada.
Existiria um motivo imperioso se...
Se... o que?
Se dentro de pouco, dentro de muito pouco tempo, tinha que haver outro
assassinato.
O Sr. Rafiel refletiu. Logo tentou ficar mais cmodo em seu cadeira. me
esclarea isso.
OH! Eu no sei dar explicaes muito bem! Miss Marple falava
atropeladamente e com alguma incoerncia. Tinha as bochechas avermelhadas.
Suponhamos que algum tinha planejado cometer um crime. Voc recordar que em
sua histria o Major Palgrave se referiu a um homem cuja esposa morreu em
misteriosas circunstncias. Mais adiante, transcorrido certo tempo houve outro crime
que apresentava idnticas caractersticas. Um homem que levava outro sobrenome
estava casado com uma mulher que faleceu em condies parecidas e o doutor que
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contava isto o identificou como o mesmo sujeito embora tenha trocado de nome.
Bem, ao que parece o criminoso j transformou o crime num hbito...
Sim. Encontram-se antecedentes daquele, tanto na literatura como na
realidade. Continue.
Eu entendo prosseguiu Miss Marple, de acordo com o que tenho lido
e ouvido a respeito, que quando um homem comete uma ao desta e tudo sai bem
pela primeira vez se sente inclinado a repetir. V por todos lados facilidades; se
considera um ser inteligente. Assim como chega segunda edio de sua faanha.
Ao final aquilo se converte em um hbito. Escolhe em cada ocasio cenrios
diferentes, adotando outros nomes. Mas seus crimes apresentam muitos dados
semelhantes. Assim como eu acho, embora muito bem pudesse estar enganada...
Por um lado admite tal possibilidade e por outro no acredita nela
sublinhou com brutalidade o ardiloso Sr. Rafiel.
Miss Marple continuou falando, sem comentar as anteriores palavras.
Pois ento, se for mesmo assim e esse indivduo tivesse feito todos seus
preparativos com o fim de cometer um crime aqui, para se livrar de outra esposa,
sendo que esse crime j seria o seu terceiro ou quarto, deve ter pensado que a histria
referida pelo Major prejudicaria porque o criminoso no ousaria que alguma
similariadade fosse descoberta. Assim foram capturados alguns delinqentes. As
circunstncias em que se cometeu um crime chamam, por exemplo, a ateno de
algum que apressa-se a comparar aquelas com as de outro caso sobre o qual existem
abundantes informaes, contidos em uma srie de recortes jornalsticos.
Compreende j por que o desconhecido criminoso no pode consentir que, tendo sua
ao minuciosamente planejada e a ponto de ser levada a prtica, v o Major Palgrave
por a, contando despreocupadamente sua histria e mostrando a pequena fotografia?
Miss Marple fez uma pausa ao chegar aqui, dirigindo um olhar suplicante ao
Sr. Rafiel, que seguia escutando com ateno, antes de adicionar:
Nessas condies voc compreende que foi preciso que atuasse com
rapidez, com a maior rapidez possvel.
De fato... respondeu o ancio. Aquela mesma noite, n?
Isso.
Um trabalho um pouco precipitado, mas que poderia ser feito manifestou
o Sr. Rafiel. Nada mais que pr as plulas no bangal de Palgrave, espalhar o
boato a respeito de sua enfermidade e acrescentar uma leve quantidade dessa
endiabrada droga cujo nome tem, mais ou menos, uma dzia de slabas, ao famoso
ponche dos colonos...
Sim... Mas isso j aconteceu. No temos porque nos preocupar com isso.
o futuro o que conta agora. Eliminado o Major Palgrave, destruda a fotografia, esse
homem seguir adiante com seu plano, levando a cabo o assassinato projetado.
Dos lbios do Sr. Rafiel escapou um assobio.
Voc pensou atentamente nisto, n?
Miss Marple assentiu. Com voz firme, quase ditatorial, nada acostumada nela,
disse:
Temos que impedir que acontea isso, Sr. Rafiel. Voc tem que impedi-lo.
Eu? inquiriu o velho, atnito. Por qu eu?
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CAPITULO DEZESSETE
O SENHOR RAFIEL ENTRA EM AO
Eu no sei replicou Miss Marple.
Agora voc sai com essas! Do que foi que estivemos falando por espao de
vinte minutos?
Ocorreu-me que posso estar equivocada.
O Sr. Rafiel olhou a Miss Marple com certa expresso de desgosto.
Eram divagaes ento! To segura como parecia estar de suas afirmaes!
OH! Tenho segurana em tudo o se refere ao crime... Duvido, em troca, nas
coisas que correspondem ao criminoso. Repare nisto: o Major Palgrave, conforme
averigei, estava acostumado a contar mais de uma histria sobre crimes... Voc
mesmo me disse que lhe tinha relatado outra que fazia pensar em uma espcie da
Lucrecia Borgia reencarnada...
verdade. Mas no se parecia em nada outra.
J sei. Por sua parte, a senhora Walters me falou de uma terceira em que o
criminoso empregava o gs para seus tenebrosos fins...
Mas a histria que ele contou a voc...
Miss Marple se permitiu interromper a seu interlocutor. Para o ancio Rafiel
constitua uma experincia indita.
Ela falou com uma inesperada angstia e apenas uma incoerncia moderada.
O senhor no est percebendo? muito difcil me mostrar segura a respeito
de certos pontos. O ponto principal que, freqentemente, algum se distrai, no
escuta. Pergunte senhora Walters... Aconteceu lhe o mesmo... A pessoa comea
escutando atentamente ao que se conta. Logo a mente se fixa em outras coisas e de
repente se percebe que nos perdemos parte da histria, de que fingimos estar atentos.
Pergunto-me se no houve uma lacuna, mesmo pequena, entre a histria contada por
Palgrave e o momento em que este tirou a foto de sua carteira para me perguntar: O
gostaria de ver a fotografia de um assassino?
Entretanto, voc pensou que em todo o relato o Major esteve falando de um
homem, no?
Assim . Nunca me ocorreu pensar o contrrio. No obstante, como posso
estar agora absolutamente segura disso?
O Sr. Rafiel ficou muito pensativo...
Sabe qual o problema? disse por fim. Voc conscienciosa de mais.
um grande erro. Resoulva-se e deixe de indecises. Quando comeou no estava
indecisa. Se me perguntasse, eu diria que toda esta tagarelice com a irm do padre, e
com o resto do povo, lhe mostrou algo que no agradou.
Talvez voc esteja no certo.
Bem, no momento esquea disso. Siga a linha de suas reflexes iniciais.
Sim, porque nove vezes de cada dez o julgamento original resulta acertado. Aqui fala
a experincia, Miss Marple. Temos trs suspeitos. Examinemos sua respectiva
situao. Tem preferncia por algum?
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No.
Comearemos pelo Greg, ento. No suporto esse indivduo. Claro que no
por isso vou achar que um assassino. No obstante, h uma ou duas coisas contra
dele. As plulas para a hipertenso procedem de seu estojo de primeiro socorros
pessoal. O medicamento, pelo visto, sempre o tinha a mo...
Isto parece uma coisa natural, no? objetou Miss Marple.
No sei... Antes de tudo, o principal era fazer algo rapidamente, e ele
dispunha de suas plulas. No precisava sair por a procurando por plulas, coisa que
uma outra pessoa precisaria. Digamos que Greg nosso homem. Muito bem. Se ele
quisesse dar cabo de sua querida esposa, Lucky... (uma tarefa elogivel, afirmaria eu,
e por isso aprovo seu propsito), no consigo ver qual seria o propsito. Ele homem
rico. O dinheiro procede de seu primeira esposa, que o deixou em abundncia. Com
respeito a ela encaixa como assassino provvel. Mas isto coisa do passado. O caso
de Lucky distinto. Lucky era a prima pobre de sua primeira mulher. Era uma
parente pobre. Aqui no h dinheiro, de modo que se Greg quer desfazer-se dela
porque pretende casar-se com outra. Circulam rumores neste sentido?
Miss Marple moveu a cabea de um lado a outro.
No ouvi dizer nada... Esse homem..., bem... ele banca o gal sempre com
as mulheres.
Essa uma maneira muito delicada de lhe assinalar manifestou o Sr.
Rafiel. Nos encontramos ante um Dom Juan, um conquistador. No suficiente!
Queremos achar algo mais. Passemos ao Edward Hillingdon, um tipo do mais
corrente...
Eu no creio que ele seja um homem feliz opinou Miss Marple.
Voc acha que um criminoso deve ser um homem feliz?
Miss Marple tossiu.
Em minhas experincias, geralmente eles so.
No acredito que sua experincia seja to grande disse o Sr. Rafiel,
convencido.
Esta hiptese, como Miss Marple poderia dizer, ele estava errado. Mas ela
absteve-se de contestar esta declarao. Sabia muito bem que os homens no
gostavam de ter as suas declaraes contestadas.
Este Hillingdon... comeou a dizer o Sr. Rafiel. Suspeito que algo
estranho est acontecendo entre ele e sua esposa. No notou nada de estranho em suas
relaes?
OH, sim! Sim eu o notei. O comportamento desse casal em pblico,
contudo, impecvel. No caberia esperar menos deles.
Provavelmente voc sabe mais que eu a respeito dessa gente. Tudo anda
bem, pois... Mas estimo que existe a probabilidade de que de um modo cavalheiresco
Edward tenha pensado em desfazer-se de Evelyn. Voc est de acordo comigo?
Se for assim... deve haver uma outra mulher...
Sim, mas qual?
Miss Marple moveu a cabea, contrariada.
Ter que reconhecer que no fcil dar com a soluo do problema...
confessou.
93
isso acredito que vem fazendo), quando eu desaparecer deste mundo ser uma mulher
bem de vida. Tornei-me responsvel pela educao de sua filha, tendo depositado
uma soma em um Banco para que lhe seja entregue assim que alcance a maioridade.
Voc j v que Esther Walters uma mulher vantajosamente situada na vida hoje em
dia. Minha morte, me permita que o diga assim, significaria para ela uma grave
quebra financeira. Esther sabe tudo isto... Esther uma jovem extraordinariamente
sensata.
H algo entre ela e Jackson?
Mister Rafiel pareceu experimentar agora um pequeno sobressalto.
Voc observou alguma coisa entre eles que lhe tenha chamado a ateno?
