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A Opiniao Publica - Machado de Assis

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"Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando


por dinheiro e poder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo
nvel."
O livro no acabou. O livro no acabar. Telefones, tablets e eReaders
s aumentam nossa paixo por livros porque ampliam possibilidades,
criam novos caminhos.

Isso que o motiva a coleo Para Ler em P, lanada pela Mrula


Editorial. uma coleo com textos de autores brasileiros para levar
para qualquer lugar. No pesa nas costas, no d trabalho para
carregar. So textos curtos, para ns, viciados em leitura que
queremos ler na fila, no avio, no metr ou no nibus.

A cada quinze dias um texto novo. Sempre s quartas-feiras,


gratuito, na loja virtual da livraria Cultura e da Kobo. s baixar e
curtir em doses suaves o vcio de ler.
5 DE MARO DE 1867.
OPINIO
PBLICA
Dizem alguns que V. Ex. no existe; outros afirmam o contrrio. Mas
estes so em maior nmero, e a fora do nmero, que a suprema razo
moderna, resolve as dvidas que eu porventura possa ter. Creio que V. Ex. existe, em
que pese aos mofinos caluniadores de V. Ex. Se no existisse, como se falaria tanto em
seu nome, na tribuna, na imprensa, nos meetings, na praa do comrcio, na rua do
Ouvidor? Das criaes fabulosas no se fala com tanta insistncia e generalidade, salvo se
houvesse uma conspirao para asseverar aquilo que no , e isto repugna-me acreditar.

Tambm por muito tempo se duvidou da existncia de Mr. Hume, aquele clebre
mgico que transformava os ovos em carvo, mas, se bem me lembro, apareceu um dia o
dito mgico, e da em diante ningum mais duvidou dele. O mesmo h de acontecer com
o judeu errante, de quem falam todos, e que eu creio que existe, sem ser a cholera-morbos,
e que h de aparecer mais dia menos dia, tenho essa esperana.

a maioria da gente que tem razo, e quando falo em maioria suponho ter produzido
um desses argumentos invulnerveis, at mesmo no calcanhar, apesar de quanto possa ter
dito o visconde de Albuquerque.

Assentado isto, receba V. Ex. esta carta que a primeira da srie com que eu pretendo
estrear na imprensa. costume entre a gente trocar os bilhetes de visita a primeira vez
que se encontra. Na Europa, ao menos, to necessrio trazer um mao de bilhetes,
como trazer um leno. V. Ex. ter desejo de saber quem sou. Di-lo-ei em poucas
palavras.

Se a velhice quer dizer cabelos brancos, se a mocidade quer dizer iluses fracas, no sou
moo nem velho. Realizo literalmente a expresso francesa: un homme entre deux ges.
Estou to longe da infncia como da decrepitude; no anseio pelo futuro, mas tambm
no choro pelo passado. Nisto sou exceo dos outros homens que, de ordinrio, diz
um romancista, passam a primeira metade da vida a desejar a segunda, e a segunda a ter
saudades da primeira.

No sou alto nem baixo; estou entre Thiers e Dumas, entre o finado marqus de
Abrantes e o visconde de Camaragibe. Cito os dois para dar cor local comparao, e
ficar logo s boas com a crtica literria. Alm disso, h um ponto de contato entre o
orador francs e o orador brasileiro; ambos obtiveram um apelido quase idntico pela
semelhana da eloqncia parlamentar. Onde no h nenhum ponto de contato entre os
outros dois: nem o Sr. Camaragibe faz romances, nem Alexandre Dumas faz poltica, e
creio que ambos se do bem com esta absteno.

No sou votante nem eleitor, o que me priva da visita de algumas pessoas de


considerao em certos dias, gozando, alis, da estima deles no resto do ano, o que me
sobremaneira agradvel. Ao mesmo tempo poupo-me s lutas da igreja e s corrupes
da sacristia.

