UM NOVO OLHAR PARA A ABORDAGEM SISTMICA NA PSICOLOGIA

A NEW LOOK FOR SYSTEMS PSYCHOLOGY APPROACH

Sesso Temtica: Psicologia/Sade Foco: Viso sistmica do indivduo

CELESTINO, Victor R.R.

Mestre em Cincias
victor.celestino@catolica.edu.br

BUCHER-MALUSCHKE, Julia S.
Professora Doutora em Psicologia
psibucher@gmail.com

Resumo
A abordagem sistmica na psicologia tem suas razes na terapia familiar. Desenvolvida com
inspirao na teoria geral de sistemas, na teoria ciberntica, entre outras, esta abordagem
sistmica tem recebido crticas do construcionismo social ps-moderno, por sua viso
estruturalista e mecanicista. A literatura cientfica oferece novos paradigmas
epistemolgicos, com inspirao nos sistemas dinmicos, os quais possibilitam um novo
olhar para a abordagem sistmica na psicologia. Assim, sugere-se a adoo de uma
integrao da perspectiva de auto-organizao paralelamente auto-regulao.
Palavras-chave: Psicologia Sistmica; Construcionismo Social; Sistemas Dinmicos.

Abstract
The systemic approach in psychology has its roots in family therapy. Developed from
inspiration in general systems theory, cybernetics theory, among others, this systemic
approach has received critics from postmodern social constructionism, for its structuralist and
mecanicist views. Scientific literature offers new epistemological paradigms, with inspiration
from dynamical systems, which allow a new look for the systemic approach in psychology.
Thus, it is suggested the adoption of an integration of self-organization perspective in parallel
with self-regulation.
Key-words: Systems Psychology; Social Construcionism; Dynamical Systems.

1. INTRODUO

O pensamento sistmico tem sido aplicado biologia, aos seres vivos e aos
sistemas sociais. O principal axioma da teoria dos sistemas que o todo maior que as
partes, substituindo um modelo linear de causalidade por um modelo circular, ou seja, um
padro de causa-efeito por um padro interativo (Von Bertalanffy, 1969; Churchman, 1979;
Beer, 1984).
Diferentemente de outras abordagens, a sistmica introduzida na psicologia por
uma diversidade de profissionais insatisfeitos com a prtica, e no a partir da Academia. Ela
surge na dcada de 1950, fortemente relacionada com a Terapia Familiar. Os terapeutas
familiares sistmicos consideram a famlia como um sistema (Bucher-Maluschke, 2008),

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com vrios subsistemas (conjugal, paterno/materno, filial, fraterno, entre outros), os quais
funcionam com base nas caractersticas do sistema familiar (hierarquia, fronteiras, regras,
modos de comunicao, etc).

2. ABORDAGEM SISTMICA NA PSICOLOGIA

Alguns conceitos da teoria de sistemas influenciam a abordagem sistmica na
psicologia:
Controle por Retroalimentao (feedback): enfoque circular de causalidade, onde
efeito realimentada como causa. Existe uma retroalimentao positiva, que
predispe mudana, e uma negativa, a qual busca a homeostase do sistema, ou
seja, a manuteno de um estado de equilbrio;
Caixa-preta: um sistema psicossocial pode ser examinado somente a partir da
relao entre suas sadas (comportamentos, emoes, sintomas, aes) e suas
entradas (disposies psicogenticas, e estmulos do ambiente psicossocial), sem
que seja necessrio compreender a estrutura dos processos mentais privados, mas
apenas como alteram funcionalmente os comportamentos.
Equifinalidade: em um sistema fechado, o estado final pode ser determinado
inequivocamente pelas condies iniciais, mas isso pode no ocorrer em sistemas
complexos. Alm disso, um sistema psicossocial um sistema aberto, onde se pode
atingir um estado final idntico com origem em condies iniciais distintas, e por meio
de diversas formas e meios de desenvolvimento.
Totalidade e no-somatividade: um sistema no pode ser compreendido apenas a
partir da soma das partes, pois estas esto inter-relacionadas.
Alm da teoria geral dos sistemas, compem o arcabouo da abordagem sistmica
na psicologia:
Teoria da pragmtica da comunicao humana (Watzlawick et al., 1967): na
comunicao humana, considera-se que os significados so objeto da semntica, os
sinais e a linguagem da semitica, e a transmisso de informao da sintaxe. A
pragmtica da comunicao aborda a comunicao como conduta comportamental;
Teoria ciberntica (Wiener, 1948): evoluiu da chamada primeira ciberntica, com
uma viso focada na homeostase do sistema psicossocial, para a segunda
ciberntica, que consolidou o enfoque circular sistmico por meio do
questionamento circular e da mudana adaptativa (retroalimentao positiva);
Teoria da informao (Shannon, 1948): incorpora conceitos de fonte de informao,
mensagem, transmissor, sinal, canal, rudo, receptor; e
Teoria dos jogos (Von Neumann e Morgenstern, 1945): incorpora modelos para a
tomada de deciso.
Entre os diversos conceitos da abordagem sistmica na psicologia, a transmisso
multigeracional foi proposta para compreender o processo de repetio de padres de
relacionamento na famlia em sucessivas geraes (Kerr e Bowen, 1988). A intensidade da

