Capoeira Contemporânea

unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
JLIO DE MESQUITA FILHO

INSTITUTO DE BIOCINCIAS RIO CLARO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS DA MOTRICIDADE

(PEDAGOGIA DA MOTRICIDADE HUMANA)
CAPOEIRA CONTEMPORNEA:
COMPREENSES DECORRENTES DE MESTRES AUTODECLARADOS
FRANZ ERIC DE GOES CRESSONI
Dissertao/tese apresentada ao
Instituto de Biocincias do Campus
de Rio Claro, Universidade
Estadual Paulista, como parte dos
requisitos para obteno do ttulo
de Mestre em Cincias da
Motricidade.
Outubro 2013
2
Orientador:
Prof. Dr. Alexandre Janotta Drigo
Dissertao apresentada ao Instituto de Biocincias

do Campus de Rio Claro, Universidade Estadual
Paulista, como parte dos requisitos para obteno do
ttulo de Mestre em Cincias da Motricidade.
Rio Claro
Estado de So Paulo Brasil
Outubro / 2013
3
4
Dissertao apresentada ao Instituto de Biocincias

do Campus de Rio Claro, Universidade Estadual
Paulista, como parte dos requisitos para obteno do
ttulo de Mestre em Cincias da Motricidade.
Comisso Examinadora
Profo Dr. Alexandre Janotta Drigo

Profo Dr. Samuel de Souza Neto
Profo Dr. Luiz Gonalves Junior
Rio Claro, 11 de outubro de 2013

II
Agradecimentos
Gostaria de agradecer primeiramente aqueles cuja presena foi a mais

constante ao longo do desenvolvimento deste trabalho e, sem a qual, o formato
tomado jamais teria sido possvel. Ao meu orientador, Professor Doutor Alexandre
Drigo, por me apresentar novos conhecimentos e estender aqueles que eu j
possua, me dando o embasamento necessrio, pelas acaloradas discusses, pela
disponibilidade, e por tanto ter me ajudado a compreender os meandros do campo
acadmico. Aos companheiros de estudos, Professor Luiz Henrique Silva, Professor
Thiago Pimenta, Roberto Braga, Antonio Tavares Junior, entre tantos outros, pelo
tempo despendido nos eternos debates no esforo de aumentar nosso
conhecimento e nossa compreenso.
Agradeo colaborao indispensvel dos membros da banca examinadora,

Prof. Dr. Samuel de Souza Neto e Prof. Dr. Luiz Gonalves Junior, e ao programa de
ps-graduao como um todo.
Agradecimento necessrio se faz minha famlia. Ao meu pai, o cientista,

incitador da minha curiosidade e que sempre me fez ver alm do bvio. Minha me,
que me ensinou a olhar para dentro de mim e valorizar aquelas coisas que to
frequentemente tendemos a esquecer. Ao meu irmo, o filsofo e apaziguador da
famlia, meu melhor amigo que nunca deixou nenhum de ns desmoronar. E minha
irm e minha sobrinha, minhas musas e minhas inspiraes.
Especial agradecimento quela pessoa que finalmente me puxou adiante e

esteve presente a cada segundo, a cada etapa deste trabalho e de toda a minha
vida. Cristiane Alexandra de Moura, minha companheira, parceira, melhor amiga.
Minha mulher. Sem voc nada teria se concludo e certamente no teria a
continuidade que ter. Obrigado pela presena e pelo suporte, pelo conselho e pela
crtica, pelas brigas e pelo amor. Muito obrigado.
III
RESUMO
O presente estudo objetivou analisar a capoeira na atualidade no que diz respeito s

rupturas e disputas de poder que se deram com as escolas tradicionais, angola e
regional, tal qual preconizadas por seus criadores, para o surgimento das novas
manifestaes que hoje se apresentam no espao social da capoeira. Neste sentido,
fizemos um recorte no qual demos enfoque ao fenmeno denominado capoeira
contempornea, abordando-o, e capoeira, de forma geral como manifestaes
pautadas por um modelo artesanal, e analisando-os a partir da teoria social de Pierre
Bourdieu. Assim, os objetivos deste estudo foram compreender o fenmeno
reconhecido pelo termo capoeira contempornea, analisando: a) o contexto histrico
e a estrutura social que levaram ruptura com as escolas tradicionais; b) a relao
entre a capoeira, tal qual praticada na atualidade, com educao fsica e o esporte;
c) a existncia, ou no, de uma nova escola de capoeira que se some s
tradicionais. Optou-se pela pesquisa qualitativa, tendo como tcnica a entrevista
semi-estruturada com oito mestres que se auto declararam praticantes de capoeira
contempornea. As entrevistas demonstraram que, de forma geral, os mestres de
capoeira contempornea tendem a no consider-la uma escola de capoeira, tais
quais o so as capoeiras angola e regional, pois ela carece de fundamentaes
universalisadas entre seus praticantes, denominadas por Eric Hobsbawm de
tradies inventadas. No entanto, ela redimencionou ambas as escolas tradicionais
como os pilares fundamentais da prtica, rompendo assim com a separao
angola/regional existente at ento. Alm disso, a capoeira contempornea tende a
dar liberdade para reestruturar-se a prtica da capoeira criando novos fundamentos
ou acoplando a eles caractersticas de outras prticas, como lutas ou acrobacias.
Conclumos que a capoeira contempornea constitui-se, no numa escola, mas num
modelo de prtica pautado por um movimento transformador no meio capoeirstico
que rompe com os modelos tradicionais da prtica, mas mantm uma relao com
elas enquanto referencial de ancestralidade.
Palavras chave: Capoeira, Contemporneidade, Tradio, Escola de Ofcio.

IV
ABSTRACT
This study had the objective of analyzing capoeira in present days, giving attention to
the ruptures and disputes of power with the traditional schools, angola and regional,
as professed by their creators, which originated new manifestations that are
nowadays present in the social space of capoeira. In this sense, we focused on the
phenomenon called capoeira contempornea, treating both it and capoeira in general
as manifestations based on an artisan model and analyzing them through the social
theory of Pierre Bourdieu. Therefore, the objectives of this study were to comprehend
the phenomenon known by the name of capoeira contempornea, analyzing: a) the
historical context and the social structure which led to a rupture with the traditional
schools; b) the relationship between capoeira as it is practiced nowadays with
physical education and sports; c) whether or not there is a new school of capoeira
which add to the traditional ones. A choice was made for a qualitative research, using
a semi structured interview with eight masters who declared themselves to be
practitioners of capoeira contempornea. The interviews showed that, in general, the
masters of capoeira contempornea tend not to consider it to be a school of
capoeira, as are the capoeiras angola and regional, since it lacks universal
groundings among its practitioners, which Eric Hobsbawm named invented traditions.
Still, it has redimensioned both traditional schools as its fundamental pillars, and thus
breaking with the existing separation angola/regional. Furthermore, capoeira
contempornea tends to give a freedom to the restructuring of the exercise of
capoeira, creating new groundings or adding new characteristics of other practices to
the existing ones. We have concluded that capoeira contempornea constitutes, not
a school, but a model of practice based on a movement of transformation in the
capoeira medium which breaks with the traditional models of practice, but keeps a
relationship with them as a reference of ancestry.
Keywords: Capoeira, Contemporaneity, Tradition, Apprenticeship System.

V
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1: Referente aos movimentos corporais ...................................................19
QUADRO 2. Referente s caractersticas mais relevantes no jogo ..........................20
QUADRO 3. Referente aos toques de berimbau ......................................................20
QUADRO 4: Citaes dos entrevistados por categoria de relevncia ......................44
QUADRO 5: Categoria Capoeira Contempornea.....................................................46
QUADRO 6: Categoria Grupos e Mestres de Capoeira ............................................49
QUADRO 7: Categoria Artefatos e Rituais na Capoeira............................................51
QUADRO 8: Categoria Apropriao cultural..............................................................53
QUADRO 9: Categoria Identidade: Caractersticas e Elementos..............................58
QUADRO 10: Categoria Praticantes..........................................................................60
QUADRO 11: Categoria Formao............................................................................63

VI
LISTA DE APNDICES
APNDICE 1 Termo de consentimento livre esclarecido .......................................99
APNDICE 2 Questes da entrevista semi-estruturada ......................................101
APNDICE 3 Comit de tica ..............................................................................102
APNDICE 4 Relato do Entrevistado A................................................................103
APNDICE 5 Relato do Entrevistado B................................................................106
APNDICE 6 Relato do Entrevistado C................................................................109
APNDICE 7 Relato do Entrevistado D................................................................111
APNDICE 8 Relato do Entrevistado E................................................................117
APNDICE 9 Relato do Entrevistado F.................................................................122
APNDICE 10 Relato do Entrevistado G..............................................................126
APNDICE 11 Relato do Entrevistado H..............................................................131

VII
SUMRIO
Pgina
APRESENTAO ....................................................................................................... 1
1. INTRODUO ........................................................................................................ 4
1.1. Construo do problema e justificativa ............................................................. 5
1.1.1. Problema .................................................................................................... 8
1.1.2. Justificativa ................................................................................................. 9
1.2. Questes de estudo ........................................................................................ 10
2. OBJETIVOS .......................................................................................................... 11
3. A CAPOEIRA COMO CULTURA E A CULTURA DA CAPOEIRA ........................ 12
3.1. Tradio e cultura ........................................................................................... 12
3.2. Cultura da capoeira ......................................................................................... 14
3.2.1. Surgimento das escolas............................................................................ 19
3.3. A capoeira representante de um modelo artesanal......................................... 21
3.3.1. Escolas tradicionais .................................................................................. 23
4. A CAPOEIRA COMO UM ESPAO SOCIAL DE DISPUTAS ............................... 25
5. CAPOEIRA CONTEMPORNEA: TENSES E CONVERGNCIAS. .................. 29
5.1. O olhar da academia. ...................................................................................... 30
6. METODOLOGIA.................................................................................................... 34
A pesquisa de natureza qualitativa ........................................................................ 34
Entrevistas ............................................................................................................. 35
Entrevistas semi-estruturadas ................................................................................ 36
Sujeitos da pesquisa .............................................................................................. 37
Anlise dos dados coletados ................................................................................. 37
8. RESULTADOS ...................................................................................................... 40
8.1. Capoeira Contempornea ............................................................................... 44
8.2. Grupos e Mestres de Capoeira ....................................................................... 49
8.3. Artefatos e Rituais na Capoeira ...................................................................... 50
8.4. Apropriao cultural ........................................................................................ 53
8.5. Identidade: Caractersticas e Elementos......................................................... 57
8.6. Praticantes ...................................................................................................... 59
8.7. Formao ........................................................................................................ 61
9. DISCUSSO ......................................................................................................... 66
VIII
9.1. A capoeira contempornea por seus agentes sociais. .................................... 66

9.2. A caracterizao social da capoeira contempornea esboo de um estudo
por Bourdieu. ......................................................................................................... 80
9.3. Debatendo com as questes de estudo. ......................................................... 82
10. CONSIDERAES FINAIS ................................................................................ 88
10.1. Dialogando com os objetivos do estudo........................................................ 89
11. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .................................................................... 94
Fontes eletrnicas .................................................................................................. 97
1
APRESENTAO
Nesta dissertao pretendi apresentar uma anlise da capoeira na sociedade

brasileira contempornea do final do sculo XX e comeo do sculo XXI,
examinando as novas manifestaes desta prtica para, a partir disto, compreender
seu espao social e considerar projees para possibilidades futuras.
A concepo do trabalho surge a partir da minha prpria experincia, o

contato pessoal com a capoeira e a posterior formao acadmica no curso de
Bacharelado em Educao Fsica na Unesp, campus de Rio Claro (2010), o qual
veio a gerar os questionamentos levantados na pesquisa.
Meu contato com a capoeira teve incio em 1993 quando, aos 12 anos de
idade e morando em Macei, Alagoas, passei a pratic-la principalmente na escola
regional de capoeira, mais em p, com algumas acrobacias e momentos de jogo
rpido, mas tambm explorando aspectos da capoeira angola, mais rasteira, lenta e
ldica. J neste perodo deparei-me com grupos autodeclarados praticantes de
capoeira contempornea, e curiosamente existia uma relao acirrada com os
grupos que defendiam uma prtica mais tradicional. A chamada capoeira
contempornea era frequentemente criticada como deficiente em se ater memria
da capoeira e mais propensa violncia. Eu prprio, em minha adolescncia, fui
influenciado por tal pensamento. No entanto, numa anlise crtica da minha
memria, parece-me que este esteretipo condizia mais falao cotidiana do que
ao prprio comportamento daqueles grupos. Ainda assim, a relao entre as
diferentes correntes de pensamento dentro do universo social da capoeira sempre
se mostrou bastante cerrado, j que, independentemente dos esteretipos, uma
ruptura com as escolas tradicionais se evidenciava.
Mudando-me de l, passei a ter contato e treinar com diferentes grupos, vindo

a me familiarizar melhor com a prtica da escola angola, tanto da linhagem de
Mestre Pastinha quanto naquela de praticantes de novas abordagens. Neste meio
no encontrei menos embate sendo uma constante a crtica escola regional de
capoeira, sobre a qual, me pareceu, pouca diferenciao se fazia entre a prtica
criada por Mestre Bimba e as novas manifestaes que surgiram desde ento. No
entanto, minha experincia com a capoeira angola, proveitosa e prazerosa como
tenha sido, foi breve para fazer a devida anlise.
2
O contato com as diferentes abordagens no tratante da capoeira fez com que,

no meio acadmico, eu buscasse direcionar minha formao para a melhor
compreenso da capoeira enquanto fenmeno social e histrico da sociedade
brasileira e importante integrante da cultura popular e de movimento. Nesta
perspectiva, sentia-me incomodado em minhas leituras e discusses ao esbarrar
constantemente com o que me pareceu uma falta de cuidado na fundamentao
referencial do tema capoeira. Neste sentido, encontrei concordncia na literatura de
Arajo (2005), onde o autor faz justamente uma crtica ausncia de referncias
concretas nas publicaes acerca deste tema. Assim, busquei elaborar meus
trabalhos na intenso de verticalizar a anlise da capoeira para melhor compreende-
la, culminando no meu trabalho de concluso de curso, Os Paralelos entre a
Capoeira Regional e os Mtodos Ginsticos Europeus do Sculo XIX (2010), onde
analisei no somente as origens africanas, mas tambm a influncia europeia na
estruturao da capoeira como praticada hoje.
Nas leituras e discusses que se deram durante meu perodo de graduao,

pude perceber que cada vez mais a capoeira um tema cuja abordagem de
grande interesse do meio acadmico, dada a quantidade de publicaes que tratam
dela da atualidade. No entanto, frequente que seu tratante gire em torno das duas
escolas tradicionais, pouco se considerando que a capoeira, enquanto fenmeno
histrico e, portanto, dinmico, possui novas manifestaes de sua prtica que so
ainda pouco consideradas no meio acadmico.
Com isto, voltei meus pensamentos para um aspecto do espao social da

capoeira que me parecia ainda gerar conflito, tanto entre praticantes quanto no meio
acadmico; a terminologia capoeira contempornea, resultando no tema deste
estudo. Alm dos esteretipos que eu j havia visto serem associados a este termo,
percebi que opinies e conceitos pareciam divergir amplamente quando ele era
utilizado, fosse em rodas e academias de capoeira, encontros, stios eletrnicos ou
no meio acadmico. A associao desta terminologia violncia nas rodas, que
observei nos primrdios da minha formao na capoeira, se mostrou escassa na
atualidade, tanto em conversas com capoeiristas quanto em pesquisa acerca do
tema. Mesmo alguns grupos frequentemente rotulados como praticantes de capoeira
contempornea, quando tive oportunidade de indag-los a este respeito, por vezes
no se auto declaravam como tal, apesar de tambm no se vincularem diretamente
3
s escolas tradicionais, angola e regional, tal como praticadas em sua origem. Em

conversas com capoeiristas, pude observar tambm um vnculo que comumente se
fazia entre a terminologia capoeira contempornea e a esportivizao da prtica.
O conjunto destas indagaes demonstrou que existe uma necessidade de

maior aprofundamento acadmico acerca do referido tema, levando-me, portanto, a
buscar abord-lo adequadamente na forma desta dissertao. A opo por uma
anlise de cunho sociolgico se deu devido aos embates que pude presenciar, tanto
no campo acadmico como no espao social da capoeira, a respeito do tema aqui
apresentado. Tais desencontros de opinio me levaram a considerar a existncia de
uma disputa pelos capitais simblicos da capoeira, no somente da devida
denominao de novas prticas, mas tambm do delineamento de seus costumes,
tradies e rituais. Considerando-se que, dentro deste espao social, os mestres de
capoeira apresentam-se como os detentores de tais capitais, a necessidade de
abord-los torna-se inevitvel para a devida elucidao das questes do estudo.
Assim, optei pelo uso de entrevistas conduzidas com os mestres praticantes da
chamada capoeira contempornea na esperana que eles auxiliem na compreenso
e delineamento deste fenmeno.
A representatividade que o Brasil vem tendo no cenrio internacional, somada

ao recente (2008) tombamento da capoeira como Patrimnio Cultural Imaterial do
Brasil pela Instituto do Patrimnio Humano e Artstico Nacional (IPHAN) e a votao
que se dar em 2013 para seu tombamento como Patrimnio Cultural Imaterial da
Humanidade pela United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization
(UNESCO), coloca a capoeira numa posio de visibilidade nacional e internacional
sem precedentes. Nesta situao, a compreenso dela em todos os seus aspectos,
no somente no que tange as escolas tradicionais, possibilitar traar as
manifestaes que se apresentam hoje e evitar sua futura descaracterizao. Desta
forma, espero que, atravs da anlise e delineamento do fenmeno capoeira
contempornea, este trabalho traga contribuies neste sentido expandindo e
verticalizando a forma como vemos a capoeira hoje.
4
1. INTRODUO
A capoeira, tal qual praticada na atualidade, desenvolveu-se a partir do sculo

XIX nos meios urbanos do Brasil, principalmente nas cidades do Rio de Janeiro,
Salvador e Recife (REIS, 1997; SOARES, 1993; 2004). Os registros da polcia
carioca e folhetins do comeo daquele sculo registravam uma prtica j conhecida
(SOARES, 1993; 2004), denotando que a capoeira certamente j existia antes do
sculo XIX, mas uma descrio pormenorizada da prtica ainda difcil, dada a
escassez de registros anteriores a respeito dos costumes dos negros escravizados.
A capoeira uma manifestao predominantemente afro-descendente, mas

que traz tambm caractersticas de miscigenao cultural, como a influncia da
ginstica europeia de cunho positivista que havia se instalado no Brasil no comeo
do sculo XX (CRESSONI, 2010; MARINHO, 1982; REIS, 1997) e a controversa
origem do nome. De acordo com Lima (1990), ao termo capoeira j foram atribudos
diversas razes etimolgicas. A teoria da origem tupi foi provavelmente uma das
mais consideradas, cogitando-se que seus primrdios repousariam em termos como
caa-apuam-era (ilha de mato j cortado), co-pura (roa velha), ca-puera (mato que
deixou de existir), entre outros. Uma origem na lngua Bantu tambm foi considerada
pela existncia do termo kaapwere, que teria sido uma palavra-cdigo para se
referirem ao treinamento que era realizado em segredo. Adicionalmente, a palavra
capoeira tambm teria sido empregada por portugueses em referncias a galinheiros
ou cestos que negros usavam para carregar galinhas, alm da existncia de uma
ave (Odonphorus capueira, Spix) que tambm recebia o nome capoeira. Enfim, a
origem etimolgica do termo carece de preciso.
No sculo XX, a capoeira, at ento uma atividade ilegal, alcana sua

legalidade e se v dividida em duas formas de prtica: a luta regional baiana, ou
capoeira regional criada por Manuel dos Reis Machado, o Mestre Bimba (1900-
1974), com a inteno de torn-la uma luta mais eficiente; e a capoeira angola,
nomenclatura que foi dada por Vicente Ferreira Pastinha, o Mestre Pastinha (1889-
1981) para referendar a capoeira tal qual praticada antes da reformulao de Mestre
Bimba. Neste trabalho, aglutinaremos estas duas escolas, tal qual praticadas nas
escolas de seus respectivos mestres, sob a terminologia de escolas tradicionais.
Desde ento a capoeira passou por diversos processos de transformaes (a serem
5
tratados em mais detalhe posteriormente), gerando na atualidade uma prtica que

apesar de ser extremamente diversificada, ainda enfoca apenas a separao nestas
escolas, angola e regional.
A partir destas observaes, percebemos uma necessidade de estudar o que,

dentro do espao social da capoeira, se reconhece como capoeira contempornea e
quais as caractersticas que a representam. Da mesma forma, se houver uma
conexo desta com a capoeira como fenmeno esportivo, ento qual seria a
natureza da relao desta com o campo profissional da educao fsica, dada a
regulamentao da profisso sob a lei 9696/98 (BRASIL, 1998), a qual cita a
capoeira como objeto de interveno deste profissional. Ao alcanar o espao social
da capoeira, esta temtica gerou desencontros j abordados no meio acadmico
(FONSECA, 2008), denotando novamente a necessidade de sua melhor explorao.
Tambm se faz presente a necessidade de se explorar a possibilidade do
surgimento de uma terceira escola de capoeira que se somaria s duas j
existentes, angola e regional.
1.1. Construo do problema e justificativa
Para melhor compreender as motivaes para o desenvolvimento desta

dissertao, importante entender como, especialmente a partir da dcada de 1970,
passaram a surgir cada vez mais manifestaes dentro do universo social da
capoeira, muitos dentre estes se apresentam bastante consolidados na atualidade,
mas que se diferenciavam das escolas tradicionais. Este fator deve ser mantido em
mente ao considerarmos que, naquele mesmo perodo, a capoeira passou a receber
maior incentivo governamental para a sua promoo e preservao por influncia de
eventos sociais que confluram a partir daquela poca.
O reconhecimento da capoeira enquanto prtica desportiva por rgos como

a Confederao Nacional de Pugilismo e o Conselho Nacional do Desporto e a
criao a Confederao Nacional de Capoeira, e subsequentemente das federaes
estaduais (VIEIRA, 2004), foram alguns fatores que chamaram ateno para a
necessidade de melhor financiamento ao aspecto desportivo da prtica.
6
O uso da capoeira em apresentaes pblicas para turistas como uma fonte

de renda fez surgir a preocupao com sua extrema espetacularizao e
consequente descaracterizao (IPHAN, 2007). Com as mortes de Mestre Bimba
(1974) e Mestre Pastinha (1981), ambos os mestres mais icnicos da capoeira e
ambos falecidos em situao de pobreza e abandono por parte das instituies
governamentais, levantou-se o questionamento a respeito da necessidade de maior
investimento para respaldar sua preservao e divulgao enquanto parte integrante
da cultura nacional.
Uma das primeiras iniciativas governamentais para incentivo da salvaguarda

da capoeira foi a realizao, em 1980, do Primeiro Seminrio Regional de Capoeira
e Festival de Ritmo de Capoeira que indicou recomendaes para o incentivo
prtica e estudo da capoeira em mbitos escolares e acadmicos, respaldo
financeiro para mestres e suas famlias e para a revitalizao da capoeira angola,
entre outros tpicos (IPHAN, 2007).
O conjunto de tais iniciativas culminou no projeto do Instituto do Patrimnio

Histrico e Artstico Nacional (IPHAN) de registro da capoeira como patrimnio
imaterial nacional. Este projeto fundamentou-se num extenso levantamento de
dados realizado por uma equipe multidisciplinar e que culminou na elaborao,
conforme a resoluo n 001 de 03 de agosto de 2006 (BRASIL, 2007), do dossi
(IPHAN, 2007) que compe o processo de registro, assinado em 15 de julho de
2008.
O registro de bens culturais como patrimnio de natureza imaterial do Brasil

fundamenta-se no decreto n 3.551 de 04 de agosto de 2000 (IPHAN, 2000), de
acordo com o qual, o referido bem deve ser incorporado a um de quatro livros de
registro:
I - Livro dos Saberes, onde sero inscritos conhecimentos e modos

de fazer enraizados no cotidiano das comunidades;
II Livro de Registro das Celebraes, onde sero inscritos rituais e
festas que marcam a vivncia coletiva do trabalho, da religiosidade,
do entretenimento e de outras prticas da vida social;
III Livro de Registro das Formas de Expresso, onde sero
inscritas manifestaes literrias, musicais, plsticas, cnicas e
ldicas;
IV Livro de Registro dos Lugares, onde sero inscritos mercados,
feiras, santurios, praas e demais espaos onde se concentram e
7
reproduzem prticas culturais coletivas. (IPHAN, 2000, p.1, art. 1o,

1o)
No caso da capoeira, foram feitos dois registros; O saber dos mestres de

capoeira no Livro dos Saberes, e a roda de capoeira no Livro das Formas de
Expresso. Com isto, espera-se poder contribuir para a salvaguarda da capoeira
atravs das seguintes medidas propostas no dossi de registro (IPHAN, 2007): (1)
Reconhecimento do notrio saber do mestre de capoeira pelo Ministrio da
Educao (MEC); (2) Disponibilizao de um plano de previdncia especial para os
velhos mestres de capoeira; (3) Estabelecimento de um Programa de Incentivo da
Capoeira no Mundo; (4) Criao de um Centro Nacional de Referncias da Capoeira;
(5) Plano de manejo da biriba e outros recursos; (6) Criao do Frum da Capoeira;
(6) Criao do Banco de Histrias de Mestres de Capoeira, e; (7) Realizao de
Inventrio da Capoeira em Pernambuco.
Neste mesmo sentido, foi proposto o projeto de lei (PL) 2858 de 2008
(BRASIL, 2008) que dispe sobre a regulamentao da capoeira e sua classificao
como patrimnio cultural imaterial do Brasil tal qual descrito no artigo 216 da
Constituio Federal. Este PL trata da regulamentao da capoeira enquanto
profisso estipulando sua total liberdade de prtica em qualquer de suas
modalidades, e de acordo com o qual passariam a ser reconhecidos como
Contramestre e Mestre aqueles profissionais com dez anos ou mais na profisso
(artigo 5, pargrafo nico; BRASIL, 2008), e cujas atribuies so tratadas no artigo
6 do PL:
Art. 6. privativo do capoeirista profissional:

I o desenvolvimento com crianas, jovem e adultos das
atividades esportivas e culturais que compem a prtica da capoeira
em
estabelecimentos de ensino e em academias;
II ministrar aulas e treinamento especializado em capoeira
para atletas de diferentes esportes, instituies ou academias;
III a instruo acerca dos princpios e regras inerentes s
modalidades e estilos da capoeira;
IV a avaliao e a superviso dos praticantes de capoeira;
V o acompanhamento e a superviso de prticas
desportivas de capoeira e a apresentao de profissionais;
VI a elaborao de informes tcnicos e cientficos nas
reas de atividades fsicas e do desporto ligados capoeira.
(BRASIL, 2008, p. 2, art. 6o)
8
No que tange os patrimnios culturais brasileiros, ambos o registro do

IPHAN e o PL 2858/08 pautam-se no artigo 216 da Constituio Federal, o qual
versa, entre outras coisas, sobre as contribuies que o Poder Pblico pode e deve
atribuir ao patrimnio cultural. No primeiro pargrafo, fica instituda a sua proteo
(...) por meio de inventrios, registros, vigilncia, tombamento e desapropriao, e
de outras formas de acautelamento e preservao. (p. 1), enquanto que, de acordo
com o sexto pargrafo, os estados e o Distrito Federal podem direcionar at (...)
cinco dcimos por cento de sua receita tributria lquida(...) (p. 1) para este
financiamento cultural. Alm destes incentivos, a proteo tambm se d no quarto
pargrafo que determina que os (...) danos e ameaas ao patrimnio cultural sero
punidos, na forma da lei. (p. 1).
O reconhecimento da capoeira como patrimnio cultural imaterial do Brasil

certamente uma vitria na luta pela sua consolidao e divulgao, alm de
proporcionar proteo aos mestres, cujo ofcio agora um patrimnio tombado. No
entanto, cabe aqui ressaltar que tanto no dossi de registro de patrimnio quanto ao
longo do PL 2858/08, a capoeira tratada uniformemente sendo utilizada, ou
apenas a separao regional-angola, ou uma s terminologia para delimit-la. No
se faz meno ao fato de ela ser uma prtica bastante diversificada sobre a qual
ainda pairam muitas discusses a respeito da autenticidade de cada forma diferente
de pratic-la.
Como j mencionado, principalmente a partir da dcada de 1970, novas

formas de manifestao da sua prtica passaram a despontar. Existem hoje desde
grupos que prezam pelo aspecto esportivo, como os grupos Muzenza e Capoeira
Brasil, at grupos que o condenam sob o argumento de se perder sua essncia
ldica, em geral o caso dos angoleiros mais tradicionais. Alm destes, existem
tambm novas manifestaes buscando mesclar a capoeira com outras lutas (capo-
jitsu), ou dar-lhe foco religiosidade (capoeira gospel Guerreiros de Jesus).
1.1.1. Problema
Assim, quando a capoeira tombada como patrimnio cultural imaterial do

Brasil, e o projeto de lei 2858/08 aborda-a (...) em todas as suas modalidades (...),
9
surge a necessidade de se compreender quais so tais modalidades que hoje se

apresentam no espao social deste patrimnio. A falta desta compreenso faz surgir
o risco de sua diluio e consequente descaracterizao da prtica, tal qual temida
desde a dcada de 1970 at estas mesmas iniciativas aqui exploradas, mas desta
vez com respaldo legislativo.
Dentre os fenmenos sociais que passaram a integrar o universo da capoeira

nas ltimas dcadas, existe o que ficou conhecido como capoeira contempornea,
que a um primeiro momento rompeu com as estruturas de poder das escolas
tradicionais. Esta terminologia j de extenso uso entre os capoeiristas, mas existe
pouca concordncia a respeito do que constitui este novo fenmeno. Portanto, a
pergunta problema que guia este estudo a seguinte: quais so os elementos da
capoeira contempornea que permitem afirmar a existncia de sua identidade no
fenmeno conhecido como capoeira no Brasil?
1.1.2. Justificativa
A capoeira uma atividade culturalmente relacionada com a prpria histria

do Brasil em seu desenvolvimento colonial e ps-colonial, e esteve atrelada tanto a
cultura negra quanto ao sentimento de liberdade e resistncia ordem social. Neste
sentido ela atinge uma percepo de brasilidade extremamente forte nos contextos
em que se insere: no negro, no revolucionrio, no libertrio, no intelectual orgnico.
Sua prtica no est vinculada apenas aos espaos caractersticos do jogo,

apresentando uma diversidade na sociedade brasileira que compreende desde os
locais de roda, as academias modernas, os espaos e eventos pblicos (praas e
festividades) e incide em variadas manifestaes como na arte, literatura, cinema e
vdeo, poesia e msica.
Esta agregao, tanto de relao cultural quanto de espao de abrangncia,

coloca a capoeira de certa forma ntima do cidado brasileiro que, se por hora facilita
uma identificao do que so movimentos, cantigas e os discursos mais corriqueiros,
dificulta a identificao das ramificaes oriundas da contemporaneidade e suas
consequncias, tanto para a capoeira como para a prpria cultura nacional.
10
Portanto, surge a necessidade de se entender os possveis impactos

emergentes entre novos grupos e manifestaes e a lei de regulamentao e
tombamento da capoeira. Atravs do estudo de suas configuraes atuais,
poderemos melhor compreender qual o papel destas na percepo que se tem da
capoeira enquanto patrimnio nacional.
1.2. Questes de estudo
A partir do exposto anteriormente, surge uma necessidade de se entender o

que constitui o fenmeno socialmente denominado capoeira contempornea e, a
partir disto, abrir a discusso acerca da sua relao com o registro de salvaguarda
da capoeira enquanto patrimnio nacional. Desta forma, somado ao material ainda a
ser apresentado ao longo deste trabalho, foram elaboradas as seguintes questes
de estudo:
Se a capoeira contempornea apresentar-se diferenciada das escolas

tradicionais enquanto uma nova forma de prtica, como ela seria abarcada
pelo registro e outras leis que sejam dele provenientes, e qual o seu papel na
sociedade brasileira atual?
Se a capoeira contempornea apresentar-se una com as escolas tradicionais,
mostrando-se como uma extenso destas, e, portanto, contemplada como
patrimnio cultural, como ela se insere e qual o seu impacto no universo
social da capoeira, e perante a cultura nacional?
Considerando-se o surgimento da capoeira contempornea enquanto uma
ruptura com os modelos tradicionais, o que determinou esta quebra e qual o
jogo de poder existente entre as capoeiras tradicionais e a contempornea?
11
2. OBJETIVOS
Neste trabalho objetivamos compreender o fenmeno social representado,

dentro do espao social da capoeira, pela terminologia capoeira contempornea e
quais as caractersticas que o representam. Buscamos identificar as principais
transformaes sofridas pelas escolas de capoeira tradicionais, capoeira angola e
capoeira regional, na formao da capoeira contempornea, analisando:
O contexto histrico e a estrutura social que levaram ruptura com as escolas

tradicionais.
A relao entre a capoeira, tal qual praticada na atualidade, com educao

fsica e o esporte.
A existncia, ou no, de uma nova escola de capoeira que se some s

tradicionais.
12
3. A CAPOEIRA COMO CULTURA E A CULTURA DA CAPOEIRA
3.1. Tradio e cultura
Ao se estudar a capoeira, independentemente do recorte que se faa, a sua

abordagem enquanto um elemento componente e indissocivel da cultura brasileira
tende a se desenrolar como um ponto passivo na maioria das discusses. Este
enraizamento cultural nacional facilmente justificado pela anlise da histria da
capoeira onde seu entrelaamento com demais aspectos da cultura brasileira fica
bastante evidente. Desde a raiz africana (ABIB, 2006) at a miscigenao com
modalidades de luta, tanto ocidentais quanto orientais (REIS, 1997), e com a cultura
europeia de movimento (CRESSONI, 2010), e passando neste interim por diversos
momentos que a consolidaram: sua utilizao na luta contra a escravido; sua
nebulosa relao com a lngua tupi; a insero nos meios urbanos e, com isso, os
embates com a polcia; o consequente encontro com outros aspectos da cultura
brasileira, como o samba, o chorinho, o frevo, a malandragem, as religies afro-
descendentes, entre outros; e seu enaltecimento como uma ginstica genuinamente
brasileira. Estes e outros momentos todos a serem pormenorizados mais adiante
neste estudo consolidaram a capoeira na representatividade que ela tem na
cultura nacional e levaram a sua recente elevao ao ttulo de Patrimnio Cultural
Imaterial do Brasil (IPHAN, 2008).
Tal representatividade cultural engloba variados aspectos que exigem uma

anlise mais cuidadosa para a elaborao deste estudo. Isto porque, para se tratar
dos novos formatos que a capoeira vem assumindo nos dias atuais, faz-se tambm
necessrio discutir as razes e as tradies desta arte e a prpria compreenso que
se tem de cultura e tradio.
s tradies ou razes da capoeira, vem anexa de forma indissocivel uma

base tnica afro-descendente. Tal descendncia tnica pode ser observada na
prpria origem de seus primeiros praticantes, mas tambm pelo desenvolvido da
prtica no seio tnico deste povo. Esta origem foi identificada por Abib (2006) ao
abordar a capoeira angola e as formas de transmisso do conhecimento dos
mestres. O autor demonstra como este contexto vem acompanhado do que ele
chama de uma pedagogia do africano, um processo de aprendizagem embasado
no contato ntimo do mestre com o aprendiz onde este aprende por observao
13
daquele. De acordo com o autor, (...) a capoeira se aprendia de oitiva, ou seja, sem
mtodo ou pedagogia (p. 88), ao menos na forma como tais termos mtodo e
pedagogia assumem um significado eurocntrico de uma srie de regras testadas,
documentadas e passveis de uma reproduo exata.
Esta forma de ensino da capoeira antiga e, de acordo com o autor, ainda

presente nas aulas de capoeira angola mais tradicionais da atualidade, coloca o
mestre numa posio onde ele se torna a principal fonte de acesso aos saberes e
tradies desta prtica. Ou mesmo a nica fonte, no que tange certas tcnicas e
segredos (ABIB, 2006, p. 94). Esta oralidade intrnseca transmisso do
conhecimento na capoeira cria, portanto, uma prtica embasada na ancestralidade e
ritualidade, e, assim, constitui exatamente uma tradio, do verbo latim tradere, que
designa o ato de passar algo para outra pessoa, ou de passar de uma gerao a
outra gerao (op. cit., p. 93).
J na capoeira regional, seu criador, Mestre Bimba (1900-1974), instituiu um

sistema de treino baseado em sequncias de golpes realizados dois a dois, dando
assim a primeira metodologia (novamente, com significado eurocntrico)
documentada da capoeira (REIS, 1997; DEPUTADO, 2011). Ainda assim, possvel
identificar que a figura do mestre ainda permanece em posio de enaltecimento
enquanto detentor e transmissor do conhecimento, mesmo que no alcance a
mesma proporo encontrada na capoeira angola. Isto pode ser observado em
alguns dos preceitos da capoeira regional que regiam a academia de Mestre Bimba
e apresentados por Mestre Deputado (DEPUTADO, 2011):
Em uma academia, em que esteja havendo uma aula, e chegar um

mestre, o responsvel pela aula dever parar a mesma e apresent-
lo, uma salva de palmas aos visitantes, e a seguir passa-se a palavra
ao Mestre e o dono da casa dever colocar-se disposio. No
observar esse preceito demonstra, por parte do capoeirista, falta de
respeito s tradies e hierarquia, no a hierarquia dos militares,
mas aquela conquistada pelos anos de experincia e sabedoria e
aprendidos duras penas. (p. 35, grifo nosso)
Portanto, a tradio da capoeira, enquanto um vnculo da ancestralidade com

as novas geraes a partir do preceito da transmisso da cultura atravs da
oralidade do mestre, mostra-se como uma base fundamental da capoeira e que se
14
criptografa na prpria essncia dos membros desta comunidade. Gonalves Junior

(2009) chama ateno para a necessidade de se manter em mente esta
caracterstica, que inerente no somente capoeira, mas cultura brasileira como
um todo, ao buscar a interveno pela motricidade humana. Isto porque, devido
colonizao europeia que se deu no Brasil e o alto grau de desigualdade social que
aqui se encontra e que resulta em divises tnicas, deve-se ficar atento para o risco
de discriminao das tradies de uma etnia especfica.
Assim, numa prtica como a capoeira que se mostra to pautada pela

tradio, consideramos importante compreender ainda outra concepo deste termo
que nos ajudar a entender o uso que fazemos neste estudo do termo escolas de
capoeira tradicionais. Tal definio vem a ns atravs de Hobsbawm (1997) em sua
concepo de tradies inventadas.
De acordo com o autor, as tradies inventadas referem-se a

comportamentos, ou prtica de natureza ritual que se justificam pelo argumento de
conectarem os indivduos envolvidos com tal prtica com um passado a ele
associado. Tais tradies caracterizam-se por serem de aceitao generalizada e
geram a impresso remeterem a uma ancestralidade mais antiga do que realmente o
so, podendo ser retraados para momentos bastante especficos da histria,
quando um indivduo ou grupo de indivduos institucionaliza tal prtica. De
acordo com o autor:
Por tradio inventada entende-se um conjunto de prticas,

normalmente reguladas por regras tcita ou abertamente aceitas;
tais prticas, de natureza ritual ou simblica, visam inculcar certos
valores e normas de comportamento atravs da repetio, o que
implica, automaticamente, uma continuidade em relao ao passado.
Alis, sempre que possvel, tenta-se estabelecer continuidade com
um passado histrico apropriado. (HOBSBAWM, 1997, p. 9, grifo
nosso)
3.2. Cultura da capoeira
A capoeira uma prtica enraizada na cultura brasileira carregando uma

extensa correlao com diversas manifestaes populares, desde sua musicalidade
e ritmo, correlacionadas com o samba de roda e outros costumes afro-brasileiros,
15
at suas tradies, rituais e laos de religiosidade, os quais apresentam diversas

marcas tanto do cristianismo quanto da umbanda e do candombl, alm de
incontveis gestos e maneirismos advindos da cultura popular.
Assim, a capoeira, tal qual registrada a partir o sculo XIX, uma

manifestao cujas caractersticas, desde ento oriundas da cultura popular
brasileira, sugerem que seu desenvolvimento se deu em territrio nacional pela
miscigenao de diversos aspectos desta cultura. Aquele sculo aqui citado como
referncia pois, apesar da existncia da capoeira anterior a este perodo ser
evidenciada pelos registros histricos, ainda existe uma escassez de documentos
que possibilitem sua anlise de forma mais minuciosa. De acordo com Cavalcanti
(2004), o registro mais antigo a fazer referncia capoeira consta no Arquivo
Pblico do Rio de Janeiro e data de 1789:
Para sua surpresa, Manoel foi encontrar Ado por trs das grades da
cadeia da Relao. Havia sido preso junto a outros desordeiros que
praticavam a capoeira. Naquele dia ocorrera uma briga entre
capoeiras e um deles fora morto. Crimes gravssimos para as leis do
reino: a prtica da capoeiragem, ainda resultando em morte.
(CAVALCANTI, 2004, p. 220)
Assim, a capoeira hoje estudada como fenmeno urbano desenvolvido a

partir do sculo XIX cuja principal sustentabilidade terica encontra-se nos registros
da polcia e folhetins de jornal do Rio de Janeiro da poca. O principal autor a
estudar estes documentos foi Carlos Eugnio L. Soares (1993, 2004), que em seus
estudos descreve uma prtica da capoeira que passa a adquirir caractersticas e
maneirismos que ainda hoje acompanham seus praticantes. As armas utilizadas
pelos capoeiristas do sculo XIX, navalhas, facas de ponta, porretes (SOARES,
2004), mesmo no sendo mais utilizadas no espao social, so ainda citadas nas
cantigas da roda de capoeira. As indumentrias costumeiras daquele perodo so
utilizadas ainda hoje pelos mais tradicionais; o palet e chapu branco, por vezes
com fitas de cores variadas com origem nas maltas do sculo XIX (SOARES, 1993).
Mesmo maneirismos roda, como a religiosidade do pedido de beno ao adentr-
la (SOARES, 1993) ainda acompanham a capoeira nos dias atuais. plausvel,
portanto, afirmar que a capoeira como praticada hoje resultado da sua insero
num contexto urbano no qual ela se daria a um processo de miscigenao cultural
16
entre suas razes afro-descentes e as caractersticas da urbanizao advindas da

Europa, principalmente acentuada com a chegada da famlia real portuguesa em
1808.
Um fator notrio de ateno a capoeira ter sido uma contraveno desde a

criao da polcia carioca em 1809, sendo ilegalizada em 1890 (SOARES, 1993;
2004). Nas cidades, os negros escravos encontravam-se nas ruas em momentos de
descanso ou enviados para executar servios para seus senhores escravocratas e,
confraternizados, praticavam suas vrias manifestaes culturais e exibies de
percia e fora. Algumas faanhas teriam frequentemente incio como uma
brincadeira de provocaes verbais e fsicas entre dois capoeiras, as quais por
vezes ficavam gradualmente mais violentas. Era comum tais embates levarem a
ferimentos graves ou at morte de seus praticantes (SOARES, 2004).
A capoeira era, portanto, tratada como uma ameaa no somente ordem

pblica, mas tambm propriedade privada, dada a situao dos praticantes
enquanto escravos. Diante da constante perseguio, os capoeiristas do sculo XIX
organizavam-se nas cidades em maltas; grupos de resistncia e confronto polcia,
mas que tambm mantinham rivalidade uns com os outros dividindo-se por
delimitaes geogrficas nas cidades (op. cit.). Elas no somente eram
protagonistas de embates violentos em praa pblica, mas tambm prestavam
servios a polticos em poca de eleio causando desordem durante os desfiles de
comcios dos candidatos rivais. Em troca, as prticas de tal malta receberiam vista
grossa por parte das autoridades caso seus patronos ganhassem as eleies
(SOARES, 2004; REIS 1997).
No que tange a transmisso dos conhecimentos e fundamentos da prtica, a

capoeira era exercida na rua, ensinada de maneira informal entre seus praticantes
que aprendiam fazendo, sem uma metodologia especfica e detalhada. Isto pode ser
constatado no estudo de Abib (2006) quando o autor afirma que a capoeira se
aprendia de oitiva, ou seja, sem mtodo ou pedagogia (p. 88). O autor demonstra
que no havia um mtodo que fosse universal entre os transmissores do
conhecimento, tal qual a cultura positivista eurocntrica disseminou. Havia sim o que
podemos chamar de um pressuposto de como ensinar (a oitiva), no qual havia uma
17
proximidade essencial entre mestre e aprendiz, mas que cada mestre executava da
forma que considerasse mais apropriada.
J de acordo com Soares (1993), no que tange o ensinamento que se dava

nas maltas do Rio de Janeiro, os aspirantes a capoeiras eram recrutados no comeo
da adolescncia, quando eram facilmente impressionados pelos exerccios de
agilidade praticados pelas maltas em praa pblica. Como citado pelo autor,
pertencer a uma malta era um prmio cobiado pelos jovens que trabalhavam pelas
ruas estreitas e sujas da cidade (Rio de Janeiro) (SOARES, 1993, p. 116). Isto pode
ser verificado pela faixa etria dos integrantes das maltas que mostrava uma
majoritria presena de jovens entre 15 e 20 anos. As habilidades de ginga, golpes e
uso de facas, navalhas e porretes eram ensinados, mas posteriormente os jovens
teriam que praticar por conta, em geral em lugares pblicos para ganhar prestgio e
tornarem-se eficientes nos exerccios da malta, e assim ganhar status (SOARES,
1993).
Portanto, o autor nos mostra que os novatos da capoeiragem costumavam

pratic-la individualmente aps a exposio das habilidades pelos mais velhos e
participavam mais de situaes prticas juntamente com as maltas que de aulas
propriamente ditas. Seus ranques e comprovantes de maestria lhe eram atribudos
pela palavra dos mais experientes, sem mtodos de mensurao de tal maestria que
no o confronto direto e o prestgio (op. cit.).
Assim, a capoeira desenvolve-se no sculo XIX num meio extremamente

hostil e informal. Tal informalidade pode tambm ser constatada pelo fato de que o
prprio esteretipo do capoeira confundia-se com aquele do malandro ou bandido
carioca; terno branco, com ou sem palet, chapu com fitas penduradas
(normalmente representando a malta a qual o capoeira pertencia), camisa colorida e
sandlias no p.
Apesar da ilegalidade e temor popular, a capoeira no foi praticada somente

por negros e escravos. De acordo com Bruhns (2000), no ano de 1880 a quantidade
de capoeiras brancos da cidade do Rio de Janeiro chegou a quase um tero da
populao de capoeiras da cidade, englobando tanto marinheiros e outros brancos
mais pobres quanto filhos de senhores, polticos e comerciantes influentes, alm de
estrangeiros. Isto vem de acordo com Soares (1993), que afirma que em 1890,
18
34,1% daqueles identificados nos laudos da polcia presos por capoeiragem eram
brancos, e 14,9% eram portugueses. A prpria polcia passou a tambm fazer uso
de capoeiras em suas fileiras, contratados aps presos e soltos, ou mesmo soldados
a aprendendo para que mais eficientemente pudessem identificar, enfrentar e
capturar outros praticantes. Obviamente tentava-se manter tal prtica longe dos
olhos da populao em geral, mas soldados identificados como capoeiras eram em
geral recriminados (REIS, 1997).
Assim, de acordo com Reis, (1997) ocorre uma mudana na viso da

capoeira no incio do sculo XX. Esta que antes era vista como uma doena moral
que proliferava na sociedade, agora comea a ser reconsiderada por intelectuais e
militares, preocupados com a prpria viabilidade da nao brasileira e informados
pelos princpios da medicina higienista que propugnava a ginstica como meio
profiltico para a regenerao da raa. Estes viram na capoeira uma lucta
nacional, e uma excellente gymnastica, cujo ensino deveria ser ministrado nos
colgios, quartis e navios de todo o pas (MARINHO, 1982).
Em 1906, um artigo intitulado simplesmente A Capoeira foi publicado na