Bom, acredito que, sobre tudo ultimamente, Jackson anda dando em cima dela. um
jovem bem apessoado, certamente, mas, em minha opinio, perdeu o tempo. Por um
lado, h uma diferena de classes, dentro da escala social, Esther fica por cima dele,
embora no a muita distncia. Voc j sabe o que acontece: os indivduos da classe
mdia baixa so gente muito especial. A me do Esther era professora de teatro e seu
pai empregado de Banco. No. No acredito que ela chegue a fazer muito caso do
Jackson. Atreveria-me a dizer que este pretende assegurar o seu futuro. Inclino-me a
pensar, no obstante, que no vai obter seu propsito.
Psiuuu!... ela se aproxima! murmurou Miss Marple.
Ambos olharam na direo de Esther Walters que se aproximava dos dois,
procedente do hotel.
Note-se em que uma mulher muito bonita disse o Sr. Rafiel.
Entretanto, no brilha. No sei por que, mas no tem charme embora seja jeitosinha...
Miss Marple suspirou. Seu suspiro podia ter sado do peito de qualquer mulher
de idade dedicada a considerar por uns minutos a srie de oportunidades perdidas ao
longo de sua existncia. Miss Marple tinha ouvido muitas vezes comentrios
referentes a aquilo, quase indefinvel, de que carecia Esther. No realmente
atraente para mim, dizia-se em tais casos. E tambm: Falta-lhe sex-appeal, ou
no diz nada aos homens... falta-lhe um pouco de sal Tratava-se, em resumo, de
uma mulher em posse de uns bonitos cabelos louros e um corpo bem feito, uns olhos
amendoados cor-de-avel pouco comuns e um agradvel sorriso... E apesar de tudo
faltava aquele algo misterioso que obriga aos homens instintivamente a voltar a
cabea na rua quando se cruzam com determinadas mulheres.
Ambos se observavam enquanto se aproximava.
Devia casar-se de novo sussurrou Miss Marple.
Sim. Esther seria uma esposa excelente.
Esther Walters, por fim, uniu-se a eles. O Sr. Rafiel, com voz ligeiramente
afetada, disse:
At que enfim voc apareceu! O que que a reteu tanto tempo por a?
Parece que todo mundo resolveu mandar telegramas hoje de manh...
Disse Esther. Com isto, mais as pessoas que esto pedindo as contas para irem
embora...
Seriamente? Como conseqncia do assassinato dessa garota indgena?
Eu acho que sim. Tim Kendal anda muito preocupado.
lgico. Tudo isto vai ser um duro golpe para o jovem casal.
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Eu sei. Calculo que foi um emprendimento muito grande para eles, tomar
conta de um lugar destes. Tm-se preocupado em fazer sucesso. E esto dando conta
do recado muito bem...
Tm feito mesmo um bom trabalho. Ele um homem muito capaz e um
infatigvel trabalhador. Ela uma garota muito agradvel, extremamente atrativa
manifestou o Sr. Rafiel. Os dois trabalharam como escravos... Bom, aqui esta
expresso soa de um modo muito estranho, pois tenho visto na ilha, os camaradas
subir num coqueiro para ganhar o almoo e depois ficar descansando o resto do dia.
Eh, vidinha boa...
Depois de uns segundos de silncio, o Sr. Rafiel acrescentou:
Miss Marple e eu estivemos nos ocupando do assassinato de Vitria
Johnson.
Esther Walters pareceu naqueles momentos levemente sobressaltada. A jovem
voltou a cabea para Miss Marple.
Tinha-me enganado com ela declarou o Sr. Rafiel, com sua caracterstica
franqueza. Nunca gostei muito das mulheres do tipo de Miss Marple, que passam
o dia fazendo tric e conversando fiado. Esta Miss Marple outra coisa. Tem olhos e
ouvidos e sabe muito bem us-los.
Esther Walters dirigiu um olhar de desculpa a Miss Marple, quem nem sequer
se deu por ofendida pelo comentrio.
Isto um elogio muito grande, a senhora sabe? explicou Esther.
Eu calculo que seja declarou Miss Marple. Tambm me dei conta de
que o Sr. Rafiel um ser que desfruta de certos privilgios.
O que quer dar a entender com isso? quis saber o ancio.
Que pode mostrar-se rude quando assim quizer, sem mais respondeu
Miss Marple.
Eu fui rude? inquiriu o Sr. Rafiel, surpreso. Se for assim, rogo-lhe
que me perdoe. No quis ofend-la.
Voc no me ofendeu. Eu lhe dei a permisso.
Bom, Esther, por que no pega uma cadeira e se senta aqui. Talvez possa
nos ajudar.
Esther se foi para o bangal, retornando com uma poltrona de vime.
Tnhamos comeado falando do velho Palgrave, de sua morte e de suas
interminveis histrias manifestou o ancio.
OH, Deus! exclamou Esther. Tenho que reconhecer que sempre que
pude fugi do Major, temendo que me colocasse um de seus discos.
Miss Marple demonstrou ter mais pacincia assinalou o Sr. Rafiel.
Diga-me Esther: o Major contou a voc alguma vez certa historia relacionada com
um crime?
Pois, sim reps Esther. Em vrias ocasies...
Como era exatamente? Vamos ver a sua verso.
Vejamos... Esther fez uma pausa, refletindo. O problema ... disse
em tom de desculpa que nunca escutei as palavras daquele homem com muita
ateno... Tinha eu presente em tais momentos o conto do leo da Rodesia, que
Palgrave havia repetido at cansar a todos. Eu, como outras pessoas, fingia estar lhe
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escutando cortesmente, mas na verdade era que, enquanto ele falava, dedicava-me a
pensar em minhas coisas.
Bem diga-nos ento, simplesmente, o que voc se lembra.
Parece-me que comeava com um certo crime que sara nos jornais. O
Major Palgrave dizia que tinha passado por uma experincia que poucas pessoas j
tinham vivido. Na realidade, ele se encontrara cara a cara com um autntico
assassino.
Se encontrara? Ele se expressou assim realmente? perguntou o Sr.
Rafiel.
Esther olhou-o confusa.
Acredito que sim disse vacilando. Ou talvez ele tenha dito: Estou em
condies de lhe mostrar um assassino.
So duas coisas muito distintas. Qual das duas frmulas ele usou?
No estou segura... Acredito que me disse que pensava me mostrar uma
fotografia de algum.
Isso j est melhor.
Logo me falou um bocado sobre a Lucrecia Borgia.
Esquea o que se referente a ela. Sabemos tudo a respeito da Lucrecia.
Palgrave falou acerca de envenenadores e de que Lucrecia era muito bela e
que tinha uns formosos cabelos ruivos. Acrescentou a isto uma afirmao:
provvel que disseminadas pelo mundo, haja muitas mais envenenadoras do que nos
possamos imaginar.
Nisto eu creio que ele tinha razo manifestou Miss Marple.
E qualificou o veneno de arma feminina.
Ao que parece ele se afastou um pouco do assunto declarou o Sr. Rafiel.
Bem, geralmente ele sempre fazia isto em suas histrias. E ento a gente
parava de prestar ateno e s dizia: Sim, sim, Seriamente, Major? e No me
diga...!.
E sobre essa fotografia que disse que ia lhe mostrar?
No me lembro... Deve ter sido algo sobre o que ele tinha visto no jornal...
No lhe mostrou nenhuma foto instantnea?
Uma foto instantnea? No Esther moveu a cabea. Disso sim que
estou segura. Disse que ela era uma mulher muito bonita e que olhando sua cara
ningum a julgaria capaz de cometer um crime.
Ela?
Est vendo s? apontou Miss Marple. Agora tudo se faz mais confuso
ainda.
Falou-lhe de uma mulher? perguntou o Sr. Rafiel.
OH, sim!
Era o personagem da fotografia uma mulher?
Sim.
No pode ser!
Pois o era insistiu Esther. Palgrave me disse: Ela se encontra nesta
ilha. J lhe direi quem . Logo lhe contarei a histria completa.
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supus que se tratava da mesma foto instantnea de que tinha falado, a daquele
particular criminoso. Agora bem, ter que reconhecer que possvel embora exista
uma possibilidade contra cem que em virtude de uma associao de idias saltasse
da foto instantnea da que tinha falado com outra, tomada recentemente, em que
aparecia algum daqui, a quem olhava, convencido, como um assassino.
Mulheres! exclamou o Sr. Rafiel com desespero. Todas so iguais!
No saberam falar jamais com preciso. Nunca esto seguras de se uma coisa foi
desta maneira ou desta outra. Agora... acrescentou irritadssimo, onde estamos?
Onde ns ficamos com isso? com um resmungo, perguntou. Pensaremos na
Evelyn Hillingdon, ou na Lucky, a esposa de Greg? Isto uma verdadeira confuso!
Naquele instante os trs ouviram uma discreta tosse. Arthur Jackson se
encontrava junto ao Sr. Rafiel. Aproximou-se deles to silenciosamente que ningum
tinha percebido sua presena.
Inclinando-se para o ancio, disse:
a hora de sua massagem, senhor.
O Sr. Rafiel demonstrou imediatamente o seu mau gnio, lhe gritando:
Por que que voc anda chegando devagarinho at aqui deste modo, me
produzindo um sobressalto? Eu nunca o escuto chegar?
Sinto muito, senhor.
Hoje no quero nem ouvir falar de massagens. Alm disso, elas nunca
adiantam de nada!
Oh! No devias dizer isso, senhor Jackson atendia o Sr. Rafiel com uma
amabilidade de profissional. Logo voc iria lamentar se suspendesse essas sesses.
Habilmente, o jovem fez girar a cadeira de rodas, orientando-a para o bangal.
Miss Marple ficou em p, sorriu para Esther e encaminhou-se praia.
101
CAPITULO DEZOITO
UM CRIME SEM JULGAMENTO
A praia estava bem deserta aquela manh. Greg estaca dentro dgua,
esparramando-se como sempre. Lucky estava deitada de bruos na areia, com as suas
costas bronzeadas e seus cabelos loiros sobre os ombros. Os Hillingdon no se
encontravam ali. A senhora De Caspearo, com um bando de homens ao seu redor,
deitada de costas e falando um espanhol gutural e satisfeito. beira dgua riam e
jogavam vrios meninos italianos e franceses. O reverendo e sua irm, a senhorita
Prescott estavam sentados em cadeiras de praia, dedicando-se tranqilamente a
observar as cenas. O padre estava com o chapu puxado sobre os olhos e parecia
meio adormecido. No muito longe da senhorita Prescott havia uma cadeira
desocupada perto deles bastante conveniente e Miss Marple sentou-se nela.
Oh, Deus! disse ela, com um profundo suspiro.
Estou inteirada de tudo manifestou a senhorita Prescott.