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repetio de padres est relacionada ao nvel de diferenciao de cada indivduo membro
de uma famlia. Esse grau de diferenciao influenciado por relaes da famlia de origem,
sendo transmitido atravs das geraes, e esta intimamente relacionado ao processo
emocional da famlia, antes mesmo do nascimento do indivduo.
A diferenciao fundamental para a sade mental do indivduo (Bacal, 2013), para
que este possa construir sua individuao e seu funcionamento psicolgico independente
dos padres familiares. Por outro lado, o pertencimento tambm vital para o
funcionamento saudvel, significando ser membro e poder participar das crenas, valores,
regras, mitos e segredos da famlia ou de um grupo social.
Cada famlia tem contedos que vo sendo herdadas ao longo do ciclo de vida
familiar (Boszormenyi-Nagy, 1984), conhecidos como lealdades invisveis, perpassando
geraes, muitas vezes sem serem explicitados. Essas lealdades possuem papel
fundamental na homeostase familiar, tal como se houvesse um livro virtual de prestao de
contas (Boszormenyi-Nagy, 1984), no qual so contabilizados crditos e dbitos
intergeracionais, que estabelecem as obrigaes de dar, receber e retribuir. Quem recebe
fica em dvida com o membro que deu, portanto, com obrigao de retribuir e corresponder
s expectativas desse, e assim repetidamente por geraes, visando o equilbrio das
relaes (Bacal, 2013). As lealdades invisveis podem ser observadas na repetio de
padres atravs das geraes. Esses padres familiares podem estar relacionados a um
papel desempenhado por um de seus membros, a um problema ou a uma queixa repetitiva,
ou s escolhas pessoais, amorosas e profissionais. Essas repeties, conscientes ou
inconscientes, ocorrem para assegurar a manuteno da identidade familiar, consistindo na
manifestao de vnculo com as geraes anteriores (Bacal, 2013). As lealdades invisveis
so manifestadas na repetio de padres transgeracionais em funo da relao de foras
psicossociais de pertencimento e diferenciao do indivduo na famlia.
A reatividade emocional, com origem em diferentes fatores psicossociais, aumenta a
fora de pertencimento e aglutinao dos membros da famlia. Como a criana nasce
usualmente indiferenciada em relao sua famlia, sua principal tarefa de desenvolvimento
ser diferenciar-se para alcanar autonomia e independncia (Martins et al., 2008). Na
famlia, as crianas experimentam tanto o pertencimento quanto a diferenciao, mas
quanto maior forem os nveis de reatividade emocional mais difcil ser o processo de
construo de identidade, ou ainda, como conhecido na abordagem sistmica na psicologia,
o processo de diferenciao do self (Kerr e Bowen, 1988).
Trs estudos recentes confirmam a proposta terica de Bowen sobre a diferenciao
do self (Brown et al., 2008). O primeiro deles foi um estudo longitudinal misto quali-quanti,
com 9 casais em formao (Klever, 2003), ao longo de cinco anos, que comprovou a
hiptese de que o grau de diferenciao de um indivduo e sua famlia de origem influencia o
funcionamento psicolgico de sua famlia nuclear, o qual fica mais comprometido quanto
maior for a fora de pertencimento intergeracional. Os resultados indicam que, quando o
indivduo herda uma maior diferenciao e menor reatividade emocional nos
relacionamentos na famlia de origem, este tende a ser menos reativo com ele mesmo, com
o(a) esposo(a), e com os filhos. O estudo considerou que o pertencimento intergeracional
no expressado apenas na relao entre o(a) participante e seus pais, mas tambm entre
o(a) participante e a famlia extensa multigeracional (Klever, 2003).