Revista Kosmos e assinado pelo autor somente com as iniciais L.C. (REIS, 1997).
Nele o autor faz elogios extensos a capoeira descrevendo-a como uma lucta
nacional, mestia, que seria na essncia defensiva e estaria acima de todas as
congneres de qualquer outra nacionalidade. Em 1907, outro autor ocultou-se
agora sob as iniciais de O.D.C. para escrever um folheto intitulado O Guia da
Capoeira ou Ginstica Brasileira no qual descreve a capoeira em detalhes e defende
sua institucionalizao como um mtodo brasileiro de ginstica (SILVA, 2002). Em
1928, Anbal Burlamaqui publica um opsculo denominado Ginstica Nacional -
(Capoeiragem) Metodizada e Regrada chegando a apresentar regras para o jogo
desportivo da capoeiragem (SILVA, 2002). Ainda no mesmo ano, o escritor Coelho
Neto publicou um artigo intitulado Nosso Jogo, onde se refere capoeira como
nosso desestimado esporte e defende sua utilizao em escolas civis e militares. O
autor argumentava que ela se tratava de uma excellente gymnastica e um meio de
defesa individual superior a todos quantos so preconizados pelo estrangeiro
(REIS, 1997).
19
3.2.1. Surgimento das escolas
Dentro deste cenrio, Manoel dos Reis Machado, o Mestre Bimba (1900-
1974), faz adaptaes capoeira existente at ento com o intuito de torn-la mais
eficiente como luta. Batizou esta nova escola de Luta Regional Baiana (disseminado
posteriormente apenas como capoeira regional) e, em 1932, atravs da divulgao
desta escola, alcana a legalizao oficial da capoeira. Em 1937 inaugura o Centro
de Cultura Fsica e Capoeira Regional, a primeira academia oficial de capoeira
qualificada pela secretaria da educao da poca como curso de educao fsica.
Foi a partir de Mestre Bimba que a capoeira passou por um vasto processo de
transformao, tanto metodolgico quanto de incluso desta na sociedade (REIS,
1993).
Com a criao da capoeira regional, a escola anterior da prtica passou a

receber a denominao de capoeira angola. Assim como a primeira tinha seu
patrono na imagem de Mestre Bimba, a segunda foi defendida por Vicente Ferreira
Pastinha, o Mestre Pastinha (1889-1981), que buscou sistematizar a capoeira
angola e divulg-la, principalmente em Salvador, onde instalou sua academia e
ganhou notoriedade inclusive entre a intelectualidade baiana (op. cit.).
Com isto, tem incio a separao da capoeira em suas duas principais escolas
de prtica, aqui tratados como as escolas tradicionais, quando, de forma geral, os
grupos de capoeira passaram a se identificar por um ou outro. As caractersticas de
ambas as escolas esto sintetizadas nos quadros seguintes utilizados por Souza
(2010).
Referncia
Movimentos Corporais
Capoeira
Jogo mais pelo cho; ginga baixa; jogo mais na defesa; jogo mais lento;
Capoeira Angola corpos no se tocam; ginga mais danada; nfase no ldico; maior
teatralidade.
Jogo mais pelo alto; ginga alta; jogo mais no ataque; jogo mais rpido;
Capoeira Regional corpos se tocam; ginga menos danada; nfase na competio; menos
teatralidade.
Fonte: adaptado de Reis (2000) apud. Souza (2010)
Quadro 1: Referente aos movimentos corporais.
20
Referncia
Movimentos Corporais
Capoeira
Movimentao constante pela ginga baixa;
Os jogadores mantm-se aparentemente na defesa e atacam quando o
oponente menos espera;
O alvo do ataque a cabea do outro;
Os corpos no se tocam;
Apenas as mo e os ps devem tocar o cho (o bom capoeirista de angola
no suja a roupa);
Capoeira Angola A inteno deve ser sempre a de desequilibrar o outro, o que conquistado
menos pela fora e mais pela malcia, pela mandinga, no sentido dado ao
termo anteriormente de simulao e dissimulao da inteno do ataque;
H uma nfase na dana, como podemos notar na chamada de Angola
exclusiva dessa escola, onde os passos de dana so explcitos;
H uma maior preocupao com o ritual da roda: benzer-se antes de entrar,
dar a mo ao parceiro antes e depois do jogo, aguardar a ordem do
berimbau para entrar na roda, entrar nela pela boca da roda, etc.
Movimentao constante pela ginga alta;
O jogo deve ser centrado no ataque;
H uma nfase na luta, pois os movimentos devem ser traumatizantes com
velocidade e exposio;
Capoeira Regional Quando no h espao suficiente para se movimentar, o capoeirista deve
usar os golpes cinturados ou ligados, tocando o corpo do outro;
O alvo a cabea do outro;
A inteno deve ser sempre a de derrubar o outro, em geral com a aplicao
de golpes desequilibrantes (a rasteira e a tesoura so muito utilizadas).
Quadro 2. Referente s caractersticas mais relevantes no jogo
Referncia
Toques de Berimbau
Capoeira
Capoeira Angola Angola, So Bento Pequeno, So Bento Grande de Angola, Santa Maria de
Angola.
Capoeira Regional So Bento Grande Regional; Cavalaria; Banguela (tambm chamado
Benguela); Santa Maria de Regional; Ina; Amazonas; Idalina.
Quadro 3. Referente aos toques de berimbau
No entanto, na ausncia de um rgo de regulamentao dos fundamentos

de cada escola, os grupos de capoeira que se formaram a partir da passaram a
mesclar caractersticas de ambos, fazendo com que os fundamentos da prtica
passassem a variar consideravelmente de grupo para grupo. Isto se evidencia em
Reis (1993, p. 203) que identifica tal mescla quando cita que a capoeira em So
Paulo refar a dicotomia baiana Angola e Regional. Assim, teremos uma Regional
angolizada e uma Angola regionalizada.
21
Da mesma forma, no dossi de patrimonizao da capoeira (IPHAN, 2007, p.

78) consta como existem rodas de capoeira que fundem ambas as escolas
tradicionais, citando neste caso o grupo Senzala, que faz uso dos toques tanto da
angola quanto da regional. Este dossi tambm cita (p. 81) como as rodas de
capoeira regional que no seguem a linha de Mestre Bimba tendem a adotar a
orquestra de berimbaus da capoeira angola.
Assim, apesar de se manter a separao angola e regional no universo social

da capoeira, a atual associao a um ou outro no pressupe necessariamente a
sua prtica tal qual ditada pelas escolas das quais originaram-se as duas escolas, no
caso a escola de capoeira regional de Mestre Bimba e a de capoeira angola de
Mestre Pastinha.
3.3. A capoeira representante de um modelo artesanal
O conceito de modelo artesanal de ensino e aprendizagem baseia-se em

Rugiu (1998). O autor referenda o termo aos sistemas de prtica de um ofcio
advindos primeiramente do sistema familiar de produo onde todas as atividades
necessrias subsistncia da famlia eram transmitidas de pai para filho,
consolidando, no sculo XII, as corporaes de ofcio. Neste novo formato, cada
famlia passou a especializar-se num determinado ofcio, ou arte, guardando para si
os segredos desta prtica transmitindo-os numa relao mestre-aprendiz que at
ento se dava apenas dentro da prpria famlia. Neste formato, o mestre arteso era
o dono de sua prpria produo direcionando-a para um pblico que restringia-se
sua prpria comunidade.
Com as relaes mercantis que comeam a surgir por volta do sculo XIV, os
mestres artesos passam a entrar em acordos com os mercantes emergentes numa
relao na qual estes ltimos financiavam os primeiros e comercializavam suas
mercadorias. Neste novo modelo, os mestres artesos tambm passaram a receber
candidatos a aprendizes de fora de suas famlias, dando incio, portanto, s
chamadas escolas de ofcio, a partir das quais advm o modelo artesanal de ensino
e aprendizagem.
22
Este modelo perdurou como a forma predominante de produo at o sculo

XIX quando, com a revoluo industrial, o chamado sistema fabril leva ao fim das
corporaes de ofcio. Ainda assim, o modelo artesanal de ensino e aprendizagem
ainda perdura em certos segmentos da sociedade. Neste modelo, de acordo com
Rugiu (1998), prevalecem trs caractersticas principais.
Primeiramente, a figura do mestre arteso central para a transmisso do

conhecimento. nele que se concentram os conhecimentos pertinentes ao ofcio em
questo na forma de segredos que apenas atravs de anos de contato pode o
aprendiz adquirir o direito de t-los transmitidos pelo mestre. ele tambm que
estabelece os ditames de seu contrato com o aprendiz podendo estabelecer a
durao do aprendizado, quando revelar cada um dos conhecimentos da rea e a
forma pela qual far tal transmisso. Portanto, observamos que existe uma grande
valorizao da imagem do mestre tornando-o um patriarca da comunidade em
questo.
Segundo, em essncia, o aprendiz aprende fazendo. De fato, o mestre pouca

explicao d em relao aos fundamentos da prtica, fazendo com que o aluno
aprenda fazendo e copiando o que ele v, concatenando por iniciativa prpria. Por
vezes ainda, o aprendizado pode se dar por meio dos aprendizes mais experientes
que podem passar os segredos da arte em nome do mestre, surgindo, portanto, a
figura do que o autor chama de mestre adjunto ou sub-mestre.
Finalmente, as atividades prticas exercidas no modelo artesanal so to

importantes para a formao do carter quanto os estudos formais.
As caractersticas acima citadas e o modelo artesanal por elas composto

ainda perduram nos dias de hoje e diversas reas fazem uso desta forma de
transmisso de conhecimento. Drigo (2007; 2009) faz uma abordagem das artes
marciais, dando enfoque ao jud, como modelos artesanais de prtica
demonstrando nestas modalidades a existncia das caractersticas acima
mencionadas.
Desta forma, estas caractersticas podem ser encontradas na organizao da

reteno e transmisso do conhecimento na capoeira, de forma j demonstrada na
literatura. Silva et. al. (2009) aborda exatamente o elemento artesanal presente na
23
capoeira, demonstrado principalmente pelo enfoque da relao mestre-aprendiz,

classificando-a portando, em sua forma atual, como uma corporao e escola de
ofcio. De acordo com a autora, apesar de Mestre Bimba ter estruturado um modelo
tanto comportamental quanto de ensino proposto a ser disseminado nas demais
academias da prtica, no sculo XXI os mestres de capoeira dispe de total
liberdade para articulao e gerenciamento de suas aulas. Isto inclui horrios e
tempos de treino, formas de transmisso dos fundamentos e mesmo a sequncia de
cordoamento hierrquico de sua academia, quando esta se faz presente.
Da mesma forma, ao estudar os saberes dos mestres de capoeira angola,

Souza (2010) descreve esta escola de capoeira em particular ressaltando nela a
existncia das caractersticas que compem uma prtica mediada pelo modelo
artesanal de ensino e aprendizagem. Alm da valorizao do mestre neste espao
social, o autor tambm chama ateno para a valorizao do aspecto prtico da
capoeira. Ele destaca que uma das grandes lies que a capoeira traz em seu
arcabouo ritualstico a questo do aprender fazendo atrelado contextualizao
do contedo, ou seja, a no dualidade da ao prtica e do aprendizado terico (p.
57).
3.3.1. Escolas tradicionais
Cabe aqui finalmente justificar o uso da terminologia escola no lugar de estilo

para referir-me s subdivises da capoeira, tal qual se d para definir a capoeira
angola e a regional.
Primeiramente, a necessidade de fazer esta escolha surgiu pela forma como

o uso do termo estilo mostrou-se bastante ambguo, tanto na literatura acadmica
quanto no espao social da capoeira, o que ser demonstrado nos resultados deste
mesmo estudo. Portanto, ela ocorre principalmente enquanto uma definio
pragmtica voltada a este estudo, mas cuja justificativa pode extrapol-lo em futuras
publicaes.
Assim, fazemos referncia caracterizao anteriormente citada de a

capoeira demonstrar caractersticas que a enquadram como uma escola de ofcio,
24
parecendo-nos adequada para evitar a potencial confuso que pode surgir na

utilizao de um termo ou de outro.
Finalmente, um dos objetivos do presente estudo ser exatamente analisar se

a capoeira contempornea pode ser classificada enquanto uma escola, tal qual as
capoeiras angola e regional. Desta forma, pautando-nos pela teoria de Hobsbawm
(1997), observamos que os modelos de prtica estabelecidos como capoeira angola
e capoeira regional, alm de remeterem s escolas de ofcio, tambm apresentam
seu prprio conjunto de tradies inventadas que so professadas como
constituintes inalienveis das prticas s quais pertencem.
Assim sendo, deixamos aqui estabelecido que, para fins deste estudo, as
escolas de capoeira angola e regional sero referendadas pelo uso do termo escolas
tradicionais.
25
4. A CAPOEIRA COMO UM ESPAO SOCIAL DE DISPUTAS
J em seus primrdios, a capoeira enquanto espao social viu seus agentes

constantemente engajados em embates na busca por variadas formas de
recompensa. De fato, as maltas do sculo XIX demonstravam este comportamento
de maneira bastante concreta quando disputavam entre si os territrios da cidade do
Rio de Janeiro, e quando se opunham polcia carioca, fosse no almejo de se
rebelar contra um meio opressor que os censurava, fosse para exaltar-se perante
sua malta enquanto um grande capoeirista (SOARES, 2004).
Este cenrio cederia lugar, no sculo XX, para uma abordagem mais pautada
nos princpios ginsticos de disciplina, e esportivo de fair play, referncias estas
usada por Mestre Bimba no desenvolvimento do escola regional e propostas para
possibilitar o processo de legalizao na dcada de 1930 (CRESSONI, 2010). Este
momento histrico configura-se como um marco no processo de valorizao social
da capoeira, mas tambm caracteriza-se pela disputa de poder engatilhada pela
quebra dentro deste espao social nas escolas regional e angola, cada qual sendo
promovido como o mais eficaz e/ou mais correto modelo de prtica.
Nas dcadas seguintes esta separao tendeu a estabilizar-se de forma que

ambas as escolas foram reconhecidas, e o so ainda hoje, como as formas legtimas
de prtica da capoeira, fazendo com que, tanto praticantes quanto grupos
passassem a ser identificados a uma ou outra.
No entanto, como discutido anteriormente (REIS, 1993; IPHAN, 2007), esta

aparente estabilidade mostrou-se frgil na medida em que os fundamentos destas
duas escolas tradicionais passaram a mesclar-se em grande parte dos grupos e
academias a partir das dcadas de 1960 e 1970. Concomitantemente, desenrola-se
um crescente fortalecimento do aspecto esportivo da capoeira. Isto pode ser
identificado por sua vinculao Confederao Brasileira de Pugilismo em 1941,
seguida pela fundao das federaes estaduais a partir de 1972 e consequente
criao da Confederao Brasileira de Capoeira em 1992, alm da realizao de
campeonatos cada vez mais frequentes por cada um destes rgos.
O que se apresenta para ns, de acordo com o levantamento bibliogrfico

realizado, , portanto, um espao social ainda em processo de estabilizao de seus
26
fundamentos primordiais no qual disputas de poder marcam rupturas nas estruturas

sociais. Seguindo os objetivos deste trabalho, a anlise dos dados coletados
procurarou identificar como se deram estas disputas no surgimento da capoeira
contempornea, e assim buscar compreender a dinmica social que se deu naquele
perodo e no presente.
A capoeira ser, portanto, analisada enquanto um espao social, um meio

que se configura pelas disputas de poder que se do entre seus agentes sociais na
busca de aceitao, estabilizao e ascenso dentro das estruturas de tal espao.
Utilizando o socilogo Pierre Bourdieu como um referencial terico, estas estruturas
podero ser estudadas pelas prprias relaes dos agentes envolvidos, as quais so
ditadas pelas aes realizadas e atitudes assumidas pelos mesmos por participar e
pertencer a este espao social, ou seja, o que o autor chama de habitus
(BOURDIEU, 2004).
A partir da anlise do espao social da capoeira contempornea, avaliamos

tanto o habitus que se configura quanto os capitais, tanto concretos quanto
simblicos, envolvidos nas disputas que levaram s rupturas necessrias ao
surgimento da capoeira contempornea. A anlise foi feita baseada na concepo
de capitais de Bourdieu (1986; 2007), de acordo com o qual estes podem ser
divididos, dependendo do campo em questo e sua eficcia especfica dentro do
mesmo, em trs aspectos fundamentais: o capital econmico, consistindo
principalmente da propriedade concreta que passvel de ser diretamente
convertida em dinheiro, termo que tambm frequentemente vinculado teoria
Marxista; o capital social, que engloba as conexes e obrigaes sociais
estabelecidas pelo agente para com os demais agentes do espao social especfico,
e; o capital cultural.
O autor (BOURDIEU, 1986) ainda divide este ltimo o capital cultural em

trs estados especficos. Primeiramente, o estado incorporado refere-se s
disposies durveis inculcadas no agente social, no somente como aspectos de
seu comportamento, mas sim constitutivas de seu prprio ser, manifestando-se na
forma de linguagem especfica, maneirismos incorporados, um savoir faire especfico
a este espao social derivado de seu habitus. Este aspecto do capital cultural
caracteriza-se principalmente pelo fato de que ele no pode ser adquirido atravs do
27
capital econmico ou tampouco cedido ao agente social por seus pares integrantes
de seu capital social. Ele necessita, sim, de uma dedicao prolongada por parte
deste para assimilar estas diretrizes de comportamento como uma segunda
roupagem por ele vestida. Desta forma, o capital cultural incorporado
frequentemente adquirido por consequncia de uma herana de comportamento
familiar, com o tempo necessrio de dedicao ocorrendo ao longo de todo o
processo de educao do indivduo desde sua infncia.
O estado objetivado do capital cultural, ainda em Bourdieu (op. cit.) refere-se

aos bens materiais possudos pelo indivduo e vinculados ao espao social por uma
ligao cultural. O acesso a tais bens pode ser alcanado pela simples mediao do
capital econmico possibilitando, portanto, que o agente social compre seus livros,
esculturas, pinturas, espaos de prtica, instrumentos musicais, ou qualquer que
seja a forma dada a este capital. No entanto, o agente social apenas alcana a
apropriao simblica de tais bens convertendo-os, portanto, em capital cultural
objetivado atravs de sua compreenso dos meandros envolvidos em tal
apropriao que possibilitem a ele decifr-los para alm de seu valor enquanto
capital econmico. Ou seja, apenas atravs da posse de capital cultural em seu
estado incorporado pode o agente social devidamente converter seu capital
econmico em capital cultural em seu estado objetivado.
Finalmente, o estado institucionalizado manifesta-se na forma de

competncias vinculadas ao espao social especfico, mas apenas aquelas que se
mostrarem certificadas na forma de ttulos de qualificao. Atravs de tal ttulo, o
agente social coloca-se em posse de uma comprovao legal e permanente de sua
competncia cultural, isentando-o da constante necessidade de demonstrao de tal
competncia, e separando-o, portanto, por exemplo, do autodidata. Este estado do
capital cultural tambm se configura num instrumento de comparao de
qualificaes, posicionando, portanto, os vrios agentes numa hierarquia cultural, e
possibilitando inclusive sua converso em capital econmico pela garantia do valor
monetrio deste capital cultural (BOURDIEU, 1986).
Como j apresentado anteriormente, ocorreu na capoeira um extenso

estmulo do aspecto ginstico e esportivo, principalmente a partir da segunda
metade do sculo XX (IPHAN, 2000; VIEIRA, 2004). Portanto, exploramos, atravs
28
dos dados coletados, a vinculao do fenmeno capoeira contemporneos com o

campo esportivo e a educao fsica. Este tpico de grande importncia ao
presente estudo devido fora que este campo ganhou ao longo das ltimas
dcadas e ao estado de estruturao em que ainda se encontra o espao social da
capoeira. Esta disparidade de foras faz com que seja cogitvel considerar a
existncia de um processo de redefinio do espao social da capoeira pelo campo
esportivo, cenrio este que pode vir a se confirmar como um aspecto da capoeira
contempornea.
29
5. CAPOEIRA CONTEMPORNEA: TENSES E CONVERGNCIAS.
Aps a sua legalizao, a capoeira adentra um processo de integralizao

sociedade brasileira, tanto atravs da disseminao cultural da prtica quanto por
sua adequao legislao brasileira atravs dos rgos responsveis e
interessados.
Sob a influncia dos trabalhos citados anteriormente, publicados no incio do

sculo XX e pautados na ginstica e educao fsica do perodo, a defesa deste
aspecto da capoeira viria a ter uma presena marcante no que tange sua
sustentabilidade legislativa ao longo daquele sculo. Seu primeiro reconhecimento
legal enquanto prtica desportiva viria a ocorrer com a regulamentao de tal
atividade no Decreto Federal 3.199 de 14 de abril de 1941, onde a capoeira passa a
ter sua atividade desportiva regulada pela Confederao Brasileira de Pugilismo
(CBP). Ela tambm viria a ser tratada como arte marcial na Deliberao 071 do
Conselho Nacional de Desportos (CND) em 1953, que tratou do registro de
praticantes de atividades esportivas (VIEIRA, 2004).
Assim, os aspectos esportivos da capoeira, em especial regras oficiais e a

realizao de competies, eram regulamentados pela CBP e, em nvel estadual,
pelas federaes estaduais de pugilismo. No entanto, as particularidades da
capoeira, principalmente sua vasta abrangncia de outras caractersticas alm da
esportiva, demonstraram a necessidade que ela tinha de rgos especficos que
pudessem devidamente tratar estes aspectos. Surge, portanto, a proposta de
desvinculao da capoeira das federaes estaduais de pugilismo e criao de suas
prprias federaes estaduais, sendo criada primeiramente em 1972 a Federao
Paulista de Capoeira, e posteriormente dos demais estados. Finalmente, em 1992,
criada a Confederao Brasileira de Capoeira (CBC), desvinculando-a, portando, da
CBP (VIEIRA, 2004).
Concomitantemente, mas independentemente do aspecto legal, o espao

social da capoeira adentrou um perodo onde seus agentes passaram a buscar
novas formas de manifestao. Alm da preocupao com a descaracterizao da
prtica e a necessidade de preservao cultural (IPHAN, 2007) j discutidos, na
dcada de 1970 certos grupos de capoeira passaram a se formar, no somente por
mesclar as escolas tradicionais, mas por trazer inovaes quilo que havia se
30
estabelecido na dcada anterior. Destes, um dos que mais chamou ateno foi o
grupo Senzala, pois foi criado por jovens cariocas de classe mdia que treinaram de
forma independente buscando referncia nas academias de diversos mestres, entre
eles Mestre Bimba. Formaram assim seu prprio grupo e influenciaram a criao de
ainda outros baseados em seu modelo de treino (FONSECA, 2010; CARNEIRO,
2008; FEINHO, 2008).
Assim, apesar de se ter estabelecido a separao angola/regional,

paradoxalmente a capoeira adentra um perodo no qual a forma em que praticada
no somente foge da unilateralidade de se adequar a apenas uma das escolas
tradicionais. Passa-se tambm a agregar novas caractersticas, como movimentos,
em especial os acrobticos, hierarquizao na forma de cordes, ou mesmo
propostas de ao, como o caso de sua esportivizao ou vinculao religiosa
(VASCONCELOS, 2012). Na ausncia de uma terminologia que adequadamente
desse conta de referendar estes modelos de prtica sem confundi-los com as
escolas tradicionais, desponta o termo capoeira contempornea juntamente com
diversos outros, uns caindo em desuso e ainda outros surgindo mais recentemente
(IPHAN, 2007).
Neste trabalho, decidimos dar enfoque ao termo capoeira contempornea por

percebermos que este tende atualmente a surgir com mais frequncia, tanto nos
discursos dos agentes sociais (a serem apresentados ao longo do trabalho) quanto
em publicaes que abordam a capoeira. Ainda assim, existe pouco consenso no
que tange seu devido uso, ou mesmo a delimitao do que esta terminologia
engloba.
5.1. O olhar da academia.
Mwewa (2006), ao discutir as vicissitudes no uso da capoeira enquanto um

bem de consumo, indica que a capoeira contempornea tende a adaptar seu
formato ao local e contexto no qual praticada, na qual (...) os praticantes muitas
vezes adaptam seu jogo, rituais, indumentrias, cnticos, durao da roda etc., de
acordo com o local onde se apresentam e das pessoas que esto assistindo,
moldando-se s demandas de consumo. Ademais, no sendo o intuito de sua
31
pesquisa, a autora no estende-se alm desta caracterstica a respeito do objeto em

questo.
Da mesma maneira, Amaral (2010) descreve que, somada a outras

denominaes surgidas a partir da segunda metade do sculo XX, a capoeira
contempornea se classifica como uma ruptura com o modelo angola/regional que
(...) se aproxima da construo de uma nova identidade do que abandono de uma
identidade fixa e nica (p.199). Ademais, a autora no da outras pormenorizaes a
respeito dos fundamentos que configuram este e outros modelos novos.
Outros autores (FONSECA, 2008; JAQUEIRA, 2006; PIRES, 2001) abordam

o termo contemporneo em seu sentido semntico, significando, de acordo com o
dicionrio Aurlio (FERREIRA, 2004, s/p o grifo nosso):
contemporneo
[Do lat. contemporaneu.] Adjetivo. 1.Que do mesmo tempo, que
vive na mesma poca (particularmente a poca em que
vivemos). Substantivo masculino. 2. Indivduo do mesmo tempo
ou do nosso tempo: Machado de Assis e Joaquim Nabuco so
contemporneos. [Sin. ger.: coevo, coetneo.]
Neste sentido, os autores citados no tratam de um fenmeno em particular a

ocorrer dentro do espao social da capoeira, mas sim, elaboram seu estudos no
sentido de analis-la tal qual se apresenta na atualidade. Jaqueira (2006) adiciona
ainda uma nota de rodap atentando o leitor para tal fato, mas chamando ateno
para outra forma de abordagem:
Atenta-se aqui para o fato de os capoeiristas segmentarem a

expresso em causa em estilos e por entenderem que as dinmicas
sofridas pelo estilo denominado Capoeira Regional merecerem
nomes especficos, apesar de serem incapazes de diferenci-los em
questes tcnicas, por exemplo. Assim sendo, uma dessas formas
dinamizadas da capoeira recebeu o ttulo de Capoeira
Contempornea, entendimento o qual guarda sentido diferenciado de
nossa proposta do retratar o universo capoeirstico contemporneo
aos nossos dias como um todo, e no como um estilo. (p. 19)
De fato, o contexto histrico que a autora traz, coadunando com aquele

apresentado anteriormente no presente estudo, remetem discusso do tratamento
ou no da capoeira contempornea como um escola que se somaria aos dois
tradicionais. Tal referncia pode ser encontrada na literatura, como caso de
Fontoura e Guimares (2003) que ao estudar o contexto da capoeira na cidade de
Florianpolis constataram que boa parte dos grupos de capoeira entrevistados (...)
32
relataram que, embora tenham uma identidade maior com a linhagem da Capoeira
Regional, o estilo que praticam denominado Capoeira Contempornea. Apesar
das autoras no pormenorizarem o que caracteriza tal escola, pode-se observar
alguns dos agentes deste espao social aderem noo de que o objeto aqui
estudado existe como um escola prpria.
J para Arajo et.al. (2011, p. 23), esta terminologia no chega a dar conta de
descrever a forma atual de praticar a capoeira fora do paradigma angola/regional,
mesmo que seja utilizada desta forma. O autor menciona ainda o uso do termo
estilo Regional-Senzala, referendando o grupo j citado no presente estudo, o qual
teria desenvolvido novas estruturas de prtica que se disseminaram neste espao
social. Entre elas estaria a tendncia esportivizao, a qual, no entanto,
creditada por Silva et.al. (2009) como um fundamento da capoeira contempornea.
Faz-se necessrio ainda chamar ateno para a tendncia que existe de se

evitar caracteriz-la como uma escola, mas ainda trat-la como a prtica da capoeira
pela aderncia s escolas tradicionais, somada possibilidade de desenvolver
outros aspectos que a completem. Tal abordagem encontra-se presente em
Candusso (2007) que, em nota de rodap, busca esclarecer a experincia que teve
em dado batizado de capoeira:
A Academia (...) voltada para a capoeira contempornea, na qual

esto presentes tanto a tradio de angola como a regional. Por esta
razo, promove momentos ritualsticos como batizados e troca de
cordes, ausentes nos ambientes de capoeira angola tradicional (p.
2).
Esta descrio corrobora com o que foi escrito por Fonseca (2010), autor que
associa o surgimento da capoeira contempornea abordagem paulista que foi
dada prtica:
Um fato interessante, que serve como marco para o surgimento da

capoeira contempornea, a juno de estilos, com mestres da
capoeira angola e mestres da capoeira regional dividindo o mesmo
espao, a mesma roda. Mesmo que defendendo o estandarte de
algum estilo especfico, esse elemento agregador marcante na
capoeira paulista, e, como exemplo maior, tem-se a criao do Grupo
Cordo de Ouro, fundado pelos mestres Suassuna (Regional) e
Braslia (Angola) (p. 40).
33
Portanto, podemos observar como a utilizao desta terminologia, apesar de

se mostrar extensa, ainda perpassa um perodo nebuloso no que tange sua real
representao na literatura acadmica, o que nos leva necessidade de abordar
este objeto de estudo pela perspectiva de seus agentes sociais. Para tanto,
analisarei este fenmeno partindo do estudo das possveis rupturas ou
convergncias com os fundamentos tradicionais, momento histrico no qual o uso
deste termo, assim como de ainda outros, passou a ocorrer. Da mesma forma,
preciso compreender o modelo artesanal que caracteriza a capoeira para entender
porque a entrevista com seus agentes sociais faz-se necessria para devidamente
represent-la.
34
6. METODOLOGIA
Levando-se em considerao que: a) a capoeira contempornea, enquanto

um fenmeno social em particular, carece de anlise bibliogrfica mais detalhada; b)
a capoeira como um todo se apresenta hoje pautada pelo modelo artesanal de
ensino e aprendizagem vinculado s corporaes e escolas de ofcio, e: c) tal
modelo caracteriza-se pela valorizao de seu aspecto prtico e da figura do mestre
enquanto detentor dos conhecimentos e segredos que compem o ofcio; factvel
afirmar que os fundamentos necessrios devida anlise do objeto de estudo em
questo devero advir principalmente do prprio espao social da capoeira, em
particular dos prprios mestres.
Neste sentido, buscamos os significados atribudos ao fenmeno social

descrito como capoeira contempornea pautando-nos pelos discursos dos agentes
sociais que se tornaram representativos deste espao social por sua deteno dos
fundamentos que o compoem. Uma pesquisa qualitativa descritiva foi conduzida
atravs de entrevistas semi-estruturadas com tais indivduos com as perguntas
enfocando o esclarecimento do significado, definio e elementos componentes do
objeto de estudo, alm da representatividade e processo de aquisio do ttulo de
mestre. Tendo em mos tais dados, estes foram tratados e discutidos atravs da
anlise dos contedos baseada nos mtodos descritos por Bardin (2004).
A pesquisa de natureza qualitativa
No tratante das naturezas metodolgicas, este trabalho pauta-se por uma

base qualitativa de anlise. A pesquisa quantitativa caracteriza-se pela quantificao
dos dados de pesquisa e sua devida anlise estatstica, principalmente para
averiguar as relaes entre variveis, relaes de causalidade ou garantir a preciso
dos resultados (OLIVEIRA, 2002). J na pesquisa qualitativa, o foco reside na
anlise de casos onde tal quantificao de dados no aplicvel, seja por no existir
uma quantidade extensa de fontes s quais se referendar, ou pela natureza do tema
de pesquisa girar em torno de questes no quantificveis, como na anlise de
atitudes, motivaes, expectativas, valores ou opinies de grupos sociais especficos
(ALVES-MAZZOTTI e GEWANDSZNAJDER, 2001; OLIVEIRA, 2002). De acordo
35
com Ldke e Andr (1986), este tipo de pesquisa tem natureza descritiva e indutiva,
dando maior nfase ao processo que ao produto e aos significados que as pessoas
do s coisas e vida. Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (2001) apontam que as
principais caractersticas deste tipo de pesquisa so a viso holstica, abordagem
indutiva e investigao naturalstica.
Assim, as entrevistas realizadas foram predominantemente qualitativas,

enfatizando, portanto, o nmero reduzido de sujeitos (em comparao com uma
pesquisa quantitativa) cujos significados dados ao objeto de estudo estaro em foco.
Entrevistas
As entrevistas desta pesquisa foram conduzidas de acordo com o

estabelecido no protocolo aprovado pelo Comit de tica em Pesquisa (CEP) do
Instituto de Biocincias da Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Rio
Claro, nmero 7460. Os locais nos quais esta etapa se deu foram determinados em
acordo com os prprios entrevistados para tornar sua participao nesta pesquisa o
menos incmoda possvel. Por buscar indivduos particulares como sujeitos, os
quais no necessariamente residirem na cidade de desenvolvimento da pesquisa,
isto predominantemente exigiu o deslocamento do entrevistador para diferentes
cidades para a coleta dos dados. A estrutura das entrevistas foi apresentada para
apreciao da banca de qualificao desta dissertao como critrio de apreciao
pelos pares, e adequada para viabilizar sua aplicao. Buscamos com isto estar
devidamente preparados para a realizao das entrevistas da melhor forma possvel,
e assim evitarmos a necessidade de novos encontros devido a uma eventual
entrevista realizada sob uma estrutura inadequada.
As entrevistas deste trabalho tiveram o objetivo de trazer luz ao tema atravs

das contribuies de indivduos que se tornaram representativos do espao social da
capoeira. A pormenorizao de tais sujeitos participantes ser detalhada logo mais.
36
Entrevistas semi-estruturadas
Esta etapa da pesquisa configura-se como sendo de cunho qualitativo, o que,

como j apresentado anteriormente, caracteriza-se pela anlise de dados cuja
quantificao no aplicvel. No caso destas entrevistas, isto ocorre por estarmos
abordando os objetivos deste trabalho atravs das consideraes, valores e
expericias de indivduos particulares e representativos de seu espao social. Tal
fonte no passvel de quantificao, mas sim da abordagem particularizada que
caracteriza a pesquisa qualitativa.
De acordo com Ludke e Andr (1986), a entrevista semi-estruturada justifica-

se exatamente por sua flexibilidade onde existe o momento de elaborao de
perguntas, mas deixando-se o entrevistado livre em sua resposta e o entrevistador
possibilitado de incluso de novas perguntas no previstas, e esclarecem:
Especialmente nas entrevistas no totalmente estruturadas, onde

no h a imposio de uma ordem rgida de questes, o entrevistado
discorre sobre o tema proposto com base nas informaes que ele
detm e que no fundo so a verdadeira razo da entrevista. Na
medida em que houver um clima de estmulo e de aceitao mtua,
as informaes fluiro de maneira notvel e autntica. A grande
vantagem da entrevista sobre outras tcnicas que ela permite a
captao imediata e corrente da informao desejada, praticamente
com qualquer tipo de informante e sobre os mais variados tpicos.
(LUDKE e ANDR, 1986, p.33-34)
Assim sendo, a liberdade dos entrevistados para conceder uma resposta

aberta onde possam contribuir com o que consideram relevante a respeito do tpico
de extrema importncia para a devida aplicao deste mtodo. Portanto, para
cumprir com este fator, mas tambm fazermos o recorte ao qual nos popomos,
consideramos sensato realizar entrevistas de natureza semi-estruturadas.
Em cada entrevista, foram utilizadas cinco perguntas norteadoras (APNDICE

2) com a possibilidade de surgimento de novas questes caso fosse considerado
pertinente pelo entrevistador, tal qual se faz possvel em entrevistas de natureza
semi-estruturada (LUDKE e ANDR, 1986). Cada depoimento, aps transcrito, foi
reenviado ao sujeito em questo para que pudesse dar sua apreciao.
37
Sujeitos da pesquisa
A etapa de entrevistas deste trabalho teve o objetivo de trazer luz ao tema

atravs das contribuies de indivduos que se tornaram representativos do espao
social da capoeira. Esta escolha se pautou na representatividade histrica, ou de
campo, do sujeito em potencial por sua prolongada experincia e contribuio
atuante dentro deste espao social. Assim, a escolha dos sujeitos da pesquisa
buscou inicialmente abarcar mestres de capoeira contempornea atuantes no
desenvolvimento, preservao e disseminao desta. No entanto, os primeiros
mestres entrevistados argumentaram que, para tratar das questes abarcadas por
este estudo, certos capoeiristas da capoeira contempornea poderiam estar
preparados para responder s questes, mesmo sem ainda ter recebido a titulao
de mestre. Tais participantes deveriam apresentar caractersticas de formao na
capoeira que coadunasse com a experincia prxima do mestre, ou seja, ser
contramestre ou mestrando, de acordo com hierarquizao de seu grupo, cabendo
ressaltar que sua incluso se deu prioritariamente pela indicao dos mestres
consultados previamente.
Os mestres entrevistados argumentaram que estes capoeiristas sugeridos por

eles estavam aptos para participar do estudo devido ao seu tempo de atuao na
capoeira, dedicao como ministradores de aulas e por seu empenho em se manter
atualizados quanto aos fundamentos da prtica.
Anlise dos dados coletados
Para o tratamento dos dados coletados neste estudo, foram utilizados os

procedimentos de anlise de dados em pesquisa qualitativa apresentados por Ldke
e Andr (1986). Mesmo se tratando de um conjunto de tcnicas voltadas anlise
de um determinado objeto de estudo, tais procedimentos ainda so vastos e
adaptveis, talvez devido prpria natureza complexa da pesquisa qualitativa e de
seus objetos de anlise. Ainda assim, as referidas autoras traam uma linha a ser
seguida na qual os detalhes mostram-se passveis de adaptao de autor para
autor.
38
De acordo com as autoras (op. cit.), tal anlise deve partir de um intenso
processo de leitura e releitura dos dados coletados para, a partir destes,
discernirmos os elementos de relevncia ao estudo e sua recorrncia nos discursos
dos sujeitos, sem perder de vista as correlaes de tais elementos entre si. Esta
identificao de relevncias busca no apenas destacar as mensagens explcitas no
material coletado, mas tambm ir desvelando mensagens implcitas, dimenses
contraditrias e temas sistematicamente silenciados (op. cit., p. 48).
Como j apresentado, nosso estudo abordou o tema da capoeira

contempornea com enfoque na: a) sua classificao; b) relaes com as escolas
tradicionais; c) relaes com as reas da educao fsica e esportes, e; d) embates
sociais dela decorrentes. Assim, as informaes que buscamos nos discursos dos
sujeitos deveriam abordar estes objetivos do estudo de uma forma que
apresentassem nova luz neste sentido. Com este direcionamento inicial em mente,
permitimos que os prprios dados identificados fizessem surgir categorias de
classificao dos mesmos, atravs das quais pudssemos enxergar nosso objeto de
estudo com maior clareza.
As autoras (op. cit.) sugerem que o registro de tal processo se d atravs da

opo por alguma forma de codificao para se demarcar os momentos nos quais
cada tipo diferente de dado surgisse. Esta demarcao pode tomar diversas formas:
A forma de codificao pode variar muito. Alguns preferem fazer

anotaes margem dos relatos, identificando cada categoria com
um cdigo e registrando numa folha parte a categoria e as pginas
onde podem ser localizadas. Outros preferem xerocopiar as
anotaes, recortando e reunindo as partes referentes aos mesmos
conceitos. Outros ainda utilizam fichrios, onde vo separando, ao
longo da coleta, todo o material relativo a um mesmo tema ou
conceito. (LDKE e ANDR, 1986, p. 49).
Optamos pelo desenvolvimento desta etapa atravs da leitura de cada

entrevista em sua totalidade para destacar os trechos considerados pertinentes
elucidao dos objetivos e questes de estudo do presente trabalho e os
registramos em quadros no Microsoft Excel para um primeiro mapeamento. Os
depoimentos, registros ou descries foram organizados por unidades de
significados dentro de uma determinada temtica especfica para que pudssemos
identificar tanto os fatores considerados de relevncia para cada entrevistado como
recorrncias desses discursos (depoimentos, registros ou descries).
39
No geral, houve tambm um trabalho de reavaliao de todas as entrevistas

executado quatro vezes. Portanto, o processo de anlise das entrevistas se deu
continuamente medida que o material coletado era lido e repetidamente com
cada releitura desvelando novas nuances nos relatos. Ao final desta etapa, os
trechos dos discursos contidos nos quadros apresentavam-se separados em 54 sub
categorias contendo as informaes obtidas nas entrevistas. Porm, no
procedemos ao tratamento usual que se faz na anlise de contedo, naquilo que se
refere ao apontamento de categorias ou sub categorias provenientes das
respostas/descries dadas a cada questo, mas sim, inversamente por temas
centrais que emergiram do conjunto das questes desenvolvidas nas entrevistas.
No mbito desse contexto, as sub categorias foram correlacionadas entre si

de acordo com sua proximidade temtica e agrupadas em sete categorias.
Neste processo, optamos por apresentar os resultados de forma inversa
elaborao dos mesmos, ou seja, apresentando primeiramente as categorias que
surgiram para que se possa ter, desde o incio uma viso geral dos resultados. Com
isto, seguiremos para uma pormenorizao das sub categorias, apresentando cada
trecho das entrevistas que nos levaram sua organizao. Esperamos, com isto,
deixar mais clara a apresentao de nossos resultados antes de chegarmos
discusso propriamente dita.
40
8. RESULTADOS
Como j mencionado, as entrevistas foram conduzidas de tal forma que

permitissem a livre exposio sobre o tpico em questo por parte dos sujeitos.
Aps coletadas, as entrevistas puderam ser submetidas a uma anlise e
consequente identificao dos pontos levantados pelos entrevistados que pudessem
melhor elucidar a compreenso do fenmeno social denominado capoeira
contempornea.
Seguindo o padro geral proposto por Ldke e Andr (1986), exposto na

metodologia do presente estudo, desenvolvemos a explorao do material coletado
primeiramente analisando as entrevistas em busca dos apontamentos
correlacionados ao recorte pertinente aos objetivos que propusemos. Desta forma,
tais apontamentos foram destacados enquanto caractersticas componentes da
capoeira contempornea, de acordo com indivduos representativos do espao
social desta. Depois de reconhecidos de forma particular, tais traos tornaram-se
passveis de serem novamente identificados nas demais entrevistas que
compuseram este estudo, permitindo, portanto, a elucidao de padres e
tendncias nos relatos dos sujeitos participantes.
Como j mencionado no captulo de metodologia, este trabalho buscou fazer

uma abordagem com foco qualitativo, representado, entre outras coisas, pela
desnecessidade e mesmo impossibilidade (devido ao pequeno nmero de sujeitos)
de uma quantificao dos dados. Ainda assim, ela baseia-se em entrevistas com
indivduos representativos de um espao social especfico onde eles se consolidam
enquanto principais detentores dos conhecimentos e saberes que estruturam toda a
prtica. Dada a extenso de sua representatividade e da ntima conexo que
espera-se que eles tenham com os fundamentos componentes de seu espao
social, consideramos que o reduzido nmero de sujeitos no se caracteriza como
empecilho para uma anlise comparativa entre os discursos. Desta forma, nossa
anlise precisaria buscar, no apenas as relevncias que surgissem nos discursos
em particular, mas tambm em quais destes momentos encontramos concordncia e
consenso entre os entrevistados, mesmo que este tenda a no ser o caminho
normalmente seguido em pesquisas qualitativas.
41
Assim, com o material coletado em mos, pudemos enquadrar cada relato

