Frei Luís de Sousa - PDF
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OS CLSSICOS
e
j
o
H
NOVO
PROGRAMA
Metas
Curriculares
11. ano
L!e"r
OS CLSSICOS
e
j
o
H
ALMEIDA GARRETT
NDICE GERAL
APRESENTAO .............................................
CONTEXTUALIZAO
HISTRICO-LITERRIA ..................................
Romantismo ................................................
11
12
13
15
17
17
21
26
32
38
NDICE REMISSIVO
Biografia 8
Catstrofe 14, 15, 53, 54
Cenrio 7, 12, 13, 14, 56, 57, 58
Clmax 14, 15, 54
Conservatrio 10, 15, 52
Contextualizao 6, 36, 42, 60
Contracenao 57
Dilogo 13, 15, 58
Didasclia 12, 13, 56, 57, 58
Dimenso patritica 13, 48, 50
Dimenso trgica 45, 51, 53, 54, 56
Drama 15, 16, 52
Dramtico 10, 11, 12, 15, 16, 19, 55, 57, 58
Espao 16, 57
Estilo 56, 59
Estrutura 13, 14, 15
Expresso facial 58
Expresso simblica 48
Falas 12, 13, 58, 61, 62
Fico 8, 44, 47
Gestos 12, 58
Guarda-roupa 12
Histria 6, 7, 9, 11, 16, 19, 20, 25, 30, 31, 33, 37, 44, 45, 46,
47, 48, 49, 50, 56, 61, 62
Lendas 7, 8, 25, 45
Liberalismo 6, 9, 10, 46, 47
Linguagem 6, 11, 13, 59, 61, 62
Luz 7, 57
Mito 25, 46, 47
Natureza 7, 15, 16, 27, 61
Personagens 6, 11, 12, 13, 15, 16, 17, 20, 21, 24, 25, 26, 31,
32, 36, 37, 38, 42, 43, 48, 49, 50, 53, 54, 57, 58, 61
Reconhecimento 15, 42, 60
APRESENTAO
O Programa de Portugus do Ensino Secundrio,
Educao Literria, 11. ano, inclui o Frei Lus de
Sousa, obra cujo valor literrio, histrico-cultural e
patrimonial indiscutvel. Sem prejuzo da concordncia com esta incluso, no devero deixar de ser
ponderadas algumas dificuldades de leitura, compreenso e interpretao desta pea de teatro por
parte dos alunos do 11. ano. A completa fruio da
obra passa pela ultrapassagem dessas dificuldades.
sabido que a leitura dos clssicos essencial
em educao literria, mas tambm no deixa de
ser conhecida a dificuldade de penetrao nesses
textos, provocada por mltiplos fatores. Sendo
assim, os alunos necessitam de instrumentos que
os incentivem e os ajudem a encontrar o caminho
mais proveitoso e no os deixem desistir perante os
obstculos leitura.
Este auxiliar da leitura de Frei Lus de Sousa, que
aqui apresento, pretende prestar aos alunos a necessria ajuda capaz de os levar a ler com o melhor
proveito.
Assim, para alm da informao de ordem literria e contextual que enquadra a obra e ilumina a
sua compreenso, so apresentadas, para cada um
dos excertos selecionados, sequncias de questes e
respetivas respostas. Esta questionao incide precisamente nos temas do domnio da Educao literria presentes no Programa. A relao leitura do
CONTEXTUALIZAO
HISTRICO-LITERRIA
Romantismo
Depois de trs sculos de produo literria dentro dos parmetros clssicos (os sculos xvi, xvii
e xviii), eis que, no sculo xix, irrompem outras
ideias e se desenvolve a adeso a outras formas literrias. O conjunto destas novas ideias e destas novas
formas constitui o movimento romntico que exige,
tambm, uma nova linguagem literria. Na histria da literatura portuguesa, a primeira metade do
sculo xix a poca do Romantismo.
