Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                

Download ebook pdf of 西方历史文献选读 古代卷 孟广林 主编 王大庆 米辰峰 选编 full chapter

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 53

■■■■■■■■ ■■■ ■■■ ■■ ■■■ ■■■

■■
Visit to download the full and correct content document:
https://ebookstep.com/download/ebook-45333226/
More products digital (pdf, epub, mobi) instant
download maybe you interests ...

Le Psautier Troisieme livre Ps 73 89 1st Edition R


Meynet

https://ebookstep.com/product/le-psautier-troisieme-livre-
ps-73-89-1st-edition-r-meynet/

Comprehensive Gynecology, 8e (Aug 5,


2021)_(0323653995)_(Elsevier) 8th Edition Gershenson Md

https://ebookstep.com/product/comprehensive-
gynecology-8e-aug-5-2021_0323653995_elsevier-8th-edition-
gershenson-md/

Mon tour du monde en 80 jours 1st Edition Yannick


Bestaven

https://ebookstep.com/product/mon-tour-du-monde-en-80-jours-1st-
edition-yannick-bestaven/

Mon tour du monde en 80 tortues 1st Edition Bernard


Devaux

https://ebookstep.com/product/mon-tour-du-monde-
en-80-tortues-1st-edition-bernard-devaux/
„■■■■ ■■■■ ■ ■■■■■■■■■...“ : ■■■■■■■ ■ ■■■■■ 80-■■■■
■■■■■■■■ ■■■■■■■■■ ■■■■■■■■■ ■■■■■

https://ebookstep.com/download/ebook-56209260/

Instituto Nacional de Antropología e Historia 80 años


Jaime Bali Editor Adriana Konzevik Editor

https://ebookstep.com/product/instituto-nacional-de-antropologia-
e-historia-80-anos-jaime-bali-editor-adriana-konzevik-editor/

Eine Anleitung zum Glücklichsein - 80 anregende Impulse


zur psychischen Gesundheit 1st Edition Alexander
Hüttner

https://ebookstep.com/product/eine-anleitung-zum-
glucklichsein-80-anregende-impulse-zur-psychischen-
gesundheit-1st-edition-alexander-huttner/

Calculate with Confidence, 8e (Oct 26,


2021)_(0323696953)_(Elsevier) 8th Edition Morris Rn
Bsn Ma Lnc

https://ebookstep.com/product/calculate-with-
confidence-8e-oct-26-2021_0323696953_elsevier-8th-edition-morris-
rn-bsn-ma-lnc/

Cotton and Williams' Practical Gastrointestinal


Endoscopy - The Fundamentals, 8e (Apr 22,
2024)_(1119525209)_(Wiley-Blackwell) 8th Edition Walsh

https://ebookstep.com/product/cotton-and-williams-practical-
gastrointestinal-endoscopy-the-
fundamentals-8e-apr-22-2024_1119525209_wiley-blackwell-8th-
Another random document with
no related content on Scribd:
dos espanhóis mas dá iguais. E se querem experimentar já lhes não
digo que leiam d’Annunzio e logo Gauthier. Leiam por exemplo
d’Annunzio e Suderman. Se vos não der a impressão que os livros
de d’Annunzio são escritos por uma mulher, não sei que diga!
Tolstoi quando começou às punhadas a Shakespeare devia sentir
a tortura do russo do livro de Eça. E todavia Tolstoi com tôda a sua
mansidão, a sua paciência sofredora, a sua resignação passiva e
néo-cristã não pode compreender a tempestade de paixões que é
Shakespeare. Porque Shakespeare é o colosso do Ódio e do Amor,
o Céu, a Terra e o Inferno. E eu penso que é preciso ser-se um
vélho bruto para não compreender Shakespeare.
Outro tanto dirão de mim. Não compreender d’Annunzio? ¿O
poeta do amor subtil, dos perfumes, dos lilazes, da volúpia perene,
capitosa e aristocrata; o prosador imaterial, cheio de doçura,
magistral, ilustre, divino, mirífico; a pena de ouro que traçou o
Fuoco, o Crime, as Virgens? Eu sei lá! Mas é um crime! E estou
repêso de confessar o meu pecado. Eu não sabia... E ponho-me a
querer entender d’Annunzio. Tomarei um explicador. Porfiarei. A
minha ignorância é lamentável. Mas, quando estou envergonhado e
confuso um diabinho irónico vem e segreda-me ao ouvido que os
outros, que o adoram, que o admiram, percebem-no tanto como eu.
Compreendo agora. É uma «ideia feita», o culto de d’Annunzio. E
como o desgraçado Cornuski, eu, torcendo as mãos, na minha
impotência de o compreender terei que murmurar
desconsoladamente o meu:—«Como é belo!»
Um poema
(Carta ao general Henrique das Neves)
Meu amigo:
JÁ lá vai mês e meio de silêncio sôbre o recebimento do poema
Apoteose Humana, que o meu amigo teve a gentileza de me ofertar
em nome do autor. Só hoje lhe escrevo, mas lá diz o ditado... O
amigo sabe o que o ditado diz. Pediu-me a minha opinião. Sem
embargo dela ser uma opinião a pé, uma opinião infantaria, pacata,
modesta e de bons costumes, vou dar-lha. Sou pouco amigo de dar,
mas emfim...
Eu podia dizer-lhe cousas muito lisongeiras do poema do seu
amigo. Podia dizer-lhe mesmo que ambos eram talentosos,
modestos, bem criados, que recolhiam a horas, não fumavam, etc.,
etc. Mas não. Prefiro dizer-lhe abertamente o que penso,
brutalmente, sem transigências nem banalidades. Portanto o que aí
vai é rude, com a rudeza dum homem que não precisa para nada
dos seus confrades em letras, consagrados, e não consagrados, e
que vive «achando a quàsi todos os deuses pés de barro, ventre de
gibóia a quàsi todos os homens e a quàsi todos os tribunais portas
travessas» como já nos Gatos escrevia Fialho.
Bem se vê que o seu poeta, o sr. M. Joaquim Dias, nunca saiu do
Faial. Se saisse não fazia poemas a uma cousa que não conhece
senão em teoria:—O Homem. Mantegazza, que o estudou a fundo,
sabe o que êle é; eu que lido com êle, ha muito sei o que êle vale. O
que lhe digo em verdade é que êle nunca mereceu os versos do seu
amigo.
O poeta julga o Homem pelos livros. Livros são, quàsi sempre,
gramofones de ideias. Deixe-os cantar. Valia-lhe mais um ano de
viagens do que ler todos os livros que tratam do Homem. É o seu
amigo, médico? É teólogo? É psicólogo? É legista? Só assim se
compreendia que êle conhecesse o assunto do seu poema. Porque
o médico conhece o homem em tôda a sua miséria; o teólogo em
tôda a sua estupidez; o legista em tôda a sua maldade, e o
psicólogo em tudo isto junto. Mas o seu amigo é sómente poeta?
Poeta, nada mais? Sim, isso vê-se logo. Poeta é sonhador. Os
poetas teem ideias muito diversas de todos os outros mortais. São
poetas e basta.
Pediu-me uma carta. A carta aqui vai. Se lha não envio particular,
pelo correio, é porque receio que lhe introduzam algum décimo da
lotaria espanhola e o amigo sofra transtornos por minha causa. Mais
nada.