As duas tinham aludido ao mesmo feito: o assassinato de Vitria Johnson.
Pobre moa! exclamou Miss Marple.
Um episdio muito triste, sim, senhor comentou o reverendo. Um
episdio verdadeiramente lamentvel.
Por um momento nos passou pela cabea, ao Jeremy e a mim, a idia de
partir do hotel. Logo decidimos o contrrio porque tal coisa no seria correto para
com os Kendal. Apesar de tudo, eles no tm a culpa do ocorrido... Podia ter
acontecido em qualquer outro lugar.
Em meio vida ns encontramos a morte disse o padre.
muito importante, a senhora sabe disse a Srta. Prescott que eles
faam isto aqui ir para a frente. Investiram todo o dinheiro que possuam neste hotel.
Molly uma jovem muito doce manifestou miss Marple.
Ultimamente no parece encontrar-se muito bem.
muito nervosa. obvio, sua famlia... A senhorita Prescott balanou a
cabea.
Eu acredito, Joan, que h coisas que melhor... O reverendo pronunciou
as palavras anteriores com um suave tom de recriminao.
Isso sabe todo mundo respondeu sua irm Seus familiares vivem na
mesma cidade que ns. Um de seus tios, em certa ocasio, tirou todas suas roupas em
uma estao do Metro. No Green Park, acredito que foi onde aconteceu esse
incidente.
Joan: isso algo que nem sequer devesse mencionar.
terrvel comentou Miss Marple. Entretanto, parece-me que essa
forma de loucura no bastante comum. Eu sei que quando ns estvamos
trabalhando em socorro da Armnia, um pastor idoso, homem extraordinariamente
sbrio e respeitvel, foi afligido pelo mesmo transtorno. Telefonaram para a sua
esposa, que foi em seguida, levando-o para casa de txi envolto em um lenol.
102
Contava com um verdadeiro repertrio delas, verdade que sim? Claro, tinha
viajado tanto! Conhecia a frica, ndia, China, inclusive, eu acredito.
Sim, de fato confirmou Miss Marple. Mas eu no quis dizer uma
destas histrias. Esta outra era a respeito de... bem, de uma das pessoas que acabo de
mencionar.
OH! exclamou a senhorita Prescott, simplesmente. A voz dela saiu cheia
de significado.
Sim. Eu me pergunto agora... Miss Marple deixou seus olhos dirigiremse mansamente para o local onde Lucky estava deitada queimando as costas. Ela
est com um bronzeado lindo, no est? ela observou. Quanto a seus cabelos...
So verdadeiramente lindos. Tm o mesmo tom que os de Molly Kendal, no acha?
A nica diferena que h entre as duas cabeleiras que os de Molly so
naturais, mas a outra tem que recorrer qumica para obter uma cor semelhante se
apressou em dizer a senhorita Prescott.
Mas... Joan! protestou o reverendo, despertando quando menos o
esperavam as duas mulheres. Voc no acha que isto no uma coisa muito caridosa
para se dizer?
No falta de caridade retrucou azeda a sua irm. apenas um fato.
A mim os cabelos dessa senhora me parecem muito bonitos.
Naturalmente. Para isso que ela os tinta. Mas tenho que te dizer com toda
segurana, meu querido Jeremy, que essa mulher no poder nunca enganar a outra
nesse terreno. No assim, miss Marple?
Bem, eu creio que... disse Miss Marple bem, lgico que eu no
tenho a experincia que voc tem... mas, eu penso que... sim... eu diria que o tom no
definitivamente natural. A aparncia das razes no fim de cada cinco ou seis dias...
Miss Marple no acabou a frase. Fixou o olhar na senhorita Prescott e as duas
mulheres fizeram um gesto de afirmao. J se entendiam.
O Reverendo pareceu que pegara no sono outra vez.
O Major Palgrave me contou uma histria verdadeiramente extraordinria
murmurou Miss Marple, a respeito de... Bem. O certo que no cheguei a
entender em sua totalidade. Tem ocasies que fico um pouquinho surda. Parece que
ele estava querendo dizer... ou sugerindo...
Miss Marple fez uma estudada pausa.
J sei a que quer dizer. Circularam muitos boatos naquela poca...
Voc est pensando naquela poca em que...?
Falo de quando morreu a senhora Dyson. Sua morte surpreendeu a todo
mundo. Na verdade, todos a tinham por uma malade imaginaire... uma
hipocondraca. Ento, quando sofreu o ataque e morreu to inesperadamente... Bem.
O caso que as pessoas falaram muito...
No houve... nenhum... problema, na poca?
O mdico se mostrou espantado. Era muito jovem e no possua muita
experincia. Era um desses doutores que confiam em curar tudo mediante os
antibiticos. Suponho que saber a que tipo de mdicos me refiro: a esses que no se
incomodam em estudar a fundo ao paciente, que no estudam nunca a causa da
enfermidade. Esses mdicos se limitam sempre a receitar umas plulas e quando vem
104
pessoa me serviria umas bebidas! Isso seria algo assim como um jantar com os
Borgia.
Que interessante! exclamou Miss Marple. No mencionou em
nenhum momento de sua conversao certa... certa fotografia?
Eu no me lembro... Foi algum recorte de jornal?
Miss Marple, a ponto de falar, fechou a boca. Uma sombra se interps entre
seus olhos e o sol... Evelyn Hillingdon parou junto s duas mulheres.
Bom dia disse a recm chegada.
Eu estava imaginando onde voc teria ido declarou a senhorita Prescott,
levantando a vista.
Fui ao Jamestown, fazer algumas compras.
Ah, sim!
A senhorita Prescott olhou a seu redor, em um involuntrio movimento, e
Evelyn Hillingdon se apressou a dizer:
Edward no me acompanhou. Aos homens detestam ir nas lojas.
Achou alguma coisa interessante?
No estava procurando nada de particular. O que precisava podia encontrlo em qualquer farmcia.
Evelyn Hillingdon se despediu de Miss Marple e da senhorita Prescott com um
sorriso, continuando devagar seu caminho.
Os Hillingdon so gente muito agradvel manifestou a irm do
Reverendo. Ela, entretanto, no muito comunicativa... Tem um carter um pouco
intrincado. uma pessoa simptica, gentil e tudo o que voc queira, mas d a
impresso de que ningum consegue aproximar-se muito.
Miss Marple, pensativa, fez um gesto de assentimento.
Nunca ningum sabe o que pensa realmente declarou logo a senhorita
Prescott.
Possivelmente seja at melhor comentou Miss Marple.
Como?
OH! Nada realmente, apenas que eu tive a sensao de que talvez os
pensamentos dela sejam bastante embaraosos.
Acredito compreend-la perfeitamente murmurou a senhorita Prescott,
um tanto confusa, abordando seguidamente outro tema. Eu acho que eles possuem
uma casa encantadora no Hampshire. Tm um filho... ou so dois?... que acabaram de
entrar... ou foi um s?... para Winchester...
Conhece Hampshire bem?
Nem bem nem mau. Creio que a casa deles fique perto de Alton.
Eu sei Miss Marple guardou silncio um instante antes de perguntar
senhorita Prescott: E onde vivem os Dyson?
Na Califrnia. Quer dizer, ali tm sua casa. Os dois gostam muito viajar.
A gente sabe to poucas coisas sobre as pessoas que encontra nestas
viagens. No ? exclamou Miss Marple. Bom... Quero dizer que... Como
explicaria isto?... A gente s fica sabendo o que eles desejam nos contar. Por
exemplo: voc no sabe realmente se os Dysons moram mesmo na Califrnia ou no.
A senhorita Prescott pareceu surpresa.
107
108
CAPITULO DEZENOVE
AS UTILIDADES DE UM SAPATO
O Reverendo Prescott retornou da borda da praia bastante fatigado. (as
brincadeiras com as crianas sempre extenuantes.) Saram logo dali, comeava a
fazer muito calor, ele e sua irm voltaram para hotel.
A senhora De Caspearo fez um desdenhoso comentrio quando eles se
afastaram:
No entendo isso... Como algum pode achar que a praia est quente
demais? Isso uma tolice... E veja como ela est vestida... os braos e o pescoo
cobertos! Possivelmente seja melhor que proceda assim. A pele dela horrorosa,
parece uma galinha depenada!
Miss Marple suspirou profundamente. agora ou nunca... o momento para
uma conversa com a senhora De Caspearo. Desgraadamente, no sabia bem o que
dizer. Parecia no existir nenhum ponto em comum entre as duas.
Voc tem filhos, senhora? perguntou-lhe.
Tenho trs anjinhos respondeu a outra, beijando a ponta dos dedos.
Miss Marple ficou na mesma, sem saber se a senhora De Caspearo estava
querendo dizer que seus filhos estavam no cu ou se meramente estava-se referindo
doura do carter de seus filhos...
Um dos homens que a cercavam fez um comentrio em espanhol e a senhora
De Caspearo voltou a cabea para ele com um gesto de desprezo, tornando a rir alto e
melodiosamente.
Entendeu o que ele disse? perguntou logo a Miss Marple.
Pois, para falar a verdade, no. Nenhuma palavra respondeu Miss
Marple.
Foi muito melhor. Ele um homem maldoso.
A estas palavras seguiu um breve dilogo espirituoso em espanhol, entre eles.
uma infmia... uma infmia... manifestou a senhora De Caspearo,
voltando para ingls com uma repentina seriedade isto de que a polcia no nos
deixa sair desta ilha. Eu fiz um escndalo, gritei, bati o p... mas tudo que eles dizem
no.... No, no e no. A senhora quer que lhe diga como vai a terminar isto? Ns
todos vamos ser assassinados... Sim. Aqui no ficar nem um para cont-lo.
Seu guarda tentou tranqiliz-la.
Mas, sim... eu lhe digo que o lugar aqui azarado. Eu sabia desde o incio...
Aquele Major velho, aquele homem feio... Ele tinha um olho mau... a senhora se
lembra? Os olhos dele eram vesgos... Isto muito ruim! Eu fazia uma figa todas as
vezes que ele olhava para mim fez uma guisa de ilustrao. Apesar de que,
como ele tinha os olhos tortos eu no sabia se ele estava mesmo olhando na minha
direo...
Ele tinha um olho de cristal disse Miss Marple, interessada em dar uma
explicao. Perdeu o seu como conseqncia de um acidente, sendo o pobre
Palgrave muito jovem ainda, conforme me informaram. No era culpa dele.
109
Eu lhe digo que o Major trouxe aqui a desgraa... Sim. Levava consigo esse
poder pernicioso do mau-olhado!