destacado em categorias passveis de serem analisadas separadamente. Desta
forma, buscamos compreender nosso objeto de estudo em cada um dos aspectos
gerais, cada qual elaborado a partir dos fatores levantados pelos prprios
entrevistados. Como j mencionado na metodologia deste trabalho, os resultados
sero apresentados de forma inversa a como foi feita a anlise dos dados coletados.
Delinearemos primeiramente as categorias alcanadas, seguidas das sub categorias
que as formaram, e os trechos das entrevistas que embasaram tais resultados.
Buscamos, com isto, informar previamente de onde chegamos com o processo de
analise adotado.
Desde os primeiros encontros com os entrevistados, e posteriormente na

anlise do material coletado, nos deparamos com a necessidade de dar ateno s
compreenses que aqueles tinham a respeito de certos termos chave para o nosso
estudo. Percebemos que o que se entende, nas entrevistas, por estilo, escola e
contemporaneidade, precisaria ser mais bem esclarecido para que se pudesse fazer
uma anlise mais slida das demais questes. Os usos de tais termos nos discursos
coletados foram, portanto, isolados em subcategorias de anlise, estes mesmos
formando a categoria a qual denominamos de Capoeira Contempornea, com a qual
buscamos compreender o significado dado s palavras chave.
Assim, foi possvel perceber como a caracterizao dos fatores componentes

da capoeira contempornea se sustenta principalmente pela vinculao com os
artefatos e rituais tradicionais da prtica (categoria AER) e pela apropriao cultural
de fundamentos advindos de outras reas, manifestaes e prticas at ento
distintas da capoeira (categoria APC). A categoria AER surge em todas as
entrevistas, demonstrando como a capoeira contempornea, apesar de se
diferenciar das escolas tradicionais, busca se manter atrelada a elas denotando, com
isso, uma sustentao de sua ancestralidade. Ainda assim, a categoria APC
demonstra tambm que esta manifestao da prtica da capoeira carrega uma forte
caracterstica de incorporao de outras manifestaes na composio de seus
fundamentos. Podemos considerar, portanto, que a capoeira contempornea parecia
manter uma relao dual com as prticas tradicionais no sentido de que ela se
sustenta em tais prticas, mas ao mesmo tempo as transforma criando uma relao
simbitica com outras fontes.
42
Ainda assim, pudemos encontrar menes a formas de execuo de

movimentos e rituais especficos que diferenciariam, de acordo com os
entrevistados, a capoeira contempornea de outras manifestaes culturais que a
antecederam. Para podermos abordar tais vicissitudes, optamos por isol-las em
uma categoria denominada Identidade: Caractersticas e Elementos (ICE), por
envolver o modo como cada sujeito delineava os procedimentos metodolgicos, as
estratgias, os rituais e as movimentaes que foram vinculadas capoeira
contempornea, enfim, a uma identidade. Cabe colocar, ainda, que esses artefatos,
rituais ou procedimentos tinham tambm como fonte de informao os modelos
tradicionais, ou seja, uma determinada cultura.
Neste sentido, foi possvel identificar menes ao perfil tpico do praticante de

capoeira contempornea, como as movimentaes adotadas, as influncias das
inter-relaes sociais e o perfil etrio. Esta caracterizao do praticante trouxe luz no
sentido de mais extensamente identificarmos os fatores que compem e
particularizam o objeto de estudo. Com isto, isolamos a tais menes e chegamos a
uma nova categoria denominada Praticante (PRA).
Por adotarmos uma anlise da capoeira como um todo a partir de um modelo

artesanal DE FORMAO DE SEU PRATICANTE, buscamos questionar os
entrevistados exatamente a respeito DESTE processo PARA O capoeirista,
principalmente do mestre de capoeira contempornea. Cabe ressaltar que a
formao dos mestres representa um tema de grande importncia nas escolas de
capoeira tradicionais (ABIB, 2006; FONSECA, 2008; SILVA, 2009; SOUZA, 2010),
demonstrado de forma icnica quando os saberes dos mestres foram includos no
livro dos saberes do IPHAN na declarao da capoeira como Patrimnio Cultural
Imaterial do Brasil (IPHAN 2007). Desta forma, esta temtica de extrema
relevncia para a anlise de nosso objeto de estudo e inevitavelmente comps uma
macro categoria prpria denominada Formao (FM) que nos permitiu discutir o
processo de formao que se d neste espao social.
Finalmente, certas entrevistas tambm apresentaram referncias a certos

grupos e mestres caracterizando-os enquanto representativos da prtica de capoeira
contempornea. Como j discutido anteriormente neste trabalho, a partir da segunda
metade do sculo XX o conceito de grupo de capoeira passou a disseminar-se e
43
muitos foram aqueles que surgiram enquanto unificaes de capoeiristas com vises
prprias da prtica e organizados sob um ou mais mestres. Desta forma, a
identificao de grupos e mestres representativos da capoeira contempornea a
partir dos entrevistados abriria a possibilidade de se abordar nosso tema
EMBASANDO-NOS PELOS fundamentos defendidos por tais indivduos e grupos.
Portanto, destacamos estas menes em uma categoria denominada Grupos e
Mestres de Capoeira (GEM).
Portanto, as informaes coletadas foram agregadas nas seguintes

categorias:
Capoeira Contempornea (CAC) - Trechos das entrevistas nos quais os

entrevistados evidenciam sua compreenso, definio ou considerao a
respeito de termos especficos e de grande relevncia para o presente
trabalho, em particular os termos estilo (de capoeira), escola (de capoeira) e
contemporneo.
Grupos e Mestres de Capoeira (GEM) - Menes a grupos, mestres ou
outras entidades consideradas referenciais do surgimento ou prtica da
capoeira contempornea pelos entrevistados.
Artefatos e Rituais na Capoeira (AER) Menes que remetem uma
relao de continuidade entre a capoeira contempornea e as escolas
tradicionais ou a ancestralidade de capoeira, elucidando, portando, fatores
que se mantiveram naquela.
Apropriao Cultural (APC) - Caractersticas adquiridas pela capoeira
contempornea advindas de outros campos, reas ou prticas independentes
da capoeira como um todo, ou influncias destas naquela.
Identidade: Caractersticas e Elementos (ICE) - Menes ao formato dado
aos golpes, movimentaes ou rituais desenvolvidos dentro da prpria
capoeira contempornea que a diferenciam das prticas tradicionais.
Praticantes (PRA) Trechos das entrevistas que apresentam aspectos que
delineiam o perfil caracterstico dos praticantes de capoeira contempornea,
diferenciando-o dos praticantes dos modelos tradicionais.
44
Formao (FM) Fatores, etapas e rituais considerados essenciais no

processo de formao do aprendiz at ele se tornar mestre de capoeira
contempornea, e delineamentos sobre o perfil que se espera de tal mestre.
O grau de relevncia de cada uma destas categorias no que tange a

compreenso do fenmeno capoeira contempornea, de acordo com os relatos dos
entrevistados (Ent), pde ser resumido na enumerao geral das citaes destes
que se relacionassem a aquelas. Apresentamos estas informaes no Quadro 5 a
seguir:
Ent A Ent B Ent C Ent D Ent E Ent F Ent G Ent H total

CAC 3 1 3 1 4 0 4 2 18
GEM 0 0 3 2 8 0 0 0 13
AER 3 3 3 3 4 4 3 3 26
APC 3 2 1 3 5 3 3 1 21
ICE 0 1 0 2 2 0 3 3 11
PRA 0 1 1 2 2 1 2 1 10
FM 5 4 3 8 2 4 6 5 39
Quadro 4: Citaes dos entrevistados por categoria de relevncia.
O Quadro 5 possibilita uma avaliao geral das opinies dos entrevistados em

relao a cada uma das categorias identificadas a partir de seus prprios discursos,
apresentando, assim, uma viso dos aspectos emergentes para se traar um
significado para a capoeira contempornea. No entanto, para melhor
compreendermos nosso objeto de estudo, faz-se necessrio analisarmos em mais
detalhes cada uma das categorias de relevncia acima apresentadas. Assim,
passemos agora pormenorizao destas.
8.1. Capoeira Contempornea
Ao longo dos seus discursos, os entrevistados abordaram a capoeira

contempornea da forma como eles a consideravam em sua organizao ou
manifestao. Neste contexto, pudemos identificar que, em certos momentos, o
entendimento dos sujeitos a respeito de certas terminologias utilizadas ficou mais
claro, nos provindo, portanto, de indcios de suas compreenses semnticas de
certos termos. Neste caso, esta questo gira em torno principalmente dos termos
45
contemporneo e capoeira contempornea. Mas interessante notar como o termo

estilo de capoeira surge nos discursos dos sujeitos com significaes diferentes
entre eles, ou mesmo na fala de um mesmo entrevistado. O Quadro 5 apresenta a
subdiviso desta categoria de acordo com a natureza das menes de cada
entrevistado (Ent) e as citaes em si:
46
Subdiviso Ent Citao

Constitui nova Isso ser contemporneo. E esse um dos estilos de capoeira que tem hoje. (P. 2,
B L. 28-29)
escola
Ento isso ... eu acho que essa evoluo que a capoeira teve que eles esto
A denominando de contempornea, mas capoeira. (P. 3, L. 9-11)
como eu digo pra voc n, ns no podemos afirmar que a capoeira contempornea
C seja praticamente um estilo porque existem vrios grupos e cada grupo ele segue uma
certa tradio. (P. 1, L. 36-38)
No constitui nova (...) eu acho que uma forma de jogar capoeira. Mas ela no um estilo, com
E fundamentos. (P. 5, L. 14-17)
escola
Agora, a contempornea no (...) no uma escola fundida como a angola e a
G regional. isso a? (P. 8, L. 25-26)
Esto querendo criar um novo estilo. No existe um novo estilo. Capoeira
H contempornea liberdade, a arte do momento. aquilo que voc pode fazer
naquele momento e aquilo que voc deve fazer naquele momento. (P. 5, L. 23-26)
Ento eu entendo, na minha condio, que no existe a capoeira contempornea. Isso
A uma denominao criada, inventada, mas que na verdade existe capoeira. E eu jogo
capoeira, seja angola, seja regional, seja contempornea. (P.2, L. 27-29)
Discordncia com
Em primeiro lugar, o termo capoeira contempornea, eu acho ele redundante.
o termo Contempornea a poca em que vivemos. Isso pode ser daqui a trinta anos, e as
E pessoas falarem isso, ou a trinta anos atrs, ou a cinquenta, ou cem anos. a poca
em que ns estamos vivendo. Eu prefiro o termo capoeira moderna. (P. 1, L. 4-8)
(...) contempornea aquilo que do momento. aquilo que acontece no momento.
C Falar sobre capoeira contempornea, na minha opinio... aquilo que acontece no
Sentido semntico momento. (P. 1, L. 5-7)
de contempornea Bom, na minha opinio, falar sobre capoeira contempornea falar da capoeira que
G est no momento, que o nome mesmo, contemporneo diz, n, da atualidade, do
momento. (P. 1, L. 5-7)
Se diz, que nem eu j falei pra voc antes, que alguns falam capoeira contempornea,
Equivalncia de
G eu j ouvi capoeira estilizada, capoeira atual. Uns falam que s capoeira, que no
outros termos precisa esse negcio de contemporneo. (P. 1, L. 25-27)
Eu jogo angola e eu jogo regional. O que vai dizer o que eu vou jogar vai ser o toque
do berimbau, porque ele que comanda a roda. Ento se pra jogar angola, o toque
A de angola que vai acontecer e eu vou jogar angola. Se pra jogar regional, um
toque de regional vai acontecer e eu vou jogar regional. (P. 2, L. 8-11)
Ento essa diferena (entre contempornea e tradicionais), se eu for falar pra voc
D que tem essa diferena, essa questo de postura, da maneira de se colocar dentro
do ritmo, n. Porque o capoeira joga com o berimbau ali, no assim? (P. 6, L. 2-5)
Estilo: forma de Na verdade, o capoeira, o capoeira que bamba mesmo, no sou eu que lhe imponho
jogar capoeira E o estilo dele. Ele como a gua. Ele vai se moldar no ambiente em que ele est. (P. 3,
L. 14-15)
E na capoeira regional tambm so dois estilos: so bento rpido jogo de Bimba, e
so bento lento, tambm jogo de Bimba. E na angola, voc tem o jogo de dentro, que
rasteiro, e o jogo de fora, que o jogo alto, que a capoeira. E a capoeira
H contempornea, ela vem fazer o que? Essas trs fuses. No as quatro, as trs.
Ela pode jogar em baixo, no meio e em cima. Eu acho que um estilo livre. (P. 4, L.
20-27)
(...) pra se classificar como um estilo ele tem que ser... ... tem que ter todos os seus
C movimentos pr-determinados, tem que ter uma uniformizao. (P. 1, L. 20-22)
"O que uma tradio, de acordo com alguns autores da antropologia? A tradio
algum ritual que foi criado por um grupo de pessoas que tinham um significado
perante aquela cultura, e eles tinham representatividade e decidiram que aquilo ia ser
E daquela forma. E todas as geraes subsequentes seguem aquilo. (...) Ento, a
Estilo: escola de
capoeira contempornea, ou moderna, ainda no tem uma tradio inventada. (P. 5,
capoeira com
L. 16-31)"
tradies Porque, quando voc fala de um estilo, vamos supor o angola, que , eu acho, que o
consolidadas mais fechado e o mais forte, ele tem toda uma caracterstica idntica do seu mestre
que fundou aquela escola. Idntica, no mudou uma vrgula. Inclusive como postura
G de berimbau, toques. E da regional, o pouco que eu conversei com os mestres que
so discpulos de Mestre Bimba mesmo que ainda esto vivos, mais ou menos a
mesma coisa, s que do jeito que o Mestre Bimba fazia no passo. Ento, isso um
estilo. (P. 7, L. 32-38)
Quadro 5: Categoria Capoeira Contempornea.
A compreenso de como a capoeira contempornea se configura para seus

praticantes, inevitavelmente perpassa seu entendimento, ou no, enquanto uma
47
escola de capoeira. Neste trabalho, optamos pela utilizao da terminologia escola

por consider-la mais adequada para descrever a forma como se estabeleceram os
modelos tradicionais de prtica da capoeira, angola e regional. Ainda assim,
notrio como, neste espao social, a utilizao do termo estilo ainda se mostra mais
dominante entre seus agentes.
Observando o Quadro 5, podemos perceber como as opinies divergem no

tratante da terminologia estilo. Apesar de notarmos que tal terminologia foi utilizada
nos discursos dos entrevistados C, E e G no mesmo sentido que demos ao termo
escola neste trabalho, percebemos como os entrevistados A, D, E e H fizeram uso
desta terminologia num sentido que mais denotava a forma como a capoeira
jogada num dado momento. Esta divergncia semntica reforada ainda no
discurso do entrevistado E, que se refere ao estilo, ora como forma de se jogar
capoeira, ora como uma escola consolidada com suas tradies inventadas (Quadro
5). No entanto, o sujeito se mostra mais enftico nesta ltima opinio, inclusive
fazendo uso da mesma terminologia oriunda de Hobsbawm (1997) para justificar sua
opinio.
Portanto, faz-se necessria a distino das duas terminologias para que mais
adequadamente possamos abordar a temtica em questo. Assim, reforamos o uso
do termo escola tal qual j descrito anteriormente neste trabalho, ou seja, no tratante
de modelos de prtica fechados e perpetuados atravs de tradies inventadas,
apesar de que, no contexto dos sujeitos C, E e G, estilo apresenta a mesma
conotao que escola. Para este texto, concordaremos com o termo estilo da
mesma maneira que utilizado pelos entrevistados A, D, E e H, ou seja, como a
forma que o capoeirista em particular joga capoeira, seja por opo circunstancial
num momento em particular, ou por sua insero numa escola de capoeira
especfica. Esta uma opo circunstancial adotada para o desenvolvimento deste
trabalho em particular para evitar equvocos quando da utilizao de um termo ou
outro. Ainda assim, deixamos a sugesto desta utilizao em publicaes futuras.
Com isto em mente, retornemos questo da classificao, ou no, da

capoeira contempornea, enquanto uma escola de capoeira, tal qual o so a angola
e a regional.
48
Podemos observar como, de forma geral, os entrevistados apresentam

opinies que refutam o tratamento da capoeira contempornea como uma escola.
Os argumentos tendem a girar em torno exatamente da questo de que este
fenmeno carece de uma tradio consolidada e continuada ou nos termos de
Hobsbawm (1997), uma tradio inventada que permita uma fiel reprodutibilidade
de sua prtica. Esta opinio mostrou-se presente nos discursos de cinco dos
entrevistados (A, C, E, G e H), incluindo mesmo alguns que tratam o termo estilo em
sentido de forma circunstancial de jogo (A e H).
Um dos entrevistados (B) afirmou que a capoeira contempornea (...) um

dos estilos de capoeira que tem hoje, mas no fica evidente, em seu discurso, o
sentido em que o entrevistado trata o termo estilo. Dois dos entrevistados (D e F)
no apresentaram consideraes neste tratante.
Em alguns dos relatos, o prprio termo contempornea colocado em

cheque. Dois dos entrevistados declaram que discordam mesmo do uso desta
terminologia por ela no descrever de forma adequada o que eles compreendem por
este fenmeno. O entrevistado A declara que ele pratica apenas (...) capoeira, seja
angola, seja regional, seja contempornea, ou seja, que ao no se declarar
praticante de apenas uma escola, sua prtica se caracteriza como a prtica da
prpria capoeira, sem necessidade de rotulao. Isto entra em concordncia com a
compreenso de estilo enquanto uma forma de jogar que surge no discurso do
entrevistado A. J o entrevistado E discorda da terminologia, tratando-a no sentido
de era histrica, argumentando que isso pode ser daqui a trinta anos, (...) ou a trinta
anos atrs, ou a cinquenta, ou a cem anos. Neste caso, o entrevistado E sugere a
utilizao do termo capoeira moderna por consider-lo mais adequado para
descrever a capoeira tal qual praticada nos tempos atuais.
Neste sentido, a opinio do entrevistado G parece aproximar-se daquela dos

entrevistados A e E, j que ele vislumbra a existncia de outras terminologias
equivalentes ao termo contempornea, tal qual capoeira estilizada ou capoeira
atual, ou mesmo apenas capoeira, tal qual defendido pelo entrevistado A.
Da mesma forma que o entrevistado E, os entrevistados C e G demonstram

utilizar o termo contempornea num sentido semntico, mas, neste caso, como
aquilo que faz parte da poca atual. Este significado, portanto, trata da capoeira
49
contempornea enquanto qualquer prtica da capoeira na atualidade, justificando

assim o fato deles no a tratarem como uma nova escola, mesmo que ela englobe a
prtica das escolas tradicionais.
8.2. Grupos e Mestres de Capoeira
Alm da identificao das caractersticas referenciais da capoeira

contempornea, consideramos que seu delineamento histrico e social seria
beneficiado pela exposio de grupos e mestres que os prprios agentes deste
espao social consideram como representantes deste modelo de prtica.
Dois grupos, a Associao Abad e o Grupo Muzenza, receberam uma maior

ateno por parte dos entrevistados, da mesma forma que o patrono da Associao
Abad, Mestre Camisa, em relao a outros mestres. Outros mestres citados foram
Mestre Peixinho e Mestre Camisa Roxa como representantes do Grupo Senzala,
que enquanto grupo foi citado uma vez, assim como os demais, Candeias, Gerais e
Cordo de ouro.
Subdiviso Ent Citao

Inclusive quando Mestre Camisa, do Rio de Janeiro, ele fundou o grupo... quer dizer, a
associao Abad... porque o Abad uma associao, e... ele trouxe novas tcnicas e
C muitas inovaes na capoeira. Mestre Camisa ele foi da capoeira regional, da regional ele
fez vrias atualizaes, e se deu esse nome, passou a se chamar capoeira contempornea
pra diferenciar da capoeira angola e da regional, que so as tradicionais. (P. 1, L. 28-33)
Grupo representativo:
A vem outros grupos, n. Tudo cpia do grupo... eu falo que tudo ns que fazem a
Abad D capoeira contempornea cpia do Capoeira Abad. (P. 1, L. 13-14)
As pessoas esto seguindo os grandes grupos. Mas na verdade os mestres dos grandes
grupos... eu falo do Muzenza, Abad, Gerais, e tantos outros grupos que tem por a.
E Candeias, Cordo de Ouro. Assim, eu no quero ser injusto com nenhum outro grupo, mas
tem muitos grupos grandes. (P. 2, L. 34-37)
Existe grupos, como eu vou citar aqui, o grupo Abad, o grupo Muzenza, que so grandes
C grupos, n. E eles tem uma uniformidade no trabalho deles. (P. 1, L. 23-25)
Grupo representativo: As pessoas esto seguindo os grandes grupos. Mas na verdade os mestres dos grandes
Muzenza grupos... eu falo do Muzenza, Abad, Gerais, e tantos outros grupos que tem por a.
Mestre representativo: Mestre Camisa ele foi da capoeira regional, da regional ele fez vrias atualizaes, e se deu
Mestre Camisa C esse nome, passou a se chamar capoeira contempornea pra diferenciar da capoeira
angola e da regional, que so as tradicionais. (P. 1, L. 30-33)
Embora o grupo que mais preserva a capoeira contempornea aqui do Brasil, com o
D Mestre Camisa, que o grupo Abad Capoeira, n. Entendeu? Eles preservam muito a
capoeira contempornea mesmo. (P. 1, L. 9-12)
Grupo representativo: E a partir da capoeira regional, os meninos, ento, do grupo Senzala desenvolveram essa
Senzala E maneira de treinar, de jogar, que hoje em dia se chama de capoeira moderna e que foi se
desenvolvendo cada vez mais. (P. 6, L. 30-32)
Candeias grupos... eu falo do Muzenza, Abad, Gerais, e tantos outros grupos que tem por a.
Gerais grupos... eu falo do Muzenza, Abad, Gerais, e tantos outros grupos que tem por a.
50
Cordo de Ouro grupos... eu falo do Muzenza, Abad, Gerais, e tantos outros grupos que tem por a.
Mestre representativo: No meu entendimento, ela comeou l nos anos setenta com o grupo Senzala onde eles,
Mestre Peixinho E sozinhos, sem mestre... ento os meninos, adolescentes, jovens adultos... Mestre Peixinho,
Mestre Camisa Roxa, todo esse pessoal a que fundou o Grupo Senzala. (P. 1, L. 13-16)
Mestre representativo: No meu entendimento, ela comeou l nos anos setenta com o grupo Senzala onde eles,
Mestre Camisa Roxa E sozinhos, sem mestre... ento os meninos, adolescentes, jovens adultos... Mestre Peixinho,
Mestre Camisa Roxa, todo esse pessoal a que fundou o Grupo Senzala. (P. 1, L. 13-16)
Quadro 6: Categoria Grupos e Mestres de Capoeira.
8.3. Artefatos e Rituais na Capoeira
Como j mencionado anteriormente, uma das caractersticas da capoeira

como um todo a manuteno da relao com suas razes, tradies e
ancestralidade (REIS, 1997; ABIB, 2006; FONSECA, 2008; GONALVES JUNIOR,
2009). Desta forma, j era esperado que esta relao de continuidade com seu
passado surgisse tambm na concepo que os entrevistados apresentassem sobre
a capoeira contempornea. Esperava-se, portanto, que os relatos neste sentido
oferecessem uma compreenso de como se d a relao de nosso objeto de estudo
com os modelos que a antecederam. O Quadro 7 trs os dados que nos auxiliaram
neste sentido.
Neste quadro, podemos perceber uma unanimidade nos relatos dos

entrevistados no que diz respeito relao da capoeira contempornea com as
escolas tradicionais. Todos os sujeitos afirmam que as bases da capoeira
contempornea apoiam-se nos fundamentos de ambas a capoeira angola e a
regional, o que nos leva a considerar que ela vem justamente romper, no com as
escolas tradicionais em si, mas com a diviso existente entre as duas. Somado a
isso, seis entre os oito entrevistados relatam ainda que, no s ocorre o resgate das
escolas tradicionais, mas tambm busca-se uma complementao a elas, seja
criando novos fundamentos ou incorporando-os de outras prtica temtica esta
que ser abordada em mais detalhes quando tratarmos das citaes da categoria
Apropriao cultural.
Assim sendo, os entrevistados B, D, E e F demonstram a relao de

continuidade existente entra a capoeira regional e a capoeira contempornea, at
atribuindo a Mestre Bimba a marca de primeiro mestre contemporneo
argumentando que ele contemporaneizou a capoeira do Mestre Pastinha
51
(entrevistado B). Ao mesmo tempo, tambm seriam abarcadas bases que

remeteriam a capoeira angola, como pode demonstrado quando os entrevistados
C e E relatam que a formao da bateria da roda de capoeira contempornea
remete quela escola tradicional.
Subdiviso Ent Citao

Ah, mas agora no se joga mais nem angola, nem regional, se joga capoeira contempornea, que um
A misto da capoeira angola e regional (P. 2, L. 2-3)
Eu costumo dizer que a capoeira contempornea pra a gente, hoje, dentro do nosso grupo
B contemporneo, voc trabalhar a raiz do Mestre Bimba e do Mestre Pastinha, mas com os movimentos
novos tambm. (P. 2, L. 4-6)
E aquilo que voc no determina, no classifica como angola nem regional, que uma fuso dos dois
C estilos, ns tratamos como capoeira contempornea. (P. 1, L. 15-17)
Bateu capoeira angola l, tanto faz se voc um contemporneo ou um regional, eu posso entrar numa
Prtica das D angola mesmo sem ser angoleiro, n. Ento a gente sempre procura participar de todos os ritmos dentro
de uma roda de capoeira. (P. 6, L. 2-5)
tradicionais de E essa capoeira chega at os dias de hoje, fazendo um resgate capoeira regional, e fazendo um
forma unida. E resgate na capoeira angola, mas sem a definio de uma ou outra. (P. 2, L. 34-36)
Ensino a angola, a regional, os fundamentos da regional. A, dentro dos dois, a eu mesclo os dois e fao
F um jogo dentro disso a. Dentro da mistura dos dois, da capoeira angola com a velocidade da capoeira
regional, n, que tambm considerado como contemporneo. (P. 2, L. 7-10)
Olha, eu acho que a caracterstica do capoeirista contemporneo, na minha opinio, jogar em qualquer
G tipo de toque, em qualquer tipo de roda. (P. 2, L. 1-2)
Olha, capoeira contempornea, eu acho pra mim, que a fuso das duas. Pra voc fazer uma capoeira
H contempornea, primeiro voc tem que conhecer a capoeira angola e a capoeira regional. (P. 4, L. 18-
20)
Ah, porque a capoeira hoje mais... ela tem mais floreio, ela tem mais exibio e por isso ela um
A misto da angola com a regional. Por isso ela diferente da angola, por isso ela diferente da regional. E
hoje ela denominada contempornea (P. 2, L. 14-16)
Contempornea tudo aquilo que tambm de novidade hoje, entendeu. Ento, dentro da capoeira a
B gente costuma trabalhar a questo contempornea assim, tudo que de raiz voc cria em cima da raiz.
(P. 1, L. 5-7)
E aquilo que voc no determina, no classifica como angola nem regional, que uma fuso dos dois
estilos, ns tratamos como capoeira contempornea. Inclusive a capoeira que vem... que vem se
Complementao C aprimorando, que vem inovando cada vez mais as suas tcnicas. Isso ns chamamos de capoeira
s tradicionais. contempornea. (P. 1, L. 15-19)
Mas a mudana obrigatria que exista. Tem que existir. J pensou se no existisse, a gente estava
D jogando a mesma capoeira de sessenta, setenta, oitenta anos atrs, no sei como estaria hoje. (P. 1, L.
24-28)
Acrobacia, jogo de angola, jogo da regional. a evoluo mesmo, n. A mistura de outras artes junto
F capoeira. Ento pra mim isso define mesmo a contempornea. (P. 1, L. 15-19)
A capoeira contempornea, para mim hoje, ela uma fuso de todas as capoeiras e artes marciais
H envolvidas. (P. 1, L. 6-7)
A partir da ele saiu, foi seguir seu trabalho, foi montar o seu estilo de capoeira e criou a capoeira
B regional. E nisso, pra voc ver que ele j contemporaneizou a capoeira do Mestre Pastinha. (P. 1, L. 37-
39)
(...) a regional, a regional de Bimba, s que mais acelerada, entendeu? Menos cadenciada que a
D regional de Bimba. Eu acho que nesse aspecto ela muda bastante. (P. 2, L. 14-16)
Continuidade com E a partir da capoeira regional, os meninos, ento, do grupo Senzala desenvolveram essa maneira de
a regional E treinar, de jogar, que hoje em dia se chama de capoeira moderna e que foi se desenvolvendo cada vez
mais. (P. 6, L. 30-32)
Mas eu acredito que Mestre Bimba tambm foi contemporneo. Ele transformou a capoeira de angola na
F regional, concorda? E parou ali. Ento, se ele fosse... vivesse mais, eu acho que ele teria inventado mais
coisas. (P. 1, L. 10-12)
A (...) o contemporneo est nisso, numa evoluo da capoeira (P. 2, L. 41)
A capoeira contempornea, no meu entender, por aquelas pessoas que pesquisam, no s que seguem
E os modismos... ela uma evoluo. (P. 2, L. 14-15)
Evoluo Pra mim, capoeira contempornea, assim como j diz a palavra, uma inovao. E como a capoeira
F sempre evoluo, ento a contempornea, pra mim, ela assim... faz parte da capoeira. (P. 1, L. 1-6)
E a gente v que h uma mudana, h uma construo. Pelo menos estamos tentando, esto tentando
G que a capoeira evolua muito mais do que ela j vem evoluindo, t. (P. 1, L. 34-36)
(...) a composio dos instrumentos, ela usa praticamente a bateria da capoeira angola pra um estilo
C mais voltado para a capoeira regional, que so os trs berimbaus, o pandeiro, o atabaque, o agog, n.
Bateria da angola (P. 2, L. 2-5)
A bateria dos grupos que praticam a capoeira moderna bateria de angola. Trs berimbaus, dois
E pandeiros, um atabaque e, como no nosso caso, ainda usamos o reco-reco e o agog. (P. 3, L. 29-31)
(...) eu estou vendo capoeira jiu-jitsu, entendeu, que uma coisa que no tem nada haver com a nossa
Conexo cultura. (...) o pessoal pondo alguns golpes do muay thai, que tambm no tem nada haver com a
ancestralidade G capoeira, com os africanos, nem nada com a caracterstica africana. (...) Mas eu achava assim, ento
pesquisa um... que nem eu vi, o bassula, aquela luta, quinganda... quimbanda. (...) Vem do mesmo lugar
africana que a capoeira, no nasceu, mas que comeou a ter a raiz dela. (P. 3, L. 7-20)
Desvalorizao do Hoje, o mestre, quando chega, ele isolado. Primeiro pela idade, porque a capoeira, hoje, voltou-se a o
H que? Atividade fsica voltada para a sua juventude. Um velho, hoje, no visto como um capoeira. Ele
mestre idoso visto como um atraso na capoeira. (P. 2, L. 19-23)
Quadro 7: Categoria Artefatos e Rituais na Capoeira.
52
De forma geral, podemos perceber uma defesa pela manuteno das razes
da capoeira nos discursos de cada um dos sujeitos participantes. No entanto,
percebemos que apenas o entrevistado G faz meno explcita a uma necessidade
de se preservar a conexo da capoeira com sua ancestralidade africana, temtica
bastante abordada por Abib (2006) e Gonalves Junior (2009), especialmente no
que tange a capoeira angola. De acordo com os autores, esta relao ancestral com
a cultura africana, e sua consequente preservao, configura-se como uma das
caractersticas imprescindveis para a compreenso da capoeira de uma forma
contextualizada e passvel de interveno. No caso, o entrevistado G tambm
aponta para a necessidade de se remeter a estas origens para que se possa
atualizar a capoeira, mas de uma forma coexistente com tal ancestralidade.
Nesta mesma linha, o entrevistado H chama ainda ateno para o perigo da

desvalorizao, ou isolamento do mestre idoso no contexto da capoeira
contempornea. O entrevistado argumenta que o espao social da capoeira na
atualidade tem dado grande nfase ao tratamento dela prioritariamente por seu
aspecto enquanto atividade fsica voltada para a juventude, e, portanto, em
detrimento da participao social de, por exemplo, idosos que no acompanharem
esta manifestao da prtica. Como j discutido anteriormente, a denncia da
desvalorizao dos mestres idosos j se mostrou presente na capoeira h certo
tempo, referendado especialmente pelas mortes dos patronos Mestre Bimba (1974)
e Mestre Pastinha (1981) em situaes de extrema pobreza. Mas, mesmo com a
questo financeira sendo abordada pela incluso dos saberes dos mestres no livro
dos saberes do IPHAN e a consequente elaborao de um plano especial da
Previdncia Social para mestres que tiveram dificuldade de contribuir (IPHAN, 2007)
, o relato do entrevistado H denota que o isolamento dos mestres idosos ainda
uma temtica presente neste espao social.
Ainda assim, uma parcela considervel dos entrevistados (A, E, F e G) refere-

se ao seu modelo de prtica como uma evoluo da capoeira. Um dos argumentos
sustentando tal afirmao gira em torno, principalmente, da forma como novos
movimentos surgiram, ou foram criados na busca por aperfeioamento, ou
introduzidos a partir de outras prticas, ou desenvolvidos a partir do
redimensionamento dos movimentos j existentes na capoeira. Da mesma forma, os
sujeitos citam que tal evoluo da capoeira contempornea se d no enfoque dado
53
ao maior detalhamento da sistemtica de ensino da prtica e das avaliaes para

aquisio de graduao.
8.4. Apropriao cultural
Um dos fatores que mais chama ateno ao se abordar a temtica da

capoeira contempornea, a referncia incluso de movimentos, golpes e
fundamentos advindos de outras reas, manifestaes culturais ou modalidades
esportivas. Esta uma caracterstica que j atribuda a Mestre Bimba, que fez uso
de outras modalidades de luta como do boxe, catch, savate, jiu-jitsu e greco-romana
(REIS, 1997) para criao da capoeira regional, alm de manifestaes culturais
brasileiras, como o batuque de seu pai, de acordo com o entrevistado G.
Portanto, a assimilao de novos aspectos, apontados no Quadro 8, denota

que este fator algo que praticantes de capoeira contempornea no somente
remetem a Mestre Bimba, mas justificam atravs ele. O entrevistado B, por exemplo,
cita que Mestre Bimba deu mais essa riqueza na capoeira ao introduzir bases de
outras lutas, e, com isto, na capoeira contempornea os praticantes utilizam-se do
muay thai ou do boxe por serem movimentos muito eficientes (P. 2, L. 1-3). Da
mesma forma, o entrevistado D justifica as transformaes na capoeira
contempornea pelo fato de que o prprio Bimba disse que a capoeira teria que ter
mudanas (P. 1, L. 22-23).
Assim, podemos identificar, atravs do Quadro 8, algumas das caractersticas

de outras reas que foram assimiladas na capoeira contempornea.
Subdiviso Ent Citao

E hoje em dia, a gente observa muitos movimentos do, do... lutas bsicas, como o muay
thai. O muay thai hoje, ele t muito forte dentro da capoeira. Tem muita movimentao do
B muay thai hoje que os capoeiristas esto utilizando hoje. So movimentos muito eficientes.
Tem base tambm que a gente usa. A base do boxe tambm, entendeu? Tem a base do jiu
jitsu. Tem a capo-jitsu hoje, que a capoeira misturada com o jiu jitsu. (P. 3, L. 1-6)
Mescla com outras
Eu vejo, assim, na contempornea hoje no s na contempornea, mas na capoeira em
lutas geral que h outras lutas sim. Por causa do que? Por causa do MMA, por causa das lutas
D que hoje esto dando dinheiro. (...) Ento a j diferente. uma capoeira j praticada com
o intuito de prtica esportiva, profissional, em nvel j profissional de ganhar dinheiro. (...)
Ento a h a aglutinao de outras lutas necessria, obrigatria. (P. 2/3, L. 38-40/1-12)
E E, nos dias atuais, o pessoal pratica jiu-jitsu, pratica muay-tai, com o objetivo de utilizar a
54
capoeira, inclusive, no MMA. E ela est aparecendo de novo. Mas isso apenas um
reflexo da capoeira contempornea. (P. 2, L. 10-13)
(...) eu estou vendo capoeira jiu-jitsu (...) o pessoal pondo alguns golpes do muay thai (...)
G
(P. 3, L, 7-12)
Ela incorporou do boxe, que a gente usa o soco, n, diversos socos, jab, direto. Cotovelada
H do muay-thai. Movimentos de queda do jud. As imobilizaes do jiu-jitsu, t, que so as
finalizaes. Porque ela te da essa liberdade. (P. 2, L. 6-9)
Ah, porque a capoeira hoje mais... ela tem mais floreio, ela tem mais exibio (...)" (P. 2,
A
L. 14)
E, para um treinamento mais avanado, vm tambm os floreios, n, saltos que so
Insere acrobacia. C
utilizados geralmente em apresentaes. (P. 2, L. 37-39)
Um esporte muito conhecido e bem conceituado hoje a ginstica olmpica. Tem alguns
F
saltos, n, que muitos capoeiristas adotaram para fazer. (P. 1, L. 29-31)
Ento, a tradio, os fundamentos so perdidos por fora do dinheiro. Infelizmente n, no
mundo capitalista, hoje em dia mais ainda com a globalizao, voc acaba perdendo aquilo
A
que o essencial da capoeira que a base, o fundamento para o dinheiro. (P. 3, L. 16-
Capoeira 19)
internacionalizada L fora o que rola mais capoeira contempornea, embora tenham as pessoas tradicionais
D
que levaram a capoeira antes pra l, n . (P. 1, L. 5-7)
Ela est se espalhando pelo mundo. Eu estive na Turquia este ano. O pessoal est jogando
E
essa capoeira. (P. 7, L. 11-12)
Ento quando voc cria em cima de movimentos antigos, de movimentos do tempo, dos
movimentos que eram imitados de animais, hoje em dia voc inova esses movimentos
B dentro da capoeira. Ou seja, a gente descia numa base, hoje em dia a gente desce em
outra base com mais perfeio, de um jeito mais correto de no se machucar e tal. (P. 1, L.
7-11)
Porque cada categoria de idade pode variar um pouco o estilo de ensinamento, os mtodos
de ensinamento, a sua didtica. Por exemplo, no se ensina uma criana de quatro, cinco
C
anos com a mesma didtica de aula que voc tem com uma criana de doze, treze, ou um
adulto, n.
Relao com a
Depois ela (a capoeira) veio modificando, como todas as coisas vm modificando com a
educao fsica
D poca. Depois vieram os estudos, vem o negcio do CREF no meio, vem leis, isso e
aquilo.
A a gente tem que lembrar como se deu o incio das academias no Brasil tambm. Aquela
E exploso da aerbica, o bum da corrida com o Kenneth Cooper. E tudo isso, queiramos ou
no, acabou influenciando a capoeira tambm. (P. 1, L. 30-33)
A diferena da capoeira contempornea para a outra capoeira, no meu entender, que a
gente, quando faz um ataque, no como na regional, que voc usa a perna de trs. A
H
perna de trs d um avano pra frente para que o chute saia com a perna da frente. (P. 1,
L. 35-39)
Eu vejo, assim, na contempornea hoje no s na contempornea, mas na capoeira em
geral que h outras lutas sim. Por causa do que? Por causa do MMA, por causa das lutas
D que hoje esto dando dinheiro. (...) Ento a j diferente. uma capoeira j praticada com
Esportivizao. o intuito de prtica esportiva, profissional, em nvel j profissional de ganhar dinheiro. (P.
2/3, L. 38-40/1-6)
(...) a capoeira moderna seguiu a linha da esportivizao, que pressupe atletas. (P. 6/7, L.
E
41/1)
(...) com o capitalismo e a profissionalizao da capoeira, os seus valores iniciais, e
Potencial de A
primordiais, importantes esto sendo perdidos. (P. 3, L. 39-41)
55
descaracterizao E a, a minha opinio sobre a capoeira moderna... ela est correndo um risco sim. Ela corre
E o risco de descaracterizar a capoeira porque a capoeira est ficando muito igual. As
pessoas esto seguindo os grandes grupos. (P. 2, L. 31-34)
Como se diz, cultura negra vem do samba at o candombl, a umbanda, tudo isso a j ...
F
faz parte da cultura negra, n. Da capoeira. (P. 4, L. 29-31)
Mescla com outras Depois, tambm fazer a parte do maculel, que uma coisa que no da capoeira, mas
manifestaes incorporou. Isso a dos capoeiras contemporneos. (...) Ns, aqui, tambm fazemos a
culturais brasileiras G puxada de rede, que eu j vi vrios contemporneos fazerem tambm. E o pessoal do
passado tambm. O samba de roda, que de primeiro alguns capoeiras no usam. O
capoeira contemporneo geralmente usa, n. (P. 2, L. 22-29)
(...) algumas coisas que a gente acha, que fica chateado: mistura de lutas no meio da
Discordncia da
G capoeira, que a gente no acredita nisso. Eu acho que a capoeira, ela completa, no
mescla com lutas. precisa se misturar com outras atividades. (P.1, L 19-22)
Mescla com hip- Tem alguns movimentos tambm do hip-hop que eu vejo bastante nas rodas de capoeira.
F
hop (P. 1, L. 29-32)
Ento isso ser contemporneo, voc pegar o movimento que raiz, voc pegar tudo
Busca por no
B aquilo que de raiz e tentar transformar ele sem fugir da raiz na verdade, sem fugir do
descaracterizao contexto do que o movimento. (P. 1, L 20-22)
Quadro 8: Categoria Apropriao cultural.
Como exemplo do anteriormente citado, o maior fator de assimilao referido

remete-se exatamente s outras modalidades de luta, as quais foram mencionadas
por cinco dos oito entrevistados (B, D, E, G e H). A justificativa para esta mescla gira
em torno, principalmente, do aumento da eficincia da movimentao e da
possibilidade da utilizao da capoeira no mbito esportivo, incluindo sua utilizao
em campeonatos de lutas mistas (MMA). interessante notar como o entrevistado
G, mesmo declarando que a insero de lutas ocorre na capoeira contempornea,
devido inclusive liberdade que este modelo d ao praticante de faz-lo, ele afirma
discordar de tal atividade. Como alternativa, sugerida a associao a
manifestaes que compartilhem da mesma ancestralidade que a capoeira.
A insero de movimentos de natureza acrobtica tambm foi referendada

por trs dos entrevistados (A, C e F) como uma caracterstica prpria da capoeira
contempornea, justificada principalmente por uma suposta busca mais acentuada
que este modelo de prtica teria por maiores floreios e mais exibio.
Esta maior abordagem do aspecto da capoeira enquanto espetculo remete,

certamente, a como esta mesma caracterstica fortemente associada ao mundo
esportivo e, portanto, possvel relao entre estes dois espaos sociais. No
entanto, optamos por separar em temticas diferentes a insero acrobtica voltada
espetacularizao da influncia do universo esportivo por considerarmos que,
56
apesar deste englobar aspectos daquele, a relao inversa no se faz

necessariamente presente. Ou seja, o fato de uma manifestao possuir uma
caracterstica de espetculo no a torna insere automaticamente no mundo
esportivo.
Ao avaliarmos a influncia do universo esportivo na capoeira contempornea,

compreendemos esporte sob a perspectiva de Helal (1990), que define esporte
como:
Qualquer competio que inclua uma medida importante de

habilidade fsica e que esteja subordinada a uma organizao mais
ampla que escape ao controle daqueles que participam ativamente
(sejam eles jogadores ou torcedores) da ao. (p. 28)
Sob esta concepo, a capoeira s seria tratada enquanto esporte na medida

em que estivesse sendo praticada como forma de competio cujas regras e demais
ditames dos campeonatos estivessem subordinados a uma organizao, em geral
uma federao esportiva.
No entanto, devemos tambm atentar para o fato de que a influncia do

esporte e ao espetculo no a nica forma de uma possvel associao entre a
capoeira contempornea e a rea profissional da educao fsica. Esta ltima
carrega uma forte ateno aos aspectos pedaggicos e sociolgicos, e, portanto, o
desenvolvimento da cidadania, atribudos s atividades fsicas, indo alm apenas do
mbito esportivo. Desta forma, para uma melhor anlise de quais aspectos vem
incorporados capoeira contempornea, optamos ainda por distinguir a associao
desta ao mbito do esporte e rea profissional da educao fsica. No tratante
desta ltima, destacamos partes dos relatos que atribussem caractersticas
pedaggicas que foram desenvolvidas no cerne desta rea e, a partir dela,
exerceram influncia na capoeira contempornea.
Assim, pudemos observar que o entrevistado E destaca uma relao da

capoeira contempornea com ambos o esporte e a educao fsica, respectivamente
no sentido de um foco formao de atletas e influncia exercida pela
disseminao das academias de ginstica, Cooper e ginstica aerbica. A influncia
57
da educao fsica pode tambm ser observada no discurso do entrevistado C

quando este discursa sobre a necessidade de uma didtica de transmisso da
capoeira com separao de turmas de acordo com faixa etria. J o entrevistado D
observa uma esportivizao ocorrendo na capoeira contempornea quando esta se
associa a grandes campeonatos de lutas (como o casa das competies de artes
marciais mistas, ou MMA) com o propsito de ganho financeiro, mas no
necessariamente inseridos em seu espao social particular. Ele tambm enxerga um
vnculo educao fsica no que tange as relaes controversas com os conselhos
regionais, os CREFs, temtica esta em que por vezes o mestre discorda de certas
decises legais tomadas, mas no nega a necessidade do debate.
Devido forma como uma prtica inevitavelmente influenciada por outra

cultura ao ser inserida em seu contexto, optamos por inserir a tendncia
internacionalizao, atribuda capoeira contempornea, na categoria Apropriao
cultural. Trs dos entrevistados (A, D e E) declaram que o modelo de prtica da
capoeira que majoritariamente se encontra no exterior se configura como capoeira
contempornea, com o entrevistado A apontando que esta tendncia carrega
consigo um risco de descaracterizao da prtica. Esta uma preocupao que
tambm surge no discurso do entrevistado E, que busca alertar para o perigo do
capoeirista buscar adequar seu estilo de jogo ao que se espera em seu grupo, e no
sua constituio fsica particular. Neste sentido, o entrevistado B informa que,
apesar de toda transformao incorrida por este novo modelo de prtica, esta deve
ser executada de forma que no se corra o risco de se descaracterizar as prprias
razes das quais ela advm.
Dois dos entrevistados (F e G) tambm atribuem capoeira contempornea a

associao outras manifestaes da cultura popular brasileira, como o samba,
samba de roda, candombl, umbanda e o maculel, alm do entrevistado F tambm
afirmar que identifica uma influncia do hip-hop.
8.5. Identidade: Caractersticas e Elementos
Foi interessante notar como, ao longo dos relatos dos entrevistados, as

menes das caractersticas da capoeira contempornea giraram em torno
58
principalmente de caractersticas advindas de outras reas. Isto pode ser observado,

por exemplo, no relato do entrevistado E quando este afirma que movimentos novos
no foram necessariamente criados, mas sim foram criadas misturas ou
combinaes de movimentos antigos (P. 2, L. 18-19). Ele utiliza como exemplo o
movimento conhecido como cadeira que, de acordo com o entrevistado, foi nomeado
no meio social da capoeira contempornea, mas que pode ser facilmente
identificado em registros que a precedem, como nas fotos do livro Barraco do
Mestre Waldemar da dcada de cinquenta.
Ainda assim, podemos identificar certas caractersticas da categoria forma

atribudas capoeira contempornea. Em particular, a cadncia acelerada que o
ritmo do jogo pode assumir foi destacada por trs dos entrevistados (D, E e G) como
sendo representativa deste modelo de capoeira. interessante notar que nos trs
casos, esta questo destacada no que tange aos toques de berimbau associados
capoeira regional, na qual, de acordo com os sujeitos, o ritmo no busca a mesma
velocidade que na capoeira contempornea.
Dois dos entrevistados mencionam a existncia de readaptaes de

movimentos j existentes na capoeira. O entrevistado B chama ateno para a
necessidade de se evitar leses buscando-se mais perfeio para as bases das
movimentaes. J o entrevistado H sugere uma aproximao do adversrio antes
da execuo de um golpe, dando foco ao aspecto combativo da prtica, uma
caracterstica considerada por ele como diferenciadora em relao s tradicionais.
Esta opinio diverge daquela do entrevistado D que afirma que a capoeira
contempornea contribuiu para a diminuio da violncia e combatividade neste
espao social, apresentando mais jogo, mais beleza, mais camaradagem na roda.
Ainda assim, o entrevistado H, assim como o entrevistado E, concordam que pode-
se observar uma maior preocupao com a esttica neste novo modelo de prtica.
Alm das caractersticas acima, o entrevistado G ainda aponta o surgimento

de uniformes padronizados e de uma alterao na forma de cantar.
Subdiviso Ent Citao

