Charles Wright Mills - A Elite Do Poder
Charles Wright Mills - A Elite Do Poder
Charles Wright Mills - A Elite Do Poder
W R I G H T M I L L S
A ELITE DO PODER
Quarta edio
Traduo de
Waltensir Dutra
Reviso tcnica de
Otvio Guilherme Velho
Z AH AR ED ITO RES
Rio de Janeiro
Ttulo da edio norte-americana:
The Power Elite
Publicada pela Oxford University Press Inc., Nova York
Copyright 1956 by Oxford University Press Inc.
Direitos reservados.
A reproduo no autorizada
desta publicao, no todo ou em parte,
constitui violao do copyright. (Lei 5.988)
Edies brasileiras: 1962,1968 e 1975
Capa:
rico
1981
Direitos para a lngua portuguesa adquiridos por
ZAHAR EDITORES
Caixa Postal 207 ZC-00 Rio
que se reservam a propriedade desta verso
Impresso no Brasil
Nota do Tradutor
I As ALTAS RODAS
n A SOCIEDADE LOCAL
IV As CELEBRIDADES
V Os MUITO RICOS
VI Os PRINCIPAIS EXECUTIVOS
IX A ASCENDNCIA MILITAR
X O DIRETRIO POLTICO
XI A TEORIA DO EQUILBRIO
X in A SOCIEDADE DE MASSAS
1. O pblico clssico: a opinio pblica; 2. Transformao
do pblico em massa; 3. A concentrao do poder e da informa
o; 4. As associaes como expresso popular; 5. Os meios de
comunicao e a transformao do pblico; 6. A falta de pers
pectiva ................................................................................................ 350
XV A ALT IMORALIDADE
1. Imoralidade e elite; o dinheiro, valor absoluto; 2. Crit
rios do xito; 3. A desmoralizao da elite; 4. O ostracismo da
inteligncia .......................................................................................... 399
A g r a d e c im e n t o s ................................................................................. 419
NOTA DO TRADUTOR
A s n u m e r o s a s a l u s e s e referncias feitas
neste livro a figuras, fatos e circunstancias da
vida norte-americana exigiram, ao que me
pareceu, algumas notas esclarecedoras. Para
no ser impertinente, limitei-as ao mnimo e
aos casos onde o contexto no era auto-escla-
rccedor. Para elas vali-me, principalmente, das
seguintes fontes:
M it fo r dM . M a t h e w s , A Dictionary of America-
nisms on Historical Principies, The University
of Chicago Press, Chicago, 1951.
Edward C o n r a d S m i t h and Amolf J o h n Z u r c h e r ,
Dictionary of American Politics, Barnes &
Noble, Inc., New York, 1957.
Alien J o h n s o n , Dictionary of American Biography,
Charles Scribners Sons, New York, 1943.
Webster s Biographical Dictionary, 1943.
I
As al tas rodas
2
As altas rodas nesses postos de comando e em torno deles
so freqentemente consideradas em termos daquilo que seus
membros possuem: tm uma parte maior que a dos outros
nas coisas e experincias mais altamente valorizadas. Desse
ponto de vista, a elite simplesmente o grupo que tem o
mximo que se pode ter, inclusive, de modo geral, dinheiro,
poder e prestgio bem como todos os modos de vida a que
estes levam. 3 Mas a elite no simplesmente constituda dos
que tm o mximo, pois no o poderiam ter se no fosse pela
(3) A id ia esta tstica de escolh er um valor e dar q u eles q u e m a is o
p ossu em o n om e d e elite vem , na poca m oderna, do econom ista ita lia n o
P areto, q u e assim form u la sua idia central: Supon h am os que em tod o ram o
d e a tiv id a d e h u m an a cada in d iv d u o receb e um n d ice que rep resen te u m
sin a l d e sua cap acid ade, m ais ou m en os com o se do notas nas vrias m a t
rias, n a esco la . O tipo m ais alto de advogado, por ex em p lo, receb er 10.
O q u e n o co n segu e u m clien te, receb er 1 reservan d o-se o zero para o
q u e for u m id iota consum ado. A o hom em q u e gan h ou m ilh es h on esta
ou d eson esta m en te darem os 10. A o h om em q u e gan h ou m ilhares, d arem os
6; ao q u e apen as co n segu iu livrar-se da pobreza, 1, atribuindo o zero ao q u e
n ela c o n tin u a r a m ... T erem os assim um a classe de p essoas com m aiores in -
2
18 A ELITE DO PODER
sua posio nas grandes instituies, que so as bases necess
rias do poder, da riqueza e do prestgio, e ao mesmo tempo
constituem os meios principais do exerccio do poder, de adqui
rir e conservar riqueza, e de desfrutar as principais vantagens
do prestigio.
Entendemos como poderosos naturalmente os que podem
realizar sua vontade, mesmo com a resistncia de outros. Nin
gum ser, portanto, realmente poderoso a menos que tenha
acesso ao comando das principais instituies, pois sobre esses
meios de poder institucionais que os realmente poderosos so,
em primeiro lugar, poderosos. Os altos polticos e autoridades-
chaves do governo controlam esse poder institucional, o mesmo
ocorrendo com almirantes e generais, e os principais donos e
executivos das grandes empresas. Nem todo o poder, certo,
est ligado e exercido por meio dessas instituies, mas so
mente dentro delas e atravs delas o poder ser mais ou menos
contnuo e importante.
A riqueza tambm adquirida e conservada atravs das
instituies. A pirmide da riqueza no pode ser compreendida
apenas em termos dos muito ricos, pois as grandes famlias
milionrias so atualmente, como mais adiante veremos, com
plementadas pelas grandes empresas da sociedade moderna: to
das as famlias muito ricas foram e so intimamente ligadas
sempre juridicamente, e por vezes tambm administrativa
mente a uma das empresas multimilionrias.
A empresa moderna a principal fonte de riqueza, mas
no capitalismo de nossos dias a poltica tambm abre e fecha
muitas estradas para a fortuna. O volume e a fonte da renda,
o poder sobre os bens de consumo e o capital produtivo, so
determinados pela posio dentro da economia poltica. Se
nosso interesse pelos muitos ricos vai alm de seu consumo es-
banjador ou sovina, devemos examinar suas relaes com as mo-
dices em seu ram o de ativ id a d e, e a essa clcsse dam os o n om e d e e lit e .
V ilfredo P a h e t o , A M en te e a S o c ie d a d e . Os q u e seg u em essa in terp retao
tero no fin al das con tas n o um a elite , m as um n m ero corresp on d en te ao
nm ero d e valores que selecion a m . C om o m u itas form as abstratas d e racio
cn io, esta til porque nos fora a pensar em term os b em d efin id os. P ara
um a u tilizao proveitosa d esse m tod o, o leito r poder con su ltar a obra
de H arold D . L a s s w e l l , p articu larm ente P olitcs: W ho G e t s W hat, W hen,
Hoto (N . Y ork, M cG raw -H ill, 1936); e para um a u tilizao m ais sistem tica,
H . D . L a s s w e l l , e A braham K a p l a n , P o w e r a n d S o c ie ty (N ew H aven: Y ale
U n iversity P ress, 1950). [V er p u blicad o por esta E ditora A s E lites e a S o c ie -
io d e de T. B . B ottom ore.]
AS ALTAS RODAS 19
5
Essas diversas noes de elite, quando devidamente com
preendidas, ligam-se intrincadamente umas s outras, e utili
zaremos todas neste exame do xito americano. Estudaremos
cada uma das vrias altas rodas como fonte de candidatos para
a elite, e o faremos em termos das principais instituies que
constituem a sociedade total da Amrica. Dentro de cada uma
delas e entre elas, estabeleceremos as inter-relaes entre rique
za, poder e prestgio. Mas nossa principal preocupao com
o poder dos que hoje ocupam os postos de comando, e com o
papel que desempenham na histria de nossa poca.
Essa elite pode ser considerada onipotente, e seu poder
como um grande projeto oculto. No marxismo vulgar, os acon
tecimentos e tendncias so explicados pela referncia vonta
de da burguesia; no nazismo, pela referncia conspira
o dos judeus; pela pequena direita da Amrica de hoje, por
uma referncia fora oculta dos espies comunistas. Se
gundo essas noes da elite onipotente como causa histrica,
ela no jamais um agente totalmente visvel. , de fato,
um substituto secular da vontade de Deus, realizando-se numa
espcie de destino providencial, exceto pelo fato de que os
homens que no so a elite podem opor-se a ela e mesmo
super-la. 8
A opinio oposta da elite impotente atualmente
muito popular entre os observadores de esprito liberal. Longe
de ser onipotente, a elite considerada como to dispersa que
lhe falta coerncia como fora histrica. Sua invisibilidade no
a do segredo, mas da multido. Os que ocupam os postos for
mais da autoridade esto em tal posio de xeque-mate pelas
outras elites que exercem presso, ou pelo pblico como elei
torado, ou pelos cdigos constitucionais que, embora possa
(8) O s q u e ju lg a m ter h a v id o , ou h av er, a gen tes co m u n ista s n o g o v ern o ,
e os q u e se atem orizam com isso , ja m a is form u lam a p ergu n ta : B em , su p o
nh am os que ex ista m co m u n istas em altos p ostos, q u al o p od er d e q u e d is
p em ? A d m item sim p lesm en te q u e os h om en s em altos p osto s, ou n e sse
caso m esm o os q u e esto em p osies n as q u ais p od em in flu en cia r, ta is h o
m en s, tom am d ecises sob re a co n tecim en to s im p ortan tes. Os q u e ju lg a m
terem os a g en tes co m u n istas in filtra d o s n o g o v ern o en treg u e a C hina a o
bloco so v itico , ou in flu en cia d o os am erican os lea is para q u e a en treg a ssem ,
sim p lesm en te supem h aver u m grupo de h om en s q u e reso lv em essas q u es
tes, a tiv a m en te ou p ela n eg lig n cia e estu p id ez. M u itos outros, q u e nfio
acred itam serem os a gen tes co m u n istas to in flu en tes, m esm o assim su p em
que d irigen tes am erican os leais perderam tudo isso por si m esm os.
AS ALTAS RODAS 27
6
No minha tese a de que em todas as pocas da historia
humana e em todas as naes, uma minoria criadora, uma
classe dominante, uma elite onipotente, condiciona os fatos
histricos. Essas afirmaes, quando cuidadosamente examina
das, revelam-se meras tautologas,10 e mesmo quando no o
so, tm um carter to geral que se tornam inteis na ten
tativa de compreender a histria do presente. A definio m
nima da elite do poder como os que tomam as decises de
importncia a serem tomadas, no significa que os membros
dessa elite sejam sempre os fazedores da histria, nem, por
outro lado, que jamais o sejam. No devemos confundir a
concepo da elite, que desejamos definir, como uma teoria so
bre seu papel, ou a teoria de que seja a mola da histria de
nossa poca. Definir a elite, por exemplo, como os que go
vernam a Amrica menos definir um conceito do que levan
tar uma hiptese sobre o papel e o poder dessa elite. No
importa a nossa definio, o poder de seus membros est su
jeito a variaes histricas. Se, dogmaticamente, tentarmos in-
(10) Como no caso, bastante notvel, de G aetano M o s c a , A C lasse D om i
nante. Para u m a penetrante anlise de M o s c a , ver Fritz M orsted M a r x
The Burcaucratic State , R eview of Polittcs, vol. I, 1939. Cf. tam bm
Mnxs^ On Intellectual Craftsmanship, abril de 1952, m im eografado. Colum
bra C o l l e g e , 1955,
AS ALTAS RODAS 31
.7
Os que passaram da crtica ao louvor da nova Amrica
aceitam prontamente-^ idia de que a elite impotente. Se
tivessem seriedade poltica deveriam dizer, tomando por base
sua opinio, aos que presumidamente se ocupam da poltica
americana: 13
Dentro em pouco, vocs podero acreditar que tm a
oportunidade de lanar uma bomba ou de exacerbar ainda mais
suas relaes com os aliados ou os russos, que tambm podem
lan-la. Mas no sejam tolos ao ponto de acreditar que tm
uma escolha. No tm escolha nem oportunidade. Toda a
Situao Complexa da qual vocs so apenas uma das partes
do equilbrio resultado de Foras Econmicas e Sociais, e
tal tambm a situao do resultado fatdico. Portanto, fi
quem calmos como o general de Tolsti, e deixem que os acon
tecimentos prossigam. Mesmo que vocs ajam, as conseqn
cias no sero as pretendidas, mesmo que vocs pretendessem
alguma coisa.
Mas se os acontecimentos marcharem bem, falem como se
tivessem decidido as coisas. Pois ento os homens tiveram esco
lhas morais e o poder de faz-las, sendo, decerto, responsveis.
Mas se as coisas marcharem mal, digam que no tiveram
a verdadeira escolha, e portanto no so responsveis: eles,
os outros, tiveram essa e.scolha e so responsveis. Isso dar
(13) Essa form ulao m e foi sugerida pela apresentao da m oralidade
da escolha, feita por Joseph W ood K rutch, em T h e M e a su re o f M an (India-
npoli3, B obbs-M errill, 1954).
AS ALTAS RODAS 37
8
Em minha tentativa de discernir a forma da elite do po
der de nossa poca, e com isso dar um sentido responsvel
ao cies annimo que a massa da populao contrape ao
AS ALTAS RODAS 39
1
Analisando a cidade pequena, tanto o romancista como o
socilogo sentiram claramente o drama das velha e nova classes
superiores. A luta por uma posio social, que observaram
nessas pequenas cidades, pode ser vista em escala histrica no
curso moderno de toda a sociedade ocidental: durante sculos,
os adventicios e os snobs das novas classes superiores manti
veram-se em tenso contra a velha guarda. H, decerto, va
riaes regionais, mas em todo o pas os ricos das pequenas
cidades so surpreendentemente padronizados. Nessas cidades,
predominam hoje dois tipos de classe superior, um composto
das famlias socialmente mais velhas e que vivem de rendas,
e o outro das famlias mais novas que, econmica e socialmen
te, so de tipo muito mais empreendedor. Os membros dessas
duas classes r,uperiores compreendem as vrias distines entre
si, embora cada qual tenha sua opinio particular sobre elas.14
No se deve supor que a classe superior mais antiga seja
necessariamente mais elevada do que a nova, ou que ests
M4> Grande parte deste captulo baseia-se em m inhas observaes e en
trevistas realizadas em cerca de doze cidades m dlas do N ordeste, C entro-O este
Sul. A lguns resultados desse trabalho apareceram em Sm all B usiness
and Clvlc W clfare, Report of the Sm aller War Planta C orporation to th e
Ppeclal Com m lttee to Study Probiem s of A m erican Sm all B u sin ess (com
Melville J. Ulrncr) Srn ate D o cu m cn t N. 135, 79.'* Cong., 2.* S*ss3o, W ashington,
1946; Th* Midrilc Classes In M lddle-slzed C ltles , A m er ic a n S o cio lo g ic a l R e -
vieu i, outubro de 1946; e W h ilc C o lla r : T h e A m e r ic a n M id d le C la sses (N.
York, Oxford U niversity Press, 1951). [A ser publicado cm portugus por
seja simplesmente constituda de novos-ricos, procurando en
volver uma fortuna recm-conquistada nos drapeados do pres
tgio, usados com tanta naturalidade pelos antigos. A nova
classe superior tem um estilo de vida prprio, e embora seus
membros especialmente as mulheres copiem bastante o
estilo da classe superior mais antiga, tambm especialmente
os homens menosprezam esse estilo em nome de valores e
aspiraes prprios. Sob muitos aspectos, esses dois grupos
superiores concorrem entre si pelo prestgio, e tal competio
representa uma certa deflao mtua de suas pretenses de
mrito.
O membro da velha classe superior sente que seu prestgio
se origina no prprio tempo. Nalgum ponto do passado,
parece dizer, meu Ancestral Original levantou-se para ser o
Fundador desta Famlia Local, e agora seu sangue corre em
minhas veias. Sou o que Minha Famlia tem sido, e Minha
esta E d itora.]. Tam bm usei notas tom adas localm ente durant* o estudo de
uma cidade de 60.000 habitantes em Illinois, durante o vero de 1945.
Todas as citaes deste capitulo, quando no houver outra especificao, so
de m inha pesquisa.
Tam bm m e vali de um resum o preparado para m im pelo Sr. J. W .
Horless, no qual todas as afirm aes sobre as classes superiores locais, con
tidas nos estudos seguintes, foram organizadas: Robert S. Lynd e H elen M.
Lynd, M idd letow n e M iddtetow n in T ran sitio n : Elln A nderson, We A m e ri
cana', H ortense Pow derm aker, A ite r F re ed o m ; John D ollard, C a ste an d CUiss
in a S o u th e rn T o w n ; W. Lloyd W arner e Paul S. Lunt, Th e S ocial L ife of a
M o d em C o m m u n ity ; A llison D avis e B urleigh B. Gardner e M ary R. G ardner.
D eep S o u th ; L istn Pope, M ilh an ds an d P r e a c h e rs: John U seem , F ierre T an
gent e Ruth U seem , Stratification in a Prairie T ow n , A m e ric an S o c io lo g i-
cal R eview , julho de 1942; Jam es W est, P la in v ille, U .S . A . ; H arold F. K auf-
man, D efin in g P re stig e in a R u ral C o m m u n ity : Evon Z. V ogt, Jr., Social
Stratificatlon in the Rural M idwest: A Structural A nalysis , R u ra l S o c io lo g y .
dezem bro 1947; A ugust B. H ollingshead, E lm tow n *s Y o u th ; W. L loyd W arner
et al, D em ocracy in Jo n e s v ille ; M. C. H ill * B evode C. M cCall, "Social Stra
tificatlon in G eorgiatow n, A m er. Sociol. R ev., dezem bro 1950; A lfred W ins-
low Jones, L ife , L ib e rty an d P ro p erty .
A m aioria dos estudos sobre prestigio na com unidade local, qup freqen
tem ente a unidade do estudo sociolgico, de sim ples interesse local. N o
se pode nem m esm o dizer quo seja de interesse m aior pelas inovaes m e
todolgicas que possibilita, pois na verdade grande parte dessas Inovaes
s so adequadas quilo a que foram aplicadas estudos de com unidades
locais.
interessante notar que na anlise da cidade pequena am ericana, tanto
o rom ancista com o o socilogo tiveram , cada qual a seu m odo, a ateno
despertada por detalhes sem elhantes e chegaram a concluses m uito pareci
das. Interessaram -se ambos m ais pela situao social do que pelo poder.
O rom ancista ocupou-se de costum es e dos efeitos frustradores da vida na
pequena cidade, nas relaes e na personalidade hum anas, o socilogo nfio
dedicou m uita ateno pequena cidade com o um a estrutura de poder, e
m uito m enos com o unidade no sistem a de poder nacional. A sem elhana de
seus efeitos descritivos revelada pelo fato de que, apesar das provas que
encerram , os infindveis estudos de com unidades dos socilogos parecem
freqentem ente rom ances mal escritos; e os rom ances, sociologia bem escrita.
44 A ELITE DO PODER
Familia tem estado sempre entre as melhores pessoas. Na
Nova Inglaterra e no Sul, um nmero de familias superior ao
de outras regies tem aguda conscincia de sua linhagem e
antiguidade local, sendo mais resistente ascendncia social
dos novos-ricos e dos recm-chegados. Talvez haja um senti
mento mais forte e mais amplo de famlia que, especialmente
no Sul, inclui os velhos e fiis criados, bem como os netos.
O sentimento de parentesco pode ampliar-se at os que, embora
no aparentados pelo casamento ou pelo sangue, sejam con
siderados como primos ou tias, porque cresceram junto
com mame. As velhas famlias da classe superior tendem,
assim, a formar um parentesco endgeno, cuja piedade de cl
e senso de consanginidade levam reverncia do passado e por
vzes a um interesse culto na histria da regio onde o cl
vem, h tanto tempo, desempenhando um papel to honroso.
Falar das velhas famlias , naturalmente, falar das ve
lhas famlias ricas, mas no mundo da posio social da velha
classe superior, dinheiro e propriedade ficam subentendidos,
simplesmente e em seguida so menosprezados: Decerto,
preciso ter bastante dos bens deste mundo para enfrentar
os gastos da vida social, das recepes, dos donativos igre
ja .. . mas posio social mais do que dinheiro. Os ho
mens e mulheres da velha classe superior geralmente consi
deram o dinheiro de modo negativo como algo em que a
nova classe superior est muito interessada. Sinto ter de di
zer que nossos maiores industriais esto cada vez mais pre
ocupados com o dinheiro, dizem, e com isso esto pensando
na antiga gerao de industriais hoje aposentada e vivendo
geralmente de propriedades rurais. Esses homens ricos e suas
mulheres, acredita a classe superior mais antiga, estavam e
esto mais interessados nas questes sociais e da comunidade
do que no simples dinheiro.
Um dos temas principais nas discusses que a classe su
perior antiga tem sobre os homens dos negcios menores
que estes ganharam muito dinheiro durante a ltima guerra,
mas que socialmente no tm expresso. Outro tema a for
ma menos respeitvel pela qual o dinheiro dos novos-ricos foi
ganho. Falam de concessionrios de ninharias, donos de bares,
e pessoas relacionadas com transportes de caminho. E, depois
de adotar para com elas um ar protetor, lembram-se bem dos
mercados-negros da guerra.
A continuao da linha da famlia antiga como base de
prestgio desafiada pelo estilo invulgar, bem como pelo di
nheiro, das novas classes superiores que a II Guerra Mundial
ampliou e enriqueceu, tornando, ainda, socialmente ousada.
Seu estilo, julgam as classes superiores mais antigas, est subs
tituindo o velho estilo, mais tranqilo. Sob essa tenso de po
sio social, h freqentemente um declnio na base econmi
ca de muitas famlias da classe superior antiga, que, em muitas
cidades, se constitui principalmente de propriedades imveis.
No obstante, ela mantm mo firme sobre as instituies fi
nanceiras locais: nos centros de mercado de Gergia e Nebras-
ca, nas cidades comerciais e industriais de Vermont e Califr
nia o banqueiro da velha classe superior habitualmente o
senhor do domnio de sua comunidade, dando prestgio ao
negociante ao qual se associa, indicando a Igreja simplesmen
te pelo fato de pertencer a ela. Representa, com isso, a sal
vao, a posio social e a firmeza financeira, sendo aceito pelos
outros segundo o hbil e sagaz valor que a si mesmo atribui.
No Sul, a tenso entre as classes superiores antiga e nova
freqentemente se torna mais dramtica que em outras regies,
pois ali as velhas famlias tinham por base a propriedade da
terra e a economia agrcola. A sntese da nova riqueza com
a velha posio social, que naturalmente vem ocorrendo desde
a Guerra Civil, foi acelerada com a depresso e a II Guerra
Mundial. A velha aristocracia sulista, tanto na imagem da fie-
o como nos fatos revelados pelas pesquisas, freqentemente
se encontra em lamentvel estado de decadncia. Se no unir-
-se classe ascendente que baseia sua fortuna na indstria e
no comrcio, certamente desaparecer, pois com o tempo, no
havendo dinheiro bastante, a posio social se transforma ape
nas numa esquisitice ignorada. Sem dinheiro suficiente, a dig
nidade reservada e o alheamento, que se satisfaz em si mes
mo, passam a parecer declnio e mesmo decadncia.
A nfase atribuda descendncia familiar, juntamente
com esse alheamento, tende a fortalecer a posio das pessoas
mais velhas, especialmente das mulheres, que se tornam juizes
da conduta dos jovens. Tal situao no se presta ao casamento
das moas da classe superior antiga com os rapazes de uma
classe abastada nova mas em ascenso. No obstante, a indus
trializao das cidades pequenas aos poucos vai rompendo as
velhas posies sociais e formando novas: o aparecimento do
46 A ELITE DO PODER
industrial e do comerciante enriquecido inevitavelmente leva
ao declnio da aristocracia proprietria de terras. No Sul, bem
como em outras regies, as grandes exigencias de capital para
as empresas agrcolas em escala compensadora, bem como im
postos favorveis e subsdios aos agricultores, levaram for
mao de uma nova classe superior tanto na cidade como no
campo.
A nova e a velha classe superior olham-se, portanto, nas
cidades menores com considervel tenso, com algum desprezo
e com admirao invejosa. O homem da nova classe superior
v o outro como dono de um prestgio que gostaria de ter,
mas tambm como um fssil barrando caminho a importante
movimento comercial e poltico, e como um provinciano, preso
ao meio local, sem viso bastante para erguer-se e avanar.
O membro da antiga classe superior, por sua vez, v o novo
e o considera como extremamente preocupado com o dinheiro,
como algum que ganhou dinheiro e anseia por mais, mas que
no adquiriu o trajeto social ou o estilo de vida culta ade
quado sua posio financeira, e que no se interessa real
mente pela vida cvica da cidade, exceto na medida em que
lhe possvel utiliz-la em benefcio de suas finalidades pessoais
e alheias a ela.
Quando se choca com o prestgio da velha classe superior
em questes de negcios ou poltica ou civismo, o homem da
nova classe superior freqentemente traduz aquele prestgio
em velhice, que em sua mente se associa com o modo tran
qilo, antiquado, o ritmo mais lento e as idias polticas
atrasadas da velha classe superior. Sente que essas pessoas no
usam seu prestgio para ganhar dinheiro, ao contrrio do que
faz a nova classe superior. No compreende o velho prestgio
como algo a ser desfrutado, vendo-o apenas em sua relevncia
poltica e econmica: quando no dispem dele, o prestgio
alguma coisa que os atrapalha.15
2
Que a diviso social e econmica das classes superiores
tambm uma diviso poltica ainda no se evidenciou clara
mente em todas as localidades, mas um fato que tende a tor
nar-se nacional desde a II Guerra Mundial.
As classes superiores locais nova e velha, vista ou no,
ativa e passiva constituem a espinha dorsal do Partido Re
publicano. Os membros da classe superior mais antiga, porm,
no parecem to evidentes ou politicamente ativos, no cenrio
do ps-guerra, como muitos da mais nova. Talvez porque no
se sintam capazes, como Allison Davis e outros sugeriram, de
diminuir a distncia social entre eles e os eleitores. De
certo, em toda parte sua posio social claramente reconhe
cida pelas autoridades. Esto isentos de muitas das restries
legais de menor importncia, quase nunca so detidos por em
briaguez ou por pequenas infraes do trnsito, raramente so
chamados para formar jris, e habitualmente tm atendidos
todos os favores que pedem. Preocupam-se muito, certo,
com o nvel dos impostos e com a avaliao de propriedades,
mas essas preocupaes, sendo totalmente compartilhadas pe
la nova classe superior, so bem atendidas sem que se torne
necessria a participao dos antigos.
A nova classe superior freqentemente pratica as ruidosas
emoes polticas e frustraes de status, que, em escala na
cional e de forma extrema, foram facilmente observveis nos
Investigadores.lu A chave dessas emoes polticas, no Con
gresso ou na sociedade local, est na psicologia da posio
social do novo-rico. Essas classes dos multimilionrios do
Texas aos pequenos aproveitadores de guerra do Illinois, que
consolidaram suas fortunas sentem que esto sendo man-
elem ento cu ltu ral da classe antiga do que seus m aridos. A ssim , recon h e
cendo a superioridade social da classe antiga, elas acentuam os aspectos que
tam bm esto ao seu alcance. Mas essas m ulheres constituem hoje o m e
lhor p blico para as p reten ses de posio social da velh a classe superior
das pequenas cidadcs. Em relao classe m dia, elas afirm am com esn o
bism o: P odem ter in teresse em assuntos culturais, m as lhes altam opor
tunidades, m eio ou educao. Podem lucrar com as sries de confernc ias ,
m as no tm a form ao capaz de organiz-las.
(1G) A lu so aos m em bros da Com isso de Investigaes do Senador
M cCarthy. (N. do T.)
48 A ELITE DO PODER
tidas em posies inferiores pelas pretenses de status das for
tunas mais antigas e das famlias mais antigas. O corretor de
seguros que de sbito passou a ganhar 30 mil dlares por ano,
que dirige um carro de 260 HP e compra vulgares anis de
diamante para sua mulher; o negociante que de sbito passou
a ganhar 60 mil dlares por ano, e que constri piscinas de 50
ps e no sabe que atitude adotar para com seus novos cria
dos sentem que realizaram algo, no entanto no so con
siderados bastante bons para possuir integralmente o que rea
lizaram. H hoje no Texas homens cujos nomes so rigoro
samente locais, mas que tm mais dinheiro do que muitas fa
milias de destaque nacional, do Leste. Mas eles no so cele
bridades nacionais, e mesmo quando o so, no da mesma
maneira.
Tais sentimentos existem, em escala menor, em pratica
mente todas as pequenas e mdias cidades. Nem sempre so
articulados, e certamente no se tornaram a base de qualquer
movimento poltico real, mas se comprazem numa satisfao
ampla e profunda em ver os homens de prestgio serem cen
surados, em observar o general ser admoestado pelo arrivista,
em ouvir o adventicio chamar familiarmente, ou mesmo insul
tuosamente, os membros da classe superior antiga pelos pri
meiros nomes, numa discusso pblica.
O objetivo poltico da pequena direita, formada entre as
novas classes superiores das pequenas cidades, a destruio
das realizaes legislativas do Netu Deal e do Fair Deal. Alm
disso, o crescimento dos sindicatos em muitas dessas cidades
durante a guerra, com lderes trabalhistas exigindo maior par
ticipao nas organizaes cvicas locais; a maior segurana
dos trabalhadores assalariados, que durante a guerra desconta
vam cheques cada vez maiores e enchiam as ruas nos sbados;
os carros novos e grandes das pessoas de segunda categoria
todas essas modificaes das duas ltimas dcadas ameaam
psicologicamente a nova classe superior, reduzindo-lhe o sen
timento de importncia, e o senso de uma determinada ordem
de prestgio.
A velha classe superior tambm se tornou menos firme
socialmente com essa movimentao nas ruas, nas lojas e nos
bancos; mas, no final das contas, raciocina: Essa gente na
verdade no nos atinge. Tudo o que tem dinheiro. O novo-
rico, porm, estando socialmente menos firme do que o antigo,
A SOCIEDADE LOCAL 49
3
O drama do status social aa nova e velha classe superior;
a estrutura de classe que jaz sob esse drama; o sistema de poder
dos grupos superiores tudo isso forma o desenho padroni
zado, embora complicado, dos nveis superiores da sociedade
local. Mas no poderamos compreender esse desenho, ou o
que est ocorrendo com ele, se esquecssemos que todas essas
cidades so parte de um sistema nacional de situao, poder e
riqueza. Apesar da retrica praticada por muitos porta-vozes
do Congresso, nenhuma sociedade local realmente soberana.
(18) Cf. tb id ., p gs. 172-4.
52 A ELITE DO PODER
No ltimo sculo, a sociedade local tornou-se parte de urna
economia nacional, suas hierarquias sociais e de poder torna-
ram-se subordinadas s hierarquias mais amplas do pas. J
as dcadas posteriores Guerra Civil, as pessoas de impor
tncia local se estavam tornando apenas locais.19 Homens
cuja esfera de deciso e aceitao pblica era regional e nacional
passaram a destacar-se. Hoje, continuar sendo apenas local
fracassar; ser obscurecido pela riqueza, pelo poder, pela situa
o dos homens nacionalmente importantes. Ter xito deixar
para trs a sociedade local embora uma certido desta talvez
seja necessria para a escolha por um dos grupos nacionais.
Todos os caminhos realmente antigos na Amrica so, na
turalmente, rurais. No obstante, o valor de uma origem ru
ral, e de residir no campo, por vezes duvidoso. De um
lado, h a tradio da cidade contra o caipira, da cidade
grande contra o provinciano, e em muitas cidades pequenas,
h prestgio no fato de habitar na zona urbana por mais de
uma gerao, ao contrrio do que ocorre nas classes inferiores
e trabalhadoras. De um lado, os homens que se destacaram
freqentemente proclamam a solidez de sua origem rural, o que
pode ser conseqncia da tica jeffersoniana, considerando as
virtudes rurais superiores aos costumes da cidade, ou ao desejo
de mostrar como foi grande o progresso realizado.
Se na vida pblica a fazenda um bom ponto de partida,
na vida social sempre um bom lugar para se ter e visitar.
Tanto as classes superiores da pequena como da grande cidade
possuem e visitam seus lugares no campo. Em parte, essa
a forma que no Centro-Oeste comeou j em fins do sculo
passado pela qual os apenas ricos tentam firmar-se no que
antigo e considerado, de provar com dinheiro e com inte
resse, e por vezes de forma inconveniente, sua reverncia pelo
passado. Assim que no Sul encontramos as Velhas Manses
das Plantaes fielmente restauradas, no Texas e na Califrnia
as imensas fazendas de gado ou a fazenda de frutas, mais esti
lizadas, ou ainda, em Iowa, a fazenda-modelo com seu gado
de raa pura e seus celeiros magnficos. Tambm h, para a
compra de fazendas, as razes de investimento e de fuga aos
impostos, bem como, decerto, o prazer que proporciona uma
temporada Jora e um passatempo.
(19) V er R ichard H o fsta d ter , T h e A g e o f R e fo r m (N . Y ork, K n op f, 1955).
A SOCIEDADE LOCAL 53
4
Hoje, os contatos externos freqentemente se centralizam
num lembrete muito especfico e por vezes irritante do pres
tgio social e do poder nacionais, que existe ali mesmo na
cidade local: nos ltimos trinta anos, e especialmente com a
expanso comercial provocada pela II Guerra Mundial, a em
presa nacional penetrou em muitas dessas cidades pequenas.
Sua chegada perturbou o antigo equilbrio econmico entre as
classes superiores, pois com suas filiais vieram os diretores da
cidade grande, que tendem a reduzir e ignorar a sociedade
local.-23
O prestgio se obtm, naturalmente, misturando-se com
e imitando os que possuem poder e prestgio. Hoje em dia
a posio social que as classes superiores locais, em particular
as novas, possam desfrutar obtido cada vez mais pela ligao
com altos funcionrios das grandes empresas de proprietrios
absentestas, imitando seu estilo de vida, residindo em seus
bairros fora dos limites da cidade, freqentando suas reunies
sociais. Como o mundo social do grupo das grandes empresas
no se centraliza necessariamente na pequena cidade, a socie
dade local tende a afastar-se do prestgio cvico, considerando-o
como coisa local.
ainda m aior. N um a pequena cidade tip lea, os h eris da n ova classe superior fo
ram d escritos com o R apazes com m u ita a g ita o .. . E sto sem p re ju n to s
indo a lu gares e fazendo tudo o qu e bom para a cidade. A gem n acio n al
m en te, e isso m uito im p ortan te para eles. N o so m u ito atu an tes n os
n egcios estritam en te locais, m as so hom ens ativos. T m in v estim en to s em
m ovim en to em toda parte, e no apenas dinheiro parado, sem fazer n ad a*.
