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Alberto Caeiro

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noite. A noite muito escura.

Numa casa a uma grande distncia


Brilha a luz duma janela.
Vejo-a, e sinto-me humano dos ps cabea.
curioso que toda a vida do indivduo que ali mora, e que no sei quem ,
Atrai-me s por essa luz vista de longe.
Sem dvida que a vida dele real e ele tem cara, gestos, famlia e profisso.
Mas agora s me importa a luz da janela dele.
Apesar de a luz estar ali por ele a ter acendido,
A luz a realidade imediata para mim.
Eu nunca passo para alm da realidade imediata.
Para alm da realidade imediata no h nada.
Se eu, de onde estou, s vejo aquela luz,
Em relao distncia onde estou h s aquela luz.
O homem e a famlia dele so reais do lado de l da janela.
Eu estou do lado de c, a uma grande distncia.
A luz apagou-se.
Que me importa que o homem continue a existir?
Alberto Caeiro, Poemas, 7.a ed., Lisboa, tica, 1979
(GAVE Prova Escrita de Portugus B , 12. Ano, 1998, 2.a FASE)
1.Transcreva as referncias ao espao, representado no poema.
2. Defina o tipo de relao que, ao longo do texto, o Eu estabelece com o indivduo que ali
mora.
3. Apresente uma interpretao possvel para o seguinte verso: Vejo-a, e sinto-me humano
dos ps cabea. (v. 3)
4. Explicite os sentidos produzidos pela interrogao no final do poema.
5. Exponha o pensamento sobre a realidade que desenvolvido no texto. Fundamente a sua
resposta em citaes elucidativas.

As sugestes que a seguir se apresentam consideram-se orientaes gerais, tendo em vista


uma indispensvel aferio de critrios. No deve, por isso, ser desvalorizada qualquer

interpretao que, no coincidindo exactamente com as linhas de leitura apresentadas, seja


julgada vlida pelo professor.
Referncias ao espao:
noite. A noite muito escura. Numa casa a uma grande distncia / Brilha a luz de
uma janela. (vv. 1-2);
ali mora (v. 4);
essa luz vista de longe. (v. 5);
a luz da janela dele. (v. 7);
a luz estar ali (v. 8);
de onde estou, s vejo aquela luz, / Em relao distncia onde estou h s aquela
luz. (vv. 12-13);
do lado de l da janela. (v. 14);
do lado de c, a uma grande distncia. (v. 15);
2. A relao que, ao longo do texto, o Eu estabelece com o ele, o indivduo que ali mora,
marcada por trs movimentos fundamentais:
vv. 1-6 curiosidade e atraco por esse desconhecido (que no sei quem ), uma
presena humana que, ao longe, se adivinha pela luz que brilha na noite. A percepo dessa
luz convoca de imediato uma casa e uma janela, suscitando o interesse pela vida do
indivduo que ali mora (Sem dvida que a vida dele real e ele tem cara, gestos, famlia e
profisso.);
vv. 7-15 a constatao de que a luz o nico elemento visvel conduz o sujeito a
assinalar aquela luz como a nica realidade que lhe importa, relativamente ao homem
que a acendeu, pois ele e a famlia dele s so reais do lado de l da janela e no do
lado de c, a uma grande distncia, de onde no pode v-los;
vv. 16-17 ao apagar-se a luz, o Eu perde o contacto com o outro, desinteressando-se
dessa existncia humana.
A luz apagou-se. (v. 16);
3. Exemplos possveis de interpretao:
a percepo da luz, na noite muito escura, acorda no sujeito um desejo de
aproximao do outro, de identificao, pela humanidade que partilham na noite csmica;
a percepo da luz suscita no Eu sentimentos de curiosidade e de atraco pelo outro
desconhecido, mas idntico na sua humanidade;
(...)
4. A interrogao intensifica a expresso do desinteresse pela existncia do outro, que o
apagar da luz provoca no sujeito e poder transferir para o leitor a responsabilidade de
problematizar a conscincia humana da realidade, a partir da experincia relatada no poema.
5. O sujeito potico atribui estatuto de realidade apenas ao que percepcionado como coisa
vista. Por um movimento reflexivo iniciado no verso 7 (Mas agora s me importa a luz da
janela dele.), o sujeito identifica a luz como o nico elemento percepcionado, objectivo, da
realidade representada: A luz a realidade imediata para mim. / Eu nunca passo para alm
da realidade imediata. / Para alm da realidade imediata no h nada. (vv. 9-11). No sendo
visveis do lado de c, a uma grande distncia (v. 15). O homem e a famlia dele apesar
de reais do lado de l da janela (v. 14) no pertencem realidade imediata para o Eu;
correspondem a uma fico construda, que o apagar da luz rasura da sua conscincia.