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 A teoria de Bowen sugere que a famlia utiliza tringulos (relaes em trades, em
lugar de apenas aos pares) para manejar a ansiedade, e que o tringulo primrio
(envolvendo pai, me e indivduo) um dos tringulos-chave da famlia (Kerr e Bowen,
1988). O segundo estudo foi tambm longitudinal, realizado para explorar a influncia do
tringulo primrio da famlia de origem no funcionamento na procriao de 5 casais, ao
longo de 10 anos (Klever, 2009). A anlise quantitativa encontrou trs variveis,
correlacionadas entre si, influentes no funcionamento na procriao das famlias: distncia
versus abertura no tringulo primrio da famlia de origem; grau de posicionamento interior
ou exterior no tringulo primrio; e o grau de projeo familiar expressado nas
preocupaes com os filhos. A distncia expressada em termos da maior ou menor
reatividade dos tringulos, uma vez que Bowen prope que, em maiores nveis de
diferenciao do self, o indivduo utiliza menos separao e distanciamento emocional, e
mais abertura e raciocnio claro na integrao das emoes. O estudo confirmou que o
indivduo carrega o nvel de reatividade do seu tringulo primrio para sua famlia nuclear,
influenciando seu grau de sintomatologia. Uma posterior anlise temtica explorou as
narrativas dos participantes sobre seus tringulos primrios, focando em cada uma das
variveis identificadas, confirmando os construtos de conexo positiva (pertencimento),
reatividade (distncia), posicionamento interior/exterior ao tringulo (maior prevalncia da
proximidade me-filho, e afastamento do pai), e a projeo da tenso da conjugalidade nos
filhos, com consequente comprometimento de seu funcionamento futuro. O estudo
identificou mudanas nos tringulos ao longo do horizonte de 10 anos do estudo, em funo
da evoluo e das fases dos ciclos de vida das famlias participantes (Klever, 2009).
No terceiro estudo, em uma verso revisada do instrumento para inventrio de
diferenciao do self (Differentiation of Self Inventory DSI), as respostas de 225 adultos
foram coletadas para aprimoramento da subescala de pertencimento ou fuso com outros
(FO), visando melhor avaliar elementos da fuso interpessoal, tais como dependncia
extremada de outros na tomada de decises, e a tendncia de manter poucas convices
prprias estveis, acompanhado de envolvimento emocional excessivo com outros
(Skowron e Schmitt, 2003). O instrumento consiste em quatro subescalas: reatividade
emocional (RE), posio do Eu (PE), separao emocional (SE), e pertencimento ou fuso
com outros (FO), sendo que uma verso em lngua portuguesa j foi utilizada (Neves, 2011).
Como proposto na teoria de Bowen, os indivduos, que se auto-avaliaram com menor
reatividade emocional e maior habilidade para assumir posies do Eu nos
relacionamentos, tambm indicaram menor endosso do uso da fuso ou separao
emocional nos relacionamentos, como mecanismos para regulao da distncia. Os
resultados proveem evidncia da relao entre o construto de pertencimento / fuso de
Bowen e diversas facetas da insegurana do apego humano. Especificamente, indivduos
que tendem mais ao pertencimento e a fuso com outros tambm experienciam maior medo
de abandono, e expressam uma preferncia para relacionamentos ntimos com fronteiras
menos ntidas. Esses achados so consistentes com outros estilos de apego e elementos de
fuso descritos por Bowen, tais como a maior dependncia dos outros para regular a
autoestima, a passividade nos relacionamentos, e a maior dificuldade para se expressar
socialmente (Skowron e Schmitt, 2003).
Esses trabalhos, portanto, reforam a validao dos conceitos propostos por Murray
Bowen (Kerr e Bowen, 1988), incluindo seus impactos na identidade de cada indivduo e no