No privo com as musas, mas gosto delas. Leio por instruir-me; s vezes por consolar-
me. Creio nos livros e adoro-os. Ao domingo leio as Santas Escrituras; os outros dias
so divididos por meia dzia de poetas e prosadores da minha predileo; consagro a
sexta-feira Constituio do Brasil e o sbado aos manuscritos que me do para ler.
Quer tudo isto dizer que sexta-feira admiro os nossos maiores, e ao sbado durmo a
sono solto. No tempo das cmaras leio com freqncia o padre Vieira e o padre
Bernardes, dois grandes mestres.

Quanto s minhas opinies pblicas, tenho duas, uma impossvel, outra realizada. A
impossvel a republica de Plato. A realizada o sistema representativo. sobretudo
como brasileiro que me agrada esta ltima opinio, e eu peo aos deuses (tambm creio
nos deuses) que afastem do Brasil o sistema republicano, porque esse dia seria o do
nascimento da mais insolente aristocracia que o sol jamais iluminou.

No freqento o pao, mas gosto do imperador. Tem as duas qualidades essenciais ao


chefe de uma nao: esclarecido e honesto. Ama o seu pas e acha que ele merece todos
os sacrifcios.

Aqui esto os principais traos da minha pessoa. No direi a V. Ex. se tomo sorvetes
nem se fumo charutos de Havana; so ridiculezas que no devem entrar no esprito da
opinio pblica.

Agora que me conhece, perguntar V. Ex. por que motivo esta primeira carta dirigida
sua pessoa, e que lhe quero dizer com esta dedicatria. Nada mais simples. Entrando
numa sala, cumprimenta-se logo a dona de casa; entrando na imprensa, dirijo-me a V.
Ex. que a dona dela, segundo dizem as gazetas, e eu creio no que as gazetas dizem.
Consinta V. Ex. que eu no lhe faa corte. De todas as pessoas deste mundo V. Ex. a
mais cortejada desde que um italiano escreveu estas celebres palavras: de l'opinione, regina
del mondo, talvez para contrabalanar o ttulo que as ladainhas da Igreja do Virgem
Maria, regina angelorum. No ser V. Ex. igual Virgem Maria, mas creio poder
compar-la a Santa Brbara, e realmente uma Santa Brbara, que a maior parte da gente
invoca na hora do temporal e esquece na hora da bonana. Eu serei o mesmo em todas as
fases do tempo, e se vier a cortej-la algum dia, ser em silncio, silentium loquens, como
dizia S. Jernimo, outro advogado contra as borrascas.

Ter V. Ex. a indiscrio de pedir-me um programa? Acho que este uso parlamentar
no pode ter aceitao nos domnios da musa epistolar, que toda incerta, caprichosa,
fugitiva. Demais, sei eu acaso o que h de acontecer amanh? Posso criar uma norma aos
acontecimentos? Deixe que os dias passem, e o sucessor com ele, os sucessos
imprevistos, as coisas inesperadas, e a respeito de todos direi francamente a minha
opinio.

Ou, se quiser absolutamente um programa, dir-lhe-ei que prometo escrever com pena e
tinta todas as minhas cartas, imitando deste modo o programa daquele ministrio que
consistia em executar as leis e economizar os dinheiros pblicos. Profunda poltica que
toda a gente compreendeu de um lance. Perdoe-me V. Ex., creio que V. Ex. apoiou
esse ministrio; ao menos assim dizem os amigos dele; e creio que tambm lhe fez
oposio; ao menos, diziam-no os parlamentares oposicionistas. Coisas de V. Ex.

nisto que ningum pode venc-la. O dom de ubiqidade V. Ex. quem o tem de uma
maneira prodigiosa. Agora, por exemplo, no anda V. Ex. de um lado trajando sedas e
agitando guizos, alegre e descuidada, pulando uma valsa de Strauss, dando a mo tsica
dos pulmes e tsica das algibeiras, e de outro lado envergando uma casaca preta, e
distribuindo pelos candidatos polticos a palma eleitoral? Ajuizada e louca, grave e
risonha, entre uma urna e um clice de champanhe, na esquerda o tirso da bacante, na
direita o estilo do escritor, olhar de Ccero, calva de Anacreonte, eis a V. Ex., a quem
todos adoram, os velhos e os mancebos, os bomios e os candidatos.