(...) a regional, a regional de Bimba, s que mais acelerada, entendeu? Menos
D cadenciada que a regional de Bimba. Eu acho que nesse aspecto ela muda bastante. (P. 2,
Ritmo acelerado L. 14-16)
E O jogo da regional, inclusive, tocado muito rpido (na contempornea) (P. 3, L. 36-37)
59
G Naquela cadncia dos contemporneos, que um pouco mais rpida (...) (P. 2, L. 19-20)
A (...) a capoeira hoje mais... ela tem mais floreio, ela tem mais exibio (...)
E, para um treinamento mais avanado, vm tambm os floreios, n, saltos que so

C
Preocupao utilizados geralmente em apresentaes.
Eu acho que uma capoeira bastante plstica onde o pessoal tem treinado muito. (P. 2, L.
esttica E
3-4)
Ento, a arte marcial que uma capoeira, ela voltada no exibicionismo e na luta. A luta
H
pra salvar a pele. E o exibicionismo pra mostrar a beleza. (P. 6, L. 30-31)
Ento, a arte marcial que uma capoeira, ela voltada no exibicionismo e na luta. A luta
Combativa H
pra salvar a pele. E o exibicionismo pra mostrar a beleza. (P. 6, L. 30-31)
Ela menos assim, talvez... busca de ataque e defesa. Mas eu vejo ela mais no sentido de
jogo. Assim, mais jogo, mais beleza, mais camaradagem na roda, n. A capoeira nossa ela
passou por uma poca a at meio violenta. (...) Em todo lugar que voc vai a capoeira est
Menos combativa D
ficando bem apresentada, n, menos violenta. Eu vejo a capoeira hoje nesse aspecto. Por
isso que eu dou valor. Um dos fatores que eu acho importante que teve essa modificao
foi na capoeira contempornea. (P. 2, L. 17-26)
A vestimenta tambm da capoeira contempornea hoje, ela que deu esse design, essa
viso de organizao, um sistema mais organizado, uniformizado, com alguns certos
Padronizao da
G padres. O que eu no sei se bom ou se ruim, mas que d uma viso muito boa perante
vestimenta uma instituio em que voc est, uma faculdade, uma escola. Esse uniforme te d esse
respaldo, que antigamente no era assim. (P. 1, L. 13-18)
Voc v o Mestre Bimba, o Mestre Pastinha cantando, uma cadncia totalmente diferente
Canto diferenciado G que nem d para a gente acompanhar. (...) um outro jeito de cantar. Voc pega o
capoeirista contemporneo, ele canta de uma maneira diferente. (P. 2, L. 31-38)
Quadro 9: Categoria Identidade: Caractersticas e Elementos.
8.6. Praticantes
Pudemos tambm identificar citaes que pareciam indicar caractersticas

descritoras do perfil do praticante de capoeira contempornea. Um fator que chama
ateno diz respeito liberdade dada ao praticante, aprendiz ou mestre, para
cultivar a capoeira da forma que melhor convier sua individualidade. Assim, os
sujeitos afirmam que a capoeira contempornea pode apresentar caractersticas
diferentes de acordo com o grupo, academia, ou mestre que a desenvolver, j que
dada aos agentes sociais a possibilidade de reinterpretar, readaptar e recriar os
fundamentos de sua prtica.
De acordo com o entrevistado B (P. 3, L. 38-41), esta era uma opo invivel
nos modelos mais antigos de capoeira, j que os mestres tendiam a ser mais rgidos
no que dizia respeito manuteno da prtica tal qual eles prprios a concebiam. O
desvio deste padro pelos mestres da capoeira contempornea teria resultado, de
acordo com o sujeito, numa maior aproximao dos praticantes mais jovens, que
tendem a buscar uma maior possibilidade de se expressar de acordo com suas
60
prprias particularidades. O entrevistado G concorda com esta opinio, afirmando

que esta uma capoeira que, de fato, busca tornar-se atual voltando-se, portanto,
juventude como seu pblico alvo.
No entanto, mesmo a capoeira contempornea possibilitando o

desenvolvimento diferenciado da capoeira, os entrevistados C, D e E chamam
ateno para a tendncia dos estilos dos praticantes serem ditados pelos grandes
grupos aos quais eles, porventura, estejam associados. Podemos observar que os
comentrios dos entrevistados apontam que certos grupos de capoeira definiriam
sua prpria padronizao de movimentos, induziriam os praticantes a adotarem o
estilo de jogo geral do grupo, e generalizariam os requerimentos de graduao. O
relato do entrevistado C demonstra existir, inclusive, uma relao de similaridade
entre a forma de caracterizao de uma escola de capoeira e de um grupo da
capoeira contempornea, pautada pela organizao uniformizada de ambos.
Subdivises Ent Citaes

Ento voc v capoeirista duro, voc v capoeirista flexvel, voc v capoeirista
D malabarista, voc v capoeirista que gosta j de pau, gosta de capoeira mais esporte, n.
Ento essa diversidade enriquece a capoeira. (P. 1, L. 28-31)
O fato de eu praticar capoeira moderna uma conjuntura. uma questo circunstancial. Eu
perteno a um grupo que pratica essa capoeira, eu me identifico com essa capoeira. Nos
E
lugares onde eu vou eu me identifico mais com essa capoeira. Eu poderia ser um mestre de
capoeira angola. (P. 4, L. 14-17)
Ao individual (...) na capoeira no da pra definir, depende do praticante. bem democrtico mesmo. (P.
F
5, L. 17-18)
Ela pode ser transformada aqui de uma maneira, e do outro lado da cidade ela ser
G
transformada de outro jeito. (P. 8, L. 12-14)
Na capoeira contempornea, sendo bem claro, a arte do momento, aquilo que voc acha,
aquilo que voc pode, aquilo que a capacidade que voc tem para fazer. Ela no tem a
H
obrigatoriedade de fazer aquilo que outros querem, mas sim aquilo que voc tem a fazer.
(P. 1, L. 8-11)
Porque pra se classificar como um estilo ele tem que ser... ... tem que ter todos os seus
movimentos pr-determinados, tem que ter uma uniformizao. E isso no acontece na
C capoeira contempornea no seu geral. Existe grupos, como eu vou citar aqui, o grupo
Abad, o grupo Muzenza, que so grandes grupos, n. E eles tem uma uniformidade no
trabalho deles. (P. 1, L. 20-25)
Modelo de prtica
Tem grupos que tem gente com menos (tempo de capoeira para se tornar mestre) que
ditado pelo grupo
D isso? No sei. Tem grupos que exigem mais do que isso tambm? No sei. critrio de
cada um. (P. 4, L. 15-17)
Est muito igual porque as pessoas esto baseadas em modelos de jogo. E, antigamente,
E cada um jogava do seu jeito. Cada um gingava do seu jeito. Ento se estabelece o padro
do grupo X, o padro do grupo Y, o padro do grupo... G. (P. 3, L. 5-8)
Ento voc... quando voc chega l na frente um mestre, voc tem muito a viso do jovem
Apelo juventude B
tambm, entendeu? Por que? Voc trabalhou em cima dessa questo contempornea.
61
Ento, voc vai ter mais acesso aos jovens pra conversar. Porque os mestres... os mestres
antigos de hoje so poucos. Eles tem muito... ou seja, o acesso deles muito pouco com
os jovens. (P. 3, L. 33-37)
um sistema mais... como se diz... contemporneo, atual para os jovens mesmo de hoje.
G
(P. 1, L. 12-13)
Quadro 10: Categoria Praticantes
8.7. Formao
Ao serem questionados sobre o processo de formao, a caracterizao e a

representatividade do mestre de capoeira contempornea perante o meio,
observamos que, de forma geral, os sujeitos da pesquisa consideraram que a
formao do mestre de capoeira contempornea pauta-se, entre outras coisas, em
seu tempo, tanto de vida quando de contato com a capoeira. De fato, os
entrevistados sugeriram que tal tempo deva pairar em torno dos vinte anos ou mais,
argumentando existir uma maturidade que deva ser alcanada para que o praticante
compreenda e exera o papel de um mestre.
Ainda assim, surge nos discursos um sistema de aquisio de graduaes

que se mostra consideravelmente estruturada onde o praticante passa por estgios
representados tanto por ttulos como pela corda (ou cordo) que traz na cintura.
Alguns dos entrevistados citam ainda certos perodos de tempo que teriam de ser
cumpridos entre uma graduao e outra. Entretanto, a estruturao que se
apresenta parece abrandar-se cada vez mais medida que o capoeirista se
aproxima mais da titulao de mestre, quando a experincia, maturidade e tempo de
contato com a capoeira passam a ser mais fundamentais que a estrutura de
graduaes.
explicitado ainda que o contato do praticante com a capoeira no deve se

limitar apenas ao seu costume de treinar e se engajar no jogo. Seis dos
entrevistados (A, B, D, F, G e H) expem a necessidade do aspirante a mestre
desenvolver uma relao mais ntima com a capoeira, no somente no sentido da
prtica e do treino, mas principalmente de sua correlao com o prprio espao
social em questo e de sua dedicao ao ensino da capoeira. O entrevistado A
resume esta necessidade exposta ao correlacionar o tempo de prtica com o ato de
vivenciar a arte, vivenciar a cultura e amadurecer nela (P. 3, L 33-34).
62
Este amadurecimento dentro do meio social da capoeira abre espao para o

reconhecimento do praticante pelo meio, pela comunidade da capoeira. Cinco dos
entrevistados (C, E, F, G e H) expuseram que a transio para a posio de mestre
alcanada exatamente por este reconhecimento, o momento em que o praticante
envolvido com a capoeira visto por seus semelhantes como tal. interessante,
inclusive, notar como o reconhecimento do meio citado com mais nfase mesmo
que o reconhecimento pelos outros mestres (entrevistados B, D e E).
No que tange a transmisso do conhecimento, podemos notar que alguns dos

entrevistados (A, B e C) indicam que, em comparao com modelos antigos, existe,
atualmente, um maior cuidado com o detalhamento e maior preciso na relao de
aprendizado da capoeira. Para embasar este comentrio, os sujeitos citam fatores
como a maior acessibilidade a materiais de referncia como livros, discos e stios
eletrnicos , utilizao de exerccios de alongamento e aquecimento, avaliaes de
graduao mais detalhadas, e mesmo uma pedagogia de aula mais sensvel a
certos aspectos como o etrio. Neste mesmo sentido, o entrevistado G menciona
ainda uma preocupao que o praticante, a partir do momento que recebe o ttulo de
professor, receba de seu mestre orientao no sentido de prepara-lo para ministrar
suas prprias aulas e treinos, mas que este tambm o momento de buscar o auto
aperfeioamento.
Podemos perceber tambm (entrevistados A, C, D e G) que a transmisso

dos fundamentos da capoeira demonstra um enfoque na movimentao e nos
golpes, os quais so aprendidos pela prpria execuo dos movimentos e rituais,
denotando um modelo onde aprende-se fazendo. Ainda assim, apontado pelos
entrevistados D, G e H que, alm do conhecimento acima citado, um outro de cunho
mais intelectual como cursos, seminrios, palestras, ou mesmo a compreenso
das motivaes por trs dos movimentos tambm necessrio para o aspirante a
mestre.
Assim, faz-se necessrio tambm notar que certos comentrios de alguns dos
entrevistados (A, D, F e H) demonstram que a figura do mestre de capoeira no
resume-se apenas num transmissor dos fundamentos da capoeira. O mestre
tambm considerado uma pessoa que carrega responsabilidade na atuao social
63
de seus discpulos, um formador humano incumbido de prestar orientao tica e de

demonstrar um comportamento digno de ser reproduzido.
Ademais, o entrevistado D tambm citou a obedincia como um dos fatores

necessrios para alcanar-se tal ttulo, mas que o prprio mestre deve demonstrar
humildade em seu comportamento.
Subdiviso Ent Citao

Ento, hoje voc v mestres sendo formados com seis anos de capoeira. Seis anos de
A capoeira no nada, no nada. Seis anos a pessoa est se iniciando na capoeira, ainda
esta aprendendo e comeando a entender o que que capoeira. (P. 3, L. 19-21)
Bom, eu acho que, no s na contempornea, mas da o tempo do capoeirista (...) (P. 4,
B
L. 6)
Geralmente voc v que a pessoa que tem o ttulo de mestre, geralmente ele tem...
D realmente ele est acima de vinte e cinco anos de capoeira. Vinte e cinco, trinta anos pra
cima de capoeira. Seria a mdia, n. (P. 4, L. 13-15)
Tempo e
(...) entra uma maturidade tanto pessoal como emocional, uma maturidade profissional,
experincia E alm do conhecimento de capoeira. Ele tem que ter entre vinte ou vinte e cinco anos de
capoeira, seno no tem como o cara querer dizer que mestre. (P. 5, L. 1-3)
F Ah, o tempo, n. ele se dedicar e treinar. (P. 2, L. 15)
Porque, at o meio te achar mestre de capoeira, te chamar de mestre, demorado. No

G
cinco anos, no dez anos. uma vida toda. (P. 7, L. 11-13)
Mas, pra ele ser um mestre hoje, em primeiro lugar ele tem que esperar o tempo. No
H com dez nem vinte anos no. a partir de uns trinta anos pra ele conseguir ser mestre. (P.
3, L. 33-35)
O fundamento da capoeira est a, em voc vivenciar a arte, vivenciar a cultura e
A
amadurecer nela. (P. 3, L. 33-34)
Ento o tempo ele te ajuda bastante, mas desde o momento que voc esteja exercendo. (P.
B
4, L. 24-25)
Ele tem que ter trabalho, entendeu. Tem que ter trabalho. No somente como um
D participante, mas tem que ter envolvimento com a capoeira. Ento esse envolvimento vai
Tempo ativo na dizer se amanh ou depois ele vai receber o ttulo de mestre. (P. 4, L. 26-29)
capoeira a dedicao. (...) Antes de se tornar um mestre, viajar, conhecer, se comunicar muito
F mesmo com o pessoal da capoeira, para que voc tenha essa considerao dentro do meio
da capoeira como mestre. (P. 3, L. 14-16)
Tem que fazer um trabalho em prol da capoeira, que a gente j faz desde quando voc se
G forma professor, em prol da capoeira. E defender a capoeira de corpo e alma. (P. 4, L. 31-
36)
H Ser um mestre transmisso. (P. 3, L. 5-6)

(...) eu acho que o mestre... ele se torna mestre pelo seu reconhecimento dentro da sua
C
Reconhecimento comunidade que ele atua. (P. 3, L. 3-4)
pela comunidade Sou um mestre porque meu mestre me deu a corda e porque eu sou reconhecido pela
E
comunidade. (P. 4, L. 12-14)
64
Ser mestre, no a gente que coloca esse ttulo. Eu acredito que ser mestre , aonde voc
F vive, sua sociedade onde voc mora considerar voc como tal mestre. Isso a ser mestre.
(P. 2, L. 19-21)
E a, quem est de fora que vai te reconhecer como mestre, no voc mesmo, entendeu.
G
Eu acho que o meio que te reconhece. (P. 4, L. 17-19)
O legal na roda de capoeira esse o conceito de um mestre, de um professor que ele
saiba a hora de fazer tudo isso para que a sociedade no discrimine a arte da capoeira.
H
Seno, se ele acha que sabe tudo isso, e continua fazendo tudo isso, a sociedade elimina
ele do estilo da capoeira. (P. 6, L. 25-29)
Igual a gente aqui no grupo, eu tenho uma viso assim, eu procuro sempre chegar a uma
B
avaliao aps cinco anos, entendeu? (P. 3, L. 23-24)
No , assim, de um ano pra outro que a pessoa vai se tornar um mestre. Ento so todas
etapas, n. As primeiras etapas, as primeiras cordas, as primeiras quedas, os primeiros
D conhecimentos, contato com a roda de capoeira. (P. 2, L.45-47) (...)Porque primeiro ele vai
passar a a instrutor, seria a o... forma o estagirio, depois o formado, depois o instrutor,
n... monitor, instrutor, a contramestre e mestre. (P. 3, L.13-14)
claro que, dentro dessa formao, surgiram elementos pedaggicos que fazem parte da
Graduao
E avaliao em que so cobradas as sequncias de movimentos, muito semelhante, assim,
estruturada
s cobranas de troca de graduao de outras artes marciais. (P. 3, L. 6-8)
A pessoa tem que ir treinar, passar pelas suas graduaes, as avaliaes que tem, que o
F
mestre tambm prope para o aluno. (P. 2, L. 25-26)
Ento ele vai ter o primeiro contato com os golpes, com a roda de capoeira. A ele vai
aprendendo, e essa a etapa at chegar a graduao de graduado, ou estagirio. (...)Isso
G a vai de um perodo, acho que assim, de graduado at monitor (...).A ele chega, no nosso
sistema, ao estgio de professor. (...) E a, a gente tem a parte de mestrando, que
antigamente era contramestre (...). De mestre, o mesmo padro. (P. 3, L. 27 / P. 4, L. 28)
Bom, o bsico, bvio n, que tem que aprender os golpes da capoeira, ou seja, a
capoeira em si. Vamos chamar isso de bsico, voc saber o que voc est fazendo, quais
A
so os golpes da capoeira, os movimentos da capoeira. Isso voc precisa saber. (P. 4, L. 3-
5)
Mas no geral, num catado geral, se inicia, lgico, basicamente, pela ginga, que o
movimento bsico e que d a base para todos os movimentos. O aluno comea a aprender
os movimentos defensivos no princpio, as negaas, os movimentos bsicos como a
C queixada, a armada, a beno, que so os golpes de aplicao direta, os giratrios,
Aprender fazendo
juntando com a esquiva. E, para um treinamento mais avanado, vm tambm os floreios,
n, saltos que so utilizados geralmente em apresentaes. Ento uns movimentos, assim,
de um grau mais difcil de aprendizagem. (P. 2, L. 33-40)
As primeiras etapas, as primeiras cordas, as primeiras quedas, os primeiros
D
conhecimentos, contato com a roda de capoeira. (P. 4, L. 5-7)
ele chega na academia e primeiro ele no sabe nem o que que . Ento ele vai ter o
G primeiro contato com os golpes, com a roda de capoeira. A ele vai aprendendo, e essa a
etapa at chegar a graduao de graduado, ou estagirio. (P. 5, L. 8-11)
Voc precisa ter noo e conhecimento da parte de liderana, de liderar um grupo. Porque
voc vai ter seguidores. Vo ter pessoas que vo olhar pra voc, e poxa, esse meu
A
professor, eu quero ser igual a ele. Ento voc tem que ter conscincia que voc tem que
Formador Humano ter boas atitudes, boas aes. (P. 4, L. 5-8)
Ele vai amadurecendo, amadurecendo para que amanh ou depois ele possa ter exemplos
D pra passar. Eu acho que o maior ensinamento que o mestre pode dar para um aprendizado
seriam os exemplos. (P. 5, L. 1-2)
65
complicado, porque a pessoa que mestre, ela representa seu bairro, sua cidade, e tem
F sempre que estar andando certo, na linha, n. Porque voc est ali ensinando crianas,
jovens, adultos, ento voc serve como exemplo. (P. 2, L. 31-33)
Na minha colocao de vida, primeiro ele tem que aprender a respeitar. Valorizar. Se ele
H
conseguir esses dois princpios ele um bom aprendiz. (P. 3, L. 9-10)
Coisa que antes, aquilo era uma coisa um pouco tradicional, de alguns mestres que tinham,
A e tal, s vezes at nem ensinava, no passava, aquilo ficava com ele. E hoje no. Hoje
voc tem livro, voc tem cd, voc tem muito mais. (P. 3, L. 3-6)
Procedimento (...) antigamente a gente s trabalhava a capoeira mesmo. J chegava, a gente no tinha
didtico alongamento, a gente no tinha aquecimento, a gente no tinha nada. (...) Ento, hoje em
B
dia tudo foi modificando, entendeu? Ento, hoje em dia voc tem uma avaliao, voc
treina, voc passa nome dos movimentos pros alunos. (P. 4, L. 31-38)
G Ele vai comear a aprender a como dar aula (...) (P. 5, L. 23)
B (...) o reconhecimento quem d os outros mestres mais velhos. (P. 4, L. 11)
Reconhecimento Ele pode ser reconhecido (como mestre) pelo prprio grupo, n, pelo prprio mestre dele.
D
(P. 4, L. 21-22)
dos outros mestres
Sou um mestre porque meu mestre me deu a corda e porque eu sou reconhecido pela
E
comunidade. (P. 4, L. 12-14)
um grande aprendizado. Cursos, seminrios, palestras, campeonatos at, festivais. Ento
D uma grande gama de coisas que vo intuir na vida dessa pessoa para que ela atinja um
nvel a pra ela ter um ttulo de mestre. (P. 4, L. 7-10)
Estudo Ento, pra voc pensar como mestre, tanto, eu acho, da contempornea ou de qualquer
G
coisa, voc tem que ter um conhecimento, em primeiro lugar. (P. 4, L. 14-16)
Depois ele vai passar a entender o que . Fazer os movimentos qualquer um faz.
H
Compreender os movimentos que difcil. (P. 3, L. 11-12)
O mestre aquela pessoa que, ele est sempre aberto, ele est sempre humilde e est
Humildade D
aprendendo. (P. 3, L. 22-23)
Obedincia ao
D Obedincia n, acima de tudo ser obediente. (P. 4, L. 1-2)
mestre
(sobre a fase de graduado) Vai procurar novos horizontes, que despregar um pouco do
Auto
G mestre, comear a andar sozinho porque ele j tem um pouco de liberdade , no ficar
aperfeioamento
muito na aba do mestre.
Quadro 11: Categoria Formao.

66
9. DISCUSSO
A partir de meados da dcada de 1970, a alterao de variadas configuraes

do cenrio social da capoeira passaram a mudar a forma como ela era abordada,
resultando na criao de novas terminologias para diferenciar este movimento das
prticas tradicionais (IPHAN, 2007). Dentre elas, o termo capoeira contempornea
alcanou uma maior continuidade, sem, no entanto, ter seu significado devidamente
abordado. Ainda assim, variados mestres e grupos de capoeira identificaram-se com
a designao, apropriando-se dela e dando significaes ao termo.
Com as entrevistas realizadas com tais mestres e seus resultados

apresentados anteriormente, passemos discusso destes dados para que
possamos buscar uma melhor compreenso do significado que a terminologia em
questo adquiriu dentro do espao social da capoeira.
Com a inteno de elucidar como se constitui a composio estrutural e social

de nosso objeto de estudo, dividiremos esta etapa do trabalho da seguinte maneira:
Primeiramente, analisaremos os dados resultantes da pesquisa, buscando

enumerar as caractersticas componentes da capoeira contempornea na
intenso de expor questes de relevncia para a devida abordagem deste
objeto de estudo;
Com isto, abordaremos as questes levantadas com base no socilogo
Pierre Bourdieu como nosso referencial terico para estudar as repercusses
sociais advindas da existncia da capoeira contempornea e tentar entender
sua relao com as escolas de capoeira tradicionais.
Finalmente, buscaremos trazer luz s questes de estudo apresentadas na
introduo deste trabalho.
9.1. A capoeira contempornea por seus agentes sociais.
Ao longo da histria da capoeira, a primeira metade do sculo XX destacou-

se como um perodo de grandes mudanas nas bases deste espao social. Em
particular, a capoeira ganhou dois patronos principais que lhe deram um novo
semblante caracterizado por duas faces. Mestre Bimba cria a sua capoeira regional,
67
mais miscigenada ao modelo ginstico que se disseminava naquele perodo, e, em

contra partida, Mestre Pastinha traz tona a capoeira angola na defesa de uma
prtica mais vinculada sua ancestralidade africana.
J a capoeira praticada na segunda metade do sculo XX, particularmente em

meados da dcada de 1960, passa a adquirir novos formatos que divergem dos
modelos angola e regional, gradualmente recebendo denominaes novas, como
capoeira contempornea. Nesta pesquisa, percebemos que certos grupos e mestres
de capoeira so citados como referenciais deste novo formato, como o caso dos
mestres Camisa, Peixinho e Camisa Roxa, e dos grupos Senzala, Abad, Muzenza,
Candeias, Gerais e Cordo de Ouro.
No entanto, ao analisarmos os mestres e grupos que foram apontados como

referenciais da prtica denominada capoeira contempornea, percebemos que
persiste dentro deste espao social uma discordncia no sentido de se determinar
quem pode ou no ser referendado como praticante da tal capoeira contempornea.
Mesmo durante o perodo de coleta de dados de nosso estudo, chegamos a

abordar alguns dos grupos que foram em seguida citados nas entrevistas. Ao
entrarmos em contato com um dos mestres do grupo Cordo de Ouro citado como
um dos grandes grupos da atualidade para que ele pudesse nos conceder uma
entrevista, o mesmo educadamente recusou nosso convite. De acordo com o
mestre, o formato de capoeira praticada pelo grupo Cordo de Ouro no pode ser
classificada como capoeira contempornea, deixando este mestre, portanto, fora do
escopo que traamos para nossos sujeitos de pesquisa.
De forma similar, dois dos mestres entrevistados pertencem a outros dois

destes grandes grupos, nos caso os grupos Senzala e Muzenza. Estes mestres
concederam entrevistas sob a premissa de que, dentro do espao social da
capoeira, de forma geral, seus grupos so considerados grupos de capoeira
contempornea. No entanto, os entrevistados discordam do uso do termo, no o
considerando adequado para caracterizar a forma como praticam a capoeira. O
entrevistado A, do grupo Senzala, declarou que seu grupo no pratica
particularmente a capoeira angola ou regional, mas sim as bases de ambas as
escolas tradicionais, alm de desenvolver novos fundamentos que as extrapolam.
68
Ainda assim, afirma que este formato no deve ser chamado de capoeira
contempornea, mas sim simplesmente de capoeira, sem demais designaes.
J o entrevistado E, do grupo Muzenza, admite que seu grupo pratique a

chamada capoeira contempornea, mas declara que o termo mais adequado seria
capoeira moderna. Ele defende este termo por este formato no definir uma nova
escola ou novo estilo mas apenas a capoeira que, por se tratar de uma
manifestao cultural historicamente dinmica, praticada atualmente em
contrapartida quelas que foram praticadas em outros momentos histricos. Ou seja,
descendente das capoeiras pr-Bimba, angola e regional, faz uso de seus
fundamentos, mas tambm traz caractersticas prprias.
Percebemos, portanto, que nenhum agente social pde ser apontado como o
criador propriamente da capoeira contempornea, o que transpassa a ideia de que o
surgimento da capoeira contempornea no foi um evento em particular, nem
associou-se a um grupo ou mestre responsvel por sua criao, como ocorreu no
caso da capoeira regional com Mestre Bimba. Tambm no pudemos identificar que
a defesa ou disseminao de sua prtica esteve associada a um mestre, um patrono
ao qual o espao social da capoeira apontasse como referencial de seus
fundamentos, como o foi Mestre Pastinha para a capoeira angola. Portanto, a
capoeira contempornea parece compor um modelo de capoeira desenvolvido e
praticado, mas no concebido por uma entidade em particular que lhe teria dado
forma, ou mesmo que poderia ser remetido a uma entidade onde este modelo teria
se estabelecido.
Somado a isto, um dos dados a chamar mais ateno entre os resultados

deste trabalho diz respeito forma como os prprios praticantes da capoeira
contempornea, de forma geral, no a enxergam como uma escola, tais quais o so
a capoeira angola e a capoeira regional. Um dos entrevistados assume uma postura
diferente a respeito desta questo, denotando que existe algum embate neste
tocante entre os adeptos deste modelo de prtica.
Ao analisarmos as escolas de capoeira estabelecidas, angola e regional,

podemos observar que ocorre o desenvolvimento de um modelo que segue um
padro tpico das escolas de ofcio descritas por Rugiu (1998). Esta temtica j foi
abordada por Silva, Souza Neto e Benites (2009), que afirmam:
69
Assim como nas escolas de ofcio do sculo XIV, a capoeira

instituda por mestre Bimba se tornou um modelo para todos os
grupos de capoeira regional, at os dias de hoje, constituda por
regras rgidas e hbitos de vida: o estabelecimento de aulas e rodas
em dias e horrios definidos; livros de matrcula; turma de alunos,
apostilas, lies e avaliaes; controle de mensalidade. (p. 880)
Os autores demonstram que, assim como na academia de Mestre Bimba, o

modelo de escola de ofcio tambm se consolidou na capoeira angola de Mestre
Pastinha, assim como nos grupos de capoeira que surgiram posteriormente.
No entanto, um fator que diferencia os modelos de prtica estabelecidos por

Mestre Bimba e Mestre Pastinha, reside no que Hobsbawm (1997) chama de
tradies inventadas. De acordo com o autor, certos rituais por vezes considerados
de longnqua ancestralidade na verdade podem ser retraados para momentos
bastante especficos da histria, quando um indivduo ou grupo de indivduos
institucionaliza tal prtica. Este processo ocorre de forma que se justifica a prtica
por ela criar um vnculo do presente com o passado e ela torna-se generalizada e
aceita.
Pautando-nos pelo autor, os modelos de prtica estabelecidos como capoeira

angola e capoeira regional, alm de remeterem s escolas de ofcio, tambm
apresentam seu prprio conjunto de tradies inventadas que so professadas como
constituintes inalienveis das prticas s quais pertencem. Isto no significa que
estas escolas so imutveis, dado que so manifestaes culturais estabelecidas
historicamente e, portanto, dinmicas. Mas elas carregam certos fundamentos que
so mantidos ao longo do tempo e considerados marcantes de sua prtica e que a
conectam a sua ancestralidade seja ela ao passado africano, brasileiro ou mesmo
apenas referentes aos seus mestres patronos.
De acordo com Reis (1997), estas tradies inventadas da capoeira angola e

regional teriam tido origem na defesa da pureza da capoeira baiana professada por
seus respectivos mestres. Desta forma, cada qual teria desenvolvido seu prprio
conjunto de ritos e prticas no sentido de justificar exatamente uma conectividade
com uma ancestralidade proveniente da prpria cultura baiana.
70
No que tange esta pesquisa, necessrio esclarecer que tais tradies da

capoeira regional e angola so, hoje, abertamente aceitas como as bases
incontestveis da capoeira. Isto surge no discurso dos nossos entrevistados que, de
forma unnime, exaltam as escolas angola e regional como as bases para qualquer
forma de prtica que a capoeira contempornea possa assumir, mesmo quando se
pretende expandir os fundamentos. O fato dela no negar os moldes tradicionais
apresenta-se como uma forma de identidade dela mesma com a ancestralidade da
capoeira. Devido a isto, esse novo formato permite, para seus praticantes, uma
identificao com a capoeira como um todo, deixando os conflitos de identidade
deste fenmeno mais a cargo das tradicionais do que de seu espao social e a
sociedade em si.
Desta forma, faz-se necessrio se reconsiderar o tratamento da capoeira

contempornea como uma escola ou estilo, como definem alguns dos
entrevistados no sentido de possuir tradies universais e amplamente aceitas, tal
qual se pode observar na capoeira angola e regional, mesmo possuindo
caractersticas de uma escola de ofcio. A necessidade de tais tradies para
constituir-se como uma escola da prtica pode ser constatada pelos prprios
discursos dos entrevistados quando justificam a negao da capoeira
contempornea como uma escola de capoeira:
Eu nem sei se ns podemos classificar isso como um estilo. Porque

pra se classificar como um estilo ele tem que ser... ... tem que ter
todos os seus movimentos pr-determinados, tem que ter uma
uniformizao. E isso no acontece na capoeira contempornea no
seu geral. (entrevistado C)
como eu digo pra voc n, ns no podemos afirmar que a

capoeira contempornea seja praticamente um estilo porque existem
vrios grupos e cada grupo ele segue uma certa tradio.
(entrevistado C)
Ento, a capoeira contempornea, ou moderna, ainda no tem uma

tradio inventada. (entrevistado E)
(...) eu acho que uma forma de jogar capoeira. Mas ela no um

estilo, com fundamentos. (entrevistado E)
Agora, a contempornea no (...) no uma escola fundida como a

angola e a regional. (entrevistado G)
71
No entanto, mesmo no caso de ela no se constituir numa escola tais quais

os modelos tradicionais, impossvel negar este fenmeno existente no espao
social da capoeira que se distingue daquelas prticas, independentemente da
denominao dada a ele. Assim sendo, o que fazer dele? O que constitui seus
fundamentos?
Primeiramente, uma caracterstica que surge com unanimidade nos discursos

dos entrevistados o fato de que os fundamentos da prtica deste novo modelo
apoiam-se em ambas as tradies estabelecidas neste espao social. Isto denota
que a capoeira contempornea representa uma ruptura com o modelo onde o
praticante teria que se ater a uma ou outra escola tradicional, inclusive existindo
certa expectativa de que o praticante conhea ambas para poder se considerar um
capoeirista completo. Isto pode ser observado, por exemplo, no discurso do
entrevistado H, quando ele afirma que Pra voc fazer uma capoeira
contempornea, primeiro voc tem que conhecer a capoeira angola e a capoeira
regional.
No entanto, tambm predomina a opinio de que, alm de apoiar-se nos

fundamentos das escolas tradicionais, a capoeira contempornea tambm d
liberdade para se desenvolver novas prticas que se associem aos seus
fundamentos. A mescla com outras lutas surge nos depoimentos dos entrevistados
com certa nfase, mas tambm a associao com outras prticas como com o hip-
hop e certas manifestaes da cultura brasileira , transparecendo, portanto, que
existe uma permissividade caracterstica deste modelo de prtica, que pode ser
identificado nos discursos:
(...) o prprio Bimba disse que a capoeira teria que ter mudanas, n.
E voc sabe que as mudanas s vezes agrada uns e desagrada
outros. Ela nunca vai agradar todo mundo. Mas a mudana
obrigatria que exista. Tem que existir. J pensou se no existisse, a
gente estava jogando a mesma capoeira de sessenta, setenta,
oitenta anos atrs, no sei como estaria hoje. Essa diversidade da
capoeira que faz esse embelezamento dela, que faz a busca, que
faz as diferenas, n. Ento voc v capoeirista duro, voc v
capoeirista flexvel, voc v capoeirista malabarista, voc v
capoeirista que gosta j de pau, gosta de capoeira mais esporte, n.
Ento essa diversidade enriquece a capoeira. Eu vejo por esse lado.
Eu no tenho nada contra, eu sou at a favor que existam mudanas
mesmo. A nica coisa que eu prezo muito respeito. Ns temos que
respeitar muito as outras capoeiras. (entrevistado D)
72
Portanto, a capoeira contempornea demonstra uma dualidade

comportamental que, ao mesmo tempo busca conectar-se com sua ancestralidade
exigindo de seu praticante o resgate de suas razes atravs das escolas tradicionais,
mas tambm se abre para a possibilidade de ser reinterpretada com base mesmo
em fatores externos a ela. Nesse sentido, a capoeira contempornea no nega as
capoeiras tradicionais, e inclusive estimula sua prtica sem demonstrar preferncia
por uma em particular, e, pelo discurso dos mestres, colocam que o participante, de
forma individual, tenha liberdade para optar por um dos dois modelos de jogo. A
capoeira contempornea se apresentou nesta pesquisa como uma forma que busca
a harmonia entre as capoeiras tradicionais, pois no questiona a existncia das
mesmas nem exige a adoo de uma em detrimento da outra.
Destacamos este comportamento por termos identificado tendncias

diferentes nos discursos dos prprios patronos das escolas tradicionais. Isto pode
ser encontrado em Pires (2001, p. 303), que relata a divergncia j existente entre
Mestre Bimba e Mestre Pastinha, onde cada qual defendia seu modelo da prtica
enquanto sendo a forma mais pura de capoeira. De acordo com o autor, em 1969,
numa tentativa de criar um dilogo entre os mestres, um congresso no Rio de
Janeiro convidou ambos para discutir uma unificao da capoeira, mas o encontro
dos dois nunca se deu. Frustrado, Mestre Bimba teria afirmado que (...) esse
negcio de Angola no existe., comentrio para o qual Mestre Pastinha teria
respondido dizendo que capoeira uma s: Angola.
De acordo com Reis (1997), esta divergncia entre os dois mestres origina-se
principalmente das discusses acerca das origens da capoeira e, portanto, o que
constitui uma descaracterizao de suas bases. Neste sentido, Mestre Bimba teria
abordado a capoeira como uma manifestao resultante da miscigenao tnica
territrio nacional enquanto que Mestre Pastinha viria a negar a capoeira regional
sob o argumento de que tal miscigenao cultural negaria a ancestralidade africana
da capoeira. Desta forma a autora afirma que enquanto Bimba supe a
ascendncia negro-brasileira da capoeira, para Pastinha a capoeira negro-
africana (p. 126).
73
Esta negao de outros modelos de prtica mencionado no discurso de um

dos entrevistados, demonstrando que ainda ecoa no espao social da capoeira, o
que pode ser observado no relato do entrevistado F:
(...) a contempornea, pra mim, ela assim... faz parte da capoeira.