Logo no prefácio diz o seu poeta: «...Fiz, pois, uma apoteose ao


Homem, a êsse ser que triunfou nas lutas terríveis do passado, que
compreende os fenómenos e as leis e progride». Ora eu não admiro
o Homem. Se algum sentimento tenho por êle ou é desconfiança ou
desprêzo.
Deus, criando o homem à sua imagem e semelhança, foi um
escultor bem medíocre. E pode limpar a mão à parede, se é essa a
suprema manifestação do seu génio. Depois, maravilhosa forma de
reclamo, deu às criaturas o poder de reproduzirem infinitamente a
sua obra prima.
Ora diga-me, meu caro amigo: ¿Em que devemos admirar essa
obra, essa vil e miserável máquina de ossos, nervos, músculos e
tendões? ¿Que criou, que inventou ela de produtivo? ¿Inventou a
dinamite, a melinite, a himalaíte? ¿Canhões que arrasam cidades,
projécteis cataclísmicos, blindagens pavorosas? ¿E isso que vale?
¿Inventou os deuses, os reis, as religiões, os ritos e os dogmas? ¿E
isso para que serve?
Antigamente, nos tempos primitivos, o Homem trocava um
machado de pedra pela pele dum urso. Agora troca a mesma pele
por umas pequenas rodelas de ouro, de prata ou de cobre, com uns
números, a que chamou dinheiro, que são tudo, valem tudo e tudo
podem.
Antigamente não pagava décimas, nem contribuições, nem
impostos. Era senhorio da sua caverna e não necessitava de tomar
óleo de fígado de bacalhau. Não tinha botas, mas não sofria dos
calos. Com a invenção das botas vieram os calos, e com os calos o
rifão que diz «quem tem calos não vai a apertos». Parece que o
general vae concordando? Apenas falei em calos, pareceu-me ouvir
dizer o meu amigo: «Diga-me cá a mim o que isso é!»
A mulher era nua e mentirosa. O homem era quási urso, porque o
urso era quási homem. Ainda não havia médicos, nem boticas, nem
literatos, e a poesia, meu caro amigo, tinha muito menos pau de
campeche. O ar era de todos, a terra de todos era e cada um fazia o
que muito bem queria. Depois é que veio essa pouca vergonha de
arregimentar a gente, sob o nome de famílias, tríbus, nações, etc.,
que fêz com que viesse a praga dos chefes, chefes e mandões de
tôdas as castas e feitios, qual deles mais nocivo e funesto: chefes
de família, chefes de repartição, chefes de polícia, chefes de estado
e até generais, meu caro amigo.
Os enterros eram todos iguais. Não havia enterros de primeira
classe. Desconhecia-se o espartilho, a sobrecasaca, o chapéu alto,
e as vantagens do algodão, que impinge por boa mulher o arenque
mais chupado. Veja lá que temposinho!
Se os povos estavam em guerra era tareia bruta, mòcada de criar
bicho. Mas não metia tiros. Era tudo a cacete. Ainda se não tinha
inventado a metralhadora, o leque da Morte, nem a baioneta, uma
navalha que por não se poder trazer na algibeira do fato, se traz
pendurada à cinta, numa algibeira de lata.
Os deuses eram muitos, mas todos súcios, todos pândegos. E
apesar de não haver jornais, todos sabiam perfeitamente o que se
fazia no Olimpo. Se chovia é que Baco se empiteirara e que o vinho
era branco,—que é bebida diurética. Vá vendo!
Caminhamos pois da liberdade para a servidão. ¿Onde está êsse
progresso de que fala o seu poeta? Se êle me quere impingir que
progredimos, porque mais isto, mais aquilo... temos conversado!
Quere um exemplo? ¿O general não padece de apertos de
uretra? Ora suponha que padecia. Se fôsse no tal tempo vertia onde
muito bem desejava, que ninguêm tinha nada com isso. Mas nestes
tempos de progresso, vá o general fazer isso na rua, e verá o que
lhe sucede. São dez tostões de multa. Vá vendo que progresso tão
catita!
Mas que o progresso é indubitável... sim... não digo que não. Veja
lá se nos tempos em que o homem se cobria de peles podia haver
gatunos de carteiras! Isso podia êle. Ainda não havia bolsos! E se
antes de se inventarem as casacas se corria perigo de confundir um
criado de mesa com um conselheiro de estado!
Eu embirro com o meu semelhante. É, por via de regra, cínico,
trapaceiro, mentiroso e velhaco. Li algures que êle era meu irmão...
em Cristo. Deve ser intrujice, porque eu não conheço Cristo nem
seu irmão.
Quando me estende a mão lá tem a sua fisgada. E eu desconfio
logo que, se já me não embarrilou, está para me embarrilar.
Nestes tempos de progresso, tenho pena de não ser troglodita.
Teria tudo que não tenho e sobejar-me-ia muito do que tenho. Seria
feliz. Dir-me-há o general que hoje se sabe. ¿Mas que diabo de
felicidade dá o saber que êles foram muito mais felizes do que nós?