H istrias v elh as ilustram , para a n ova classe superior, o fu n cion am en to da
dem ocracia'* e a possib ilidad e q u e tm as p essoas com en ergia e idias'*
de progredir. E ssas h istrias servem para ju stificar sua posio e estilo ,
perm itindo-lhes. sacar da reserva nacion al de m itos o ficia is sobre o su cesso
dos que sabem trabalhar com vivacid ad e. A v elh a classe superior n o con ta
tais histrias, pelo m enos a estranhos, pois para ela o p restgio u m a co isa
p ositiva em si, m ais ou m enos in eren te ao seu m odo de v id a e, n a realid ade,
sua essn cia m esm a. M as para o hom*m da classe nova, o p restigio p arece
algo que ele realm en te no p ossu i, m as qu e poderia u tilizar m u ito b em em
seus n egcios e no seu progresso social. Para ele, a p osio social das v elh a s
fam ilias u m instrum ento para vender" um projeto ou ganhar m ais d i
n heiro. N o se pode fazer nada n esta cidade sem eles (a v elh a classe su
p erio r). O p restgio d esses nom es m u ito im p o r ta n te ... S e eu ou v o c
q uiserm os realizar um pro)eto nesta cidade, ou em qualquer outra, tem os
de conseguir nom es com p restigio. Investidores, proprietrios, e outros,
sim p lesm en te se m antm reservados enquanto no fizerm os isso. S e n o os
conseguirm os, m esm o que seja o m elhor projeto do m undo, ter n ascido
m orto.
(23) Com parar, sobre a cidade peq u en a e a em presa nacion al, M ills e
U lmer , ' Srnail B u sin ess and C ivic W elfare", op. cit.
A SOCIEDADE LOCAL 57
5
Houve talvez uma poca antes da Guerra Civil em
que as sociedades locais constituam a nica sociedade da Am
rica. Ainda certo que toda cidade peq^na constitui uma
hierarquia local de status e que no alto desta h urna elite do
poder, fortuna e considerao local. Mas no podemos hoje
estudar os grupos superiores, mesmo que seja num grande n
mero de comunidades pequenas, e em seguida como muitos
socilogos americanos fizeram generalizar os resultados, apli-
cando-os a toda a nao, como o Sistema Americano. 24 Al
guns membros dos altos crculos do pas vivem em cidades pe
queas embora isso no seja habital. E o que mais, o
local onde mantm uma casa tem pouca importncia sua
rea de operao nacional. As classes superiores das peque
nas cidades da Amrica simplesmente no podem ser somadas
at formar a classe superior nacional. Seus grupos de poder
no podem ser simplesmente somados at formar a elite do
poder nacional. Em cada localidade h um grupo superior de
familias, e, dentro de certas variaes regionais, so muito se
melhantes nas diferentes cidades. Mas a estrutura nacional das
classes no uma simples enumerao de unidades locais igual
mente importantes. Os sistemas de classe, status e poder das
sociedades locais no tm todos o mesmo peso, no so aut
nomos. Como os sistemas econmico e poltico do pas, os
sistemas de prestgio e de poder j no so formados de peque
nas hierarquias descentralizadas, com ligaes esparsas e dis
tantes, quando existiam, entre si. Os tipos de relaes que exis-
(24) Para um ex em p lo da confuso da cidade p eq u en a com a nao, ao
ponto da caricatura, ver W . L loyd W a r n e r , A m e r ic a n L i f e : D re a m a n d R e a -
lity (U niversity o C hicago P ress, 1953).
A SOCIEDADE LOCAL 59
III
Os 400 metropolitanos
1
Antes da Guerra Civil, as classes superiores da cidade
grande eram compactas e estveis. Pelo menos os cronistas
sociais, analisando-as, assim dizem. A Sociedade, escreveu a
Sra. John King Van Rensselaer, cresceu mais por dentro do
que por fora... Os elementos estranhos que absorveu foram
reduzidos. O crculo social ampliou-se, gerao a gerao, pela
abundante contribuio de cada famlia posteridade... Havia
uma fronteira to slida e to difcil de ignorar como a Mura
lha Chinesa.' A linhagem familiar remontava formao das
colnias e a nica diviso entre os grupos da classe superior
era as das igrejas: presbiterianos, holandeses reformados e
episcopais formavam grupos bem definidos de uma organizao
compacta. 26
Em cada localidade e regio, a fortuna do sculo XIX
criou sua hierarquia industrial prpria de famlias locais. No
Alto Hudson, havia proprietrios senhoriais, orgulhosos de suas
origens, e na Virgnia, os agricultores. Em toda cidade da
Nova Inglaterra havia armadores puritanos e primeiros indus
triais, e em St. Louis, os requintados descendentes dos fran
ceses, que viviam de bens imveis. Em Denver, Colorado,
(26) Mrs. John King Van R en ssela er , The Social Ladder (N. York.
Henry Holt, 1924), pgs. 30-32.
62 A ELITE DO PODER
2
A luta pela posio social na Amrica no algo que
tenha ocorrido em determinada poca, e cessado. Os esforos
dos ricos antigos para continuar sendo os nicos destacados em
virtude da linhagem familiar tm sido constantes, e sempre
falham e sempre tm xito. Falham porque em cada gerao
h os que conseguem subir; tm xito porque h sempre uma
classe superior para continuar essa luta. Uma classe superior
estvel com um quadro realmente fixo no existe; mas a classe
social superior existe. A modificao no quadro de uma classe,
mesmo rpida, no a destri. No so as mesmas pessoas e
famlias que predominam, mas o mesmo tipo.
Tem havido numerosas tentativas de fixar esse tipo, esta
belecendo a linha demarcatria mais ou menos formal. Antes
mesmo da Guerra Civil, quando as novas fortunas no eram
to ousadas como mais tarde se tornaram, uma espcie de rbi
tro social parecia necessrio anfitri preocupada com as de
cises sociais a tomar. Por duas geraes antes de 1850, a
Sociedade de New York dependeu dos servios de um certo
Isaac Brown, sacristo da Igreja da raa que, segundo nos
conta Dixon Wecter, tinha uma memria impecvel para no
mes, linhagens e boatos. Estava sempre pronto a dizer s an
fitris em via de expedir convites quem estava de luto, quem
falira, quem tinha amigos em casa, quais eram os recm-che-
gados na cidade e na Sociedade. Superentenda a porta nas fes
tas, e certos observadores afirmam que possua uma lista de
jovens danarinos para ajudar os recm-vindos que davam
festas. 33
A riqueza extravagante do perodo posterior Guerra Ci-
vil exigia uma forma mais articulada de determinar os elei
tos, e Ward McAllister arvorou-se, durante algum tempo, em
3
Em cada uma das reas metropolitanas escolhidas do pais,
h uma classe superior cujos membros nasceram em famlias
includas no Registro Social desde o seu incio. Essa classe
social registrada, bem como os recm-registrados e os no-re-
gistrados em outras cidades grandes, composta de grupos de
famlias antigas que por duas ou trs geraes vm sendo
eminentes e ricos. Distinguem-se do resto da comunidade pela
origem, aparncia e conduta.
(4 2 ) W ecteh , op. c it., p g s. 235, 234.
72 A ELITE DO PODER
Vivem numa ou mais reas residenciais exclusivas e caras,
em belas casas antigas onde muitos deles nasceram, ou em
casas simples e modernas, que mandaram construir. Nessas
residncias, antigas ou novas, h o mobilirio correto e o equi
pamento necessrio. Suas roupas, mesmo quando aparentemen
te displicentes e realmente velhas, so um pouco diferentes,
no corte e aparncia, das roupas de outros homens e mulheres.
As coisas que compram so caras, e as utilizam de forma dis
creta. Pertencem a clubes e organizaes aos quais somente ou
tros como eles mesmos so admitidos, e levam muito a srio
a presena nessas associaes.
Tm parentes e amigos comuns, e mais do que isso, tm
em comum as experincias de um grupo cuidadosamente esco
lhido " controlado pelas famlias. Freqentaram as mesmas
escolas particulares e exclusivistas, de preferncia um dos in
ternatos episcopais da Nova Inglaterra. Os rapazes freqenta
ram Harvard, Yale, Princeton, ou quando o orgulho local foi
insupervel, uma escola superior local, para a qual suas fa
mlias vm contribuindo. E agora freqentam os clubes dessas
escolas, bem como os principais clubes de suas cidades, e pro
vavelmente tambm um ou dois clubes de outros centros me
tropolitanos.
Seus nomes no aparecem nas colunas de mexericos e boa
tos, nem mesmo nas colunas sociais de seus jornais locais;
muito deles, bostonianos respeitveis e so-franciscanos respei
tveis que so, ficariam realmente constrangidos, frente a seus
pares, se tivessem os nomes assim mencionados inutilmente
publicidade barata e escndalos do caf-society so para as fa
mlias mais novas, de estilo mais estridente e espalhafatoso,
no para as velhas classes sociais. Porque os colocados no alto
so orgulhosos, e os que ali ainda no esto, apenas presun
osos. Os orgulhosos realmente no se importam com o que
os outros, situados em posio de inferioridade, pensem deles.
Os presunosos dependem das lisonjas, e so facilmente enga
nados por elas, pois no tm conscincia de como suas idias a
respeito de si mesmos dependem dos outros.43
4
O estilo de vida da classe superior mais ou menos o
mesmo em todas as grandes cidades do pas, embora com va
riaes regionais. As casas e roupas, os tipos de reunies so
ciais, com que os 400 metropolitanos se preocupam, so ho
mogneos. A casa de ternos e camisas Brooks Brothers no
faz muitos anncios no pas, tem apenas quatro filiais fora de
New York, e apesar disso muito bem conhecida em todas as
principais cidades, e em nenhuma delas seus representantes
se sentem estranhos.47 H outros detalhes externos semelhan
tes, especficos e comuns ao estilo da classe superior, pois no
final das contas qualquer pessoa, com dinheiro e inclinao,
pode aprender a s se sentir confortvel num terno de Brooks
Brothers. O estilo de vida das velhas classes sociais superiores
em todo o pas mais profundo do que esses detalhes.
A experincia profunda que distingue os ricos da socie
dade e os apenas ricos a sua instruo, e com esta, as liga
es, o sentimento e a sensibilidade a que essa rotina educacio
nal leva atravs de suas vidas.
A filha de uma velha famlia da classe superior de New
York, por exemplo, habitualmente fica sob os cuidados de uma
ama e da me at a idade de quatro anos, quando ento
assistida diariamente por uma governanta que provavelmente
fala tambm francs. Aos seis ou sete anos, vai para um exter
nato particular, talvez a da Srta. Chapin ou a Brearley. le
vada e apanhada na escola pelo motorista da famlia, e tarde,
depois das aulas, fica sob os cuidados da governanta, que agora
passa a maior parte de seu tempo com as crianas mais novas.
(46) 0 e e stim a tiv a s p r iv a d a s. Cf. B a ltu ll Jr., op. cit., pAff. 17.
<) Cf. ib id .. n o ta 5, pg. 172.
78 A ELITE DO PODER
Aos 14 anos aproximadamente, vai para urna escola interna,
talvez St. Timothy em Maryland, ou a da Srta. Porter ou Wes-
tover, em Connecticut. Pode freqentar o Finch Jnior Colle-
ge de New York, e concluir a os estudos, ou, se for continu-
los, matricular-se, com outras moas da classe mdia, na Bryn
Mawr, ou Vassar, ou Wellesley ou Smith ou Bennington. Ca
sar logo depois de terminar seus estudos secundrios ou su
periores, e provavelmente orintar seus filhos atravs da mes
ma seqncia educativa. 48
O rapaz dessa famlia seguir, at os sete anos, uma rotina
semelhante. Ser ento enviado para um externato e, numa
idade anterior das meninas, para uma escola interna, embora
esta se chame, para rapazes, escola preparatria: St. Mark ou
St. Paul, Choate ou Groton, Andover ou Lawrenceville, Phillips
Exeter ou Hotchkiss. 46 Ir em seguida para Princeton, Har
vard, Yale ou Dartmouth. Quase certamente acabar numa das
faculdades de Direito dessas trs universidades.
Cada fase dessa educao importante para a formao
do homem ou mulher da classe superior; uma seqncia edu
cacional comum s classes superiores em todas as principais cidades
do pas. Na verdade, provavelmente os jovens dessas ci
dades freqentaro uma das escolas preparatrias ou interna
tos elegantes da Nova Inglaterra, nos quais se encontram estu
dantes de vinte estados ou mais, bm como de pases estran
geiros. Como as pretenses de posio social baseadas na des
cendncia se esto tornando cada vez mais difceis de vingar,
uma escola adequada transcende a linhagem familiar em im
portncia social. Assim, se tivermos de estabelecer uma cha
ve para a unidade nacional das classes superiores na Am
rica, hoje, seria melhor tomar os internatos fechados para moas
e as escolas preparatrias para rapazes.
(48) A fllh^ d e um ld er industrial, do grande profissional liberal,
d ev e florescer num a civilizao com plexa que pouco valor atribui s virtu
des dom sticas de suas m ulheres: docilidade a m odstia, sinceridade e devo
o. N o obstante, ele deve, segundo os m o re s de seu grupo, m andar a
filh a a um a instituio cujos cdigos se baseiam precisam ente nessas vir
tu d es. .. D as 1.200 escolas particulares para m oas n este pas, curioso
q u e apenas umaa v in te ou m ais realm ente tenham im portncia..............to ef
m eras so as coisas que fazem um a escola e arruinam outra, que na reali
dade as d istines so intangveis.*' (M iss C hapins, M iss W alkers, F o x c r o ft,
F arm lngton, F o r tu n e , agosto de 1931, pg. 38).
(4) Cf. Porter S a r c e n t , A H an db ook o f P riv a te S c h o o ls (Boston, 1941);
Schools for B oys , F o rtiin e , m aio de 1944; S t . PauTs, St. M arks, Groton,
A ndover et a i , F o r tu n e , setem bro de 1931. Cf. tam bm G eorge S . C o u n t s ,
G irl's Schools'*, F o r tu n e , agosto de 1931, e T w elve of the B e s t A m e r ic a n
S chools, F o r tu n e , janeiro de 1938.
OS 400 METROPOLITANOS 79
5
Os ricos que enriqueceram antes da Guerra Civil tambm
se tornaram fundadores da maioria das famlias americanas an
tigas e os que enriqueceram a partir de ento juntaram-se a
elas. A classe superior metropolitana que formaram no foi,
e no atualmente, uma sociedade de linhagem com um n
mero de membros fixo, mas apesar disso tornou-se reconhe
cida nacionalmente como uma classe social com muitas carac
tersticas homogneas e um forte senso de unidade. Se novas
famlias nela ingressam, so sempre famlias ricas, e novas ou
velhas, seus filhos e filhas freqentam as mesmas escolas te
chadas e casam entre si. Pertencem s mesmas associaes, s
mesmas faculdades da Liga da Hera, e continuam em contato
social e comercial atravs da rede de clubes metropolitanos.
Em cada uma das principais cidades do pas, reconhecem-se,
se no rigorosamente como pares, pelo menos como pessoas
que tm muito em ccmum. Reconhecem mutuamente, nas res
pectivas biogiafias, as experincias que tiveram em comum; em
iUa situao financeira de firma de corretagem, banco, empresa,
reconhecem os interesses a que todos servem. Na medida em
^ e os negcios se tornam realmente nacionais, os papis eco
nmicos das classes superiores se tornam semelhantes e mesmo
cambiveis entre si. Na medida em que a poltica se torna real-
84 A ELITE DO PODER
mente nacional, a opinio e a atividade poltica das classes su
periores se consolidam. Todas essas foras que transformam
uma confederao de localidades e um punhado de companhias
numa nao, tambm contribuem para os interesses coinciden
tes e as funes e unidade dos 400 metropolitanos.
As classes sociais superiores vieram a incluir uma varie
dade de pessoas ligadas ao poder em seus vrios contextos, e
essas ligaes so partilhadas pelos membros de clubes, pelos
parentes, firmas, escritrios de advogacia. Constituem tpicos
de conservao nas mesas de jantar, onde os membros da fa
mlia e os scios dos clubes tomam o pulso das grandes ques
tes num contexto informal. Tendo crescido juntos, confian
do implicitamente uns nos outros, sua intimidade pessoal in
clui o respeito pelos interesses especializados de cada membro
como figura destacada, como elaborador da poltica em sua rea
particular de poder e deciso.
Espalham-se pelos vrios crculos dominantes das institui
es do poder. Um jovem promissor ingressa numa alta car
reira governamental talvez no Departamento de Estado; seu
primo chega, com o tempo, a um alto posto diretor na sede
de uma grande empresa; seu tio j ascendeu a um comando
naval; e outro primo est em via de se tornar president
de uma importante universidade. E, decerto, h o escritrio de
advocacia da famlia, cujos associados se mantm em contato
ntimo com os membros em outras posies e os problemas que
enfrentam.
Assim, nos crculos mais ntimos das classes superiores, os
problemas mais impessoais das maiores e mais importantes ins
tituies so fundidos com os sentimentos e preocupaes dos
grupos pequenos, fechados e ntimos. Esse um dos sentidos
importantes que tem a famlia da classe superior, e da escola
da classe superior: uma tal formao comum que, base dessa
ligao ntima, suas atividades podem ser coordenadas tacita-
mente. tambm importante porque nesses crculos, rapazes
e moas presenciam, mesa, conversaes dos mais velhos, que
tomam decises, e com isso assimilam a capacidade e as pre
tenses informais dos que decidem. Em suma, embebem-se do
que chamam de discernimento. Sem esforo consciente, absor
vem a aspirao quando no a convico de ser Aqueles
Que Decidem.
OS 400 METROPOLITANOS 85
1
No caf-society, os principais habitantes do mundo da ce
lebridade a elite institucional, a sociedade metropolitana
e os profissionais da diverso misturam-se publicamente, bus
cando uns nos outros apoio s suas pretenses de prestgio.
sobre o caf-society que os holofotes da publicidade freqen
temente coincidem todos, divulgando as atraes que ali se en
contram a um pblico maior. Pois no caf-society a fascinao
nacional tornou-se um fato da rotina comercial.
O caf-society existe nos restaurantes e boates de New
York da Rua Cinqenta Rua Sessenta, entre as Terceira
e Sexta Avenidas. Maury Paul (o primeiro Cholly Knicker-
bocker ) inventou a frase em 1919 para indicar um pequeno
grupo de pessoas que se reunia em pblico mas provavelmente
no se visitava em casa. Em 1937, quando a revista Fortune
publicou uma incisiva reportagem sobre o caf-society, 56 as ce
lebridades profissionais de beleza ertica e talento discutvel j
estavam bem instaladas nas principais mesas, com membros bem
conhecidos das classes superiores tradicionais, como John Hay
(Jock ) Whitney.
O caf-society baseia-se acima de tudo na publicidade.
Seus membros freqentemente parecem viver para a meno exi-
bicionista de seus atos e relaes pelos cronistas sociais e pelos
colunistas de mexericos. Comeando como patrocinadores pro
fissionais de recepes ou como jornalistas, os cronistas, junta-
(56) Ver "The Yankee Doodle Salon, Fortune, dezembro de 1937; e p*r
anlise recente, George F
raztoi, Cafe Soclety: Wild, Wicked and Worthle**",
Coronet, agosto de 1954. Cf. ainda Elsa M Xwnx, R.S.VJ>., Klxa MaxweU'
0tun storu (Boston, 1954).
88 A ELITE DO PODER
mente com os maitres-dhtel, tornaram-se os julgadores profis
sionais desse mundo de celebridade, cuja forma conhecida do
pblico eles modelaram. Maury Paul, em 1937, comentava ain
da a vida dos 400 metropolitanos, embora focalizasse seus as
pectos mais movimentados. Seu sucessor de hoje, Igor Cassini,
no se limita a isso. O mundo sobre o qual escreve mais
brilhante do que tradicional, e no est absolutamente circuns
crito ao The Social Register. Em torno de nomes como Stork
Club, colunistas de tabloides e televiso cooperaram para criar
urna aura de encantamento raramente igualada em volume pela
majestade de outras cortes.67
Tudo isso comeou provavelmente na dcada de vinte quan
do as pessoas da sociedade comearam a se aborrecer com
Newport *, e a procurar na Broadway e depois em Holly
wood companhias mais movimentadas e espirituosas. Os bares
clandestinos durante a Lei Seca tornaram-se, ento, encruzilha
das da Sociedade, da Broadway e de Hollywood. Ward
McAllister era o contrabandista de bebidas; sua lista de visi
tantes era de Dun & Bradstreet; a Sra. Astor podia vir do outro
lado da linha frrea, contanto que viesse via Hollywood. . . A
lei seca, escreveu Fortune, ajudou-os a sair das casas particula
res e hotis respeitveis para os bares clandestinos, em busca
de bebida a principio, e depois de aventuras; as indstrias de
automveis e rdio criaram milionrios novos; o valor cres
cente dos imveis mudou a sociedade de suas velhas casas de
pedras marrons para apartamentos e a reconciliou com as di
verses padronizadas das massas, paralelamente aos novos do
miclios padronizados em massa. E se as saias curtas a princi
pio fizeram com que erguessem as sobrancelhas, Greenwich Vil-
lage * * baixou seus padres sexuais. 68
Cinco dcadas antes, John L. Sullivan no era conhecido
pelo Ward McAllister da Sra. Astor; mas Gene Tunney foi
bem recebido pelo caf-society. * * * Em 1924, que poderiam
(57) Cf. Business W eek, 12 de janeiro de 1053, pgs. 58 e 64.
() Local de veraneio elegante, obrigatrio, em principios do sculo,
famlias da classe superior. (N. do T.)
() Bairro bomio de New York, preferido de artistas e escritores.
(N. do T.)
(56) The U. S. Debutante'*, Fortune, dezembro de 1938; The Yankee
Doodle Salon, op. cit.
() Sullivan, o primeiro dos grandes campees do boxe americano
(1882-1892); Tunney, campeo de 1926-1928. Ambos eram pesos-pesados.
(N. do T.)
AS CELEBRIDADES 89
2
Como agrupamento social, os 400 metropolitanos foram
superados e deslocados, mas como pessoas e igrejinhas torna
ram-se parte do sistema nacional de prestgio. Esse sistema
no se centraliza agora nos vrios 400 metropolitanos. Pois se,
como dissemos, os 400 das vrias cidades no tm uma nica
cidade para a qual voltar os olhos, em todas as comunidades,
grandes e pequenas, podem procurar os nacionalmente clebres,
e os que tiverem o gosto e o dinheiro podem ingressar no mundo
da celebridade.
O que muitos observadores locais supem ser o declnio
das classes superiores das cidades grandes , na realidade, o de
clnio dos 400 metropolitanos como os depositrios de maior
prestgio perante o pblico. 63 Se os 400 no se tornam parte
desse sistema nacional, retiram-se para tranqilas ilhas locais,
(62) N o m e p arece q u e a lista de C assini m erea um a an lise ex a u sti
va; d e p assagem , p u de classificar apenas 342 dos 399 n om es relacionados: 102
celeb rid ad es p rofission ais; 41 dos 400 m etrop olitan os e 199 ld eres in stitu cio
n ais (93 do govern o e 79 d os n eg c io s).
(63) D e m odo geral, ram o a ram o, fa m ilia a fam ilia, os boston ianos d e
h oje se retiraram das em p resas produtoras. P erderam a adm inistrao ativa
de suas in d strias. P erderam o con trole p oltico d e sua cidade. J n o so
nem m esm o u m a p erson agem , quando eram a personagem dom inante, h cem
anos, no govern o do p as. J no lideram a opinio pblica nem o p en sa
m ento p rivad o. E perderam to com p letam en te a liderana nas artes q u e sua
in flu n cia anterior to rn o u -se assun to de stiras/* M as nenhum a grande fa
m lia d e B oston , d e p rim eira categoria, p erdeu seu s m eios ou p osio. Nfio
h ou ve p rop riam en te n en h u m a ruptura na classe d om inan te da cid ad e. E
todas as leis do d eterm in ism o econm ico parecem ter sido violadas por esse
f e t o ... A tu a lm en te, p elo recu rso com p lem en tar d e dar aos seus d ep ositrios
a d eciso d e pagar ou no rendas, com o ju lgarem con ven ien te, um a p ro p rie
dade d e M assachusetts p od e estar de tal form a presa q u e fica acim a d e q u a l
quer poder, ex ceto da In tern acion al C om unista. M as j era p ossv el, h
trs g eraes, colocar a fortu na prpria a salvo para a eternidade ou p elo
m enos a etern id ad e q u e a L ei Contra a P osse P erptu a p erm itisse. E as fa
m lias de B oston form aram , d esd e cedo, esse hbito q u e lh es fo i a sseg u
rado p ela fam osa O rdem d os A d vogad os d e S u ffo lk e pelas d eterm in aes
das leis d e M assach usetts sobre os in v estim en to s em form a de d ep sito. F e
lizm en te - ou in felizm en te para B oston , adquiriram o hbito no p ero d o
de riq u e za . . . O tem p o no p od e d estruir, n em o costu m e d eteriorar, sua
94 A ELITE DO PODER
vivendo numa dimenso diferente daquela em que se desen
volve o poder industrial e poltico. Os que hoje pretendem ter
prestigio na Amrica devem participar do mundo da celebri
dade, ou desaparecer do cenrio nacional.
Os 400 metropolitanos atingiram o auge do prestigio p
blico como cpula do sistema nacional de prestigio no fim
do sculo. Na poca de 1880 e 1890 as familias mais antigas
estavam em choque com as familias ricas mais novas, mas j
na poca da I Guerra Mundial estas haviam vencido. Hoje,
as novas fortunas do perodo posterior Guerra Civil esto
entre as dasses superiores firmadas das vrias cidades grandes,
em todo o pas. Mas durante as dcadas de 1920 e 1930, como
j vimos, os que ento buscavam prestgio, sendo mais fasci
nantes, obscureceram os 400 metropolitanos, que tiveram de
lutar no s com as classes superiores, mas tambm com as
celebridades do mundo de entretenimento. Antes mesmo da
dcada de 1920, comearam a ouvir-se queixas e lembranas fre
qentes dos membros dos 400 metropolitanos. 64 Mas nada
disso significa que eles no existam. De fato, uma caractersti
ca do caf-society continuou sendo a presena das celebridades
sodais, bem como das celebridades que querem ser sociais.
O prestigio dos 400 metropolitanos no caf-society revela-se
variedade in fin ita de in vestim en tos slidos. O poder social lh es pertence.
A civilizao d eles. M as se tentassem atravessar o esp elho para ingressar
no m undo do poder real, seriam feridos p ela m orte. M ais fren te, e con sti
tuindo o centro da autoridade atuante, est a grande unidade bancria, o
First N ational. A baixo d ele, em relaes diversas d e dependncia finan ceira,
esto as indstrias de B oston. A cim a dele, num a perspectiva m ais ou m en os
obscurecida, esto as pessoas que o con trolam . . . A o lado, e sem relao
aparente com a rede financeira ou social, est a hierarquia p o ltic a ...
acim a da hierarquia p oltica, m as sem ter com ela aparentem ente qualquer
outra relao do que a estabelecida pelos laos de sangue e p ela m esm a re
ligio, est a hierarquia catlica irlandesa da c id a d e ... H sem dvida fios
e canais m isteriosos qu e levam de um centro do poder ao outro. C ertam en
te, h m uitos boatos sobre essas lig a e s... N o h, porm , um a u n an im i
dade sobre o assunto. Ou se h, a unanim idade sobre o fato de que nenhum
dos cordes, a no ser os que ligam o H arvard C ollege popa dos dois navios
de lu x o, lev a aios bostonlanos . (B oston , F o r tu n e , fevereiro de 1933).
(64) A Sra. J. B orden Habrimam, por exem plo, escreveu que Mos 400 se
transform aram em quatro m il. T alvez eu exagere, m as h certam ente uns doze
grupos, cada qual su ficien te em si, e m esm o assim com interligaes, com o
diretorias d e em presa, que ditam a m oda em N ew York, h o j e ... "H itler and
Y on, T h e C e n tu ry M a g a z in e , setem bro de 1923, pg. 881. E A lice-L eon e
M oats d eixa claro que o nariz em proado no era suficien te: p reciso ter
a capacidade de dem onstrar, d e deixar evid ente que a posse do nariz m ais
em proado d direito a um a posio de em inncia. Mas a pessoa que pode
entrar num restaurante, ser im ediatam ente reconhecida e receber a m elhor
m esa do talo, tem valor no caf-society. Em outras palavras, as figuras so
ciais destacadas so, todas, D iam ond Jim B rad ys. C afe V alu , T h e S a -
tw rday E v e n in P o st , 3 de agosto de 1935, pg. 12.
AS CELEBRIDADES 95
3
Observamos que desde a lista de convidados para jantar
da Sra. John Jay, no sculo XVIII, a elite poltica, militar e
econmica no coincidiu muito precisamente com a elite de sta
tus social superior. Isso se reflete claramente na sociedade de
Washington, atualmente. Os 400 metropolitanos que possa
haver ali representam apenas um elemento da vida social do
Capitlio, sendo, na realidade, obscurecidos e suplantados pela
Sociedade Oficial, particularmente a diplomtica, ao longo da
AS CELEBRIDADES 101
Massachusetts Avenue. No obstante, nem todas as altas per
sonalidades do governo levam a sociedade a srio, e algumas a
evitam; alm disso, certas personalidades-chaves devem ser con
vidadas, a despeito de suas qualificaes sociais, e, levando
em conta a poltica, o movimento total grande.80
Se o caf-society, e tudo o que representa, invadiu e per
turbou a sociedade de New York, a ascendncia da poltica e
o nmero de polticos tornaram difcil a manuteno da socie
dade em Washington. No h ali nada que se possa chamar
de caf-society; as recepes-chaves so dadas em casas parti
culares ou em residncias oficiais, ou, mais cuidadosamente,
nas embaixadas com seus adidos titulares. Na verdade, no h
uma Sociedade firmemente estabelecida em Washington, com
posta que de autoridades pblicas e polticos, de anfitris de
linhagem e arrivistas ricos, de vivas que sabem manobrar na
sociedade e de embaixadores com mensagens no-oficiais a trans
mitir.
No obstante, o prestgio a sombra do dinheiro e do
poder. Onde existem estes, l est ele. Como o mercado na
cional de sabo ou automveis, e a arena ampliada do poder
federal, a rea nacional onde se desenvolvem as pretenses de
prestgio cresceu, consolidando-se lentamente num verdadeiro
sistema nacional. Como os homens dos altos crculos poltico,
econmico e militar so uma elite do dinheiro e do poder,
acumulam um prestgio consideravelmente acima do comum.
Todos eles tm valor publicitrio e alguns so positivamente
eminentes; cada vez mais, em virtude de sua posio e graas
a relaes pblicas conscientes, procuram fazer com que seus
nomes sejam notados, seus atos bem recebidos e sua poltica,
popular. E com tudo isso, tendem a tornar-se celebridades
nacionais.
Os membros da elite do poder so exaltados devido s
posies que ocupam e s decises que podem tomar. So
(80) Em 1946 um a im portante lista social de W ashington, segundo se diz,
tinh a 3.000 m odificaes em 5.000 nom es. Jane E a d s , W ashington P layground",
C o llie r*s , 13 de abril de 1946. H em W ashington, naturalm ente, os 400 m e
tropolitanos, conhecidos com o M oradores das Cavernas**, fam lias cujos m em
bros vm residindo ali pelo m enos h duas ou trs geraes, e que cum prem
as obrigaes sociais. M as com petindo com eles existem as grandes a n fi
tris**, nenhum a delas de d escendncia notvel, e que so antes profissionais
da estratgia do prestgio social; e os ricos residentes tem porrios, que dfio
recep es freq en tes e de certo x ito social. , com o em outras cidades, h
os arrivistas que tm o d inheiro das novas classes superiores, bem com o a
inclinao, m as no tm a posio social.
102 A ELITE DO PODER
clebres porque tm prestgio, e tm prestgio porque se supe
tenham poder ou riqueza. certo que tambm eles tm de
ingressar no mundo da publicidade, tornar-se matria para os
veculos de comunicao em massa, mas so considerados ma
terial quase que sem relao com o que fazem nesses veculos
e para eles.
Observou John Galbraith 81 que o prestgio do congressis
ta se evidencia pelo nmero de votos que controla e pelas co
misses de que participa. A importncia do alto funcionrio
determinada pelo nmero de pessoas trabalhando sob sua di
reo. O prestgio do homem de negcios mede-se menos pela
sua fortuna ou renda embora isso seja importante do que
pelo tamanho de sua empresa. Ele assimila prestgio do poder
de sua companhia, calculado pelo seu tamanho, e pela posio
que ele ocupa em sua hierarquia. Um pequeno homem de ne
gcios que ganhe um milho por ano no to importante e
no tem o prestgio nacional desfrutado pelo chefe de uma gran
de empresa que ganha apenas 200 mil dlares. Nas fileiras
militares, tudo isso se torna, naturalmente, rgido e formal.
No incio do sculo, a nacionalizao do status significava
a existncia de grupos de elite em ascenso, com os quais as
classes superiores locais de toda cidade grande ou pequena se
tinham de comparar, e com isso compreendiam que sua posio
de cpula era apenas local. Hoje, 50 anos mais tarde, o fato
tem um sentido mais amplo. Pois o que separa a nossa idade
daquela o crescimento das comunicaes em massa, principal
meio de aclamao e at mesmo criador daqueles a quem acla
ma. Da coincidncia dos meios de comunicao em massa e das
grandes organizaes surgiu o prestgio da elite nacional. Esses
meios de comunicao foram os canais pelos quais a cpula pde
atingir a massa da populao. A grande publicidade, a tcnica
da criao de uma imagem popular, e a avara exigncia que
seus veculos fazem de material constante colocaram os holofo
tes sobre essas pessoas, em propores desconhecidas pelas altas
rodas de qualquer pas na histria mpndial.
As grandes instituies so, em si, mundos com gradua
es de prestgio. So estratificadas pelos nveis dos postos,
cada qual com seu prestgio, adequado. Constituem uma hierar-
(81) C. Joh n K , G a Lb b a i t h , A m e r ic a n C a p ita lis m (B oston, 1952). P u b li
cado nesta m esm a coleo sob o titu lo C a p ita lis m o .
AS CELEBRIDADES 103
Igual en tusiasm o: W ill R ogers, qu e deseja con serv-lo 'para ser apontado
com org u lh o ; Dr. N icholas M urray B u tler, qu e ao apre 9en t-lo num jantar
de h om en agem disse: N osso convidado de honra um servidor pblico, em
bora no ten h a nenhum posto. Q ue o servidor pblico tenha ou no um p os
to um acid en te, e se este servidor por acaso receber algum a nom eao, esta
m u ito p rovavelm en te reduzir b astan te a som a de servios pblicos que o
nosso servid or p resta . (Ida T a r b e l l , O w en D . Y o u n g , N . York, 1932.)
O prprio Y o u n g afirm ou, em sua m etafsica econm ica, em 1931: U m a
certa d ose de gracejo rude necessria com o efeito teatral para o funciona
m ento do govern o dem ocrtico. O m undo aprendeu q u e pode tolerar um
certo v olu m e de brincadeira na poltica. Isso leva a com preender q u e no
se p od e brincar em E co n o m ia ... P or encantadora que a poltica parea, por
vezes, no p alco, freq en tem en te p etulan te e m esquinha nas ca m a rin h a s...
N ada m ais claro, na exp erincia dos ltim os dez anos, do que a necessid ad e
de m anter n ossa m quina econm ica, e esp ecialm en te nossas finanas, livres
do d om n io e controle pela p oltica . (Citado em F o rtu n e , m aro de 1931,
pgs. 92, 94).