Ela um fator muito importante. Alis, muito mestre acaba
denegrindo, n, e fala que capoeira contempornea no capoeira.
Capoeira angola mesmo... os angoleiros falam que angola, os da
regional fala que regional, e o resto, n. (entrevistado F)
Assim, a capoeira contempornea demonstra uma tendncia maior

aceitao de variaes na prtica da capoeira como um todo. Isto pode ser
observado nos resultados desta pesquisa pela forma como os entrevistados se
abrem para a possibilidade de reinveno da prtica, tanto pela mescla com outras
manifestaes culturais quanto pela prpria atitude individual do praticante.
Esta abertura que a capoeira contempornea demonstra surge tambm na

literatura, quando Salazar (2011) faz um estudo de sua configurao em um grupo
de capoeira contempornea especfico, mencionando:
Enquanto pesquisadora posso afirmar que, conforme exposto no segundo

captulo, h vrias configuraes contemporneas da Capoeira, cujas
principais linhagens so a Angola e a Regional, mas, a partir da minha
pesquisa de campo, posso confirmar a existncia de um outra forma de se
posicionar perante essas duas vertentes, constituindo-se, assim, uma
possvel alternativa de interao entre formas diferenciadas de conceber e
jogar Capoeira e uma nova perspectiva estratgica e mercadolgica. (...)
Se, por um lado, manifesta-se enquanto um mecanismo utilizado para
concorrer no mercado educativo, cultural e esportivo, altamente competitivo,
tambm propicia a consolidao de vnculos de solidariedade, criando
novas redes sociais e incrementando as oportunidades de trabalho coletivo.
(p. 164-165)
Neste sentido, os entrevistados ainda chamam ateno para certas alteraes

nos movimentos e rituais da capoeira contempornea que devem ser observados
para entender o que a destaca das formas tradicionais da prtica e o que apenas
remete a elas sob nova roupagem, como pode acontecer na ausncia de referencial.
Como exemplo disto, o entrevistado B destaca como o movimento chamado

de cadeira , por vezes, apontado como uma posio moderna, criada
recentemente, mas que no livro Barraco do Mestre Waldemar (ABREU, 2003) o
74
prprio Waldemar aparece nesta posio em uma foto que data da primeira metade
do sculo XX. Portanto, tal movimentao j existe dentro da capoeira h quase um
sculo, mesmo que apenas recentemente tenha recebido a denominao de
cadeira.
Assim, interessante notar como mudanas no formato de prtica da

capoeira contempornea, alm das influncias j destacadas acima, giram menos
em torno da criao propriamente de novos movimentos e golpes, e mais na forma
como as bases e ritos tradicionais so executados. Primeiramente, destacou-se que
a capoeira contempornea jogada de forma parecida com a regional, mas com um
ritmo mais acelerado. Alm disto, foi apontado um destaque dado prtica sob um
formato que valorizasse a esttica da performance, a qual (...) tem mais floreio, (...)
mais exibio (entrevistado A) e que (...) uma capoeira bastante plstica
(entrevistado E).
A utilizao da capoeira enquanto forma de espetculo com fins rentveis

teve seu auge a partir da segunda metade do sculo XX com a expanso do
mercado turstico em Salvador, atividade esta j discutida na literatura (IPHAN,
2007) e praticada inclusive pelas escolas tradicionais (PIRES, 2001). No entanto, os
entrevistados do presente estudo atribuem capoeira contempornea um enfoque
num jogo mais esttico, acrobtico, e acelerado, alm de uma maior padronizao
da vestimenta e diferenciao do canto em relao a o que existia na angola e na
regional. Isto nos leva a entender que, na capoeira contempornea, a
espetacularizao do jogo se mostra mais presente do que nas escolas tradicionais,
coadunando com Mwewa, Vaz e Oliveira (2010), que afirmam que a capoeira
contempornea (...) incorpora muitos dos elementos que a tornam um produto mais
adequado para ser consumido como espetculo (p. 157). Citam ainda:
A capoeira contempornea (...) se configura como a aglutinao de

inmeros elementos das diferentes prticas de capoeira com o uso
intenso de movimentos acrobticos. Os jogos so demasiadamente
rpidos, somente rpidos, mdios e mais ou menos lentos. Porm,
todos eles obedecem a uma plasticidade esttica nos seus
movimentos. A grande maioria das apresentaes pblicas de
capoeira comporta elementos que a tornam mais atrativa para
estabelecer um elo entre os praticantes (atores) e o pblico (aqueles
que assistem). (p. 159)
75
No mesmo trabalho, os autores discutem exatamente como, na capoeira

contempornea, so encontrados exatamente os elementos que propiciam o
hibridismo social e a interculturalidade. Isto pde ser identificado em nosso trabalho
quando os entrevistados apontam para a forma como a capoeira contempornea se
tornou um produto internacional, ou como afirma o entrevistado A, L fora o que rola
mais capoeira contempornea. Isto nos leva a indagar sobre como esta
interculturalidade afetou, est afetando e ainda afetar a capoeira contempornea, e
o espao social da capoeira como um todo.
Os entrevistados A e E chamam ateno para o perigo da descaracterizao

da prtica em relao s suas razes, enquanto que o entrevistado B aponta para a
necessidade de no se pegar tudo aquilo que de raiz e tentar transformar ele sem
fugir da raiz na verdade. Da mesma forma, no que tange a incorporao de
elementos de outras lutas, o entrevistado G levanta a necessidade de nos atermos
s manifestaes prximas capoeira em sua origem para evitarmos sua extrema
transformao.
A questo da miscigenao cultural na capoeira j presente desde que

Mestre Bimba criou a capoeira regional (REIS, 1997). Como j discutido no terceiro
captulo deste trabalho, Mestre Bimba foi bastante influenciado pelo cenrio que a
capoeira encontrava no Brasil da primeira metade do sculo XX, com intelectuais da
poca buscando adequ-la aos moldes da educao fsica de ento, representada
pelos mtodos ginsticos europeus (CRESSONI, 2010).
No que tange a capoeira contempornea, os discursos dos sujeitos desta

pesquisa vem carregados de comentrios que nos remetem a uma influncia da
rea profissional da educao fsica. Podemos identificar este contato no que diz
respeito pedagogia de ensino com preocupaes etrias e metodolgicas
(entrevistado C), biodinmica dos movimentos com fins de eficincia (entrevistado H)
ou preveno de leses (entrevistado B), influncias diretas, como ginstica
aerbica e Cooper (entrevistado D), ou mesmo sua vinculao aos conselhos de
educao fsica (entrevistado D).
No entanto, a capoeira regional, j arraigada da influncia da rea profissional

da educao fsica, ela prpria uma das bases principais para fundamentar a
capoeira contempornea juntamente com a capoeira angola. Este fator, portanto,
76
no diferencia a capoeira contempornea das tradicionais, ao menos da capoeira

regional, mas se mostra como uma caracterstica componente de seus fundamentos.
A diferena surge quando abordamos a insero da capoeira no cenrio

esportivo com esporte no sentido definido por Helal (1990), tal qual descrito no
captulo anterior. Com este sentido, para uma determinada forma de capoeira poder
ser tratada como esporte, necessrio que ela possua regras claras de competio
submetidas a princpios de fair-play e subordinadas a uma organizao reguladora,
como uma federao.
fato conhecido que o prprio Mestre Bimba participou de campeonatos de

artes marciais e estimulava e treinava seus alunos para que fizessem o mesmo. No
entanto, Mestre Bimba abandonou os ringues exatamente por considerar que a
capoeira se tratava de uma luta para situaes de risco onde tudo valia e que,
portanto, (...) as regras de luta acabavam tirando a eficincia da capoeira (PIRES,
2001, p. 256).
Diferentemente, a capoeira contempornea, de acordo com nossos

entrevistados, insere-se no cenrio esportivo, at mesmo em campeonatos de lutas
mistas com regras tabuladas. O surgimento das federaes de capoeira na segunda
metade do sculo XX mesmo perodo em que o termo capoeira contempornea
comeou a ser utilizado d ainda uma sincronia histrica para a esportivizao
deste modelo de prtica. Certamente, isto no faz com que este modelo de capoeira
tenha sido exclusivo em campeonatos, mas certamente um fator que o caracteriza
e diferencia das formas de prtica da capoeira regional e angola que o precederam.
J o processo de formao do mestre de capoeira contempornea desde o

incio do aprendizado do aluno parece carregar muito mais semelhanas com a
capoeira regional que com a capoeira angola.
Como j referido no terceiro captulo deste trabalho, Mestre Bimba introduziu

na capoeira uma maior sistematizao caracterizada principalmente pela adoo de
uma metodologia de aprendizado pautada em sequncias de golpes, esquivas e
contragolpes, as quais eram treinadas e repetidas para o aperfeioamento do
praticante. Estas sequncias carregam similaridades com os padres de treinamento
77
das ginsticas europeias que se disseminavam no Brasil na poca, estas tambm

pautadas em sequncias de movimentaes (CRESSONI, 2010).
Alm disso, Mestre Bimba tambm introduziu uma sequncia de formao

marcada primeiramente pelo batismo, quando o aluno com em torno de seis meses
de treino recebia seu nome de guerra e deixava de ser um calouro. Com isto, ele
treinava para ser avaliado por Mestre Bimba num momento que o Mestre
escolhesse, mas num perodo de alguns meses, para atestar se estava pronto para
sua formatura (DECANIO FILHO, 1997). Nesta festa solene, o aluno passava a ser
um formado, recebendo uma medalha de mrito juntamente com um leno de seda
azul representando seu novo ttulo (DECANIO FILHO, 1997; REIS, 1997;
DEPUTADO, 2011).
Somente os formados poderiam participar do curso de especializao que

Mestre Bimba ministrava longe dos olhos de outros alunos, aprendendo tcnicas de
emboscada e defesa contra armas, recebendo o leno vermelho. Cada uma destas
etapas era marcada por um perodo intermitente, e os formados que demonstrassem
maior aptido para ensinar, poderiam receber o ttulo de contramestre, recebendo
um leno amarelo, e os tocadores de berimbau ostentavam o leno verde. A ltima
graduao era marcada pelo leno branco que marcava o ttulo de mestre
(DECANIO FILHO, 1997).
Na capoeira contempornea, podemos observar que mantem-se uma

sequencia de formao, porm marcada pela aquisio de cordas, cordes ou
cordis no lugar dos lenos, e com ttulos que se diferenciam no apenas daqueles
de Mestre Bimba, mas tambm de grupo para grupo. Esta sequencia de formao,
no entanto, aparenta ser mais seriada, seguindo um padro sequencial mais fixo. O
ttulo, por exemplo, de contramestre, que Mestre Bimba concedia ao aluno formado
que ele considerasse mais preparado, na capoeira contempornea faz parte da
ordem de sucesso dos ttulos.
Ainda assim, interessante notar como, medida que sobe-se nesta

hierarquia estruturada, a conquista de novos ttulos torna-se mais subjetiva,
submetida a outros fatores que no apenas a temporalidade e fluxo hierrquico. Os
primeiros momentos da formao se do principalmente pela introduo s
movimentaes e golpes, os quais so aprendidos pela prpria execuo dos
78
mesmos. Aps o ttulo de graduado, este fator vai dividir espao de importncia com
o aprendizado adquirido extra treino, atravs de livros, palestras, cursos, e com
enfoque no desenvolvimento de noes pedaggicas, onde o aluno (...) vai comear
a aprender como dar aula (entrevistado G). Podemos perceber a insero da
capoeira contempornea num modelo artesanal de aprendizagem por esta forma de
aprender fazendo e como isto to formador quanto o conhecimento terico,
coadunando, portanto, com Silva, Souza Neto e Benites (2009).
Ao ser discutido o momento de aquisio do ttulo de professor (ou

contramestre, em alguns casos) e a transio deste para se tornar mestre, os
capitais necessrios passam a extrapolar o ambiente fsico da academia de capoeira
e mesmo o contexto do grupo especfico onde o capoeirista est inserido. Neste
momento, o candidato deve passar, no somente pelo aval do mestre que o formou,
mas tambm pelo espao social da capoeira como um todo. Esta certamente
representada pelos demais mestres, mas tambm por aqueles aos quais o
capoeirista deve estar prestando servio na forma de aulas.
De acordo com os entrevistados, o ttulo de mestre no representa apenas

um agente social engajado no ensino da capoeira. Ele representa um formador
humano e representante de sua comunidade e, desta forma, um indivduo que deve
apresentar-se como um exemplo para as demais pessoas, e que tem que ter boas
atitudes, boas aes (entrevistado A). Portanto, os entrevistados consideram a
maturidade uma caracterstica fundamental para que se possa conquistar esta
posio, fazendo com que o fator tempo passe a ser primordial para que o candidato
alcance o ttulo de mestre de capoeira contempornea.
Este tempo e experincia fazem-se necessrios, de acordo com os

entrevistados, em funo do contato do indivduo com o espao social da capoeira e,
portanto, sua atuao no trabalho de ministrar aulas e treinos. Esta insero na
estrutura que se compe pelo contato entre os vrios agentes ligados capoeira,
tanto contempornea como tradicional, deve, em ltima instncia, possibilitar a
formao de um novo mestre por sua aceitao como tal pelos seus pares.
Reconhecemos, portanto, um processo necessrio para se chegar a mestre

que envolve a aquisio de dois capitais especficos, discutidos no captulo 4 sob a
luz de Bourdieu (1986). Primeiramente, um capital cultural incorporado deve ser
79
alcanado pelo praticante, ou seja, sua insero no espao social da capoeira pelo
processo, deliberado ou no, de reconhecer, compreender e incorporar a cultura em
questo como se a vestisse como uma segunda pele. Isto s pode se dar
exatamente pela imerso do indivduo no espao social especfico durante um
perodo de tempo que deve ser inevitavelmente prolongado. De acordo com
Bourdieu (op.cit.) a aquisio deste capital facilitada quando o sujeito participa do
meio em questo desde a infncia atravs da relao com a famlia, o que se mostra
o caso do entrevistado F, que relata ter aprendido a capoeira com seu pai, ele
prprio mestre.
O segundo capital que o tempo proporciona ao praticante o capital social, o

qual alcanado pela participao atuante no espao social da capoeira e, portanto,
mantendo contato com os demais agentes. Isto demonstrado quando os
entrevistados afirmam que o mestre se forma pela sua aceitao como tal pela
comunidade.
importante reconhecer que este processo de formao no destaca a

capoeira contempornea de modelos mais tradicionais da prtica. Souza (2010)
debruou-se exatamente sobre os saberes e o processo de formao dos mestres
de capoeira angola. Em seu trabalho, o tempo de atuao no ensino da capoeira, e
a aceitao pela comunidade foram dois dos elementos levantados como
fundamentais para tornar-se mestre dentro daquela escola tradicional. Tendo
levantado entrevistas com mestres de capoeira angola, o auto afirma:
Este reconhecimento enquanto mestre por parte da comunidade

um discurso muito frequente nas falas dos entrevistados.
Entendendo-se or comunidade no s os mestres, mas quem est
em contato direto com eles, podendo ser alunos ou pessoas que
fazem parte de seu cotidiano. (p. 170)
O autor desta, portanto, o reconhecimento pela comunidade, e levanta o outro

fator:
Trata-se do fator tempo, sendo este necessrio para que se

compreenda este esprito de capoeirista, para que ocorra o processo
de amadurecimento atravs das vivncias, para ento tornar-se um
mestre. (p. 171)
80
Portanto, podemos perceber que o processo de formao dentro da capoeira

contempornea se mostra consideravelmente estruturado at que o praticante
alcance o posto de professor. A partir da at ele se tornar mestre, o que vai ditar
sua ascenso social vai deixar de ser a aquisio de cordas de forma seriada e
normatizada, e vai passar a pautar-se na sua aquisio dos capitais culturais
incorporados e capital social do meio capoeirstico.
9.2. A caracterizao social da capoeira contempornea esboo de um

estudo por Bourdieu.
A capoeira apresenta-se enquanto espao social definido por sua

ancestralidade que no momento apresenta-se de forma fragmentada. O embate
social perceptvel se for observado o conflito entre as escolas tradicionais e a
contempornea. Este estudo limitou-se a estudar a capoeira contempornea, que,
salvo melhor juzo, apresenta-se como novidade ou agente que desestabiliza a
estrutura existente neste espao social.
De acordo com Bourdieu (2004), um espao social tende a se caracterizar por

jogos de poder que se estabelecem na relao entre seus agentes, onde estes
esforam-se para atingir um estgio de domnio do espao, ou seja, de ascenso na
hierarquia de poder que o compe. O autor descreve este modelo de inter-relao
como uma estrutura social na qual os agentes envolvidos participam de um jogo
onde, atravs dos capitais especficos do espao, eles buscam atingir posies de
cada vez mais prestgio dentro desta mesma estrutura.
A participao de tal jogo induz o indivduo a tomar parte nos maneirismos de

interao ditados por comportamento especficos ao espao social onde esta
relao se d. De acordo com o autor, a aquisio de tais comportamentos tende a
ocorrer atravs da prpria participao do agente social no espao em questo de
forma, geralmente, desintencional. Portanto, esta estrutura, em sua composio
previamente estruturada, mostra-se tambm estruturante do prprio agente que
adentra o espao social composto por ela, no sentido de inculcar os ditames sociais
que regem as relaes de poder que a formam.
81
Este jogo de ascenso na estrutura de poder atravs do inculcamento e

reproduo de modelos de comportamento ditados pelos capitais especficos do
espao em questo constitui o que Bourdieu chama de habitus.
O habitus das escolas tradicionais de capoeira apresenta-se bastante

consolidado, com suas estruturas de poder afixadas nos polos hierrquico do
aprendiz iniciante ao mestre consolidado, e padres de comportamento que so
continuamente reproduzidos pelos agentes sociais na aquisio e usufruto de
capitais simblicos.
Os vrios tipos de capitais expostos no captulo 4 deste trabalho podem ser

identificados no habitus das escolas tradicionais. No entanto, aqueles que parecem
ser de maior impacto para o desenvolvimento deste estudo so o capital social, o
capital cultural no estado institucionalizado, e o capital cultural no estado
incorporado.
O capital cultural no estado incorporado disposies de comportamento

durveis e constitutivas no prprio ser do agente social denota os padres de
comportamento e a forma de agir que so adquiridos pela insero prolongada neste
espao social. Isto inclui tambm os discursos que repercutem nas escolas
tradicionais de capoeira entre seus agentes, como, por exemplo, a tendncia ao
purismo da prtica j abordado anteriormente. Ao compararmos tal capital nas
escolas tradicionais com o mesmo na capoeira contempornea, podemos perceber
que existe uma alterao de tal aspecto deste capital, j que nesta ltima surge um
padro de comportamento onde no se preza tanto por um modelo fechado, pautado
por tradies relativamente imutveis, mas sim, pela liberdade de modificar os
fundamentos da prtica ao mesmo tempo em que busca-se ater a fundamentos
tradicionais.
Ora, dentro da estrutura social concebida por Bourdieu, o capital cultural no

estado incorporado apresenta-se bastante especfico ao espao social que ele
representa. A falha em demonstrar este savoir faire incorreria, necessariamente, no
detrimento do capital social as conexes e obrigaes de um agente para com
outros to necessrio ascenso na estrutura de poder.
82
Uma conjuntura neste sentido cria uma incompatibilidade do agente com seu
espao social, cuja consequncia tende a ser seu desmerecimento enquanto um
indivduo imaturo, sem a devida compreenso do que se trata o espao social, ou
sua excluso de tal espao, seja por ostracismo ou expulso propriamente dita.
Obviamente, isto exclui o agente social do jogo pelo habitus, negando-lhe, portanto,
acesso aos capitais sociais no estado institucionalizado competncia certificada
por um ttulo , no caso, o ttulo de mestre.
No entanto, a capoeira contempornea, como mencionado, rompe com o

capital cultural incorporado das escolas tradicionais e concede seus prprios ttulos
de mestre capital cultural institucionalizado aos seus agentes sociais,
sustentando, portanto, o capital social dos mesmos. Isto nos leva constatao de
que a capoeira contempornea constitui um movimento que subverte as relaes de
poder caractersticas das escolas tradicionais e, portanto, seu habitus.
Seria pretencioso por parte desse estudo afirmar que a capoeira est em
conflito, pois uma afirmao to categrica iria alm das possibilidades que este
trabalho alcana. Porm h indcios, para estudos mais focados, que, pela leitura de
Bourdieu, haja dois espaos sociais: um tradicional e um em constituio, no caso, a
capoeira contempornea. Tais espaos podem se inter-relacionar enquanto prticas
semelhantes, porm enquanto estrutura de poder, e principalmente quando se
observa o polo dominante, elas no se correlacionam, pois so outros agentes que
pertencem a este polo e outras estruturas e, portanto outro habitus - para chegar a
ele.
9.3. Debatendo com as questes de estudo.
Ao longo do presente estudo, foi possvel desenvolver a discusso em torno

do fenmeno referendado como capoeira contempornea, abordando tanto as
concepes que a academia lhe atribui quanto a compreenso que surge no prprio
espao social deste modelo de prtica. Atravs das entrevistas com seus agentes
representativos, pudemos fazer o levantamento de caractersticas que compem os
fundamentos da capoeira contempornea e, a partir delas, abrir a discusso sobre a
caracterizao dos embates sociais com as escolas tradicionais.
83
Com este levantamento desenvolvido e sua discusso realizada,

retornaremos, portanto, s questes de estudo inicialmente propostas para este
trabalho para fechar este crculo tentando responde-las.
Se a capoeira contempornea apresentar-se diferenciada dos estilos

tradicionais enquanto uma nova forma de prtica, como ela seria abarcada
pelo registro e outras leis que sejam dele provenientes, e qual o seu papel na
sociedade brasileira atual?
A capoeira contempornea ir se diferenciar dos modelos tradicionais no que
tange sua ruptura com modelos de adequao a normas ou tradies inventas,
estabelecidas e reproduzidas com pouco espao para variaes e inovaes. Desta
forma, podemos dizer que as diferenas substanciais encontram-se, principalmente,
na esfera das disputas de poder e domnio do espao social associado capoeira.
Ademais, as entrevistas deste estudo apontam que os fundamentos da

capoeira contempornea no parecem se distanciar em demasia das escolas
tradicionais. De fato, podemos perceber que, de forma geral, existe pouca alterao
na forma e nos rituais componentes da capoeira contempornea para que se possa
afirmar que ela se desvincula das tradicionais, formando-se mais exatamente uma
relao de conexo destas com a atualidade e daquela com sua ancestralidade.
Nesta configurao exposta por este estudo, percebemos que a capoeira

contempornea mostra-se como um modelo de prtica que estabeleceu-se de forma
a ser representativo de uma, ou vrias, capoeiras legtimas e, portanto, merecedora
de reconhecimento e disseminao enquanto parte do patrimnio cultural imaterial
do Brasil que a capoeira. Apresenta-se tambm, de certa forma, dentro do
esperado de uma sociedade no estagnada que possui mobilidade e transformaes
sociais que coadunam com o desenvolvimento tecnolgico e cientfico prprio do ser
humano e, principalmente, posterior modernidade. Mesmo assim, o fato de no
negar o passado confere a este modelo de prtica uma tendncia, e dever, de
manter vivos os princpios da capoeira, mesmo que adequando-os ao seu prprio
tempo.
84
Como ressalva, fica a preocupao relacionada aos limites que essa

manifestao pode ultrapassar, quando alguns discursos no deixam claro at onde
a inovao e a assimilao dessas prticas podem levar. Quando o entrevistado F
indagado sobre os quais seriam os limites para as inovaes na capoeira
contempornea, ele afirma, certamente com as melhores intenes para a capoeira
em mente, que no tem limite. Isto nos remete a uma das prprias motivaes por
trs da incluso da capoeira como patrimnio cultural imaterial do Brasil, este
fantasma da descaracterizao que ronda o meio social da capoeira desde meados
do sculo XX. De fato, a liberdade que a capoeira contempornea confere aos
praticantes exatamente o fator que leva crtica direcionada a este modelo
enquanto um potencial de levar a capoeira a um momento de perda de suas razes
ancestrais. Desta forma, consideramos que isto se configura, exatamente, como a
principal responsabilidade que repousa sobre os ombros dos representantes das
prticas que fogem dos modelos consolidados. Assim como o explorador, que abria
caminho para novos horizontes, era o mais suscetvel aos perigos de um meio hostil,
tambm o praticante da capoeira contempornea, que explora novas possibilidades
de crescimento da prtica, aquele que mais deve ficar atento s influncias
negativas s razes da capoeira.
Se a capoeira contempornea apresentar-se una com as escolas tradicionais,

mostrando-se como uma extenso destas, e, portanto, contemplada como
patrimnio cultural, como ela se insere e qual o seu impacto no universo
social da capoeira, e perante a cultura nacional?
Como discutido acima, consideramos sim que a capoeira contempornea
apresenta-se como uma extenso das escolas tradicionais estabelecendo uma
relao de ancestralidade com elas, e de conexo delas com a atualidade. A partir
dos olhares dos entrevistados, percebemos uma unanimidade na opinio de que as
bases da capoeira contempornea repousam exatamente nos fundamentos
passados adiante pelas prprias escolas tradicionais, denotando que no existe uma
negao das mesmas. Em seus discursos, os mestres no somente associam as
duas escolas, mas tambm possibilitam incrementos em sua prtica, como outras
85
manifestaes da cultura popular brasileira, movimentos acrobticos, ou elementos

advindos de outras lutas.
Desta forma, mesmo com os embates sociais que se do entre a capoeira

contempornea e as escolas tradicionais, podemos afirmar que existe uma forte
relao de vnculo ancestral de nosso objeto de estudos com a capoeira angola e a
capoeira regional.
Em relao ao impacto dela no universo social da capoeira, percebe-se

claramente um embate gerado por dois grandes fatos.
Primeiramente, existe uma disputa de poder interna na capoeira,

principalmente motivada pelo purismo agregado a certos discursos com menos
flexibilidade em relao a aceitar o novo. Nos discursos dos mestres da capoeira
contempornea, no foi percebido o embate e/ou negao dos modelos tradicionais
de prtica. Portanto, essa disputa refere-se aceitao do novo pelos modelos
consolidados. Em uma leitura mais superficial, poderamos relatar que a capoeira
contempornea est numa fase de legitimao perante a comunidade da capoeira.
Nesta observao, podemos chegar ao segundo fato.
A capoeira contempornea parece apresentar-se como uma estrutura nova,

paralela ao espao social das capoeiras tradicionais, apresentando, inclusive um
habitus prprio, mesmo que semelhante aos dos modelos anteriores. Percebemos
isso por ela mostrar-se consolidada na sociedade, aparentemente em crescimento,
tanto no Brasil quanto no exterior, e que, de certa forma, no parece ter entrado na
briga das tradicionais pelo domnio da capoeira legtima. Por isso, conseguimos
pensar que a capoeira contempornea uma realidade que incomoda as
tradicionais, mas ela mesma, aparentemente, est aqum deste julgamento que fica
claro, por exemplo, no relato do entrevistado F:
Alis, muito mestre acaba denegrindo, n, e fala que capoeira

contempornea no capoeira. Capoeira angola mesmo... os angoleiros
falam que angola, os da regional fala que regional, e o resto, n.
Convm mais uma vez alertar que este estudo aprofundou-se nas entrevistas
e na realidade da capoeira contempornea. Nossos achados, portanto, so iniciais e
passveis de reinterpretaes conforme novos estudos se apresentem sobre o
86
fenmeno observado, inclusive enquanto aprofundamento relacionado aos mestres

das capoeiras tradicionais em relao ao debate institudo nesse estudo.
Considerando-se o surgimento da capoeira contempornea enquanto uma

ruptura com os modelos tradicionais, o que determinou esta quebra e qual o
jogo de poder existente entre as capoeiras tradicionais e a contempornea?
O que nos parece que no houve exatamente um momento histrico

especfico em que surgiu a denominada capoeira contempornea. Como j tratamos
anteriormente neste estudo, este modelo de prtica da capoeira no se configura
como uma escola, tais quais as tradicionais angola e regional, j que nunca lhe
foram atribudos fundamentos que fossem universais em todos os grupos ou
academias que a praticassem. Isto fez com que, aparentemente, nunca lhe foram
atribudas tradies inventadas e generalizadas para todos que se identificassem
com seu estilo de prtica.
Seu surgimento parece sim ter sido resultado de um processo que se deu ao
longo de anos em que surgiram novos grupos tal qual o Senzala, Abad ou
Muzenza que optaram por utilizar os fundamentos de ambas as escolas
tradicionais e aos quais a terminologia capoeira contempornea passou a ser
associada, concordassem eles com o termo ou no. As entrevistas evidenciam isto,
j que poucas foram os relatos que relataram um momento histrico especfico
quando ela teria sido criada, com apenas duas excees, uma atribuindo o marco
inicial ao Grupo Senzala e outro Associao Abad:
Embora o grupo que mais preserva a capoeira contempornea aqui do

Brasil, com o Mestre Camisa, que o grupo Abad Capoeira, n.
Entendeu? Eles preservam muito a capoeira contempornea mesmo. A
vem outros grupos, n. Tudo cpia do grupo... eu falo que tudo ns que
fazem a capoeira contempornea cpia do Capoeira Abad. (entrevistado
D)
No meu entendimento, ela (a capoeira contempornea) comeou l nos

anos setenta com o grupo Senzala onde eles, sozinhos, sem mestre... ento
os meninos, adolescentes, jovens adultos... Mestre Peixinho, Mestre
Camisa Roxa, todo esse pessoal a que fundou o Grupo Senzala.
(entrevistado E)
87
Ainda assim, percebemos que ocorreu, em algum momento, uma ruptura com
o modelo de prtica que pressupunha a associao do praticante, ou capoeira
angola, ou capoeira regional. Como j apresentamos, a capoeira contempornea
gera um embate com o discurso purista da capoeira, desenvolvendo modelos que
oferecem a possibilidade de, constantemente, se reinventar a capoeira. Portanto, o
jogo de poder entre a contempornea e as capoeiras tradicionais, gira em torno de
uma crtica primeira por parte das segundas pela permissividade caracterstica de
sua prtica, enquanto que a primeira busca manter uma relao harmoniosa com as
segundas, inclusive exaltando-as enquanto suas bases fundamentais.
88
10. CONSIDERAES FINAIS
A capoeira configura-se como uma manifestao cultural tipicamente

brasileira com suas razes intimamente vinculada ancestralidade afro-brasileira, e
atualmente reconhecida como Patrimnio Cultural Imaterial do Brasil. Sua histria
remete a um perodo em que seus principais praticantes, brasileiros afro-
descendentes e africanos, jaziam em situao aviltante, e encontraram nela uma
ferramenta de busca de libertao. Ao longo da histria do Brasil-imprio, ela passou
por vrios momentos sendo declarada contraveno, ilegalizada, exaltada como
ginstica nacional, at a dcada de 1930 quando alcanou sua legalizao e
adquiriu novas roupagens como o luta regional baiana, ou simplesmente capoeira
regional, e, posteriormente, capoeira angola. Estas escolas ou estilos, como so
referendados no meio capoeirstico estabeleceram-se, gerando o dualismo
caracterstico da capoeira.
No entanto, em torno da dcada de 1960, este modelo dual estabelecido

passou a, gradualmente, dar lugar a um novo modelo de prtica onde no
demonstra se fazia uma opo por uma ou outra escola de capoeira, mas sim,
praticava-se os fundamentos de ambas. Variadas terminologias surgiram para defini-
la, com o termo capoeira contempornea mostrando-se mais disseminado.
Mas o que percebemos que, tanto no meio acadmico como no universo

social da capoeira, pouca concordncia podia ser encontrada para devidamente
definir no que se constitui este fenmeno social. Dada a incluso dos saberes dos
mestres e da roda de capoeira nos livros do IPHAN e, portanto, declarao em 2008
da capoeira como um Patrimnio Cultural Imaterial do Brasil, passamos a indagar
como as novas manifestaes da capoeira, como a capoeira contempornea,
relacionam-se com este novo estado da arte.
Desta forma, com a inteno de melhor compreender este fenmeno e os

embates sociais que o cercam, conduzimos o presente estudo atravs de entrevistas
semi-estruturadas com mestres que se declarassem praticantes de capoeira
contempornea.
89
Percebemos que nosso objeto de estudos, frequentemente referendado em

variadas fontes como uma terceira escola de capoeira que se somaria angola e
regional, tende a no ser considerado como tal por seus representantes sociais, os
mestres de capoeira. De acordo com eles, a capoeira contempornea diferencia-se
das escolas tradicionais principalmente por no apresentar fundamentos ou
tradies consolidadas e universais capazes de unificar seus praticantes sub uma
mesma estrutura. Estes relatos nos remeteram a Hobsbawm (1997) que descreveu o
que ele nomeou de tradies inventadas, prticas socialmente consolidadas, seja
por imposio tcita ou aceitao generalizada, geralmente surgidas em momentos
histricos bastante especficos e de natureza ritualstica. Tais prticas seriam
empregadas na afirmao de sua conexo com uma ancestralidade, e de forma
simblica, imutvel e obrigatria.
Desta forma, percebemos que tais tradies inventadas apresentam-se nas

escolas tradicionais e so por vezes evidenciadas em certos discursos, em especial
quando se prega ser um modelo especfico de prtica o representante da capoeira
legtima.
Percebemos que a capoeira contempornea, no s tende a ausentar-se de

tal discurso a respeito de seu prprio modelo de prtica, mas tambm sustenta esta
legitimidade das capoeiras angola e regional enquanto as bases inalienveis
prtica da capoeira em qualquer forma. Isto demonstra que, mesmo havendo uma
ruptura e um embate social da capoeira contempornea com as escolas tradicionais,
a primeira exalta tais escolas enquanto sua conexo ancestralidade da prtica, e
prope-se a conectar a capoeira com a atualidade por permitir que se reinvente a
capoeira.
10.1. Dialogando com os objetivos do estudo
A partir da anlise dos contedos dos discursos que se apresentaram nas

entrevistas realizadas com mestres de capoeira contempornea, este estudo
possibilitou uma anlise deste modelo de prtica da capoeira e o levantamento de
dados que, se no a definem em sua totalidade, do conta de apontar
caractersticas fundamentais sua compreenso. Pensamos, desta forma, estar
90
contribuindo para que se possa melhor delinear a forma que a capoeira assume na
atualidade, contribuindo, portanto, para melhor traar os seus meandros futuros.
Assim, buscaremos trazer luz s questes apresentadas nos objetivos deste

trabalho e, desta forma, cumprir com o que foi inicialmente proposto.
Primeiramente, percebemos que as principais transformaes sofridas

pelas escolas de capoeira tradicionais, capoeira angola e capoeira regional, na
formao da capoeira contempornea dizem respeito forma como tais escolas
foram reinventadas para assumirem, na capoeira contempornea, o papel de
fundamentos embasadores da prtica. Assim, a capoeira contempornea rompe com
o modelo pautado por uma escola ou por outra e entrega-se possibilidade de,
embasada nas capoeiras angola e regional, criar novos fundamentos ou copta-los de
outras manifestaes. Ocorre, portanto, uma ruptura com certos capitais simblicos,
tornando sustentvel a afirmao de que a capoeira contempornea passou a
constituir seu prprio espao social, e portanto, seu prprio habitus, ainda que
semelhante ao existente at ento. importante perceber que as escolas
tradicionais em si no deixaram de existir tal qual se apresentavam anteriormente ao
surgimento da capoeira contempornea, mas sim, tiveram suas prticas coptadas
para formar as bases desta, a qual ainda hoje exalta-as como as verdadeiras formas
de capoeira.
O contexto histrico e a estrutura social que levaram ruptura com os

estilos tradicionais mostra-se um tanto confuso, j que a capoeira contempornea
no demonstra ter surgido num momento histrico especfico nem criada ou
organizada por um indivduo em particular, como foi o caso da regional e da
angola. Ela se mostra como fruto de um desenvolvimento gradual no qual
praticantes, mestres e/ou grupos variados passaram a praticar a capoeira da forma
descrita no pargrafo anterior, exaltando as tradicionais, mas rompendo, mesmo que
despropositadamente, com o purismo por uma escola ou outra. Isto demonstrado,
por exemplo, no processo de formao do aprendiz ao mestre, onde os primeiros
estgios so pautados pela normatizao do grupo especfico, mas retornam
exigncias tradicionais (maturidade, tempo, atuao e reconhecimento pela
comunidade) para a aquisio do ttulo de mestre.
91
Mesmo que inicialmente considerssemos a possibilidade de existncia de

uma ntima relao entre a capoeira contempornea com educao fsica e o
esporte, tal fator na caracterizao deste modelo de prtica surgiu de forma muito
escasso nas entrevistas com os mestres. Mesmo nas menes ao aspecto esportivo
que foram identificadas, elas se deram majoritariamente vinculadas utilizao da
capoeira nos campeonatos de artes marciais mistas (MMA) e, portanto, no
propriamente relacionadas ao espao social da capoeira em si. Ainda assim, foi
possvel verificar uma influncia da rea profissional da educao fsica quando os
entrevistados detalhavam as execues dos treinos. Assim, percebemos que o
contato que a capoeira contempornea possa porventura ter tido com a educao
fsica e o esporte no se constitui como uma caracterstica exclusivamente dela, e
no surge nos discursos dos entrevistados com frequncia relevante, demonstrando
um relativo afastamento das duas reas.
Os resultados que alcanamos em nosso estudo tambm apontaram ser,

atualmente, intangvel considerar a existncia de uma nova escola de capoeira
que se some s tradicionais ao considerarmos a capoeira contempornea. Ao
analisarmos as escolas de capoeira estabelecidas, angola e regional, percebemos
que uma das principais caractersticas que as definem como tal reside na existncia
de tradies inventadas, prticas de natureza ritual e de conexo com o passado,
imutveis e de execuo obrigatria. Pelo contrrio, a capoeira contempornea
apresenta como uma de suas principais caractersticas a liberdade de se criar em
cima das razes tradicionais ou mesmo de associa-las a outras formas de
manifestao, como outras lutas, acrobacias ou danas. As associaes e grupos
tendem a ser consolidados em suas prprias particularidades, mas no h uma
uniformizao para todos os praticantes de capoeira contempornea. Neste sentido,
os prprios mestres entrevistados, de forma geral, discordam da concepo de
existncia de uma nova escola.
Com isto, esperamos poder traar um perfil das caracterstica que pudemos
associar capoeira contempornea:
Ela no parece constituir uma nova escola, dada sua carncia de

fundamentos que unifiquem a prtica de todos os agentes sociais envolvidos,
mostrando-se mais como um movimento transformador.
92
A capoeira angola e a capoeira regional formam os pilares de sustentao da

capoeira contempornea, consideradas as capoeiras mes.
Mesmo apoiando-se nas escolas tradicionais, a capoeira contempornea abre
espao para a incorporao de novos fundamentos, at advindos de outras
prticas.
Da mesma forma que as escolas tradicionais, ela pauta-se num modelo
artesanal de ensino, assemelhando-se a uma escola de ofcio, mas
carecendo das tradies inventadas que possam distingui-la como uma nova
escola de capoeira.
Este processo de formao diferencia-se das escolas tradicionais no sentido
que d uma maior sistematizao, seriao e normatizao, mas retoma os
modelos tradicionais para a aquisio do ttulo de mestre.
Existe a possibilidade de adoo de outras terminologias de igual valncia ao
termo contempornea, inclusive a possibilidade de se referendar a ela
simplesmente como a capoeira.
Ainda assim, o fantasma da descaracterizao da capoeira ronda a capoeira

contempornea desde meados da dcada de 1970. Por sua permissividade
caracterstica, ela constante alvo de crticas, mesmo internas, a respeito do perigo
da descaracterizao da capoeira em suas razes, fundamentos e/ou rituais
sustentadores. Desta forma, surge a uma necessidade dos agentes sociais da
capoeira contempornea manterem-se atentos para transformaes demasiado
extremas nos fundamentos da capoeira.
Os dados, discusses e concluses deste estudo pautaram-se

prioritariamente nos discursos dos mestres de capoeira contempornea coletados, e,
portanto, carrega interpretaes moldadas justamente por estes agentes sociais.
No houve um dilogo com os mestres das escolas tradicionais devido ao escopo do
trabalho. Eventualmente, tal dilogo poderia ter contribudo, se no para a
compreenso da capoeira contempornea em si, ao menos para se abordar os
embates sociais a partir de ambos os pontos de vista envolvidos.
Da mesma forma, a escassez de material de referencia acerca do objeto

estudado fez com que, por vezes, o estudo fosse interpretativo, sem uma literatura
93
que abarcasse o tema e com o qual pudssemos estabelecer um dilogo.

Aparentemente, a capoeira contempornea apresenta-se a parte do espao social
da capoeira, tanto nas capoeiras tradicionais quanto nos estudos acadmicos, e com
isso, muitas vezes questes ocultas ao nosso olhar podem ter significados
diferentes. Por estar margem, muitas vezes a capoeira contempornea pode ser
vista como fruto da sociedade moderna e, por isso, deve ser protegida.
A temtica deste trabalho mostrou-se extremamente extensa no que tange as

diferentes abordagens em potencial e, portanto, abre espao para o
desenvolvimento de novos estudos, principalmente relacionado ao entendimento do
fenmeno em questo. Incentivamos tambm a realizao de novos debates
sempre de forma no protecionista , acadmicos ou no, que possam melhor
delinear um consenso entre os agentes sociais da capoeira sobre at onde as
inovaes estticas ou tcnicas possam ser incorporadas sem que se descaracterize
a capoeira.
Finalmente, chamamos ateno para a necessidade de se compreender que,

para o benefcio geral do meio capoeirstico, os mestres de capoeira precisam ir
alm do protecionismo de sua escola, estilo, grupo ou academia para que a
essncia cultural e histrica da capoeira como um todo permanea viva. A capoeira
est presente alm dos rtulos a ela estabelecidos, ou seja, no jogo danado, no
toque de berimbau, nas cantigas e na ancestralidade africana.
94
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99
APNDICE 1:
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - (TCLE)

(Conselho Nacional de Sade, Resoluo 196/96)
Eu Franz Eric de Goes Cresssoni, responsvel pela pesquisa Capoeira

contempornea: compreenses decorrentes de mestres autodeclarados, convido Vossa
Senhoria a participar como voluntrio deste estudo.
Esta pesquisa pretende analisar o que se entende por capoeira contempornea para
poder melhor definir este termo. Acreditamos que ela seja importante porque muito se est
fazendo uso deste termo, mas as opinies sobre ele so muito diferentes entre si. Assim sendo,
uma pesquisa sobre esse assunto ajudaria a melhor entender o que est acontecendo na
capoeira atualmente. Para a realizao deste trabalho ser feito o seguinte: faremos entrevistas
com perguntas abertas a pessoas representativas da capoeira, tanto angola, regional,
contempornea e variados. Sua participao se realizar como um dos entrevistados
convidados a nos ajudar a melhor entender a questo.
As perguntas que faremos tem a inteno de serem abertas para que voc possa
responde-las da forma que achar mais apropriado. Elas no tem a inteno de serem
insultuosas ou crticas, nem sua pessoa ou capoeira como voc a v. Os benefcios que
esperamos com este estudo buscam ajudar tanto a voc, a ns e a todos que buscam entender
melhor a capoeira nos dias atuais.
Durante todo o perodo da pesquisa voc tem o direito de tirar qualquer dvida ou
pedir qualquer outro esclarecimento, bastando para isso entrar em contato, com o pesquisador.
Voc tem garantido o seu direito de no aceitar participar ou de retirar sua permisso, a
qualquer momento, sem nenhum tipo de prejuzo ou retaliao, pela sua deciso.
Asseguramos que seu nome ser mantido em sigilo, sendo utilizado como
identificao um pseudnimo ou nmero. Entretanto, preciso do seu consentimento para que
possa, posteriormente, publicar os dados desta investigao em artigos ou apresent-los em
reunies cientficas. Se estiver de acordo, acreditamos que contribuir com o entendimento da
realidade da capoeira na atualidade. Tendo em vista o que foi citado, solicitamos, caso
concorde, que preencha a declarao que segue abaixo.
Agradeo antecipadamente a sua participao e contribuio.
Atenciosamente,
Autorizao:
Eu, (nome completo do voluntrio), aps a leitura deste documento e ter tido a oportunidade
de conversar com o pesquisador responsvel, para esclarecer todas as minhas dvidas,
acredito estar suficientemente informado, ficando claro para mim que minha participao
voluntria e que posso retirar este consentimento a qualquer momento da durao da pesquisa
sem penalidades ou perda de qualquer benefcio. Estou ciente tambm dos objetivos da
pesquisa, dos procedimentos aos quais serei submetido, dos possveis danos ou riscos deles
provenientes e da garantia de confidencialidade e esclarecimentos sempre que desejar. Diante
do exposto expresso minha concordncia de espontnea vontade em participar deste estudo.
Ttulo do Projeto: Capoeira contempornea: compreenses decorrentes de mestres

autodeclarados.
100
Pesquisador Responsvel: Franz Eric de Goes Cressoni

Cargo/funo: Pesquisador
Instituio: UNESP Universidade Estadual Jlio de Mesquita Filho, Campus de Rio
Claro.
Endereo: Avenida Vinte e Quatro A, 1515, Bela Vista, Rio Claro/SP.
Dados para Contato: fone (19) 9221-3402 e-mail: fcressoni@gmail.com
Orientador: Alexandre Janotta Drigo

Instituio: UNESP Universidade Estadual Jlio de Mesquita Filho, Campus de Rio
Claro.
Endereo: Avenida Vinte e Quatro A, 1515, Bela Vista, Rio Claro/SP.
Dados para Contato: fone (19) 9158-1247 e-mail: alexandredrigo@hotmail.com
101
APNDICE 2: Questes das entrevistas semi-estruturada
1. Em sua opinio, o que significa falar em capoeira contempornea?