A evoluo do gosto literrio acompanha a evoluo histrica geral. Assim, acerca da primeira
metade do sculo xix, podemos afirmar a existncia de paralelismo entre a implantao do regime
liberal (do lado poltico-social) e o surgimento do
Romantismo (do lado literrio).
Do ponto de vista das ideias, as principais caractersticas do movimento romntico so as seguintes:
a supremacia do individualismo e da afirmao
do eu sobre as normas, as convenincias e as
imposies sociais;
a supremacia das emoes e dos sentimentos
sobre os ditames da razo, sobretudo aqueles
que advm das normas e convenincias sociais;
a adeso a formas livres para as composies
velhas criadas. A velha Brgida, na Quinta do Castelo em que vivia com os pais, ou Rosa de Lima, na
Quinta do Sardo pertencente a sua av, encantavam o menino Joo Baptista com as suas histrias.
Tratava-se de contos fantsticos e tradicionais que se
entranharam no seu esprito e tiveram, mais tarde,
consequncias que se manifestaram na temtica da
sua obra.
A partir de 1809, passou a residir na ilha Terceira,
em Angra do Herosmo, j que a famlia, fugindo da
segunda invaso francesa, se retirou para os Aores
onde tinha razes familiares. A sua educao, de teor
clssico (de que se viria a afastar mais tarde), foi
feita, ento, pelos tios, gente do Clero.
Regressado ao Continente, em 1816, foi para
Coimbra cursar Direito, curso que terminou em
1821. Como estudante, envolveu-se no movimento
liberal e escreveu teatro ainda dentro dos moldes
clssicos, consequncia da sua educao aoriana.
Sendo Garrett de ideologia e prtica liberais, foi
forado ao exlio nos momentos em que, na continuada turbulncia poltica deste perodo, as foras
absolutistas tomaram o poder: em 1823, emigrou
para Inglaterra; em 1824, para Frana. O exlio
permitiu-lhe o contacto direto com a literatura
romntica j florescente nesses pases e, em consequncia, a escrita daqueles que so considerados os
primeiros poemas romnticos portugueses.
Garrett teve um importante papel poltico e cultural no desenvolvimento do Portugal liberal: participou na reforma das leis, foi parlamentar e organizou
o teatro portugus, estando na origem da fundao
do Conservatrio de Arte Dramtica, da Inspeo
Geral dos Teatros e do Teatro de D. Maria II.
A sua intensa participao cvica nesta fase fulcral do desenvolvimento do pas, no sculo xix,
decorreu em paralelo com a produo de obras
literrias fundamentais para a criao de uma literatura romntica portuguesa. Trata-se de obras extremamente inovadoras do ponto de vista da escrita
literria. Salientam-se: Folhas Cadas (poesia lrica);
Viagens na Minha Terra (prosa narrativa); Frei Lus
de Sousa (teatro).
Garrett viveu durante o perodo em que, mais
intensamente, o movimento romntico se afirmou
e se confirmou, com o seu ideal de liberdade, o
seu gosto pelas coisas nacionais e a sua exposio
da verdade emocional. A intensidade da sua vida
manifestou-se atravs da escrita e da participao
na atividade poltica, mas tambm na vivncia de
mltiplas paixes amorosas: Lusa Cndida Midosi,
Adelaide Deville Pastor (de quem teve uma filha,
Maria Adelaide), Rosa Montufar Infante.
Talvez o trao mais saliente da personalidade de
Garrett manifestado quer na vivacidade da participao poltica, nomeadamente como orador parlamentar, quer na ampla produo literria dentro
Estrutura da obra
para passar a decorrer no palcio de D. Joo de Portugal, primeiro marido de D. Madalena de Vilhena,
qual, por esse mesmo motivo, pertencia.