A senhora De Caspearo fez outra vez o conhecido gesto da figa...
Bem acrescentou a supersticiosa mulher animadamente. Ele j
morreu. E eu no preciso mais olhar para ele. No gosto de olhar para coisas feias.
Miss Marple pensou que era um epitfio bastante cruel para o Major Palgrave.
Um pouco mais longe, beira do mar, Gregory Dyson acabava de sair da
gua. Lucky virara de posio na areia. Evelyn Hillingdon estava olhando para ela e a
expresso de seu rosto, por uma razo desconhecida, provocou em Miss Marple um
estremecimento.
Certamente no pode ser de frio, pensou ela. com todo este sol
quente... Como era mesmo a velha frase: Um ganso andando por cima de seu
tmulo...
Levantou-se e caminhou com lentos passos de volta para seu bangal.
Viu o Sr. Rafiel e a Esther Walters que iam para a praia. O velho piscou um
olho para ela. Miss Marple no correspondeu a seu gesto. Ela parecia ter um ar de
censura.
Miss Marple entrou em seu bangal e deitou-se na cama. Sentia-se velha,
cansada e atormentada por uma grande preocupao.
Estava absolutamente segura de que no havia tempo a perder... no havia...
tempo a perder... O sol no demoraria para se esconder... O sol... para se olhar o sol
preciso sempre se usar culos esfumaados... Onde foi parar aquele pedao de vidro
esfumaado que algum lhe deu de presente?
No, afinal ela j no teria necessidade dele. No. Absolutamente. Porque uma
sombra tinha atenuado os raios do sol, eliminando-o. Uma sombra... a da Evelyn
Hillingdon... No. No era a da Evelyn... A Sombra... (quais eram mesmo as
palavras?) As Sombras do Vale da Morte. Era isto mesmo. Ela precisava... o que
era mesmo? Fazer uma figa... para se defender do mau-olhado. O Olho Mau do Major
Palgrave exercia sobre todas as pessoas que estavam ou tinham estado anteriormente
a seu redor. Entreabriu as plpebras... Tinha cochilado. Mas havia notado uma
sombra... a de algum espionando em sua janela.
A sombra se afastou... E ento Miss Marple pde distingui-la perfeitamente. E
descobriu que era Jackson.
Que impertinncia, me espiar com esse descaramento! pensou ela e
continuou como em um entre parnteses mental: Exatamente igual a Jonas
Parry.
Esta comparao no implicava nenhum elogio para o Jackson.
Mas depois ela ficou pensando E por que Jackson estava espionando o seu
quarto? Para ver se ela estava l? Ou para ver se ela estava l, porm adormecida?
Levantou-se, entrando no banheiro e espiou cautelosamente pela janela.
Arthur Jackson estava de p junto porta do bangal vizinho, o do Sr. Rafiel.
Miss Marple viu quando ele deu uma olhada rpida em torno e introduziu-se com
rapidez. Muito interessante, pensou ela Por qu ele teria que adotar uma
atitude to furtiva? Nada no mundo podia parecer mais natural que sua entrada no
bangal do ancio milionrio, onde Jackson tinha um quarto nos fundos. Estava
110
sempre entrando e saindo deste por um motivo ou outro! Por que ento aquele olhar
furtivo e culpado em torno?
Isto s tem uma resposta, disse Miss Marple respondendo a sua prpria
pergunta. Ele queria ter certerza de que ningum o estava vendo nesse momento
especial, porque iria fazer algo tambm de ordem completamente particular no
interior do bangal.
Certamente, todo mundo, naquela hora, estavam na praia, excetuando aqueles
que tinham sado para os passeios. Jackson no demoraria mais de vinte minutos em
voltar para a praia, com objeto de ajudar ao Sr. Rafiel a dar seu mergulho no mar. Se
queria fazer algo ali dentro sem que ningum lhe observasse, havia escolhido um
bom momento. J se tinha certificado de que Miss Marple estava dormindo em seu
leito tranqilamente, comprovando a seguir que pelos arredores no havia ningum
por perto para v-lo. De acordo... Miss Marple, depois de repassar mentalmente os
fatos, chegou concluso de que ela devia imitar at certo ponto a atitude do Jackson.
Sentando-se na cama, Miss Marple tirou suas sandlias brancas, calando uns
sapatos de lona com sola de borracha. Logo moveu a cabea, vacilando, voltou a ficar
descala e remexeu em uma de suas malas, e tirou da mesma um par de sapatos de
salto alto, com um dos quais torpeara h pouco tempo na soleira da porta. O sapato
estava agora num estado um tanto precrio e ela com a ajuda de uma navalha quase
acabou de solt-lo. Depois saiu do bangal com a devida precauo pela porta,
apenas de meias. Com toda a cautela de um grande caador que se aproxima, contra
o vento, de uma manada de antlopes, ela deslizava o mais cautelosamente que pde,
ao redor do bangal do Sr. Rafiel. Cuidadosamente ela se ps a andar em volta da
casa. Ps num p um dos sapatos que tinha pego, dando um ltimo puxo ao salto
desprendido, ajoelhou-se devagarinho junto a uma das janelas do bangal. Se Jackson
ouvisse algum rudo, e se aproximasse da janela para olhar para fora s poderia ver
uma dama idosa teria levado um tombo devido ao salto que tinha quebrado. Mas,
evidentemente, Jackson no tinha ouvido nada.
Muito, muito, muito lentamente, Miss Marple foi levantando a cabea. As
janelas do bangal ficavam muito baixas. Ocultando-se ligeiramente por detrs do
parapeito de cimento ela olhou para dentro...
Jackson se tinha ajoelhado em frente de uma mala. A tampa desta se achava
levantada. Miss Marple pde ver que era uma valise especial, cheia de
compartimentos ocupados por vrios tipos de papis. Jackson estava olhando entre os
papis, ocasionalmente retirando documentos de dentro de envelopes compridos.
Miss Marple no permaneceu muito tempo no seu posto de observao. Tudo que ela
queria saber era o que fazia Jackson dentro do bangal. Agora j sabia. Jackson
estava bisbilhotando. Se estava procurando algo especial ou se estava apenas
satisfazendo seus instintos naturais, ela no tinha meios de julgar. Mas agora ficava
confirmada sua crena de que Arthur Jackson e Jonas Parry possuam fortes
afinidades em outras coisas alm da semelhana fsica.
O problema dela agora era a retirada. Lentamente, agachou-se de novo,
arrastando-se pela grama, at situar-se a uma distncia prudente da janela. Ento
encaminhandou-se a seu bangal. Guardou os sapatos com o salto desprendido de um
deles. Antes olhou para eles com afeto. Um bom estratagema que ela poderia usar
111
qualquer outro dia se fosse necessrio. Calou novamente as sandlias, e foi para a
praia, muito pensativa.
Aproveitando uns instantes em que Esther Walters se encontrava na gua, Miss
Marple se acomodou na cadeira que ela desocupara.
Gregory e Lucky riam e conversavam com a senhora De Caspearo, e faziam
um bocado de barulho.
Miss Marple falou em voz baixa, quase num sussurro, sem olhar o Sr. Rafiel,
junto ao qual to oportunamente se instalou.
Voc sabia que Jackson costuma bisbilhotar os seus papis?
No me surpreende disse o Sr. Rafiel. Pegou-o em flagrante?
Fiz o possvel para lhe observar de uma das janelas do bangal. Tinha
aberto uma de suas malas, estava lendo alguns de seus documentos.
Deve ter conseguido arranjar uma chave para ela. Camarada cheio de
truques... Mas deve ter ficado desapontado. Nada do que ele conseguiu saber desta
maneira vai trazer-lhe benefcio algum.
Ele j est voltando... indicou Miss Marple, olhando na direo do hotel.
Chegou a hora desse estpido mergulho cotidiano.
O Sr. Rafiel adicionou em um suave murmrio:
Tenho que lhe dar um conselho... No queira ser muito audaciosa. No
quero que o prximo funeral seja o seu. Lembre-se dos anos que tem e seja
cuidadosa. H algum por aqui que no muito escrupuloso, lembre-se, viu?
112
CAPITULO VINTE
ALARME NOTURNO
Chegou a noite... As luzes da terrao do hotel se acenderam... As pessoas
enquanto jantavam, riam e conversavam, embora com menos barulho e alegria que
um ou dois dias atrs... A orquesta tocava.
O baile, no obstante, terminou cedo. As pessoas no paravam de bocejar...
foram para a cama. As luzes se apagaram... Reinava uma grande escurido na terrao,
uma calma absoluta. O Hotel da Palmeira Dourada estava adormecido...
Evelyn, Evelyn! O som veio agudo e denotava uma grande urgncia...
Evelyn Hillingdon mexeu-se e virou-se em seu travesseiro.
Evelyn... Desperte, por favor.
Evelyn Hillingdon sentou-se bruscamente na cama. Tim Kendal parado na
porta. Ela olhou para ele surpresa.
Por favor, Evelyn, voc poderia me acompanhar? ... Molly... Est doente.
No sei o que h com ela. Acredito que tenha tomado alguma coisa.
Evelyn foi rapidamente, decidida.
Muito bem, Tim. Irei com voc... Agora volte para seu lado, no se separe
um instante dela. Eu no demorarei mais de uns segundos.
Tim Kendal desapareceu. Evelyn saiu da cama, vestiu um robe e olhou para a
outra cama. Seu marido, ao que parecia, no havia despertado. Ele estava deitado, a
cabea virada para o outro lado, respirando calmamente. Evelyn hesitou um
momento... Logo pensou que o melhor era no lhe dizer nada. Abandonou a
habitao, dirigindo-se rapidamente para o edifcio principal e mais frente, ao
bangal dos Kendal. Encontrou com Tim na entrada.
Molly estava deitada na cama. Tinha os olhos fechados e sua respirao no
era normal. Evelyn se inclinou sobre ela, levantou uma de suas plpebras, tomou-lhe
o pulso e olhou para a mesa de cabeceira. Havia um copo em que se bebera gua. A
seu lado estava um frasco de plulas vazio. Ela o pegou.
um sonfero explicou Tim. Ontem ou anteontem o frasco estava quase
cheio de plulas. pensei que... acho que Molly tomou o resto todo.
V buscar o doutor Graham. Pelo caminho desperte ao cozinheiro e diga-lhe
que prepare um caf muito forte, quanto mais forte melhor. Vamos, corra, Tim! No
pode perder um minuto!
Kendal obedeceu e saiu correndo. Do lado de fora da porta ele esbarrou em
Edward Hillingdon.
Sinto muito, Edward.