Olhe que saber alguêm feliz faz sangue mau. ¿E pode por acaso
ser-se feliz, hoje? Não. E então podia.
Aí tem. Antigamente havia liberdade. A de hoje é só poética. O
homem de hoje é um escravo e a sua carta de alforria é a morte. Se
o general contesta lembro-lhe se não tem por desventura alguma
décima relaxada. Não tem? Não tem, mas pode ter.
Como vê, não concordo com o tema da Apoteose Humana. Êle é
de tal ordem que, se o poeta não merece que o general lhe dê oito
dias de detenção, tambêm não é caso para louvor na ordem do dia.
Eu não concordo. Sou novo e conheço já um número
avultadíssimo de patifes. O general é velho, deve conhecer muitos
mais. O diabo então, que é velhíssimo, deve conhecer um pavor
deles.
Já vai longa esta. Eu não sou maçador de profissão e já me ia
tornando impertinente.
Desculpe-me e creia-me
um soldado raso de letras, bastante
insurreccionado.
Oriente
O trabalho é afinal uma cousa consoladora. Talvez a única felicidade
que a vida tem. Trabalhar, trabalhar muito, o trabalho tornado ideia
fixa, sem dar logar a outras ideias, sem dar logar ao sonho, sem
deixar que a Fantasia arquitecte os seus castelos dourados em
douradas bolas de sabão! Invejo os que assim trabalham. Zola
invejava o trabalho rude dos operários. Ser marceneiro, ser
carpinteiro, chegar a noite, ter a sua cadeira ou a sua cómoda
pronta, e descansar! Todavia Zola era como poucos um trabalhador.
Lembro-me de Zola sempre que olho para a estante da minha
livraria, onde se enfileira a obra vasta de Blasco Ibáñez. Eu, algures,
já lhe chamei o Zola da Espanha. Cada vez que vejo a sua obra me
convenço mais de que não errei. Sómente Zola era um rude e
esforçado trabalhador, vindo ainda com um plano que nada
conseguiu fazer mudar e, à semelhança de Balzac, pondo-o em
prática numa série interminável de volumes. Blasco não. É um Zola
sem plano. Talento robusto e pasmoso, não tem de Zola a
testarudez orientadora nem o gigantesco e sintético sôpro
insuflador. Mas para Zola espanhol está bem. Um admirável e
correntio estilo, uma ironia às vezes contundente, amável outras
vezes e sobretudo um poder pictural assombroso. Colorista intenso
são verdadeiramente zolaescas as suas descrições. E até no
aspecto humano se parece com Zola. Como Zola êle é um homem
de bons músculos, nervos sólidos e uma pertinácia que chega a
assombrar.
Vem isto a propósito do novo livro de Blasco. Intitula-se Oriente e
é a reunião de crónicas suas publicadas em jornais espanhóis e sul-
americanos. Tem êste volume na sua obra um número bastante
elevado. No seu género é porêm o segundo ou terceiro. Blasco tem
um livro adorável que intitulou Nel pais del arte e o Paris, reunião de
artigos. O primeiro da sua viagem à Itália, crónicas maravilhosas de
leveza e de transparência; o segundo das suas impressões da
capital do universo, como os franceses pomposamente chamam à
sua feia cidade. Êste, são impressões da sua estada em Vichy,
estação de água célebre, e da sua visita ao Oriente das mil e uma
noites, das princesas encantadas, das mulheres de véu na cara, dos
serralhos, dos rajás, dos sultões, onde há sublimes portas e
séquitos maravilhosos, pedrarias, lendas, desconhecidas floras,
mulheres desconhecidas, sensações nunca experimentadas. É por
isso que dentro da alma de cada artista uma mulher velada se
debruça segredando-lhe—Ao Oriente! Ao Oriente! O Oriente é o
desconhecido, será sempre o desconhecido.
Leiam-se embora tôdas as descrições desde as Cartas que os
padres jesuitas escreveram do Japão no ano..., e das Peregrinações
de Fernão Mendes Pinto até aos mais recentes trabalhos; leiam-se
os autores franceses e inglêses que se esforçam por mostrar-nos o
Oriente scientífica, artística e mentirosamente; leia-se tudo, leiam
tudo o que quiserem, que sempre êsse desejo lhes empeçonhará a
existência. Quem não foi a Paris anseia por ir lá. Depois quere ir
mais longe. Mas emquanto não foi, Paris é tudo. Há criaturas
debruçadas sôbre esta palavra: Paris, a Babilónia, onde a Arte é
grande, onde tudo é grande, porque tudo é grande na fantasia. A
cidade enorme, onde há esplêndidas mulheres, equipagens
faustuosíssimas, nababos, banqueiros, artistas ante os quais o
mundo inteiro boquiabre a sua admiração. Porque a criatura que
sonha não sonha que as esplêndidas mulheres são ambiciosas
vulgares onde só a toilette é alguêm, que as equipagens
conheceram e conhecerão múltiplos donos, que os nababos são às