(84) E is com o H arold I c k e r descreve um a visita de Estado dos ch efes
de um a en tid ad e poltica aos ch efes de outra : Som ente algum as pessoas
escolh id as tiveram perm isso de sen tar-se varanda onde o R ei e a R ainha
passaram a m aior parte do tem po, e aparentem ente Jim Farley foi o nico
m em bro do G abinete, alm de H ulls, considerado digno de incluso entre os
eleitos. M as l estavam J. P. M organ, John D . R ockefeller, Jr., a Sra. Cor
n eliu s V anderbilt, etc. O resto dos m em bros do G abinete m isturava-se com
o povo com um , cerca de 1.500 pessoas, nos jardins; de quando em vez, o R ei
e a R ainha graciosam ente desciam at a plebe, saudando aqui e ali, e a eles
eram apresentados algun s dos m ais escolh id os . (T h e S e c re t D ia ry o f H a ro ld
L . I c k e s , V ol. II: T h e In sid e S tr u g g le , 1936-1939. N ew York, 1954, pg. 644).
(85) N o ano passado (1954) o senador republicano do W isconsin, A le
xan d er W iley im pressionou os eleitores de sua terra posando para fotografias
com o se fosse dar um a m artelada na careca do senador republicano H. A le
xan d er Sm ith; este ano, o deputado dem ocrata de N ew Jersey, T. Jam es
T um ulty, que pesa 144 quilos, causou grande im presso posando em trajes
m enores.
"IAirante esta sesso, enquanto o 84 Congresso deliberava sobre o Ora
m ento da U nio, a senadora republicana do M aine, M argaret Chase Sm ith,
fo i vista no program a de televiso de Edward R. M urrow , cam inhando em
volta do globo por exem p lo, Form osa, ndia, Espanha. U m programa e x
travagante de TV, cham ado Festa M ascarada, organizou um a galeria de p a
lhaos de senadores: o senador republicano de Indiana, H om er Capehart,
apareceu vestid o num a toga rom ana; o senador republicano de South D akota,
K arl M undt e sua m ulher apareceram com o B illy H ickok e Jane C alam idade;
o senador dem ocrata do A labam a, John Sparkm an (indicado em 1952 para
vice-p resid en te pelo seu partido) apareceu fantasiado de bom beiro. (Tim e,
4 de abril de 1955. Ver tam bm a excelen te anlise de D ouglas C a t k r , Every
106 A ELITE DO PODER
4
Os que conhecem humanidades, devemos lembrar, freqen
temente se sentem constrangidos com a palavra prestgio.
Sabem que, em suas origens, ela significa iludir os olhos com
truques de escamoteao. O prestgio freqentemente con
siderado como uma fora misteriosa. Qualquer que tenha
sido o poder dominante no mundo, observou Gustave Le Bon,
sejam homens ou idias, imps sua autoridade principalmente
por meio dessa fora irresistvel denominada prestgio . . .
Prestgio na realidade uma espcie de domnio exercido em
nosso esprito por um indivduo, um trabalho, ou uma idia. . .
Esse domnio paralisa nossa faculdade crtica e nos enche de
pasmo e respeito.. . 86
Gladstone preferia a honra ao prestgio. Mas certa
mente, como observou Harold Nicolson, 87 o sentido de pres
tgio varia nos diversos pases do mundo ocidental. 88 Alm
disso, os homens de poder no querem acreditar que o pres
tgio apenas um atributo cmodo dos poderosos. Querem
que ele signifique a disposio de acreditar em seu poder sem
ter que demonstr-lo ou exerc-lo. Mas nem essa concepo
ainda completa ou satisfatria. De fato, uma concepo
de prestgio muito cmoda para os j poderosos para os
que o mantm sem esforo, sem ter de usar o poder. E, de
certo, conveniente para os que acreditam ser sua reputao
baseada em virtudes amenas, e no no poder.
Congressm an a T elevisin Star , The R e p o rte r , 16 de junho de 1955, pgs.
26 e segs.
Quanto aos negcios, comparar o discurso presidencial de 1907, de Jere-
m iah W. J e n k s , The M odem Standard Of B usiness Honor**, perante a A sso
ciao Econm ica A m ericana (Terceira Srie, vol. III) com os com entrios
de Sigm und D ia m o n d , The R ep u tatio n of the A m eric an B u sin e ssm a n , H arvard
U niversity Press, 1955). Ver tam bm Corporation L ife G ets a L iterature,
B u sin e ss W eek f 5 de junho de 1954, pg. 79.
(86) G ustave Le B o n , A M u ltido (1896).
(87) U tilizei, nesta parte, o trabalho de Harold N i c o l s o n , T h e M e an in g
o f P re stig e (Cambridge U niversity Press, 1937).
(88) Na Frana, prestgio* encerra uma conotao em ocional de frau
de, de arte de iluso, ou pelo m enos de algo adventicio. Tam bm na Itlia a
palavra freqentem ente usada para significar algo deslum brante, engano
so ou legendrio . E na A lem anha, onde um a palavra estrangeira, corres
ponde ao alem o A n sh en , ou estim a ; ou der N im b u s , que est prxim o
de fascnio ; ou uma variante de honra naicional, com a obstinao h is
trica associada, em toda parte, a tais expresses.
AS CELEBRIDADES 107
1
um tanto divertido observar como o mundo intelectual
modificou sua opinio sobre os crculos dos altos negcios, dos
quais os muito ricos fazem parte. Quando os grandes magna
tas foram descobertos inicialmente pelas letras de forma, os
sensacionalistas baratos da imprensa tiveram companheiros nas
publicaes e livros acadmicos. Durante a dcada de 1930, os
8
114 A ELITE DO PODER
Bares Ladres abriram, a arranhadelas e dentadas, seu cami
nho da infamia, e o livro antes desprezado de Gustavus Myers
tornou-se um xito na coleo Modern Library e Matthew
Josephson 'e Ferdinand Lundberg * eram os autores citados.
Hoje, com a tendencia conservadora do ps-guerra, os bares
ladres esto sendo transformados nos estadistas industriais.
As grandes empresas, com plena conscincia publicitria, man
dam escrever suas histrias, e a imagem colorida do grande
magnata se est transformando na imagem de um heri eco
nmico construtivo, de cujas grandes realizaes todos se be
neficiaram, e de cujo carter o executivo da empresa recebe
seu direito de governar e seus sentimentos slidos, bons e jus
tificados sobre esse direito. como se os historiadores no
pudessem ter na cabea um lapso de cem anos de histria,
mas vissem tudo cuidadosamente atravs das lentes polticas de
cada administrao.
Duas explicaes gerais da existncia dos muitos ricos
atualmente e no passado podem ser facilmente dadas. A pri
meira, fruto do sensacionalismo jornalstico, foi melhor apre
sentada por Gustavus Myers, cujo trabalho uma glosa, pe
dantemente detalhada, da afirmao de Balzac de que atrs de
toda grande fortuna h um crime. Os bares ladres, como
os magnatas do perodo posterior Guerra Civil foram cha
mados, desceram sobre o pblico investidor como um enxame
de mulheres na abertura de uma liquidao numa manh de
sbado. Exploraram os recursos nacionais, empenharam-se em
guerras econmicas entre si, formaram combinaes, transfor
maram o domnio pblico em capital particular, e usaram todo
e qualquer mtodo para chegar aos seus fins. Celebraram acor
dos com as ferrovias para descontos; adquiriram jornais e com
praram diretores; mataram o negcio livre e em regime de con
corrncia, empregaram advogados espertos e estadistas de repu
tao para manter seus direitos e assegurar seus privilgios.
H, realmente, algo de demonaco nesses senhores da criao,
e cham-lo bares ladres no mera retrica. Talvez no haja
nenhum mtodo econmico e limpo de acumular 100 milhes
para utilizao particular, embora, decerto, os processos sujos
possam ser transferidos a terreiros e as mos do especulador con-
(*) A utores, respectivam ente, de H isto ry o f the G re a t A m e ric a n F o r tu
nes 1W7), Th e R ob b er B a r o n s (1934) e A m e r ic a 's S ix t y F a m ilie s (1937.) (N.
do 7 .,
OS MUITO RICOS 115
2
Antes da Guerra Civil, apenas um punhado de homens
ricos, notadamente Astor e Vanderbilt, eram multimilionrios
em escala realmente americana. Poucas das grandes fortu
nas excediam a um milho de dlares; na verdade, George
Washington, que em 1799 deixara propriedades avaliadas em
530.000 dlares, era considerado um dos americanos mais ricos
de sua poca. Em 1840, na cidade de New York e em todo o
Estado de Massachusetts, havia apenas 39 milionrios. A pala
vra milionrio foi criada, na realidade, em 1843, quando,
com a morte de Peter Lorillard (rap, banco, imveis), os jor
nais tiveram necessidade de uma palavra que indicasse grande
fortuna.103
(102) R elatrio das Pequenas Indstrias dc G uerra Comisso Especial
para o Estudo dos Problem as dns Pequenas Empresas Am ericanas do Senado,
E co n o m ic C o n ce n tratio n an d W orld W ar II, W ashington, 1946.
(1 0 3 ) Sobre as fortunas da A m rica C olonial, v e r D ixon W e c t k r . The S a p a
o f A m e ric a n S o c ic ty , cap. 2; e Gustavus M y e r s , H isto ry o f the G rca t A m c r -
122 A ELITE DO PODER
Depois da Guerra Civil, esses homens de fortunas iniciais
foram considerados os Fundadores de Familias, e a sombra so
cial de sua riqueza atingiria a luta pelo prestigio social dentro
dos 400 metropolitanos; com o tempo, suas fortunas se tor
naram parte do alto mundo de empresas da economia ame
ricana. Mas as primeiras fortunas americanas realmente gran
des se criaram durante a transformao econmica da poca
da Guerra Civil, e em conseqncia da corrupo generalizada
que parece ser parte de todas as guerras americanas. Um ca
pitalismo rural e comercial transformou-se ento numa econo
mia industrial, dentro da estrutura legal de tarifas, da Lei
Bancria Nacional de 1863 e, em 1868, da 14.a Emenda Consti
tucional, que por interpretaes posteriores sancionaram a revo
luo das sociedades annimas. Durante essa modificao na es
trutura poltica e na base econmica, a primeira gerao de muito
ricos chegou a possuir unidades de fortuna que superavam de mui
to todas as existentes anteriormente. No s eram mais altos os
vrtices das pirmides de dinheiro, mas tambm a base dos
nveis superiores era aparentemente mais larga. Em 1892, um
inqurito revelou a existencia de, pelo menos, 4.046 milion
rios americanos.104
Em nossa poca de depresso e guerra, h um debate sobre
o nmero e a firmeza e mesmo sobre a existencia de
grandes fortunas americanas. Mas quanto aos fins do sculo
XIX todos os historiadores esto de acordo: entre a Guerra
Civil e a I Guerra Mundial, os grandes capites de enorme for
tuna se destacaram rapidamente.
Tomaremos esta gerao, que chegou maturidade na d
cada de 1890, como a primeira gerao dos muitos ricos. Mas
c a n F o r tu n e s (1907). S ob re as p ro p ried ad es d e G eorge W a sh in g to n , ib id e m .
Sobre os m u ltim ilio n rio s d e p rin cip io s da d cad a d e 1840, v er A . F o r b e s e
J. W . G h e e n e , T h e R ic h M e n o f M a s s a c h u s e t t s (B oston , 1851); M oses Y ale
B e a c h , W e alth a n d P e d ig r e e o f th e W e a lth y C itiz e n s o f N e w Y o r k C ity (N .
Y ork, 1842^, e W ealth and B io grap h y o f th e W ealth y C itizen s o f P h ila d elp h ia ,
p or u m m em bro da O rdem dos A d vo ga d os, 1845. S ob re os m u ltim ilio n rio s
d e N ew Y ork em m ead os da d cad a d e 1850, v er M oses Y a le B e a c h , "T h e
W ealth y C itizen s o f th e C ity o f N e w Y ork (N ew Y ork , 1855). S ob re a o r i
gem da p alavra m ilio n rio, v er W e c t e r , op. cit., pg. 113.
(104) V er o T r ib u n e M o n th ly , d o T h e N e w Y o r k T r ib u n e , ju n h o d e 1892.
S id n ey R a t h e b organ izou u m liv ro , N e w L ig h t on th e H is to ry o f G r e a t A m e -
rican F o r tu n e s (N . Y ork, 1953), q u e rep rod uz duas listas de m ilio n rios a m e
ricanos do T r ib u n e M o n th ly d e ju n h o de 1892 e do W o rld A lm a n a c d e
1902. E ssas relaes so de p ouca u tilid a d e na te n ta tiv a d e rela cion a r os m u ito
ricos (ver nota 105), p ois s ra ram en te do um a estim a tiv a do v alor ex a to
da fortuna; o ex a m e da lista m ostra q u e cen ten a s d e sim p les m ilio n rios
aparecem ao lado de J oh n D . R o c k efe ller e A n d rew C arn egie.
OS MUITO RICOS 123
3
F,m nenhuma das ltimas trs geraes a maioria dos ricos
foi formada de homens que tenham ascendido financeiramente.
Durante o curso da histria americana, desde a Guerra
Gvil, a proporo dos muito ricos cujos pais trabalharam como
pequenos agricultores ou lojistas, como empregados de escri
trio ou assalariados, vem decrescendo acentuadamente. Ape
nas 9% dos muito ricos de nossa poca tiveram origem em
famlias das classes inferiores em famlias com dinheiro sufi
ciente apenas para atender s necessidades essenciais e, por vezes,
pequenos confortos.
A histria da contribuio da classe mdia para os muito
ricos estvel: na gerao de 1900, forneceu dois nomes em
dez; em 1925, trs; e em 1950, novamente dois. Mas as con
tribuies da classe superior e da classe inferior se inverteram
acentuadamente. Mesmo na famosa gerao do sculo XIX,
(107) Sobre H unt e C ullen, ver T h e N ew Y o r k T im e s, 21 d e novem bro
de 1952 e a parte de revista de 8 de m aro de 1953; T h e W ash in gto n P o st,
15 a 19 de fevereiro de 1954; e outros inform es no U n ite d P r e s s S u r v e y , bem
com o os de P reston M c G r a w no L o n g Is la n d S t a r - J o u r n a l , 4 e 5 de agosto
d e 1964, e G en e P a t t e r s o n , W orlds R ichest M an is a T ex a n , P a c ific C o a st
B u s in e s s a n d S h ip p in g R e g iste r , 16 d e agosto de 1954.
(108) O m esm o volu m e de d in h eiro tem , n aturalm ente, valor d iferen te
em d iferen tes periodos. Mas no perm itim os que esse fato alterasse nossa
lista. N o estam os interessados em saber se $ 15 m ilhes em 1900 valiam
$ 3 0 ou % 40 m ilhes em 1950. N osso nico in teresse est nos m ais ricos
d esses p erodos, sem estabelecer qualquer com parao en tre sua riqueza e a
dos ricos de outros perodos, n em em felao renda e propriedade do
grosso da populao. A fortuna de cada gerao, portanto, aqu i apresen
tada pelo valor do dlar na poca em que essa gerao atin giu a idade
m adura de 60 anos.
D evid o ao fator desconhecido da inflao, necessrio usar de extrem a
cautela ao interpretar fatos com o o seguinte: da gerao de 1950, in clu sive o
bilionrio H unt, cerca de seis pessoas possuem m ais de 300 m ilhes, em
com parao com apenas trs, em 1900 ou 1925. M ais abaixo na pirm ide
d esie t louvados n veis, a distribuio segundo o volu m e da fortuna m ais
ou m enos sem elhante em cada um a das trs geraes. D e m odo geral, cerca
de 20% de cada grupo esto na casa dos 100 m ilhes ou m ais; os restantes
d ivid em -se igualm ente entre os n veis de $ 50-99 e $ 30-49 m ilhes.
OS MUITO RICOS 129
4
Os muito ricos na Amrica no so, em sua maioria, ricos
ociosos, e nunca o foram. A proporo deles que vive quase
que apenas de rendas aumentou, de fato, significativamente: em
1900, cerca de 14%; em 1925, cerca de 17%; em 1950, 26%.
Pela forma de passar o tempo, cerca de um quarto das pessoas
muito ricas podem ser consideradas, hoje, como membros da
dasse ociosa.
Entretanto, nem a idia dos ricos como miserveis acumu
ladores de juros de aplices nem como playboys brilhantes
bem representativa. Os miserveis ociosos e os ativos gas
tadores existem entre os muito ricos da Amrica, mas, na his
toria das grandes fortunas americanas, os miserveis no vive
ram apenas de juros de aplices; habitualmente, trabalharam
de algum modo para aumentar o valor desses cupons de juros
ou pelo menos fingiram faz-lo, mesmo quando entregavam
a outros essa tarefa.111 E os gastadores no foram apenas
(111) A suposta vergonha do trabalho, em que se baseiam m uitos dos
conceitos de V e b l e n sobre as classes superiores, no se enquadra m uito bem
na tica puritana to caracterstica da vida am ericana, in clu sive de m u itos
elem entos das classes superiores. Suponho que em seu livro sobre a classe
ociosa, V e b l e n fale apenas das classes superiores, e no das m dias e v i
dentem ente, ele no escreveu sobre as classes m dias abastadas e puritanas.
No quis cham ar de trabalho" o que os altos hom ens de negcios fazem ,
m uito m enos de trabalho produtivo. A prpria expresso, classe ociosa, tor
nou-se para ele sinnim o de classe superior, m as tem havido e h um a classe
superior que trabalha na realidade, um a classe de hom ens prodigiosam ente
ativos. O fato de V e b l e n no aprovar-lhes o trabalho, e se recusar a ap li
car-lhes aquela palavra j que um a das suas palavras positivas
irrelevante. A lm disso, neste caso obscurece e deform a nossa com preenso
das classes superiores com o um a form ao social. N o obstante, se V e b l e n
Uvesse adm itido cabalm ente esse fato sim ples, teria destrudo (ou im posto
uma sofisticao m uito m aior) toda a sua perspectiva e realm ente um a das
principais bases m orais de sua critica.
D e um ponto de vista bastante form al, devem os notar qu e V e b l e n fo i
um crtico m uito conservador da A m rica: aceitou sinceram ente um dos
poucos valores realm ente am ericanos e gerais: o valor da eficin cia, da u tili
dade, da sim plicidade pragm tica.* Sua crtica s in stituies e pessoal da
sociedade am ericana b aseou-se, sem exceo, na crena de qu e no corres-
OS MUITO RICOS 133
5
Se muitos dos que nasceram entre os muito ricos passaram
suas vidas trabalhando, evidente que os outros, nascidos nas
classes mdia e inferior e s mais tarde milionrios, no vive
ram na ociosidade. A elevao classe dos muito ricos ne
cessita de uma carreira econmica que tem duas caractersticas
principais: o grande pulo e a acumulao de vantagens.
1. Nenhum homem, que eu saiba, entrou jamais nas filei
ras das grandes fortunas americanas' apenas economizando uma
sobra de seu salrio. De uma forma ou de outra, conseguiu
uma posio estratgica que lhe permitiu ter uma oportuni
dade de ganhar alto dinheiro, e habitualmente teve de dispor
de uma considervel soma para poder transform-la em muito
dinheiro. Pode trabalhar e acumular lentamente para o gran
de pulo, mas a certa altura tem de encontrar-se numa posio
que lhe permita aproveitar a grande oportunidade que espera.
Com um salrio de 200 ou 300 mil dlares por ano, mesmo
pondo de lado os impostos, e vivendo numa choupana mise
rvel, matematicamente impossvel economizar o equivalente
a uma grande fortuna americana.115
antes que falisse. C f. P h i l a d e l p h i a P u b l i c L e d g e r , 2 de abril de 1912, e
P h i l a d e l p h i a P r e s s , 23 de setem bro de 1902.
Q uanto aos d iretores p or tradio fa m ilia r dos dias de h oje, h, p or
e xem p lo , V in cen t A s to r bisneto de John Jacob A s to r que pode ser en
tusiasta de iatism o e corrid a de au tom veis, mas desapontou os cronistas
sociais em busca de v id a dissipada e escandalosa, quando, ao m orrer seu pai,
d e ix o u H a rva rd aos 21 anos e com eou a v a lo riza r os lotes A s to r em N e w
Y ork. O jo v e m V in c e n t m od ifico u a p o ltic a adm inistrativa, abolin do m u i
tas casas de cm odo e procurando atrair para seus lotes uma clien tela da
classe m d ia e da classe superior, valorizan d o-a com isso. C f. H a rv e y
O CoNNor, T h e A s t o r s , N. Y o rk , 1941). E as decises dirias de John D.
R o c k e fe lle r I I I e n v o lv e n d o a aplicao de m ilhes de dlares; ele tem um
em p rego dc tem po integral, para o que fo i educado: atividades filan tr p icas
em escala in ternacional. A l m disso, atuante tam bm com o d ire to r de
m uitas em presas am ericanas, inclusive a N e w Y o r k L ife Insurance C om -
pany e o Chase N ation a l Bank.
(115) C om eando aos 20 anos de idade e trabalhando at os 50 a p ro x i
m adam ente, econom izando S 200.000 por ano, qualqu er pessoa teria, ao ju ro
com posto de 5Tr, apenas $ 14 m ilhes, m enos da m etade do lim ite in fe rio r
ad m itid o para as grandes fortunas am ericanas.
M as quem tivesse com prado apenas $ 9.900 de aes da G en eral M otors
cm 1913, e ao invs de usar seu bom -senso tivesse entrado em coma, d e ix a n
do acum ularem -se os ju ros na G eneral M otors teria, em 1953, cerca dc
$ 7 m ilhes.
E ainda que no tivesse nem m esm o escolhido a G en eral M otors, e sim
sim plesm ente investid o $ 10.000 em cada uma das 480 aes relacionadas em
1913 investim n to total de ctrca de $ 1 m ilho e entrado cm com a at
136 A ELITE DO PODER
II. Urna vez dado o grande pulo, urna vez obtida a prin
cipal oportunidade, o homem que est ascendendo se envolve
na acumulao de vantagens, o que apenas outro modo de
dizer que a ele tudo ser dado. Para transformar algum di
nheiro em dinheiro realmente grande, preciso estar em con
dies de se beneficiar com a acumulao de vantagens. Quan
to mais se tiver, e mais estratgica a posio econmica em que
se estiver colocado, maiores e mais certas as possibilidades de
ganhar mais. Quanto mais se tem, maior o crdito as opor
tunidades de usar o dinheiro de outras pessoas e portanto
menor o risco necessrio para acumular mais. Chega-se a um
ponto, na acumulao de vantagens, em que o risco deixa de
existir, passando o lucro a ser to certo como os impostos do
governo.
O acmulo de vantagens, em seu auge, paralelo ao cr
culo vicioso da pobreza, no fim da escala. Pois o ciclo das
vantagens inclui a disposio psicolgica, bem como as opor
tunidades objetivas: tal como as limitaes da classe inferior
e sua posio na escala social produzem uma falta de interesse
e de autoconfiana, as oportunidades objetivas proporcionadas
pela classe e pelo prestgio provocam o interesse no progresso
e a autoconfiana. O sentimento confiante de que possvel
conseguir naturalmente o que se deseja nasce e alimenta-se das
oportunidades objetivas de que isso acontea. Uma srie de
xitos estimula a aspirao enrgica; pequenos fracassos suces
sivos abatem o nimo da vontade de vencer.110
A maioria dos muito ricos de 1950, aparentados com os
muito ricos de geraes anteriores, j nasceu com o grande
pulo dado, e j tendo em funcionamento firme a acumulao
de vantagens. Os 39% dos muito ricos de 1900, originados
da classe superior, herdaram o grande pulo, e uns poucos, no-
tadamente os Vanderbilts e Astors, tambm herdaram posies
que representavam a acumulao de vantagens. O pai de J. P.
Morgan deixou-lhe $ 5 milhes e instalou-o como scio de
uma firma bancria com ligaes financeiras tanto na Europa
1953, nosso hipottico investidor teria cerca de $ 10 m ilhes de aes, e em
dividendos e direitos outros $ 10 milhes. O aumento de valor teria rep re
sentado cerca de 899%, os dividendos 999%. Tendo um m ilho, as vantagens
sc acumulam mesmo para um homem em estado de coma. (V er T h e N ew
Y o r k T im e s, l.o de agosto de 1954).
ll6 j crculo vicioso da pobreza e sua im possibilidade de xito,
ver MilLs , White Collar (O xfo rd U n iversity Press, 1951) pgs. 259e segs.
[a ser publicado por esta Editora.]
OS MUITO RICOS 137
6
Nas geraes anteriores, a principal oportunidade, habi
tualmente, com o dinheiro de outros, constitua a chave. as
geraes mais recentes, a acumulao de vantagens baseadas
na posio do av e do pai substitui a grande oportunidade.
Nas trs ltimas geraes, a tendncia inequvoca: hoje, apenas
9% dos muito ricos vieram de baixo; apenas 23% eram da
classe mdia; 68% vieram das classes superiores.
A incorporao da economia dos Estados Unidos ocorreu
num continente de abundantes recursos naturais, povoado rapi
damente por imigrantes dentro de uma estrutura jurdica e
poltica disposta e capaz de permitir que os homens, como par
ticulares, realizassem a tarefa. Foi o que fizeram. E reali
zando sua tarefa histrica de organizao para o lucro, a in
dustrializao e incorporao, adquiriram para seu uso par
ticular as grandes fortunas americanas. Dentro do sistema de
empresas privadas, tornaram-se os muito ricos.
Ao compreender o poder da propriedade e ao estabelecer
instrumentos para sua proteo, os muito ricos se envolveram,
e esto hoje profundamente entrincheirados, no mundo das al
tas empresas da economia americana do sculo XX. No as
grandes fortunas, mas as grandes empresas, so as unidades im
portantes de riqueza, s quais as pessoas de fortuna se ligam
sob formas vrias. A empresa a fonte de riqueza, e a base
do poder e prestgio estveis da riqueza. Todos os homens e
famlias de grande fortuna se identificam hoje com as grandes
empresas nas quais seus recursos esto empenhados.
Economicamente, como j vimos, nem herdeiros nem
acumuladores se tornaram uma classe rica e ociosa de pessoas
desocupadas e cultas. H dessas pessoas entre eles, mas quase
trs quartas partes dos muito ricos de hoje continuam a ser
mais ou menos, de uma forma ou de outra, economicamente
ativos. Suas atividades econmicas so, evidentemente, ativi
dades de empresa: promoo, administrao, direo e espe
culao.
Alm do mais, as famlias de fortuna ao penetrarem no
mundo da empresa, ali encontraram os administradores dessas
fortunas que, como tivemos oportunidade de ver, no so exa-
142 A ELITE DO PODER
tamente pobres, e no constituem na realidade uma espcie
econmica totalmente diversa dos muito ricos. O centro de
organizao das dasses de fortuna se deslocou, evidentemente,
o bastante para incluir outros poderes alm dos representados
pelas grandes familias ricas. O sistema de propriedade, do
qual os homens ricos formam parte to essencial, foi forta
lecido pela sua reorganizao administrativa, e vem sendo su
plementado pela camada executiva, dentro e entre as grandes
empresas, que trabalha ativamente no intersse dos ricos as
sociados.
Socialmente, os homens e mulheres das grandes fortunas
americanas ocuparam seus lugares como lideres dos vrios 400
metropolitanos. Dos 90 membros dos muito ricos de 1900,
somente nove estavam incluidos na lista de Ward McAllister,
em 1892; mas aproximadamente a metade das familias de nossa
lista de 1900 tem descendentes que em 1940 eram incluidos no
Registro Social de Filadlfia, Boston, Chicago ou New York.
Os muito ricos so membros destacados dos 400 metropoli
tanos. Pertencem a seus clubes, e muitos deles, e quase todos
os seus filhos, foram a Groton, depois a Harvard, ou a outras
escolas semelhantes. Doze dos quinze filhos (que viveram at
a idade da universidade) de 10 dentre os muito ricos de 1900
que Frederick Lewis Alien escolheu como os principais finan
cistas de 1905 freqentaram Harvard ou Yale; ou outros trs
foram para Amherst, Brown e Colmbia.128
Os muito ricos no reinam sozinhos no alto de hierarquias
visveis e simples. So complementados pelos agentes e por
hierarquias na estrutura corporativa da economia e do Estado,
o que no significa terem sido substituidos. Econmica e so
cialmente, os muito ricos no declinaram. Depois da crise e
depois do New Deal, tiveram que operar com tcnicos legais
habilidosos (tanto no governo como fora dele) cujos servios
so essenciais no campo dos impostos e regulamentaes go
vernamentais, reorganizao e fuses de sociedades annimas,
contratos de guerra e relaes pblicas. Adotaram tambm to
dos os tipos concebveis de colorao protetora para a natu
reza essencialmente irresponsvel de seu poder, criando a ima
gem do rapaz da cidade pequena que teve xito, do esta
dista industrial, do grande inventor que cria empregos, mas
(123) Cf. F rederick L ew is A ixek , op. cit., pg. 85.
OS MUITO RICOS 143
1
As empresas so os centros organizados do sistema de pro
priedade privada: os principais executivos so os organizadores
desse sistema. Como homens econmicos, so ao mesmo tem
po criaturas e criadores da revoluo administrativa que, em re
sumo, transformou a propriedade de uma ferramenta de ope
rrio num instrumento complexo pelo qual o trabalho deste
controlado, obtendo-se lucro com ele. O pequeno industrial
j no , h muito, a chave da vida economica da America;
e em muitos setores econmicos onde ainda existem pequenos
produtores e distribuidores, estes lutam vigorosamente e tm
10
146 A ELITE DO PODER
de lutar, para no serem esmagados para que as associaes
de classe ou os governos atuem por eles, tal como as empresas
agem para a grande industria e finanas.124
Os americanos gostam de considerar-se o povo mais indi
vidualista do mundo, mas entre eles a empresa impessoal avan
ou o mximo, e atinge hoje toda rea e todo detalhe da
vida diria. Menos de dois dcimos de 1% das companhias
manufatureiras e mineradoras dos Estados Unidos empregam
atualmente metade de toda a populao trabalhadora em indus
trias bsicas.125 A historia da economia americana desde a
Guerra Civil portanto a historia da criao e consolidao des
se mundo associado de propriedade centralizada.
I. No desenvolvimento de cada uma das principis linhas
industriais, a concorrncia entre muitas firmas pequenas tende
a ser mais freqente no comeo da industria. H, em seguida,
uma srie de trapaas e manobras que, com o tempo, resultam
na consolidao e fuso. Como conseqncia da concorrncia
inicial, surgem os Cinco Grandes, os Trs Grandes, conforme
o caso: um pequeno grupo de firmas que divide entre si o
lucro possvel no ramo, e que domina as decises tomadas
pela industria ou que possam afet-la. O poder exercido pelas
poucas grandes firmas, observou John K. Galbraith, dife
rente apenas em proporo e preciso de sua atuao do poder
do monopolio de uma nica firma. 126 Se concorrem entre
si, o fazem menos em termos de preo do que em termos de
desenvolvimento do produto, publicidade e embalagem. 127
Nenhuma firma isolada entre eles decide, mas por outro lado
as decises tambm no so determinadas por um mercado
autnomo, em regime de concorrncia. H, simplesmente,
muita coisa em jogo para permitir que esse mtodo desorga
nizado predomine. As decises se tornam, explicitamente ou
no, atribuio das comisses; os Trs Grandes, ou os Quatro,
de uma forma ou de outra, participam das principais decises
(124) Ver M i l l s , W hite C o lla r : T h e A m e r ic a n M id d le C la s s e s (N ew
Y ork: O xford U n iversity P ress, 1951), captulos 2 e 3.
125) C alculado pelo B u r e a u do C enso, 1951 A n n u a l Su rv exj o f M a n u
f a c tu r e s , e T he F ortune D irectory of th e 500 L argest U . S. Ind u strial C or
poration* , F o r tu n e , ju lh o de 1955, S uplem ento.
(1261 Joh n K en n eth G a l b r a it h , A m e ric a n C a p ita lis m : T h e C o n c e p t o f
C o u n te rv a ilin g P o w e r (N. Y ork, 1952).
. * >ara ^ corroborao, com dados recen tes, da opin io de G ardiner
M eans sobre a rigidez de preo na econom ia de grandes em presas, ver Joh n
M. B l a ik , E conom ic C oncentration and D epression P rice R ig id ity , A m e r ic a n
E co n o m ic R e v le w , vol X LV , m aio de 1955.
OS PRINCIPAIS EXECUTIVOS 147
2
O mundo das sociedades annimas tem apenas duas ou
trs geraes, e no obstante, nesse curto espao de tempo,
selecionou e criou tipos de homens que subiram com ele e
dentro dele. Que tipo de homens so? No nos interessa
aqui a grande massa dos gerentes, nem o executivo medio
mesmo que tal concepo possa ter sentido e ser reveladora.
Interessa-nos os homens da cpula do mundo das sociedades
annimas e cpula segundo o critrio que eles mesmo ado
tam para se classificarem mutuamente: as posies de controle
que ocupam.
Os principais executivos so homens que ocupam os dois
ou trs altos postos de comando em cada uma da centena, apro
ximadamente, de empresas que, medidas pelas vendas e capital,
so as maiores. Se relacionarmos, em qualquer ano, essas prin
cipais empresas em todas as linhas industriais, e de seus altos
escales selecionarmos os presidentes e presidentes de suas jun
tas, teremos relacionado os principais executivos. Temos seis
ou sete estudos cuidadosos desses homens, abrangendo o pero
do do sculo passado.139
So os principais executivos das grandes empresas uma
raa de homens diferente, ou simplesmente uma coleo hetero-
gn^de americanos? Sero o que Balzac teria chamado de
verdadeiro tipo social? Ou representam uma amostra dos ame-
o ganho estvel, num a econom ia integrada com in stituies p olticas e apoia
da em aquisies m ilitares, ex ig e que as com panhias se tornem p olticas; e
hoje elas so, naturalm ente, tanto in stituies p olticas com o econm icas.
No prim eiro caso, so totalitrias e ditatoriais, em bora extern am en te exibam
m uita retrica d efen siva e liberal em suas relaes pblicas. B erle, em su
m a, con fu n d e um sistem a de relaes pblicas atuante com um a alm a de
em presa. Cf. A . A . B e r l e , Jr., T h e 20th C e n tu ry C a p ita lis t R e v o lu tio n (J.
York, 1954), e a crtica que lh e feita por B en B . Seligm an em D isse n t,
inverno de 1955.
(139) F. W. T a u s s ig e C. S. J o s l y n abriram cam inho, coligind o in for
m aes sobre cerca de 7.000 hom ens de n egcios relacionados no registro de
diretores de Poor, de 1928; A m e ric a n B u s in e s s L e a d e r s: A S tu d y in S ocial
O rigin s an d S o c ia l S tra tific a tio n (N. Y ork, 1932).
M il l s analisou 1.464 em in en tes hom ens de n egcios am ericanos, cujas
biografias estavam in cludas no T h e D ic tio n ary o f A m e ric a n B io g r a p h y , e
que nasceram entre 1570 e 1879: T he A m erican B u sin ess E lite: A C ollective
P ortrait , T h e Jo u r n a l of E co n o m ic H isto ry , dezem bro de 1945.