O que est acontecendo aqui? inquiriu Hillingdon. O que foi que
houve?
Foi Molly... Evelyn se encontra com ela. Tenho que ir procurar ao doutor.
Suponho que devia ter ido busc-lo em primeiro lugar, mas eu... eu no tinha certeza
e pensei que Evelyn poderia me tirar do apuro. Alm disso, Molly teria ficado muito
zangada se eu fosse chamar o mdico para uma coisa sem importncia.
113
Tim saiu correndo. Edward Hillingdon ficou olhando para ele um instante e
depois entrou no quarto.
O que foi que aconteceu? perguntou Edward, preocupado. grave
isto?
Ah, voc, Edward! Eu imaginei se voc tinha acordado. Esta menina
estpida ingeriu grande parte do contedo de um frasco de plulas contra a insnia.
muito srio?
Depende da quantidade que ela tomou. Acho que no ser grave se ns
agirmos em tempo. J mandei fazer caf. Se conseguirmos que ela beba ao menos um
pouco...
Mas, por que razo ela fez isso? Voc no est pensando que...? Edward
guardou silncio.
No pensarei, o que? perguntou Evelyn.
Voc no acha que por causa do inqurito... da polcia... disto tudo?
Sempre existe essa possibilidade, obvio. Uma pessoa nervosa pode sentirse pressionada ante os acontecimentos que estamos vivendo.
Molly nunca me pareceu uma pessoa nervosa.
No se pode saber realmente afirmou Evelyn. Geralmente so as
pessoas que menos se espera que perdem a calma.
Sim, eu me lembro, precisamente, de que... Edward voltou a calar.
A verdade sustentou Evelyn, que ningum sabe mesmo de nada a
respeito de ningum. Acrescentou a seguir: Nem mesmo das pessoas que esto
mais perto da gente...
No meu entender, Evelyn, isto nos leva muito longe... No estaremos
exagerando?
No acredito. Quando se pensa em algum, pensa-se de acordo com a
imagem que se fez deste algum.
Eu conheo voc muito bem disse Edward Hillingdon calmamente.
Isso o que voc imagina.
No. Eu tenho certeza disse ele e acrescentou: E voc tambm tem
certeza que me conhece.
Evelyn olhou o rosto de seu marido uns segundos. Depois se voltou para a
cama. Pegou a Molly pelos ombros e sacudiu-a levemente.
Ns precisamos fazer alguma coisa, mas eu acho que melhor esperar o Dr.
Graham chegar... Oh, eu acho que j os escuto.
II
Ela vai reagir agora o doutor Graham deu um passo atrs, secou a testa
com um leno e suspirou aliviado.
O senhor acha que ela j est bem, doutor? perguntou Tim ansiosamente.
Sim, sim. Ns chegamos a tempo. De todos os modos, o mais provvel
que no ingerisse uma quantidade excessiva de plulas. Dois dias de repouso e se
encontrar completamente recuperada. Naturalmente, vai passar mal durante um ou
114
Medo de qu? Da Polcia? Por que razo? Porque eles andaram acuando-a,
fazendo perguntas e mais pergunta? Eu no sei por qu... Qualquer pessoa teria
ficado assustada. Mas o jeito deles, no quer dizer nada. Ningum pensou nem por
um instante que... Kendal se interrompeu bruscamente.
O doutor Graham fez um gesto significativo.
Quero dormir disse Molly.
o melhor para voc manifestou o doutor.
Dirigiu-se para a porta e outros lhe seguiram.
Ela vai dormir profundamente durante vrias horas.
H alguma coisa que eu possa fazer, doutor Graham? perguntou Tim.
Mantinha o jeito natural, ligeiramente apreensivo de um homem que se sente
culpado.
Eu ficarei aqui se voc quiser replicou Evelyn amavelmente.
OH, no! J est tudo bem... disse Tim.
Evelyn se aproximou do leito.
Deseja que fique um momento a lhe fazer companhia, Molly?
Molly abriu os olhos de novo.
No reps e depois de uma breve pausa adicionou: Tim... S Tim...
Este voltou-se e sentou-se junto cama.
Eu estou aqui, Molly disse seu marido tomando uma de suas mos.
Vamos, durma. No a deixarei sozinha.
Molly suspirou fracamente e fechou os olhos.
O mdico estava parado do lado de fora do bangal e os Hillingdons o tinham
seguido at a entrada.
O senhor tem certeza de que no h nada que eu possa fazer? perguntou
Evelyn ao mdico.
No, no, obrigado, senhora. A companhia de seu marido lhe far bem. De
momento, isso o melhor. Amanh, possivelmente... apesar de tudo, ele tem que
dirigir o hotel... Acho que algum devia ficar ao lado dela, no devemos deix-la
sozinha.
O senhor acha que ela pode... tentar outra vez? perguntou Hillingdon.
Graham se esfregou a testa, irritado.
Nunca se sabe nestes casos. Geralmente no acontece. Como vocs viram o
tratamento de recuperao extremamente desagradvel. Mas claro que ningum
pode ter certeza. Ela pode ter mais destas drogas escondidas nalgum lugar.
Eu nunca pensaria em suicdio em relao a uma pessoa como Molly
declarou Hillingdon.
Graham respondeu secamente:
No so as pessoas que falam constantemente de acabar com sua vida, que
chegam ao suicdio. Quem procede assim acham normalmente nisso uma vlvula de
escape e no passam da.
Molly sempre me pareceu uma jovem muito feliz. Possivelmente seria
prefervel... Evelyn vacilou. Eu preciso contar-lhe uma coisa, doutor.
116
III
Eu preciso falar seriamente com voc sobre sua mulher, Kendal.
Estavam sentados no escritrio de Tim. Evelyn Hillingdon revezara-o
cabeceira de Molly e Lucky prometera ficar depois, para distra-la, explicou. A
Miss Marple, do mesmo modo, ofereceu sua colaborao. O pobre Tim estava
dividido entre as incumbncias do hotel e as condies de sade da esposa.
No posso compreend-lo disse Tim. No entendo a Molly. Ela est
mudada. Mudada completamente. No, no a mesma de antes.
Eu ouvi dizer que ela tem tido pesadelos... certo isto?
Sim. Ela tem se queixado constantemente de seus sonhos.
H quanto tempo?
OH! No sei... No sei com exatido. Suponho que um ms...
Possivelmente seis ou sete semanas... Nem ela nem eu demos nunca importncia a
esses pesadelos. Achvamos que fosse uma coisa passageira.
Sim, sim, eu compreendo. Mas o pior que Molly parece temer a algum.
Ela fez alguma queixa nesse sentido a voc?
Pois... sim. Disse-me em uma ou duas ocasies que... OH!... que algum a
seguia.
Ah! Que estava sendo espionada?
Sim. Tal foi a palavra que empregou. Disse que eram seus inimigos e que
eles a haviam seguido at aqui.
Tinha inimigos sua esposa, senhor Kendal?
No. obvio que no.
No houve nenhum incidente especial em Inglaterra? Nada que o senhor
chegasse a saber, antes de seu casamento?
OH, no! Nada de mais. Molly no se dava muito bem com seus familiares,
isso tudo. Sua me era uma mulher excntrica, difcil de se viver junto talvez, mas...
H sinais de instabilidade mental na famlia dela?
Tim abriu a boca impulsivamente, tornando a fechar sem dizer nada.
Mecanicamente, brincou com uma caneta que estava sobre a mesa.
O doutor Graham apontou:
Eu preciso salientar o fato de que melhor voc me contar o que sabe, Tim,
se este o caso.
De acordo, doutor Graham. Existe sim, eu acho que existe. No nada
sriomas acho que h uma tia de minha mulher esteve um pouco transtornada da
117
cabea. Nada grave, isso sim. Quero dizer que estranha a famlia dentro da qual no
encontra-se um caso semelhante.
Voc tem razo. Eu no estou tentando alarm-lo com isto, mas pode nos
mostrar uma tendncia para... bem, para uma crise de nervos ou para imaginar coisas
quando se est sob presso.
Eu no sei de muita coisa sobre ela declarou Tim. Afinal de contas as
pessoas nem sempre vivem contando histrias da famlia para a gente, no ?
No, no. certo. Ela no teve algum amigo anterior... no esteve noiva de
ningum, de algum que pudesse fazer-lhe ameaas ou aborrec-la com cimes?
Qualquer coisa deste tipo?
Eu no sei. Mas creio que no... Molly foi noiva de um outro rapaz antes
que eu a conhecesse. Seus pais eram contra, eu ouvi dizer, e penso que ela namorou o
sujeito mais para contrariar a famlia que por qualquer outra coisa. Kendal sorriu.
O senhor sabe como so essas moas. Se algum as contraria elas ficam muito
mais entusiasmadas do que na realidade...
O doutor Graham esboou tambm um sorriso.
verdade comentou. Os pais devem atuar com muito tato ao fazer
uso de seus direitosNunca se deve fazer exceo aos amigos indesejveis de uma
criana. Normalmente, elas se afastam naturalmente. Esse homem de que me falou,
no ameaou alguma vez a Molly?
Estou seguro de que no fez nada disso. Molly teria me dito. Ela prpria me
falou que fora um capricho tolo de adolescente, principalmente porque ele tinha uma
to m reputao.
Sim, sim, claro. Bem, isto no me parece ser srio. H ainda outra coisa.
Aparentemente sua esposa tem tido certos perodos em que ela no se lembra de
nada. Perodos curtos de tempo, durante os quais ela no sabe dar conta de suas
aes. Voc sabia disso, Kendal?
No, disse Tim lentamente. No, eu no sabia. Molly no mencionou
isso para mim. Mas eu reparei, agora que o senhor me falou nisso, que ela me parecia
meio estranha de vez em quando e que... Tim guardou silncio uns segundos.
Refletia. Seguidamente acrescentou: Sim. Isso esclarece algumas coisas estranhas.
Eu no podia entender por que ela parecia esquecer-se dascoisas mais corriqueiras, ou
s vezes sem saber que horas eram. Eu pensei apenas que ela fosse distrada, eu acho.
Resumindo, Tim: eu lhe aconselho que voc leve a sua esposa a um bom
especialista.
Tim encontrou estranho o conselho do doutor e pareceu irritar-se. Seu rosto
avermelhou...
O senhor quer dizer um especialista em doenas mentais, eu suponho?