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seu funcionamento psicossocial, como indicadores da regulao do afeto e das relaes de
interdependncia, com relevncia direta para os indivduos nas fases dos ciclos de vida do
indivduo e da famlia, quando se tornam adultos. A repetio de padres varia entre
indivduos em funo do grau de diferenciao do self (Kerr e Bowen, 1988), ou seja, com a
identidade de cada indivduo. O funcionamento psicossocial esta associado com o senso de
identidade, o qual se expressa no somente por meio de comportamentos observveis mas
envolve tambm contedos pr-conscientes que influenciam atitudes. A identidade um
conceito que evolui ao longo do ciclo de vida humano, em pelo menos oito fases distintas da
infncia a vida adulta e a maturidade (Erikson, 1980). Assim, pode-se at adotar a idade
como uma proxy para indicar o gradual desenrolar da personalidade ao longo de crises
psicossociais especificas de cada fase (Erikson, 1980)(p. 128). Por outro lado, indivduos
vivem em sociedade, usualmente em famlias. Portanto, considera-se tambm a identidade
humana ao longo do ciclo de vida familiar, sujeito no somente a estressores horizontais da
trajetria de vida individual com seus prprios eventos traumticos, mas tambm sujeito a
estressores verticais transgeracionais (Mcgoldrick e Carter, 1980).
De maneira anloga ao processo que se passa entre indivduos e famlias, ocorre
tambm uma tenso entre pertencimento e diferenciao nos relacionamentos interpessoais
entre indivduos e organizaes, mediados pelas relaes de trabalho. Entre diversos
estudos que estenderam a abordagem sistmica ao ambiente organizacional, relevante
mencionar a constatao de semelhanas no processo de tomada de deciso, no nvel de
relacionamentos interpessoais, entre: casais em situao de deteriorao das relaes
conjugais ntimas; gerentes e engenheiros da NASA na avaliao tcnica de componentes
do nibus espacial; e controladores de trfego areo interpretando informaes na tela do
radar (Vaughan, 2002). Assim, a abordagem sistmica na psicologia tambm aplicada ao
estudo da formao da identidade no trabalho, a partir da incluso / excluso de aspectos
da identidade social externa ao trabalho, ou da manuteno de uma clara diferenciao
entre essas identidades (Ramarajan e Reid, 2013).

3. VISO CRTICA DO CONSTRUCIONISMO SOCIAL

Por outro lado, desde a proposio inicial da aplicao da teoria sistmica
psicologia, diversas criticas tem sido apresentadas, uma vez que a metfora ciberntica na
qual esta se apoia passou a ser considerada por demais mecanicista e reducionista para a
anlise de sistemas psicossociais, com o advento do construcionismo social ps-moderno.
As estruturas sociais por si s no determinam a vida em sociedade como
pretendiam os estruturalistas (Arajo et al., 2008). A dimenso individual (agente social) no
uma simples consequncia das determinaes da estrutura social. Internalizam-se regras
e normas sociais, mas existem aspectos de condutas que no so previsveis. como um
jogo do qual sabe-se as regras e seu sentido, mas no qual tambm se pode improvisar.
Neste contexto, o habitus (noo filosfica antiga, originria no pensamento de
Aristteles e da escolstica medieval) foi recuperado e retrabalhado, em contraste com
conceitos correntes tais como hbito, costume, praxe, tradio (Bourdieu, 1967). Com o
habitus, Bordieu forja uma teoria disposicional da ao, intermediria entre a estrutura e a
ao. Assim, o habitus um sistema de disposies, modos de perceber, de sentir, de fazer,
de pensar, que nos levam a agir de determinada forma em uma circunstncia dada