O segundo ato termina com a presena do
Romeiro, sinal de que D. Joo de Portugal estava
vivo e de que uma terrvel catstrofe vir colocar
aquela famlia numa situao insustentvel. Por essa
mesma razo, Manuel e Madalena iro entrar cada
um em seu convento. O cenrio da ao passar a
ser a parte do palcio de D. Joo de Portugal contgua e comunicante com a capela da Senhora da
Piedade, na igreja de So Paulo dos Domnicos de
Almada. a que decorre a ao do terceiro ato.
Cada um destes atos constitudo por cenas.
O primeiro, por doze cenas; o segundo, por
quinze e o terceiro, por doze. H, pois, equilbrio
no tamanho dos atos, compreendendo-se a maior
extenso do ato central, em que se desenvolve a
parte nuclear da ao.
Do ponto de vista da estrutura interna, esta
organizao corresponde evoluo da ao em trs
fases significativas:
apresentao da situao e dos fatores que a perturbam: desde a abertura sobre D. Madalena
e Telmo, at alterao material e emocional
provocada pelo incndio;
manuteno e crescendo de um estado de instabilidade que, aparentemente, se tenta pacificar,
O Frei Lus de Sousa apresenta, assim, uma estrutura coesa e coerente, sem ruturas na tenso dramtica, em direo ao seu clmax e respetiva catstrofe.
Internamente, por isso, segue de perto a estrutura
do teatro trgico clssico. Porm, ao ser formado por
trs atos, afasta-se do modelo da tragdia clssica que
era obrigatoriamente constituda por cinco atos.
Drama ou tragdia?
Esta dvida sobre a classificao do Frei Lus de
Sousa, enquanto pea de teatro, comeou por ser
levantada pelo prprio autor. Garrett, na Memria
ao Conservatrio Real, texto de apresentao da pea,
discorre com argumentos vrios acerca do assunto,
acabando por se decidir por lhe chamar drama.
A razo fundamental, que levou o autor a no
chamar tragdia sua pea, foi o facto de estar
escrita em prosa. Na verdade, a tragdia clssica era
escrita em verso, mas Garrett compreendeu, e bem,
que o verso viria cortar a naturalidade dos dilogos
entre personagens do sculo xvi.
Por outro lado, quanto natureza do seu tema,
atmosfera em que decorre a ao e estrutura
interna que a organiza, o Frei Lus de Sousa tem uma
afinidade grande com as caractersticas da tragdia
antiga. Os pontos desta afinidade so fundamentalmente estes:
a ao decorre num ambiente de tenso que se
EDUCAO LITERRIA
TEXTOS ESCOLHIDOS
DE FREI LUS DE SOUSA 1
recorte das personagens principais
MADALENA
Textos
A
ato i
cena i
[]
Madalena (repetindo maquinalmente e devagar o
que acaba de ler):
Naquele engano de alma ledo e cego
que a fortuna no deixa durar muito2
Com a paz e alegria de alma Um engano, um
engano de poucos instantes que seja. Deve de ser
a felicidade suprema neste mundo. E que importa
que o no deixe durar muito a fortuna? Viveu-se,
pode-se morrer. Mas eu! (pausa) Oh! Que o no
saiba ele ao menos, que no suspeite o estado em
que eu vivo. Este medo, estes contnuos terrores,
que ainda me no deixaram gozar um s momento
de toda a imensa felicidade que me dava o seu amor.
Oh! Que amor, que felicidade Que desgraa
B
ato i
cena ii
Madalena (enxuga os olhos e toma uma atitude
grave e firme): Levantai-vos, Telmo, e ouvi-me.