2. Neste contexto, quais so os elementos que a caracterizam?
3. Entre os elementos utilizados na capoeira contempornea, ela se utiliza de
caractersticas ou aspectos de outras reas ou prticas?
4. Em sua opinio, qual o significado de se tornar um mestre de capoeira
contempornea?
5. Considerando os elementos apontados, como que se caracteriza a
aprendizagem e as etapas de aprendizagem na capoeira contempornea at
o aprendiz se tornar um mestre?
102
APNDICE 3: Comit de tica

103
APNDICE 4: Relato do Entrevistado A
Pesquisador: Bom mestre, como eu lhe expliquei, este trabalho sobre capoeira contempornea.
Ento eu gostaria de saber, em sua opinio, o que significa hoje falar de capoeira contempornea?
Entrevistado: Eu quero at, antes de falar o que significa capoeira contempornea pra mim, eu
queria dar uma contribuio pra voc da minha ideia, do meu pensamento sobre o surgimento da
capoeira. Talvez isso possa te auxiliar no seu trabalho e vai ajudar eu te responder sobre a capoeira
contempornea.
Bom, existem dois segmentos, dois entendimentos, ou duas doutrinas, ou dois pensamentos, sobre o
surgimento da capoeira. Uns dizem que a capoeira originria da frica, veio de l com os escravos
para o Brasil e ento... ela se originou na frica. E tem a segunda corrente que diz que a capoeira
originria nossa, brasileira, que a corrente qual eu me filio, que eu entendo ser a mais correta, a
mais verdadeira por estudos e pesquisas que eu j busquei. Ento, os escravos na poca, n, do
Brasil colnia, e tal, que vieram para o Brasil desenvolveram a capoeira aqui, n, ento por isso ela
ser originria nossa, por isso ela ser da nossa cultura. E reforada essa tese at mesmo agora em
2008, se no me falha a memria, onde ela foi considerada cultura brasileira, reconhecida pelo
IPHAN, se no me falha a memria.
Ento, a capoeira surgiu da, com os escravos e como uma forma de libertao. Ento eles no
poderiam demonstrar, ou mostrar, que estavam praticando uma luta, ento por isso ela disfarada
de arte, n, de dana at, que confundia-se muito no passado; capoeira uma luta ou uma
dana?. Capoeira luta, arte, dana, cultura, tudo isso. Por isso o misto, n, esse misto da
capoeira positivo por isso, bom por isso. Nenhuma arte, nenhuma arte marcial tem a diversidade
que a capoeira tem. Ento isso muito interessante, muito importante. E at mesmo tambm a
parte da msica. Nenhuma outra arte marcial tem a parte da musicalidade dentro da luta.
Bom, ento com isso, com esse surgimento da capoeira, com a origem da capoeira no Brasil, que eu
penso ser verdadeira, existia uma capoeira que era jogada ou praticada, depois dessa fase, at
mesmo depois da abolio da escravatura, foi comeada a ser difundida na sociedade. Ento, com
essa difuso da capoeira na sociedade comeou a surgir o estilo, e da tem ento o estilo da
capoeira. Porque se a gente for buscar l na origem dela no existia capoeira angola, no existia
capoeira regional, existia capoeira. Mas a partir do momento que ela entra pra sociedade comea
ento a ter uma denominao, uma diferenciao. Ento existia o que eles chamam de capoeira
angola que uma capoeira mais rasteira, que uma capoeira jogada mais lenta, jogada no cho, e
veio o famoso Mestre Bimba com uma capoeira j mais luta, uma capoeira mais rpida, uma capoeira
mais em cima, jogada mais em cima. Menos no cho mais em cima, que a ele prprio denominou de
luta regional baiana. Ento a se reforou mais ainda uma... duas conjunes da capoeira; capoeira
angola e capoeira regional.
Ah no, a capoeira angola a capoeira me, a capoeira que iniciou. A capoeira regional veio
depois, Ah, mas agora no se joga mais nem angola, nem regional, se joga capoeira
contempornea, que um misto da capoeira angola e regional, n. Isto o que dito, e conversado
e explorado por alguns... at historiadores que escrevem sobre a capoeira. Eu, particularmente, tenho
minha posio. Eu venho de uma linha da capoeira onde o meu mestre diz que ns jogamos
capoeira. Ou seja, o grupo Senzala de capoeira de Braslia, e o Senzala como um todo em geral,
joga capoeira. Ah, mas que capoeira voc joga? Voc joga capoeira angola ou capoeira regional?.
Eu jogo capoeira. Eu jogo angola e eu jogo regional. O que vai dizer o que eu vou jogar vai ser o
toque do berimbau, porque ele que comanda a roda. Ento se pra jogar angola, o toque de angola
que vai acontecer e eu vou jogar angola. Se pra jogar regional, um toque de regional vai
acontecer e eu vou jogar regional.
Ah, s que esse misto de capoeira angola e regional denominado capoeira contempornea. Olha,
eu no entendo muito como isso, n, como hoje se tem uma capoeira contempornea. Ah, porque a
capoeira hoje mais... ela tem mais floreio, ela tem mais exibio e por isso ela um misto da angola
com a regional. Por isso ela diferente da angola, por isso ela diferente da regional. E hoje ela
denominada contempornea.
104
Eu no vejo assim. Toda arte, toda cultura, ela evolui. O que no pode deixar de existir so os seus
fundamentos, que a sua origem e a sua base. Ento, no nosso grupo Senzala ele mantem a
origem, mantem a fundamentao da capoeira, n... seus toques, seus princpios ali, os golpes e tal.
E acompanha o crescimento e a evoluo da arte, com novas metodologias de ensino, com novos
tipos de golpes, de floreios e tal, que faz parte de uma evoluo natural. Porque antigamente se tinha
uma condio, at mesmo fsica, n, que talvez com a evoluo do homem, que natural, as coisas
tambm evoluem. Ento... p, mas antes no se faziam determinados floreios que se fazem hoje,
como acrobacias e etc.. Sim, mas antes, naquela poca, era outra forma de lidar com a sociedade
que hoje se evoluiu, n, e que possvel se utilizar e fazer, ... malabarismos e contorcionismos com
o corpo que antes no se fazia, n.
Ento eu entendo, na minha condio, que no existe a capoeira contempornea. Isso uma
denominao criada, inventada, mas que na verdade existe capoeira. E eu jogo capoeira, seja
angola, seja regional, seja contempornea.
P: Ento para o senhor, o que se est denominando capoeira contempornea na verdade seria s
essa terminologia para recriar a capoeira como um todo?
E: Eu entendo que sim, que justamente isso. Como hoje a capoeira j est num processo de
evoluo maior do que era antes... porque hoje... antigamente, se voc for ver, a capoeira veio entrar
na sociedade mesmo em torno da dcada de trinta, n, por ali. Que ela comeou a entrar em
faculdade, universidade, ser ensinada. Antes ela era aprendida, n. Como que ela era aprendida?
Voc via uma roda de capoeira, voc parava ali do lado e ficava olhando. hum, t, p, . A ia, e
convidava, e comeava, e voc ia para aquela roda e ficava imitando fazer, e tal. Depois no. Isso foi
inserido na sociedade e foi criado um mtodo de ensino, n. Olha, uma sistemtica de ensino. Mestre
Bimba mesmo criou a sequncia... sequncias de Mestre Bimba, n, tinha l e tal. Ou seja, uma
metodologia de ensino, que isso veio aprimorando, n. Ento eu vejo muito isso, n. Ah, o
contemporneo est nisso, numa evoluo da capoeira, numa nova... numa sistemtica de ensino.
Mas no, a capoeira, a capoeira, entendeu? Ela no mudou, ela s evolui.
Como que... como um outro processo de evoluo da capoeira: a profissionalizao dela. Coisa que
antes, aquilo era uma coisa um pouco tradicional, de alguns mestres que tinham, e tal, s vezes at
nem ensinava, no passava, aquilo ficava com ele. E hoje no. Hoje voc tem livro, voc tem cd, voc
tem muito mais. Voc abre a internet voc tem l, curso de capoeira, aprenda a fazer capoeira,
meia lua de frente, assim, assado, levante a perna, tal, a perna esquerda pra trs, a mo na frente,
no sei o que, etc. Ento, hoje voc aprende a capoeira de vrias formas de vrios meios, n, vrios
mtodos. Ento isso ... eu acho que essa evoluo que a capoeira teve que eles esto
denominando de contempornea, mas capoeira.
P: Bom, na sua opinio, o que significa... qual o significado, hoje em dia, de se tornar um mestre de
capoeira contempornea?
E: , isso importante voc levantar porque at mesmo com essa evoluo da capoeira, e essa
profissionalizao, muitas coisas se perderam. A fundamentao da capoeira, hoje, se perdeu. Isso
... acaba sendo comercializado, n. Ento, a tradio, os fundamentos so perdidos por fora do
dinheiro. Infelizmente n, no mundo capitalista, hoje em dia mais ainda com a globalizao, voc
acaba perdendo aquilo que o essencial da capoeira que a base, o fundamento para o
dinheiro. Ento, hoje voc v mestres sendo formados com seis anos de capoeira. Seis anos de
capoeira no nada, no nada. Seis anos a pessoa est se iniciando na capoeira, ainda esta
aprendendo e comeando a entender o que que capoeira.
Ento, uma pessoa para se formar mestre, ele tem que viver. Viver a arte, viver a cultura. E no s
dar golpe, saber dar armada, queixada, meia lua de compasso, mortal, negativa, no. Ele tem que ter
toda uma vivncia de vida mesmo, n. at redundante n. Eu fiz isso de propsito pra reforar:
uma vivncia de vida. Ou seja, ele tem que absorver aquilo. Ele tem que ter uma postura. Ele tem que
ser um orientador. Ele tem que entender que ele um educador. Ele tem que entender que ele um
lder. Ele tem que entender que ele tem seguidores. Ele tem que entender que ele tem que passar
pelos gostos daquelas pessoas. E em seis anos voc no aprende isso. Uma pessoa com dezoito
anos no tem essa maturidade. Ele vai ter essa maturidade quando? Sei l, mais l pra frente. Agora,
o mestre de dezoito anos... voc j teve dezoito anos. Eu j tive dezoito anos. Voc sabe qual a
cabea que ns tivemos quando tnhamos dezoito anos.
105
Ento isso. O fundamento da capoeira est a, em voc vivenciar a arte, vivenciar a cultura e
amadurecer nela. O fruto est bom no p quando ele amadurece. Amadureceu, t na hora de tirar. Se
voc tira ele antes, ele ainda no t preparado. Capoeira a mesma coisa. Pra voc se formar um
mestre de capoeira voc tem que ter uma vivncia, n, no simplesmente saber dar golpes. Voc tem
que saber conduzir pessoas, voc tem que entender que voc tem pessoas que voc precisa orientar
e que voc precisa dar um direcionamento pra elas. E hoje em dia, com a capoeira contempornea...
no digo nem com a capoeira contempornea, mas com o capitalismo e a profissionalizao da
capoeira, os seus valores iniciais, e primordiais, importantes esto sendo perdidos.
P: Quais so algumas das etapas que o senhor considera que so importantes nessa formao do
aprendiz at o mestre?
E: Bom, o bsico, bvio n, que tem que aprender os golpes da capoeira, ou seja, a capoeira em
si. Vamos chamar isso de bsico, voc saber o que voc est fazendo, quais so os golpes da
capoeira, os movimentos da capoeira. Isso voc precisa saber. Voc precisa ter noo e
conhecimento da parte de liderana, de liderar um grupo. Porque voc vai ter seguidores. Vo ter
pessoas que vo olhar pra voc, e poxa, esse meu professor, eu quero ser igual a ele. Ento voc
tem que ter conscincia que voc tem que ter boas atitudes, boas aes. Voc no pode ter a
capoeira pra voc pra um aspecto negativo. Voc tem que us-la para os aspectos positivos, pra
crescimento. Porque a capoeira, ela ao, ela musicalidade, ela te ajuda na sua percepo, ela te
ajuda no seu reflexo, ajuda no seu desenvolvimento psicomotor, etc. Ento, uma outra etapa que a
pessoa tem que entender e tem que amadurecer isso. Por isso no formar um mestre em cinco anos,
com seis anos, com dez anos. Precisa ter uma bagagem pra isso, ter uma vivncia pra isso.
P: Perfeito, muito obrigado Mestre.
E: Deu a? Entendeu?
P: Entendi sim, muito obrigado.

106
APNDICE 5: Relato do Entrevistado B.
Pesquisador: O que significa, hoje em dia, a gente falar sobre capoeira contempornea?
Entrevistado: Certo. Assim, quando a gente fala hoje em dia de capoeira contempornea, o que que
na verdade, o que que isso, contempornea? Contempornea tudo aquilo que tambm de
novidade hoje, entendeu. Ento, dentro da capoeira a gente costuma trabalhar a questo
contempornea assim, tudo que de raiz voc cria em cima da raiz. Ento quando voc cria em cima
de movimentos antigos, de movimentos do tempo, dos movimentos que eram imitados de animais,
hoje em dia voc inova esses movimentos dentro da capoeira. Ou seja, a gente descia numa base,
hoje em dia a gente desce em outra base com mais perfeio, de um jeito mais correto de no se
machucar e tal. Porque naquela poca no tinha essa coisa de alongamento, esse tipo de coisa.
Ento, a gente, estudando o movimento, a gente passou a ter uma viso diferente do movimento.
Ento, em cima da raiz voc comea a modificar o movimento, mas no fugindo da sua raiz. Ento
voc pe o movimento, ou seja, como que era o cavalete, como que era o coice de mula? Ento, o
coice de mula a gente s pulava e jogava as nossas pernas pra cima. J hoje em dia voc desce
numa base, primeiro de defesa, e depois voc ataca.
Ento, em cima da raiz voc coloca o movimento, ou seja, uma forma de fazer um movimento novo, e
voc j contemporaneizou o movimento, ento voc j fez o movimento diferente. Ento isso ser
contemporneo, voc pegar o movimento que raiz, voc pegar tudo aquilo que de raiz e tentar
transformar ele sem fugir da raiz na verdade, sem fugir do contexto do que o movimento.
P: E quais so os elementos que compem o que a gente chama hoje em dia de capoeira
contempornea?
E: Ento, a capoeira contempornea, na verdade, ela assim... existe vrios tipos hoje de capoeira,
entendeu? Tem a capoeira raiz, que a capoeira angola, n. Porque a capoeira, na verdade, ela
comeou que era um estilo de capoeira s, que era a capoeira angola. Ento, a capoeira angola que
foi uma capoeira praticada... na verdade criada pelo Mestre Pastinha. Mestre Bimba tambm, ele
tinha o estilo dele de capoeira, que era um estilo mais agressivo, que a capoeira regional, que a
gente chama hoje de regional. S que Bimba, ele treinou com Pastinha tambm, com Mestre
Pastinha. Ento, Bimba treinando junto com Mestre Pastinha, ele viu que da capoeira do Mestre
Pastinha, que a capoeira angola, ele podia transformar a capoeira dele de uma outra forma,
entendeu.
Ento como Bimba ele tinha um estilo de capoeira mais agressivo... de capoeira, ele misturava artes
marciais. Ou seja, Bimba, ele fez diversas lutas diferentes. Ento, acima disso ele absorveu as lutas
dele, colocou a capoeira angola e transformou a capoeira angola na capoeira regional. Ento teve
essa diviso. A partir da ele saiu, foi seguir seu trabalho, foi montar o seu estilo de capoeira e criou a
capoeira regional. E nisso, pra voc ver que ele j contemporaneizou a capoeira do Mestre Pastinha.
Ento ele treinou... chegou a treinar um pouco com Pastinha, saiu e montou o estilo dele.
Ento hoje a gente tem os dois estilos mais bem falados hoje dentro da capoeira, que a angola e a
regional. A o que que vem da contempornea? A contempornea o os caras que j fazem uma
movimentao mais nova, trabalha mais movimentos de base. Eles no trabalham muito em cima da
raiz, entendeu? Eu costumo dizer que a capoeira contempornea pra a gente, hoje, dentro do nosso
grupo contemporneo, voc trabalhar a raiz do Mestre Bimba e do Mestre Pastinha, mas com os
movimentos novos tambm. Ento nisso voc trs essa juno junto, nisso que seu grupo fica uma
capoeira contempornea. Porque voc trabalha todo aquele aspecto: aspecto raiz, aspecto antigo, ou
aspecto novo com movimentao nova, entendeu?
Ento, acima de... olhando, observando as histrias de Mestre Bimba, de Mestre Pastinha a gente
comeou a observar que a capoeira tem vrias formas de voc trabalhar a capoeira. Ento hoje tem
gente que s trabalha a capoeira angola. Outros s trabalham a regional. Outros s trabalham a
capoeira contempornea, j no trabalha a raiz. Ento... Ah, mas a contempornea, ela foge do
fundamento?. Claro que no, a partir do momento que voc sabe a sua raiz, da onde voc veio,
entendeu? A voc absorver tudo e trabalhar tudo junto. Ento, porque que a gente um grupo...
mas como que voc contemporneo e voc usa o cordel ainda?. Porque o cordel ele antigo,
entendeu? Hoje em dia voc sai em outros grupos a fora s corda. Ento, pra eles ver que o
107
cordo tambm no faz o capoeira. Se voc tem histria, se voc tem raiz, voc tem linhagem de
onde voc veio, todo mundo sabe quem voc. Ento, no um cordo, um cordel ou uma corda
que vai fazer voc ser capoeirista diferente. Ento, eu deixei dentro do grupo hoje a questo do
cordel s pra a gente no esquecer que na capoeira, tudo comeou como cordel. Depois, Mestre
Camisa que foi o inovador de tudo isso e colocou a corda hoje em dia. Ento tem vrios grupos a
que esto dando segmento corda, entendeu? Eu no preciso tirar a minha histria, que o meu
cordel, pra tentar modificar. Quem sabe um dia l pra frente a gente no tenta fazer de uma forma
diferente, entendeu? Mas o que eu vejo de tudo isso, dessa coisa, dessa contemporaneizao toda a
isso. Cada coisa que voc pega, voc transforma, entendeu? Voc transforma, voc cria. Voc
cria... de um movimento voc cria vrios. Isso ser contemporneo. E esse um dos estilos de
capoeira que tem hoje. S que um verdadeiro capoeirista ele sabe da onde que ele veio. Ele sabe da
sua linhagem.
Ento, graas a Deus, a gente... nosso trabalho sempre focalizado nisso. Ento eu deixo sempre
essa pergunta, , mas por que vocs so contemporneos?. O capoeirista ele vai entender. Toda
vez que a gente fala contemporneo, a primeira coisa que eles vo vir questionar a gente , mas
vocs usam cordel ainda, entendeu? E a a gente tem argumento pra... pra trocar com eles. Porque
voc tem que ter argumentos em tudo que voc faz.
P: Bom, entre esses elementos que voc citou, tem alguma caracterstica, algum aspecto que a
capoeira contempornea utiliza que vem de outras reas, ou de outras fontes?
E: Tem. Hoje em dia... pra voc ver como tem muitas pessoas ainda que seguram essa raiz ainda.
Porque se no fosse Mestre Bimba l inovar seus movimentos, tirar movimentos das artes marciais,
hoje a capoeira dele ia ser sempre a mesma capoeira. A capoeira do Mestre Bimba foi diferenciada
da do Pastinha por que? Porque ele colocou a base do carat, do jiu-jitsu, ele colocou outras lutas
dentro da capoeira dele. Porque a capoeira era muito seca tambm, n. Ento deu mais essa riqueza
na capoeira. E hoje em dia, a gente observa muitos movimentos do, do... lutas bsicas, como o muay
thai. O muay thai hoje, ele t muito forte dentro da capoeira. Tem muita movimentao do muay thai
hoje que os capoeiristas esto utilizando hoje. So movimentos muito eficientes. Tem base tambm
que a gente usa. A base do boxe tambm, entendeu? Tem a base do jiu jitsu. Tem a capo jitsu hoje,
que a capoeira misturada com o jiu jitsu.
Ento, a gente pega um pouquinho de cada. Todo movimento que voc v que d pra encaixar
dentro da capoeira voc coloca. S que voc tem que colocar a partir do momento que no foge da
sua raiz. Pra voc... pra as pessoas no entenderem, ah, mas isso a no capoeira. O capoeira...
a primeira coisa que o capoeira tem que ter, a base de tudo, ginga, que o que diferencia.
Capoeira tem a parte musical, tem a parte histrica, a parte folclrica, ento voc junta tudo.
P: Voc citou o capo jitsu, n. Na sua opinio, d pra dizer que o capo jitsu capoeira
contempornea?
E: No, eu acho que quando voc fala de capoeira contempornea voc no... na verdade, voc no
muda ali totalmente o nome, entendeu? Porque ali a gente est falando de capo jitsu, ento j t
falando que a capoeira t ali misturada com o jiu jitsu, entendeu? Ento da, o que que acontece? Eu
acho que eles esto tentando criar uma outra base de luta de capoeira, entendeu? Ou seja, a
capoeira parte dana, ou a parte... a parte dana com a parte luta. Depois esto colocando essa
coisa. Ento eu no vejo muito essa, essa... como fala... essa parte de voc pegar e falar que aquilo
ali uma outra luta, uma outra coisa, por que? T o nome l, capo. Opa, tem movimento de
capoeira. Pode ser contemporneo tambm, entendeu? S que dentro de uma roda de capoeira
voc no usa capo jitsu. Porque dentro da roda de capoeira no tem esse negcio de voc, toda
hora, estar em contato fsico com a pessoa, entendeu? Ento, isso um tipo de luta que eles esto
utilizando mesmo pra fazer, ou seja, um torneio, ou um campeonato pra mostrar os movimentos
eficazes da capoeira. So lutas organizadas na verdade. Eles fazem no lugar deles, ento por isso
so... O nico grupo que trabalha hoje o capo jitsu o grupo Muzenza, entendeu? Que isso uma
coisa criada dentro do grupo deles. Mas eles tem a capoeira tambm, que o forte de tudo.
P: Na sua opinio, o que significa o capoeira se tornar um mestre de capoeira contempornea?
E: Olha cara, voc tem muitos... tem muitas... voc tem muitas opes hoje, entendeu? S que o
contemporneo, hoje, ele atrai mais pessoas, mais membros pro seu grupo tambm, entendeu? Por
108
que? Porque uma forma diferente de voc trabalhar. Ento voc... quando voc chega l na frente
um mestre, voc tem muito a viso do jovem tambm, entendeu? Por que? Voc trabalhou em cima
dessa questo contempornea. Ento, voc vai ter mais acesso aos jovens pra conversar. Porque os
mestres... os mestres antigos de hoje so poucos. Eles tem muito... ou seja, o acesso deles muito
pouco com os jovens. Ento o que que acontece... pelo fato da disciplina deles mesmo. Ento, eles
so muito rgidos no que eles fazem, entendeu? Ento eles no querem deixar os jovens... Ah,
mestre, mas d pra fazer assim?. E o mestre fala no, isso no d, no pode, que no sei o que.
Ento, eles so muito... certo? Eles tem tambm uma viso muito reta.
Ento, eu acho que quando voc chega a se tornar um mestre contemporneo, eu acho que voc
tem uma viso mais aberta, entendeu? Voc consegue enxergar as coisas de uma outra forma. A
viso da capoeira, de qualquer luta, de outra forma.
P: Na capoeira contempornea, quais so as etapas pelas quais o capoeirista tem que passar para
chegar a se tornar mestre de capoeira?
E: Bom, eu acho que, no s na contempornea, mas da o tempo do capoeirista, entendeu? A

partir do momento quando voc se forma, voc no mnimo a voc tem que ter pelo menos mais dez
anos a de capoeira pra voc se formar, chegar a ser um professor. Ento logo aps isso a, mais
um tempo que voc leva. Ento voc leva um tempo porque voc tem que ter trabalho, voc tem que
mostrar trabalho, entendeu? Pra os outros mestres velhos ver porque o reconhecimento quem d
os outros mestres mais velhos. Ento, tipo, ah, eu sou um professor hoje, mas no estou exercendo
a minha profisso, ento no tem como daqui a cinco anos eu trocar a minha corda porque no
tenho trabalho, eu no tenho o que passar pra aluno, entendeu? Ento tudo bem que o tempo, o
tempo, s que acima do tempo voc tem que ter tempo, tem que ter trabalho, voc tem que estar
exercendo a sua profisso. Igual a gente aqui no grupo, eu tenho uma viso assim, eu procuro
sempre chegar a uma avaliao aps cinco anos, entendeu? Pra chegar numa idade e, opa, e chegar
no mestre e, Ah mestre, o que voc acha, eu estou pensando em trocar minha corda hoje, estou
querendo passar a contra-mestre, que minha prxima corda. Daqui a trs, quatro anos eu penso
em trocar minha corda pra contra-mestre, e pedir o aval de todos os mestres. Tem alguns mestres
que chegaram em mim e falaram, olha, voc vai ter que segurar um pouquinho mais, pegar mais
experincia, tal tal, que a voc vai ficar legal. Ento sinal que voc ainda no est preparado.
Porque com os mestres... os mestres falam pra voc, olha, voc tem um trabalho bom, voc j t na
hora de voc passar a contra-mestre. Ento o tempo ele te ajuda bastante, mas desde o momento
que voc esteja exercendo. Ento da d pra voc chegar num consenso de trocar.
P: D pra dizer que a capoeira contempornea um novo estilo somado angola e regional?
E: . um novo estilo, com certeza. um novo estilo que ele atrai muito as pessoas, n. Atrai muito
as pessoas, muitos curiosos. Ento por isso que tem muitas pessoas hoje que querem estudar a
capoeira. Porque a capoeira ela s vai enriquecendo a cada vez mais, a cada dia que voc aprende
de uma forma diferente de trabalhar. Voc v como... antigamente a gente s trabalhava a capoeira
mesmo. J chegava, a gente no tinha alongamento, a gente no tinha aquecimento, a gente no
tinha nada. A gente ia pra a academia pra lutar mesmo. Chegava na academia j estava pronto, entra
na roda um com o outro, faz seu movimento. Essa era a forma de treino. Sua forma de avaliao
antigamente era na base da fora, era na base do estilo, quem derrubava o outro primeiro ganhava a
corda. Ento, hoje em dia tudo foi modificando, entendeu? Ento, hoje em dia voc tem uma
avaliao, voc treina, voc passa nome dos movimentos pros alunos. Quando voc vai fazer uma
avaliao pra aprovar o aluno a pegar a primeira corda, voc tem x movimentos ali que ele tem que
acertar, entendeu? Voc senta numa sala com ele, Olha fulano, eu quero hoje que voc faz pra mim
uma primeira esquiva, voc vai fazer pra mim uma negativa. A voc s fala, ele tem que fazer. Ento
a voc t vendo onde est indo o seu ensinamento e o aprendizado do aluno. S assim voc
consegue avaliar um aluno hoje.
Ento, um estilo diferente hoje, realmente, porque voc t buscando em outras reas, em outras
coisas tambm uma forma diferente de trabalhar. Ento um estilo diferente, mas no deixa de ser a
caracterstica da capoeira, na verdade.
109
APNDICE 6: Relato do Entrevistado C.
Pesquisador: Bom, a primeira pergunta , na sua opinio, o que significa falar hoje de capoeira
contempornea?
Entrevistado: Bom, eu entendo dessa forma, assim: contempornea aquilo que do momento.
aquilo que acontece no momento. Falar sobre capoeira contempornea, na minha opinio... aquilo
que acontece no momento. Por exemplo, na... antigamente, quando existia apenas a capoeira
primitiva, naquela poca voc poderia tratar ela como a capoeira contempornea. Naquela poca!
N. A capoeira regional, depois da capoeira primitiva, que hoje ns consideramos como um estilo
tradicional, na poca ela era capoeira contempornea. Mas hoje, em tempos atuais, ns classificamos
assim: como a capoeira angola e a regional so dois estilos distintos e que mantm as origens, a
tradio, a tradicionalidade do estilo, ento ns chamamos de capoeira tradicional, n. E aquilo que
voc no determina, no classifica como angola nem regional, que uma fuso dos dois estilos, ns
tratamos como capoeira contempornea. Inclusive a capoeira que vem... que vem se aprimorando,
que vem inovando cada vez mais as suas tcnicas. Isso ns chamamos de capoeira contempornea.
Eu nem sei se ns podemos classificar isso como um estilo. Porque pra se classificar como um estilo
ele tem que ser... ... tem que ter todos os seus movimentos pr-determinados, tem que ter uma
uniformizao. E isso no acontece na capoeira contempornea no seu geral. Existe grupos, como eu
vou citar aqui, o grupo Abad, o grupo Muzenza, que so grandes grupos, n. E eles tem uma
uniformidade no trabalho deles. Eles tm um estilo de jogo. Inclusive, esse termo contemporneo,
capoeira contempornea, ela passou mais a ser utilizado mais ou menos ali na dcada de setenta,
oitenta pra c. Inclusive quando Mestre Camisa, do Rio de Janeiro, ele fundou o grupo... quer dizer, a
associao Abad... porque o Abad uma associao, e... ele trouxe novas tcnicas e muitas
inovaes na capoeira. Mestre Camisa ele foi da capoeira regional, da regional ele fez vrias
atualizaes, e se deu esse nome, passou a se chamar capoeira contempornea pra diferenciar da
capoeira angola e da regional, que so as tradicionais.
P: E essa capoeira contempornea, quais so os elementos que compem essa capoeira

contempornea?
E: como eu digo pra voc n, ns no podemos afirmar que a capoeira contempornea seja
praticamente um estilo porque existem vrios grupos e cada grupo ele segue uma certa tradio; a
composio dos instrumentos, na forma das cantigas, tem grupos que no seu estilo eles utilizam o
jogo de angola, tem outros grupos que j no, substitui a benguela pela angola. Mas se voc for fazer
assim, num modo geral, num catado geral, a capoeira contempornea ela se diferencia do seguinte
modo: a composio dos instrumentos, ela usa praticamente a bateria da capoeira angola pra um
estilo mais voltado para a capoeira regional, que so os trs berimbaus, o pandeiro, o atabaque, o
agog, n. Seria uma composio mais voltado pro estilo de angola. Porque na regional tradicional
mesmo um berimbau e dois pandeiros. Ento essa da uma diferenciao na parte da formao
de bateria do estilo contemporneo.
P: Ela se utiliza de elementos de outras reas ou de outras prticas fora da capoeira?
E: Ento... elementos de outras prticas, ela j vem desde a capoeira tradicional, principalmente da
capoeira do Mestre Bimba. Porque o que que a capoeira regional? Ela se traduz no que? Na juno
da capoeira angola, que Mestre Bimba praticava, com o batuque que ele aprendeu com seu pai que
era uma dana africana, uma dana guerreira africana e depois, mais tarde, depois de ter fundado a
sua primeira academia l nos anos de 1937. A o que que aconteceu, no tempo ele conheceu uma
pessoa de nome Cisnando, Cisnando Lima, que era um cearense que foi estudar medicina em
Salvador. E o Cisnando Lima ele tinha tcnicas de outras lutas, como, por exemplo, o jiu-jitsu. E
Cisnando Lima foi fundamental tambm na ajuda da formao da capoeira regional. Ento ns
podemos dizer que existem elementos de outras artes marciais j da poca da capoeira tradicional de
Mestre Bimba.
P: E considerando estes elementos que o senhor apontou, como se caracteriza a aprendizagem ou

as etapas de aprendizagem dentro da capoeira contempornea at o aprendiz se tornar mestre?
110
E: , a aprendizagem um elemento bem simples mesmo, n. lgico que tudo comea com o
bsico, n... com o bsico, que ... apesar que ns temos tambm assim, que classificar a faixa etria
de idade, n. Porque cada categoria de idade pode variar um pouco o estilo de ensinamento, os
mtodos de ensinamento, a sua didtica. Por exemplo, no se ensina uma criana de quatro, cinco
anos com a mesma didtica de aula que voc tem com uma criana de doze, treze, ou um adulto, n.
Mas no geral, num catado geral, se inicia, lgico, basicamente, pela ginga, que o movimento bsico
e que d a base para todos os movimentos. O aluno comea a aprender os movimentos defensivos
no princpio, as negaas, os movimentos bsicos como a queixada, a armada, a beno, que so os
golpes de aplicao direta, os giratrios, juntando com a esquiva. E, para um treinamento mais
avanado, vm tambm os floreios, n, saltos que so utilizados geralmente em apresentaes.
Ento uns movimentos, assim, de um grau mais difcil de aprendizagem.
P: E na sua opinio, o que significa se tornar um mestre de capoeira contempornea?
E: Bom, eu acho que o mestre... ele se torna mestre pelo seu reconhecimento dentro da sua
comunidade que ele atua. Porque ns vemos por a pessoas abusando inclusive, mas... de se
graduar, de se auto graduar. Tem muito isso na capoeira. Mas eu acho que a capoeira muito mais,
n. Eu acho que a pessoa se torna mestre quando ele realmente reconhecido como mestre pela
sua comunidade.
111
APNDICE 7: Relato do Entrevistado D.
Pesquisador: Para o senhor, o que significa falar sobre capoeira contempornea?
Entrevistado: Ento, foi aquilo que eu falei, acho que a contempornea hoje, aqui no Brasil, n,
ainda tem grupos que esto adotando bem ela devido at aceitao dela l fora. L fora o que rola
mais capoeira contempornea, embora tenham as pessoas tradicionais que levaram a capoeira
antes pra l, n. Grupos de capoeira tradicional. Mas hoje, o grande foco da capoeira hoje l fora a
capoeira contempornea. Com isso necessrio que os grupos que vo l fora acabar se
aglutinando aqui. Embora o grupo que mais preserva a capoeira contempornea aqui do Brasil,
com o Mestre Camisa, que o grupo Abad Capoeira, n. Entendeu? Eles preservam muito a
capoeira contempornea mesmo.
A vem outros grupos, n. Tudo cpia do grupo... eu falo que tudo ns que fazem a capoeira
contempornea cpia do Capoeira Abad. Porque eles adotaram esse sistema de ensino, n: eles
pegaram o estilo de Bimba e fizeram algum trabalho. Como ns falamos, j existia. Eles s mudaram
algumas coisas e criaram talvez as sequncias deles l, uma metodologia de ensino deles, n. E hoje
eles esto em todos os cantos. Em todas as... faces que voc falar de sociedade eles esto. Ento
foi bem aceito aqui no Brasil como l fora.
Agora, eu no tenho nada contra a capoeira contempornea porque mesmo, assim, eu vejo que o
prprio Bimba disse que a capoeira teria que ter mudanas, n. E voc sabe que as mudanas s
vezes agrada uns e desagrada outros. Ela nunca vai agradar todo mundo. Mas a mudana
obrigatria que exista. Tem que existir. J pensou se no existisse, a gente estava jogando a mesma
capoeira de sessenta, setenta, oitenta anos atrs, no sei como estaria hoje. Essa diversidade da
capoeira que faz esse embelezamento dela, que faz a busca, que faz as diferenas, n. Ento voc
v capoeirista duro, voc v capoeirista flexvel, voc v capoeirista malabarista, voc v capoeirista
que gosta j de pau, gosta de capoeira mais esporte, n. Ento essa diversidade enriquece a
capoeira. Eu vejo por esse lado. Eu no tenho nada contra, eu sou at a favor que existam mudanas
mesmo. A nica coisa que eu prezo muito respeito. Ns temos que respeitar muito as outras
capoeiras. Porque tem outros mestres de grupos que... ah, a minha capoeira melhor, isso no
existe. Capoeira capoeira, pra mim tudo igual. O nome capoeira j existia, n, e a capoeira ficou
pronta pra que essas pessoas fizessem o que da capoeira? Usufruir daquilo que bom e tentar
melhorar. Crescer com o desenvolvimento com o tempo.
Hoje voc v que ela est em todas as camadas sociais. Hoje no mais aquela capoeira
marginalizada, s pras pessoas menos favorecidas que praticavam. Hoje no, hoje voc tem a
capoeira... ela est em todas as camadas sociais e ela est em todas as idades tambm, n. Quando
eu comecei a capoeira ela era bem diferenciada, assim, voc quase no via crianas praticando.
Voc quase no via senhores, mulheres, era bem pouco, n. Hoje no. Onde voc vai, onde voc for
tem mulher praticando, tem crianas, tem velhos, tem pra todas as idades. Isso o legal da capoeira.
P: E, na sua opinio, nessa capoeira contempornea, quais so os elementos que a compem, quais
so os elementos que fazem parte da capoeira contempornea?
E: Eu acho mais o ritmo. Por exemplo, na capoeira contempornea eles pregam... eles tem assim,
principalmente capoeira... a benguela, n, que pro Mestre Bimba seria a banguela, n, ele usava esse
nome, banguela, que uma capoeira bem, assim, sequenciada, uma capoeira bem balanceada, um
jogo pensado, um jogo limpo at eu acho que melhorou muito esse aspecto e a regional, que fala
que a regional, a regional de Bimba, s que mais acelerada, entendeu? Menos cadenciada que a
regional de Bimba. Eu acho que nesse aspecto ela muda bastante.
E tambm outro aspecto que eu vejo na capoeira contempornea hoje, eu vejo mais a liberdade de
jogo, n. Ela menos assim, talvez... busca de ataque e defesa. Mas eu vejo ela mais no sentido de
jogo. Assim, mais jogo, mais beleza, mais camaradagem na roda, n. A capoeira nossa ela passou
por uma poca a at meio violenta. Por exemplo, a capoeira praticada talvez, no exercitada, n.
Ento se tornaria a desavenas na roda. Hoje no. Hoje est uma capoeira... eu pelo menos tenho
visto assim. Em todo lugar que voc vai a capoeira est ficando bem apresentada, n, menos
violenta. Eu vejo a capoeira hoje nesse aspecto. Por isso que eu dou valor. Um dos fatores que eu
acho importante que teve essa modificao foi na capoeira contempornea. Eu acho que ela deu
112
essa quebrada a pra uma capoeira mais camarada, um jogo mais bonito, um jogo mais assim de...
com menos objetivo de quedas, menos violento.
P: O senhor enxerga na capoeira contempornea a presena de elementos de outras reas ou de

outras prticas de fora da capoeira?
E: No, no vejo no. Eu vejo que veio da capoeira mesmo. Teve coisa que foi adaptada, n, s
vezes mudada ou coisa que j existia e a pessoa pegou e melhorou. Eu acho que eu vejo nesse
aspecto. Se voc pegasse... se fosse a nossa capoeira nossa tradicional l de trs sim, a eu falaria
pra voc que existiu outros elementos de outras artes. Mas na capoeira contempornea eu acho que
no.
Eu vejo, assim, na contempornea hoje no s na contempornea, mas na capoeira em geral que

h outras lutas sim. Por causa do que? Por causa do MMA, por causa das lutas que hoje esto dando
dinheiro. Entendeu? Ento eu acho que h uma necessidade, n, que uma necessidade de um bom
capoeira de entender de outras lutas, como o boxe, como a luta de solo, o jiu jitsu, essas coisas, pra
ele se sair bem. Seno ele no vai poder ir pra uma luta de competio, de combate, entendeu?
Ento a j diferente. uma capoeira j praticada com o intuito de prtica esportiva, profissional, em
nvel j profissional de ganhar dinheiro. diferente de uma capoeira praticada a pra campeonatos
sem fins a... monetrios, n, medalhas, trofus, essas coisas, entendeu? O capoeirista pode ir pra
uma capoeira esporte e ter os fins de profissionalismo na realidade, n, eu vivo da capoeira, eu vou
para um campeonato l em outro pas, tal, vou pra buscar um ttulo, mas com fins financeiros. Essa
a diferena. Ento a h a aglutinao de outras lutas necessria, obrigatria.
P: E qual o significado de se tornar um mestre de capoeira contempornea?
E: Se tornar um mestre de capoeira contempornea? , eu vejo que a formao de mestre , assim,

nos grupos... n, nos grupos, a, tradicionais, eu acho que o mestre, ele no se forma mestre. Ele
adquire este trabalho. Este trabalho uma troca de tempo de trabalho, uma troca de conhecimento.
uma busca incansvel. Ele tem que trabalhar mesmo o conhecimento da capoeira em vrios
aspectos, todos... no vou falar de todos porque mentira, n. Mas vrios aspectos ele tem que estar
buscando, n.
E aquela humildade que eu digo. Ele se formou mestre, qual a essncia do ttulo de mestre? O
mestre aquela pessoa que, ele est sempre aberto, ele est sempre humilde e est aprendendo.
Em busca de sempre estar aprendendo.
Ento quando a pessoa falar que vai se formar um mestre, tanto faz na contempornea como na
capoeira tradicional, eu acho que o mestre se forma atravs do trabalho, do merecimento. No
compra de ttulo, isso ou aquilo, vai por merecimento mesmo. Vai buscar uma coisa que... ele vai
transmitir aquilo que ele aprendeu, que ele buscou, n. E a formao do mestre qual que ? passar
do mestre aos discpulos, n, aos seguidores dele para que ele tenha o ttulo de mestre. Um mestre
no anda nunca sozinho, nunca sem... assim, sozinho, um mestre sem alunos, sem professores, um
mestre sem uma identidade, n, no existe. Ento um mestre, com certeza, o ponto fundamental do
mestre o trabalho dele. o resultado do trabalho dele.
P: E quais seriam as etapas de aprendizagem at aprendiz at se tornar um mestre?
E: Ento, as etapas so a vrias, n. Eu costumo dizer que como a criana quando ela comea a
caminhar. Primeiro ela engatinha, depois ela fica de p, depois caminha, daqui a pouco ela est
andando, depois est correndo e assim. Ento o mestre a mesma coisa. um trabalho
consistente, de pacincia acima de tudo. Objetivos. Obedincia n, acima de tudo ser obediente.
Observar bem o que o mestre dele passa, n, porque isso passado de gerao para gerao. Ento
esse trabalho um trabalho longo, n. No , assim, de um ano pra outro que a pessoa vai se tornar
um mestre. Ento so todas etapas, n. As primeiras etapas, as primeiras cordas, as primeiras
quedas, os primeiros conhecimentos, contato com a roda de capoeira. Ento da pra frente. um
grande aprendizado. Cursos, seminrios, palestras, campeonatos at, festivais. Ento uma grande
gama de coisas que vo intuir na vida dessa pessoa para que ela atinja um nvel a pra ela ter um
ttulo de mestre.
Ento essas etapas que voc falou, ela assim... ela longa. uma caminhada longa. uma boa
caminhada mesmo, no de uma hora pra outra. Geralmente voc v que a pessoa que tem o ttulo
113
de mestre, geralmente ele tem... realmente ele est acima de vinte e cinco anos de capoeira. Vinte e
cinco, trinta anos pra cima de capoeira. Seria a mdia, n. Tem grupos que tem gente com menos
que isso? No sei. Tem grupos que exigem mais do que isso tambm? No sei. critrio de cada
um. Mas uma mdia que eu tiro, mais ou menos nessa faixa a.
P: E do aluno formado, que j est dando aula, para ele receber o ttulo de mestre, qual o processo
e quem d esse ttulo pra ele?
E: o trabalho. Trabalho, trabalho, trabalho. Ele pode ser reconhecido pelo prprio grupo, n, pelo
prprio mestre dele. Ou pode ser reconhecido atravs de federaes, n. Mas geralmente trabalho
mesmo reconhecido pelo prprio grupo. s vezes passa por avaliaes, n. Com certeza tem uma
avaliao contnua. Essa avaliao contnua qual que ? o dia dele no trabalho com a capoeira. Ele
tem que ter trabalho, entendeu. Tem que ter trabalho. No somente como um participante, mas tem
que ter envolvimento com a capoeira. Ento esse envolvimento vai dizer se amanh ou depois ele vai
receber o ttulo de mestre. Porque primeiro ele vai passar a a instrutor, seria a o... forma o
estagirio, depois o formado, depois o instrutor, n... monitor, instrutor, a contramestre e mestre. Tem
toda essa chave que j ... e talvez no meio tenha at o mestrando, que o pessoal adotou para ter
mais tempo ainda para receber o ttulo de mestre. Entendeu?
Ento esse tempo do professor so graduaes tambm. Ele no vai sair do professor para mestre.
Ele no vai sair do formado e pular para mestre. Ento ele tem essas etapas, n. Essas etapas que
vo fazer com que ele ganhe conhecimento ganhe, como vou dizer... que ele amadurea, n, dentro
do trabalho da capoeira. A vem o conhecimento tanto terico como prtico, os toques, a msica, falar
sobre a histria da capoeira. Ento tem assim uma gama desse conhecimento que vai melhorando
com o passar do tempo, n. Ele vai amadurecendo, amadurecendo para que amanh ou depois ele
possa ter exemplos pra passar. Eu acho que o maior ensinamento que o mestre pode dar para um
aprendizado seriam os exemplos. Se voc pegar uma pessoa a com uns sessenta anos de idade...
sessenta, setenta anos de idade, no chega a estar jogando aquela capoeira que ele vai passar para
os alunos. S o conhecimento, a tranquilidade. Ele vai passar o que? Sabedoria para os alunos.
Entendeu? Ento essa a diferena.
Ento esse perodo a de amadurecimento dentro de uma pessoa, dentro de uma formatura... como
voc fez uma faculdade, depois voc tem que fazer o que? Uma ps, um mestrado, um doutorado,
um PHD, e da pra frente, no assim? Ento na capoeira a mesma coisa, voc se forma, n, e
porque voc se formou voc dono de si? No, voc se forma e voc d aula sempre ministrado pelo
mestre. Pelo menos no meu grupo assim. Ele tem acompanhamento meu e sempre vai ter esse
acompanhamento.
P: O senhor falou um pouco antes sobre a diferena entre os estilos tradicionais e a capoeira
contempornea. O senhor poderia falar um pouco mais sobre como se d essa diferenciao, se
existe uma diferena?
E: Existe a a diferena, vamos dizer assim, entre aspas, n, porque a capoeira sempre capoeira.
Ento eu vou l na roda de capoeira, voc vai pegar um capoeira angola, n, ele tem seus
fundamentos e tradies. Voc vai pegar um capoeira tradicional, ele vai ter seus fundamentos e
tradies. Isto passado de mestre pra mestre, ento por isso que existem esses fundamentos e
tradies. Voc vai pegar um contemporneo, lgico que ele vai pegar os fundamentos e tradies da
capoeira contempornea. Principalmente se ele j se iniciou numa capoeira contempornea,
entendeu? Porque, s vezes, a maioria j nem iniciou na contempornea, saiu de uma tradicional e
foi pra uma contempornea. Ento essa diferena, se eu for falar pra voc que tem essa diferena,
essa questo de postura, da maneira de se colocar dentro do ritmo, n. Porque o capoeira joga com o
berimbau ali, no assim? Ento, na capoeira contempornea, ela adota um ritmo, aquilo que eu
falei pra voc, um ritmo de um estilo de capoeira benguela, so bento grande diferenciado , um
contemporneo tem que jogar naquele ritmo. Um tradicional j vai jogar no ritmo da capoeira
tradicional. Ento o Bimba mesmo na capoeira tradicional, por exemplo, o ritmo so bento grande
dele um ritmo cadenciado. Tem vrios outros ritmos, mas o ritmo principal dele o so bento
grande, que um so bento cadenciado onde o aluno, ele joga com outro professor, com uma
capoeira um pouco mais objetiva, n, uma capoeira um pouco mais em p, entendeu? E essas
mudanas voc vai ver atravs do ritmo. Voc vai perceber quando uma capoeira, ela
contempornea, ela tradicional at pelo prprio ritmo. Ento ns, j sendo capoeiristas, ns
sabemos diferenciar. Entendeu?
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Ento a diferena, ela est ritmo na roda. Voc chega e fala, esse joga contempornea, esse joga
capoeira tradicional. Interessante, n? Ela bem visual tambm, n. Voc olhe e j percebe. E o
ritmo, o que eu falo, o ritmo o que diz. Bateu capoeira angola l, tanto faz se voc um
contemporneo ou um regional, eu posso entrar numa angola mesmo sem ser angoleiro, n. Ento a
gente sempre procura participar de todos os ritmos dentro de uma roda de capoeira. Se ela
contempornea, se ela regional. Lgico que a capoeira... se uma pessoa que treinada numa
capoeira contempornea voc j vai ver a diferena, entendeu? Ele j vai estar mais adaptado pra
esse esquema de jogo. mais uma questo de adaptao. Ou aprendizado. Eu no sei se eu posso
dizer se um aprendizado ou uma adaptao. Se ele veio de uma outra, ele se adaptou. Se ele j
comeou nela, ele tem j aquele ritmo do aprendizado dele dentro da capoeira contempornea. Essa
a diferena. Geralmente a diferena est no ritmo. No ritmo de jogo, entendeu? Esse jogo que s
vezes mais rpido, s vezes mais lento.
Voc vai ver muitas diferenas de grupos para grupos tambm, n. Foi o que eu falei pra voc,
aquela diversidade de tradies, de mestre para discpulo. Essa diversidade, ela sempre existiu e
sempre vai existir. s vezes eu fao uma capoeira de um jeito, numa linguagem, e outro faz com
outra linguagem. A nica coisa que eu falo, que o essencial disso a a gente aproveitar o de bom
que tem, n, a troca de conhecimentos. Se h respeito, h troca de conhecimentos. Agora, se no
h respeito, no tem como trocar conhecimentos, entendeu? Isso o que eu acho muito importante
nisso a.
P: Muito obrigado Mestre.
(alguns minutos aps a entrevista, o entrevistado considerou que existiam ainda outros
pontos a serem levantados e assim retomamos a gravao)
E: (...) ento a capoeira tinha essa pegada mais pesada. Depois ela veio modificando, como todas as
coisas vm modificando com a poca. Depois vieram os estudos, vem o negcio do CREF no meio,
vem leis, isso e aquilo. Meu mestre que est l nos Estados Unidos ele ligou pra mim no meio do
ano, e ele falou: rapaz, eu fui num batizado em Filadlfia, parece que ele foi, e l, p, ele tem aquele
sistema antigo. Ele entrou, pegou o cara... (mestre gesticula denotando uma capoeira mais agressiva)
correram tudo em cima dele, porque ele j queria jogar o cara (risos). Entendeu? Ento eles falaram:
rapaz, aqui a coisa diferente. E o mestre explicou: no, no nada disso. E eles: no, no,
porque aqui no pode. Voc v, diferente, j uma outra cultura. Eu acabei no colocando nada
de coisa cultural a, n?
P: Mas fica a vontade Mestre.
E: Ento, cultura, entendeu? Nossas culturas so diferentes. E isto que preserva aquilo que voc
aprendeu, n. s vezes voc capoeirista daqui, mas no pode aplicar isso em outro estado, em
outro pas. Se eu saio daqui e vou no Recife, tem outra mentalidade, vou no Rio tem outro, vou em
So Paulo, entendeu? Cada lugar uma histria. E tudo capoeira, isso que legal, entendeu?
Cada lugar que voc for uma histria. Agora, o cultural muito importante.
P: O senhor citou o CREF e as questes legais. Como o senhor v a relao da capoeira