vezes postiços, que os banqueiros são quási sempre escrocs, e que
os artistas são sempre uns pobres diabos que se matam, que se
arruinam, que se gastam a correr atraz duma quimera que com êles
se encafua quási sempre dentro do caixão de chumbo ou de
casquinha que os leva direitinhos, com a guia de marcha para a
Imortalidade, a dormir no Père-Lachaise.
Ao Oriente! Ao Oriente! Chateaubriand foi ao Oriente. Foi lá
tambêm Flaubert. Foi lá Maxime du Camp. Gomez Carrillo então
quintessencia o maravilhoso nas suas impressões da viagem
encantada—blagueur eterno, mixto risonho de fanfarrão espanhol e
jornalista parisiense. Já Amicis, êsse Amicis, ultimamente morto,
traçara as páginas adoráveis da Constantinopla. Pierre Loti então,
postiço, sonhador e desdenhoso, contava as cousas com um ar de
quem tinha o Oriente na algibeira. E para dizer que tinha, fizera da
loucura realidade. Os seus salões eram orientais. E se alguêm
duvidava, êle, correcto oficial de marinha, ciceronando, mostrava um
Pierre Loti vestido de Buda, um Pierre Loti vestido de bonzo, ora
hierático, ora pontifical, ora mandarinado, ora em uma cabaia de
vulgar mortal.
Blasco Ibáñez escutou tambêm a mulher velada.
Tinha lido alêm de tudo isto aquele imortal louco que se chamou
Julio Verne. Acreditava pois em maravilhas. Foi, viu e escreveu um
livro, o que é uma linda vingança. Antigamente dizia-se chegou, viu
e venceu. Daqui os amorudos lamechas fizeram o incomparável—
chegar, ver e ser vencido. Isto é de molde dizer-se de joelho em
terra, a mão no peito e assim um certo ar patético. Assim um certo
ar bironiano, como se o pobre lord tivesse que ver com estas tolices.
O escritor, porêm, lê, acredita, faz as malas, compra o bilhete, vai,
roubam-no descaradamente em tôda a parte, é comido de
percevejos cosmopolitas, percevejos que, tendo vindo da
Cochinchina no couvre-pieds dum inglês, embarcam no outro dia na
manta de viagem dum tirolês, encontra por tôda a parte caminhos
de ferro, patifes, estradas reais intransitáveis, uma ignorância
pasmosa e um fedor humano?! Que faz para se vingar? Puxa da
caneta, uma caneta com depósito de tinta, puxa dos linguados e zás
—sai livro. Em logar de contar o que passou, o que sofreu, as suas
aventuras e os seus arrependimentos, as saudades que teve da sua
casota e as vezes que torceu a orelha e ela não deitou sangue, não
senhor! Conta cousas maravilhosas, fantasia, intruja e passa a
balela aos outros. De tudo isto resulta um pouco: que todos os livros
de viagem se parecem, exactamente como as cartas de amor, cujo
fundo amoroso passional e estilístico está nesse livro de génio que
se chama o Secretário dos amantes, tão genial que devia ser
obrigatório, e que se não existisse se tornaria patriótico inventá-lo; e
que as viagens me são extremamente aborrecidas, com o que
ninguêm tem absolutamente nada.
Se o Oriente não trouxesse a etiqueta de Vicente Blasco Ibáñez,
eu diria encolhendo os ombros e parodiando o verso célebre de
Espronceda: «que haya un libro más que importa al mundo!» Mas
não. Tive que o ler, e declaro que não perdi o tempo. O Oriente é
curiosamente interessante, e interessantemente curioso. Há nele de
tudo. Descrições maravilhosas, ironia fácil, graça, e de vez em
quando até gravidade, uma gravidade nada protocolária, porque eu
não sei o que isso seja em Espanha, quando me lembro da Marcha
da Cadiz e do Morrongo.
Publicado primitivamente em crónicas, recolhidas agora em
volume, êste livro nada destôa da obra de Blasco, mesmo se
dissermos que Blasco é autor de livros maravilhosos como La
Horda, Entre naranjos, Flor de Mayo e outros. E que, alêm disso,
está horrorosamente traduzido em tôdas as línguas, como o Máximo
Gorki, de quem um entendido me dizia outro dia: «Gorki é um mártir.
Imagine que êle, escrevendo em russo, tem sido traduzido em tôdas
as línguas e dialectos por aí abaixo». É assim uma cousa parecida
com uma história contada aqui e que mil bôcas fôssem passando
umas às outras até Alcântara. Cada uma tinha dado um átomo da
sua originalidade. Tinha ido substituindo ou transformando. ¿Pois
não é uma lei que «na natureza nada se perde, tudo se
transforma»? Quando chegou a Alcântara a história está tôda
transformada. Deixou de ser do seu inventor para ser duma
sociedade anónima. Tal qual Gorki. «O Gorki em russo, diz o meu
interlocutor, parece-se tanto com o que aí conhecemos, que foi