W iilam M n in organizou a principal e m elhor coleo de biografia dos
lderes econm icos. A nalisou pessoalm ente o m aterial e publicou sobre ele
OS PRINCIPAIS EXECUTIVOS 155
3
Se tivssemos de estabelecer esquemas das carreiras exter
nas dos executivos, encontraramos vrios tipos mais ou menos
distintos:
I. Os empreendedores, por definio, comeam ou orga
nizam um negcio com o dinheiro prprio ou com recursos de
outros, e medida que o negcio, cresce, tambm aumenta sua
estatura de executivo. Menos educado do que os outros exe
cutivos, esse tipo tende a comear a trabalhar cedo e a ter tra
balhado em vrias companhias. Segundo o cuidadoso levanta
mento de Suzanne I. Keller, um total geral de 6% dos prin
cipais executivos de empresas, em 1950, na Amrica, seguiram
tal caminho at o alto.
II. Alguns executivos so colocados em companhias de
propriedade de seu pai ou outros parentes, e posteriormente
herdam suas posies. Esses homens comeam a trabalhar com
mais idade do que os outros tipos, e freqentemente no tra
balham seno na empresa em que acabam por atingir o alto.
Nessas companhias, porm, trabalham freqentemente por pe
rodos considerveis, antes de assumir os postos-chaves de co
mando. Cerca de 11% dos executivos de 1950 se enquadra
vam nesse tipo.
III. Outros 13% no comearam absolutamente no mun
do dos negcios, mas como profissionais liberais, principalmen
te advogados. O trabalho em suas profisses leva habitual
mente aps algum xito profissional a se transformarem em
presidentes de empresas ou de juntas. Segundo William Miller,
OS PRINCIPAIS EXECUTIVOS 161
4
No h, decerto, um s tipo de hierarquia nas empresas,
embora uma caracterstica geral parea predominar no mundo
das sociedades annimas. Relaciona-se com uma camada Nme
ro Um, na cpula, e cujos membros individualmente e muito
mais na forma de comits agem como conselheiros e recebem
relatrios de uma camada Nmero Dois, de administradores
executivos.151
da camada Nmero Um que os muito ricos e os principais
executivos fazem parte. Os homens da Nmero Dois so pessoal
mente responsveis por determinadas unidades, fbricas, depar
tamentos. Situam-se entre as hierarquias ativas, executivas, e
a cpula dirigente, perante a qual so responsveis. E em seus
relatrios mensais e anuais a essa cpula, um grupo de pergun
tas da maior importncia: Ganhamos dinheiro? Se ganha
mos, quanto? Se no ganhamos, por qu?
As decises dos executivos individuais na cpula esto
sendo lentamente substitudas pelos esforos das comisses ou
juntas, que julgam as idias apresentadas, habitualmente, pelos
de nveis imediatamente inferiores. Os homens do departamen
to tcnico, por exemplo, podem discutir durante meses com os
homens de venda sobre um pneu sem cmara, antes que os
principais executivos cheguem a uma conferncia sobre o as
sunto, no nvel operacional.132 A idia no lhes pertence, e
muito menos a deciso, mas O Julgamento. Nos altos nveis,
esse julgamento habitualmente est relacionado com o empre
go de dinheiro para ganhar mais dinheiro, e em conseguir que
os outros faam o trabalho necessrio. A administrao de
um grande negcio consiste essencialmente em conseguir que
(151) S ob re os ex e cu tiv o s N m ero D o is , v er, p or ex e m p lo , B u sin e ss
W eek , 2 d e jan eiro d e 1954, sob re a organ izao d u P o n t.
(152) V er B u s in e s s W eek , 16 d e m aio d e 1953.
OS PRINCIPAIS EXECUTIVOS 165
5
Quando os executivos de sucesso rememoram suas carrei
ras, freqentemente acentuam o que denominam de elemen
to de sorte. O que isso? Contam-nos que George Hum-
06 servios de um solicitador p ro fission a l d e W all S treet. E m P alm B ea ch ,
Y oung com eou a m anobrar os gru p os en tre os ricos e en tre am igos com
contatos para controlar b locos d e aes. S eu lado o b tev e trs im p ortan tes
adeses dos m u ito ricos A lien P . K irb y, da fortu n a W oolw orth , e d ois o u
tros hom en s, cada qual com m ais d e $ 300 m ilh es: C lin t M u rch ison e S id
R ichardson. A s coisas se colocaram d e ta l m odo q u e u m b loco de 800.000
aes a $ 26 a ao (no valor d e 20,8 m ilh es) fo i con trolad o. E v id en te
m en te, os m u ltim ilion rios no tivera m q u e d esem b olsar d in h eiro para co m
prar tais aes tom aram -no em p restado, p rin cip a lm en te da A lleg h e n y C or
poration, q u e Y oung p resu m iv elm en te p od e tratar com o sua p rop ried ad e p e s
soal, e da qual dono de 0,07%. E tom aram em p rstim os para cobrir to d os
os riscos p ossveis, com ex ce o de 200.000 aes. E stavam , to d os eles, in
clu d os na nova ju n ta d e d iretores. Y ou n g co n seg u iu reu nir 800.000 aes
com d ireito a voto.
C hase N ation al B ank, um a organizao de R ock efeller, tin h a a ca u tela
dessas aes, e ven d eu -a s a M urchison e R ichard son . J o h n M cC loy, p resi
d en te da Junta do B anco, co n segu iu q u e W hite se en trev ista sse com R i
chardson e M urchison, que voaram no dia seg u in te para N ew York O s te -
x an os, que tinh am ento 12,5% da N ew Y ork C entral, ten taram co n segu ir um
acordo. Fracassaram , e a lu ta p elos votos dos acio n ista s m en o s com p actos
te v e in icio. (Os fatos e citaes so de J oh n B r o o k s , T h e G reat P ro x y
F ight", T h e N e w Y o rk e r, 3 de Julho de 1954. V er tam b m B u s in e s s W eek.
24 de ju lh o d e 1954).
O grupo de Y oung gastou $ 305.000 (m ais tard e, o N ew Y ork C en tral
reem b olsou essa im portncia, cu stean d o assim tan to os v en ced ores com o os
v e n c id o s). C em agen tes de W h ite, d e costa a costa, procuraram a cio n ista s,
bem com o vrios m ilhares d e em p regad os volu n trios da ferrov ia . Y ou n g
tam bm contratou um a firm a de solicitao p rofission al, e a p rov eito u os ser
v io s de D iebold , Inc., fbrica d e m veis de escritrio d e p rop ried ad e d e
M urchison 250 de seu s ven d ed ores foram contratados para solicita r p ro
curaes para os votos. Com a vitria d e Y oung, essa firm a p asso u a fo r
n ecer todos os m veis da N ew Y ork C entral. (V er B u s in e s s W eek , 15 d e
m aio de 1954.)
(158) V er T h e N ew Y o r k P o tt, 10 d e abril de 1954.
OS PRINCIPAIS EXECUTIVOS 169
6
Os critrios predominantes para progresso executivo, evi
denciados pelos programas de recrutamento e preparo das gran
des empresas, refletem claramente os princpios e julgamen
tos dos que j tiveram xito. Entre os principais executivos
de hoje h certa preocupao sobre a elite executiva de amanh,
procurando-se fazer o inventrio dos homens mais jovens da
empresa, que se possam desenvolver num perodo de dez anos,
aproximadamente; contratar psiclogos para medir o talento
174 A ELITE DO PODER
real potencial; juntar varias empresas e estabelecer cursos para
seus executivos jovens, e organizar com as principis universi
dades cursos e currculos diferentes para os executivos de ama
nh. Em suma, fazer da escolha da elite executiva uma das ta
refas dos dirigentes da grande empresa.
Talvez metade das grandes companhias tenha atualmente
programas semelhantes.104 Mandam homens selecionados para
faculdades escolhidas e escolas de comrcio, para cursos espe
ciais, sendo a Harvard Business School uma das preferidas. Or
ganizam cursos e escolas prprias, incluindo freqentemente
seus prprios altos dirigentes como conferencistas. Inspecionam
as faculdades atrs de recm-formados de talento e organizam
postos rotativos para homens escolhidos como os substitutos
potenciais na liderana. Algumas empresas, na verdade, por
vezes parecem menos negcios do que uma vasta escola para
futuros executivos.
Com tais recursos, a confraria dos eleitos tenta atender as
necessidades de executivos, provocada pela expanso das dca
das de 1940 e 1950. Essa expanso ocorreu depois do redu
zido mercado de trabalho para executivos, na dcada de 1930,
quando as companhias podiam dar-se ao luxo de escolh-los
entre homens experimentados. Durante a guerra, no houve
tempo para esses programas, o que, ocorrendo logo aps uma
depresso, provocou uma interrupo de dcada e meia na for
mao de executivos. Atrs do recrutamento deliberado e dos
programas de treinamento, h tambm a preocupao, entre os
grupos da cpula, de que os executivos do segundo nvel pos
sam no ser to capazes quanto eles: seus programas desti
nam-se a atender a necessidade que experimentam de perpetuar
a hierarquia das empresas.
Assim, as empresas realizam investidas entre os doutoran
dos das faculdades, tal como os veteranos investem contra os
calouros. As escolas, por sua vez, tm proporcionado, cada vez
mais, cursos considerados de utilidade para a carreira numa
empresa. Sabemos que os rapazes das universidades esto pron
tos a ser o que as empresas desejam.. . Esto ansiosos para
que lhes dem a d e ix a ... 165 Essa nsia e receptividade
(184) B u s in e s s W eek , 3 d e n o v e m b r o d e 1951, p * . 86. C f. ta m b m
M il l s ,W h ite C o lla r ; W illia m H . W h y t i , J r ., e r e d a to r e s , d e F o r t u n e , Is A n y -
b o d y L i s t e n in g ? (N . Y o r k , 1952).
'165) T h e C row n P rin ces o f B u sin e ss , F o rtu n e , ou tu b ro d e 1953.
OS PRINCIPAIS EXECUTIVOS 175
2
Como praticamente todas as estatsticas de rendas se ba
seiam nas declaraes dos contribuintes, no revelam totalmen
te as diferenas de renda entre os ricos associados e outros
americanos. De fato, uma diferena principal so os privil
gios deliberadamente criados para a excluso da renda dos
lanamentos de impostos. Esses privilgios so to flexveis
que difcil levar a srio a grande publicidade dada revo
luo da renda, que se pretende tenha ocorrido nos ltimos
20 anos. Uma modificao, como j vimos, ocorreu na distri
buio da renda total dos Estados Unidos, mas no nos parece
muito convincente julgar, pelas declaraes de renda, que a par
ticipao dos ricos na riqueza do pas tenha decrescido.179
sofrendo pequeno decln io, apenas 65 pessoas ganharam u m m ilh o ou m ais,
sendo a m dia de suas rendas 2,3 m ilh es antes dos im p ostos, e apenas
$ 825.000 depois destes.
D ados histricos sobre as rendas de m ilho en tre 1917 e 1936 foram
com pilados pela C om isso de Im postos sobre R endas Internas do C ongresso
dos E stados U nidos, e publicados sob o ttu lo M illion -d ollar In com es
(W ashington, 1938). N os anos anteriores a 1944, as rendas in d ivid u ais no
eram separadas das rendas jurdicas. S e as in clu ssem os nas ren das d e 1949,
para estab elecer com parao com as 513 de 1929, haveria 145 rendas na casa do
m ilho em 1949. Sobre a proporo de fam lias com rendas in feriores a
$ 2.000 dlares em 1939, ver T h e N ew Y o r k T im e s , 5 d e m aro d e 1952, com
dados do B u r e a u de Censo.
(178) P relim inary F indings of th e 1955 Survey o f C onsum er F in a n ces ,
F e d e r a l R e se rv e B u lle tin , m aro de 1955.
(179) Sim on K uznets, perito em dados colhidos atravs de im p ostos, ju lga
que a participao na renda total, depois de descontados os im p ostos, do 1%
dos m ais ricos que vai at fam lias ganhando apenas $ 15.000 por ano) da
populao desceu de 19,1% em 1928 para 7,4% em 1945; m ais cu idad osam en te
acrescenta: T orna-se evid en te de nossa apresentao que en con tram os d i
ficuldades considerveis em obter estim ativas com alto grau d e probabilidade
e em desenterrar inform aes para com provar as vrias h ip teses." N o ob s
tante, em seus nm eros que se baseia a teoria do grande n iv elam en to
e d ecln io dos ricos . E sses nm eros incluem certas estim ativ as e
aju stes que poderiam ser discutidos d etalhadam ente, m as o deb ate im p or
tan te d eve centralizar-se nos dados dos quais so estim ad os . P elo q u e
sabem os e s sabem os um a pequena parte das form as legais e ilegais
utilizadas pelos que so severam ente taxados pelos im postos, acreditam os s e
riam ente que a queda de 19,1 para 7,4% constitua realm en te um a ilustrao
de que os ricos aprenderam a ocultar inform aes sobre suas rendas, e no
um indcio de qualquer revoluo nas rendas. N ingum jam ais saber ao
certo, pois a investigao necessria para descobrir a verdade p oliticam en te
irreaJizvel. Ver Sim on K u z n e t s , Shares of U pper Incom e G roups in Incom e
OS RICOS ASSOCIADOS 185
Quando os impostos so altos, os ricos associados so bs
tante espertos para imaginar formas de receber a renda, ou
as coisas e experincias que esta proporciona, de modo a es
capar dos lanamentos. O modo pelo qual os ricos associados
pagam seus impostos mais flexvel e proporciona mais opor
tunidades para uma interpretao sagaz da lei, o que no ocor
re nas classes mdia e inferior. As pessoas de rendas eleva
das planificam suas dedues de impostos, ou melhor, mandam
planific-las pelos peritos que contratam. Talvez as pessoas cuja
renda venha de bens, de atividades empresariais ou profissio
nais, sejam to honestas ou desonestas como as mais po
bres, que vivem de salrios, mas so tambm economicamente
mais ousadas, tm maior oportunidade e habilidade e, o que
mais importante, tm acesso aos maiores conhecedores dessas
questes: advogados especializados e contadores hbeis que se
dedicam aos problemas de impostos como a uma cincia e a um
jogo. Devido natureza do assunto, seria impossvel provar
com exatido, mas no difcil acreditar que geralmente quan
to maior a renda e mais variadas as suas fontes, maior a proba
bilidade de escamotear o imposto. Grande parte do dinheiro
declarado escamoteado, legal ou ilegalmente, ao coletor de im
postos; muito do dinheiro ilegalmente ganho simplesmente no
declarado.
Talvez o recurso mais importante para conservar a renda
seja o lucro de capital a longo prazo. Quando um militar es
creve um livro de xito, ou outros o escrevem para ele, quan
do o homem de negcios vende sua fazenda ou doze porcos,
quando um executivo vende suas aes o lucro obtido no
considerado como renda, mas ganhos de capital, e isso significa
and Savings**, N ation al B u r e a u of E conom ic R esearch Inc., Occasional Paper
N . 35; e S im on K u z n e t s , assistid o por E lizabeth J e n k s , S h a r e * o f V p p e r
I n c o m e G r o u p s in I n c o m e an d S a v in g s (N . Y ork, 1953). Para debate doa
m tod os em pregados por K u z n e t s e um a interpretao diferente dos dfldot
proporcionados p elos im postos, ver J. K eith B u t t e r s , Lawrence E. Tkoacpbov
e L y n L. B o l l in g e r , E f f e c t s of T a x a tio n : I n v e s tm e n t by In d iv id u a l s (Harvard
U n iv ersity P ress, 1953).
A propsito: a proporo de renda sujeita aos im postos de todos os
tip os pagas p elos m em bros dos vrios n v eis de rendas no o i estu d a
da recen tem en te com d etalhes. D urante o N e w D ea l, porm , os resu ltad os
de um estu d o d esse tipo realizado por G erhard C o liv i e H elen T a r a s o v para o
TNEC (M onografia n. 3: W ho P ay th e T axes?") revelou que um a pessoa
gan h an d o d e $ 1.500 a $ 2.000 por ano pagava 17,8% de sua renda cm im p o s
to s, e s podia guardar 5,8%, ao passo que outra pessoa, ganhando dex vezes
aq u ela renda ($ 15.000 a $ 20.000) tinha pouco m enos de duas vezes mais de
sua renda con su m id a p elos im postos (31,7%) a podia guardar cinco vezes
m ais prop orcion alm en te (32t3% ).
186 A ELITE DO PODER
que a importncia conservada aps o desconto do imposto
aproximadamente duas vezes maior do que seria se o mesmo
dinheiro fosse recebido como salrio ou dividendo. Quem de
clare rendas obtidas de capital a longo prazo paga imposto ape
nas sobre 5096 dessa renda. Essa metade taxada por uma
tabela progressiva, aplicvel renda total individual; a taxa m
xima, porm, sobre tais proventos de 52%. Isso quer dizer
que em nenhum momento pode o imposto pago sobre os ganhos
de capital ser superior a 26% do total recebido; e ser menor
se a renda total, inclusive os ganhos, no ultrapassar dos nveis
inferiores. Mas quando o fluxo de dinheiro se inverte, uma
perda de capital de mais de $ 1.000 (as inferiores a isso podem
ser descontadas da renda comum) pode ser desmembrada atra
vs de cinco anos, passados ou futuros, para compensar ganhos
de capital.
Depois dos ganhos de capital, a melhor escapatria aos im
postos talvez seja o desconto de esgotamento permitido em
relao s jazidas de petrleo, gases e minerais. De 5 a 27,5%
da renda bruta recebida de um poo dc petrleo, que no exceda
a 50% da renda lquida da propriedade, esto isentos de im
postos. Alm disso, o custo de perfurao e explorao de um
poo de petrleo pode ser descontado medida que ocorre
ao invs de ser capitalizado e depreciado atravs dos anos de vida
produtiva do poo.1/10 O aspecto importante desse privilgio
menos a percentagem do desconto do que a continuao do
processo muito depois que a propriedade j se depreciou total
mente.
Os que tm bastante dinheiro podem fugir ao fisco em
pregando recurso* em aplices municipais isentas de impostos;
podem dividir a renda entre os vrios membros da famlia de
modo que os impostos so pagos sob taxas inferiores ao que
a renda em bloco teria provocado. O rico no pode dar a
amigos ou parentes, durante toda a vida, mais do que um
total de 30.000 4* 3.000 dlares por ano, sem pagar taxa; em
bora em nome do marido e mulher um casal possa dar duas ve-
(190) Tais d id u ftt f do custo em qualquer ano reduzem o total de des-
eoirto de esgotamento" pois reduzem o volume da renda lquida; mas no
afetam a percentagem do desconto, Ver Roy Bt/>uofv, T h e F e d e r a l TaxVrug
Pfoc$ fHova York, 10&2j . Todot o* negcio* tiveram uma maior taxa
dm dgarte a partir de 31 de julho de 1954: ao invs de amortizar o custo
9 equipamento de capital adquirido Igualmente por toda a sua vida til,
doto teros podem ser sgora deduzidos na primeira metade dessa vida.
08 RICOS ASSOCIADOS 187
zes essa soma. O rico tambm pode fazer uma doao, deduzi-
vel do imposto (at 20% da renda anual doada a instituies
de caridade reconhecidas no tributado como renda) que lhe
proporcione segurana para o resto da vida. Pode doar a uma
instituio filantrpica o principal de um fundo, mas continuar
a receber a renda dele proveniente. tH Com isso, faz uma re
duo imediata em seu imposto sobre a renda, e elimina parte
de sua propriedade sujeita a impostos de herana. iH2
H outras tcnicas que ajudam o rico a preservar seu di
nheiro, depois de morto, apesar dos altos impostos sobre im
veis. possvel, por exemplo, deixar um legado a um neto e
estipular que o filho receba a renda do legado durante toda a
vida, embora este pertena legalmente ao neto. Somente de
pois da morte do filho o respectivo imposto pago, ao invs
de o ser duas vezes o que ocorreria se a propriedade fosse
deixada ao filho, pois quando este a transmitisse por morte ao
neto, novo imposto seria pago.
Um investimento feito atravs de companhia especializada,
que age como depositria, economiza impostos tanto o im
posto de renda como o imposto que reca sobre os imveis em
caso de morte pois a renda do fundo assim investido taxa
da separadamente. Alm disso, a companhia proporciona uma
administrao profissional permanente, elimina as preocupaes
da responsabilidade, mantm a propriedade intacta numa nica
soma manusevcl, estabelece as maiores protees legais poss
veis propriedade, e, com efeito, permite ao dono continuar a
control-la mesmo depois de morto.183
H muitas formas de investimentos assim confiados a ter
ceiros, e a lei bastante complicada e rigorosa em sua apli
cao; mas num tipo de investimento a curto prazo, o que se
(181) Uma pessoa pode dar, por exemplo, $ 10.000 em aftes a um semi'
nrio teolgico que devido economia de Impostos na realidade lha
custam apenas $ 4.268,40. Em dez anos, suponhamos, o valor da mercado
das aes aumenta para 9 10.369,49 e a pessoa recebe $ 6.629 em renda, o
que representa mais do 50% do custo da doaAo. Quando a pessoa morra,
naturalmente, o seminrio ser o dono das a6es e receber seus dividendos.
(182) Sobre o imposto de donativos, ver Business Week, 7 de afotto de
1064, e 13 de novembro de 1954.
(103) Tomemos o exemplo de um homem casado", explica cuidadosa-
mente uma revista para executivos, que tenha uma renda tributvel da
9 30.000, Inclusive $ 1.000 de juros sobre um investimento de $ 25 000. Dte-
pois dos imposto* isse* I 1 000 ficam reduzidos a I 450 apenas. Acumulando
essa soma durante 10 anos, a juros compostos de 47, teramos no mximo,
um fundo dc cerca de 9 6.650 para sua famlia. Mas suponhamos que o
homem transfira o Investimento de 9 25.000 a um investimento de curto
188 A ELITE DO PODER
faz transferir a importancia um depositrio e na prtica
abrir mo de sua renda durante um perodo determinado
(de mais de 10 anos). Se a operao atender a todas as outras
exigencias, o depositante estar livre de impostos sobre essa
renda.184
H 25 anos, no havia mais de 250 fundaes em todos
os Estados Unidos; hoje, h milhares. De modo geral, a fun
dao definida como qualquer entidade autnoma, sem fins
lucrativos, organizada para servir ao bem-estar da humanidade.
Administra bens que lhe so transferidos atravs de doaes,
isentas de impostos, ou de heranas. Na realidade, a organiza
o de fundaes freqentemente constitui uma forma cmoda
de evitar os impostos, operando como bancos particulares para
os doadores; e com freqncia, a humanidade a que serviram
no passou de alguns parentes pobres. A Lei de Renda de
1950 tentou arrolhar algumas dessas sadas, mas as funda
es dbias ainda levam vantagem o coletor de impostos
perde muito tempo recolhendo informaes sobre elas. . . os ho
mens do imposto de rendas queixam-se de que no dispem de
gente ou pessoal para conferir seno uma pequena frao das
declaraes apresentadas pelas fundaes. Tm de orientar-se
em grande parte pelo instinto, ao decidir quais devem ser in
vestigadas, e mesmo a lei de 1950 no exige que todas as in
formaes a elas pertinentes sejam fornecidas ao governo.
Nos ltimos anos, novas empresas vm criando fundaes,
pretendendo com isso conquistar a boa vontade nacional e local,
ao mesmo tempo que estimulam a pesquisa em suas prprias
indstrias. A empresa que assim faz no tem de pagar impos
tos em 5% de seus lucros que anualmente sejam doados sua
fundao. Famlias muito ricas tambm podem controlar seus
negcios, quando morre algum na famlia, doando grandes blo
cos de aes a uma fundao. ( o que Ford faz habitualmen-
prazo. A ten d id as oertas ex ig n cia s, a com panhia disso en carregad a re co
lher um a taxa de cerca d e % 200 por ano em cada $ 1.000 de renda, d eix a n
do $ 800. Em dez anos, isso representa $ 9.600 um lu cro de cerca d e
70% sobre o que se teria acum ulado sem a o p e r a o ... (Isso no p erm itid o
em todos os estados.) Com o trm ino do d ep sito, nosso h om em receb eria
de v olta seu s $ 25.000 m ais a valorizao no com putada. A renda a cu m u -
a da iria para o b en eficirio do fundo, algum em sua fa m lia , su jeita a u m
im posto red uzid o. ( B u s in e s s W e e k , 7 de m aro de 1953).
k
bro <i84),nC <Ct- ,175
d e 1054, pgs. bre 3 q u e s t o - ver tam bm
e segg. B u s in e s s W eek ,
9 d e o u tu
OS RICOS ASSOCIADOS 189
te, s no sendo habituais as somas que doa.) O volume do
imposto sobre herana, que poderia forar a venda de aes a
terceiros a fim de pagar o imposto, reduzido. Se a princi
pal preocupao isentar de impostos parte da renda e dar em
pregos a alguns necessitados, o melhor organizar a prpria
fundao, por menor que seja. E se poder ento preferir que
a rubrica de despesas gerais consuma toda a renda. 186
Para praticamente toda lei de impostos sobre altas rendas,
h uma forma pela qual os ricos podem evit-la ou reduzir
ao mnimo a sua aplicao. Mas essas manobras legais e ilegais
so apenas parte de seus privilgios: trabalhando de mos dadas
com as leis e regulamentos do governo, as empresas encon
tram formas de suplementar diretamente a renda dos ricos exe-,
cutivos. Essas vrias formas possibilitam aos ricos associados
que so executivos viver faustosamente com rendas aparente
mente modestas, e pagando impostos inferiores aos que a lei
considera justos e cabveis. Entre os recursos empregados no
tamos os seguintes:
Pelo contrato de pagamento retido, a empresa estabelece
um salrio determinado para certo nmero de anos, e concorda
ainda em pagar uma parte anual desse salrio, que ela retm,
depois que o executivo se afastar, e desde que ele no trabalhe
para outra firma concorrente. A fidelidade do executivo fica
assim, presa companhia, e ele pode atribuir essa renda aoi
anos em que lucros menores provocaro impostos menores. Um
diretor da Chrysler, por exemplo, assinou um contrato de
$ 300.000 para cinco anos, e em seguida $ 75.000 por ano para
o resto da vida. Um ex-presidente da junta da U. S. Steel,
recentemente aposentado, que recebia um salrio de $ 221.000,
recebe agora $ 14.000 anualmente como penso, mais $ 55.000
por ano de pagamentos retidos 186
O caso clssico de pagamento retido talvez seja o plane
jado por um famoso astro de diverses, que podia exigir
$ 500.000 anuais, pelo prazo de 3 anos. Mas ao invs de
faz-lo preferiu receber $ 50.0130 por ano, durante os 30 anos
(185) Os fatos e citaes sobre fu n d aes so d e Business W eek , 19 dc
ju n h o d e 1954, pgs. 167-9, 173.
(186) B u s in e s s W e e k , 17 d e m aio de 1952. U m ex a m e d e 164 empresa
rep resen tativ as em 1952 revelou que s 8% pagam a seu s ex ecu tiv o s apenas
salrios citado por R ichard A, Girahd, T h ey E scape In com e T a x e s -
B u t Y ou C ant!", A m e r ic a n M a g a z in e , dezem bro d e 1952.
190 A ELITE DO PODER
seguintes. Ningum espera realmente que ele continue atuan
do quando tiver 80 anos, mas distribuindo sua renda por esse
perodo todo, e mantendo-a em nveis inferiores, pde reduzir
o imposto total que teria de pagar em quase $ 600.000, se
gundo as estimativas. 187 Esses arranjos fabulosos no se li
mitam ao mundo das diverses, embora ali possam ter mais pu
blicidade. At mesmo as companhias mais estveis e respei
tveis atualmente protegem seu pessoal-chave com tais recursos.
Os executivos tm opes restritas para a compra de aes
a preos do mercado, ou ligeiramente inferiores. Isso os con
serva na companhia, pois a opo s concedida aps um pe
rodo de tempo especificado, como por exemplo um ano. Po
dem tambm utiliz-la para comprar quantidades limitadas de
aes durante um longo perodo digamos, cinco anos.188
O executivo tem, sem correr riscos, um lucro imediato, to logo
recebe a opo a diferena entre o preo de opo previa
mente fixado e o valor de mercado da ao, no momento em
que a recebe. A maior parte do lucro obtido se posteriormente
vender as aes no considerada como renda tributvel: pa
gar o imposto sobre a taxa. inferior de ganhos de capital.
Nada lhe impede tomar dinheiro emprestado para aceitar a
opo, e em seguida vender as aes seis meses depois, pelo
valor de mercado, mais alto. Em 1954, por exemplo, o presi
dente de uma companhia de avies recebeu em salrio, gra
tificao e crdito de penso cerca de $ 150.000, mas depois
dos impostos conservou apenas cerca de $ 75.000. Entretan
to, se desejasse vender as 10.000 aes da companhia cuja
opo adquirira vrios meses antes, poderia, depois de pagar
todos os impostos, ter ficado com $ 594.375.189 Uma em cada
seis companhias relacionadas pela Bolsa de New York deu
opes de aes a executivos, para um perodo aproximado de
um ano, depois que a lei de impostos de 1950 as tornou atraen
tes como lucros de capital. Desde ento, o costume se gene-
ralizou.190
(187) GntAHD, op. cit., pg. 89.
(188) N o m om ento, tais opes s so feitas a d iretores que p ossu em
m enos d e 10% de aes da com panhia; m as h p ersp ectivas de liberar a
opo para incluir tam bm os grandes acionistas, em bora a p reos u m
pouco m ais altos qu e os de m ercado, de m odo qu e o d on o-d iretor p ossa
controlar as aes da com panhia quando de novas em isses. S ob re as opes,
ver B u s in e s s W eek , 4 de abril de 1953, pgs. 85-88.
(189) B u s in e s s W eek , 25 de dezem bro de 1954.
(190) Ibid., 19 de ju lh o de 1952.
OS RICOS ASSOCIADOS 191
3
Os ricos associados so uma classe proprietria, mas os
grandes bens no tudo que possuem; podem acumular e con
servar altas rendas, e nem s estas. Alm de grandes bens e
alta renda, desfrutam privilgios que constituem parte do novo
sistema de prestgio da economia incorporada dos Estados Uni
dos. Esses privilgios dos ricos associados representam hoje
um hbito, uma parte essencial embora no fixa da rotina co
mercial, parte das recompensas do xito. As crticas que lhe
so feitas no provocam indignao em ningum em condies
de tomar, voluntariamente, qualquer atitude sobre a questo,
e muito menos em relao ao sistema em que esto firmemente
arraigadas.
Nenhum desses privilgios se revela pelo exame da renda
anual ou dos bens possudos. Poderamos dizer que constituem
benefcios acessrios das altas rodas. Os benefcios recebidos
pelos funcionrios e operrios de reduzido salrio principal
mente os planos particulares de penso e aposentadoria, assis
tncia social e seguro contra desemprego passaram de 1,196
das folhas de pagamento nacionais em 1929 a 5,996 em 1953.191
No possvel calcular com preciso razovel os benefcios atri
budos aos empreendedores das grandes empresas, que no cor
rem riscos, mas certo que se transformaram numa parte cen
tral dos altos emolumentos. devido a eles que os ricos asso
ciados podem ser considerados, de forma decisiva, como membros
de uma classe diretamente privilegiada. As empresas de onde
suas aes e rendas vm so tambm centros de privilgios e
prerrogativas, cuja variedade lhes aumenta substancialmente o
padro de consumo, fortalece sua posio financeira contra
os altos e baixos do sistema econmico, d forma a todo o
seu estilo de vida e lhes permite uma segurana to grande
como a da prpria economia das empresas. Destinados a au
mentar a riqueza e segurana dos ricos de modo a evitar o pa
gamento de impostos, tambm fortalecem sua fidelidade s em
presas. 192
(191) T h e N ew Y o r k T im e s , 1T de outubro de 1954, pg. F3.
(192) Seguro de vid a em grupo, seguro d e in valid ez, e p en ses sfto cad a
v ez m ais populares en tre os ricos associados. Sobre as novas ten d n cia s d e
segu ros de vid a e in valid ez em grupo, v er B u sin ess W eek, 14 d e fev ereiro
de 1953.
192 A ELITE DO PODER
Entre as facilidades prprias dos grandes postos executi
vos, jamais declaradas aos coletores de impostos, esto assistn
cia mdica gratuita, pagamento de taxas e mensalidades de clu
bes, servios de advogados e contadores da companhia, assistn
cia financeira e jurdica, facilidades para recepcionar clientes,
reas de diverso particular campos de golfe, piscinas, gin
sios fundos de bolsas para filhos de executivos, automveis
da companhia e salas de refeies para uso dos executivos.103
Em 1955, cerca de 3796 de todas as licenas de Cadillac em
Manhattan, e 20% em Filadlfia, estavam em nome de com
panhias. 194 Uma companhia que se preocupa com o bem-
estar de seus auxiliares, disse recentemente um observador
digno de f, pode, sem se exceder, ter um avio prprio para
viagens de negcios, um iate e uma casa para caa e pesca nas
florestas do norte para distrair seus grandes clientes.105 Tam
bm pode organizar suas convenes em Miami em meados
do inverno. As finalidades disso, no que se relaciona com
executivos de companhia, proporcionar maravilhosas facili
dades de viagens e frias, de graa. Os executivos das com
panhias vo para o sul no inverno e para o norte no vero,
levando consigo bastante trabalho ou bastantes clientes para
justificar a viagem, e passam um tempo bastante agradvel. . .
Em sua cidade, os executivos podem andar em automveis de
propriedade da companhia, que tambm paga os motoristas.
Naturalmente, a empresa se sente feliz em pagar-lhes as taxas
dos melhores country clubs, com a finalidade de divertir
clientes nos campos de golfe, e dos melhores clubes da cidade,
para almoos e jantares ntimos. 106 Qualquer coisa que se
pense, a companhia poder fazer. E de graa para o executivo,
descontando ainda dos impostos como despesas normais de
operao.
(193) C l. B u sin e ss W eek, 20 de junho de 1953.
(1M) W llllam H. W hyte . Jr., The Cadillac P henom enon. Fortune e -
vereiro de 1955.
(195) H om ens de negcios voam aproxim adam ente 4 m ilhes de horas
por ano em avies particulares - maig do que todas as linhas com erciais em
conjunto, em seu i vos norm ais.
(196J E xPensc A ccount Aristocracy". L ife 9 de
de 73^ .de uma amostra das com panhias recentem ente
s e s s a s ? d e c iu b c
OS RICOS ASSOCIADOS 193
4
A Amrica nao se tornou um pas onde os prazeres e a
capacidade individual sejam limitados pelas pequenas rendas
e altos impostos. H rendas que continuam altas apesar dos
impostos e h muitas formas de fugir deles e reduzi-los.
mantida na Amrica, onde se cria e conserva todo ano, urna
camada de ricos associados, cujos membros possuem, em sua
grande parte, muito mais dinheiro do que podem gastar pessoal
mente sem causar espanto. Para muitos deles, o preo das
coisas simplesmente no tem importncia. Jamais olham para
a coluna da direita dos cardpios; jamais recebem ordens de
ningum, jamais tm de fazer coisas realmente desagradveis,
exceto por desejo prprio; nunca enfrentam uma alternativa
imposta pelas consideraes do custo. Jamais tm de fazer nada.