Vamos, vamos, Kendal. No precisa ficar contrariado por rtulos. Veja um
neurologista ou um psiclogo, a algum, enfim, especializado no que os leigos
denominam de crises nervosas. No Kingston trabalha um profissional de grande
renome. Ou em Nova Iorque claro. H algo que est causando esses terrores
mrbidos que atormentam a sua esposa. Algo que talvez que nem ela prpria saiba a
razo. Aconselhe-se sobre ela, Tim. Ah! Procure ajuda o mais cedo possvel.
O doutor Graham deu uma palmada no ombro de Tim e levantou-se.
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119
CAPITULO VINTE E UM
JACKSON OS E COSMTICOS
A senhora tem certeza mesmo de que no nenhum incmodo, Miss
Marple? perguntou Evelyn Hillingdon.
No, no, seriamente, querida respondeu Miss Marple. Eu adoro ser
til a outros de uma forma ou outra. Na minha idade, voc sabe, tem-se s vezes a
impresso de que no serve para nada. Tal impresso mais forte em lugares como
este, apenas para se divertir. Nenhum dever de espcie alguma ... No, eu adorarei
fazer companhia ao Molly. Voc no se preocupe: pode sair para o seu passeio.
Vocs vp Ponta do Pelicano, no ?
Sim. disse Evelyn. Eu e Edward adoramos esse lugar. No nos
cansamos de observar s aves mergulhando para apanhar peixe. Tim est com o
Molly agora. Mas ele tem obrigaes urgentes, coisas que reclamam sua imediata
ateno... Por outro lado, no quer que sua mulher fique sozinha.
Ele est certo manifestou Miss Marple. Eu no gostaria tambm, no
lugar dele. A gente nunca sabe, no ? Quando j se tentou uma coisa daquelas...
Bem, pode ir, minha filha.
Evelyn, efetivamente, partiu para reunir-se com o pequeno grupo que a estava
esperando. Faziam parte do grupo: os Dysons, seu marido e trs ou quatro pessoas
mais. Miss Marple apanhou o seu equipamento de tric, viu se tinha tudo que ia
precisar e encaminhou-se para o bangal dos Kendals.
Quando se encontrava junto ao mesmo ouviu a voz do Tim. Uma das janelas da
pequena construo estava entreaberta...
Se ao menos voc dissesse por que foi que fez isto, Molly! O que o que te
impulsionou a dar esse passo? Ofendi-a em algo? Tem que existir alguma causa que
explique sua deciso. Se ao menos voc me contasse, Molly!
Miss Marple se deteve. Houve uma breve pausa antes de que Molly falasse.
Pronunciava as palavras com um tom que revelava seu cansao.
No posso lhe explicar nada, Tim. O que quer que lhe diga? Suponho que...
que foi uma idia que me ocorreu de repente.
Miss Marple bateu levemente na janela e entrou.
Oh, a senhora est aqui, Miss Marple! No sabe quanto agradeo sua
ateno.
No tem que me agradecer nada. disse Miss Marple. Eu estou
encantada em poder servir para alguma coisa. Posso me sentar aqui nesta cadeira?
Voc est com aspecto muito melhor, Molly, o que me deixa mais sossegada.
Sim. Estou bem, muito bem reps Molly. Apenas... um pouco
sonolenta.
Eu vou ficar calada disse Miss Marple. Molly, fique quietinha e
durma. Eu me entreterei fazendo meu tric.
Tim Kendal saiu da habitao no sem antes dirigir a Miss Marple um olhar
que mostrava seu agradecimento.
120
Molly estava deitada do lado esquerdo. Estava com olhar cansado, um pouco
entorpecido. Com uma voz que era quase um sussurro disse:
voc muito amvel, miss Marple. Acredito... acredito que vou dormir um
pouco.
Ela se virou nos travesseiros e fechou os olhos.
Sua respirao era mais regular agora, embora ainda estava longe de ser
normal. Uma longa experincia como enfermeira levou a Miss Marple, quase
automaticamente endireitar o lenol e enfi-lo por baixo do colcho do lado de c da
cama. Ao fazer isto ela encontrou algo duro e retangular embaixo do colcho.
Surpreendida, pegou a coisa e puxou-a para fora. Era um livro... Os olhos de Miss
Marple se fixaram em um rpido olhar no rosto da jovem. No se movia.
Evidentemente tinha adormecido. Miss Marple abriu o livro. Era, ela viu, um livro
comum sobre doenas nervosas. Abriu-se naturalmente num certo lugar em que dava
a descrio sobre os incios das manias de perseguio e de vrias outras
manifestaes esquizofrnicas e sintomas afins.
No era aquela uma obra de carter tcnico mas sim de divulgao, que,
portanto, podia ser em seus detalhes compreendida pelo pblico leigo. A grave
expresso que se desenhou no rosto de miss Marple se acentuou medida que lia...
Uns minutos depois fechou o livro, ficando pensativa. Depois, debruou-se sobre a
cama e cuidadosamente recolocou-o onde o encontrara, por baixo do colcho.
Moveu a cabea, perplexa. Procurando no fazer o menor rudo, abandonou
sua cadeira. Deu alguns passos na direo da janela mais prxima e ento,
repentinamente, voltou a cabea. Por uma frao de segundo viu os olhos do Molly
abertos... Miss Marple ficou imaginando se ela imaginara ou se realmente vira aquele
olhar furtivo... Estava Molly fingindo que dormia? Aquilo podia ser, entretanto, algo
natural. Ela podia ter pensado que Miss Marple ia ficar tagarelando se mostrasse que
estava acordada. Sim. Isso era o que tinha ocorrido.
Teria ela sentido naquele olhar breve de Molly uma espcie de dissimulao
que era extremamente desagradvel, alm de intrigante. Nunca sabemos nada de
nada, pensou Miss Marple.
Decidiu que assim que lhe apresentasse a ocasio conversaria com o doutor
Graham. Voltou a sua cadeira, junto ao leito. Percebeu depois de uns cinco minutos
que Molly dormia realmente. Ningum poderia ficar imvel assim por tanto tempo,
nem respirar to tranqilamente. Miss Marple voltou a ficar em p. Estava usando os
seus sapatos de lona com sola de borracha. No eram talvez muito elegante, mas
combinavam perfeitamente ao clima do lugar e eram confortveis e agradveis para
seus ps.
Percorreu silenciosamente todo o quarto, fazendo uma pequena pausa em
frente a cada uma das janelas, que davam para duas direes diferentes.
Reinava ali a mais absoluta tranqilidade. No se via ningum pelas
imediaes. Miss Marple voltou e estava de p, sem ter muita certeza se ia tornar a
sentar-se, quando imaginou ouvir um leve rudo do lado de fora. Como se fosse um
rumor de sapato sobre o terrao? Ela hesitou um instante e foi at a porta, empurrou-a
ligeiramente, ps um p para fora e voltou a cabea para dentro do quarto ao falar:
Eu vou sair s um instantinho, querida disse ela. Vou s at o meu bangal,
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para ver onde deixei o molde. Estava certa de que tinha trazido comigosegura de me
haver isso gasto. Voc ficar bem at eu voltar? Voltou ento a cabea outra vez e
pensou consigo mesma: Est dormindo, coitadinha. o melhor que podia lhe
acontecer.
Saiu de mansinho pelo terrao, desceu os degraus e virou bruscamente pelo
caminho ao lado. Se algum estivesse escondido por detrs de umas moitas de
hibiscos teria ficado curioso em ver Miss Marple mudar rapidamente de direo
atravs do canteiro de flores, dar a volta por trs do bangal e entrar novamente pela
porta dos fundos. Esta porta dava diretamente para um pequeno quarto que Tim
utilizava em ocasies como escritrio auxiliar, e de l para uma sala de estar.
Ali havia umas grandes cortinas, meio corridas para que mantivesse a pea
fresca. Miss Marple se escondeu atrs delas. Esperou pacientemente... Da janela desta
parte da casa poderia divisar facilmente a qualquer pessoa que se dirigisse ao quarto
de Molly. Passaram-se alguns minutos, quatro ou cinco, antes de que visse algo...
Jackson, em seu uniforme branco, subia pela escada do terrao. Ele parou um
minuto no alpendre e depois pareceu dar uma tmida batida na porta que estava
entreaberta. Miss Marple no ouviu nenhuma resposta. Jackson olhou a seu ao redor,
furtivamente, decidindo-se por fim a entrar na casa. Miss Marple chegou-se para
perto da porta que dava para os banheiros adjacentes. Suas sobrancelhas se
levantaram com ligeira surpresa. Ela se ps a refletir um ou dois minutos, passou pelo
corredor e entrou no banheiro pela outra porta.
Jackson virou-se da prateleira que estava examinando porcima da pia. Ele tinha
um ar espantado, o que no era surpresa para ningum...
OH!... exclamou. No... eu no queria...
Senhor Jackson... disse Miss Marple, muito surpresa.
Acreditei poder encontr-la por aqui nesta casa...
Voc desejava algo? perguntou, intrigada, Miss Marple.
Para falar com franqueza respondeu Jackson, eu estava examinando o
creme facial que usa a senhora Kendal.
Miss Marple considerou o fato de que Jackson estava com um pote de creme
nas nas mos, e que fora astuto em mencionar imediatamente este fato.
muito perfumado disse ele, franzindo o nariz. Todos os cosmticos
desta casa so de boa qualidade e magnificamente preparados. As marcas mais
baratas no fazem bem a todas as peles. s vezes produzem erupes de pele. O
mesmo que acontece com certos tipos de ps faciais...
O senhor parece entender muito do assunto, voc? manifestou Miss
Marple, com certa ironia.
Trabalhei por algum tempo no ramo de drogas declarou Jackson. L
aprende-se muitas coisas em relao aos cosmticos. So muitos os fabricantes que
no fazem outra coisa que lanar no mercado potes de fantasia, cujo contedo deixa
muito que desejar... Atradas pela luxuosa embalagens as mulheres os adquirem e os
comerciantes so os nicos beneficiados.
Foi isto que o senhor veio...? inquiriu Miss Marple, sem terminar
deliberadamente sua frase, convencida de que Jackson a entenderia s ouvindo
aquelas palavras.
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Esse foi meu propsito no princpio explicou Lucky. Mas tive uma
uma terrvel dor de cabea que no ltimo momento desisti. Depois pensei que
possivelmente pudesse ser de alguma utilidade doente.
Foi muito gentil de sua parte sublinhou Miss Marple. Voltou, logo, a
ocupar sua cadeira junto cama do Molly, e comeou a tricotar, adicionando:
No se preocupe comigo. Estou muito bem aqui.