traduzido do espanhol para onde havia vindo do francês e assim por
diante, como uma galinha se parece com uma espada, para não
dizer um ôvo com um espêto».
O Oriente deslumbrou Blasco. Foi, viu e publicou o seu livro. Acho
bem. Acho bem, tanto mais que deu aos seus 20:000 ou não sei
quantos leitores o prazer de ler um livro adorável e
desenfastiadamente escrito, que nos põe bem com a arte e com as
viagens.
E agora, que fechei o livro e me preparo para fechar a crónica,
sempre lhes direi que o trabalho é uma cousa consoladora. Eu
penso assim. O meu vizinho,—todo o cronista tem um vizinho
pensador ou pensativo,—pensa que o trabalho é bom para preto.
Não importa. Eu penso que o trabalho ainda nos põe bem com a
vida e que, se assim não fôsse, eu não teria ido ao Oriente em
espírito, não teria lido um livro magnífico e não teria gostosamente
esportulado os seis tostões que me custou o livro de Blasco.
As flores
CERTA ocasião em que, ido dos confins de Lisboa, me decidi a
visitar o solitário poeta do Hereje e da Traição na sua casa da rua da
Bela Vista, à Graça, ouvi dele, ao perguntar-lhe qual a sua flor
favorita, a seguinte resposta: «Que sei eu, meu amigo? As flores
são como as criaturas. Há nelas tambêm uma hierarquia. ¿Quem
pode deixar de adorar uma dessas rosas do Japão, aveludada,
enlanguescida, aristocrata, soberana? A rosa chá é uma duqueza
formosíssima e decotada. Ah! a rosa chá! Mas tenho uma decidida
predilecção pelo cravo rubro, o cravo sangue, estridoroso, flamante
como uma bandeira desfraldada. O cravo petulante! A violeta é uma
menina romântica. Há violetas que sabem de cor versos inteiros de
Soares de Passos. A camélia é uma delambida. Não veste bem.
Tem algo duma burguezinha carnuda e afectada. Mas não desadoro
na sua humildade o cacto silvestre e a flor de lis».
Ora, como o meu querido Gomes Leal, considero que não há
nada que se pareça tanto com uma linda mulher do que uma bela
rosa. E por isso é que, sempre, ao ver uma rosa me lembro duma
bela mulher. Ao ver um campo de flores, um jardim cuidado e
mimado, como Alexandre ao espraiar os olhos pelo seu exército
dum milhão de homens, não posso deixar de scismar em que tudo
aquilo foi feito para morrer. Alexandre considerava que ao fim dum
século nenhum de todo aquele brilho sobreviveria, nenhum dos seus
guerreiros conservaria o seu porte marcial e humano. Eu, ao ver a
montre dum florista, na falta de jardins por onde alongar os olhos,
penso tristemente que nada restará daquela beleza ao fim de cinco
dias. Envelheceram os cravos, murcharam as rosas, penderam os
lírios, os amor-perfeitos secaram. O próprio funcho, o feto silvestre,
êsses mesmos se vão secando. E de tôda aquela beleza nada
resta, nada. Fôlhas sêcas, fôlhas moribundas, flores agonizantes. O
tempo, impiedosamente, com sua mão gelada as tocou e lhes foi a
pouco e pouco dando a morte...
Uma rosa branca é uma linda mulher. A mulher envelhece como a
rosa; a rosa morre como a mulher. Conservo na minha vida uma
grande saudade. Foi duma rosa branca, enorme, perfumada, que
numa jarrinha, onde um par dulcíssimo e precioso, entrajado à
Império e miniaturado à Watteau, dançava um clássico minuete,
viveu, agonizou e morreu. Trouxera-a uma tarde, déra-ma não sei
quem. Posta na sua jarra, depois de mil cuidados, a rosa era linda e
desdenhosa. Linda e desdenhosa me acostumara a vê-la. Falava-
me às vezes. O seu perfume dizia-me cousas estranhas,
misteriosas, exquisitas, que me embriagavam, que me faziam
sonhar.
Acostumei-me a corporizar a rosa.
Já não era uma flor com a sua anatomia que a botânica me
ensinara. Era uma linda criatura, sonhadora, melancólica, fiel e
amada, que me fazia feliz, mas que se definhava na sua solidão. A-
pesar do calor dos meus beijos, do meu recolhimento profundo e
magoado, ela foi-se «pouco a pouco amortecendo», como no soneto
célebre de João de Deus. Uma dorida mágua a mirrava e
entristecia. Sem saber porque, via a minha rosa tossir. Mimei-a.
Incapaz de amar alguêm, de a alguêm ser fiel, ageitei-lhe o pouso,
dulcifiquei-lhe a estada. Fui seu enfermeiro vigilante. A pouco e
pouco, porêm, a-pesar-de todos os meus cuidados, emurchecia.
Uma tristeza vaga entrou com ela. Perdeu o brilho. Do setim das
suas fôlhas sumiu-se o lustro, e amarrotou-se como as saias de
sêda que se metem a trazer por casa. Encarquilhou-se. E um belo
dia, como aquela donzela dos versos de Vítor Hugo, que morreu
valsando, a minha rosa morreu. Tombou da haste agonizante.