So, segundo todas as aparncias, livres.
.Mas so realmente livres?
A resposta Sim, dentro dos termos de sua sociedade,
eles so realmente livres.
Mas a posse do dinheiro no os limita?
A resposta : No, no limita.
Mas no sero estas respostas apressadas, e no haver
outras, mais ponderadas, mais profundas?
Que gnero de respostas profundas? E o que quer dizer
liberdade? Quaisquer que sejam seus outros sentidos, liber
dade significa fazer o que desejamos, quando e como o dese
jamos. E na sociedade americana a capacidade de fazer o que
se deseja, quando e como, exige dinheiro. O dinheiro d o
poder, e este a liberdade.
Mas no haver limites a isso?
Evidentemente, h limites ao poder do dinheiro, e liber
dade nele baseada. E h tambm armadilhas psicolgicas para
os ricos, tal como entre os miserveis e gastadores em todos
os nveis, que deformam sua capacidade de liberdade.
O avarento se satisfaz com a posse do dinheiro em si.
O perdulrio se satisfaz com o gasto do dinheiro em si. Ne
nhum dos dois em seus tipos puros pode considerar
OS RICOS ASSOCIADOS 197
5
Os novos privilgios dos ricos associados ligam-se ao poder
do dinheiro na esfera do consumo e da experincia pessoal.
Mas o poder do dinheiro, as prerrogativas de posio econ
mica, o peso social e poltico da propriedade associada, de
forma alguma se limita esfera da acumulao e consumo, as
sociada ou pessoal. De fato, do ponto de vista da elite ame
ricana, da qual os ricos associados so apenas um segmento,
a capacidade de aquisio de bens de consumo no to im
portante como os poderes institucionais da riqueza.
I. A Constituio o contrato poltico soberano dos Es
tados Unidos. Pela sua Emenda Dcima Quarta, d a devida
sano legal s sociedades annimas, hoje sede dos ricos asso
ciados, administradas pelos que, entre eles, so executivos. Den
tro da estrutura poltica do pas, essa elite associada consti
tui um conjunto de grupos governantes, uma hierarquia de
senvolvida e dominada da cpula econmica. Os altos diri
gentes esto agora testa do mundo das sociedades annimas,
que por sua vez um mundo econmico soberano dentro da
rea politicamente soberana do pas. Deles depende a inicia
tiva econmica, e sabendo disso, consideram o fato como prer
rogativa sua. Como chefes desse industrialismo senhorial, vem
com relutncia a responsabilidade social do governo federal pa
ra com o bem-estar da populao em geral. Consideram os
trabalhadores, distribuidores e fornecedores de seus sistemas
(206) Honor dc Balzac, op. cit.
OS RICOS ASSOCIADOS 201
como membros subordinados do mundo que deles, e consi-
deram-se como pessoas do tipo americano individualista que
atingiu a cpula.
Eles dominam a economia de incorporao particular. No
se pode dizer que o governo tenha interferido muito duran
te a ltima dcada, pois em quase todos os casos de regula
mentao que examinamos a repartio regulamentadora ten-
de a transformar-se num posto avanado das grandes empre
sas. 207 Controlar as instalaes de produo controlar no
s coisas, mas homens que, no dispondo de bens, so le
vados a elas para trabalhar. constranger e dispor de suas
vidas no trabalho da fbrica, das ferrovias e do escritrio.
determinar a forma do mercado de trabalho, ou lutar sobre
ela com os sindicatos ou o governo. tomar decises em nome
da empresa, sobre quanto, o que, quando e como produzir, e
quanto cobrar.
II. O dinheiro permite que o poder econmico de seu
possuidor se traduza diretamente em causas poltico-partid-
rias. Na dcada de 1890, Mark Hanna levantou somas entre
os ricos para utiliz-las politicamente, devido ao receio causado
por William Jennings Bryan e o pesadelo populista. E nu
merosos entre os muito ricos foram conselheiros no-oficiais de
polticos. Mellons, Pews e du Ponts h muito vm sendo
contribuintes de peso para os oramentos das campanhas elei
torais e, depois da II Guerra Mundial, os milionrios texanos
contriburam com valiosas somas para campanhas atravs do
pas. Ajudaram McCarthy no Wisconsin, Jenner em Indiana,
Butler e Beall em Maryland. Em 1952, por exemplo, um mag
nata do petrleo (Hugh Roy Cullen) fez 31 contribuies de
$ 500 a $ 5.000 (totalizando $ 53.000), e dois de seus gen
ros ajudaram (pelo menos com mais $ 19.750) dez candida
tos ao Congresso. Acredita-se que os multimilionrios texa
nos empregam seu dinheiro hoje na poltica de pelo menos
trinta estados. Murchison contribui para candidatos polticos
fora do Texas desde 1938, embora no tenha conseguido pu
blicidade seno em 1950, quando ele e sua mulher, a pedido
" ) V er P r ex em p lo , H earings b efore th e S u b com m ittee on S tu d y
o f M onopoly P ow er in th e C on u n ltte on th e J u d icla ry (W ashin gton , 1950).
202 A ELITE DO PODER
de Joseph McCarthy, contriburam com $ 10.000 para derro
tar o Senador Tydings de Maryland, e em 1952 mandaram di
nheiro para derrotar o inimigo de McCarthy, o Senador William
Benton, do Connectitut. 208
Em 1952, os seis principis comits polticos republica
nos e democratas receberam 55% de suas rendas totais (isso
inclui apenas as contribuies de grupos que empregaram dinhei
ro em dois ou mais estados) em 2.407 conntribuies de $ 1.000
ou mais. -0! Esses nmeros representam um mnimo, pois mui
tas contribuies podem ser feitas por membros da famlia de
diferentes nomes, cuja identificao seria difcil pelos jornalistas.
III. Mas no tanto pelas contribuies diretas s cam
panhas que os ricos exercem poder poltico. E esse poder
exercido principalmente pelos executivos os reorganizadores
da dasse de altos proprietrios que traduziram o poder da
fortuna em uso poltico. medida que o mundo das empre
sas se desenvolveu intrincadamente na ordem poltica, esses exe
cutivos tornaram-se intimamente associados com os polticos,
e especialmente com os considerados como chaves, que cons
tituem o diretrio poltico do governo dos Estados Unidos.
O homem econmico do sculo XIX, pelo que estamos
habituados a crer, era um especialista em negociar e rega
tear. Mas o desenvolvimento da grande empresa e a crescente
interveno governamental no reino econmico selecionaram,
formaram e deram privilgios a homens econmicos que no so
negociadores e regateadores nos mercados, e sim executivos pro
fissionais e polticos econmicos. Pois hoje, o homem de xi
to no mundo da economia, seja o administrador rico, ou o
administrador dos ricos, deve influenciar e controlar as posi
es do Estado onde as decises de importncia para suas
atividades de empresa so tomadas. Essa tendncia facili-
(208) T h eo d o re H . W h it* , T ex a s, L an d o f W ealth a n d F e a r , T h e R e
p r t e r , 25 d e m a io d e 1954; sob re H u g h R oy C u llen , v er ta m b m T h e W a s h in g
to n P o s t , 14 d e fe v e re ir o d e 1954.
209) L id eran d o a lista d e co n trib u i o a o P a rtid o R ep u b lica n o esta v a m
os R o c k efe ller $ 94.000), os d u P o n t ($ 74.175), o s P e w ($ 65.100), o s M eU on
<$ 54.000), o s W eir ($ 21.000), o s W h itn ey ($ 19.000), o s V a n d er b ilt ( | 19UMH)),
os G o e le t ($ 10.800), os M ilb an k ($ 16.500), e H en ry R . L u c e ($ 13.000). A
fr e n te da lista d e co n tr ib u i es do P a rtid o D em o cra ta esta v a m os W ad e
T h om p so n , d e N ash viU e ($ 22.000), os K en n ed y ($ 20.000), A lb er t M . G r e e n fle ld ,
d e F ila d lfia <$ 16.000), M a tth ew H . M cC losk ey , d e P en silv n ia ($ 10.000)
" rsh a ll F ield ($ 10.000). (T h e N e w Y o r k T im e s , 11 d e o u tu b ro d e 1953).
OS RICOS ASSOCIADOS 203
2
Todas essas consideraes, relacionadas com realidades e
tendncias mundiais, ligam-se de modo particular organiza
o militar americana e seus altos escales de generais e almi
rantes. Como outros pases, os Estados Unidos nasceram pela
violncia, mas numa poca em que a guerra no parecia ser
uma caracterstica dominante da sociedade humana. E surgi
ram num local que no poderia ser atingido com facilidade
pelas mquinas de guerra, que no estava facilmente sujeito
devastao da guerra, nem ansiedade dos que vivem em vi
zinhanas militares. Naquela poca, devido tambm sua lo
calizao, os Estados Unidos estavam em boas condies de es
tabelecer e manter um governo civil, e controlar as ambies
militaristas que pudessem predominar.
Um pas jovem, cuja revoluo nacionalista se travou con
tra soldados mercenrios, empregados pelos britnicos e aquar-
telados em casas americanas, no poderia sentir inclinao de
amar os soldados profissionais. Sendo uma terra aberta e enor
me, cercada de vizinhos fracos, ndios e amplos oceanos, os
Estados Unidos soberanos durante as longas dcadas do sculo
XIX no tiveram que carregar o peso de uma estrutura mili
tar permanente e H'* grandes dimenses. Alm disso, desde
OS SENHORES DA GUERRA 211
a poca da Doutrina Monroe, at ser aplicada Gr-Bretanha
em fins do sculo XIX, a frota britnica, a fim de proteger
os mercados britnicos no hemisferio ocidental, permaneceu
entre os Estados Unidos e os Estados continentais da Europa.
Mesmo depois da I Guerra Mundial, at a ascenso da Ale
manha nazista, a Amrica, que se tornara credora das naes
falidas da Europa, nada tinha a temer militarmente. 216 Tudo
isso significou tambm, como nas ilhas da Gr-Bretanha, que
a marinha, e no o exrcito, foi historicamente o primeiro
instrumento militar. E as marinhas tm muito menos influn
cia sobre as estruturas sociais nacionais do que, habitualmente,
os exrcitos, pois no constituem meios muito eficazes de re
primir a revolta popular. Generais e almirantes, portanto,
no desempenharam um papel muito ativo nas questes pol
ticas, e o domnio civil se firmou.
Um pas cujo povo se ocupou principalmente da aquisio
individual da fortuna no poderia favorecer a manuteno de
um corpo de homens que so, economicamente, parasitrios.
Um pas cuja classe mdia amasse a liberdade e a iniciativa
privada no poderia gostar de soldados disciplinados, com fre
qncia usados tiranicamente em apoio de governos menos li
vres. As foras econmicas e o clima poltico, portanto, favo
receram historicamente a desvalorizao civil dos militares co
mo um mal, necessrio por vezes, mas sempre um peso.
A Constituio dos Estados Unidos foi elaborada com- re
ceio de uma poderosa organizao militar. O Presidente, um
civil, foi declarado comandante-chefe de todas as foras ar
madas e, durante a guerra, tambm das milcias estaduais.
Somente o Congresso pode declarar a guerra, ou destinar ver
bas aplicao militar e apenas por dois anos de cada vez.
Os Estados individualmente mantm suas milcias, distintas da
organizao nacional. No havia previso de conselheiros mi
litares para os chefes civis. Se a Constituio previu o uso da
violncia, o fez com relutncia, e os agentes dessa violncia re
ceberam um papel rigorosamente instrumental.
(216) Cf. Hay J ackson, A sp ects o f A m erican M ilitarism , C on tem p o
rari/ Issu e s, vero de 1948.
212 A ELITE DO PODER
3
Em volta do velho general do exrcito de fins do sculo
XIX, com seu uniforme azul cuidadosamente desarranjado, paira
vam rolos de fumaa de canho da Guerra Civil. Nesta ele se
distinguir, e entre ela e a guerra espanhola havia lutado con
tra os ndios de forma aventureira. A carga da cavalaria deixara
sua marca mesmo no caso de Custer, em Little Big Horn. *
(*) Em ju n h o de 1876 um con tin gen te do E xrcito A m ericano, co m a n
dado pelo G eneral G eorge A . C uster, foi dizim ado pelos ndios S io u x, na
atalha d e L ittle B ig H orn. A d m ite-se que a responsabilidade da chacina
e In flexib ilid ad e do com andante. (N. do T.)
216 A ELITE DO PODER
Vive uma vida dura, que Theodore Roosevelt estimava. Fre
qentemente usa bigode, por vezes uma barba, e tem uma apa
rncia no-barbeada. Grant vestia um uniforme de soldado
raso com botes enferrujados e botas antigas; esse velho mi
litar vira a luta de perto: somente na I Guerra Mundial surgiu
um esforo oficial de resguardar o pessoal preparado; mui
tos generis e numerosos coronis morreram nas batalhas da
Guerra Gvil e mais tarde nos choques com os ndios. No con
quistou o respeito de seus homens pelas planificaes logsticas
no Pentgono: ganhou-o como melhor atirador, melhor cava
leiro e imaginao mais rpida quando em perigo.
O general tpico de 1900 219 era de antiga famlia ame
ricana e ascendncia britnica. Nascera aproximadamente em
1840 na regio nordeste dos Estados Unidos, e provavelmente
cresceu ali, ou na regio norte-americana, numa zona rural ou
pequena cidade. Seu pai era profissional liberal, havendo boas
possibilidades de que tivesse ligaes polticas que o podem
ter ajudado ou no em sua carreira. Custou-lhe pouco mais de
38 anos chegar a general, desde o momento em que ingressou
no exrcito ou em West Point. Ao chegar ao alto comando,
tinha aproximadamente 60 anos. Quando religioso, provavel
mente freqentava a igreja episcopal. Casou-se, em alguns ca
sos duas vezes, e seu sogro, tambm profissional liberal, prova
velmente tinha ligaes polticas. Quando em servio, no per
tencia a qualquer partido poltico, mas depois de reformado,
pode ter participado um pouco da poltica dos republicanos.
pouco provvel que tenha escrito alguma coisa, ou que al-
4
Em meados do sculo XX a influncia dos valores pacficos
e civis que existiam nos Estados Unidos e com eles a des
confiana em relao aos militares profissionais e a subordi
nao destes deve ser contraposta situao sem precedente
que a elite americana define hoje como nacional:
I. Pela primeira vez, a elite americana, bem como seg
mentos ponderveis da massa da populao, comearam a com
preender o que significa possuir uma vizinhana militar e tecni
camente sujeita a um ataque catastrfico ao domnio nacional.
Talvez tambm compreenda que os Estados Unidos viveram mi
litarmente despreocupados, devido ao seu isolamento geogr
fico, seu mercado interno tranqilo e sempre em crescimento,
seus recursos naturais necessrios industrializao, e deman
dando operaes militares apenas contra uma populao tecni
camente primitiva. Tudo isso , agora, apenas histria: os Es
tados Unidos so hoje tanto vizinhos militares da Unio Sovi
tica ou ainda mais do que a Alemanha o foi da Frana,
em sculos anteriores.
II. Isso se evidencia de forma imediata e dramtica pelas
mais cuidadosas estimativas divulgadas, publicamente, dos efei
tos fsicos do novo sistema de armas. Um ataque de satura
o causaria cerca de 50 milhes de baixas na populao, ou
cerca de um tero dela, num clculo que no absurdo. 221 Os
Estados Unidos podem retaliar imediatamente com efeitos com
parveis, o que no reduz, evidentemente, suas perdas em bens
e populao.
Essas possibilidades tcnicas podem ser consideradas de
forma poltica ou industrial, ou em seu estrito sentido militar.
A elite americana hoje encarregada dessa deciso optou prin
cipalmente pelo seu sentido militar. Os termos em que de-
(221) Cf. Business Week , 26 de setembro de 1953, pg. 38.
OS SENHORES DA GUERRA 221
fniu a realidade internacional so predominantemente mili
tares. Em conseqncia, nos altos crculos a diplomacia, em
qualquer dos seus sentidos histricos, vem sendo substituida
pelos clculos da possibilidade de guerra e pela seriedade mi
litar das ameaas dela.
Alm disso, as novas armas foram aperfeioadas como uma
primeira linha de defesa. Ao contrrio do gs e das bact
rias, no foram consideradas como uma reserva contra sua
utilizao pelo inimigo, mas como a arma ofensiva principal.
E a estratgia geral divulgada baseou-se oficialmente na supo
sio de que tais armas sero usadas durante os primeiros dias
de uma guerra geral. Realmente, essa hoje a suposio esta
belecida.
III. Essas definies da realidade e as orientaes pro
postas levaram a uma nova caracterstica na posio interna
cional da Amrica: pela primeira vez na histria os homens
com autoridade falam de uma emergncia cujo fim no se
pode prever. Na poca moderna, e especialmente nos Estados
Unidos, os homens chegaram a considerar a histria como uma
situao pacfica interrompida pela guerra. Mas hoje, a elite
americana no tem nenhuma outra imagem real da paz
seno como um interldio difcil, existente apenas devido ao
equilbrio do medo mtuo. O nico plano de paz aceito
com seriedade o da pistola carregada. Em suma, a guerra,
ou um estado de intensiva preparao para ela, tido como
a condio normal, e ao que tudo indica permanente, dos
Estados Unidos.
IV. A caracterstica final da situao dos Estados Unidos,
tal como oficialmente definida hoje, ainda mais significativa.
Pela primeira vez em sua histria, a elite americana se en
contra frente a uma possvel guerra que, segundo admite entre
si e publicamente, nenhum dos combatentes vencer. No tem
qualquer suposio do que poderia significar uma vitria,
c no faz idia de como chegar a ela. Certamente, os gene
rais no fazem essa idia. Na Coria, por exemplo, ficou
bem claro que o impasse se produzia por uma paralisao da
vontade nos nveis polticos. O Tenente-Coronel Melvin B.
Voorhees assim narra uma entrevista do General James Van
Fleet com um jornalista: Reprter: General, qual o nosso
objetivo? Van Fleet: No sei. A resposta deve vir das
222 A ELITE DO PODER
autoridades superiores. Reprter: Como poderemos saber,
general, se e quando atingimos a vitria? Van Fleet: No
sei; algum nos escales superiores ter de nos dizer. E co
menta um editorialista do Time: Isso resume os dois ltimos
anos da guerra na Coria. 222 Em pocas anteriores, os lderes
do pas, ao se prepararem para a guerra, tinham teorias de
vitrias, termos de rendio, e alguns confiavam nos meios
militares de atingir tais objetivos. Na II Guerra Mundial, as
finalidades dos Estados Unidos se tornaram bastante vagas em
qualquer sentido poltico ou econmico, mas havia planos es
tratgicos de vitria por meios violentos. Mas hoje, no h
qualquer literatura sobre a vitria. Devido aos meios de vio
lencia existentes, a retaliao macia no constitui um plano
de guerra nem uma imagem da vitria, mas apenas um vio
lento gesto diplomtico o que equivale a dizer poltico
e o reconhecimento de que a guerra total entre duas naes
representar a sua destruio mtua. A situao se resume
nisto: com a guerra, todas as naes podero desintegrar-se, e
por isso, em seu medo mtuo de guerra, sobrevivem. A paz
um medo mtuo, um equilbrio do medo armado.
No me interessa debater, nessa altura, as definies da
realidade que influem na posio nacional ou na poltica dos
Estados Unidos. Entretanto, frente a essas caractersticas da
situao mundial, tal como oficialmente definida, devemos
compreender que a estratgia militar ortodoxa e os conhecimen
tos militares de todos os tipos tornaram-se sem importncia
e prejudiciais em todas as decises relacionadas com as ques
tes mundiais que possam levar paz. Evidentemente, todos
os problemas decisivos, principalmente os da guerra e paz, tor
naram-se, num sentido ainda mais complexo do que antes,
problemas polticos. Que a otan tenha dez ou trinta divises
, do ponto de vista militar, to sem importncia como o rear
mamento ou no da Alemanha. luz dos fatos hoje conhe
cidos sobre os efeitos de um bombardeio geral, tais questes
deixaram de ser assuntos militares de qualquer importncia.
So questes polticas relacionadas com a capacidade de alinha
rem os Estados Unidos, a seu lado, as naes da Europa.
(2 2 2 ) T en en te-C oron el M elvin B . V o o r h e e s , K o r e a n T a le s ( N . Y ork, 1 9 5 2 ),
citado pelo T im e , 3 de agosto de 1 9 5 3 , e com entado pela m esm a revista, pg. 9.
OS SENHORES DA GUERRA 223
6
A coisa mais parecida com luta armada que o moderno
general ou almirante faz a caa ao pato, em companhia de
dirigentes de empresas, nos campos de caa da Continental Mo
tors Inc. Uma companhia de seguros vem segurando oficiais
h uma dcada e meia, atravessou a II Guerra Mundial. . . e
sobreviveu. . . durante a Guerra da Coria, a taxa de mortali
dade de oficiais segurados servindo na zona de combate foi
inferior mdia da industria como um todo. 230 Os estudos
do General-de-Brigada S. L. A. Marshall revelaram ainda que
em qualquer ao da II Guerra Mundial, provavelmente no
mais de 25% dos soldados em condies de disparar suas armas
sobre o inimigo realmente puxaram o gatilho. 231
O general e o almirante so executivos mais profissionali
zados do que as imagens de combatentes, que herdamos, nos
levam a pensar. Dois teros dos principais generais de 1950 232
estudaram em West Point (todos os almirantes, tanto de 1900
como de 1950, formaram-se na Academia Naval); a maioria in-
(230) In su rin g M ilitary O fficers, B u s in e s s W eek, 15 de agosto d e 1953.
(231) S. L. A . M a r s h a l l , M en A g a in s t F i r e (N. Y ork, 1947), pgs. 50
e segs.
(232) V er nota 219. Os assen tam en tos do ex rcito de 1942 a 1953 nos
revelaram 36 h qm ens, gen erais de 4 ou 5 estrelas: G eorge C. M arshall, D ou
glas M acA rthur, M alin C raig, D w ig h t D . E isen h ow er, H enry H. Arnold,* Josep h
W. S tilw ell, W alter W. K rueger, B reh on B . S om ervell, Jacob L. D evers,
Ornar N. B rad ley, T hom as T. H andy, C ourtney H. H odges, Jonathan M.
W ain w righ t, L u ciu s D. C lay, Josep h L. C ollins, W aide H. H aislip, M atthew
B. R id gw ay, W alter B . S m ith , Joh n E. H ull, Jam es A . V an F leet, A lred M .
G ruenther, J oh n R. H odge, Cari Spaatz, H oyt S. V andenberg, M uir S. F airchild,
Josep h T. M cN arney, G eorge C. K en n y, L auris N orstad, B en jam in C hidlaw ,
C urtis E. L eM ay, Joh n K . C annon, M ark W. C lark, O tto P. W eyland.
O gen eral tp ico de 1950 n asceu no ano m dio de 1893, de pais am ericanos
origem britnica. L evou 35 anos, desde o prim eiro ano na academ ia ou
no servio, para conseguir um a situao de alto com ando ou o gen eralato,
com a id ad e de 52 anos. S eu pai era profission al liberal e da classe m dia
superior, p ro va v elm en te tinh a am izades p olticas. O general tpico estudou
em W est P oin t, e m ais outras quatro escolas do exrcito. Q uando religioso
P rovavelm en te p rotestan te e episcopal. C asou-se com um a m oa da classe
*dia superior cujo p ai p rovavelm en te era general, profissional liberal ou
om em de n egcios. P erten ce aproxim adam ente a trs clubes, a saber, o
228 A ELITE DO PODER
gressou nas fileiras na I Guerra Mundial, e atravessou a paz
antimilitarista das dcadas de 1920 e 1930, implorando verbas,
negando as acusaes de serem mercadores da mor te. Acima
de todos pairava a imagem de Pershing.
Nos anos entre as guerras nada ocorreu, realmente, as
suas vidas profissionais. Era, de certa forma, como se o mdico
estivesse passando sua vida sem ver os pacientes, pois os mili
tares no foram chamados realmente a exercer sua habilidade
profissional. Tinham porm os servios rotineiros. Talvez seja
essa a chave de sua elevao em perodos semelhantes: neles
se intensifica o desejo, arraigado demais para ser passvel de
exame, de conformar-se a um tipo, de ser indistinguvel, de no
revelar perda de compostura a inferiores e, acima de tudo, no
se presumir com o direito de perturbar as disposies da escala
de comando. Era importante que os superiores nada pudessem
ter contra eles; e interna e externamente, a vida do militar pro
fissional continuou em suas pequenas colnias, meio isolada da
vida econmica e poltica do pas. Com a desconfiana civil
que predominava, os militares deviam afastar-se da poltica
e a maioria deles parecia contente com isso.
A vida militar do oficial, entre as guerras, girava em tor
no de seus postos. At o posto de coronel, a promoo se fazia
por antiguidade, e sua frente havia uma montanha uma
E xrcito-M arinha, E xrcito-M arinha C ountry, e aos M aons. E screveu cerca
de dois livros e provavelm en te algum escreveu subre ele. R eceb eu d ip lo
m as honorrios (dois) e espera receber outros.
Os 25 alm irantes de 1950 escolhidos foram : H arold R. Stark, E rnest J.
K in g, C hester W. N im itz, R oyal E. Ingersoll, W illiam F. H alsey, R aym ond
A . Spruance, W illiam D . L eah y, Joas H. Ingram , F rederick J. H o m e, R i
chard S. Edwards, H enry K . H ew itt, T hom as C. K inkaid, R ichoon K . T urner,
Joh n H. T ow ers, D ew itt C. R am sey, L ouis E. D en field , C harles M . C oke,
R ichard L. C onolly, W illiam H. P . B lan dy, F orrest P . Sherm an, A rthur W .
R adford, W illiam M. F echteler, R obert B . C arney, L yn d e D . M cC orm ick,
D onald B . D uncan.
O alm irante de 1950 nasceu no ano m dio de 1887, de pais am ericanos
e origem britnica. L evou 40 anos para chegar ao alto da carreira, desde o
ano em que ingressou na A cadem ia N aval, atin gin d o-o aos 58 anos. N asceu
na regio L este-N orte-C entral dos E stados U nidos e cresceu na regio do
A tln tico M dio. N asceu em rea urbana e seu pai era m ilitar quando o
alm irante tinha cerca de 17 anos. O n v el de classe da fam lia era naquela
poca m dio superior e provavelm en te tinh a boas ligaes p olticas. F or
m ou -se na A cadem ia N aval e seguiu antes outros cursos. D urante seu ser
vio, form ou -se tam bm nalgum a esp ecialid ade em outra escola, com o por
exem p lo o C olgio de G uerra N aval (a m elhor escola de com andantes e
ca p it e s). episcopal e seu sogro tam bm p erten ce classe m dia superior,
sendo profissional liberal ou n egocian te. p rovvel que tenha escrito um
livro, ou o esteja escrevendo atualm ente. R ecebeu, ou est em via de re
ceber, um diplom a honorrio.
OS SENHORES DA GUERRA 229
7
As origens sociais e o incio de sua formao so menos
importantes para o carter do militar profissional do que qual
quer outro alto tipo social. O preparo de um futuro almirante
ou general comea cedo, tendo portanto uma influncia pro
funda, e o mundo militar no qual penetra to absorvente
que seu modo de vida nele se centraliza firmemente. Nessa
medida, tem menos importncia o fato de ser filho de um car
pinteiro ou de um milionrio.
No se deve, porm, levar muito longe essa afirmao.
Embora o militar seja o mais burocrtico de todos os tipos
existentes na elite americana, no totalmente burocrtico, e,
como ocorre sempre, essa burocracia se reduz nos nveis supe
riores. No obstante, quando examinamos a carreira militar,
um fato parece to central que no necessitamos ir muito alm
dele. Na maioria de suas carreiras, generais e almirantes se
guiram um padro mais ou menos uniforme e pr-organizado.
Uma vez conhecidos as regras bsicas e os pontos nevrlgicos
dessa carreira padronizada, teremos conhecido tanto quanto se
pode conhecer pelo estudo detalhado das estatsticas de muitas
carreiras particulares.
(240) D os 405 h om en s q u e tiveram o posto de oficial-general no ex rci
to regular en tre 1898 e 1940, 68% vin h am de W est Point; 2% eram de origem
da classe trabalhadora; 27%, filh os de p rofissionais liberais; 21%, de nego
ciantes; 22%, de fazendeiros; 14%, de funcionrios pblicos; e 14%, de m ilita-
oof* 63% eram episcopais e presbiterianos; 28%, de outras seitas protestantes;
eram catlicos. (Ver R. C. B r o w n , S ocial A ttitudes of A m erican G en e
ra s; 1898-1940", U n iversity of W isconsin, 1951).
232 A ELITE DO PODER
O mundo militar seleciona e forma os que se tornam uma
parte profissional dele. A iniciao severa em West Point ou
na Academia Naval e nos nveis inferiores do servio militar,
no preparo bsico revela a tentativa de romper os antigos
valores e sensibilidades civis, para implantar mais facilmente
uma estrutura de carter o mais nova possvel.
essa tentativa de romper a sensibilidade adquirida que
determina a domesticao do recruta, e a atribuio, a ele,
de uma posio muito inferior no mundo militar. Ele deve
perder grande parte de sua identidade anterior para que ento
se torne consciente de sua personalidade em termos de seu
papel militar. Deve ser isolado de sua antiga vida civil para
que atribua, sem demora, o maior valor conformidade com
a realidade militar, a uma profunda aceitao das perspectivas
militares, e orgulhosa consecuo do sucesso dentro da sua
hierarquia e de seus termos. Seu amor-prprio mesmo passa
a depender totalmente dos louvores que recebe de seus pares
e superiores na escala de comando. Seu papel militar, e o
mundo de que parte, lhes so apresentados como um dos
mais altos crculos nacionais. Grande valor dado a todas as
etiquetas sociais, e, de vrios modos formais ou informais, esti
mulam-se seus encontros com moas de situao social superior.
Levam-no a sentir que est penetrando um importante setor
dos altos crculos do pas e, portanto, seu conceito prprio
como homem confiante se baseia nessa idia pessoal de membro
leal de uma organizao ascendente. A nica rotina educa
cional na Amrica que se compara com a militar a dos 400
metropolitanos em suas escolas particulares, e esta mesma no
corresponde propriamente militar. 241
West Point e Anpolis so os pontos de partida dos se
nhores da guerra, e embora muitas outras fontes de recruta
mento e formas de treinamento tivessem de ser usadas em am
pliaes de emergncia, elas constituem o campo de treina
mento da elite das foras armadas.242 A maioria dos princi
(241) Para um a ex celen te anlise da doutrinao profission al m ilitar,
ver S an ord M. D o r n b u s c h , T he M ilitary A cadem y as an A ssim ilatin g Insti-
tu tio n , S o c ia l F o r c e a , m aio de 1955; e a descrio de M. B rew ster Sm ith da
E scola de C andidatos a O ficial da II G uerra M undial, considerada p rin ci
p alm en te com o um ataque personalidade do candidato e a construo de
um a personalidade p ositiva d e o ficia l . (S. A . S tou ffer et al, T h e A m e ric a n
S o ld ie r , P rin ceton U n iverslty P ress, 1949, vol. I, pg. 389).
(242) Na I Guerra M undial, W est P oin t con stitu a 43% dos o ficiais re
gulares do E xrcito. Q uando esta acabou, eles ocupavam todas as posies
OS SENHORES DA GUERRA 233
1
Embora almirantes e generais se tenham ervolvido, cada
vez mais, nas decises polticas e econmicas, no perderam
os efeitos do preparo militar que lhes moldou o carter e as
perspectivas. No entanto, nos altos nveis de suas novas car
reiras, os termos de seu xito se modificaram. Examinando-os
de perto, hoje, podemos ver que alguns no so muito dife
rentes dos executivos de empresas, o que se poderia supor
primeira vista, e que outros parecem mais polticos, de um
tipo curioso, do que figuras tradicionais de militares.
J se disse que um militar, no cargo de Secretrio da De
fesa, por exemplo, poderia ser mais civil do que um civil
que, pouco conhecendo dos assuntos e pessoal militares, fa
cilmente controlado pelos generais e almirantes que o cercam.
Tambm se poderia pensar que os militares na poltica no
tm uma linha de ao decisiva, e bem deliberada, e mesmo
que no mundo poltico civil o general perde seus objetivos e,
devido falta de tirocinio e finalidade, se enfraquece. 247
Por outro lado, no devemos esquecer a autoconfiana ins
tilada pelo preparo e pela carreira militar: os que tm xito
nas carreiras militares freqentemente adquirem uma confian
a que levam facilmente para os setores da economia e da
poltica. Como outros homens, ouvem prontamente os conse
lhos e o apoio moral de velhos amigos que, no isolamento his
trico da carreira militar, so predominantemente militares.
Qualquer que seja sua posio individual, como grupo coerente
os militares so provavelmente o mais competente dos grupos
hoje preocupados com a poltica nacional. Nenhum outro gru
po teve preparo coordenado em assuntos econmicos, polticos
e militares; nenhum outro grupo teve a experincia contnua em
tomar decises; nenhum outro grupo internaliza' a capaci
dade de outros grupos, nem a coloca com mais rapidez a seu
servio; nenhum outro grupo tem acesso to continuado a
informaes mundiais. Alm disso, as definies militares da
realidade poltica e econmica que predomina hoje, de modo
(247) V er J oh n K . com entando o livro de J oh n W . W hezler -
G a l b r a it h ,
in P o lit ic s , em T he R e
B n fif r r r , T h e N e m e s is o f P o w e r : T h e G e rm n A r m y
p o r te r , 27 de abril d e 1934.
A ASCENDENCIA MILITAR 239
16
242 A ELITE DO PODER
2
medida que os Estados Unidos se tornaram uma grande
potencia mundial, a organizao militar expandiu-se, e os mem
bros de seus altos escales passaram diretamente aos crculos
diplomticos e polticos. O General Mark Clark, por exemplo
e que provavelmente teve maior experincia poltica quan
do na ativa do que qualquer outro militar americano acredi
ta no que denomina de sistema de companheirismo um
poltico e um militar trabalhando juntos, do qual disse: No
passado, muitos generais americanos se inclinavam a dizer da
poltica: Para o inferno com ela, falemos de poltica depois.
Mas j no podemos fazer isso. 251
Em 1942, o General Clark tratou com Daran e Giraud na
frica do Norte; em seguida, comandou o Oitavo Exrcito
na Itlia; foi depois o comandante da ocupao da ustria; e
em 1952 passou a comandante das foras americanas num novo
Japo soberano, bem como chefe do Comando Norte-America
no no Extremo Oriente e comandante das foras da ONU na
Coria. O General George C. Marshall, depois de ser repre
sentante pessoal do Presidente na China, foi nomeado Secret
rio de Estado (1947-49) e em seguida Secretrio da Defesa
(1950-51). O Vice-Almirante Alan G. Kirk foi embaixador na
Blgica em fins da dcada de 1940 e em seguida na Rssia.
Em 1947 o Secretrio de Estado Assistente para as reas ocupa
das era o General John H. Hildring, que tratava diretamente
com os comandantes militares que controlam a execuo da
poltica na Alemanha, ustria, Japo e Coria;252 o General-
-de-Brigada Frank T. Hines foi embaixador no Panam, e o Ge
neral Walter Bedell Smith foi embaixador na Rssia, tornan
do-se, mais tarde, chefe da Agncia Central de Informaes
(1950-53) e em seguida Subsecretrio de Estado (1953-54).