(Telmo levanta-se.) Ouvi-me com ateno. a primeira e ser a ltima vez que vos falo deste modo
e em tal assunto. Vs fostes o aio e amigo de meu
senhor de meu primeiro marido, o senhor D. Joo
de Portugal; tnheis sido o companheiro de trabalhos
e de glria de seu ilustre pai, aquele nobre conde
de Vimioso, que eu de tamanhinha3 me acostumei a
reverenciar como pai. Entrei depois nesta famlia de
tanto respeito; achei-vos parte dela, e quase que vos
tomei a mesma amizade que aos outros Chegastes
a alcanar um poder no meu esprito, quase maior
decerto maior que nenhum deles. O que sabeis
da vida e do mundo, o que tendes adquirido na conversao dos homens e dos livros porm, mais que
tudo, o que de vosso corao fui vendo e admirando
cada vez mais me fizeram ter-vos numa conta,
deixar-vos tomar, entregar-vos eu mesma tal autoridade nesta casa e sobre minha pessoa que outros
podero estranhar
C
ato iii
cena vi
Romeiro, Telmo; e Madalena, de fora, porta
social prprias da sua poca e da sua origem familiar. No entanto, do ponto de vista psicolgico,
Madalena no uma pessoa firme e segura. Apresenta um comportamento afetado pela insegurana,
pelo medo. Psicologicamente, frgil e instvel. A
causa principal deste comportamento a conscincia de culpa por se ter apaixonado por Manuel de
Sousa Coutinho, quando ainda vivia casada com
D. Joo de Portugal e ter-se casado, mais tarde,
com Manuel, sem que houvesse certeza absoluta
da morte de seu primeiro marido. Outro motivo
da sua permanente aflio a fraca sade da filha.
Madalena uma mulher sentimental, apaixonada,
romntica, e esse seu trao de carcter entra em conflito com o comportamento e forma de estar na vida
que a sua condio social lhe exige.
FD
recorte das personagens principais
TELMO
Textos
A
ato i
cena ii
[]
Madalena: Filha do meu corao!
Telmo: E do meu. Pois no se lembra, minha
FD
Textos
A
ato i
cena vii
Jorge, Madalena, Maria, Miranda; e Manuel de
Sousa, entrando com vrios criados que o seguem,
alguns com brandes6 acesos. noite fechada.
Manuel (parando junto da porta, para os criados): Faam o que lhes disse. J, sem mais detena!
No apaguem esses brandes; encostem-nos a fora
no patim. E tudo o mais que eu mandei. (Vindo ao
proscnio) Madalena! Minha querida filha, minha
Maria! (abraa-as) Jorge, ainda bem que aqui ests,
preciso de ti: bem sei que tarde e que so horas
conventuais; mas eu irei depois contigo dizer a mea
culpa e o peccavi7 ao nosso bom prior. Miranda,
vinde c. (Vai com ele porta da esquerda, depois s
do eirado, e d-lhe algumas ordens baixo.)
Madalena: Que tens tu? Nunca entraste em
casa assim. Tens cousa que te d cuidado e no
mo dizes? O que ?
Manuel: que Senta-te, Madalena; aqui ao
p de mim, Maria. Jorge, sentemo-nos, que estou
cansado. (Sentam-se todos.) Pois agora sabei as novidades, que seriam estranhas, se no fosse o tempo
em que vivemos. (Pausa) preciso sair j desta casa,
C
ato iii
cena i
[]
Jorge: Haver duas horas que entrei na sua
cmara, e estive ao p do leito. Dormia, e mais
sossegada da respirao. O acesso de febre, que a
tomou quando chegmos de Lisboa e que viu a me
naquele estado, parecia declinar quebrar-se mais
alguma coisa. Doroteia e Telmo pobre velho, coitado! estavam ao p dela, cada um de seu lado
Disseram-me que no tinha tornado a a
Manuel: A lanar sangue? Se ela deitou o
do corao! No tem mais. Naquele corpo to
franzino, to delgado, que mais sangue h de haver?