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(Wacquant, 2009)
O habitus constitui a maneira de perceber, julgar e valorizar o mundo, e molda a
forma de agir, corporal e materialmente (Thiry-Cherques, 2006). composto: pelo ethos,
princpios prticos, no-conscientes, conjunto de disposies morais (diferente da tica,
forma terica, argumentada, explicitada e codificada da moral); pelo hxis, princpios
interiorizados pelo corpo, posturas, expresses corporais, aptides corporais adquiridas
(Aristteles); e pelo eidos, princpio de construo da realidade a partir de crena pr-
reflexiva, modo de pensar especfico, apreenso intelectual da realidade (Plato,
Aristteles).
O habitus apreende as relaes entre comportamento dos agentes e estruturas e
condicionamentos sociais (Setton, 2002), conciliando o dilogo entre realidade exterior
(mundo objetivo) e realidades individuais (mundo subjetivo das individualidades). Habitus,
nesse sentido, um sistema de esquemas individuais, socialmente constitudo, de
disposies estruturadas (no social) e estruturantes (nas mentes).
O habitus da pessoa moderna forjado pela interao de distintos ambientes
(famlia, escola, trabalho, grupos sociais, e cultura de massa), em uma configurao de
padres de conduta abertos. A constituio da identidade social do indivduo moderno se faz
a partir do habitus, da ao e construo e no somente de uma prtica automtica".
O habitus designa uma competncia prtica (Wacquant, 2009), adquirida na e para a
ao, que (i) resume uma aptido social, varivel no tempo e no espao, e com as
distribuies de poder; (ii) transfervel a vrios domnios de prtica, e fundamenta distintos
estilos de vida; (iii) durvel mas no esttico: disposies socialmente construdas podem
ser moldadas por novas foras externas; (iv) dotado de inrcia, onde prevalecem prticas
moldadas das estruturas sociais que as geraram, as quais filtram as ltimas experincias e
limitam as novas disposies aprendidas (da o peso dos esquemas adquiridos na infncia);
(v) introduz uma defasagem e, por vezes, um hiato entre as determinaes passadas que o
produziram e as determinaes atuais que o interpelam (de tal forma internalizado que
chega-se a ignorar que existe).
O habitus condicionante e condicionador das aes, no designa simplesmente
um condicionamento, mas simultaneamente um princpio de ao (Thiry-Cherques, 2006).
estrutura (disposies interiorizadas durveis) e estruturante (gerador de prticas e
representaes). Possui dinmica autnoma, sem direo consciente, forjada pela lgica do
campo social. Contm o conhecimento e o reconhecimento das regras do jogo em um
campo determinado. O habitus funciona como esquema de ao, de percepo, de reflexo
e o produto da experincia biogrfica individual, da experincia histrica coletiva e da
interao entre essas experincias. Uma espcie de programa, no sentido da informtica,
que todos ns carregamos (Thiry-Cherques, 2006)(p.34).
Pelo habitus, incorpora-se a histria, tanto no estado objetivado (monumentos, livros,
teorias), quanto na forma de disposies. Assim, manifesta-se em condutas regulares, as
quais permitem prever prticas as coisas que se fazem e as coisas que no se fazem
em determinado campo. tanto individual quanto coletivo, diferenciado e diferenciante,
aflorando no estilo de vida individual e nas afinidades da coletividade. No s est no
indivduo, como o indivduo se situa em um campo que circunscreve um habitus especfico.

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 A dinmica social se d no interior de um campo (segmento social), onde agentes
(indivduos e grupos) tm disposies especficas (habitus), e regida por lutas entre
agentes, relaes de fora e distribuio das formas de capital especfico (cultural,
econmico, social, simblico). Nessas lutas so levadas a efeito estratgias no
conscientes, que se fundam no habitus individual e dos grupos em conflito (Thiry-Cherques,
2006). Os determinantes das condutas individual e coletiva so as posies particulares de
todo agente na estrutura de relaes. De forma que, em cada campo, o habitus, socialmente
constitudo por embates entre indivduos e grupos, determina as posies, e o conjunto de
posies determina o habitus. Os campos no so estruturas fixas. So produtos da histria
das suas posies constitutivas e das disposies que elas privilegiam. Todo campo se
caracteriza por agentes dotados de um mesmo habitus. O campo estrutura o habitus, e o
habitus constitui o campo. O habitus a internalizao ou incorporao da estrutura social,
enquanto o campo a exteriorizao ou objetivao do habitus (Thiry-Cherques, 2006).
Enquanto integrantes de um campo, inscritos no seu habitus, no se pode ver com clareza
suas determinaes, nem se capaz de discuti-lo.