Como comandante de ocupao na Alemanha foi escolhido o
General Lucius D. Clay; do Japo, o General MacArthur. E no
um diplomata, mas um antigo chefe do Estado-Maior, Gene
ral J. Lawton Collins, foi para a conturbada Indochina em
(251) Time, 7 de julho de 1054, pg. 22.
(252) HaziBon W. B a l d w i n , Army Men in High Pofts* The New York
Time#, 12 de janeiro de 1947.
A ASCENDNCIA MILITAR 243
W ,
(258) M ark S k in n er atson T he Wir D e p a r tm e n t; V ol. I: C h ie f o f S t a f f ,
P r e - W a r P l a n s a n d P r e p a r a t io n s (W ashington, 1950); M aurice M atloft e E dw in
M . S n e l l , T h e W ar D e p a r tm e n t; V o l . II: S t r a t e g ic P la n n in g fo r C o a litio n
Wa r f a r e , 1941-42 (W ashin gton , 1953) ; R. S. C l i n e , T h e W ar D e p a r tm e n t ; V ol.
I I I : W a sh in g to n C o m m a n d P o s t : T h e O p e ra tio n s D iv isi n W ashington, 1954).
E sses trs v o lu m es so as m elh ores fo n tes de d etalh es sobre a ascen d n cia
m ilitar no seto r p o ltico , pou co antes e durante a II G uerra M undial.
(259) E d w ard L . K a t z e n b a c h , Jr., Inform ation as a L im itation on M ili-
L eg isla tio n : A P ro b lem in N ation al S ecu rity , J o u r n a l o f In te r n a tio n a l
A f f a i r s , v o l. III, N . 2, 1954.
246 A ELITE DO PODER
3
Nenhuma rea de deciso foi mais influenciada pelos mi
litares e pela sua metafsica do que a poltica externa e as
relaes internacionais. Nesses setores, a ascendncia militar
coincidiu com outras foras que tm agido no sentido de der
rubar a diplomacia civil como arte, e o servio diplomtico
como um grupo organizado de gente competente. A preponde
rncia militar e a queda da diplomacia ocorreram precisamente
quando, pela primeira vez na histria dos Estados Unidos, as
questes internacionais so realmente o centro das mais im
portantes decises nacionais e cada vez de maior relevncia
para todas as decises de peso. Com a aceitao, pela elite,
das definies militares da realidade mundial, o diplomata pro
fissional, tal como conhecemos ou como poderamos imaginar,
simplesmente perdeu qualquer influncia nos altos crculos.
No passado, considerou-se a guerra como assunto dos sol
dados, as relaes internacionais como tarefa dos diplomatas.
Mas hoje, que a guerra se tomou aparentemente total e per
manente, o esporte dos reis passou a ser a ocupao obrigatria
e exterminante do povo, e os cdigos diplomticos de honra
entre as naes entraram em colapso. A paz deixou de ser
sria somente a guerra . Todo homem e toda nao
amigo ou inimigo, e a idia da inimizade se toma mecnica,
macia, sem uma paixo autntica. Quando virtualmente todas
as negociaes que visam ao acordo pacfico so consideradas
conciliaes, se no traio, o papel ativo do diplomata se
toma sem sentido, pois a diplomacia passa a ser apenas um
preldio da guerra, ou um interldio entre guerras. Em tal
contexto, ela substituda pelo senhor da guerra.
Trs fatos sobre a diplomacia americana e os diplomatas
americanos so importantes para a compreenso do que vem
ocorrendo: a fraqueza relativa do servio diplomtico profis
sional; seu enfraquecimento ainda maior pelas investigaes
e medidas de segurana ; e a ascendncia, entre seus respon
sveis, da metafsica militar.
I. Somente nos ambientes em que as nuanas sutis cfe
vida social e a inteno poltica se fundem, podg a diplo
macia que ao mesmo tempo uma funo poltica e uma
A ASCENDENCIA MILITAR 247
(266) E sc o lh e m o s p a r a e s tu d o o s h o m e n s e m 25 p a s e s c o n s id e r a d o s o s
m a is p o d e r o s o s d o m u n d o , o u c e n tr o d e in te r e s s e p e la lo c a liz a o o u p e lo s
r e c u r s o s n a t u r a is p a r a o s m a is p o d e r o s o s . O s e s c o lh id o s f o r a m : G r c ia
C a v e n d ls h W. C a n n o n ; I u g o s l v ia J a m e s W . H id d le b e r g e r ; E g it o J e f f e r -
A ASCENDNCIA MILITAR 249
5
O progresso cientfico e tcnico, que faz parte da econo
mia, tornou-se cada vez mais parte da ordem militar, que
hoje a maior estimuladora e diretora da pesquisa cientfica,
em propores idnticas s de todas as outras pesquisas ame
ricanas reunidas. Desde a II Guerra Mundial, a direo geral
da pesquisa cientfica pura foi determinada pelas considera
es militares; seus principais financiamentos so feitos com
(290) A rthu r K aocx, The N ew Y o rk T im e s, 5 de abril d e 1953, N ew s
o f th e W eek".
A ASCENDENCIA MILITAR 259
6
No apenas nos altos crculos polticos, econmicos, cien
tficos e educacionais que a ascendncia militar evidente. Os
senhores da guerra, juntamente com seus simpatizantes e porta-
vozes, esto tentando impor sua metafsica firmemente po
pulao em geral.
Durante a II Guerra Mundial, os simpatizantes dos senho
res da guerra fizeram-se abertamente porta-vozes do militaris
mo. Os discursos pronunciados durante a guerra pelos Srs.
Frank Knox, Charles E. Wilson (G .E .) e James Forrestal
(300) P or ex em p lo , o C on tra -A lm ira n te H erb ert J. G rassie, ch a n celer do
L ew ls C o lleg e o f S cien ce and T ech n o lo gy ; A lm ira n te C h ester N im itz, re g en te
da U n iv ersid a d e da C alifrn ia em B erk eley ; G en era l F ran k K ea tin g , m em b ro
da ju n ta d e cu rad ores do Ith aca C ollege; C on tra -A lm ira n te O sw ald C olcou gh ,
d e o da E scola de D ireito da U n iv ersid a d e G eo rg e W ash in gton ; C oronel
M elvin A . C asburg, defio da E scola d e M ed icin a d e S t . L ou is; A lm ira n te
C h arles M. C ook, Jr., m em b ro da ju n ta d e E d ucao do E stad o da C alifrn ia.
(V er J o h n M . S w o m l e y , J r M ilitarlsm in E d u ca tio n , W ash in g to n , 1 9 5 0 ) .
(301) V er T h e N e w Y o r k T im es, 22 d e a go sto d e 1953, p g. 7.
A ASCENDNCIA MILITAR 263
7
Em contraste com a existncia dos militares, vistos sim
plesmente como peritos na organizao e utilizao da violn
cia, o militarismo foi definido como um exemplo da pre
ponderancia dos meios sobre os fins, no objetivo de inten
sificar o prestigio e aumentar o poder dos militares.306 Tra-
ta-se, naturalmente, de um conceito civil, que considera os mi
litares rigorosamente como um meio para a realizao de fi
nalidades polticas civis. Como definio, mostra a tendncia
dos militares de no se sujeitarem a ser meios, buscando finali
dades prprias, e de transformar outras reas institucionais em
meios para a realizao delas.
Sem uma economia industrial, seria impossvel o exrcito
moderno tal como existe na Amrica um exercito de m
quinas. Os economistas profissionais consideram habitualmen-
(306) A lfred V agts , T h e H is t r y o f M ilita rism (N . Y ork, 1937).
266 A ELITE DO PODER
te as instituies militares como parasitrias dos meios de pro
duo. Agora, porm, essas instituies passaram a condicionar
grande parte da vida econmica dos Estados Unidos. A religio,
quase que sem exceo, proporciona ao exrcito em guerra sua
bno, e recruta entre seus sacerdotes o capelo, que em trajes
militares aconselha, consola e estimula o moral dos homens
em guerra. Por definio constitucional, o militar est subor
dinado autoridade poltica, geralmente considerado e tem
sido um servidor e conselheiro dos polticos civis. Mas o senhor
da guerra est penetrando nesses crculos, e pelas suas defini
es da realidade, influindo em suas decises. A familia pro
porciona ao exrcito e marinha os melhores homens e rapazes
que possuem. E como j vimos, a educao e cincia tambm
se tornaram meios para os fins desejados pelos militares.
As pretenses de status, pelos militares, no constituem
em si uma ameaa de domnio militar. De fato, bem encerra
das dentro dos limites do exrcito permanente, essas pretenses
so uma espcie de compensao pela renncia s aventuras do
poder poltico. Enquanto se limitarem hierarquia militar,
constituiro uma caracterstica importante da disciplina mili
tar, e sem dvida uma das principais fontes da satisfao que
os militares experimentam em sua carreira. Tornam-se uma
ameaa e constituem um indcio do crescente poder da elite
militar de hoje, quando comeam a exercer-se fora da hierar
quia militar, e tendem a constituir a base da poltica militar.
A chave para a compreenso do status o poder. Os mi
litares no podem pretender uma situao de relevo entre os
civis, se no tiverem, ou pelo menos no aparentarem ter, po
der. Ora, o poder, bem como as imagens que dele fazemos,
sempre relativo: o poder de um homem a fraqueza de outro.
E a fora que enfraqueceu a situao dos militares na Amrica
foi a fora do dinheiro e dos fazedores de dinheiro, bem como
o poder de que dispem os polticos civis em relao organi
zao militar.
O militarismo americano, portanto, encerra uma tenta
tiva dos militares para aumentar seu poder, e portanto seu
status, em relao aos homens de negcios e polticos. Para
isso no devem ser considerados como simples meios emprega
dos pelos polticos e fazedores de dinheiro. No devem ser
considerados como parasitas da economia e se colocarem- sob
a superviso daqueles que, com freqncia, so chamados nos
crculos militares de polticos sujos. Pelo contrrio, suas
A ASCENDENCIA MILITAR 267
1
Alguns dos traos desse retrato no so muito diferentes
do presidente moderno, em mdia, embora talvez sua inter
pretao esteja um pouco fora das propores. Entre os que
atingiram as mais altas posies do governo americano, pode
mos encontrar pelo menos dois ou trs que representam quase
tudo o que procurarmos. Poderamos recolher um sem-nmero
de anedotas biogrficas e retratos coloridos sobre eles o ue
no nos levaria a qualquer concluso sobre os tipos principais
de homens e sua carreira habitual. Devemos compreender
2
Um pequeno grupo de homens est hoje incumbido das
decises administrativas tomadas em nome dos Estados Unidos
da Amrica. Esses aproximadamente 50 homens do setor exe
cutivo do governo incluem o Presidente, o Vice-Presidente e os
membros do Gabinete; os chefes dos principais departamentos
e divises, agencias e comisses, e os membros do gabinete do
Presidente, inclusive o pessoal da Casa Branca.
Apenas trs desses membros do diretrio poltico313 so
polticos partidrios profissionais, no sentido de terem passado
a maior parte de sua vida til candidatando-se e ocupando
postos eletivos; e apenas dois passaram a maioria de suas car-
3
A ascenso do homem estranho poltica no moderno di
retrio poltico no simplesmente mais um aspecto da bu-
rocratizao do Estado. De fato, como no caso da ascendn
cia militar, o problema que o homem estranho poltica cria
para os tericos da democracia est, em primeiro lugar, rela
cionado com a ausncia de uma burocracia autntica. Pois
-------------------------- I
m en te n o lito ra l leste. E sto rep resentad as n os cam pos d e golfe a C onti
n en ta l C an, Y ou n g & R u bicam , G en eral E lectric, C ites S ervice O ll Co.,
S tu d eb ak er, R ey n old s T obacco, Coca C ola e R ep u b lic S teel. (V er F letch er
K nebel , Ik e s C ron ies , L o o k , 1. d e ju n h o d e 1954.) E ntre Junho d e 1953 e
fev ereiro d e 1955, E isen h ow er ofereceu 38 jan tares s para hom ens", nos
quais *'receb eu 294 h om en s d e n eg cio s e in d u striais, 81 fu n cion rios da
ad m in istrao, 51 d iretores d e jorn ais, ed itores e autores, 30 ed u cad ores, 23
lid eres rep u b lican os. O utros grupos agricu ltores, trabalho, filantrop ia,
esp ortes forn eceram u m m en or nm ero d e con vid ad os. (W hat G oes On
at Ik e s D in n er sM, U. 5 . N e w s a n d W orld R e p o r t, 4 de fevereiro d e 1955.)
T h eod ore R oo sev elt ob servou certa v ez sobre suas ligaes: S im p les
m en te nfio p osso tom ar a atitu d e d e resp eito para com os ricos, tal com o
tanta g en te faz. S in to -m e sa tisfeito em m ostrar certa cortesia para com
P ierp on t M organ ou A n d rew C arnegie ou Jam es J. H ill, m as con sider-los
com o co n sid ero o P ro fessor B u ry, ou P eary o explorador do rtico, ou
R hodes, o h istoriad or, seria im p o ssv el, m esm o q u e eu o desejasse, e no
d esejo.'1 S ob re os com p an h eiros de E isen h ow er, um observador arguto,
Merriman Stvtith, disse: "Seria in ju sto Julgar q u e e le gosta da com panhia
dos reis da fin a n a e da in d stria apenas d evid o sua cota&o no m ercado.
Ele acred ita q u e se um hom em sub iu at p resid en te da Ford M otor C om pany.
diretor d os jorn ais da Scrip p s-H ow ard , a p resid en te d e u n iversid ade ou
A rcebispo, certam en te tem valor, con h ece bem seu setor e d eve ser in teres
sante e c u lt o / A o q u e W illiam L a w r e n c e acrescenta: **Essa h istria de sub ir
na vid a v a i ser n ovid ad e para o jo v em H enry Ford ou Jack H ow ard, que
nasceram n o a lto . (T heodore R o o s e v e l t , citado por M atthcw J o s k p h s o m
T h e P r e s id e n t - M a k e r s , N . Y ork, 1940; v er tam b m a critica q u e W illiam
. * L a w r e n c e faz d e M errim an S m ith , M eet M iste r E ise n h o w e r , N. Y ork,
em T h e N e w Y o r k T im e s B o o k R e v ie w , 10 d e abril d e 1955, pg. 3 ).
282 A ELITE DO PODER
em parte no lugar desta que a pseudoburocracia dos homens
estranhos poltica, bem como o regime de proteo partidria,
passou a predominar.
Por urna burocracia autentica entendemos uma hierar
quia organizada de capacitao e autoridade, dentro da qual
todo posto e cargo se limitasse a suas tarefas especializadas.
Os que ocupam tais postos no so donos do equipamento
necessrio para o cumprimento de suas obrigaes, e pessoal
mente no tm autoridade: a autoridade que desfrutam lhes
atribuda em funo dos cargos que ocupam. Seu salrio, jun
tamente com a considerao devida ao posto, a nica remu
nerao proporcionada.
O burocrata ou servidor pblico, portanto, acima de tudo
um perito cujo conhecimento e habilidade foram comprovados
por um exame de habilitao, e mais tarde em sua carreira,
pela experincia. Como homem capacitado, tem acesso a seu
posto, e seu progresso no sentido de postos mais altos re
gulado por provas de competncia mais ou menos formais.
Pela aspirao e pelas realizaes, est apto a uma carreira,
regulamentada segundo o mrito e antiguidade, dentro da hie
rarquia predeterminada da burocracia. alm disso, um ho
mem disciplinado cuja conduta pode ser facilmente prevista,
e que colocar em prtica a poltica adotada, mesmo que seja
contra sua vontade, pois suas opinies meramente pessoais
esto rigorosamente distinguidas de sua vida, perspectivas e
deveres oficiais. Socialmente, o burocrata formal com seus
colegas, j que o funcionamento tranqilo da hierarquia buro
crtica exige un> equilbrio adequado entre a boa vontade pes
soal e uma distncia social compatvel com o posto.
Mesmo que seus componentes apenas se aproximem da
imagem acima, a burocracia uma forma de organizao hu
mana muito eficiente. Mas esse corpo orgnico muito difcil
de ser desenvolvido, e a tentativa pode resultar facilmente
numa mquina barulhenta e desajeitada, tacanha e enredada em
processos, ao invs de um instrumento de execuo de polticas.
A integridade da burocracia como unidade de governo de
pende de sobreviver ou no, como corpo orgnico, s mudanas
na administrao poltica.
A integridade do burocrata profissional depende de repre
sentar ou no a sua conduta oficial, e mesmo a sua pessoa,
O DIRETRIO POLTICO 283
1
muito difcil abandonar o velho modelo do poder como
um equilibrio automtico, com sua suposio implcita de urna
pluralidade de grupos independentes, relativamente iguais e em
oposio. Todas essas suposies esto explcitas, a ponto de
de se tornarem uma caricatura inconsciente, nas afirmaes re
centes sobre quem governa a Amrica. Segundo David Ries-
man, por exemplo, durante o meio sculo passado, houve uma
transferncia do poder da hierarquia de uma classe dominan
te para o poder dispersivo dos grupos de veto. Hoje, nin
gum manda nada: tudo paira ao sabor das ondas. Acredita
Riesman que, num certo sentido, isso apenas outra maneira
de dizer que a Amrica um pas da classe mdia. . . no qual,
talvez, o povo dentro em pouco compreenda que no existe
mais o ns que damos as ordens e os eles que no do; nem
um ns que no mandamos e um eles que mandam, e sim
que todos so ns e eles, eles e ns.
Os chefes perderam o poder, mas os chefiados no o con
quistaram, e nesse meio tempo, Riesman leva sua interpreta
o psicolgica do poder e dos poderosos a uma forma ex-
trenaa, como por exemplo: se os homens de negcios se sen
tem fracos e dependentes, so fracos e dependentes, a despeito
dos recursos materiais que possam controlar.
. . . O futuro, portanto, parece estar nas mos dos pe
quenos homens de negcios e profissionais que controlam o
Congresso: os corretores de imveis locais, os advogados, Ven
dedores de carros, empreiteiros, e assim por diante; dos mili
tares que controlam a defesa e, em parte, a poltica externa; e
dos diretores das grandes empresas e seus advogados, dos ho
mens das comisses de finanas e outros conselheiros que de
cidem sobre os investimentos industriais e influenciam o ritmo
de mudana tcnica; dos lderes trabalhistas que controlam a
produtividade e os votos dos trabalhadores; dos brancos do
Alabama e Mississpi, que tm grandes interesses em jogo na
poltica sulista; dos poloneses, italianos, judeus, irlandeses que
A TEORIA DO EQUILBRIO 291
3
Uma proporo cada vez maior das questes fundamentais
no submetida deciso do Congresso, ou de suas comisses
mais poderosas, e muito menos ao debate, perante o eleito
rado, nas campanhas. A entrada dos Estados Unidos na II
Guerra Mundial, por exemplo, foi decidida sem a audincia
do Coi gresso, e jamais constituiu uma questo claramente deba
tida na discusso pblica. Com o poder de emergncia do Exe
cutivo, o Presidente, de forma praticamente ditatorial, pode to
mar decises de guerra, posteriormente apresentadas ao Con
gresso como fato consumado. Acordos do Executivo tm a
fora de tratados, mas no necessitam de ratificao pelo Se
lado: a transao dos destrieres com a Gr-Bretanha e a co
locao de tropas na Europa sob a o t a n , to acerbamente com-
divtic>r?C*0na*S <lue o s eleito res tm gra n d e d ificu ld a d e em en con trar a linha
Plataf en tre os d ois p a r tid o s ... u m a razo . . . q u e as a d m in istraes e
sas orm as dos p rin cip a is p artidos con sideram com o p osies n acio n ais c o i-
d0 fcada tm d e n a cio n ais, n a v e r d a d e ... p orq u e em grand es reg i es
ftacion im em b ros d o n iesm o p artido se opem a essa posio da m aioria
1131 . T h e N e w Y o r k T im e s , 15 de ju n h o d e 1954.
304 A ELITE DO PODER
batida pelo Senador Taft, so exemplos claros desse fato. E
no caso de Formosa, nas decises da primavera de 1955, o
Congresso simplesmente abdicou do debate dos fatos em ques
to e das decises, vizinhas da guerra, tomadas pelo Executivo.
Quando assuntos fundamentais so submetidos discusso
no Congresso, o mais provvel que sejam estruturados de
forma a lim itar sua considerao, e mesmo acabar num im
passe, ao invs de serem solucionados. Pois sem partidos res
ponsveis e centralizados, difcil formar maioria no Con
gresso; e com o sistema de antiguidade, os regimentos, a possi
bilidade de obstruo, a falta de informaes e de conheci
mentos, o Congresso facilmente se transforma num labirinto
legislativo. No de surpreender que ele deseje, com freqn
cia, um a iniciativa firme do Presidente nos assuntos no-locais,
e que, nas situaes consideradas como emergncias, os po
deres so prontamente entregues ao Executivo, para romper
o impasse semi-organizado. Realmente, certos observadores acre
ditam que a abdicao e obstruo congressional, e no a
usurpao presidencial, tm sido a causa principal da trans
ferncia do poder ao Executivo. 349
Entre os polticos profissionais h tambm, decerto, deno
minadores comuns de disposies e interesses, ligados s suas
origens, carreiras e associaes homogneas; e h, decerto, uma
retrica comum, na qual sua mentalidade fica freqentemen
te presa. Visando aos seus vrios interesses paroquiais, os con
gressistas por vezes chegam a uma coincidncia de propsi
tos que de importncia nacional. Estes, porm, dificilmen
te se tornam explcitos. Mas os muitos pequenos problemas
decididos pelos interesses locais, pela negociao, pelas compen
saes, tm resultados nacionais no-previstos pelos agentes
locais que acabam por determin-los. Assim, so criadas por
vezes certas leis, quando se rompe o impasse, revelia dos legis
ladores interessados. Pois o Congresso o centro principal dos
nveis mdios do poder, e nestes que as restries aos excessos
do poder administrativo se exercem.
Os verdadeiros interesses efetivos so os defendidos e
protegidos abertamente por cada deputado e senador. So os
interesses paroquiais das sociedades locais de cada distrito e
(240) B o w i, op. ctt., pAg. 181. Cf. tam bm pgs. 123, 124, 182.
A TEORIA DO EQUILBRIO 305
estado. Ao se tornarem representados pelo senador ou depu ta
je^ eles so compensados e equilibrados por outros interesses
tambm paroquiais. A preocupao primordial do congressis
ta o favor que possa fazer a um interesse, sem prejudicar os
outros interesses que tem de equilibrar.
No necessrio aos grupos de presso comprar os pol
ticos do Congresso. De fato os politiqueiros que solicitam fa
vores, quando discretos, podem parecer honestos, ao passo que
os congressistas podem parecer politiqueiros disfarados. No
necessrio aos membros da sociedade local corromper o po
ltico profissional para assegurar seus interesses. Pela seleo
social e pelo preparo poltico, ele pertence aos grupos-chaves
de seu distrito e estado. 350 Os congressistas so antes os pres-
sionadores visveis dentro do governo do que vtimas de pres
ses invisveis vindas da periferia. H 50 anos, a conhecida
imagem feita pelo baixo jornalismo, de um senador corrom
pido pelo dinheiro, ocorria com freqncia, 351 e o dinheiro
ainda um fator na poltica. Mas o dinheiro que tem impor
tncia hoje usado principalmente para financiar as eleies,
e no para pagar diretamente aos polticos seus votos e favores.
Quando sabemos que, antes de ingressar na poltica, um
dos seis dos mais poderosos legisladores, e presidente da Comis
so de Oramento, se destacou organizando e promovendo C
maras de Comrcio em vrias cidades mdias da nao, sem um
centavo de ajuda federal, podemos compreender facilmente
por que combateu a ampliao da lei dos lucros excessivos, sem
que se pudsse identificar qualquer presso, por trs das cor
tinas, sobre a sua atitude. 852 Daniel Reed, de 78 anos, um
homem de carter puritano e princpios inflexveis, mas os
princpios vm do carter, ao mesmo tempo que o fortalecem,
e o carter produto de toda uma carreira. Alm disso, como
observou recentemente um membro do Congresso, chega um
momento na vida de todo congressista em que ele tem de ele
var-se acima dos princpios. 353 Como agente poltico, o con
gressista parte do equilbrio baseado em concesses, predo-
(350) C l. ib id .
(351) V er D a v id G . P h il l ip s , T h e T r e a s o n o f tn e t e n a t e (1906).
(352) V er J o h n D . M o b r u , T h e W ays and M eans o D an Reed**, T h i
Y o r k T im e s M a g a z in e , 5 d e ju lh o d e 1953.
(353) M em bro an n im o d o C ongresso, citad o por D ies, op. cit., p g. 1 U
*0
306 A ELITE DO PODER
minante as sociedades locais, bem como num ou noutro dos
partidos nacionalmente irresponsveis. Em conseqncia,
colhido no impasse semi-organizado dos nveis medios do poder
nacional.
O poder poltico ampliou-se e passou a ser mais decisivo,
mas no o poder do poltico profissional no Congresso. A
fora considervel que continua nas mos de alguns congressis
tas hoje dividida com alguns outros atores polticos: h o
controle da legislao, centralizado nos presidentes de comis
ses, mas sujeito, cada vez mais, a modificaes decisivas pela
administrao. H o poder de investigar, arma positiva e ne
gativa, que exige, porm, a colaborao de agncias de informa
es e investigaes, pblic?s e particulares, e cada vez mais
se aproxima de graus diversos do que se pode chamar de chan
tagem e contrachantagem.
Na ausncia de diferenas de orientao que tenham im
portancia, entre os maiores partidos, o poltico profissional par
tidario tem de inventar temas sobre os quais falar. Hist
ricamente, isso provocou a falta de contedo habitual das cam
panhas retricas. Mas desde a II Guerra Mundial, os polticos
frustrados passaram a adotar amplamente a acusao e a im
pugnao do carter de adversrios como de neutros ino
centes. Isso se deve, sem dvida, explorao do novo fato
histrico de que os americanos vivem hoje ao lado de um
vizinho militar; mas se deve tambm posio do poltico que
pe em prtica uma orientao sem contedo, uma poltica
de nvel mdio para a qual as decises reais, mesmo as relacio
nadas com o protecionismo, so tomadas pelos nveis mais altos.
A caa s manchetes, nesse contexto, com menos protecionismo
e sem se comprometer nos grandes assuntos, proporciona a al
guns congressistas um xito temporrio, ou pelo menos a aten
o pblica, na universalizao da desconfiana.
H outra forma de ganhar e exercer o poder, que envolve
os polticos profissionais nas aes dos grupos, dentro e entre
as reparties mais ou menos burocrticas da administrao.
Cada vez mais, o poltico profissional procura conjugar-se com
o administrador que chefia um departamento, uma comisso
ou uma repartio, a fim de exercer o poder com ele, contra
outros administradores e polticos, freqentemente atravs de
processos radicais. A distino tradicional entre legislao,
A TEORIA DO EQUILBRIO 307
4
Atrs da teoria de controles e contrapesos como a forma
de deciso poltica, est a teoria de classe, bem conhecida desde
Aristteles, e firmemente mantida pelos Fundadores da Nao,
no sculo XVIII, e segundo a qual o Estado , ou deve ser,
um sistema de concesses e restries porque a sociedade
um equilbrio de classes, sendo seu centro e estabilizador a clas
se mdia forte e independente.
A sociedade americana do sculo XIX era de classe mdia
e nela floresciam numerosas organizaes pequenas e de poder
relativamente igual. Dentro dessa sociedade em equilbrio havia
(308) S obre a lideran a p resid en cial ou con gression al, v er Burovs, op. cit.
(399) Cf. O tto K b c h h e t m e i , C hanges in th e S tructu re of P o litica l
C om prom iso, S tu d ie in P h ilo to p h y a n d S o c ia l S c ie n c e (N . Y ork, 1941).
A TEORIA DO EQUILBRIO 309
5
Na velha sociedade liberal, uma srie de compensaes e
concesses predominava entre os lderes congressistas, o ramo
executivo do governo e os varios grupos de presso. A imagem
do poder e da deciso a imagem de uma sociedade equili
brada onde nenhum grupo bastante forte para avanar seno
um pouco de cada vez, contrabalanado por outras foras e na
qual, portanto, no h unidade, e muito menos coordenao,
entre os altos crculos. Essa imagem, combinada com a dou
trina da opinio pblica, ainda a interpretao oficial do
sistema democrtico formal de poder, a teoria padro da maioria
dos socilogos acadmicos, e a suposio subjacente de grande
parte dos cidados educados, que no so porta-vozes nem ana
listas polticos.
Mas assim como as condies histricas se modificam, o
sentido e as conseqncias da mecnica do poder tambm mu
dam. Nada h de mgico ou eterno no sistema de compensaes
e restries. Em poca de revoluo, o sistema pode ter im
portncia como um controle das massas desorganizadas ou orga
nizadas. Em poca de ditaduras rgidas, pode representar o
domnio do dividir para governar. Somente dentro de um
Estado j bem equilibrado, que se apie numa estrutu a social
equilibrada, as restries e compensaes representam um freio
para os governantes.
Os tericos da poltica no sculo XVIII consideravam co
mo unidade de poder o cidado individualmente, e os economis
tas clssicos, a pequena firma operada por uma pessoa. Desde
ento, as unidades de poder, as relaes entre elas, e portanto
o sentido do sistema de restries e compensaes, se modifi
caram. A maior difuso de unidades igualmente fortes, que
ainda existam, encontra-se nos nveis mdios do poder, centrali
zados nas localidades soberanas, e nos grupos de presso inter
mitentes, atingindo seu ponto mximo dentro do Congresso
Devemos, portanto, rever e redistribuir o conceito, que herda
mos, de uma enorme variedade de interesses, pois, quandc
examinamos mais de perto e por perodos mais demorados,
verificamos que esses interesses de nvel mdio se ocupam
aPenas de sua rea particular, e freqentemente no dispem
de importncia poltica decisiva, embora muitos tenham um
316 A ELITE DO PODER
enorme valor prejudicial ao bem-estar geral. Acima dessa plu
ralidade de interesses, as unidades de poder econmico, po
ltico e militar que importam em qualquer equilbrio, so
poucas em nmero, e pesam muito mais do que os grupos dis
persos pelos nveis mdio e inferior da estrutura do poder.
Os que ainda acreditam refletir o sistema de poder uma
sociedade equilibrada, confundem quase sempre a era presente
com as pocas anteriores da histria americana, e confundem
os nveis superior e inferior do presente sistema com seus
nveis mdios. Ao se generalizar num modelo do sistema de
poder, a teoria do equilbrio passa a ser historicamente no-
especfica, quando, como modelo, devia ser especificamente
aplicvel a certas fases apenas da evoluo dos Estados Unidos
notadamente o perodo jacksoniano e, em circunstncias com
pletamente diferentes, ao princpio e meados do New Deal.
A idia de que o sistema de poder uma sociedade equili
brada tambm supe serem as unidades em equilbrio inde
pendentes entre si, pois se o capital e o trabalho, ou o capital
e o governo, por exemplo, no forem independentes um do
outro, no podero ser considerados como elementos de um
equilbrio livre e aberto. Mas como j vimos, os grandes in
teresses freqentemente competem menos entre si, no esforo
de promover seus vrios interesses, do que coincidem em mui
tos pontos e, na realidade, se unem sob o manto do governo. As
unidades do poder poltico e econmico no s se tornam
maiores e mais centralizadas como passam a coincidir em seus
interesses e a celebrar alianas explcitas e tcitas;"
O governo americano hoje no apenas uma moldura
dentro da qual as presses concorrentes lutam pelas posies
e fazem poltica. Embora isso ocorra em parte, o governo tem
certos interesses representados dentro dele, em sua estrutura
hierrquica, e alguns deles se impem a outros. N o h um
poder contrabalanador eficiente contra a coalizo dos homens
de grandes negcios que, como polticos no-profissionais,
ocupam hoje os postos de comando e os militares em ascenso
que falam hoje com voz grave nos altos conselhos. Os que
tm realmente poder na Amrica, hoje, no so apenas inter
medirios dele, solucionadores de conflitos e harmonizadores
de interesses vrios e em choque representam, e na verdade
personificam, interesses e polticas nacionais perfeitamente es
pecfico*.
A TEORIA DO EQUILBRIO 317
2
J se disse que estudamos a historia para nos livrarmos
dela, e a historia da elite do poder um exemplo claro da
exatido dessa mxima. Como o ritmo da vida americana em
geral, as tendncias a longo prazo da estrutura do poder foram
grandemente aceleradas a partir da II Guerra Mundial, e certas
tendencias novas dentro e entre as instituies dominantes tam
bm contriburam para modelar a forma da elite do poder e
deram sentido especficamente histrico sua quinta fase:
I. Na medida em que a chave estrutural da elite do poder
est hoje na ordem poltica, essa chave o declnio da poltica
como um debate autntico e pblico das decises possveis
com partidos nacionalmente responsveis e com polticas coe
rentes e organizaes autnomas ligando os nveis inferior e
mdio do poder com os altos nveis de deciso. A Amrica
hoje, em parte considervel, mais uma democracia poltica
formal do que uma estrutura democrtica social, e mesmo sua
mecnica da poltica formal fraca.
A antiga tendncia de se confundirem e se envolverem
mutuamente o capital e o governo tornou-se, na quinta fase,
ainda mais explcita. No possvel distinguir hoje entre eles
como dois mundos distintos. Foi nas reparties executivas
do Estado que a aproximao se fez mais decisiva. O cresci
mento dos setores executivos do governo, com suas reparties
(371) R i c h a r d H o fst a d t k r , o p . c i t., p g . 305.
326 A ELITE DO PODER
que fiscalizam uma economia complexa, no significou simples
mente a ampliao do governo como uma espcie de buro
cracia autnoma: significou tambm a ascendncia do homem
de empresa como uma eminncia poltica.
Durante o New Deal, os chefes de empresas ingressaram
no diretrio poltico; quando da II Guerra Mundial, ja o haviam
dominado. H muito ligados ao governo, assumiram plena
mente a direo da economia do esforo de guerra e do ps-
guerra.' Esta transferncia dos dirigentes de empresas para
o diretrio poltico acelerou o afastamento, que vinha ocorren
do, dos polticos profissionais do Congresso para os nveis
mdios do poder.
II. Na medida em que a chave estrutural da elite do poder
est hoje no Estado militar ampliado, essa chave se revelou pela
ascendncia militar. Os senhores da guerra adquiriram uma
importncia poltica decisiva, e a estrutura militar da Amrica
agora, principalmente, uma estrutura poltica. A ameaa mi
litar aparentemente permanente valoriza os militares e seu con
trole de homens, material, dinheiro e poder. Virtualmente to
das as aes polticas e econmicas so hoje julgadas em termos
de definies militares da realidade: os altos senhores da guer
ra firmaram posio dentro da elite do poder da quinta fase.
Isso resultou, pelo menos em parte, de um fato histrico
simples, crucial para os anos posteriores a 1939: o foco da
ateno da elite desviou-se dos problemas internos, que na
dcada de 30 se contralizavam na depresso, para os problemas
internacionais, que em 40 e 50 giravam em torno da guerra.