Lucky pareceu vacilar um momento... Logo deu a volta, saindo do quarto. Miss
Marple aguardou uns instantes, depois foi nas pontas dos ps ao banheiro. Mas
Jackson j tinha ido embora, sem dvida pela outra porta. Miss Marple apanhou o
pote de creme facial que ele tivera nas mos e colocou-o dentro do bolso de seu
vestido.
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Miss Marple olhou a seu redor. A suave brisa noturna alagou seus pulmes,
refrescando-os. Percebeu o perfume misturado das flores. Contemplou as mesas com
suas pequenas luzes. Estudou as figuras das mulheres, cobertas com seus lindos
vestidos de noite o da Evelyn, muito ajustado a seu corpo, era estampado azulmarinho e branco. Lucky com um vestido liso e branco; seus dourados cabelos
brilhavam. Todo mundo parecia contente e cheio de vida. At o Tim Kendal sorria
quando se aproximou de sua mesa para lhe dizer:
No sei como lhe agradecer quanto tem feito por ns. Molly volta a ser
virtualmente a de antes. O doutor disse que ela j pode levantar-se amanh.
Miss Marple sorriu para ele e disse que a alegravam muito aquelas notcias.
Mas sentiu um grande esforo em sorrir. Decididamente, estava muito fatigada...
Levantou-se, encaminhando-se lentamente a seu bangal. Gostaria de ter
continuado a pensar, a tentar decifrar, a tentar lembrar-se, reunir todos os vrios fatos
e palavras e vislumbres. Mas no se sentia capaz de faz-lo. Sua mente cansada
rebelara-se. Ela lhe dizia: V dormir! Voc precisa dormir!
Miss Marple despiu-se, deitou-se na cama, leu alguns versos de Thomas
Kempis, que sempre guardava junto cabeceira e depois apagou a luz. Na escurido
fez uma orao. Ningum pode fazer nada sozinho. As pessoas precisam de ajuda.
Nada ir acontecer hoje noite murmurou ela cheia de esperana.
II
Miss Marple despertou de repente, sentando-se imediatamente na cama. Os
batimentos de seu corao tinham sofrido uma brusca acelerao. Acendeu a luz e
consultou o pequeno relgio que tinha junto cama. As duas da madrugada. Eram
duas horas da manh e do lado de fora se notava certa atividade. Miss Marple
abandonou a cama vestiu um robe e calou os chinelos, enrolou um cachecol de l na
cabea e saiu do quarto para um reconhecimento do terreno... Distinguiu a vrias
pessoas que se moviam pelos arredores, providas de lanternas. Entre elas descobriu
ao Reverendo Prescott, ao qual se aproximou para lhe perguntar:
O que est acontecendo?
OH! voc, Miss Marple? Procuramos senhora Kendal. Seu marido
despertou, ento viu que ela tinha sado da cama e desaparecendo... Estamos
procura dela.
O Reverendo Prescott saiu apressado. Miss Marple acompanhou-o andando
mais devagar atrs dele. Onde teria ido Molly? Por qu? Ser que ela planejara isto
deliberadamente, planejara escapulir assim que a guarda afrouxasse e enquanto o
marido estava profundamente adormecido? Jane Marple pensou que podia ser isto.
Mas por qu? Qual seria a razo? Ser que havia mesmo, como sugerira to
deliberadamente Esther Walters, um outro homem? E se fosse assim, quem seria este
homem? Ou haveria alguma razo ainda mais sinistra?
Miss Marple continuou andando, esquadrinhando entre os arbustos que
achavam ao passo. Inesperadamente, ouviu uma dbil chamada:
Aqui... por aqui...
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voc acredita que poderamos tentar os dois? Voc est perto dos cem anos e eu sou
uma runa estropiada!
Pensava no Jackson explicou Miss Marple . Jackson far o que voc
mandar, no?
claro que far. disse o Sr. Rafiel, especialmente se eu sugirir que
no vai perder seu tempo. isso o que voc deseja?
Sim. Diga-lhe que me acompanhe e diga-lhe que ter que me obedecer
cegamente.
O Sr. Rafiel refletiu uns instantes. Logo, respondeu:
Concedido. Parece-me que me exponho a correr certos riscos. Bem. No
ser a primeira vez... o Sr. Rafiel levantou a voz: Jackson! ao mesmo tempo
apertou a campainha que tinha junto a suas mos.
Em poucos segundos Jackson abriu a porta de comunicao do quarto ao lado.
O senhor tocou a campainha? H algo errado?
O jovem parou ao ver Miss Marple, com um gesto inquisitivo.
Agora oua, Jackson, voc vai fazer o que eu mandar. Ter que acompanhar
a Miss Marple, esta dama aqui presente. V aonde lhe mandar e far exatamente o
que ela disser. Ter que obedec-la em tudo, compreendido?
Eu...
Compreendeu ?
Sim, senhor.
E fazendo isto disse o Sr. Rafiel voc no sair perdendo. Saberei
recompens-lo.
Obrigado, senhor.
Venha, senhor Jackson disse Miss Marple. Esta se voltou para o Sr.
Rafiel. Avisaremos senhora Walters pelo caminho que venha aqui. Ela tirar o
senhor da cama para ir l.
Que me leve..., aonde?
Para o bangal dos Kendals respondeu Miss Marple. Eu acho que
Molly logo estar de volta.
II
Molly veio caminhando pela alameda que vinha da praia. Seus olhos estavam
fixos frente. Ocasionalmente, sob sua respirao, ela dava um pequeno soluo...
Subiu os degraus do terrao do seu bangal, detendo uns instantes. Logo abriu
uma porta e entrou para o quarto. As luzes estavam acesas no quarto, mas ali dentro
no viu ningum. Molly se aproximou da cama, sentando-se. Assim permaneceu
vrios minutos. s vezes passava uma das mo pela testa e franzindo-a.
Ento depois de olhar cautelosamente a seu redor, enfiou a mo sob o colcho,
tirou de l o livro que estava escondido. Abriu-o, passando umas pginas, at dar com
o que ela queria.
Neste instante voltou a cabea ao ouvir o rudo de passos de algum que se
aproximava correndo. Com um rpido movimento ocultou o livro atrs dela.
137
Tim, retido agora pelo Jackson, debateu-se violentamente entre os braos dele.
No lhe solte, Jackson disse Miss Marple.
O que est acontecendo? O que est ocorrendo aqui?
O Sr. Rafiel entrou no quarto, apoiando-se na Esther Walters.
O senhor ainda pergunta o que est acontecendo? gritou Tim. O seu
empregado ficou louco, maluco, doido varrido, isto que aconteceu. Diga-lhe que me
solte.
No, no, nada disso disse Miss Marple.
O Sr. Rafiel se voltou para ela.
Fale, Nmesis disse-lhe. Vamos, por amor de Deus, explique-se.
Eu fui uma estpida, uma tola manifestou Miss Marple. Mas agora
no mais o serei. Quando o contedo deste copo que ele estava tentando fazer sua
esposa beber for analisado, eu aposto... sim, a minha alma imortal, que encontraro
dentro uma dose mortal de narctico. Foi a mesma seqncia, lembre-se, a mesma
seqncia da histria do Major Palgrave. Uma esposa, profundamente deprimida, que
tenta suicidar-se, sendo salva a tempo por seu marido. Mas na segunda vez ela
consegue... Sim, a mesma histria, no falha... O Major Palgrave me contou sua
histria e a seguir tirou de sua carteira uma fotografia... Ento levantou a vista,
descobrindo...
Ao olhar por cima de seu ombro direito... apontou o Sr. Rafiel.
No disse Miss Marple, movendo a cabea-. Ao olhar por em cima de
meu ombro direito no viu nada.
O que est voc dizendo? No me contou que...?
O que eu lhe contei estava totalmente errado. inacreditvel como fui uma
estpida! O Major Palgrave parecia estar olhando fixamente algo por cima de meu
ombro direito, reparando mesmo em qualquer coisa... Agora bem, no pde ver nada
porque olhava em tal direo com seu olho esquerdo e seu olho esquerdo era de
vidro.
Eu me lembro agora... Sim. O Major Palgrave tinha um olho de vidro
declarou o Sr. Rafiel. Me tinha esquecido desse detalhe... Voc quer dizer que ele
no podia ter visto nada?...
Com seu olho de vidro, no, naturalmente. Com o outro, com o direito, sim,
certamente, que podia ver. E desta forma, o senhor est vendo, ele devia estar
olhando algo ou para algum que estivesse no a minha direita, mas a minha
esquerda.
Voc tinha visto algum a sua esquerda?
Sim respondeu Miss Marple. Tim Kendal e sua esposa se achavam
sentados no muito longe de ns, frente a uma mesinha que ficava junto a um grande
hibisco. Estavam concentrado em seu trabalho, repassando conforme acredito umas
contas. No momento em que o Major Palgrave levantou a vista, seu olho esquerdo, o
de cristal, olhava por cima de meu ombro, inutilmente, claro est. Em mudana, com
o outro olho Palgrave viu foi um homem sentado ao lado de uma moita de hibisco.
Sua face era a mesma, com a variao lgica, imposta pelos anos, que a de sua
fotografia, na vizinhana de um hibisco, tambm, por certo. Tim Kendal tinha ouvido
a histria contada pelo Major Palgrave, dando-se conta de que este tinha-lhe
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reconhecido. obvio, tinha que lhe matar. Mais tarde se viu obrigado a assassinar a
Vitria Johnson porque esta lhe havia visto colocar um vidro de plulas no bangal do
Palgrave. A moa, de momento, no fez caso daquilo. Em determinadas
circunstncias nada de particular havia em que Tim Kendal entrasse nos bangals
cedidos a suas hspedes. Podia ter entrado para deixar algo que o ocupante do
bangal tivesse esquecido no restaurante. No obstante, Vitria Johnson pensou mais
adiante naquilo, decidiu-se fazer algumas perguntas ao Kendal. Este compreendeu
ento que no tinha mais remdio que desfazer-se dela. Mas o crime principal, que
tinha planejado, no era este... Achamo-nos ante um assassino de suas sucessivas
esposas... como o senhor est vendo.
Que cretinice esta que est dizendo...? gritou Tim Kendal, sem chegar
a terminar a frase.
De repente se ouviu um grito, um grito selvagem de raiva. Esther Walters se
desprendeu inesperadamente do Sr. Rafiel, quase jogando-o ao cho e atravessou o
quarto correndo. Esther deu vrios puxes inutilmente em Jackson.