contempornea com o CREF?
E: Hoje, graas a Deus, o CREF no est influindo muito no. Teve influncia, mas... eu vejo assim
que, pra capoeira, como ela j existia, sempre existiu, ela tem uma formao a muito tempo, coisa
antiga, eu vejo que o CREF pecou em algumas coisas, n. to verdade que ele est a sem poder
barrar nem a capoeira, danas e, se eu no me engano, yoga. Parece que ele perdeu, n. No
perdeu, mas foi barrado h alguns anos e ele no pode interferir mais nessas coisas. Devido a vrias
pessoas, a um movimento que fizeram contra. E, s vezes, com uma certa razo, n. Eu fui, assim,
praticamente... como diz a palavra? Eu fui intimado pelo CREF So Paulo, eu e mais dois formados
meus. Participei de um julgamento l, de uma mesa, parecia um ru, n, devido a uma denncia que
teve aqui, n. Mas na poca eu j era um estudante de terceiro ano de educao fsica. E eu falei pra
eles, o que eles conheciam sobre capoeira? Ah, ns estamos aprendendo. Eu falei: ento, como
vocs esto julgando uma pessoa colocando pessoas muito inferiores a ns em nvel de capoeira pra
ficar fiscalizando?. O cara que fiscalizava a gente tinha stima srie. Era capoeirista, mas tinha
stima srie. A falaram: mas voc tambm pode fazer denncia. Eu falei: No, isso no cabe a
115
mim. Fazer denncia? Isso cabe a vocs. Visitar e ter um rgo competente pra isso a. Foi o que eu
deixei explicado pra eles, n.
No fim foi arquivado esse processo meu a, no deu em nada. Mas tive que ir l, perdi dia de servio
e tal, n, devido a essa denncia. E vieram trs vezes na minha academia. Nas trs vezes que
vieram, vieram fazer nada. Eu s no estou em acordo com o CREF provisionado que fizeram na
poca. Eu fui um provisionado, mas quando eu fui provisionado eu j estava na faculdade. Entendeu?
Eu j estava buscando. Eu j estava buscando o trabalho da capoeira em si, n. Diferente de muitas
pessoas que pegaram o CREF, se acomodaram como provisionado achando que professor de
capoeira... ou achando que professor pedaggico, acadmico, n. Que tem um aprendizado
acadmico. Eu acho que da desvirtuou um pouco. Eu acho que deviam ter dado um perodo. Voc
no tem a faculdade, ento eu te dou um CREF provisionado, mas voc tem um perodo. No
cumpriu, voc perde. obrigado a ir pra uma faculdade. Entendeu? A teria uma exigncia. um
meio, sei l, de exigir que eu estudasse ou facilitar, j que eu estou na rea do trabalho, n. Mas no
fizeram isso. Simplesmente deram o CREF pras pessoas e elas tm o CREF at hoje.
Porque eu vejo assim, chega minha carteirinha, no clube eu chego com a carteirinha, o mesmo
CREF. S muda a cor parece, nem sei. No sei nem se muda mais. Mas o cara l, ser que a pessoa
que est recebendo isso a, ser que ele est to informado pra saber se eu sou formado ou...
CREF, est l na carteirinha, entendeu? Ento tem um monte de gente que pegou servio e est a,
no formado. Ento nessa parte a eu no sou muito a favor no. Eu acho que, se era pra estudar,
era pra todo mundo estudar.
P: Por todo mundo o senhor se refere aos capoeiras contemporneos, tradicionais?
E: Todo mundo. Todo mundo. J que eles queriam ter uma autonomia sobre a capoeira... a eles
podiam ter uma autonomia sobre a capoeira. Ns exigimos, ns estamos dando um prazo, um
perodo, ns estamos dando um meio pra essa pessoa estudar. Entendeu? Ento eu acho que a
seria legal. Mas da maneira que eles fizeram... Ainda bem que no deu nada. Eu creio que no deu
nada.
Mas eu vejo assim. O trabalho da capoeira, da pesquisa. Muita gente no gosta de fazer isso. Eu j
fiz pra vrias pessoas, at trabalho de... tem um rapaz que ele comeou a fazer aqui na cidade. Nem
sei se ele concluiu porque o X (pseudnimo para indivduo citado pelo entrevistado) no aceitou
fazer. Sabe o X, n? Ainda mais quando ele soube que eu estava junto, ele detonou o cara. Um
desses caras que era dedo-duro nosso era o X. Ele tem a stima srie. Entendeu? E no uma
questo se a pessoa tem stima srie, ou oitava, ou... pra ser um bom capoeirista. S que eu vejo
assim, j que era pra ser uma pessoa que corrigisse, que ele tivesse estudado pelo menos, n.
Concorda? Uma pessoa que foi l e fez uma faculdade. Se porque voc no est estudando.
Porque a o cara no vem pra te perseguir, ele vem pra te orientar, pra te dar uma fora, pra abrir a
sua mente. Eu acho que essa a funo das federaes, no a pessoa perseguir, ficar mandando
recado, botando seu nome no jornal, dizendo que voc clandestino. E o cara s usava coisas
pejorativas, s coisas negativas pra deturpar teu nome, n. Eu acho que no por a. Ento eu acho
que falta o que? At um pouco de estudo mesmo pra pessoa, n. Um pouco mais de viso de vida.
Eu acho que um cara que estuda no vai fazer isso a. Concorda? To difcil pra se formar, to difcil,
voc sabe. Porque ali est todo mundo na mesma gua. Pode ser rico, isso, aquilo, mas est na
faculdade ele igual. Tem que esvaziar o seu copo do seu conhecimento, da sua capacidade, do seu
financeiro. Se voc est ali, voc est em busca. Isso o legal da faculdade, por isso que se chama
universidade, n. Porque a pessoa tem que ter um universo pra buscar aprender muitas coisas. Eu
estou ali pra aprender. Ento muitas coisas suas vo ter que cair mesmo. S que a a pessoa tem um
cargo, a pessoa vai usufruir daquilo at com medo de perder aquilo. No assim?
Ento eu acho que eles pecaram muito sobre isso a. Dar o CREF, dar autonomia pra pessoa ficar a
perseguindo as pessoas que esto trabalhando. Se est errado, voc tem que ajudar a pessoa. Falar
olha fulano, como voc est trabalhando a, no est legal. Posso te ajudar? ou tenho meios pra te
indicar. Ento, pra mim, o que tem que fazer melhorar, n. Melhorar em valores, melhorar em tudo.
No perseguir a pessoa, dizer que ela no pode. Quem disse que ela no pode? Se ela j vem
trabalhando a tanto tempo e nunca ningum proibiu. Foi isso que deu todo esse bafaf a com a
capoeira. A capoeira foi o que mais deu rolo. Sempre existiu a capoeira e ela nunca precisou de
CREF, de educao fsica. De repente um negcio desses. A capoeira hoje, ela est a, acho que
segundo ou terceiro esporte mais praticado no Brasil. So mais de cinco milhes de praticantes.
116
Ento ela esta a, est caminhando muito rpido at. Ento, voc precisa ter (termo ininteligvel), mais
conscincia, ns capoeiristas, as pessoas ao nosso redor, toda essa gama que manda no nosso pas.
A, nisso a veio ela como patrimnio cultural, ganhou, mas voc no v fazer nada, n. Assim, um
patrimnio cultural a capoeira, mas voc no v... voc v bem pouco, n. Tem gente usufruindo dela
pra benefcio prprio. Est a. Est no congresso a trinta e poucos anos pra ser profissionalizada.
Participei de vrios congressos, at agora ningum bateu o martelo ainda. Muitos mestres morreram
de fome a, sem uma aposentadoria, entendeu? Uns caras levaram a capoeira pra fora, pra outros
pases, entendeu? Eu acho que tudo isso tinha que ser revisto, n, porque se brasileiro, se nosso,
vamos dar um apoio pras pessoas a que trabalharam a capoeira. Que viveram a e no tem uma
aposentadoria pra morrer na mngua a, n, como muitos a j morreram.
Ento eu acho que tudo isso a questo de quem est l em cima enxergar, n. Lgico que tem
alguns brigando. Mas fraco, n. Chega l acaba morrendo no congresso. Tem bastante coisa
colocada l sobre a capoeira no congresso, mas at agora no deu fruto no. A gente vem
trabalhando. Vai tocando, vai sobrevivendo com a capoeira, mas no no financeiro. Se depender da
capoeira, hoje, aqui... se depender, voc est na roa. J tive muito aluno aqui. Esse grupo nosso j
vai fazer trinta e um anos, n. Ento no pouco tempo, n. Ns j passamos vrias fases aqui j.
Fases boas, fases ruins, fases precrias. Fases a de at assustar pelo nmero de gente, porque
muita gente na capoeira, treinando. Ento tudo, eu acho, um fase, n. E agora ns estamos numa
fase a meio minguada. Deu uma fase a do ano passado pra c.
Mas o que eu falo pra voc, a gente tambm o culpado. Voc deixa... voc vai deixando rolar.
Deixa fazer uma propaganda, deixa fazer uma apresentao. Tudo ... como dizia o outro: d e
recebers, n. Porque s vezes voc quer receber mas no quer dar. Ento isso a. Essa troca
sempre vai ter que ter. A gente ciente disso a, porque essa parceria com o pblico, n... todo
mundo, n.
Mas qualquer coisa voc d um toque pra gente, se faltou alguma coisa, n. Se lembrar de alguma
coisa. Eu falei, falei, e falei pouco da cultura, n? Do lado cultural.
Mas eu vejo assim, n, eu coloco que a capoeira representa aquilo que mais de brasileiro existe. a
capoeira. Porque ela surgiu de uma necessidade, com a nsia de um povo pela liberdade. Pra ter sua
liberdade, n. E muitos, n... muitos desses capoeiras foram frente de guerra por esse pas nosso, na
poca, com a guerra do Paraguai. Muitos deles foram deportados. Muitos deles foram usados por
polticos, n. Ento voc v a histria. Se voc pegar essa novela que est passando, no sei se
voc j assistiu, Lado a Lado, ela relata bem o sculo vinte... do sculo dezenove para o sculo vinte,
e retrata bem isso a. O Rio de Janeiro, sua formao, quando veio o futebol, veio o samba, n, o
candombl, a capoeira, o pessoal foi para o morro, n. Ps-repblica... aps a libertao da
escravido veio a repblica. Ento a capoeira foi reprimida nessa poca. Capoeirista era pego e era
deportado, tomava chibatada, e tal. S que no meio desse pessoal tinha gente da alta tambm que
era capoeira, entendeu? Ento, a histria, ela bem confusa, n. Era questo de... era uma coisa
pinta, uma coisa de malandro, coisa de... No! Ela era usada at, n. Ela foi usada. Muitos
capoeiristas foram usados, n. Se criou as maltas no Rio de Janeiro onde o pessoal ia fazer saque,
nas campanhas polticas, n. A coisa era brava. E caiu tudo nas costas dos capoeiristas. Ento eles
esto retratando isso legal.
Ento, aquilo que eu falo, aquilo que brasileiro pouco valorizado. Tudo o que brasileiro o
pessoal valoriza pouco. Por que o que que capoeira l fora est bombando? Eu tenho colegas l
que esto ricos. Milionrios. Vrios, vrios, vrios. Hoje os caras tem intercmbio, do aulas l e
trazem os caras pra Bahia, Rio de Janeiro, Recife, So Paulo, pra ver capoeira. O grupo Abad
mesmo tem mais de trinta mil atletas. Os caras do, hoje, apresentaes em navios, em... a classe
que voc pensar, eles esto. uma empresa, uma empresa muito grande mesmo, a capoeira. O
Abad Capoeira, Senzala, Muzenza. O Cordo de Ouro, que j se tornou grande. A capoeira do
Mestre... um baixinho... ele do Recife. A Capoeira Topzio. Tm vrios. A capoeira do Mo
Branca... Gerais, tambm, com o Mo Branca. Tem vrios grupos a. Mas os dois maiores grupos so
o Senzala e... no, os dois maiores grupos so o Abad e Muzenza. Eles tem capoeira no mundo
inteiro, em todos os continentes j.
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APNDICE 8: Relato do Entrevistado E.
Pesquisador: Em sua opinio, o que significa falar sobre capoeira contempornea?
Entrevistado: Em primeiro lugar, o termo capoeira contempornea, eu acho ele redundante.

Contempornea a poca em que vivemos. Isso pode ser daqui a trinta anos, e as pessoas falarem
isso, ou a trinta anos atrs, ou a cinquenta, ou cem anos. a poca em que ns estamos vivendo. Eu
prefiro o termo capoeira moderna. Eu acho que ele tem mais lgica. Em relao a isso, essa capoeira
no que eu j estudei, no que eu tenho vivenciado uma capoeira que... dita por uns que no tem
a sustentao epistemolgica, que no tem tradio, que no tem... que no tem um monte de coisa
que a angola e a regional tem. Por outro lado, ela existe. E o que fazer com ela?
No meu entendimento, ela comeou l nos anos setenta com o grupo Senzala onde eles, sozinhos,
sem mestre... ento os meninos, adolescentes, jovens adultos... Mestre Peixinho, Mestre Camisa
Roxa, todo esse pessoal a que fundou o Grupo Senzala nem sei se o Mestre Camisa Roxa estava
junto , eles comearam a treinar, desenvolveram formas de treinamento na base de repetio de
golpes. E essa ideia comeou a se mesclar com a capoeira da Zona Norte do Rio e comeou a se
espalhar. Esse novo formato de capoeira com... com muito condicionamento fsico. Porque, pelo que
eu j estudei, j conversei com mestres antigos, a capoeira antigamente tinha aquelas pessoas que
tinha as suas... por exemplo, falando de valncia fsica, tinha uma resistncia aerbia e anaerbia
porque jogavam bastante. Mas nem todo mundo era forte, com boa compleio fsica. Ento daqui a
pouco tinha um negro que era estivador, e tinha outro cara que era um branco, que era comerciante e
gostava de jogar capoeira. No era muito comum as pessoas irem academia e malhar, at porque
no haviam tantas academias. A a gente tem que estudar a histria da musculao. Mas eu estou
tentando fazer um paralelo com isso. Eu estou falando da dcada de trinta, quarenta.
J nos anos setenta, as academias estavam comeando a explodir. A a gente tem que lembrar como
se deu o incio das academias no Brasil tambm. Aquela exploso da aerbica, o bum da corrida com
o Kenneth Cooper. E tudo isso, queiramos ou no, acabou influenciando a capoeira tambm. Ento
as pessoas passaram a treinar mais. E essa capoeira chega at os dias de hoje, fazendo um resgate
capoeira regional, e fazendo um resgate na capoeira angola, mas sem a definio de uma ou outra.
Na verdade, essa dicotomia a gente encontra somente na Bahia: capoeira angola e regional. E eu
estou falando isso porque eu vivenciei. Eu fui fazer uma palestra na l na UFBA a Universidade
Federal da Bahia na disciplina de capoeira do Mestre Xaru, que meu amigo, que eu passei um
perrengue l, porque eu falei sobre esse assunto e os caras queriam me queimar. Mas a, eu estava
meio preparado... no foi muito fcil. Eu tive que ouvir algumas coisas, mas eu mantive meu ponto de
vista, entendeu?
Ento, o que eu penso da capoeira moderna? Eu acho que uma capoeira bastante plstica onde o
pessoal tem treinado muito. Muita gente est treinando outras lutas tambm e eu... J no tempo do
Mestre Bimba o pessoal treinava boxe. Quer dizer, a capoeira que vingou no resto do Brasil a
capoeira baiana, e os baianos sempre gostaram de luta. Eles sempre praticaram jud, praticaram
boxe. Haja visto que os boxeadores de maior sucesso brasileiro que tem aparecido nos ltimos
tempos tem sido da Bahia. O Pop, e outros, n. E, nos dias atuais, o pessoal pratica jiu-jitsu, pratica
muay-tai, com o objetivo de utilizar a capoeira, inclusive, no MMA. E ela est aparecendo de novo.
Mas isso apenas um reflexo da capoeira contempornea.
A capoeira contempornea, no meu entender, por aquelas pessoas que pesquisam, no s que
seguem os modismos... ela uma evoluo. A raiz sempre tem que ser respeitada. Eu considero a
capoeira moderna uma evoluo tcnica, onde novos movimentos surgiram, ou melhor deixa eu
corrigir esta frase movimentos antigos foram aprimorados, e foram criadas misturas ou
combinaes de movimentos antigos. Por exemplo, a cadeira, o movimento da cadeira. O pessoal
fala que moderno. Conhece aquele livro do Mestre...? Pena que eu no tenho aqui, est em outro
lugar... Barraco do Mestre Waldemar?
P: Eu j ouvi falar.
E: Ento, tem uma foto do Mestre Waldemar na cadeira, nesta posio, assim. Em mil novecentos e
quarenta, ou cinquenta. Ento de moderno esse movimento no tem nada. No meu entender, essa
capoeira resgata movimentos da angola colocando... criaram esse jogo da benguela que no existe
118
na academia do Mestre Bimba. O Mestre Bimba falava banguela. assim que est no cd dele... at
no vinil, que vinha com encarte sobre o curso de capoeira regional. Todo esse material a eu tive
acesso. Ento eu estou falando de histria. Estou falando de dados comprovados. E a, a minha
opinio sobre a capoeira moderna... ela est correndo um risco sim. Ela corre o risco de
descaracterizar a capoeira porque a capoeira est ficando muito igual. As pessoas esto seguindo os
grandes grupos. Mas na verdade os mestres dos grandes grupos... eu falo do Muzenza, Abad,
Gerais, e tantos outros grupos que tem por a. Candeias, Cordo de Ouro. Assim, eu no quero ser
injusto com nenhum outro grupo, mas tem muitos grupos grandes. Mas o pessoal mais antigo, assim
como o pessoal mais novo como o seu caso est pesquisando, est querendo saber qual de
verdade. E eu considero o seguinte, no existe a verdade absoluta. Voc vai ter que ouvir como
voc est fazendo ouvir vrias pessoas.
assim que eu entendo essa capoeira moderna. No sei se eu consegui responder, se j d para
pinar alguma coisa da.
P: Sim, o senhor mencionou que a capoeira est ficando muito igual. O senhor pode estender um
pouco essa ideia, nos explicar o que o senhor quis dizer?
E: Est muito igual porque as pessoas esto baseadas em modelos de jogo. E, antigamente, cada
um jogava do seu jeito. Cada um gingava do seu jeito. Ento se estabelece o padro do grupo X, o
padro do grupo Y, o padro do grupo... G. N? Eu consigo identificar quem aluno de quem
olhando o jogo do cara. Agora, aqueles capoeiras que rodam bastante, que conseguem estar em...
esse ano... nos ltimos anos eu tenho rodado bastante. Eu estive na Europa, viajei por vrios estados
do Brasil. E quando a gente comea a rodar bastante, ou volta a rodar bastante, comea a jogar com
pessoas diferentes e pode observar o jogo dos caras, e tambm tende a desenvolver o seu estilo,
que ele acaba... Na verdade, o capoeira, o capoeira que bamba mesmo, no sou eu que lhe
imponho o estilo dele. Ele como a gua. Ele vai se moldar no ambiente em que ele est. Eu entendo
assim, tem vrias formas. Tem aquele cara que vai impor o jogo dele pra cima do outro, e tem o cara
como eu tento fazer que cada pessoa, com cada pessoa, ele vai tentar fazer um jogo diferente.
Sem repetir sequncias, sem repetir movimentos que possam ser previsveis. E em relao a
capoeira contempornea ou moderna ser igual que o pessoal, principalmente a molecada nova,
eles fazem o movimento porque eles acham bonito. Mas s vezes esquecem da essncia que, por
exemplo, uma acrobacia, que a acrobacia serve para embelezar o jogo e at mesmo tirar a ateno
do camarada para que a gente possa aplicar um golpe que vai pegar nele. Porque no se pode
esquecer que a capoeira luta. Ela no precisa ser traumatizante, agora, ela vai sempre ser um jogo
de enganar.
P: Quais so alguns elementos que o senhor v que compem essa capoeira contempornea, ou
como o senhor diz, a capoeira moderna?
E: Por exemplo, a bateria. A bateria dos grupos que praticam a capoeira moderna bateria de
angola. Trs berimbaus, dois pandeiros, um atabaque e, como no nosso caso, ainda usamos o reco-
reco e o agog. Mas so as mais diversas formaes. Algumas colocam... a gente est colocando o
gunga no meio agora. A o mdio, o viola, depois o atabaque, coloca um pandeiro aqui e outro aqui, o
reco-reco e o agog. Outros grupos fazem diferente. Mas a bateria de angola. E, estranhamente, ou
fazendo esse mix que a capoeira moderna, o pessoal (ininteligvel por 2 segundos) jogo da regional.
O jogo da regional, inclusive, tocado muito rpido (mestre imita o som do toque de so bento
grande de Bimba acelerado), ou no ? assim que a gente v.
P: E o senhor enxerga elementos de fora da capoeira, ou de outras prticas se inserindo e

influenciando essa capoeira moderna?
E: No, eu acho que no cara. Tem algumas pessoas que querem... por exemplo, na Bahia tem um
mestre... eu no estou aqui pra falar mal de ningum, entendeu? Mas ele... ele me disse, o Mestre
Dinho, do grupo Topzio. Ele me disse: Olha, o Mestre Bimba criou a regional, eu estou
desenvolvendo o capojitsu. E na roda dele eles permitem que o pessoal fique l tentando imobilizar
depois de uma queda e tal. Mas isso ficou um negcio mais regional l, mais localizado. Eu no tenho
visto isso nas rodas. Mas eu vejo os capoeiras, hoje em dia, a maioria que gosta das lutas est
praticando jiu-jitsu.
P: Entendi. O que significa hoje se tornar um mestre de capoeira contempornea?

119
E: T, eu no sou mestre de capoeira contempornea. Eu sou um mestre. Sou um mestre porque

meu mestre me deu a corda e porque eu sou reconhecido pela comunidade. O fato de eu praticar
capoeira moderna uma conjuntura. uma questo circunstancial. Eu perteno a um grupo que
pratica essa capoeira, eu me identifico com essa capoeira. Nos lugares onde eu vou eu me identifico
mais com essa capoeira. Eu poderia ser um mestre de capoeira angola. Ento eu no vejo um... eu
vejo um mestre de capoeira se formando. claro que, dentro dessa formao, surgiram elementos
pedaggicos que fazem parte da avaliao em que so cobradas as sequncias de movimentos,
muito semelhante, assim, s cobranas de troca de graduao de outras artes marciais. Eu tambm
considero um a evoluo da capoeira nesse sentido. Ela teve que se adequar. H quem no goste.
P: E quais seriam ento as etapas de aprendizagem, ou as etapas de aquisio de capacidade ou

conhecimento, at o aprendiz se tornar um mestre de capoeira contempornea, ou moderna?
E: , eu vou enfatizar: no um mestre de capoeira moderna, um mestre de capoeira. Porque o

mestre de capoeira tem conhecer angola e regional. Por exemplo, faz parte do exame agora do... dia
vinte seis eu vou para o Rio de Janeiro. Eu vou fazer a avaliao do pessoal que vai trocar de corda.
Algumas etapas: o pessoal vai ter que saber executar as sequencias do Mestre Bimba; vai ter que
saber fazer um jogo de angola; vai ter que falar sobre, pelo menos, trs chamadas de angola; vai
executar as sequncias de entradas e contragolpes que o Mestre Burgus criou, que uma coisa
especfica do grupo. Se for l treinar com o Mestre Suassuna, vai ter que fazer uma sequncia que...
eu assisti a uma formatura deles, eu participei de um evento em... com o Tubaro, em Santa
Catarina, em Florianpolis, onde o professor executou uma sequncia l criada pelo Mestre
Suassuna, que uma lenda viva da capoeira, n.
Ento, quando um camarada se forma mestre, ou contramestre, ele j tem uma vivncia. Em primeiro
lugar, ele no pode ter, na minha opinio... entra uma maturidade tanto pessoal como emocional,
uma maturidade profissional, alm do conhecimento de capoeira. Ele tem que ter entre vinte ou vinte
e cinco anos de capoeira, seno no tem como o cara querer dizer que mestre. At agora... tem
caras por a que se formam mestre com dez anos de capoeira. No passado at era assim. Mas as
prprias pessoas que se formaram mestre nesse tempo at porque haviam poucos mestres eles
mesmos esto cobrando muito dos seus alunos para chegarem a mestre. Eu, s fazer as contas a.
Eu comecei em setenta e oito, e ganhei minha corda do meu mestre em dois mil e um. Isso
pressupe um tempo intermitente de treino durante todos esses anos, uma caminhada de trabalho
com capoeira, uma caminhada de busca de... tanto da capoeira angola como da regional.
Hoje se fala em capoeira contempornea, de capoeira moderna. Daqui a uns vinte anos j no se fala
mais disso. Mas a capoeira sim vai existir. Eu estou insistindo nisso porque tu est tentando... eu sei
que o seu trabalho est voltado pra isso, o que a capoeira moderna?. E mais uma vez eu vou te
responder: eu acho que uma forma de jogar capoeira. Mas ela no um estilo, com fundamentos.
No existem fundamentos que digam que capoeira moderna um estilo de capoeira. Eu acho que
no um estilo ainda. Eu acho que pode vir a se formar. Vai depender de ns, as pessoas que esto
fazendo capoeira. A histria, quando ela feita pelos indivduos, muitas vezes ela no intencional,
ela vai acontecendo. O nome disso cultura. A cultura est sendo constantemente criada e recriada.
O problema que se tem tradies o que eu no acho um problema que as pessoas... O que
uma tradio, de acordo com alguns autores da antropologia? A tradio algum ritual que foi criado
por um grupo de pessoas que tinham um significado perante aquela cultura, e eles tinham
representatividade e decidiram que aquilo ia ser daquela forma. E todas as geraes subsequentes
seguem aquilo. Mas na verdade, as tradies so inventadas, a grande maioria delas.
Ento, a capoeira contempornea, ou moderna, ainda no tem uma tradio inventada. Quando se
remete, numa roda, dentro da capoeira moderna, ou vai ser o jogo da regional, que j
descaracterizou, a comear pela bateria. Porque a regional era um berimbau e dois pandeiros. um
berimbau e dois pandeiros. O que mais se aproxima da tradio a movimentao do jogo de
angola, que tambm no assim que o pessoal da angola joga. Mas pelo menos eles seguem a
ladainha, seguem... Eu vejo o pessoal comear as rodas de regional sem cantar uma quadra. E
quadra era a introduo que o Mestre Bimba criou para fazer, de certa forma, uma homenagem
capoeira angola. Ento ao invs de dizer i, viva meu Deus, ele fala i, gua de beber, gua de
beber camar. Correto?
120
P: Correto. Eu acho que basicamente isso. O senhor gostaria de acrescentar mais alguma coisa
compreenso que a gente deveria ter sobre o que seria capoeira moderna, ou contempornea?
E: Me permite ento acrescentar algo mais?
P: vontade Mestre.
E: A capoeira nasceu para libertar os corpos dos negros escravos. Ela servia como diverso e como
libertao do corpo e da mente de uma situao de priso, n. Aquela situao aviltante que os
escravos passavam, que a gente tem uma ideia, que alguns filmes tentam retratar, mas no chega
nem perto do que poderia ser aquela realidade. S vivendo, e a gente no viveu. Pelo menos com
essa lembrana, n. Estou falando de reencarnao.
E num segundo momento, sculos aps, ela virou... dois sculos em seguida ela foi marginalizada, foi
criminalizada. Quando os negros, mais uma vez tentando ser felizes, se defendendo, comearam a
fazer baderna. Foram pra guerra do Paraguai, voltaram com a promessa de que teriam alforria. No
tiveram, fugiram, se revoltaram, comearam a formar... fugiram pros quilombos. Muitos quilombos se
transformaram nas atuais favelas do Rio de Janeiro e de todas as grandes cidades. E a capoeira,
praticada por seres margem da sociedade, passou a ser coisa de marginais. E o termo marginal
passou a ser associado a bandido. Marginal um ser que est margem, no necessariamente um
bandido. At pouco tempo atrs, e ainda hoje em muitos lugares da nossa sociedade, uma pessoa
especial ou deficiente um ser margem. Ele pode ser considerado um ser marginalizado. Mas no
pode ser chamado de marginal porque marginal se tornou sinnimo de bandido.
Ento nesse momento a capoeira criminalizada. Depois surge a era das academias, como bem
define Nestor Capoeira. A teve a histria do trabalho do Mestre Bimba, que uma pessoa que,
inclusive, a gente at j discutiu agora sobre ele. E eu acho que a capoeira moderna deve muito
capoeira regional. Porque foi a partir da capoeira regional que a angola se organizou para no perder
mercado. E a partir da capoeira regional, os meninos, ento, do grupo Senzala desenvolveram essa
maneira de treinar, de jogar, que hoje em dia se chama de capoeira moderna e que foi se
desenvolvendo cada vez mais. Tem o grupo Abad, tem outros grupos, tem o grupo Senzala, tem
tantos grupos a que trabalham essa forma de treinamento, de formao de um corpo de um
capoeirista. Na verdade se criou um esteretipo de capoeirista. Porque o capoeirista antigamente, ele
era como ele era. Ele podia ser magrinho, ele podia ser baixinho, mas ele era rpido, ele era veloz.
Cada um tinha sua arma. Hoje, as pessoas continuam tendo sua estatura, s que elas usam
suplementos alimentares, elas trabalham com musculao, usam treinamento profissional, elas
modificam o seu corpo. A capoeira... eu posso dizer assim, uma boa definio para a capoeira, a
capoeira moderna... a capoeira moderna seguiu a linha da esportivizao, que pressupe atletas.
Mas, por outro lado, ela tambm desenvolve... eu por exemplo, sou praticante da capoeira moderna,
mas eu tambm jogo capoeira angola. Eu jogo capoeira regional. Eu estou sempre buscando a raiz, e
eu tambm procuro ser um atleta, mesmo com cinquenta e quatro anos. Eu acabei de vir da
academia. Malhei hoje e depois eu fui treinar na academia de um amigo meu. Amanh eu vou dar
aula, e eu vou treinar porque eu preciso estar em forma pra fazer o jogo que eu quero fazer. Seno
eu posso vir a me machucar. Ento, j uma questo de sobrevivncia, no s de performance.
O que eu vejo... eu vejo que uma faca de dois gumes a capoeira moderna. Ela est se espalhando
pelo mundo. Eu estive na Turquia este ano. O pessoal est jogando essa capoeira. Mas eles esto
pesquisando sobre a capoeira angola, sobre a regional tambm. O pessoal l fora, na verdade, na
Europa eu no estive os Estados Unidos ainda, nem na Austrlia eles esto estudando muito
mais do que muitos brasileiros aqui, e isso chega a ser preocupante. Ento muito bom que hajam
pessoas como tu, como eu, que esto preocupados. E principalmente a rapaziada nova, acadmicos,
que estejam preocupados assim, com essa viso e com esse entendimento da capoeira,
independente do rtulo. Capoeira moderna um rtulo. uma maneira como est sendo jogada a
capoeira, e foi desenvolvida por Mestre Bimba e que foi tambm... ajeitada, digamos assim, pelo
Mestre Pastinha e pelos seus discpulos, que a capoeira angola.
Mas a capoeira vai ser sempre uma s, independente da roupagem. Ela malandra, ela maldosa,
ela alegre e ela proporciona bem estar. Ela hoje vista como um instrumento de educao. Agora,
quem quer dar aula de capoeira tem que entender de onde ela veio. A gente tem que entender da
histria para entender o presente e poder projetar o futuro. E ns, neste momento, estamos
121
projetando o futuro a partir das nossas aes e... e pensar e repensar a nossa prtica. A isso
chamamos de prxis. Ok?
P: Maravilha Mestre, muito obrigado.

122
APNDICE 9: Relato do Entrevistado F.
Pesquisador: Bom, a primeira pergunta ento , em sua opinio, o que significa falar hoje sobre
Entrevistado: Pra mim, capoeira contempornea, assim como j diz a palavra, uma inovao. E
como a capoeira sempre evoluo, ento a contempornea, pra mim, ela assim... faz parte da
capoeira. Ela um fator muito importante. Alis, muito mestre acaba denegrindo, n, e fala que
capoeira contempornea no capoeira. Capoeira angola mesmo... os angoleiros falam que
angola, os da regional fala que regional, e o resto, n... Mas eu acredito que Mestre Bimba tambm
foi contemporneo. Ele transformou a capoeira de angola na regional, concorda? E parou ali. Ento,
se ele fosse... vivesse mais, eu acho que ele teria inventado mais coisas. S que acontece que eu
vejo muito hoje os capoeiristas imitaram muito aquilo, e aqueles que evoluram, hoje criticado, n.
E muitos capoeiristas antigos... alguns aceitam e outros no. At os capoeiristas mais novos, que
hoje seguem uma linhagem, ele acaba denegrindo um pouco a capoeira contempornea, que nada
mais que a mistura destes jogos, n. Acrobacia, jogo de angola, jogo da regional. a evoluo
mesmo, n. A mistura de outras artes junto capoeira. Ento pra mim isso define mesmo a
contempornea.
P: Neste contexto, ento, o que o senhor considera que so as caractersticas que compem a
E: So os movimentos, n. Os movimentos, as acrobacias, movimentos geis que tem de cho, os

movimentos de solo. Parece que incorporou, n, a mistura da capoeira mesmo com a luta da capoeira
e transformou numa arte, n, de expresso corporal.
P: O senhor citou elementos de fora da capoeira. Quais so alguns dos elementos que so de fora da
capoeira e que foram incorporados para surgir a capoeira contempornea?
E: Um esporte muito conhecido e bem conceituado hoje a ginstica olmpica. Tem alguns saltos, n,
que muitos capoeiristas adotaram para fazer. Tem alguns movimentos tambm do hip-hop que eu
vejo bastante nas rodas de capoeira.
P: O senhor poderia falar mais sobre esses movimentos do hip-hop?
E: Ah, a j no do meu conhecimento (risos). Eu falo porque tem alguns movimentos que so
mesmo do hip-hop que os capoeiristas transformaram dentro dos movimentos da capoeira. Isso
quando encaixa, n. No o movimento perfeito, igual, mas ele encaixou aquele movimento com
uma sada da capoeira de... da capoeira regional, ou de angola, e somou com aquele movimento e
virou o movimento da contempornea.
P: Entendi. Como voc v essa relao da capoeira contempornea com a capoeira regional e a
angola?
E: , como eu disse, a capoeira angola ... o Mestre Pastinha, ele o... assim, no o criador, mas o
principal mestre que difundiu a capoeira na Bahia, de angola, n. Mas eu acho assim, depende muito
de mestre pra mestre. Eu mesmo gosto muito de angola. Jogo angola, pratico angola, ensino pros
meus alunos a angola. Ensino a angola, a regional, os fundamentos da regional. A, dentro dos dois,
a eu mesclo os dois e fao um jogo dentro disso a. Dentro da mistura dos dois, da capoeira angola
com a velocidade da capoeira regional, n, que tambm considerado como contemporneo.
P: E o que significa se tornar um mestre de capoeira contempornea?
E: Agora deixa eu pensar um pouco (risos). Como assim?
P: Quem o mestre de capoeira contempornea? O que significa um capoeirista passar a ser

chamado de mestre de capoeira contempornea?
E: Ah, o tempo, n. ele se dedicar e treinar. Que nem eu, eu comecei a capoeira realmente...
como j nasci no bero, n, meu pai j era mestre quando eu nasci. A eu consegui um espao pro
123
meu pai, pro meu mestre. Gostei, comecei a dar aula. A a gente foi considerado, dentro do crculo de
amizade da capoeira, como mestre. Ser mestre, no a gente que coloca esse ttulo. Eu acredito que
ser mestre , aonde voc vive, sua sociedade onde voc mora considerar voc como tal mestre. Isso
a ser mestre. No a gente se intitular, eu sou mestre disso e daquilo. Assim como o marceneiro
que tem no bairro. O cara faz aquilo desde criana, vai, e todo mundo vai falar, nossa, aquele cara
o melhor, ele o mestre marceneiro, e todo mundo vai l. Assim como esse ttulo de mestre que eu
adquiri foi atravs disso, dentro das minhas aulas, com o tempo dando aula. Faz vinte anos que eu
dou aula aqui no bairro, quando virou assim uma referncia, tanto no bairro quanto na cidade.
P: Se a comunidade que d esse ttulo de mestre, qual a representatividade que esse mestre tem
para essa comunidade? Quem ele para a comunidade ento?
E: complicado, porque a pessoa que mestre, ela representa seu bairro, sua cidade, e tem sempre
que estar andando certo, na linha, n. Porque voc est ali ensinando crianas, jovens, adultos,
ento voc serve como exemplo. Ento voc tem que sempre estar se auto olhando bem para no
cometer erros que possam ser interpretados errado. Falarem, olha l o mestre l numa balada
bebendo, ou fumando, ou no bar. Ento a gente tem que se vigiar. Se vigiar para no acontecer
essas coisas a. Porque as pessoas apontam. Como eu estou ensinando, ensino muitos filhos dos
outros, ento eles me tem como uma pessoa responsvel mesmo. Ento s vezes, a minha vida
pessoal eu tenho que fazer, assim, bem longe daqui. Por exemplo, eu quero fazer um churrasco, eu
quero me divertir com meus amigos, tomar uma cervejinha, eu tenho que fazer isso meio que... com
respeito. No posso fazer isso popularmente. Eu acho que isso que a coisa mais complicada para
um mestre, n, perante a sociedade.
P: E quais so as etapas de aprendizagem na capoeira contempornea at o aprendiz se tornar

mestre?
E: Isso dedicao, n, para tudo. No s na capoeira, mas em qualquer arte, em qualquer atividade
que for fazer. a dedicao. A pessoa tem que ir treinar, passar pelas suas graduaes, as
avaliaes que tem, que o mestre tambm prope para o aluno. Ele tambm tem que viajar. Porque
voc ser mestre no seu bairro e no... e o povo da capoeira no te conhecer, o mundo da capoeira
no te conhecer, ento voc acaba no sendo um mestre perante os capoeiristas. Ento tem que
viajar bastante. Antes de se tornar um mestre, viajar, conhecer, se comunicar muito mesmo com o
pessoal da capoeira, para que voc tenha essa considerao dentro do meio da capoeira como
mestre.
P: Tem alguma outra questo que o senhor considera ser importante ressaltar para a gente
compreender o que a capoeira contempornea?
E: Eu acho muito importante, assim... que eu sou muito... eu vou falar de mim, assim. Eu jogo
capoeira angola. E a capoeira angola que eu jogo, eu procuro fazer na risca, a coisa certo. No como
muitos que esto a que fazem a capoeira angola de um jeito... sem, realmente, sentir o jogo, sem ter
aquela expresso. Ento, eu sempre fui atrs em querer fazer a expresso, fazer certo, chegar na
roda e jogar capoeira angola. Todo mundo gosta. Os mestres falam, legal, voc est no caminho
certo, isso a. S que da, na hora que eu jogo contempornea que eu vou tambm jogar , a h
essa discriminao. A comeam a discriminar, ah, voc joga angola, fica fazendo besteira jogando
essa contempornea a, ou a regional. Ento, eu acho que isso a que os mestres deveriam parar
um pouco de criticar, e realmente treinar. Se ele gosta daquele estilo, ele tem que fazer aquele l, e
no criticar, apontar. Que nem, eu fao o meu estilo e no critico ningum. Eu procuro fazer capoeira.
Porque a capoeira, ele ... para mim, ela infinita. Ento, como eu estou formando alunos, eu acho
que o mestre formando aluno dentro da capoeira... quando se fala capoeira, eu tenho ela como
capoeira angola, regional. Tem outros tipos de jogos tambm, n. Ento um padro geral. Eu
procuro fazer tudo. O que o berimbau tocar realmente... se tocar benguela, eu jogo benguela. Se
tocar miudinho, eu jogo miudinho. Se tocar angola, eu jogo angola.
Ento eu sempre vou me aperfeioando. Eu acho que esse a o ponto principal: o capoeirista tem
que se aperfeioar mais, se aprofundar mais na capoeira. Porque a capoeira no s angola, s a
regional, ou s a contempornea. Se for pesquisar l os antepassados, muita coisa. Uma vida
pouco para tentar explicar e saber o que a capoeira.
124
P: O senhor falou que existe, por parte de alguns capoeiristas, um preconceito em relao capoeira
contempornea. Por que o senhor acha que surgiu esse preconceito? Por que ele acontece?
E: Eu acho que alguns mestres so radicais, n. A pessoa radical e quer preservar aquilo ali como
se fosse dele, n. Acha que dele. No! A capoeira democracia. No Brasil, no tem nada que voc
possa falar que . Voc faz uma coisa ou outra, voc coloca na net a, o outro j est fazendo melhor
que voc ou outro.
Ento, eu acho que capoeira isso a. Ela conquistou o mundo por causa da sua histria, e por causa
dessa diversidade que tem. Dessa democracia. Alguns mestres que so radicais mesmo. Enxerga
aquilo, mas no tem aquela viso ampla da coisa. E o contemporneo j tem aquela viso ampla, no
v s isso. V o maculel, a puxada de rede, a angola, a regional, e quer aprender tudo para que ele
possa tambm ensinar pro seu aluno. No meu caso, eu comecei a dar aula e no comeo era um
canto contemporneo. A, tinha aluno que ia me procurar, eu queria aprender angola. E eu, no
manjo, no sei angola. A o cara falou, mas p, mas voc no capoeirista?. A eu comecei a...
tipo, o cara est certo mesmo, capoeira capoeira. A eu comecei a treinar angola. Treinar angola,
treinar angola. A comeou a desagradar alguns alunos que queriam aprender a regional. A regional
de Mestre Bimba. E eu no tinha o conhecimento. Fui atrs tambm pra poder... pesquisar, e passar
pros alunos. E isso a que considerado o que a capoeira contempornea. voc pesquisar um
pouco de cada estilo, voc por dentro do seu corpo, e ensinar. E se vier algum hoje falar pra mim,
voc ensina capoeira angola?, eu tenho uma turma de angola. Eu tenho uma turma de regional,
uma pra quem gosta de contempornea, ento... outra pra quem gosta de dana afro, e tudo isso a,
globalizando, a capoeira. Como se diz, cultura negra vem do samba at o candombl, a umbanda,
tudo isso a j ... faz parte da cultura negra, n. Da capoeira.
P: E o senhor considera que existe algum limite na quantidade de alteraes que podemos fazer na
capoeira? O senhor comentou que a capoeira contempornea inovao. Qual o limite para as
inovaes que se faz na capoeira?
E: Eu acho que no tem limite. Porque tem pessoas que vo alm, n. O corpo tem muita coisa pra...
A limitao est no corpo de um para outro, n. Ento, no h limites para a contempornea nem pra
capoeira. Existe limite para o aluno, para o praticante. O praticante que impe o limite. Se ele se
limita naquilo ali... Mas a capoeira vai alm. Sempre tem um melhor que o outro. Os movimentos so
muito bem aplicveis e tem que ser bem treinados. Ento depende muito da pessoa.
P: Perfeito, eu acho que isso. Muito obrigado Mestre.
(alguns minutos aps a entrevista, o entrevistado considerou que existiam ainda outros
pontos a serem levantados e assim retomamos a gravao)
E: Falando em democracia dentro da capoeira, eu acho que a capoeira contempornea isso,