Como a estrutura governamental dos Estados Unidos vem sen
do, pelo longo costume histrico, adaptada e modelada pelo
choque e equilbrio interno, no dispe, sob qualquer ngulo,
de reparties e tradies adequadas ao trato dos problemas
internacionais. A mecnica democrtica formal surgida no
sculo e meio de desenvolvimento nacional anterior a 1941 no
inclua o trato de assuntos internacionais. em grande parte
nesse vazio que a elite do poder tem crescido.
III, Na medida em que a chave estrutural da elite do
poder est hoje no setor econmico, essa chave o fato de
que a economia tem simultaneamente duas caractersticas:
de guerra permanente e de grandes empresas privadas. O capi
talismo americano atualmente, em propores considerveis,
A ELITE DO PODER 327
3
Mesmo que a nossa compreenso fosse limitada a essas ten
dencias estruturais, teramos razes para acreditar que a elite
do poder um conceito til, na verdade indispensvel, para a
interpretao do que est ocorrendo no alto da moderna so
ciedade americana. Mas no somos,, evidentemente, to limi
tados: nosso conceito de elite do poder no se baseia apenas
na correspondncia das hierarquias institucionais em questo,
u nos muitos pontos em que seus interesses coincidem. A
elite do poder, como a concebemos, tambm depende da iden
tidade entre os que a formam, de suas relaes pessoais e
oficiais entre si, de suas afinidades sociais e psicolgicas. A fim
perceber a base pessoal e social da unidade da elite do
poder, temos, primeiro, que recordar os fatos ligados a origem,
carreira e estilo de vida de cada um dos tipos de circulo cujos
Membros compem a elite do poder.
A elite do poder no uma aristocracia, o que equivale
dizer que no um grupo poltico dominante baseado numa
330 A ELITE DO PODER
nobreza de origem hereditria. No tem bases compactas num
pequeno crculo de grandes famlias cujos membros podem
ocupar, e ocupam, as mais altas posies nos vrios crculos
superiores que se confundem como sendo a elite do poder. Mas
essa nobreza apenas uma das bases possveis da origem comum,
O fato de no existir para a elite americana no significa que
seus membros venham, socialmente, de todas as camadas que
formam a sociedade americana. Vm, em propores substan
ciais, das classes superiores, tanto a tradicional como a nova,
da sociedade local e dos 400 metropolitanos. A maioria dos
muito ricos, os executivos de grandes empresas, os polticos
no-profissionais, os altos militares, so oriundos, em sua maio
ria, do tero superior das pirmides ocupacional e de renda.
Seus pais eram, pelo menos, da camada profissional e de neg
cios, e muito freqentemente de mais alto. So americanos na
tos, de pais americanos, principalmente das reas urbanas e,
com excees dos polticos que deles participam, predominante
mente do Leste. So protestantes em sua maioria, especialmen
te episcopais ou presbiterianos. Em geral, quanto mais alta a
posio, maior a proporo de seus ocupantes que vm, e man
tm contatos, com as classes superiores. As origens geralmente
semelhantes dos membros da elite do poder so sublinhadas e.
levadas alm pela semelhana de suas rotinas educacionais. Em
sua grande maioria so formados, uma proporo substancial
freqentou as universidades da Liga da Hera, embora a educa
o dos altos militares seja, naturalmente, diferente.
Mas o que significam realmente esses fatos aparentemente
simples sobre a composio das altas rodas? Em particular,
o que significam para qualquer esforo de compreender o grau
de unidade e a orientao da poltica e dos interesses que pos
sam predominar nessas vrias rodas? Talvez seja melhor for
mular essa pergunta de uma forma decepcionantemente simples:
em termos de origem e carreira, quem, ou o que, esses homens
da cpula representam?
Evidentemente, quando so polticos eleitos, supe-se que
representem seus eleitores; e, quando nomeados, que represen
tem, indiretamente, o% eleitores dos seus nomeados. Mas todos
sabem que isso no passa de uma abstrao, de uma frmula
retrica pela qual todos os homens do poder em quase todnS
os sistemas de governo hoje em dia justificam seu poder e
A ELITE DO PODER 331
4
No obstante, devemos dar o devido peso ao outro lado
da questo, que pode no discutir os atos, mas somente a
interpretao que lhes damos. Vrias objees sero inevita
velmente feitas nossa concepo da elite do poder, mas rela
cionam-se essencialmente apenas com a psicologia de seus mem
bros. Elas bem poderiam ser formuladas pelos liberais ou pelos
conservadores, mais ou menos desta forma:
Falar de uma elite do poder no ser caracterizar os
homens pelas suas origens e ligaes? No essa caracterizao
injusta e inverdica ao mesmo tempo? No se modificam os
homens, especialmente os americanos como esses, ao se eleva
rem de estatura para enfrentar as exigncias de suas tarefas?
No chegam a uma interpretao e linha poltica que repre
senta, pelo que em sua fraqueza humana lhes dado saber, os
interesses do pas como um todo? No sero apenas pessoas
honradas, cumprindo o seu dever?
Que responder a tais objees?
I- Temos a certeza de que so homens honrados. Mas o
ue a honra? Honra s pode significar viver segundo um
cdigo que acreditamos sr honroso. No existe nenhum cdigo
sobre o qual todos concordem. por isso que, sendo civili
zados, no matamos todos aqueles de quem discordamos. A
teresses * h ^ a r a u m a e x c e le n te in tro d u o u n id ad e in te rn a c io n a l d o s in -
*0n. 1950) e m p r e sa s v e r J a m e s S te w a r t M artin, Ali Honorable Men (B o s-
336 A ELITE DO PODER
pergunta no : so homens honrados? E sim: quais os
seus cdigos de honra? A resposta a tal pergunta que so
os cdigos de seus crculos, daqueles cujas opinies respeitam.
E como poderia ser de outro modo? Esse um dos sentidos
do importante truismo de que todos os homens so humanos
e todos os homens so criaturas sociais. Quanto a sinceridade,
ela s pode ser negada, jamais provada.
II. questo de sua adaptabilidade que significa sua
capacidade de transcender os codigos de conduta que pelo tra
balho e experincia de toda a vida adquiriram devemos
responder simplesmente no, eles no podem, pelo menos no
no punhado de anos que resta maioria. Esperar isso supor
que realmente sejam estranhos e aproveitadores: tal flexibilida
de representaria, na verdade, uma violao do que poderamos
rigidamente chamar de seu carter e sua integridade. E no
ser pela falta mesma desse carter e integridade que os pri
meiros tipos de polticos americanos no representaram uma
ameaa to grande como esses homens de carter?
Seria um insulto ao preparo militar, e doutrinao que
recebem, julgar que os oficiais despem seu carter e suas idias
ao mudarem do uniforme parado traje civil. A formao talvez
seja mais importante no caso dos militares do que no caso
dos executivos de empresas, pois o treinamento da carreira
mais profundo e mais total.
Falta de imaginao, observou Gerald W. Johnson, no
deve ser confundida com falta de princpio. Pelo contrrio,
um homem sem imaginao , com freqncia, o homem dos
mais altos princpios. O problema que seus princpios se
conformam com a famosa definio de Cornford: um princpio
uma regra de inao dando razes gerais vlidas para no
fazer, num caso especfico, o que ao instinto sem princpios
pareceria justo. 375
No seria ridculo acreditar seriamente, por exemplo, que
como realidade psicolgica Charles Erwin Wilson representa
algum, ou algum outro interesse seno o do mundo das grandes
empresas? No que ele seja honesto pelo contrrio, pr*
vavelmente por ser um homem de integridade slida to
solida como o dolar. Ele o que , e no poder ser nada
5
Apesar de suas semelhanas sociais e suas afinidades psic
lgicas, os membros da elite do poder no constituem um clube
com scios permanentes, com limites fixos e formais.
natureza da elite do poder que dentro dela haja uma cons
tante movimentao, e que no seja formada de um pequeno
grupo dos mesmos homens nas mesmas posies e nas mesmas
hierarquias. Porque certos homens se conhecem pessoalmente
isso no quer dizer que entre eles exista uma unidade de orien-
A ELITE DO PODER 339
6
A concepo de elite do poder e de sua unidade repousa
sobre a evoluo correspondente e a coincidncia de interesses
entre as organizaes econmica, poltica e militar. Tambm
depende da semelhana de origem e aparncia, da mistura so
cial e pessoal dos altos crculos de cada uma dessas hierar
quias dominantes. Essa conjuno de foras institucionais e
psicolgicas, por sua vez, se revela pelo intenso trfego de
pessoal entre e dentro das trs grandes ordens institucionais,
bem como pelo aparecimento dos intermedirios, como nas
presses e solicitaes feitas em alto nvel. A concepo de
(380) Ibid.
A ELITE DO PODER 345
7
A idia da elite do poder se baseia e nos permite perceber
o sentido das ( 1 ) tendncias institucionais decisivas que caracte
rizam a estrutura de nossa poca, em particular a ascendncia
m ilitar em uma economia incorporada e, mais ainda, as vrias
coincidncias e interesses objetivos entre as ipstituies econ
micas, militares e polticas; ( 2 ) as semelhanas sociais e afini
dades psicolgicas dos homens que ocupam os postos de co-
(385) D is c u r s o de M o n tg o m e ry na U n iv e r s id a d e d e C o l m b la , segundo
Thm New York T im e s , 24 d e n o v e m b ro d e 1954, p g . 25.
<3S6) Ci, D e a n A c r o o w , W h at a S e cre tary o S tate R e a lly Voes*
Barpeft, d e z e m b r o d e 1864.
A ELITE DO PODER 349
1
Vejamos, portanto, o pblico clssico da teoria democr
tica, com o esprito generoso com que Rousseau certa vez ex
clamou: Opinio, Rainha do Mundo, no est sujeita ao poder
dos reis; estes so os seus primeiros escravos.
A caracterstica mais importante da opinio pblica, ori
ginada pela ascenso da classe mdia democrtica, a dis
cusso livre. As possibilidades de responder, de organizar
rgos autnomos da opinio pblica, de compreender a opi
nio em movimento, devem ser asseguradas pelas instituies
democrticas. A opinio resultante da discusso pblica con
siderada como uma resoluo e posta em prtica pela ao
pblica; , segundo uma verso, a vontade geral do povo,
que o rgo legislativo transforma em lei, dando-lhe fora legal-
O Congresso, ou Parlamento, como instituio, paira sobre todos
A SOCIEDADE DE MASSAS 351
2
A transformao do pblico em massa de interesse par
ticular para ns, pois proporciona uma chave importante para
o sentido da elite do poder. Se essa elite realmente respon
svel perante uma comunidade de pblicos, ou pelo menos
existe em relao a esta, encerra um significado muito dife
rente do que se esse pblico for constitudo de uma sociedade
de massas.
Os Estados Unidos no so hoje apenas uma sociedade
de massas, e no foram tambm, totalmente, uma comunidade
de pblicos. Essas expresses so nomes para tipos extremos:
indicam certas caractersticas da realidade, mas constituem em
si elaboraes; a realidade social sempre uma combinao
das duas. Mesmo assim, no poderemos compreender pronta
mente as propores dessa combinao, em nossa situao, se
no compreendermos antes, em termos de dimenses explcitas,
os tipos extremos e bem definidos:
Pelo menos quatro dimenses devem ser atendidas para
que compreendamos as diferenas entre pblico e massa.
I. H, primeiro, a proporo entre os que formam
opinio e os que recebem a opinio formada, que o modo
mais simples de afirmar o sentido social dos veculos formais
de comunicao em massa. Mais do que qualquer outra coisa,
a modificao nessa proporo que constitui o centro dos pro
A SOCIEDADE DE MASSAS 355
3
De quase todos os ngulos em que os possamos colocar,
quando examinamos o pblico, compreendemos que j avan
amos bastante na direo da sociedade de massas. No fim
da estrada est o totalitarismo, como na Alemanha nazista, ou
na Rssia comunista. Ainda no chegamos a ess ponto. Nos
Estados Unidos de hoje, o mercado dos veculos e comunica
o em massa ainda no predomina totalmente sobre os p
blicos primrios. Mas certamente podemos ver que muitos as
pectos da vida pblica de nossa poca so antes caractersti
cas de uma sociedade de massas do que de uma comunidade de
pblicos.
O que est ocorrendo pode ser descrito em termos do
paralelo histrico entre o mercado econmico e o pblico que
constitui a opinio pblica. Em suma, h um movimento de
substituio dos pequenos poderes dispersos pelos poderes con
centrados, e a tentativa de monopolizar o controle dos centros
poderosos que, estando parcialmente ocultos, so centros de
manipulao bem como de autoridade. A pequena loja que
serve as vizinhanas substituida pela anonimidade da em
presa nacional: a publicidade em massa substitui a influncia
da opinio pessoal entre negociante e consumidor. O lder
poltico prepara seu discurso para uma rede nacional e fala,
com o devido toque pessoal, a um milho de pessoas que
nunca viu nem ver. Ramos inteiros de profisses e indstrias
esto no negocio da opinio, manipulando impessoalmente
0 pblico, sob remunerao.
No pblico primario, a competio de opinies se faz entre
pessoas que mantm pontos de vista em defesa de seus inte
resses e seu raciocinio. Mas na sociedade de massas dos mer
cados de comunicaes, a concorrncia, quando existe, se faz
entre os manipuladores com seus meios de omunicao em
rnassa, de um lado, e o povo que recebe a propaganda, do
outro.
358 A ELITE DO PODER
Nessas condies, no de surpreender que surja um con-
ceito da opinio pblica como simples reao no podemos
dizer "resposta . ao contedo do que lhe comunicado.
Assim, o pblico apenas a coletividade de pessoas passiva
mente expostas aos meis de comunicao em massa e inde
fesamente sujeitas s sugestes e fluxo desses meios. A ma
nipulao partida de pontos de controle centralizados cons
titui uma expropriao da antiga multido de pequenos pro
dutores e consumidores de opinies, operando num mer
cado livre e equilibrado.
Nos crculos oficiais, o prprio termo, pblico como
Walter Lippmann observou h 30 anos passou a ter um
sentido fantasma, que revela dramaticamente seu eclipse. Do
ponto de vista da elite que decide, alguns dos que bradam
publicamente podem ser identificados como o Trabalho,
outros como o Capital, outros ainda como a Agricultura.
Os que no podem ser identificados to prontamente so o
Pblico. O pblico , assim, formado de no-partidrios e
nao-identificados num mundo de interesses definidos e partid
rios. socialmente composto de profissionais bem educados,
assalariados, especialmente os professores universitrios; de em
pregados no-sindicalizados, especialmente os funcionrios de
colarinho branco, juntamente com os profissionais liberais e
pequenos homens de negcios.
Nesse apagado eco da noo clssica, o pblico consiste
de restos da classe mdia, velha e nova, cujos interesses no
so explicitamente definidos, organizados ou gritantes. Numa
adaptao curiosa, o pblico se toma freqentemente o perito
nio-comprometdo que, embora bem informado, jamais assu
miu uma posio pblica bem definida sobre questes con
troversas, colocadas em foco pelos interesses organizados. So
esses os membros do pblico na junta, na comisso, no co
mit. Assim, o que o pblico representa , portanto, uma
poltica freqentemente vaga (chamada de esprito aberto ),
uma falta de participao nas questes pblicas ( conhecida
como sensatez) e um desinteresse profissional (conhecido como
tolerncia).
Alguns desses membros oficiais do pblico, como no setor
da mediao entre o trabalho e a administrao, comeam
muito jovens e fazem carreira do fato de serem sempre cuida
dosamente bem informados, mas nunca adotarem uma posio
A SOCIEDADE DE MASSAS 359
4
Todas essas tendncias que levam ao declnio do poltico
e de sua sociedade em equilbrio influem decisivamente na
transformao do pblico em massa. Uma das transformaes
estruturais mais importantes o declnio da associao volun
tria como um instrumento autntico do pblico. Como j
vimos, a ascendncia executiva das instituies econmicas, mi
litares e polticas reduziu o emprego efetivo dessas associa
es voluntrias, que operam entre o Estado e a economia, de
um lado, e a famlia e o indivduo no grupo primrio, de outro.
No apenas que as instituies do poder se tenham ampliado
e centralizado de forma inacessvel. Ao mesmo tempo, toma
ram-se menos polticas e mais administrativas, e dentro dessa
grande mudana de arcabouo que o pblico organizado se en
fraqueceu.
Em termos de escala, a transformao do pblico em mas
sa foi sustentada pela transformao de um pblico polti
co, de propores limitadas (pela propriedade e educao,
pelo sexo e idade), em massa enormemente ampliada, que tem
apenas as qualificaes de cidadania e idade.
Em termos de organizao, a transformao foi estimula
da pela transferncia do indivduo e sua comunidade primria
para a associao voluntria e o partido de massas como as
Principais unidades do poder organizado.
As associaes voluntrias se ampliavam, ao mesmo tempo
em que se tornavam eficientes; e nessa mesma proporo, tor-
Qaram-se inacessveis ao indivduo, que poderia dar forma, pela
discusso, s polticas da organizao a que pertence. Assim,
Juntamente com as instituies mais antigas, essas associaes
Voluntrias perderam seu domnio sobre o indivduo. me
dida que novas pessoas so atradas arena poltica, essas as-
360 A ELITE DO PODER
sodaes se tornam macias em escala; e medida que o ppder
do individuo se toma mais dependente dessas associae de
massa, menos acessveis se tornam elas influencia do indi
vduo. 888
A democracia de massas significa a luta de poderosos
grupos de interesses e associaes de grande escala, que se
interpem entre as grandes decises tomadas pelo Estado, pela
economia, pelo exrcito e a vontade do cidado individual como
membro do pblico. Como essas associaes de nvel mdio
so a principal ligao que tem o cidado com as decises,
sua relao com elas adquire importancia fundamental. Pois
somente atravs delas ele exerce o poder de que por acaso
disponha.
A distnda entre os membros e os lderes das associaes
de massa cada vez maior. To logo um homem chega a lder
de uma assodao bastante grande para ter importncia, deixa
de ser um instrumento dessa associao. Ele assim faz 1) com
o interesse de manter sua posio de liderana em, ou antes
sobre, sua assodao de massas, e o faz 2) porque passa a
considerar-se nao apenas um delegado, instrudo ou no, da asso
dao que representa, mas membro de uma elite composta
de homens como ele mesmo. Esses fatos, por sua vez, levam a
3) uma grande distancia entre os termos nos quais as questes
so debatidas e resolvidas entre os membros dessa elite, e os
termos nos quais so apresentadas aos membros das vrias as-
sodaes de massa. Pois as decises tomadas devem levar em
considerao os que tm importancia os membros de outras
elites e ao mesmo tempo, devem convencer massa de as-
sodados.
A distancia entre orador e ouvinte, entre poder e pblico,
leva menos a qualquer domnio frreo de oligarquia do que
lei do porta-voz: medida que os grupos de presso se am
pliam, seus lderes passam a organizar as opinies que repre
sentam. Assim, as eleies, como j vimos, tornam-se lutas
entre dois partidos gigantes e sem coeso, e a nenhum dos dois
o indivduo se sente realmente capaz de influenciar, e nenhum
dos dois capaz de conquistar maiorias psicologicamente im-
(388) Ao m esm o tem po e tam bm devido segregao e distrae
m etropolitanas, que exam inarei m ais adianto o individuo passa a depen
der m ais dos m eios de com unicao em massa para sua visfio da e s t r u t u r a
com o um todn
A SOCIEDADE DE MASSAS 361
ionantes ou politicamente decisivas. E, em tudo isso, os
partidos tm a mesma forma geral das outras associaes de
massa. 889
Quando dizemos que o homem, na massa, no experi
menta qualquer sensao de participao poltica, temos em
mente antes uma realidade poltica do que um estilo de sen
timento. Temos em mente (I) certa forma de participar (II)
de certo tipo de organizao.
I. A forma de participar aqui implcita baseia-se na cren
a nos propsitos e nos lderes de uma organizao, o que per
mite a homens e mulheres se sentirem vontade, livremente,
dentro dela. Participar, nesse sentido, fazer da associao
humana um centro psicolgico de si mesmo, admitir conscien
te, deliberada e livremente, suas regras de conduta e suas fina
lidades, que assim modelamos e que por sua vez nos modelam.
No experimentamos esse esprito de participao em relao
a nenhuma organizao poltica.
II. O tipo de organizao que temos em mente uma
associao voluntria, com trs caractersticas definidas: pri
meira, um contexto no qual se podem formular opinies ra
zoveis; segunda, uma agncia atravs da qual possvel em
preender atividades razoveis; e terceira, uma unidade bas
tante forte, em relao a outras organizaes de poder, para
pesar na balana.
porque no dispem de associaes significativas do pon
to de vista psicolgico e ao mesmo tempo historicamente efeti
vas que os homens freqentemente se sentem constrangidos em
sua fidelidade poltica e econmica. As unidades efetivas do
poder so atualmente a grande empresa, o governo inacessvel,
0 sombrio estabelecimento militar. Entre esses, de um lado, e
a famlia e a pequena comunidade, de outro, no encontramos
associaes intermedirias nas quais os homens possam sentir-se
(389) Sobre as eleies nas dem ocracias form ais m odernas, E. H. C axoi con-
a l* : "Falar h oje da defesa da dem ocracia com o se estivssem os defendendo
ji qUe conliecssem os e tivssem os possudo por m uitos sculos um a
^usao de que nos convencem os e um a im postura a dem ocracia de m assas
q fenm eno novo, um a crlafio do ltim o m eio sculo que seria inade-
L,0 e im prprio considerar em term os da filosofia de L o c n ou da dem o-
ro Mberal do sculo X IX . E staram os m ais perto da realidade, teram os
. Ujnentg m ais convincentes, se falssem os da necessidade, nfio da defesa
^ dem ocracia, m as de sua criao.*' (Ibid., p ig s. 75-76).
362 A ELITE DO PODER
seguros e com as quais se sintam poderosos. H pouca luta po.
ltica realmente viva. Ao invs disso, o que existe uma adrni-
nistrao vinda do alto, e o vculo poltico abaixo dela. Os
pblicos so hoje to pequenos que desaparecem, ou to gran
des que constituem apenas outra caracterstica da estrutura de
poder geralmente distante, e portanto inacessvel.
A opinio pblica existe quando as pessoas que no par
ticipam do governo do pas se atribuem o direito de expressar
opinies polticas livre e publicamente, e o direito de que essas
opinies influenciem ou determinem polticas, pessoal e atos
de seu governo. 390 Nesse sentido formal, tem havido e h uma
opinio pblica bem definida nos Estados Unidos. No obstan
te, com a evoluo moderna, esse direito formal quando
existe como direito no tem a mesma expresso de outrora.
A antiga ordem de organizao voluntria era to diferente do
mundo da organizao de massa quanto o mundo dos folhetos
de Tom Paine diferente do mundo dos meios de comunica
o em massa.
Desde a Revoluo Francesa, os pensadores conservadores
tm visto com alarme a ascenso do pblico, que chamavam
de massas ou algo semelhante. A populaa soberana, e cres
ce a mar da barbrie, escreveu Gustave Le Bon. O direito
divino das massas est em via de substituir o direito divino
dos reis, e j os destinos das naes so elaborados presen
temente no corao das massas, e no mais nos conselhos dos
prncipes. 801 No sculo XX, pensadores liberais e at mes
mo socialistas seguiram a mesma linha, com referncias mais
explcitas ao que chamamos de sociedade de massas. De Le
Bon a Emil Lederer e Ortega y Gasset, sustentaram que a in
fluncia das massas infelizmente est aumentando.
Mas certamente os que consideram a massa como todo
poderosa, ou pelo menos bem adiantada no caminho da vitria,
esto errados. Em nossa poca, como Chakhotin viu, a influn
cia das coletividades autnomas na vida poltica est, na rea
lidade, diminuindo. 392 Alm disso, a influncia que possam
ter orientada; devem ser considerados no como pblicos
(MO) Cf. Hang Sranr, Social Order and The Ri<)cj of War (N. York,
1952).
(391) G ustave L* A Multido.
Bon,
5
As tendncias institucionais que determinam a sociedade
de massas so, em propores considerveis, uma questo im
pessoal, embora os remanescentes do pblico estejam tambm
sujeitos a foras mais pessoais e intencionais. Com a amplia
o da base da poltica dentro do contexto de um folclore acerca
das decises democrticas, e com a intensificao dos meios de
persuaso em massa, o pblico que forma a opinio pblica
tornou-se objet de esforos intensivos de controle, orientao,
manipulao e, cada vez mais, de intimidao.
Nos setores militar, econmico e poltico, o poder se toma,
em graus variados, constrangido frente suspeio das massas,
e assim o trabalho de opinio pblica se transforma na tcnica
consagrada para a conservao e conquista do poder. O eleitora
do minoritrio das classes abastadas e educadas substitudo
pelo sufrgio universal e pelas intensas campanhas de con
sista de votos. O pequeno exrcito profissional do sculo
^VIII substitudo pelo exrcito macio de conscritos e
364 A ELITE DO PODER
pelo problema da disposio nacionalista. A pequena oficina
substituida pela industria de produo em massa e pela pu-
blicidade em escala nacional.
medida que a escala das instituies se amplia e cen
traliza, tambm se ampliam e intensificam os esforos dos que
procuram determinar a opinio. Os meios para isso, na ver
dade, seguiram-paralelamente, em alcance e eficincia, as outras
instituies de maior escala que alimentam a moderna socieda
de de massas. Assim, alm de seus meios de administrao am
pliados e centralizados, de explorao e violncia, a elite mo
derna tem ao seu alcance instrumentos histricamente impares
de controle e manipulao psquicos, que incluem a educao
universal compulsria e os meios de comunicao em massa.
Observadores antigos acreditavam que o aumento no al
cance e volume dos meios formais de comunicao amplia
riam e estimulariam o pblico primrio. Essas opinies otimis
tas anteriores ao rdio, televiso e cinema entendiam que
o veculo formal apenas multiplicaria o alcance e ritmo da dis
cusso pessoal. As condies modernas, escreveu Charles Cooley,
ampliam indefinidamente a concorrncia entre as idias, e
tudo o que vem existindo apenas pela falta de confronto desa
parecer, pois o que for realmente adequado para o esprito
selecionador ser mais apreciado e procurado. 393 Ainda en
tusiasmado pela ruptura do consenso convencional da comuni
dade local, via ele os novos meios de comunicao como um es
tmulo para a dinmica da discusso da democracia clssica, com
o crescimento da individualidade racional e livre.
Ningum conhece realmente todas as funes dos veculos
de comunicao em massa, pois em sua totalidade elas so to
penetrantes e sutis que no podem ser localizadas pelos meios
de pesquisa social hoje existentes. Mas temos razes para acre
ditar que tais veculos de comunicao ajudaram menos a am
pliar e animar as discusses dos pblicos primrios do que a
transform-los num grupo de mercados para os meios de co
municao, numa sociedade de massas. No me refiro apenas
proporo superior dos que expressam opinio, em relao aos
que a recebem, e ao declnio das possibilidades de responder.
Nem tampouco me refiro violenta banalizao e padronizao
de nossos rgos sensoriais em termos da qual esses novos meios
(393) Charles Horton C oouy, Social Organigation <N. YorV, 1909),
A SOCIEDADE DE MASSAS 365
e comunicao lutam pela nossa ateno. Penso na forma
analfabetismo psicolgico assim facilitada, e que se expressa
e vrios modos:
I. Muito pouco do que julgamos saber da realidade social
do mundo foi verificado diretamente. A maioria dos quadros
mentais que temos so produto desses meios de comunicao
a tal ponto, que muitas vezes no acreditamos realmente no
que vemos nossa frente, enquanto no lemos a respeito no
jornal ou ouvimos no rdio . 394 Os meios de comunicao
no nos proporcionam apenas a informao orientam nossas
experincias mesmas. Nossos padres de credulidade tendem
a ser realidade, determinados por eles, e no pela nossa experin
cia pessoal fragmentria.
Assim, mesmo que o indivduo tenha uma experincia
direta, pessoal, dos acontecimentos, esta no ser realmente
direta e pessoal: est organizada em padres e esteretipos. ne
cessrio um longo preparo para eliminar esses esteretipos e para
que a pessoa veja as coisas puramente, de forma no-estereoti-
pada. Poderamos supor, por exemplo, que se todas as pessoas
atravessassem uma depresso teriam uma experincia dela, em
termos da qual poderiam desprezar ou rejeitar, ou pelo menos
no aceitar, o que os meios de comunicao dizem sobre ela.
Mas as experincias dsse tipo estrutural tm de ser organiza
das e interpretadas, para que se reflitam na formao da opinio.
Em suma, o tipo de experincia que poderia servir de
base resistncia aos meios de comunicao em massa no
o dos acontecimentos diretos, mas o de seus sentidos. A marca
da interpretao deve estar na experincia, para que possamos
usar essa palavra socialmente. O indivduo no confia em sua
experincia, como eu disse, at que seja confirmada por outro,
ou pelos meios de comunicao. Habitualmente, esse conheci
mento direto no aceito quando perturba fidelidades e cren
as que o indivduo j tenha. Para ser aceito, ele tem de re
confortar ou justificar os sentimentos que constituem as caracte
rsticas bsicas de sua fidelidade ideolgica.
Esteretipos sobre a lealdade jazem sob as crenas e senti
mentos relacionados com determinados smbolos e emblemas:
. (394) V er W alter L eppmann, P u b lic O pinin (N. Y ork, 1922), que ainda
a m elhor exposio sobre este aspecto dos m eios de com unicao, esp ecial-
nte pgs. 1-25 e 59-121.
366 A ELITE DO PODER
so a forma mesma pela qual os homens vem o mundo social
e em termos da qual estabelecem suas opinies e interpretaes
especficas dos acontecimentos. So o resultado de experincias
anteriores, que afetam as experincias presentes e futuras. No
preciso dizer que os homens freqentemente no tm cons
cincia dessa fidelidade, que freqentemente nem podem formu
l-la explicitamente. No obstante, tais esteretipos gerais levam
aceitao ou rejeio de opinies especficas, no tanto pela
fora da conscincia lgica, mas pela sua afinidade emocional
e a forma pela qual aliviam as ansiedades. Aceitar opinies taJ
como so colocadas conseguir o bom sentimento slido de
estar certo sem ter de pensar. Quando os clichs ideolgicos e
as opinies especficas esto assim ligados, h uma reduo da
ansiedade provocada pela discordncia entre a lealdade e as
crenas. Tais ideologias levam a um desejo de aceitar uma de
terminada linha de pensamento; no haver ento, necessidade
emocionalmente ou racionalmente de superar a resistn
cia a determinados itens nessa linha. As selees cumulativas
de opinies e sentimentos especficos passam a constituir a
atitude e as emoes pr-organizadas que modelam a opinio e
a vida da pessoa.
Esses sentimentos e convices mais profundos so como
lentes atravs das quais os homens experimentam seus mundos,
condicionam fortemente a aceitao ou rejeio de opinies
especficas e determinam a orientao a tomar frente s auto
ridades dominantes. H trs dcadas, Walter Lippmann disse
que essas convices prvias impediam os homens de definir
a realidade de forma adequada. Ainda continuam impedindo.
Mas hoje podem com freqncia ser consideradas como ten
dncias boas; por mais inadequadas e errneas que sejam, o
so menos do que o realismo imediatista das altas autoridades
e dos que formam a opinio. So o bom senso comum inferior,
e, como tal, um fator de resistncia. Mas devemos reconhecer,
especialmente quando o ritmo de mudana to profundo
e rpido, que o senso comum freqentemente mais comum
do que senso. E acima de tudo, devemos reconhecer que o
senso comum de nossos filhos ser menos o resultado de
qualquer tradio social firme do que dos esteretipos transmi
tidos pelos meios de comunicao em massa, a que esto com
pletamente expostos hoje em dia. So a primeira gerao a
ficar assim exposta.
A SOCIEDADE DE MASSAS 367
II. Enquanto os meios de comunicao no forem total
mente monopolizados, possvel colocar um meio contra outro,
compar-los, e resistir assim ao que dizem. Quanto mais autn
tica a concorrncia entre os meios de comunicao, maior re
sistncia ser possvel ao indivduo. Mas qual ser, atualmen
te a proporo dessa concorrncia? Comparam as pessoas as
notcias sobre acontecimentos pblicos, ou sobre polticas, jo
gando o contedo de um meio de comunicao contra o outro?
A resposta : no, geralmente so poucos que o fazem:
( 1 ) Sabemos que as pessoas tendem a escolher os veculos de
comunicao com os quais esto mais de acordo. H uma
espcie de seleo de opinies novas base de opinies antigas.
Ningum parece buscar as contra-afirmaes que podem ser
encontradas noutros meios. Determinados programas radiof
nicos, revistas e jornais dispem quase sempre de um pblico
coerente, e isso refora, no esprito do pblico, as suas men
sagens. ( 2 ) Essa idia de comparar os meios de comunicao
supe um contedo diverso entre eles. Supe uma concorrncia
autntica, o que no totalmente verdade. Esses meios apa
rentam variedade e concorrncia, mas num exame mais deta
lhado parecem concorrer mais em termos de variaes sobre
alguns temas padronizados do que em questes de repercusso.
A liberdade de levantar problemas parece limitar-se, cada vez
mais, aos poucos representantes d interesses que dispem de
acesso pronto e permanente aos meios de comunicao.
III. Os meios de comunicao no s se infiltraram em
nossas experincias das realidades externas, como tambm pene
traram na experincia interior mesma. Proporcionaram novas
identidades e aspiraes do que gostaramos de ser, e o que
gostaramos de aparentar. Proporcionaram modelos de compor
tamento que nos oferecem um novo conjunto de valores para
nossa prpria personalidade. Em termos da moderna teoria
do eu, 896 podemos dizer que os meios de comunicao levam
0 leitor, ouvinte ou espectador, viso de grupos de refern
cia mais amplos e mais altos reais ou imaginrios, conheci
dos pessoalmente ou percebidos de relance que constituem
s espelhos de sua auto-imagem. Multiplicaram os grupos para
s quais nos voltamos para a confirmao dessa imagem que
fazemos de ns mesmos.
(395) C l. G e f t h e M ills , Character and Social Structure (N . Y o rk , 1963).
368 A ELITE DO PODER \ \
Mais do que isso: 1) os meios de comunicao dizem^ao
homem da massa quem ele do-lhe identidade; 2 ) dizem-
lhe a que deseja ser do-lhe aspiraes; 3) dizem-lhe como
chegar l do-lhe a tcnica; e 4) dizem-lhe como se sentir
em via de chegar, mesmo que no esteja do-lhe a fuga.
A distncia entre a identidade e a aspirao leva tcnica ou
fuga. Essa provavelmente a frmula psicolgica bsica dos
meios de comunicao em massa, hoje. Mas, como frmula,
no est destinada ao desenvolvimento do ser humano: a
frmula de um pseudomundo, inventado e mantido por esses
meios.
IV. Tal como existem e predominam hoje, os meios de
comunicao, especialmente a televiso, usurpam o lugar da
discusso em pequena escala e destroem as oportunidades de
intercmbio de opinio, feito em termos razoveis, sem pressa
e humanos. So uma causa importante da destruio da inti
midade, em todo o seu sentido humano. Essa uma das im
portantes razes pelas quais eles falharam como fora educa
cional, mas existem como fora maligna: no articulam para
o espectador ou ouvinte as fontes mais amplas de suas tenses
e ansiedades, seus ressentimentos subjacentes e esperanas mal
formuladas. Nem lhe permitem transcender seu estreito meio
ou esclarecer o sentido particular que tenha.