Ao entardecer, debruado pela janela,


E sabendo de soslaio que h campos em frente
Leio at me arderem os olhos
O livro de Cesrio Verde.
Que pena que tenho dele! Ele era um campons
Que andava preso em liberdade pela cidade.
Mas o modo como olhava para as casas,
E o modo como reparava nas ruas,
E a maneira como dava pelas coisas,
o de quem olha para rvores,
E de quem desce os olhos pela estrada por onde vai andando
E anda a reparar nas flores que h pelos campos...
Por isso ele tinha aquela tristeza
Que ele nunca disse bem que tinha,
Mas andava na cidade como quem anda no campo
E triste como esmagar flores em livros
E pr plantas em jarros...
Alberto Caeiro, O Guardador de Rebanhos
(GAVE - Prova Escrita de Portugus B, 12. ano, 1996, 1.a Fase, 2.a Chamada)
1. O enunciado potico que acaba de ler consiste numa homenagem a Cesrio Verde.
Refira a aco levada a cabo por Caeiro que prova essa homenagem.
2. Na 2.a estrofe, o poeta evidencia um sentimento: "Que pena que tenho dele!"
2.1. Explique-o, tendo em conta a caracterizao de Cesrio apresentada por Caeiro.
2.2. Faa o levantamento da expresso que, no poema, melhor sintetiza a ideia que o poeta
procura transmitir.
3. A potica de Caeiro ope ao conhecimento intelectual os sentidos, as sensaes.
3.1 Retire do texto dois vocbulos que comprovem a afirmao.
3.2 Comente a sua utilizao no contexto global do poema, confrontando as concepes
poticas de Cesrio e de Caeiro.
4. No ultrapassando as oito linhas, explicite a importncia da poesia de Alberto Caeiro no
mbito da produo literria de Fernando Pessoa.

1. Ler at arderem os olhos.

2.1. Expresso de pena verificvel na caracterizao:


- andava preso;
- era um campons na cidade;
- olhava a cidade como se fosse o campo;
- tinha grande tristeza;
- andava na cidade como quem anda no campo;
- triste.
2.2 "Ele era um campons / que andava preso em liberdade pela cidade!" - a frase que
melhor sintetiza o que Caeiro pretende transmitir sobre Cesrio.
3.1 Aceite-se dois dos seguintes: olhava; reparava; olha; olhos; reparar.
3.2 Tal como Cesrio, Caeiro vive de impresses, sobretudo visuais, contudo, no se pode ler
na referncia a Cesrio uma identificao mas to s uma homenagem.
Aceitao do mundo como ele - facto que contrape ao posicionamento de Cesrio que
"andava na cidade como quem anda no campo".
Poeta do real objectivo, com o esprito concentrado numa actividade suprema: olhar;
Olhar o substituto da actividade cognitiva, que Cesrio no conseguiu abolir; por isso, anda
triste na cidade.
4.
- Alberto Caeiro o Mestre;
- surge como uma descoberta ou uma revelao;
- exerce influncia sobre todos, Fernando Pessoa Ortnimo e outros heternimos;
- Pessoa ope Caeiro a si prprio: o projecto potico e a identidade do sujeito que o assume
so definidos contra a poesia de Fernando Pessoa escrita at ao seu aparecimento e a que
depois escrever com esse nome;
- ao contrrio de Pessoa Ortnimo, recusa a introspeco e a subjectividade;
- Caeiro a possibilidade de apresentao de uma linguagem potica nova: libertao dos
sentidos, das sensaes, das emoes.