A verdade que V. Ex. tem s vezes caprichos singulares; gosta da cor vermelha, e a
pretexto de eleio, inspira no sei que maus mpetos ao leo popular, que a tudo investe
e tudo desfaz. Nessas ocasies V. Ex. no tem cetro, como rainha que , tem um cacete,
que um teorema infalvel. Mas nem assim perde o carter de opinio: esse o parecer
dos seus escolhidos.

Enfim, so mpetos. O pior quando, em vez de mpetos, apenas se emprega o meio da


corrupo das urnas, da seduo do votante, da interveno do fsforo, pasmoso
invento que eu coloco entre a obra de Fulton e a obra de Gusmo, vulgo Montgolfier.
Isso que pior. Francamente, eu creio que V. Ex. desconhece todos esses meios, e os
condena, e se acaso os sofre por honra da firma. Em todo caso, por que no protesta
V. Ex.? deste silncio que algumas pessoas tiram a concluso de que V. Ex. no
existe.

amanh que V. Ex. tem de escolher definitivamente os deputados; comeam duas


quaresmas, uma religiosa, outra poltica. Amanh os catlicos e os candidatos vo
receber a cinza, e todos recebem a cinza, ainda os que no forem eleitos, uns na
testa, outros nos olhos. Alegrias e decepes, dores e flores, todas as exaltaes, todos os
abatimentos, todos os contrastes. Eu creio que h em todo o imprio uma soma de
polticos capaz de formar cinco ou seis cmaras. que no h outra classe mais
numerosa no Brasil. Divide-se essa classe em diversas seces: polticos por vocao,
polticos por interesse, polticos por desfastio, polticos por no terem nada que fazer.
Imagino daqui o imenso trabalho que h de ter V. Ex. em escolher os bons e teis
dentre tantos. E esse o meu desejo, essa a necessidade do pas. Mande-nos V. Ex.
uma cmara inteligente, generosa, honesta, sinceramente dedicada aos interesses
pblicos, uma cmara que ponha de parte as subtilezas e os sofismas, e entre de frente
nas magnas questes do dia, que so as grandes necessidades do futuro, de que depende
a grandeza, ia quase dizer a existncia do corpo social.

Mas eu que falo assim obscuro e rude, quem sou eu para dar conselhos opinio, regina
del mondo? Perdoe-me V. Ex. natural nos homens, e eu sou homem, homo sum. Ao
menos veja nisto a minha boa vontade e o grande amor que lhe tenho.

Creio que esta carta vai longa; tenho-lhe roubado demasiado tempo. Vou pr aqui o
ponto final, e recolher-me ao silncio, a fim de pensar nos diversos assuntos com que me
hei de ocupar, se Deus me der vida e sade.

Devia ir v-la hoje divertindo-se e pulando, mas no posso. Consagro o dia de hoje a S.
Francisco de Salles, apropriado estao de penitncia que comea amanh. Preparo
assim o meu esprito meditao. Alm de que, o bom do Santo um dos melhores
amigos que a gente pode ter: no fala mal nem d conselhos inteis. Se V. Ex. cuida que
um homem de carne e osso, engana-se; um mao de folhas de papel metidos numa
capa de couro; mas dentro do couro e do papel fulge e palpita uma bela alma.
OPINIO PBLICA
MACHADO DE ASSIS

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CARTA DE UM OPINIO PBLICA
DEFUNTO RICO
MACHADO DE ASSIS
LIMA BARRETO

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