Os meios de comunicao proporcionam muitas informa
es e notcias sobre o que ocorre no mundo, mas nem sempre
permitem ao ouvinte ou espectador ligar sua vida quotidiana
com esses acontecimentos maiores. No ligam a informao
que proporcionam sobre as questes pblicas com os proble
mas experimentados pelo indivduo. No aumentam a per
cepo racional das tenses, nem as do indivduo, nem as da
sociedade que se refletem no indivduo. Pelo contrrio, dis
traem e obscurecem sua oportunidade de compreender-se ou
compreender seu mundo, atraindo sua ateno para excitaes
artificiais que se resolvem dentro da moldura do programa,
usualmente pela ao violenta ou por aquilo que chamam de
humor. Em suma, para o espectador no oferecem soluo
alguma. Esses veculos concentram sua ateno dispersiva de
tenses entre o ter ou no ter certos artigos, e as mulheres
consideradas atraentes. H sempre o tom geral de diverso
animada, de agitao, mas que no leva a nada e no tem
aonde levar.
in''.y.jnvK'i *
1I
!
!
funcionam,
! A SOCIEDADE DE MASSAS
6
As tendncias estruturais da sociedade moderna e o ca
rter manipulativo de sua tcnica de comunicaes chegam
a um ponto de coincidencia na sociedade de massas, que
em grande parte uma sociedade metropolitana. O crescimento
da metrpole, segregando homens e mulheres em estreitas ro
tinas e ambientes, faz com que percam qualquer sentido firme
de sua integridade como pblico. Os membros dos pblicos
as comunidades menores conhecem-se mais ou menos inte
gralmente, porque se encontram nos vrios aspectos da rotina
total da vida. Os membros da massa numa sociedade metro
politana conhecem-se apenas como fraes de um meio espe
cializado: o homem que conserta o carro, a moa que serve
o almoo, a vendedora, a mulher que cuida de nossos filhos
na escola durante o dia. O preconceito e o esteretipo flores
cem quando as pessoas se encontram dessa forma. A realidade
humana dos outros no se manifesta, e no pode manifestar-se.
Sabemos que as pessoas escolhem os meios de comuni
cao formal que confirmam suas crenas e sentimentos. De
forma paralela, procuram, na segregao metropolitana, entrar
em contato com pessoas cujas opinies so semelhantes s
suas. Aos outros, a tendncia tratar sem seriedade. Na so
ciedade metropolitana adotam, em sua defesa, uma atitude
blas que mais profunda do que simples atitude. Assim,
no experimentam choques autnticos de pontos de vista, pro
blemas verdadeiros. E quando isso ocorre, a tendncia con
siderar tais choques como simples falta de polidez.
Afundados na rotina, no transcendem, nem mesmo pela
discusso e muito menos pela ao, suas vidas mais ou menos
estreitas. No adquirem uma perspectiva da estrutura de sua
sociedade e de seu papel, como pblico, dentro dela. A cidade
uma estrutura composta de pequenos ambientes, e as pessoas
que neles vivem isolam-se uma das outras. A variedade es
timulante da vida no estimula os homens e mulheres das
cidades-dormitrios, dos subrbios, que atravessam a vida co
nhecendo apenas gente como eles prprios. Quando se pro
curam, o fazem somente atravs dos esteretipos e das imagens
preconcebidas das criaturas de outros meios. Cada qual est
A SOCIEDADE DE MASSAS 375
1
Os que procuram ideologias para explicar seu esprito con
servador preferem uma tradio slida, onde ancor-lo e a
si mesmos. Sentem-se, de certa forma, enganados pelo liberalis
mo, progressivismo, radicalismo, e um pouco receosos. O que
muitos deles desejam, ao que parece, uma sociedade de con
servadorismo clssico.
O conservadorismo em sua forma clssica naturalmente
o tradicionalismo autoconsciente e elaborado, argumentativo e
racionalizado. 399 Compreende tambm uma certa aristocra
cia natural. Mais cedo ou mais tarde, todos os que fogem
da grande tenso da racionalidade humana so levados a adotar
a defesa neoburkiana da elite tradicional, pois no fim, essa elite
a premissa maior de uma ideologia realmente conservadora.
As tentativas mais explcitas e, portanto, as de maior
xito de encontrar ou inventar uma elite tradicional para
(2M) C l. Kart M ahjoteim, E tta y g o n S o cio lo o y an d S ocial PtycholOQV
<N. York, 1#S3), cap. II: "Conaervatlve T hought .
O ESPRITO CONSERVADOR 381
a Amrica de hoje parecem, a um exame mais detalhado, meras
afirmaes esperanosas, de reduzida importncia para a rea
lidade moderna e para orientao de uma conduta poltica. O
conservador diz-nos Russell Kirk acredita que 1) a von
tade divina governa a sociedade, sendo o homem incapaz de
compreender pelo raciocinio as grandes foras que predomi
nam. Assim as transformaes devem ser lentas, pois a Pro
videncia o instrumento adequado da transformao e a for
a do estadista seu conhecimento da tendencia real das for
as sociais da Providncia. O conservador 2 ) gosta da va
riedade e mistrio da vida tradicional, talvez por acreditar
que a tradio e uma saudvel precauo contm a vontade
presunosa e os impulsos arcaicos do homem. Alm disso, 3)
a sociedade anseia por liderana, e o conservador sustenta
haver distines naturais entre os homens que formam uma
ordem natural de classes e poderes. 400
A tradio sagrada; atravs dela, as tendncias sociais
reais da Providncia se revelam; portanto, a tradio deve ser
nosso guia. O que tradicional representa a sabedoria acumu
lada das idades, e mais ainda: existe pela vontade divina.
Naturalmente devemos indagar como saberemos quais as
tradies utilizadas pela Providncia. Quais os acontecimentos
e transformaes nossa volta devidos vontade divina? E
em que momento as tramias altamente conscientes dos Fun
dadores da Ptria se tornaram tradicionais e, portanto, santi
ficadas? E teremos de acreditar que a sociedade nos Estados
Unidos antes do movimento progressista e das reformas do
New Deal representava alguma coisa semelhante ao que os
conservadores clssicos chamariam de ordens e classes basea
das nas distines naturais? Se no, ento qual e onde est
o modelo que o conservador clssico deseja ver-nos reverenciar?
E os que hoje controlam as instituies polticas e econmicas
dos Estados Unidos representam a vontade Providencial que
se busca? E como saber se representam ou no?
O conservador defende a irracionalidade da tradio con
tra os poderes da razo humana; nega a legitimidade da tenta-
(400) V er R ussell Knuc, T h e C o n se rv a tiv e M in d (Chicago, 1953), esp ecial-
m ente o c a p . I. Para um exam e m ais detalhado desse livro, ver M ills , MT h e
C onservative M ood\ D isse n t, inverno de 1954. Cf. ainda C linton R o s a m ,
Co n se rv a tism in A m e ric a (N. York, 1955).
382 A ELITE DO PODER
tiva humana de controlar individualmente seu destino e cons
truir coletivamente o seu mundo. Como, ento, pode valer-se
da razo como meio de escolha entre tradies e homens, co
mo meio de decidir quais as transformaes Providenciais e
quais as foras malignas? No nos pode proporcionar nenhu
ma orientao racional na escolha dos lderes que compreen
dem a Providncia e agem segundo ela, e entre os reformado
res e niveladores. Dentro dessa interpretao, no h nenhu
ma linha geral para nos ajudar a decidir que defensores dessa
distino natural so verdadeiros.
E no entanto a resposta, embora nem sempre clara, existe
sempre: se no destruirmos a ordem de classes e a hierarquia
dos poderes, teremos superiores e lderes para nos dizer. Se
sustentarmos essas distines naturais, e de fato ressuscitarmos
as antigas, os lderes decidiro. No fim, o conservador clssico
fica com este princpio nico: o princpio de aceitar agrade
cidamente a liderana de alguns homens que considera como
a elite santificada. Se tais homens fossem facilmente identifi
cveis por todos, ento o conservador poderia ser, plo menos
socialmente, claro. O anseio de uma tradio clssica e uma
hierarquia conservadora poderia ser satisfeito, pois estaria vi
sivelmente ancorado na autoridade de uma aristocracia tangvel
aos sentidos como o modelo de conduta privada e deciso
pblica.
exatamente nesse ponto que os publicistas americanos
do esprito conservador se embaraam e confundem, em parte
com receio de enfrentar a retrica liberal generalizada. Sua
confuso se deve principalmente a dois fatos simples relacio
nados com as classes superiores americanas em geral, e os altos
crculos do poder em particular:
Os que esto no alto no servem como modelos de exce
lncia conservadora. Nem sustentam qualquer ideologia ver
dadeiramente adequada utilizao pelo pblico.
Os muito ricos na Amrica esto, culturalmente, entre os
muito pobres; a nica experincia a que podem servir de mo
delo a experincia material de ganhar e conservar o dinheiro.
O xito material a sua nica base de autoridade. Podera
mos, naturalmente, experimentar certa nostalgia das velhas fa
mlias e seus ltimos redutos, mas tais imagens no represen
tam muito, constituindo mais um ouropel do passado do que
um presente srio. Juntamente com os ricos antigos, e suplan
O ESPRITO CONSERVADOR 383
2
Se o conservadorismo clssico, ancorado numa elite iden
tificvel, no possvel hoje na Amrica, isso no significa
que os intelectuais com anseios conservadores no tenham en
contrado outros modos de realizar-se. Em sua necessidade de
uma aristocracia, freqentemente tornam-se solenemente vagos
sobre o aristocrata. Generalizando a noo, fizeram-na antes
moral do que socialmente firme e especfica. Em nome da de
mocracia verdadeira ou do conservadorismo liberal, dilatam
o sentido de aristocracia a aristocracia natural nada tem
com as ordens sociais existentes, as classes ou hierarquias de
poder a aristocracia se torna um punhado de pessoas moral
mente superiores, ao invs de uma classe socialmente identi
ficvel. Tais noes so hoje muito populares, pois satisfa
zem o esprito conservador sem exigir fidelidade safra cor
rente de aristocratas. o que ocorre com Ortega y Gasset
e com Peter Viereck. O segundo, por exemplo, escreve que
no a classe aristocrtica que tem valor, mas o esprito
aristocrtico que, com seu decoro e noblesse oblige, est
aberto a todos, independente de classe . 404 Alguns tenta-
(404) V er Peter V h r e c k , Con& ervatism RevisitedL (N. York, 1950) e O t-
tsga y G a s s e t , A R e v o lta d a s M assas (1932).
25
386 A ELITE DO PODER
ram encontrar um modo de defender essa interpretao, quase
secretamente, no a formulando diretamente, mas sustentando-a
como uma suposio latente, ao falar no da elite, mas da mas
sa. Isso, porm, perigoso, pois vai de encontro retrica
liberal, que exige um lisonjeamento permanente dos cidados.
A generalizao do comportamento aristocrtico e o esva
ziamento de seu contedo social no so realmente satisfat
rios, porque no proporcionam nenhum critrio de julgamento,
aceito amplamente, para saber quem a elite e quem no .
Uma elite que se escolhe a si mesma no pode servir de base.
Alm disso, tal generalizao no est ligada realidade do
poder e portanto politicamente irrelevante.
Tanto a defesa clara dos que ascenderam dentro do status
quo como a defesa de um esprito aristocrtico imaginrio, na
verdade, acabam no numa elite fixada na tradio e hierar
quia, mas numa elite dinmica e sempre mutvel, lutando con
tinuamente para chegar ao alto, numa sociedade em expanso.
Simplesmente no h uma elite tradicional reconhecida social
mente, e muito menos politicamente, e no h tradio que
possa ser imaginada em torno dessa elite. Alm disso, im
possvel criar a tradio, qualquer que seja; s possvel con
serv-la quando existe. No existe hoje nenhum encanto m
gico de tradio ininterrupta em que a sociedade moderna se
baseie ou possa ser baseada. Portanto, a grandeza no deve
ser confundida com a simples durao, nem a competio de
valores decidida por uma provao de resistncia.
3
Mas o esprito conservador forte, quase to forte como
a retrica liberal generalizada, e h uma forma de satisfazer
a ambos. Basta recusar-se a reconhecer e enfrentar a cpula
tal como existe, e recusar-se a imaginar outra, mais defensvel.
Negar, simplesmente, a existncia de uma elite ou mesmo de
uma classe superior, ou pelo menos afirmar que, mesmo que
existam, elas no tm realmente influncia no modo de vida
americano. Se for realmente possvel manter tal argumentao,
poderemos ento aceitar o esprito conservador, sem ter de
associ-lo a uma elite real ou a uma aristocracia imaginria.
O ESPRITO CONSERVADOR 387
4
A maior atrao do pluralismo romntico para as pessoas
de tendncia conservadora tornar desnecessria qualquer jus
tificativa explcita dos homens encarregados ostensivamente dos
assuntos pblicos. Pois se esto todos equilibrados, cada um
dles realmente impotente, e nenhum crculo superior, nem
qualquer disposio institucional, pode ser responsabilizado pe
los acontecimentos e decises de nossa poca. Portanto, todo
esforo poltico srio realmente uma iluso que os homens
sensatos podem observar com interesse, mas pelo qual certa
mente no se deixaro envolver moralmente.
esse o sentido poltico do esprito conservador de hoje;
no final um estilo irresponsvel de alheamento pretensioso.
E o que curioso para um esprito conservador, no um
esnobismo revestido de nostalgia, mas, pelo contrrio, um esno
bismo baseado no na tradio, mas na moda e na excentrici
dade. 411 Os que participam disso no pensam pela nao,
nem mesmo sobre a nao pensam em e para si. Em grupos
por eles mesmos selecionados, confirmam a opinio mtua, que
assim se torna esnobemente fechada e totalmente desligada
das decises prticas e da realidade do poder.
(411) Ver a anlise definitiva de D avid R ie s m a n e a sua obra, por E liza-
beth H a a d w ic k , "Riesm an C onsidered, P a r tisa n R e v le w , setem bro-outubro
de 1904.
O ESPRITO CONSERVADOR 393
5
No devemos supor que os escassos e reduzidos pblicos
que ainda existem, ou mesmo as massas americanas, partilhem
do esprito conservador dos intelectuais. Mas tambm no deve
mos supor que tenham, firmemente, imagens exatas da elite
americana. Suas imagens so ambguas, feitas antes base
de status e riqueza do que base de poder. E so'bastante
morais, num limitado sentido poltico.
A desconfiana moral em relao aos altos e poderosos ,
sem dvida, um velho costume americano. Por vezes, como
na dcada de 1930, se exercia principalmente contra os ricos
associados ento chamados de conservadores econmicos, por
vezes, entre as guerras, contra os almirantes e generais; e per
manentemente, e pelo menos um pouco, contra os polticos.
Devemos, naturalmente, dar o desconto s iluses e acusa
es fceis das campanhas oratrias. No obstante, a ateno
dedicada a questes como corrupo nos negcios e no go
verno expressa uma preocupao generalizada com a morali
dade pblica e a integridade pessoal nos altos postos, e signi-
O ESPRITO CONSERVADOR 395
1
O constrangimento moral de nossa poca resulta do fato
de que os velhos valores e cdigos de correo j no atraem
os homens e mulheres da era das grandes empresas, nem foram
substitudos por novos valores e cdigos, que emprestassem
um sentido e uma sano moral s rotinas que hoje tm de
seguir. No que a massa tenha rejeitado explicitamente cdi
gos recebidos; e sim que, para muitos de seus membros,
esses cdigos se tornaram ocos. No existem termos morais
de aceitao, mas tambm no h termos morais de rejeio.
Como indivduos, so moralmente indefesos; como grupos, so
politicamente indiferentes. essa falta generalizada de com
promisso que se deve entender quando ouvimos dizer que o
pblico est moralmente confuso.
Mas decerto no somente o pblico est moralmente
confuso. A tragdia de Washington oficial, comentou James
Reston, estar confundida, a todo momento, pelos vestgios
de velhos hbitos polticos e instituies desgastadas, sem que
continue sendo alimentada pela crena antiga, sobre a qual
foi erguida. Apega-se s coisas ms e lana fora as perma
nentes. Professa acreditar, mas no acredita. Conhece as ve
lhas palavras, mas esqueceu a melodia. Est empenhada num.
luta ideolgica sem poder definir a prpria ideologia. Cor
A ALTA IMORALIDADE 401
26
402 A ELITE DO PODER
atravs das celebridades que divertem e distraem ou desgos
tam, conforme o caso.
A ausencia de uma ordem moral de crenas firme torna
o homem da massa ainda mais sujeito manipulao e distra
o do mundo das celebridades. Com o tempo, essa confuso
de apelos, cdigos e valores a que est sujeito leva-o descon
fiana e ao cinismo, a uma espcie de maquiavelismo-para-o-ho-
mem-pequeno. Assim, desfruta ele indiretamente as prerroga
tivas dos ricos associados, as extravagancias noturnas das cele
bridades e a triste vida feliz dos muito ricos.
Mas com tudo isso, h ainda um antigo valor americano
que no declinou acentuadamente: o valor do dinheiro e das
coisas que ele pode comprar. Estas continuam sendo, mesmo
nestes tempos de inflao, slidas e duradouras como o ao
inoxidvel. Fui rica e fui pobre, disse Sophie Tucker, e,
acreditem-me, ser rico melhor . 415 medida que os outros
valores se enfraquecem, a pergunta dos americanos deixa de
ser Haver alguma coisa que o dinheiro, usado com inteli
gencia, no compra?, para ser Quantas coisas que o dinheiro
no compra so mais valiosas e dsejadas do que as que o di
nheiro compra? O dinheiro o nico critrio preciso de xito,
e o xito ainda o valor soberano para a Amrica.
Sempre que os padres da vida endinheirada predominam,
o homem com dinheiro, no importa a forma pela qual o te
nha conseguido, acabar sendo respeitado. Um milho de dla
res, diz-se, cobre uma multido de pecados. No apenas a
ambio monetna que move os homens: seus padres mesmos
so pecunirios. Numa sociedade em que o homem do dinheiro
no tem um rival srio nas honraras e fama, a palavra prti
co passa a significar o que til para o lucro privado, e senso
comum, o senso de progredir financeiramente. A busca da vi
da com dinheiro o valor bsico, em relao ao qual os outros
valores declinaram, e o homem se torna, com facilidade, mo
ralmente impiedoso na procura do dinheiro fcil e do enrique
cimento rpido.
Grande parte da corrupo americana embora nem toda
simplesmente parte do esforo de enriquecer e, em se
guida, de ficar mais rico. Mas hoje o contexto em que esse
(415) Sophie T o e m , citada pelo T im e, 16 de novem bro de 1953.
A ALTA IMORALIDADE 403
velho impulso se projeta outro. Quando as instituies eco
nmicas e polticas eram pequenas e dispersas como nos
modelos mais simples da Economia clssica e da democracia
jeffersoniana nenhum homem dispunha do poder de conce
der ou receber grandes favores. Mas quando as instituies
polticas e as oportunidades econmicas esto ao mesmo tempo
concentradas e ligadas, ento os cargos pblicos podem ser
utilizados para proveito pessoal.
Os departamentos governamentais no encerram maiores
imoralidades do que as empresas de negcios. Os polticos s
podem conceder favores financeiros quando h homens, na eco
nomia, dispostos a aceit-los. E esses s podem procurar fa
vores polticos quando h homens na poltica que possam con
ced-los. Os holofotes da publicidade focalizam-se melhor, na
turalmente, nos homens do governo, e para isso h boas ra
zes. Sendo grandes as esperanas, o pblico se desaponta mais
facilmente. Os homens de negcios no so considerados re
presentantes de nada, e se conseguem patinar com xito no
gelo fino da legalidade, so geralmente louvados por isso. Mas
numa civilizao onde os negcios penetram em toda parte,
como na Amrica, as questes econmicas so levadas para o
governo especialmente quando homens de negcios dele
participam. Quais os executivos que realmente lutariam por
uma lei exigindo explicaes pblicas cuidadosas sobre todos
os contratos com o governo e as contas de despesas? Altas
taxas de imposto de renda resultaram na conivncia generaliza
da entre a grande firma e o alto empregado. H muitas for
mas engenhosas de enganar o esprito das leis de impostos, co
mo j vimos, e os padres de consumo de muitos homens de
grandes gastos so determinados mais pelas complicadas con
tas de despesas do que pelos simples salrios que recebem.
Como a proibio de bebidas alcolicas, as leis de imposto de
.renda e os regulamentos da poca da guerra existem sem o
apoio de convenes comerciais explcitas. apenas ilegal frau
d-las, mas quem o consegue, esperto. Leis que no tenham
o apoio de convenes morais convidam ao crime, e o que
mais importante, estimulam o crescimento de uma atitude amo
ral, de convenincia.
Uma sociedade que em seus altos crculos e em seus
nveis mdios considerada como uma rede de pequenas qua
drilhas no produz homens de sentido moral acentuado. Uma
404 A ELITE DO PODER
sociedade que apenas expediente no produz homens de
conscincia. Uma sociedade que limita o sentido do xito
ao dinheiro grosso, e em seus termos condena o fracasso como
o principal defeito, elevando o dinheiro ao plano de um valor
absoluto, produzir o negocista impiedoso e o negocio escuso.
Bem-aventurados so os cnicos, porque somente eles tm o
que leva ao xito.
2
No mundo das grandes empresas, no diretrio poltico e,
cada vez mais, entre os militares ascendentes, os chefes das
grandes hierarquias e mquinas do poder so considerados no
apenas como homens de sucesso, mas como patrocinadores do
sucesso. Interpretam e ampliam s pessoas os critrios do xito.
Os que esto imediatamente sob suas ordens so, quase sempre,
membros de seus grupos, de sua clientela, homens firmes, tal
como eles mesmos. Mas as hierarquias so complexamente
interligadas, e dentro de cada grupo h quem seja leal a ou
tros grupos. H fidelidades pessoais e fidelidades ofiejais, bem
como critrios impessoais para o progresso. Ao traarmos a
carreira dos membros individuais dos vrios altos crculos, es
tamos traando tambm a histria de suas lealdades, pois o
primeiro fato sobre as altas rodas, do ponto de vista do que
necessrio para ter xito nelas, que a carreira se baseia na
escolha entre pessoas do mesmo crculo. O segundo fato que
as altas rodas no formam uma estrutura monoltica, e sim
um grupo complexo de igrejinhas com ligaes vrias e, com
freqncia, antagnicas. O terceiro fato que devemos admitir
que, nesses mundos, os jovens que pretendem ter xito li
gam-se aos que so encarregados de selecionar os sucessores dos
membros da elite do poder.
Assim, a literatura americana da aspirao prtica que
encerra o grande fetiche do xito sofreu uma transformao
significativa em seus conselhos sobre o que necessrio para
ter xito. As sbrias virtudes pessoais de fora de vontade
e honestidade, de responsabilidade, c a incapacidade constitu
cional de dizer sim ao caminho fcil de mulheres, bebida
e fumo essa imagem do sculo XIX deu lugar ao mais
A ALTA IMORALIDADE 405
3
A desconfiana moral da elite americana bem como a
irresponsabilidade organizada baseia-se na alta imoralida
de, mas tambm em vagos sentimentos de alta ignorncia. Hou
ve uma poca nos Estados Unidos em que homens de negcios
eram tambm homens de sensibilidade: a elite do poder e a
elite da culiura coincidiam em propores considerveis e, quan
do no coincidiam, freqentemente interpenetravam-se como
crculos. No mbito de um pblico informado e atuante, o co
nhecimento e o poder estavam em contato eficiente; e mais do
que isso, esse pblico tomava grande parte nas decises.
Nada mais revelador, disse James Reston, do que
ler o debate na Cmara de Deputados, na dcada de 1830,
sobre a luta da Grcia com a Turquia pela independncia,
e o debate greco-turco no Congresso de 1947. O primeiro
digno e eloqente, a argumentao parte de princpios e, atra
vs de ilustraes, chega a uma concluso; o segundo uma
mistura confusa de pontos de debate, plenos de irrelevncias
e ignorncia da histria . 418 George Washington em 1783
distraa-se com as cartas de Voltaire e o Da Compreenso
Humana, de Locke; Eisenhower l histrias de vaqueiros e
detetives. 410 Para os homens que hoje chegam, tipicamente,
aos altos crculos polticos, econmicos e militares, os resumos
e os memorandos parecem ter substitudo muito bem no s
os livros srios, mas tambm os jornais. Considerando a imo
ralidade do xito, isso talvez deva ser assim mesmo, mas o de
cepcionante que esses homens se encontram abaixo do nvel
em que poderiam sentir-se um pouco envergonhados de suas
primrias formas de distrao e de seu gabarito mental, e que
(418) Jam es R e s t o n , T h e N ew Y o rk T im e s, 31 d e janeiro de 1954, p g .
8. seo 4.
(419) T h e N ew Y o r k T im e s R e v ie w , 23 de agosto d e 1953. V er ta m b m
T im e , 28 d e fevereiro de 1955, pgs. 12 e segs.
408 A ELITE DO PODER
nenhum pblico educado est em condies de, pelas relaes,
educ-los, levando-as a experimentar essa vergonha.
Em meados do sculo XX, a elite americana constituida
de homens totalmente diversos daquilo que se poderia con
siderar, razoavelmente, uma elite cultural, ou mesmo uma elite
formada de homens de cultura e sensibilidade. O conhecimen
to e o poder no esto unidos nos crculos dominantes, e quan
do os homens de cultura chegam a um -~ontato com os ho
mens d poder no chegam como iguais, mas como contratados.
A elite do poder, riqueza e celebridade no tem mesmo rela
es passageiras com a elite da cultura, do conhecimento e
sensibilidade; no est em contato com ela embora ele
mentos de destaque de ambas por vezes se misturem no mundo
da celebridade.
A maioria dos homens levada a supor que, em geral, os
mais poderosos e os mais ricos so tambm os mais cultos
ou, como diriam, os mais inteligentes. Tais idias so pro
vocadas pelos vrios slogans sobre os que ensinam porque
no sabem fazer, e que indagam se voc to inteligente,
porque no rico?. 420 Mas essas piadas significam apenas
a suposio, da parte dos seus autores, de que o poder e a
riqueza so valores soberanos para todos os homens e espe
cialmente para os homens que so inteligentes. Supem
tambm que o conhecimento sempre proporciona essas recom
pensas, ou deveria proporcionar, e que a prova de um conhe
cimento autntico est exatamente nelas. Os poderosos e ricos
devem ser os homens de cultura, de outra forma como pode
riam ser o que so? Mas dizer que os homens de poder devem
ser inteligentes dizer que o poder conhecimento. Dizer
que os ricos devem ser inteligentes dizer que a riqueza
conhecimento.
A existncia dessas suposies revela uma verdade: que
o homem comum, mesmo hoje, se sente inclinado a explicar
e justificar o poder em termos de conhecimento ou capacidade.
(420) B em ard B aruch, conselheiro de P residentes, observou: C reio Q u e
cm econom istas g er a lm e n te... julgam saber um a poro de coisas. S e rea l
m en te sabem tanto, deveriam ter todo o dinheiro, e n s nenhum .*' ainda:
Xnet hom ens (os econom istas) podem tom ar os fatos e nm eros, reu n i-lo s,
mas suas p revises no so m elhores do que as nossas. S e fossem , eles te
riam todo o dinheiro, e ns nada teram os." (H e a rin g s B e fo r e th e C o m m itte e
o n B a n k in g a n d C u rre n c y , Senado dos Estados U nidos, 84.* Sesso do C on
gresso dos E. U. A ., 1.a Sesso, W ashington, 1055.)
A ALTA IMORALIDADE 409
4
Apesar do ostracismo e talvez devido a isso em que
a inteligncia se encontra em relao aos assuntos pblicos, e
do predomnio generalizado da irresponsabilidade organizada,
os homens das altas rodas se beneficiam com o poder dos do
mnios institucionais sobre os quais imperam. Pois o poder
dessas instituies, real ou potencial, lhes atribudo como
agentes ostensivos das decises. Suas posies e suas ativida
des, e mesmo suas pessoas, so consagradas por essas atribui
es. E em tomo dos altos postos do poder, h uma aura de
prestgio na qual o diretrio poltico, os ricos associados, os
almirantes e generais se banham. A elite de uma sociedade,
por modestos que seus membros individuais sejam, representa
o prestgio do poder da sociedade. 425 Alm disso, poucas pes
soas em posies de tal autoridade podem resistir durante mui
(425) John A d a m s escreveu em fin s do sculo X V III: Q uando algum
ascende s prim eiras filas, e considera os prim eiros hom ens; a nobreza co
nhecida e respeitada, pelo m enos, e talvez habitualm ente estim ada e am ada
por um a nao; P rncipes e R eis, sbre os quais os olhos de todos os hom ens
se fixam , e cujos m ovim entos so todos analisados as conseqncias de
ferir seus sentim entos so terrveis, porque os sentim entos de toda um a nao,
e por vezes de m uitas naes, so feridos ao m esm o tem po. S e houver a
m enor variao em sua situao, relativam ente aos outros; se o que era in
ferior passa a ser superior, ao m enos que tal ocorra segundo leis fixa s, cuja
sabedoria e necessidade evid entes afastem qualquer desgraa, apenas a guer
ra ? carnificina e a vingana costum am ser as conseqncias h a b itu a is../*
fjoh n A d a m s , D isc o u rse s on D a v i l a ) .
A ALTA IMORALIDADE 415
to tempo tentao de basear a imagem que de si fazem, pelo
menos em parte, sobre a opinio geral da coletividade que li
deram. Agindo como representantes de seu pas, sua empresa,
seu exrcito, com o tempo, elas passam a considerar-se, e a
considerar o que dizem e as coLas nas quais acreditam, como
expresso da gloria historicamente acumulada das grandes ins
tituies, com as quais se identificam. Ao falar em nome de
seu pas ou de sua causa, suas glorias passadas tambm lhes
ecoam nos ouvidos.
O status social, que j no depende fundamentalmente
das comunidades locais, segue as grandes hierarquias, que se
projetam em escala nacional. O status social segue o dinheiro
grosso, mesmo que nele exista um toque de gangsterismo.
O status social segue o poder, mesmo que este no esteja
acompanhado da tradio. Abaixo, na sociedade de massas,
as velhas barreiras morais e tradicionais ao status se desmoro
nam e os americanos buscam padres de excelncia entre os
crculos superiores, em termos dos quais se modelarem e es
tabelecerem seus padres de auto-estima. E no entanto, hoje
em dia mais fcil para os americanos encontrarem esses ho
mens representativos no passado do que no presente. Se isso
se deve a uma diferena histrica real, ou apenas facilidade e
convenincia poltica, muito difcil dizer.428 De qualquer
forma, o fato que nas atribuies de prestgio h pouca dis
(426) Em todo perodo intelectual, um a disciplina ou escola de pensa
m ento se torna um a esp cie de denom inador com um . O denom inador com um
do esp rito conservador na A m rica de hoje a histria am ericana. Estam os
na poca do historiador. Toda louvao nacionalista tende, naturalm ente, a
ser form ulada em term os histricos, m as os louvadores no desejam ter re
levncia apenas em relao com preenso da histria com o acontecim ento
passado. Sua finalidade a celebrao do presente. 1) Um a razo pela qual
a id eologia am ericana to histricam ente orientada que em toda a com u
nidade in telectu al so os historiadores os m ais capazes de criar essas supo
sies pblicas. Pois de todos os autores eruditos, os historiadores so os que
tm um a tradio literria. Outros cientistas sociais provavelm ente no
esto fam iliarizados com a tradio inglesa e, m ais, no escrevem sobre t p i
cos de interesse pblico. 2) Os bons historiadores, ao desem penhar as
fu n es pblicas de altos jornalistas, os historiadores que gozam da ateno
do pblico e dos aplausos dom ingueiros, so os m ais dispostos a reinterpretar
o passado am ericano em relao ao esprito h oje predom inante, e os m ais
habilidosos em escolher no passado as personagens e acontecim entos que m ais
facilm en te levam ao otim ism o e aos arroubos lricos. 3) Na verdade, e sem
nostalgia, deveram os com preender que o passado am ericano um a fo n te
m aravilhosa de m itos sobre o presente. Por vezes ele realm ente representou
um m odo de vida; os Estados U nidos foram extraordinariam ente felizes no
perodo de sua origem e desenvolvim ento inicial; o presente com plicado e,
especialm ente para o historiador experim entado, no-docum entado. A ideo
logia am ericana geral, portanto, tende a ser form ulada em term os da histria,
e pelos historiadores. (Cf. W illiam Haran H a l e , The Boom in A m erican
H istory, The R e p rte r, 24 de fevereiro de 1955, pgs. 42 e segs.)
416 A ELITE DO PODER
cordncia quanto a Washington, Jefferson e Lincoln, mas total
desacordo quanto s figuras atuais. Os homens representati
vos parecem ser mais facilmente identificveis depois de mor
tos. Os lderes polticos contemporneos so apenas polticos;
podem ser polticos grandes ou pequenos, mas no grandes po
lticos. e so vistos, cada vez mais, em termos de alta imo
ralidade.
O status social segue o poder, e os velhos tipos de figu
ras exemplares foram substitudos pela confraria dos bem suce
didos os executivos profissionais que se tornaram a elite po
ltica, e que so hoje os homens representativos oficiais. Resta
ver se eles se tornaro representativos na imagem e nas aspi
raes da massa, ou se vivero mais do que os liberais de 1930.
A imagem que deles se faz controversa, profundamente cer
cada pela imoralidade do xito e pela alta imoralidade em ge
ral. Os americanos cultos sentem, cada vez mais, que h algo
de falso neles. Seu estilo e as condies em que se tornaram
grandes levam muito facilmente suspeita dessa construo;
as sombras dos que escreveram discursos para eles e lhes pin
taram a figura para o pblico podem tornar-se muito grandes
a fragilidade da contrafao muito aparente.
Devemos, certo, ter presente que os homens desses altos
crculos podem ou no tentar impor-se como representativos
populao em geral, e que os setores pblicos relevantes da
populao podem aceitar ou no essa imagem. A elite pode
querer impor suas pretenses massa, e ser por esta rejeitada.
A massa pode ser indiferente ou mesmo desprezar seus valores,
caricaturar-lhes a imagem, rir-se de suas pretenses de homens
representativos.
Ao analisar os modelos do carter nacional, Walter Ba-
gehot no focaliza essas possibilidades.427 Mas claro que em
relao aos nossos contemporneos, temos de consider-las, pois
precisamente essa reao que tem levado prtica alucinada
e sempre cara do que se chama de relaes pblicas. Os que
tm ao mesmo tempo poder e prestgio social talvez se sintam
melhor quando no tm de procurar, ativamente, a aclamao.
As velhas famlias realmente orgulhosas no a procuram; mas
as celebridades profissionais so especialistas em buscar o aplau
so. A elite poltica, econmica e militar compete cada vez
(4X1) V er W alter B a o b o t , P h y s ic s an d P o litic s (N . Y ork, 1912).
A ALTA IMORALIDADE 417