4. NOVO OLHAR PARA A ABORDAGEM SISTMICA NA PSICOLOGIA

De forma a conciliar e atualizar a viso sistmica, incorporando o conceito do
habitus, constata-se a necessidade de considerar a dinmica disposicional e situacional das
estruturas psicossociais, buscando inspirao na teoria dos sistemas dinmicos, na teoria
do caos e de sistemas complexos.
Os cientistas comportamentais e sociais enfrentam grande desafio na traduo dos
conceitos da complexidade de sistemas dinmicos (Eidelson, 1997), propostos
originalmente nas cincias naturais, para sistemas humanos (pessoas, grupos, sociedades),
por duas razes principais: confuso sobre os conceitos e as definies da complexidade; e
o pressuposto aceito nessas cincias de que sistemas humanos so guiados para um
estado de equilbrio, e um nico estado de equilbrio existe para um dado sistema. A ideia
de dinmicas instveis, auto-organizadas e distantes do equilbrio, inerentes
complexidade, tendiam a ser entendidas como desvios e desorganizao social, e no como
padres emergentes.
No entanto, hoje constata-se que muito da vida social experienciada por processos
mentais, acionados automaticamente com base nas caractersticas do ambiente social
imediato (pertencimento aos grupos, qualidade dos relacionamentos, hierarquia e normas
sociais). A automaticidade na vida social se refere ao controle interno e inconsciente dos
processos psicolgicos (Bargh e Williams, 2006), a qual se estende alm da percepo e da
interpretao do mundo social, influenciando e guiando a agncia e as interaes sociais do
indivduo, por longos perodos. Assim, as influncias automticas na vida social so
numerosas e diversas, podendo se estender a contextos no relacionados (por exemplo, da
famlia para o trabalho, e vice-versa), nos quais decises e escolhas comportamentais so
influenciadas inconscientemente.
O conceito de automaticidade dos processos cognitivos superiores tem sido
amplamente evidenciado em estudos psicolgicos (Bargh et al., 2012), portanto, a
automaticidade no decorre apenas de um processo de aquisio de habilidades, no qual
um processo consciente e deliberado repetido at ser automatizado, mas tambm de

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substratos evolutivos e de mecanismos de aprendizado desde a primeira infncia. A
psicologia social envolve uma interao complexa entre processos conscientes e
automticos, onde os primeiros causam e tambm so causados pelos ltimos (Bargh et al.,
2012).
Outro importante processo na evoluo humana, relevante para a psicologia social,
o efeito Baldwin, o qual postula um mecanismo para assimilao gentica de caractersticas
adquiridas. O efeito Baldwin um caso especial do processo etolgico da construo do
nicho (Maclennan, 2007), que um processo de realimentao pelo qual primeiro uma
populao altera seu ambiente em benefcio prprio, mas depois os indivduos se adaptam
ao ambiente modificado, o que provoca novas modificaes, e assim por diante. O resultado
uma coevoluo, complexa e imprevisvel, da populao e de seu ambiente.
Predisposies genticas para organizaes sociais complexas possivelmente resultam
desse processo de construo de nicho.
Alm disso, foi evidenciado que h diferentes graus na capacidade de aprendizado,
variando entre organismos e ambientes, com vantagens diferenciadas entre as espcies, em
funo de sua criticidade na adaptao e na sobrevivncia (Seligman, 1970), ou seja, existe
uma preparao da aprendizagem (terreno frtil).
Na ciberntica de segunda ordem, j se reconhece a inseparabilidade entre agente e
sistema observador, e os processos cognitivos so explicados a partir das dinmicas
acopladas entre agentes e ambientes (Bishop e Nasuto, 2005). Ao entender a cognio
como um processo dinmico contnuo, a ciberntica de segunda ordem rejeita a noo de
cognio como manipulao computacional de representaes. O agente interage com o
mundo complexo, sem necessidade de uma representao explcita.
Com base nas contribuies da psicologia evolucionista para o entendimento do
desenvolvimento social, a teoria de sistemas complexos pode ser utilizada para modelar a
emergncia e a evoluo das estruturas sociais (Maclennan, 2007). Em particular, o
paradigma conexionista dos sistemas dinmicos tem implicaes relevantes para a
psicologia social. O conexionismo sofreu objees anteriores, por exemplo, com base na
teoria da linguagem (Chomsky, 1956), a qual previa o conhecimento inato de regras
gramaticais comum s linguagens naturais.
No entanto, o conexionismo prove uma explicao alternativa para o comportamento
aparente de seguir regras, com base nos recentes achados da neurocincia (Maclennan,
2007). Apesar de no existir regras explcitas em uma rede conexionista, como as redes
neurais cerebrais, o efeito cumulativo das muitas conexes e computaes individuais
podem exibir um comportamento emergente regular, o qual pode ser similar ao seguimento
de regras. O conexionismo no apenas um mtodo alternativo para obter resultados
semelhantes ao seguimento de regras, mas sim apresenta caractersticas de flexibilidade e
sensibilidade ao contexto, tpicas do comportamento humano.
O enfoque conexionista reforado pelas pesquisas com o aprendizado e
comportamento de especialistas (Dreyfus e Dreyfus, 1980), evidenciando que o
comportamento de novatos se assemelha mais ao seguimento de regras, do que o dos
especialistas, os quais abandonam o uso estrito de regras procedimentais e se comportam
de formas mais flexveis e sensveis ao contexto. No entanto, o conexionismo no deve ser
confundido como uma nova forma de ambientalismo, que absolutamente no postula a