Quando ontem a arranquei de ao p da me e a
levava nos braos, no mo lanou todo s golfadas
aqui no peito? (Mostra um leno branco todo manchado de sangue) No o tenho aqui o sangue
o sangue da minha vtima? que o sangue das
minhas veias que sangue da minha alma o
sangue da minha querida filha! (Beija o leno muitas
vezes.) Oh! meu Deus, meu Deus! Eu queria pedir-te que a levasses j e no tenho nimo. Eu devia
aceitar por merc de tuas misericrdias que chamasses aquele anjo para junto dos teus, antes que
o mundo, este mundo infame e sem comiserao,
lhe cuspisse na cara com a desgraa do seu nascimento. Devia, devia e no posso, no quero, no
sei, no tenho nimo, no tenho corao. Peo-te
vida, meu Deus (ajoelha e pe as mos), peo-te vida,
vida, vida para ela, vida para a minha filha!
Contexto
Manuel de Sousa Coutinho, que, ao entrar no
mosteiro de S. Domingos, tomou o nome de Frei
Lus de Sousa, foi militar pertencente Ordem de
Malta. Durante uma primeira parte da sua vida,
bastante aventurosa, esteve cativo em Argel, de onde
foi resgatado. Casou com D. Madalena de Vilhena
em 1584, vivia-se, em Portugal, o perodo filipino
de perda da independncia e submisso coroa castelhana. Foi capito-mor da vila de Almada, onde
tinha casa. Depois da morte da filha, ele, bem como
sua mulher, entraram cada um no seu convento.
Durante a sua vida conventual tornou-se escritor
de obras de carcter histrico sobre temas ligados
ordem conventual em que professara. Esta a verdade histrica que serviu de base criao literria
de Garrett.
Relacionao com outros textos
Nestes textos, lemos como a tragdia atinge
a relao entre um pai e uma filha, produzindo
cenas de grande sofrimento. Outros textos literrios
representam situaes semelhantes, como acontece,
por exemplo, em Amor de Perdio com Teresa e seu
pai Tadeu de Albuquerque. Todavia, enquanto, no
romance de Camilo Castelo Branco, assistimos
supremacia das convenincias sociais, no Frei Lus
de Sousa, prevalecem os afetos.
FD
Textos
A
ato i
cena iii
Madalena, Telmo, Maria.
Maria (entrando com umas flores na mo,
encontra-se com Telmo, e o faz tornar para a cena):
Bonito! Eu h mais de meia hora no eirado passeando e sentada a olhar para o rio a ver as faluas e
os bergantins que andam para baixo e para cima e
j aborrecida de esperar e o senhor Telmo aqui
posto a conversar com a minha me, sem se importar de mim! Que do romance que me prometeste?
No o da batalha, no o que diz:
Postos esto, frente a frente,
os dois valorosos campos;
o outro, o da ilha encoberta onde est el-rei
D. Sebastio, que no morreu e que h de vir um
dia de nvoa muito cerrada Que ele no morreu;
no assim, minha me?
Madalena: Minha querida filha, tu dizes coisas! Pois no tens ouvido, a teu tio Frei Jorge e a teu
tio Lopo de Sousa, contar tantas vezes como aquilo
foi? O povo, coitado, imagina essas quimeras para
Contexto
H aspetos contextuais que nos ajudam a interpretar e apreciar a personagem de Maria. Na poca,
de uma maneira geral, as crianas no tinham um
papel social, nem mesmo familiar, relevante. Maria
construda por Garrett como um caso excecional.
Outro dado a ter em conta o de que a doena de
que Maria sofre, ou seja, a tuberculose, era, nesse
tempo, uma doena incurvel.
Relacionao com outros textos
Embora no existam, nos clssicos da nossa literatura, muitos lugares relevantes atribudos a personagens crianas, relembremos a presena de uma
personagem infantil, por exemplo, nOs Maias,
como modo de realar a excecionalidade de Maria:
E, como se chama a minha querida amiga?
perguntou Carlos, sentado cabeceira do leito.
Esta Cricri disse a pequena, apresentando
outra vez a boneca. Eu chamome Rosa, mas o
pap diz que sou Rosicler.