Docemente, tristemente, assisti à sua morte. Vejo agora no fundo
duma caixa, o seu caixão, aquela rosa que foi o meu único amor, e
que é hoje a única saudade da minha vida. Porque amei
estremecidamente aquela linda rosa aveludada cujo perfume ainda
hoje me entontece. E não a posso ver, ao seu cadáver, uma múmia
galante e ressequida, que não entristeça. Era tão linda!
Tambêm amo apaixonadamente as violetas. Diga embora o meu
poeta que elas são românticas. Eu adoro os românticos, porque não
sou no fundo mais do que um romântico que se travestiu em homem
desta época para que o não roubem, para que o não assaltem, para
que o não explorem, para que o não espanquem. Se adoro os
românticos, é porque êles são afinal os únicos que sabem sentir e
os únicos que souberam amar.
Camilo, o romântico apaixonado, amou outra vez ao escrever a D.
Maria Izabel as cartas de amor que seu filho assinava. E pelo rapto
foi uma flor que o vélho romântico indicou para dar o sinal no peitoril
da janela da raptada. Uma flor! Camilo, que fôra um romântico tôda
a vida, como um romântico amando, e odiando com uma sanha que
só hoje se encontra nos vélhos alfarrábios, como um romântico
morreu. Quem poria hoje uma flor? diz Alberto Pimentel. Ninguêm.
¿Tambêm, quem ama hoje as flores apaixonadamente? Um ou outro
maduro que as cultiva, que as estremece e que as chora. Adoro as
violetas. São simples e são modestas.
O perfume das flores é o espírito das mulheres. Há flores
magníficas, supremas de graça, estonteantes de côr, que não
cheiram. Não gosto delas. Há mulheres vestidas de setim,
perfumadas a lilás, que não teem perfume. Quem as pode amar?
Os homens, querendo corrigir a natureza, fizeram flores de conta
própria por cruzamentos e enxertos. Sairam flores macabras, flores
canailles, flores que lembram cocottes, berrantes, auriflamantes,
estonteadoras. Mas não cheiram. Não teem perfume. Como o pintor
da antiguidade que encomendara ao discípulo uma Vénus e que
êste lha apresentara ataviada, mas feia—gargantilhas de pérolas,
barreira de ouro, colar de diamantes, pedraria em profusão—as
flores cruzadas são lindas mas não teem perfume. E logo a resposta
do mestre nos vem à bôca: Fizeste-a rica porque a não pudeste
fazer formosa! É o mesmo. Porque as não puderam fazer
perfumadas, fizeram-nas formosíssimas.
É agora a época das flores. Os dias de sol, lindos, dias tépidos
como os de agora, fazem amar as flores, porque ¿quem as pode
amar em dias londrinos, de nevoeiro e chuva? ¿Quem pode viver
sem o perfume da violeta? Se não fôssem as violetas, a vida seria
duma monotonia assustadora. E tão indispensável se tornam à vida
que duma linda mulher sei eu que não pode viver sem elas. Quantas
vezes, bocejante de tédio, neurastenizada, ela me diz
parafraseando a frase célebre do filósofo alemão:—«Ah! meu
amigo! Se não fôssem as violetas eu não gostaria de viver». Ao seu
peito um ramo de violetas rejuvenesce eternamente. No seu
toucador um frasco de violetas perfuma o ambiente e lhe perfuma a
carne. À sua mesa certas são as violetas, em que os seus dentes
gulosos se atufam, como nas fôlhas de rosa os dentes brancos
dessa poética Madona do Campo Santo.
Depois destas flores mimadas, veem as flores modestas e as
flores terríveis. Flores modestas, a papoula e o malmequer. «Mal me
quer... muito... pouco... nada». Sina rudimentar, sina do acaso. Aos
iludidos ela diz sempre falso: “Muito”. O tempo vem e afinal era
“nada”. Como o malmequer mentiu?! O malmequer é sempre
mentiroso. Se diz “muito” a gente duvida e tem sempre razão. Se diz
“nada” a gente não acredita. E é por isso que falando êle sempre
verdade, porque sempre diz nada, a gente o não quere nas jarras, o
desfolha sem amor. Porque nós odiamos quási sempre quem nos
diz a verdade sem lisonjas e sem paixões.
Nas flores terríveis temos a mancenilha. A mancenilheira é uma
criatura diabólica. Persisto em corporizar as flores. A mancenilha é
uma mulher, uma mulher que dá a morte. Uma daquelas mulheres
que matam, sorrindo, que sorrindo arruinam, e que trazem consigo
sómente a infelicidade. Nunca encontrei nenhuma mulher-
mancenilheira. Eis aqui porque adoro a mancenilha, que não
conheço. Porque a não conheço e porque dá a morte sorrindo.
Quanto custa uma mulher?
TIBÉRIO, filósofo machacaz e meu amigo, tendo lido nesse
extraordinário doido que se chamou Nietzsche, que tudo pode ser
pago porque tudo tem seu preço, veio a mim, resoluto e inquietador,