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hiptese da tabula rasa, mas sim um enfoque paradigmtico para modelar o funcionamento
psicossocial.
Alm do conexionismo, para incorporar os achados da neurocincia na psicologia,
propem-se uma abordagem enativa, baseada em uma coemergncia entre sujeito e objeto
(Mcgann et al., 2013). Por meio deste, os processos psicolgicos so estudados como
interaes dinmicas entre agentes autnomos e seus ambientes, onde a cognio no se
restringe a um indivduo, mas emerge dinamicamente do relacionamento deste com seu
contexto (incluindo outros agentes). A abordagem enativa da cognio supera uma viso de
processamento de informaes baseado em representaes, e prove a naturalizao da
significao de comportamentos e contextos, os quais emergem de relaes complexas
entre agentes cognitivos e ambientes, por meio de interaes dinmicas.
Na teoria de sistemas dinmicos, entende-se como emergncia o desenvolvimento
coordenado de um conjunto de estruturas, funes e padres, qualitativamente diferentes,
em um sistema dinmico, o qual no pode ser reduzido nem previsto a partir do
conhecimento das condies precedentes do sistema (Piers, 2007). O funcionamento
psicossocial emergente de uma dinmica de mudanas qualitativas nas experincias
individuais de auto-direcionamento ou de agncia, que se processa em contextos
psicolgicos que no possibilitam o reconhecimento imediato das razes explicativas da
mudana. Um conjunto de caractersticas distingue a emergncia de conceitos similares
(Goldstein, 2007): organizao radicalmente nova (imprevisvel e irredutvel); dinmica
(mutvel no tempo); ostensiva (manifesta no sistema); aderente (integrao duradoura de
componentes do sistema); e no nvel macro (organizao em nvel superior ao nvel micro
dos componentes sendo organizados).

5. CONSIDERAES FINAIS E DIREES FUTURAS

Dessa forma, a abordagem sistmica na psicologia deve adotar uma perspectiva de
auto-organizao paralelamente auto-regulao.
Por meio da auto-regulao (Carver e Scheier, 2003), a partir de uma estrutura
psicossocial manifesta no tempo presente, o comportamento humano controlado por
retroalimentao, em um processo no qual dois ou mais subsistemas biolgicos centrais
(p.ex., um de aproximao e outro de separao, com regulao de intensidades e
velocidades) competem pelos recursos cognitivos (funes executivas) e pelo
direcionamento do indivduo (necessidades psicofisiolgicas). Este processo ocorre do topo
para a base.
Por outro lado, o comportamento tambm surge da auto-organizao emergente da
base para o topo, onde processos afetivos (emoes) e a automaticidade influenciam a
agncia, em um processo conexionista, com caractersticas tpicas dos sistemas dinmicos
(sensibilidade s condies iniciais, atratores, bifurcaes, etc). Neste caso, a interao
social pode ser modelada por meio de equaes diferencias no lineares (Gottman et al.,
2002).
Para a integrao de modelos de auto-regulao e auto-organizao, o
direcionamento futuro indica o emprego da simulao qualitativa para uma modelagem
conceitual (Liem, 2013), visando a construo terica e a formulao de hipteses a serem

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testadas em estudos quantitativos posteriores.

6. REFERNCIAS

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