In Os Maias, de Ea de Queirs
FD
Textos
A
ato ii
cena xiv
[]
Madalena: Deixai, deixai, no importa, eu
folgo de vos ouvir: dir-me-eis vosso recado quando
quiserdes logo amanh
Romeiro Hoje h de ser. H trs dias que no
durmo nem descanso nem pousei esta cabea nem
pararam estes ps dia nem noite, para chegar aqui
hoje, para vos dar meu recado e morrer depois
ainda que morresse depois: porque jurei faz hoje
um ano quando me libertaram, dei juramento
sobre a pedra santa do Sepulcro de Cristo
Madalena: Pois reis cativo em Jerusalm?
Romeiro: Era: no vos disse que vivi l vinte
anos?
Madalena: Sim, mas
Romeiro: Mas o juramento que dei foi de que,
antes de um ano cumprido, estaria diante de vs, e
vos daria da parte de quem me mandou
Madalena (aterrada): E quem vos mandou,
homem?
Romeiro: Um homem foi, e um honrado
homem a quem unicamente devi a liberdade a
ningum mais. Jurei fazer-lhe a vontade, e vim.
cena xv
Jorge e o Romeiro que seguiu Madalena com os
olhos, e est alado no meio da casa, com aspeto severo
e tremendo.
Jorge: Romeiro, romeiro, quem s tu?
Romeiro (apontando com o bordo para o retrato
de D. Joo de Portugal): Ningum!
(Frei Jorge cai prostrado no cho, com os braos
estendidos diante da tribuna. O pano desce lentamente.)
B
ato iii
cena v
Telmo, Romeiro.
Romeiro: Que no oia Deus o teu rogo!
Telmo (sobressaltado): Que voz! Ah! o
romeiro. Que me no oia Deus! Porqu?
Romeiro: No pedias tu por teu desgraado
amo, pelo filho que criaste?
Telmo ( parte): J no sei pedir seno pela
outra. (Alto) E que pedisse por ele, ou por outrem,
porque me no me h de ouvir Deus, se lhe peo a
vida de um inocente?
Romeiro: E quem te disse que ele o era?
Telmo: Esta voz esta voz! Romeiro, quem
s tu?
Romeiro (tirando o chapu e alevantando o cabelo
dos olhos): Ningum, Telmo, ningum, se nem j
ali podia sobrevir. Estava o homem muito encolhido e quase agachado junto aos cancelos e em
frente do porta-maa do cabido que os guardava
Seno quando, alevantando-se alto e sobranceiro,
arrojou de si com desusada fora os alabardeiros que
pretenderam cont-lo, e pronunciando no sei que
palavras, que deviam de ser mgicas pelo efeito que
fizeram, todos em derredor se lhe prostraram aos
ps, os cancelos abriram-se de par em par, o homem
da ruim capa entrou para dentro dos precintos capitulares, e levantando do cho a bandeira da cidade,
que Vasco tinha sido obrigado a largar na luta:
Sou eu que o levanto agora, este pendo, bradou ele com grande voz: eu que defendo a cidade
da Virgem e a tomo na minha proteo.
Tudo calou, tudo tremeu, tudo caiu de joelhos
em terra. O homem era el-rei D. Pedro el-rei
D. Pedro, o cru, o justiceiro.
Educao literria as questes
1. Tendo como objetivo o conhecimento da personagem do Romeiro, leia com muita ateno os
textos A e B.
1.1 A partir dos elementos fornecidos pela leitura, escreva um texto descritivo em que apresente
o retrato do Romeiro.
Educao literria as respostas
1.1 O Romeiro, D. Joo de Portugal, uma personagem de dupla face:
FD
FD
a dimenso trgica
Texto
ato ii
cena v
[]
Manuel: [] Pois olha: hoje sexta-feira
Madalena: Sexta-feira! (Aterrada) Ai! que
sexta-feira!
Manuel: Para mim tem sido sempre o dia mais
bem estreado de toda a semana.
Madalena: Sim!
Manuel: o dia da paixo de Cristo,
Madalena.
Madalena (caindo em si): Tens razo.