Largue-o... Largue-o! Isso no verdade. Nada do que se disse aqui
verdade. Tim... Tim, querido, me diga, diga-lhes que no certo. Voc no capaz
de matar a ningum. Sei muito bem. Essa horrvel mulher com quem se casou tem a
culpa de tudo. Ela andou contando mentiras a seu respeito. Ela mentiu, sim... Nada do
que foi dito verdade. Eu acredito em voc. Eu o amo e confio em voc. Jamais
poderei acreditar em nenhuma das mentiras que contaram. Eu vou...
Tim Kendal acabou perdendo o controle de si mesmo...
Pelo amor de Deus, maldita cadela ordinria! gritou ele. Quer calar de
uma vez? Est ouvindo... no pode fechar o bico? Quer por acaso que me
enforquem? Fecha o bico, eu j lhe disse! Fecha esta boca imunda, sua cadela!
Pobre criatura tola! exclamou o Sr. Rafiel, em voz baixa. Ento era
isto o que andava ocultando, n?
140
Bem, foi pela maneira com que o senhor insistiu muito nesse fato disse
Miss Marple. Eu tenho uma certa experincia em descobrir quando as pessoas
contam mentiras.
Eu dou a mo palmatria disse o Sr. Rafiel. Muito bem. Eu deixei
cinqenta mil libras esterlinas para Esther. Chegaria como uma agradvel surpresa
para ela depois da minha morte. Calculo que, sabendo disto, Tim Kendal resolveu
eliminar a sua esposa atual com uma forte dose de qualquer coisa para casar-se logo
com o Esther Walters e seu dinheiro. Provavelmente, planejava desfazer-se dela
tambm ao seu devido tempo. Bom, mas, como foi que ele soube que ela ia herdar
50.000 libras?
Jackson contou a ele, obvio respondeu Miss Marple. Eles eram
muito amigos, lembre-se. Tim Kendal agradava muito Jackson, eu imagino, no incio
sem nenhum outro motivo. Mas entre os mexericos que Jackson deixava escapar, eu
creio que ele deve ter dito que, sem que ela prpria soubesse do fato, que Esther
Walters ia herdar uma forte soma de dinheiro. Talvez ele prprio tenha dito que
gostaria de namor-la para comvenc-la a casar-se com ele, mas que no tinha
conseguido nada. Sim, eu acho que foi isto que aconteceu.
As coisas que voc imagina so sempre verdadeiramente plausveis
declarou o Sr. Rafiel.
Mas eu fui uma estpida objetou Miss Marple. Todas as peas
encaixavam perfeitamente em nosso quebra-cabeas. Tim Kendal era um homem to
inteligente como perverso. Foi muito vivo ao espalhar aqueles boatos. Mais da
metade das coisas que eu soube vieram por intermdio dele originalmente. Havia as
histrias circulando a respeito de Molly ter querido casar com um jovem indesejvel,
mas eu sou capaz de jurar que o tal rapaz indesejvel era na verdade o prprio Tim
Kendal, com outro nome, naturalmente. A familia dela ouvira alguma coisa sobre o
passado obscuro deles. Ento representou aquela cena de indignao, recusando-se a
ser mostrado aos dela e planejou... junto com ela... um pequeno esquema, que
ambos acharam muito engraado. Ela fingiria ficar muito emburrada econtinuar com
ele. Neste momento, Tim Kendal apareceria, recomendado pelos nomes de vrios
amigos velhos da famlia de Molly e seria acolhido de braos abertos por ter sido o
homem que pusera de lado de seu corao o delinqente por quem ela estava
apaixonada anteriormente. Eu imagino que ele e Molly devem ter rido um bocado
deste plano. De qualquer jeito, casou-se com ela e com o dinheiro dela compraram os
direitos do casal que cuidava deste hotel e vieram para c. Eu penso que ele deve ter
acabado com o dinheiro muito depressa. Ento apareceu Esther Walters e ele viu a
excelente oportunidade de ganhar mais dinheiro.
E por que foi que no acabou logo comigo? perguntou o Sr. Rafiel.
Miss Marple tossiu levemente.
Sem dvida queria em primeiro lugar estar seguro dos sentimento da
senhora Walters. Alm disso... Bom, quero dizer que...
Miss Marple, sobressaltada, guardou silncio.
Alm disso... compreendeu que no teria que esperar muito tempo, no
isso? inquiriu o Sr. Rafiel. E, claro, sempre seria melhor que eu morresse de
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com uma mo e empurrou a sua cabea para dentro dgua, mantendo assim a sua
vtima durante um bom momento...
terrvel, n? Mas no teria sido mais rpido e seguro para ter dado para
sua esposa outra dose elevada de narctico?
Muito mais fcil, claro. Mas isto talvez levantasse uma certa suspeita.
Todos os narcticos e sedativostinham sido cuidadosamente postos fora do alcance de
Molly, lembre-se. E se tivesse conseguido pr as mos num suprimento novo, quem
seno o marido poderia haver-lhe fornecido? Mas, se ela num momento de desespero,
sasse e se afogasse, enquanto seu inocente marido dormia, tudo teria parecido uma
tragdia romntica. Ningum iria sugerir que ela fora deliberadamente afogada e que
sua morte tinha sido obra do Tim Kendal. Alm disso acrescentou Miss Marple
os assassinos sempre acham difcil fazer as coisas pelo lado mais simples.
Freqentemente estes sentem prazer em seguir complicados roteiros, os quais so,
freqentemente tambm, sua perdio.
Voc, Miss Marple, parece estar convencida de que sabe de tudo acerca de
assassinos! Ento voc acredita que Tim Kendal no se deu conta de seu engano ao
matar ao Lucky, verdade?
Miss Marple moveu a cabea.
Nem sequer se incomodou em dar uma olhada no seu rosto. Afastou-se dela
imediatamente... Deixou passar uma hora e comeou a organizar as buscas de sua
esposa, representando o papel de um homem atormentado pela dor.
Mas, que diabos fazia Lucky na praia assim a altas horas da noite?
Miss Marple deixou ouvir uma discreta tossinha.
possvel, a meu entender, que ela estivesse... bem... que estivesse
esperando encontrar-se com algum...
Ao Edward Hillingdon?
OH, no! disse Miss Marple Sua relao com ele j era uma coisa do
passado. Eu estimo... eu admito a possibilidade de que estivesse esperando por
Jackson.
Ao Jackson?
Eu prestei ateno a ela quando... mais de uma ocasio vi Lucky lhe
observando atentamente... olhou para ele uma ou duas vezes... murmurou ela,
desviando os olhos.
Dos lbios do Sr. Rafiel escapou um assobio.
Meu conquistador Jackson! Eu no me admiro! Bom, Miss Marple. Tim
deve ter experimentado um tremendo choque ao descobrir seu engano.
Sim, claro.... Deve ter-se sentido quase desesperado. Eis Molly viva e
andando por a... E a histria que ele tinha posto em circulao cuidadosamente sobre
as condies mentais dela no se confirmariam nem por um segundo, quando casse
nas mos de especialistas competentes. E uma vez que ela contasse a histria de ele
ter pedido que se juntasse com ele de noite, a hora to avanada, beira do rio, em
que situao ficaria Tim Kendal? S cabia uma soluo: terminar com o Molly o
mais rapidamente possvel. Havia muitas probabilidades de que as pessoas
acreditassem que Molly, em um arrebatamento de loucura, tinha matado a Lucky, e
que ento horrorizada pelo que fizera, acabasse com a prpria vida.
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E foi por isto, ento que voc decidiu representar o papel de Nmesis, n?
perguntou o Sr. Rafiel.
De repente, ele se recostou para trs e desatou uma gargalhada ruidosa.
Foi uma bela piada! disse ele. Se voc soubesse como estava naquela
noite, de p, muito erguida, com a cabea toda enrolada num cachecol de l cor-derosa todo fofinho, assegurando formalmente que era voc a prpria Nmesis... Eu no
vou esquecer-me nunca!
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EPLOGO
Tinha chegado o momento de partir. No aeroporto Miss Marple aguardava o
instante de subir a seu avio. Uma poro de pessoas foram acompanh-la. Os
Hillingdon j tinham ido embora. Gregory Dyson sara de avio para uma das outra
ilhas e j corria boatos de que ele j estava-se dedicando quase todo seu tempo a
cortejar a uma viva argentina. A senhora De Caspearo j retornara Amrica do
Sul.
Molly tinha ido ao aeroporto despedir-se de Miss Marple. A jovem parecia
mais magra e plida mas j se recompusera do choque e das descobertas com bravura
e com auxlio de um dos encarregados dos negcios do Sr. Rafiel ao qual ele
telegrafara para vir de Londres e continuava cuidando do funcionamento do hotel.
Procure manter-se em todo momento ocupada havia aconselhado o Sr.
Rafiel a jovem. No pense em nada. Aqui voc tem um bom negcio em
perspectiva.
O senhor no acha que esses crimes...?
As pessoas adoram crimes quando eles j esto solucionados asseguroulhe o Sr. Rafiel. Continue, menina, e no desanime. No v desconfiar de todos os
homens s porque encontrou um que no prestava.
O senhor fala como miss Marple, disse Molly; ela est sempre
dizendo que o Prncipe Encantado chegar qualquer dia destes.
O Sr. Rafiel riu-se com aquela observao. Assim Molly estava l, os dois
Prescott e o Sr. Rafiel, lgico, e Esther uma Esther que parecia muito mais velha
e entristecida e para quem o Sr. Rafiel era muitas vezes inesperadamente gentil.
Jackson tambm estava presente, fingindo que cuidava das bagagens de Miss Marple.
Ele era todo sorrisos estes dias o que deixava todos sabendo que recebera uma bonita
soma de dinheiro.
Surgiu um zumbido no cu. Chegava o avio de Miss Marple. Aquele no era o
aeroporto londrino. No momento de separar-se de seus amigos, Miss Marple no teria
mais que abandonar o pavilho coberto de pequenas flores em que se encontrava para
dirigir-se pista...
Adeus, querida Miss Marple disse Molly, beijando-a.
Adeus. Aguardamos sua visita murmurou emocionada a senhorita
Prescott, estreitando carinhosamente as mos de Miss Marple.
Foi um prazer para ns conhec-la manifestou o Reverendo. .Repito o
convite de minha irm, de todo corao.
Que voc tenha boa viagem desejou-lhe Jackson. E, lembre-se de que,
se algum dia precisar sesso de massagem, basta mandar um recado e eu marcarei
uma hora e as farei de graa.
Somente Esther Walters ficou um pouco de lado quando chegou a hora das
despedidas. Miss Marple no quis for-la. Por ltimo, veio o Sr. Rafiel e tomou-lhe
as mos.
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_____________
- N.T. Salve Csar,
FIM
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