O Tejo mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,

Mas o Tejo no mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo no o rio que corre pela minha aldeia.
O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vem em tudo o que l no est,
A memria das naus.
O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso, porque pertence a menos gente,
mais livre e maior o rio da minha aldeia.
Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para alm do Tejo h a Amrica
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ningum nunca pensou no que h para alm
Do rio da minha aldeia.
O rio da minha aldeia no faz pensar em nada.
Quem est ao p dele est s ao p dele.
Alberto Caeiro, Poemas Completos, Comp. Jos Aguilar, Rio de Janeiro, 1972
(GAVE Prova Escrita de Portugus B, 12. ano, 1997, 2.a Fase)
1. No incio do poema afirma-se em sequncia:
"O Tejo mais belo"... (v. 1)
... "o Tejo no mais belo"... (v. 2)
Com base na leitura do texto, apresente as razes desta mudana da forma afirmativa para a
forma negativa.
2. "E navega nele ainda, [...] A memria das naus." (vv. 5, 7)
Comente o valor expressivo desta afirmao.
3. "aqueles que vem em tudo o que l no est" (v. 6)
Explicite o sentido desta expresso.
4. No texto afirma-se que "o rio da minha aldeia" mais livre e maior (v. 15).
Refira o significado desta afirmao neste contexto.
5. Todo o poema atravessado pela comparao entre o Tejo e "o rio da minha aldeia".
Indique o grau em que se encontram os adjectivos que estabelecem essa comparao.
Exemplifique.
6. Dos rios referidos no poema, um nomeado com um substantivo prprio, o outro com um
substantivo comum.
Justifique esta afirmao com transcries do texto.
Relacione essa diferente nomeao com o significado que cada um dos rios assume no
poema.
7. H um momento do texto em que o Tejo surge associado procura de uma vida melhor.
Aponte esse momento e seleccione as palavras que melhor exprimem essa associao.
8. "Quem est ao p dele est s ao p dele." (v. 22)
Analise o processo de construo do sentido presente neste verso.
9. Refira marcas caractersticas da poesia de Alberto Caeiro presentes no poema.

O sentido de cada uma das expresses assenta numa perspectiva diferente:

- o Tejo considerado mais belo, na medida em que mais conhecido, mais famoso, um lugar
com mais histria;
- o Tejo no considerado mais belo, na medida em que no suscita uma relao to intima
de afectividade, de proximidade; mais distante.
2. Ao estabelecer-se a relao directa de "memria das naus" com "navega"
(sujeito/predicado), torna-se mais expressiva a ideia de permanncia do passado.
3. Por exemplo: aqueles que sobrepem o conhecimento e a memria, afinal a cultura,
simples percepo do real.
4. A liberdade do "rio da minha aldeia" menos afectada e o domnio de si prprio maior,
devido ao facto de ser menos conhecido.
5. Grau comparativo de superioridade. Qualquer um dos seguintes exemplos: "mais belo";
"mais livre"; "maior".
6. Tejo um substantivo prprio. Rio um substantivo comum.
O rio da minha aldeia nomeado por um substantivo que se aplica a todo e qualquer
elemento da mesma espcie. O Tejo tem nome prprio. Esta diferente nomeao radica no
diferente grau de notoriedade de cada um. O Tejo tem uma nomeao geogrfica e um
sentido histrico a nvel nacional.
7. Os trs primeiros versos da 4.a estrofe. "Amrica" e "fortuna".
8. No verso transcrito, verifica-se a presena da repetio de "est ao p dele", reforada pelo
advrbio de excluso "s".
9. So marcas caractersticas da poesia de Alberto Caeiro:
- recusa de pensar;
- viso objectiva da natureza;
- aceitao do mundo;
- simplicidade de estilo;
- relao de harmonia com a Natureza;
- aparente simplicidade e natureza argumentativa do discurso potico, visvel no recurso a
uma linguagem corrente;
- a natureza como valor essencial;
- verso livre;
- irregularidade mtrica e estrfica;
- linguagem prxima da prosa.

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