Manuel: hoje sexta-feira; e daqui a oito
vamos daqui a quinze dias bem contados, no saio
de casa. Ests contente?
Madalena: Meu esposo, meu marido, meu
querido Manuel!
Manuel: E tu, Maria?
Maria (amuada): Eu no.
Manuel (para Madalena): Queres tu saber
porque aquele amuo? que eu preciso de ir hoje
a Lisboa
Madalena: A Lisboa hoje?!
Manuel: Sim; e no posso deixar de ir. Sabes
que por fins desta minha pendncia com os governadores, eu fiquei em dvida quem sabe se da vida?
Miguel de Moura e esses meus degenerados parentes eram capazes de tudo! mas o certo que fiquei
FD
Contexto
A igreja de So Paulo fazia parte do convento
dominicano fundado em 1569, em Almada. Atualmente funciona a um seminrio. Deste convento
de So Paulo de Almada, saram, a certa altura, os
frades de So Domingos, indo habitar o Convento
de So Domingos de Benfica, em Lisboa.
A ao do ii e iii atos de Frei Lus de Sousa de
Almeida Garrett passa-se precisamente no Palcio
adjacente do convento e na igreja de So Paulo de
Almada.
Acerca do miradouro do recinto do convento,
Frei Lus de Sousa (nome de Manuel de Sousa Coutinho depois de professar) escreveu, na sua Histria
de So Domingos: o stio no mais alto do monte e
pendurado sobre o mar [] senhor de hum to formoso, e to bem assombrado horizonte, que confiadamente, e sem parecer encarecimento, podemos
afirmar que no h outro tal em toda a redondeza
da terra: o que fica bem de crer, pois se sabe que
tem diante dos olhos por painel a cidade de Lisboa,
estendida sobre a ribeira direita do Tejo, e que de
nenhum outro ponto se pode ver e julgar sua grandeza toda junta, como deste.
Relacionao com outros textos
Entre a descrio do cenrio contida na didasclia inicial deste ato, um salo onde pontificam
retratos plenos de simbolismo, e o texto que a seguir
se transcreve, h, para alm de todas as diferenas
formais (teatro/romance) e de estilo (romntico/
FD
linguagem e estilo
Texto
ato iii
Parte baixa do palcio de D. Joo de Portugal,
comunicando, pela porta esquerda do espetador,
com a capela da Senhora da Piedade na Igreja de
S. Paulo dos Domnicos dAlmada; um casaro
vasto sem ornato algum. Arrumadas s paredes, em
diversos pontos, escadas, tocheiras, cruzes, ciriais19
e outras alfaias e guisamentos20 de igreja de uso
conhecido. A um lado, um esquife21 dos que usam
as confrarias; do outro, uma grande cruz negra de
tbua com o letreiro JNRJ22 e toalha pendente,
como se usa nas cerimnias da Semana Santa. Mais
para a cena, uma banca velha com dois ou trs tamboretes: a um lado uma tocheira baixa com tocha
acesa e j bastante gasta; sobre a mesa um castial de
chumbo, de credncia, baixo e com vela acesa tambm, e um hbito completo de religioso domnico,
tnica, escapulrio, rosrio, cinto, etc. No fundo,
porta que d para as oficinas e aposentos que ocupam o resto dos baixos do palcio. alta noite.
cena i
Manuel de Sousa, sentado num tamborete ao p
da mesa, o rosto inclinado sobre o peito, os braos cados e em completa prostrao de esprito e corpo; num
tamborete do outro lado, Jorge, meio encostado para a
mesa, com as mos postas e os olhos pregados no irmo.
L!e"r
OS CLSSICOS
e
j
o
H
Volumes publicados:
1 . Lus de cames
es poesia lrica e pica
2 . Poesia trovadoresca
doresca
3 . amor de perdio
dio Camilo castelo branco
4 . OS MAIAS EA
A DE QUEIRS
5 . FREI LUS DE SOUSA ALMEIDA GARRETT