saber qual o preço que em boa razão se deve dar por uma mulher.
Tibério é um filósofo cheio de ironia azêda e eu, pobre de mim,
confessando-lhe a minha ignorância, resolvi consultar os padres
mestres, os calhamaços e os chavões. Áquele que perdêra os
óculos a arrumar a livraria, aconselhou Castilho que os procurasse
no Dicionário, letra O, que lá estavam. Pois nos livros,—nos livros
há de tudo como na botica—devia vir por fôrça a resolução do
problema.
Procurei, deitei abaixo a livraria e nada. Os meus livrecos eram
todos, ou quási todos, subservientes. Em lhes cheirando a saias...
Tinha ideia dum tal Schopenhauer, filósofo de bôca amarga,
estômago sólido e algibeira quente. O que êle dizia, porque todos
estes filósofos dizem cousas, era pouco, mesmo muito pouco.
E Tibério esperava resposta, mãos nas algibeiras, perna traçada.
Então?...
Suava. Guérin Ginisty dizia, isso lembrava-me eu, que, no fundo,
uma mulher nunca resiste a bons argumentos: «Com quinhentos
luíses, a mais segura delas, indigna-se... Com mil, defende-se...
Com dois mil, perturba-se... Com mais alguma cousa, cede». Tibério
amigo, aqui tem você! Foi o que se pôde arranjar! Mas Tibério sorria
e fazia uma careta. Acho forte, respondeu! Dois mil luíses é muito!
Acho caro! Muito caro, mesmo.
E Tibério, lesto, acabou o cigarro,—não sei se disse que Tibério
fuma desalmadamente!—abriu a porta e foi-se.
Agora aqui fico considerando na pergunta. Fôra uma vergonha
tanta ignorância junta. Mas, era a derrota de tôda esta livralhada de
que me ufano tanto. Era a derrota de tudo isto, ante o gesto
desdenhoso e a pergunta irritante dum filósofo safardana e
impertinente. Nada, não tinha geito nenhum. Considerei, estudei o
problema.
Já lá vai algum tempo depois da pergunta. Agora, se o bom
Tibério me aparecer, mostrando o meu ar mais profundo e o meu
mais retórico gesto, dir-lhe-hei:
«Tibério amigo: O preço duma mulher varia conforme as
circunstâncias. Na Austrália compra-se uma mulher por uma garrafa
de vidro, ou por uma faca ferrugenta. Hás-de concordar que não é
caro! Na Cafraria, por uma quantidade de cabeças de gado bovino,
quantidade que varia de dez a setenta cabeças. Na Índia, por um
porco ou por bois. Mas, se deres mais de dez bois, já foste comido!
Na Islândia compra-se uma mulher por um marco. Em pontos da
África por uma garrafa de rum, e olha que não é barato! O rum
sempre vale mais.
Entre os povos civilizados, o negócio é mais demorado. Casar
com ela, é a fórmula. Então dá-lhe o nome. E ela vendeu-se ou
porque sim, ou por ver a sua tranquilidade assegurada, ou porque o
marido tem boa posição, é deputado, ou lhe pode dar vestidos. Há
tambêm uma outra moeda. Essa, chama-se Amor.
O Amor é uma bebida e uma embriaguez. São duas criaturas que
se encontraram e se propozeram beber do mesmo copo. Beberam
até cair. Depois a bebida começa a repugnar-lhes e adormecem.
Essa repugnância chama-se Saciedade e o adormecer,
Esquecimento. Quem um dia adormeceu no amor ou quando
acordou está curado ou não acordou jamais.
Ora eu, amigo Tibério, não acredito no Amor, cousa em que
jamais algum homem forte acreditou. O amor é uma cousa para
crianças, uma teia de aranha. É preciso estar quietinho para que ela
se não rompa. Depois não acredito que tu ames! ¿Pois tu, com êsse
carão ignóbil de farçola, sabes lá amar? Mesmo que amar é
subalternizar-se. Quem ama curva-se. Quem ama, meu caro amigo,
transige. Quem ama, sim, quem ama... emfim não te aconselho a
que compres mulher nenhuma com essa moeda. Sai pelos olhos da
cara.
Bem. Mas suponhamos que realmente a queres comprar por êsse
preço. Eu te digo: Tu que a queres, é porque a desejas. Ora não há
nada tão jesuita como um desejo. (Isto é de Balzac, mas tão
profundo que parece meu). Mas desejar não é tudo. É preciso
paciência, uma paciência enorme, uma daquelas paciências que
vulgarmente se chamam paciências de ...cordato paciente. A
paciência, ou leva ao triunfo, ou à cura. Com paciência, saberás
esperar. As impaciências são nefastas e tão funestas em trato de
gente limpa que Acácio, conselheiro, a caminho de presidente do
conselho, diz que elas são próprias da gente ordinária. Acácio é
chavão, Acácio sabe disso. Nada percebe de amor, mas tem
dinheiro, e quem tem dinheiro, tem tudo e mais amor.
Ora, ia dizendo! com paciência descobrirás o fraco da pretendida.
Lá diz Molière: Não é bem Molière, é Castilho, mas isso não tira
nem põe:

Nem o mais forte resiste


Aos que no fraco lhe dão.

Que mais queres? Meio Brummel, um quarto de Tartufo e um


logar no ministério da Fazenda deve chegar. E, se não chegar, olha
que sempre te digo que é caro. É pela hora da morte. «Um animal
de cabelos compridos e ideias curtas» como quere Spencer!
Acredito que, não a achando em conta, a não comprarás. «Não te
deixes ir atrás dos artifícios da mulher» é o palavreado bíblico, e
olha que é certo como as cousas certas.
Comprar a mulher em troca dum vitelo, como se faz na
Hotentócia, não acho caro.
Em troca duma tanga vermelha e quatro penas de pavão para a
carapinha, ainda está bem. Dum boi, se os bois abundam, ainda não
está fora da conta. Agora comprá-la pelo casamento acho caro. O
casamento «é um contrato perpétuo»... por tôda a vida, bem sei, diz
o código. Ora um contrato por tôda a vida, para sempre, de que um
homem se não pode evadir senão morrendo, acho duro. E é
comprar uma cousa que não serve para nada e de que a gente se
não pode desfazer vendendo-a a terceiros.
Nada. Não te aconselho êste meio. Pelo amor, vá. Amor com uma
parte de indiferença e duas de desconfiança.
Mas Tibério amigo, isso é platónico? Estarás tu apaixonado?
Apaixonado! Mas isso é inacreditável num scéptico, num ironista,
num desenganado, num filósofo emfim. Como os filósofos são
frágeis! Como o homem é afinal e no fundo uma pena leve que o
vento levanta e muda. Como você, Tibério, se deixou apaixonar.
(Aqui Tibério protestará com a veemência dum deputado da
oposição e eu rejubilo por o meu amigo Tibério ainda não ter
escorregado).
Bem me queria parecer! você, amar! Você o mordaz, o cínico, o
que diz conhecer os homens e as mulheres!
Olhe, Tibério, quere um conselho? Os homens fortes não amam.
Amar é próprio dos fracos. Tenha sempre esta máxima à cabeceira.
Guerra Junqueiro disse a Mercedes Blasco que pusesse à
cabeceira da cama a vida de Cristo e a vida de Buda. Pois digo-lhe
que guarde à cabeceira da cama a recordação do que lhe digo.
Tenha sempre presente. O amor é como o toucinho, e dêsse diz
Paulo Diacre, que todo acaba por criar ranço. Ora quem começa a
amar acredita lá que o seu toucinho crie ranço algum dia!?
Tibério: Meu amigo. ¿Leu você nos jornais a notícia daquele
homem que se suicidou em Paris, por causa duma mulher que o
deixou? ¿Leu você a história daquele que, ciumento, furou a pele
doutra com uma dúzia de punhaladas? ¿Leu você a daquele outro
que, por causa dEla, matou o rival com uma cacheirada no toutiço?
Leu você? Ora aqui tem exemplos dos que as compraram bem caro,
se é que as compraram mais do que em Ideia. Veja você se pode
passar sem isso. Não compre nenhuma. Veja se alguêm lha
empresta, ou se a encontra. E se emfim sempre se puser a comprá-
la, compre-a por tudo menos por essa tal moeda que se chama
Amor. Não se apresse. Vem no Frei Luís de Souza... «As cousas
são grandes ou pequenas, segundo a medida do desejo com que se
buscam...» Quanto menos as desejar mais baratas lhe aparecerão.
E que pena que Tibério já se tivesse ido embora! Era um discurso
tão bonito!...

Você também pode gostar