democracia. E capoeira tambm, ela bem democrtica, falando numa questo de... Tem muita
gente que fala que capoeira religio, capoeira atividade fsica, capoeira jogo, ela luta, ela
tudo isso. Educao, arte, cultura, n. bem da pessoa. S que no pode misturar uma coisa com
a outra. preciso estudar, pesquisa, saber o que a capoeira dentro da religio, o que capoeira na
atividade fsica, o que capoeira na educao, o que capoeira na atividade mental. Ento, ela pode
ser tudo isso a. Mas tem que ser bem separado, cada qual em seu qual. Seno, vai misturar e falar
que o capoeirista, ele s religio, ou ele s atividade fsica, ele s... uma coisa que na capoeira
no da pra definir, depende do praticante. bem democrtico mesmo. A pessoa pode capoeirista e
pode ser evanglica, pode ser capoeirista umbandista, ele pode ser capoeirista catlico. Ento ela
bem... a capoeira aceita tudo isso a. Eu s queria deixar isso bem claro.
P: Interessante. O senhor falou que a capoeira tem esses vrios aspectos e um deles a capoeira
como atividade fsica. Como o senhor enxerga a relao da capoeira, no caso contempornea, com a
rea da educao fsica, em comparao com as capoeiras angola e regional?
E: Comparando a educao fsica com a atividade fsica que a capoeira, como eu falei, eu acho que
uma vem complementar a outra. Hoje em dia, o cara que capoeirista e tem o conhecimento da
educao fsica, eu acho que vem agregar e elevar a nossa arte. S no pode, assim, se dizer
capoeira depende da educao fsica, capoeira depende da religio para ser capoeira. No, a
capoeira uma coisa independente de tudo isso, e o que vem para somar com a capoeira, eu acho
que tudo vlido. Eu acho que nem tem muito que falar, que a capoeira um esporte, uma luta que
125
incomparvel com outras coisas que tem. E tudo que vier para somar, agregar, eu acho que bem
vindo. a minha opinio.
126
APNDICE 10: Relato do Entrevistado G.
Pesquisador: Bom, eu gostaria de comear perguntando, na sua opinio, o que significa falar sobre
capoeira contempornea hoje em dia?
Entrevistado: Bom, na minha opinio, falar sobre capoeira contempornea falar da capoeira que
est no momento, que o nome mesmo, contemporneo diz, n, da atualidade, do momento. Que
essa... eu no digo inovao, porque nada no mundo a gente... como se diz... cria. A gente s refaz
de uma maneira diferente. Renova, n. Uma renovao do prprio jeito de jogar capoeira, da maneira
como est sendo cantado. Porque, se voc olhar no passado, alguns mestres antigos cantavam de
maneira diferente. Hoje o canto diferente. um sistema mais... como se diz... contemporneo, atual
para os jovens mesmo de hoje. As palavras tambm so atuais. A vestimenta tambm da capoeira
contempornea hoje, ela que deu esse design, essa viso de organizao, um sistema mais
organizado, uniformizado, com alguns certos padres. O que eu no sei se bom ou se ruim, mas
que d uma viso muito boa perante uma instituio em que voc est, uma faculdade, uma escola.
Esse uniforme te d esse respaldo, que antigamente no era assim. E tambm da prpria roda,
embora tenha algumas coisas que a gente acha, que fica chateado: mistura de lutas no meio da
capoeira, que a gente no acredita nisso. Eu acho que a capoeira, ela completa, no precisa se
misturar com outras atividades. Mas toda evoluo tem os seus prs e os seus contras. E a capoeira
contempornea uma evoluo do que era no seu passado. E eu acredito mesmo nisso.
Se diz, que nem eu j falei pra voc antes, que alguns falam capoeira contempornea, eu j ouvi
capoeira estilizada, capoeira atual. Uns falam que s capoeira, que no precisa esse negcio de
contemporneo. Mas eu vejo sim que tem uma tendncia para a contemporaneidade, que o que a
gente est vivendo hoje mesmo. No daria para eu falar que sou da poca de Mestre Bimba. No
conheci, no vi, e nem vivi aquela roda. Ento d pra eu falar de hoje, que o contemporneo, que
eu vejo, que eu corro em volta da... desse mundo, n, em que a capoeira se encontra. Que maior
at que muitos grupos que se acham maior que a capoeira, e que no . A capoeira muito maior
que qualquer grupo. E a gente v que h uma mudana, h uma construo. Pelo menos estamos
tentando, esto tentando que a capoeira evolua muito mais do que ela j vem evoluindo, t. Eu vejo a
capoeira contempornea como mais ou menos isso que eu estou te passando hoje.
P: E quais so algumas das caractersticas, ou dos elementos que compem a capoeira

contempornea?
E: Olha, eu acho que a caracterstica do capoeirista contemporneo, na minha opinio, jogar em

qualquer tipo de toque, em qualquer tipo de roda. Por exemplo, voc um capoeira contemporneo,
voc vai numa roda de angoleiros, que o ritual todo deles, todo fechado, da maneira que eles
querem, que perfeito todo o sistema deles, voc chegar l e jogar de uma maneira legal com eles.
Como a gente sempre est falando aqui no nosso espao, tem um dilogo. Voc vai l, voc tem que
falar a lngua que est se falando naquele espao. A voc vai mostrar o teu conhecimento perante
aquela capoeira com a tua conversa, com a tua maneira de se expressar. A voc vai com um
capoeira regional, como eu j fui com o Mestre Luizinho, que um filho de Mestre Bimba, j estive
com o Mestre Ona, que ele joga daquele jeito caracterstico de Mestre Bimba, que totalmente de
p, com as posies de mos, e voc tambm conseguir jogar com eles. E sem ter aquele conscrito
de ser uma coisa agressiva. Tentar colocar um dilogo ali. E entre ns nos vrios toques que esto
surgindo. Surgindo no, que est se resgatando, n, porque j so do passado. A benguela, que
divulgada a por alguns grupos que no precisamos citar nomes, os capoeiras j sabem. Voc
conseguir jogar o so bento regional de Bimba, que da regional de Bimba, (udio ininteligvel, 4
segundos). Naquela cadncia dos contemporneos, que um pouco mais rpida, que um pouco
mais... no digo mais agressiva, mais eficiente. Entendeu? Porque ela bem explosiva, n, na
questo de movimentao. Depois, tambm fazer a parte do maculel, que uma coisa que no da
capoeira, mas incorporou. Isso a dos capoeiras contemporneos. Porque quando voc comea a
trabalhar com a capoeira, voc comea a descobrir outros fatores, n, outras ideias tambm e vai
colocando junto. Ns, aqui, tambm fazemos a puxada de rede, que eu j vi vrios contemporneos
fazerem tambm. E o pessoal do passado tambm. O samba de roda, que de primeiro alguns
capoeiras no usam. O capoeira contemporneo geralmente usa, n. Eles no descartam uma
possibilidade de fazer isso.
127
Ento, isso eu vejo que uma caracterstica do capoeirista contemporneo. Alm da musicalidade,
que totalmente diferente. Voc v o Mestre Bimba, o Mestre Pastinha cantando, uma cadncia
totalmente diferente que nem d para a gente acompanhar. um outro ritual, uma outra energia.
Voc v um pouco o Mestre Trara, Mestre Waldemar, que j so mais pra c, alguns outros mestres
antigos. Deixa eu falar aqui de So Paulo. Mestre Suassuna, n, que ele ... ele est na nossa poca,
mas o estilo dele um pouco mais pra trs da gente. um outro jeito de cantar. Voc pega o
capoeirista contemporneo, ele canta de uma maneira diferente. Ento, isso d uma diferena no
capoeirista contemporneo, que se a gente pudesse julgar no uma palavra legal de falar mas
se a gente pudesse julgar, seria mais ou menos isso que voc v que se d a caracterstica de um
contemporneo. Na minha opinio. Eu acho isso a.
P: Anteriormente o senhor falou que caractersticas de outras lutas talvez no devessem ser
incorporadas na capoeira. E ento falou que tem outras prticas que so de fora da capoeira, como o
samba de roda, e que foram incorporadas. O senhor enxerga algum outro elemento de outras reas,
de outras prticas que se inseriram na capoeira contempornea?
E: Ento, deixa eu desmembrar isso a. Est tudo junto (risos). Quando eu falo de outras lutas,
assim: eu estou vendo capoeira jiu-jitsu, entendeu, que uma coisa que no tem nada haver com a
nossa cultura. No funde. Porque a nossa cultura vem dos negros. O jiu-jitsu, a histria deles vem
dos orientais, meio, n... No tenho nada contra. Cada um faz o que quer para a sua evoluo. Mas
eu vejo, que nem, hoje o pessoal pondo alguns golpes do muay thai, que tambm no tem nada
haver com a capoeira, com os africanos, nem nada com a caracterstica africana. Entendeu? Ento,
a eu acho que fica meio... ... uma mistura que no fica muito legal. Na minha opinio. No discordo
de nada. Cada um faz o que se acha dentro do ramo do seu trabalho. Mas eu achava assim, ento
pesquisa um... que nem eu vi, o bassula, aquela luta, quinganda... quimbanda. No lembro os nomes
perfeitamente porque um linguajar que eu no domino. Mas que so primos da capoeira. E,
colocada a, eu acho que legal, porque vem da mesma origem que a capoeira. Vem do mesmo
lugar que a capoeira, no nasceu, mas que comeou a ter a raiz dela. Que o samba, que a
puxada de rede, que vem l do recncavo baiano onde comeou tambm a capoeira. Que o
maculel do Pop, que se voc v naquele vdeo a pesquisadora falando, veio de l da frica e
chegou aqui e se fundiu com...
Ento v as razes, so primas, so coirms, so do mesmo lugar. A eu acho legal, porque est
resgatando o valor do passado da gente. Por isso que eu falei que tinha que desmembrar a ideia,
entendeu. Porque uma ideia voc colocar uma... Que nem, o jud na capoeira no tem nada haver.
Sendo que a capoeira tem banda, tem rasteira, tem... que no legtimo do jud, nem da capoeira,
entendeu? At um pessoal usa a baiana da capoeira no jiu-jitsu. Mas da capoeira legtima,
entendeu? Ento, isso eu acho, assim, que legal nessa parte. Mas eu acho, assim, na minha
opinio, que no podia trazer muita coisa de fora para dentro da capoeira. Tinha que evoluir a
capoeira com o que ela tem e resgatar alguma coisa que foi perdida. Porque a capoeira muito rica.
Se a gente comear a pontuar s na parte de golpes, o Mestre Bimba colocou quantos numa
sequncia? Somando, pelo que o Mestre Deputado me d, d cento e quarenta golpes somando
todas as sequncias. Imagina! Naquela poca ele colocou isso, hoje ns, com toda tecnologia, se ns
no conseguirmos evoluir, entendeu, s com a capoeira... isso que eu falo que d pra construir.
Positivo?
P: Sim. O que significa se tornar um mestre de capoeira contempornea?
E: Olha... est ficando difcil n (risos)... Bom, eu vou falar, assim, por mim. Eu, assim, ainda... Eu
peguei corda de mestre num sistema que no contemporneo. Eu peguei na capoeira que era um
grupo do meu mestre, da capoeira angolinha, que no contemporneo. A, como eu era muito novo,
eu deixei de... sempre falei, eu no quero ser mestre, eu quero ser ainda professor, alguma coisa,
porque eu quero correr roda, no quero ter aquela postura de mestre, entendeu? Porque, quando
voc est novo, voc quer se provar, voc quer sair na porrada. Ou seja, voc quer se aventurar.
Ento, eu fiquei um tempo, num espao de uns quinze anos s falando que eu era professor. E da eu
fui conhecer vrios grupos e andar pelo mundo, sendo que meu grupo era bem fechado. E, hoje em
dia, que eu estou um pouco mais velho, n, que eu vejo que a postura do mestre j ... porque o seu
corpo tambm pede outra postura, e sua cabea tambm j pensa porque voc j teve um monte de
coisa que voc fez no passado. Ento, pra voc pensar como mestre, tanto, eu acho, da
contempornea ou de qualquer coisa, voc tem que ter um conhecimento, em primeiro lugar. Depois,
voc tem que ter uma postura e continuar o seu trabalho. E a, quem est de fora que vai te
128
reconhecer como mestre, no voc mesmo, entendeu. Eu acho que o meio que te reconhece. Voc
pode receber a sua graduao de mestre a qualquer hora, mas o meio capoeirstico que vai te falar
assim, olha, voc tem todas as caractersticas de um mestre. Olha, voc tem a coordenao, voc
consegue coordenar um trabalho, voc tem alunos, voc tem professores, voc consegue administrar
uma roda, voc tem uma viso da capoeira, voc defende a capoeira como ela , de qualquer um.
Que nem, aqui a gente defende a capoeira, entendeu?
Ento, a que voc comea a se tornar um mestre. E voc ser um mestre, voc ter essa viso.
Tanto de qualquer rea, eu acho. a que voc se torna um mestre de capoeira. Que isso no ,
tambm, porque o cara tem tantos anos de capoeira. Isso pode ser atingido por pessoa mais nova ou
por pessoa mais velha at, entendeu? No determina de cada um. Cada um nico e ele vai ter seu
tempo para se tornar, e a ele achar que mestre. Agora, eu tenho o meu princpio assim, o mestre
de capoeira... o meu princpio, prprio! Eu acho assim, o mestre de capoeira, ele tem que respeitar a
capoeira, os seus alunos, muito importante. Tem que fazer um trabalho em prol da capoeira, que a
gente j faz desde quando voc se forma professor, em prol da capoeira. E defender a capoeira de
corpo e alma. Porque a capoeira, se voc mestre de capoeira, que nem eu estou com trinta anos de
capoeira, se voc no gostou da capoeira, no da pra frente que voc vai gostar, n. No
verdade?
que nem a gente estava falando, meu pai e minha me brigaram por eu ser capoeirista. Hoje minha
me, at hoje, fala, voc ainda est na capoeira?, e eu falo, estou, vou sempre estar na capoeira.
Ento, isso ser mestre de capoeira, independente de voc estar com um a casa cheia de aluno ou
voc estar com um aluno. Voc ter uma multido do seu lado, ou voc ser sozinho. Se voc defende
a capoeira e voc prega que capoeira isso, se voc sabe tocar uma aula, sabe dar as suas
atividades, isso que ser mestre. Entendeu? Na minha opinio.
P: Do aprendiz at ele se tornar um mestre, quais que o senhor considera que so as etapas pelas
quais ele tem que passar para se tornar um mestre de capoeira contempornea?
E: Ah, legal. Bom, o iniciante tem aquele processo: ele chega na academia e primeiro ele no sabe
nem o que que . Ento ele vai ter o primeiro contato com os golpes, com a roda de capoeira. A ele
vai aprendendo, e essa a etapa at chegar a graduao de graduado, ou estagirio. Sempre a
capoeira tem um lugar onde ela muda. De aluno, ele passa a alguma coisa que ele no mais um
aluno simples. Ento, esse perodo o perodo do aprendizado mesmo. A ele vai ver se ele gosta
mesmo de capoeira ou no, porque ele vai ter toda a dificuldade. o professor que pega no p, a
que ele vai aprender as coisas difceis, isso, aquilo, e ele vai ficando. Geralmente, que nem no
meu sistema aqui, at a segunda corda um monte. Depois vai raleando, raleando, e fica, l quando
vai chegar a graduado, um, dois daquela turma. s vezes no chega nenhum.
Bom, passou essa etapa, que eu acho que de aprendizado, assim, que um aprendizado mais
bruto, mais grosseiro, que no aquele aprendizado refinado, a ele passa, aqui no meu sistema,
para graduado. O que que ele vai aprender? Ele vai comear a aprender a como dar aula, pra que
que serve cada movimento, qual a leitura de um jogo de capoeira, que eu te falei no comeo, que a
gente prega a dialogia como um dilogo da capoeira. Que isso a tambm no precisa ser expert.
Quando voc olha numa roda de capoeira voc fala quando voc tem uma viso de capoeira j de
algum tempo voc fala, p, esse jogo desse cara foi bom. A voc v um jogo e fala, p, nada
haver esse jogo desses dois a cara, isso a no nada. E como que se d isso a? o
conhecimento que voc adquiriu l de aluno at voc chegar na graduao. E se voc tem um mestre
te orientando, voc j comea a ter essa viso.
Isso a vai de um perodo, acho que assim, de graduado at aqui no meu sistema at monitor,
porque depois de l o cara professor. Ento ele vai aprender mais ou menos isso. Como se
comportar numa roda, se testar. Vai procurar novos horizontes, que despregar um pouco do mestre,
comear a andar sozinho porque ele j tem um pouco de liberdade , no ficar muito na aba do
mestre. Sendo que o aluno j no tem muito essa liberdade. Ele sempre est com o mestre, ou com
algum outro graduado, cuidando pra no fazer besteira. Ento ele vai comeando a se tornar um
capoeirista ele prprio, no porque algum vai estar, olha, tem que fazer isso, tem que.... Entendeu?
No que um mestre no necessrio, no isso eu estou passando. Ele vai ter que ter nveis que
ele vai se desenvolver, entendeu? Por si e pelos treinamentos que o mestre vai dar. Porque, da, ele
vai conseguir aperfeioar um instrumento, uma cantiga, uma ladainha que tiver, um toque de
berimbau mais apurado. Que so uma outra parte.
129
A ele chega, no nosso sistema, ao estgio de professor. No estgio de professor, ele j tem que
saber isso a. J no vai ser uma novidade. No que que ele vai se aperfeioar? A em dar aula.
Como vai ser o mtodo de dar aula? O que que ele vai usar pra dar aula? Quais so os... a grade
de aula dele? Tipo, olha, este ano, o que que eu vou querer que meus alunos atinjam?. Ele vai ter
que ter um... como se fala... um esquema de aula. Na cabea eu no sei se esse o nome. Mas uma
grade, um padro de aula a ser seguido e que ele vai ter que ter... j ter essa viso porque, desde
aluno, ele j foi conseguindo essa... A, esse negcio de professor, isso demora um tempo para a
pessoa sair. Porque, quando ele se torna um professor, por exemplo, um professor meu, ele meu
professor, mas da capoeira ele no professor ainda. Porque o meio capoeirstico que vai ter que
ver ele como professor, vai ter que acreditar, tipo, ele um professor mesmo. E a ele vai se tornar
um professor perante o meio capoeirstico. Porque a capoeira no s eu. Ela o meio onde voc
vive. Ento, essa fase de professor, eu acho que uma fase mais cruel que tem, porque o mestre
pode achar ele um puta professor, mas se o meio capoeirstico no aceitar, ele no vai ser professor
nunca. Porque a capoeira que faz o professor, no ele. Eu s posso te dar a graduao, mas
quem vai te tornar um mestre, ou quem vai te tornar um professor, no caso, ele. Porque ele vai ter
que provar, vai ter que fazer esse trabalho, vai ter que convidar outros mestres, vai ter que ir nos
outros trabalhos, vai ter que fazer aquele intercmbio de batizados, que voc sabe. E vai, se mostra a
cara, e da esse cara, eu vim no seu . E da que ele est se tornando professor. Ele recebeu a
graduao, mas ele que tem que dar seguimento pra ser um professor no meio capoeirstico.
E a, a gente tem a parte de mestrando, que antigamente era contramestre, que eu no sou nem a
favor nem contra das duas falar. Pra mim, as duas servem do mesmo jeito. Contramestre e
mestrando, pra mim, a mesma viso. No tem diferena. Antigamente, se falava contramestre
porque o cara ajudava o mestre, ento ficava sempre sendo meio que um contra, n, pelo que me
falaram. E mestrando quando voc est querendo passar a ser mestre. E que isso tambm faz
parte, que nem o professor. o meio capoeirstico que te fala assim, olha, voc est que nem
mestrando, um mestrando. Voc j comea a receber este ttulo. E o mestre s faz a parte dele, que
da ele tem falar, no, est na hora de voc passar a mestrando. E da, voc se torna mestrando.
De mestre, o mesmo padro. Que nem, eu recebi do meu mestre a corda de mestre de primeiro
grau, porque na antiga tinha mestre de primeiro, segundo e terceiro, vrios graus, n. Eu recebi a
primeira que nem era corda branca no. Era corda verde com ponta branca na poca. Cordo, ainda
no era corda, era cordo enroladinho. Ento, a, essa situao de mestre como eu no tenho
nenhum mestre, eu s sei por mim eu acho que a pessoa tem que gostar da capoeira, como eu
falei, tem que defender a capoeira, e tem que passar pelas dificuldades que a capoeira vai te impor.
Porque eu j passei fome na capoeira. Eu j dei aulas e vivi s de capoeira e j tive que voltar a
trabalhar. Um monte de coisa ento da capoeira. Ento, ela j me testou de vrias maneiras. E ainda
testa. Eu j quebrei o p, j quebrei o brao, porque ela faz de tudo para me testar. E a, j no
depende mais de mim. Depende do meio capoeirstico. E isso vai muito tempo. Porque, at o meio te
achar mestre de capoeira, te chamar de mestre, demorado. No cinco anos, no dez anos.
uma vida toda. Entendeu? que nem eu estava falando, eu estou com trinta anos. pouco tempo,
mas a turma j estava falando, nossa, j pega corda de novo que j no est mais combinando voc
como contramestre, como professor. No combina, voc est com mais de quarenta anos, todo
mundo te conhece., entendeu? Da eu falei, , realmente, eu vou assumir a minha corda mesmo. A
eu juntei os meus amigos e falei, no estou trocando, s estou pondo de volta porque o meu mestre
deu, pra ele tambm no ficar chateado. A todo mundo j, oh, mais que tinha tempo, porque no
tinha nem cabimento. Ento, ficou uma coisa...
Ento, pra mim, eu no sei ainda como que formar um mestre porque eu no tenho nenhum no
meio do trabalho. S tenho at professora, que a minha professora, e tenho um professor que eu
formei ele l no Paran, que ele desligou de mim no ano passado. (trecho ininteligvel por dois
segundo), j virou contramestre. No quis esperar o tempo. Mas da, cada um segue o seu caminho,
n. A gente s orienta. Quem tem que seguir o caminho a pessoa mesmo. Que nem um dia eu sa
do meu mestre, todo mundo tem o direito de sair.
P: O senhor considera que a capoeira contempornea pode ser dita um estilo, ou escola, como a
capoeira angola e a regional?
E: No! No considero. Porque, quando voc fala de um estilo, vamos supor o angola, que , eu
acho, que o mais fechado e o mais forte, ele tem toda uma caracterstica idntica do seu mestre que
fundou aquela escola. Idntica, no mudou uma vrgula. Inclusive como postura de berimbau, toques.
130
E da regional, o pouco que eu conversei com os mestres que so discpulos de Mestre Bimba mesmo
que ainda esto vivos, mais ou menos a mesma coisa, s que do jeito que o Mestre Bimba fazia no
passo. Ento, isso um estilo.
A capoeira contempornea no. Voc vai em... voc pe vinte lugares, eles so diferentes. Talvez os
toques so os mesmos, mas cada um monta sua bateria de um jeito, cada um faz seu ritual de um
jeito, cada um tem uma postura perante aquela situao de uma maneira. E isso capoeira
contempornea. Ela no uma... como voc falou mesmo? No um grupo... uma escola. No ! Ela
um movimento transformador. diferente. Um movimento, ele se transforma. Eu acho que ela pode
ser julgada mais como isso. o movimento transformador da capoeira, no uma coisa fixa. E isso eu
acredito muito na... Que nem, na capoeira regional de Mestre Bimba sim. Na capoeira angola de
Pastinha, de Waldemar, n. No, ... os parentes do Joo Pequeno, n. A uma escola mesmo.
Porque, onde que eles ensinaram, voc pode ir no mundo inteiro que voc vai ver que idntico. A
bateria, postura, jeito de cantar, exatamente... jeito de jogar. Entendeu?
Agora, a contempornea no. Ela um movimento, na minha viso, um movimento transformador.

Um movimento que transforma. Ela pode ser transformada aqui de uma maneira, e do outro lado da
cidade ela ser transformada de outro jeito. E, se voc for l na Bahia e tiver um contemporneo l,
que os mestres l mais enraizado, ele vai ter o jeito dele, mas no vai deixar de ser contemporneo,
ou estilizado, ou qualquer outra forma de falar que seja. Que nem, eu tenho uma ligao legal l no
Acre com um cara que se filhou comigo, mas ele mestrando, mas ele j mais velho que eu de
capoeira. Mais velho de idade e de capoeira. E ele se filhou comigo, j faz um tempo, e l capoeira
contempornea. Voc vai l, igual a o que voc v mesmo aqui. A movimentao, o jogo, a bateria,
cada um de um jeito. Tem capoeira l do Cordo de Ouro, que joga l, tem. Tem a angola, tem.
Mas o pessoal que contemporneo, voc v que transformador. No idntico ao meu, mas tem
as caractersticas, entendeu? O jeito. Cada um pe a bateria de um jeito, mas no uma escola
fundida como a angola e a regional. isso a?
P: Eu acho que isso a.
E: Eu acho deu pra responder pelo menos um pouco do que voc perguntou. Uma coisa que eu
no sou o dono da verdade. Ponho s o meu ponto de vista, que o que voc me pediu. Ento,
espero que seu trabalho seja melhor que tudo.
P: Tem alguma outra coisa que o senhor gostaria de acrescentar para caracterizar a capoeira
contempornea?
E: S vou aproveitar para divulgar o nosso trabalho, que com a dialogia da capoeira, e que pouco
falado, mas a gente est tentando divulgar isso legal, que a maneira de ver o jogo da capoeira
como um dilogo de corpo. No como o pessoal v, como uma luta de combate, como uma dana.
um dilogo, uma maneira de voc conversar dentro da roda e que pode ser agressivo, ou pode ser
corts. No tem discriminao. E tambm no tem um padro. Voc pode conversar de um jeito, e o
cara te responder de outro, sendo que sai um jogo. Entendeu? A gente pensa assim.
P: Perfeito. Obrigado Mestre.

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APNDICE 11: Relato do Entrevistado H.
Pesquisador: Eu gostaria de comear perguntando, o que o senhor entende por capoeira

contempornea? O que significa, na sua opinio, falar de capoeira contempornea?
Entrevistado: Arte, vida, momento, situao. A capoeira contempornea, para mim hoje, ela uma
fuso de todas as capoeiras e artes marciais envolvidas. Na capoeira contempornea, sendo bem
claro, a arte do momento, aquilo que voc acha, aquilo que voc pode, aquilo que a capacidade
que voc tem para fazer. Ela no tem a obrigatoriedade de fazer aquilo que outros querem, mas sim
aquilo que voc tem a fazer. Voc pode usar a ginga, voc pode usar a expresso, voc pode usar o
balano, voc pode usar a sua vida como arte. E a capoeira contempornea nada mais que uma
filosofia de vida para alguns.
So duas capoeiras distintas: a capoeira angola e a capoeira regional. Dentro da capoeira angola,
so trs fuses: capoeira jogo de dentro, jogo de fora, t, e aonde as pessoas no tem o
conhecimento da arte livre. E h algumas limitaes porque alguns pem limitaes. A capoeira, ela
no tem limitao. Primeiro ela nasceu da nsia de liberdade, da vontade de ser livre. Ento, precisa-
se entender que a capoeira nada mais do que uma arte de vida. O sofrimento do escravo, do negro,
branco, ndio, mulato. E na realidade uma fuso de liberdade. Isso a capoeira contempornea.
P: E o senhor pode dar uma detalhada sobre quais so os elementos que compem a capoeira
contempornea?
E: Ginga, chute, soco, bales, finalizaes, pontaps. A capoeira contempornea como a capoeira
tradicional. A regional, sequncia de movimentos de Bimba. A capoeira de Pastinha, movimentos
lentos, rpidos, moderados. A capoeira, ela no tem o que falar, tem o atleta em si. Cada atleta tem o
seu bitipo, e ao todo, com o seu bitipo, ele desenvolve o seu movimento. T?
O que a capoeira contempornea? Ela tanto pode ser jogada embaixo, como ela pode ser jogada
no meio fio, como ela pode ser jogada no alto. O importante na capoeira contempornea mais uma
vez ressaltando a liberdade que voc tem. Voc pode voar, voc pode rastejar, assim como voc
pode tambm andar. Isso a capoeira contempornea. A diferena da capoeira contempornea para
a outra capoeira, no meu entender, que a gente, quando faz um ataque, no como na regional,
que voc usa a perna de trs. A perna de trs da um avano pra frente para que o chute saia com a
perna da frente. Essa a diferena, t. Nas capoeiras tradicionais, a perna de trs que faz os
movimentos, e na capoeira contempornea, no meu ver, uma aproximao ao seu adversrio.
P: E o senhor disse que ela trs elementos de outros esportes. O senhor pode falar sobre alguns
elementos de fora da capoeira que foram incorporados na capoeira contempornea?
E: Ela incorporou do boxe, que a gente usa o soco, n, diversos socos, jab, direto. Cotovelada do
muay-thai. Movimentos de queda do jud. As imobilizaes do jiu-jitsu, t, que so as finalizaes.
Porque ela te da essa liberdade. Nas outras no pode. Ento, voc pode agarrar o seu adversrio e
imobilizar ele, tendo conhecimento do que a imobilizao, para que no tenha uma leso e no
venha a agredir o seu adversrio. Isso quando dois atletas do mesmo estilo, da mesma prtica, para
que no haja divergncia l fora.
P: E quanto a ser mestre? O que significa, hoje, se tornar um mestre de capoeira contempornea?
E: Olha, eu no vou falar da capoeira contempornea. Eu vou falar de ser mestre. Est complicado
ser mestre. Hoje, eu tenho vergonha, muitas das vezes, de ser mestre. Porque existe graduao de
mestre e existe graduao de gro mestre, no qual eu sou formado. Antigamente, o mestre, quando
chegava, tinha todo o respeito e amparo. Hoje, o mestre, quando chega, ele isolado. Primeiro pela
idade, porque a capoeira, hoje, voltou-se a o que? Atividade fsica voltada para a sua juventude. Um
velho, hoje, no visto como um capoeira. Ele visto como um atraso na capoeira. E eles esquecem
que a filosofia de vida, quem criou fomos ns. Ns buscamos todos os recursos e demos condies
para que a juventude chegasse ao nvel que est hoje. A capoeira que eu conhecia nos meus anos
no essa capoeira de hoje, t. Hoje, ela tem mais floreio que antigamente. Hoje, o jovem faz mais
exibicionismo do que em si a capoeira, t. Ele usa a ginstica olmpica, a ginstica rtmica, e ele
coloca dentro da capoeira, e hoje, a facilidade de um jovem para um velho totalmente diferente.
132
Hoje, a facilidade que um jovem tem pela internet, pelos conhecimentos, muitas vezes ele se esquece
que o velho uma enciclopdia, e que o novo o aprendizado.
Ento, ser mestre, hoje, gostoso quando voc encontra outros mestres da sua origem, no esses
mestres que esto chegando agora. Porque, quando o cara chega, ele chega com uma filosofia, e
quem j est j tem vrias filosofias. Ns temos histria. Uma sequncia de histrias. Essa juventude
hoje tem dinheiro. Essa a diferena. Tem informaes. E ns tnhamos aprendizado.
Ento, ser mestre hoje muito fcil. Ser mestre antigo difcil. Ser conceituado, ser respeitado, ter
uma comunidade que te veja e te valorize. Queria que todo mundo entendesse que ser mestre no
cordo, no diploma. o tempo. No precisa bater, no precisa apanhar, no precisa pular, no
precisa jogar. Mas, tem que ter uma doutrina de filosofia. De vrias. O que filosofia? Filosofia
cultura. O que que cultura? Cada um tem o seu hbito. Tem sua maneira de cultuar os seus
preceitos e seus conceitos. E ns precisamos entender isso. No desrespeitar o valor daquele ou
daquele outro, mas sim, agregar entre ns os valores. E transmitir eles. Ser um mestre transmisso.
P: E, at o aprendiz se tornar mestre, quais so as etapas pelas quais ele tem que passar para se
tornar um mestre de capoeira contempornea?
E: Na minha colocao de vida, primeiro ele tem que aprender a respeitar. Valorizar. Se ele conseguir
esses dois princpios ele um bom aprendiz. Depois ele vai passar a entender o que . Fazer os
movimentos qualquer um faz. Compreender os movimentos que difcil. A letra mata e o esprito
unifica, n. Ento, a prpria palavra de Deus diz que o homem tem todo o arbtrio livre para se fazer.
Mas, ns sabemos que tem as regras, tanto na terra como no cu. E a capoeira tambm tem isso, t.
Tem movimentos, hoje, que qualquer um faz. No nosso tempo, tinha que esperar o tempo chegar
para fazer. Hoje, voc no consegue mais pegar um garoto e ensinar pra ele a sequncia inicial,
intermediria, avanada, t, para chegar no super avanado para que ele entendesse que uma queda
traumtica, que um chute que pode ser tambm traumtico, que uma desistncia de um movimento
no significa perder uma luta, mas se aprimorar do que precisa para depois. Hoje, a eloquncia est
muito fcil, n. Voltando a dizer, o jovem, hoje, ele tem facilidade de fazer coisas que ele no fazia
antes. Seu bitipo est mais evoludo. Devido a o que? s alimentaes que tem hoje. No meu
tempo, pra comer um pozinho era difcil. Hoje, um pozinho s o menino no quer. Ento, o
raquitismo que tinha antes j no tem mais hoje. Entendeu? Ento, hoje, o garoto tem uma facilidade
muito mais forte de aprendizagem. No meu tempo no tinha.
Ento, ser capoeira, hoje, muito fcil, e os que esto a esto esquecendo de ser capoeira.
Capoeira no d dinheiro pra quem capoeirista. Mas da satisfao, prazer. No meu tempo de
capoeira, ns tnhamos que brigar pra ser valente. Hoje, o cara tem que pular. Como mudou o
conceito.
Mas, pra ele ser um mestre hoje, em primeiro lugar ele tem que esperar o tempo. No com dez nem
vinte anos no. a partir de uns trinta anos pra ele conseguir ser mestre. E muitos esto pegando
cordo de mestre muito fcil.
P: O senhor citou que na sua poca tinha que saber brigar e que hoje em dia tem que saber saltar
para ser reconhecido na capoeira. O senhor considera que esse foco acrobtico caracterstica da
prpria capoeira contempornea, ou j existia nas tradicionais?
E: Cara, vou contar um trecho de um mestre chamado Mestre Pastinha, que um grande mestre.
Mestre Pastinha, no longo da sua idade, j cego, quando a pessoa chegava perto dele, no vulto, ele
chutava. E ento ele pulava, t. Se ns vermos que tudo vem dos animais, como diz a capoeira
segundo a sua origem, aquilo que os animais faziam e que a gente ia aprendendo, segundo a
tradio dos meus mestres, eu acho que a capoeira sempre teve isso, n. Alguns no tinham
capacidade, ento limitavam a capoeira. Mas quem tinha a capacidade de pular sempre pulou. A
capoeira nunca teve... O que ns vemos hoje apenas um abreviamento a mais do que tinha antes.
Mas sempre teve tudo isso. Alguns conseguiam, outros no. Porque, como vou dizer pra voc, alguns
tinham liberdade e o prazer de treinar um pouco mais. E outros, infelizmente, queriam saber do
dinheiro. Ento, a capoeira ficou, um tempo, voltada s ao dinheiro. Hoje, ns vemos que a capoeira
no mais voltada ao dinheiro. a satisfao de alguns, porque so poucos que praticam a
capoeira, hoje, no Brasil.
133
P: O senhor considera que a capoeira contempornea se adiciona angola e regional como um

terceiro estilo?
E: Olha, capoeira contempornea, eu acho pra mim, que a fuso das duas. Pra voc fazer uma
capoeira contempornea, primeiro voc tem que conhecer a capoeira angola e a capoeira regional. E
entender que na capoeira regional so dois estilos. Na capoeira contempornea so trs estilos. E na
capoeira regional tambm so dois estilos: so bento rpido jogo de Bimba, e so bento lento,
tambm jogo de Bimba. E na angola, voc tem o jogo de dentro, que rasteiro, e o jogo de fora, que
o jogo alto, que a capoeira. E a capoeira contempornea, ela vem fazer o que? Essas trs fuses.
No as quatro, as trs. Ela pode jogar em baixo, no meio e em cima. Eu acho que um estilo
livre. Volto a dizer, no um estilo de capoeira. a capoeira. Porque a capoeira no tem estilo. A
capoeira no tem estilo. As pessoas que criaram estilo. Porque Mestre Bimba vem da angola. Bimba
foi originalmente treinado para a angola e ele desenvolveu um mtodo voltado arte marcial, que
tambm capoeira contempornea. Porque, quando ele falou capoeira regional ele queria deixar que
era s na sua regio. Mas ela foi to boa e to eficiente que extravasou. Por que? Porque ele trouxe
a capoeira de angola para a regional. O que que regional? Ele colocou o nome da sua regio. Mas
ele extravasou com golpes de outros estilos de artes marciais. Segundo ele, com seu estilo do seu
prprio pai, que o batuque. Porque ningum fala do batuque. Que uma arte predominante, que
ela que acabava com as festas, no era a capoeira angola ou regional, mas sim o batuque. Que no
tinha o nome de capoeira, e tinha o nome de batuque. E tambm do samba, vem do candombl, vem
de vrias origens. No tem definio. A capoeira contempornea, um batuque, uma regional,
uma angola? Depende do toque do instrumento? No! Depende do atleta que a pratica. T?
Mas igual nas artes marciais, tem regra. Se eu chegar numa roda de capoeira regional e eu for
jogar angola, qual a diferena? Porque angola no devagar, e muita gente classifica ela de
devagar. A regional no rpida, e muita gente classifica ela como rpida. a maneira como
expressa no corpo, que eu coloco meus movimentos. Porque eu posso ser rpido e colocar meu
movimento leve, lento. Ou eu ser lento e colocar meu movimento rpido. Depende do que? Da minha
ndole. Isso capoeira. As pessoas classificam pela falta de conhecimento. Quando falo
contempornea, meu estilo, porque eu tenho liberdade de fazer o que eu quero. Se eu achar que eu
devo dar uma queda no meu oponente, eu vou dar. Se eu achar que eu quero finalizar ele, eu posso.
E se eu classificar a capoeira regional, eu no posso. E se eu classificar a capoeira angola, eu no
posso. Veja bem, entenda bem, eu vou colocar um parmetro nisso. Isso mentira. Porque na
capoeira angola a gente v muito tombo. E na capoeira regional tambm. Qual a diferena das
trs? Nenhuma. o jeito do ser humano agir. S ele pode definir o que ele quer fazer. E quando eu
falo que a minha capoeira contempornea, porque eu no venho da linhagem de Pastinha? Eu
venho. porque eu no venho da linhagem de Bimba? Eu venho. Porque, se eles tiveram a
capacidade de formar, eu simplesmente sou um seguidor. A partir do momento que eu tenho
conhecimento do que capoeira angola nas duas verses, e o que capoeira regional tambm nas
duas verses. Seno, eu no pode fazer uma terceira capoeira, porque no existe terceira capoeira.
Existe a capoeira. Existe o momento da capoeira. Pessoas confundem muito a capoeira.
Esto querendo criar um novo estilo. No existe um novo estilo. Capoeira contempornea liberdade,
a arte do momento. aquilo que voc pode fazer naquele momento e aquilo que voc deve fazer
naquele momento. Primeiro, a capoeira vem da liberdade. O cara quer me pegar, eu tenho que fazer
o que? Me safar dele, no isso? Se eu quero pegar ele, o que eu tenho que fazer? Dominar ele,
no isso? E tudo no vem da submisso e do domnio? A capoeira no voltada nisso?
P: O senhor falou que se inclui tambm no jogo da capoeira contempornea tcnicas de quedas, de
submisso, que so caractersticas do jud, do jiu-jitsu e de outras artes marciais. Como se d a
correlao destas tcnicas com as caractersticas de ritmo e musicalidade da capoeira? Como ocorre
esta correlao?
E: Da mesma maneira que ocorre a sua liberdade. No ritmo lento, voc no pode. Em so bento
grande voc pode. Em so bento pequeno voc pode. Regional, popularmente, voc pode. Ina, voc
pode. As quedas ocorrem de acordo com o seguinte, olha, voc est com seu adversrio, est com
seu atleta. Voc entra num golpe desequilibrante, voc entra num golpe traumtico, a queda
acontece naturalmente, desde que voc treine para aquilo. O teu objetivo na capoeira treino, o que
muita gente est se esquecendo. Muita gente treina pulos. E o treino dentro da capoeira, ele
fundamental como em qualquer arte marcial. Se voc tiver o conhecimento de como derrubar o seu
adversrio, voc vai ter a oportunidade de derrubar ele. No existe um ritmo proporcional.
134
Voltando, na angola no legal fazer isso, t. Na regional tambm no legal. A partir do momento
que voc no venha a sofrer dano. Como que um dano na capoeira? quando o cara te tira,
como diz popularmente. quando o cara quer te humilhar. Ento voc tem que se safar. De que
forma, de que jeito? Naquilo que voc tem conhecimento. Se voc no sabe dar um balo, ou uma
queda, como que voc vai aplicar essa queda? Voc no vai. Se voc no tem como fazer um
movimento de giro para as costas, ou um movimento de giro para as pernas, um double leg ou um
leg, voc no vai. por isso que as artes marciais influenciam. Um jud influencia. Um jiu-jitsu
influencia. Uma greco-romana influencia. Mas tudo isso, hoje ns temos profissionais dentro da
capoeira que fazem outras artes marciais. Mestre Bimba foi um exmio pra falar nisso. Treinou,
desafiou, saiu correndo a buscando o seu conhecimento.
Ento, nada mais a capoeira... Veja bem, muitos capoeiristas, no aceitam. Eu no acho tambm
que no legal voc pegar uma pessoa e fazer com que ela seja submissa a voc, n. Mas, se voc
pega um cara que quer fazer voc submisso e voc consegue dobr-lo, eu acho natural. Eu acho
legal que a capoeira tenha essa isonomia, que possa fazer esses movimentos, t. Que os mestres
treinem isso. Porque, se voc no souber derrubar, voc no sabe cair, t. Mas no qualquer lugar
ou qualquer hora. As pessoas se enganam muito. Muitos puxam peso e tomam bomba pra subtrais o
seu adversrio, subjugar. No isso que legal. O legal na roda de capoeira esse o conceito de
um mestre, de um professor que ele saiba a hora de fazer tudo isso para que a sociedade no
discrimine a arte da capoeira. Seno, se ele acha que sabe tudo isso, e continua fazendo tudo isso, a
sociedade elimina ele do estilo da capoeira.
Ento, a arte marcial que uma capoeira, ela voltada no exibicionismo e na luta. A luta pra salvar a
pele. E o exibicionismo pra mostrar a beleza. So duas coisas distintas e a gente tem que ter este
conhecimento e empregar ele. Ensinar pros nossos alunos a hora dele atacar, a hora dele recuar e a
hora tambm dele se conter. Isso a capoeira. Capoeira lio de vida, como outras artes marciais.
Eu sou praticante de outras artes marciais e sou mestre de outras artes marciais, e respeito cada arte
no seu lugar. O que eu falo? Quando eu jogo capoeira angola, eu jogo angola. Quando eu jogo
capoeira regional, eu jogo regional. E quando me do a liberdade de jogar meu estilo, eu jogo a
minha contempornea. A a gente tem que demonstrar tudo aquilo que ela funciona. Mas, no com
qualquer um. Porque, voc pega um cara que no sabe cair, voc d uma queda ali, voc vai lesion-
lo. Ento, voc tem que encontrar as pessoas necessrias a isso. Essa a diferena entre um
capoeirista que treina dentro de uma academia para um capoeira que joga capoeira de rua. Ele s
sabe aquilo. Ele focado em fazer meia dzia de golpes e um bom capoeirista. E dentro de uma
academia voc aprende vrias coisas, vrios jeitos, vrias maneiras. Para isso as academias
surgiram. como na faculdade. Uma academia tambm um campo de viso.
P: O senhor tem algo mais que gostaria de acrescentar compreenso que se entende por capoeira
contempornea?
E: Sim! Treine muito, aprenda muito, e respeite o valor de cada ser humano e as limitaes dos seus
companheiros. Porque, muitas das vezes as pessoas querem que o outro seja ele, e no . Ento, no
Brasil, bem claro dizendo, a miscigenao brasileira muito forte. Ento, ns temos vrios bitipos e
vrias maneiras de se entregar capoeira. Mas, o importante na capoeira que as pessoas deem
valor capoeira, e no ao capoeirista. Porque, s vezes, muitos mestre se julgam ser melhor que os
outros, e no existe isso. Existe o momento, existe o prazer, a satisfao. Por mais que um mestre
no tenha a capacidade que o outro tem, mas se ele tiver o tempo necessrio, o reconhecimento
necessrio, ele considerado mestre. Jamais pode ser suspeito nisso. No pelo dinheiro, no pela
cor, mas pela satisfao e o tempo que ele tem, e o sofrimento. Porque, essa arte sofrida,
discriminada, mal vista e, muitas vezes, mal at interpretada. E a capoeira contempornea vem pra
dizer o que? Que ns podemos, que ns devemos. Eu gostaria que muitos lutadores das artes
marciais que praticam capoeira no tivesse vergonha de dizer que comeou na capoeira. Porque,
muitos se envergonham da sua origem. Eu no. Eu dou aula de outros estilos, de jiu, de thai, mas
no deixo a minha capoeira. Infelizmente, ns no temos tantos alunos quanto gostaria, mas o pouco
que a gente tem satisfao.
P: Perfeito mestre. Muito obrigado pela entrevista.

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PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS DA MOTRICIDADE

FRANZ ERIC DE GOES CRESSONI

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Dissertao apresentada ao Instituto de Biocincias

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Profo Dr. Alexandre Janotta Drigo

Rio Claro, 11 de outubro de 2013

Gostaria de agradecer primeiramente aqueles cuja presena foi a mais

Agradeo colaborao indispensvel dos membros da banca examinadora,

Agradecimento necessrio se faz minha famlia. Ao meu pai, o cientista,

Especial agradecimento quela pessoa que finalmente me puxou adiante e

O presente estudo objetivou analisar a capoeira na atualidade no que diz respeito s

Palavras chave: Capoeira, Contemporneidade, Tradio, Escola de Ofcio.

Keywords: Capoeira, Contemporaneity, Tradition, Apprenticeship System.

QUADRO 1: Referente aos movimentos corporais ...................................................19

QUADRO 2. Referente s caractersticas mais relevantes no jogo ..........................20

QUADRO 3. Referente aos toques de berimbau ......................................................20

QUADRO 4: Citaes dos entrevistados por categoria de relevncia ......................44

QUADRO 5: Categoria Capoeira Contempornea.....................................................46

QUADRO 6: Categoria Grupos e Mestres de Capoeira ............................................49

QUADRO 7: Categoria Artefatos e Rituais na Capoeira............................................51

QUADRO 8: Categoria Apropriao cultural..............................................................53

QUADRO 9: Categoria Identidade: Caractersticas e Elementos..............................58

QUADRO 10: Categoria Praticantes..........................................................................60

QUADRO 11: Categoria Formao............................................................................63

APNDICE 1 Termo de consentimento livre esclarecido .......................................99

APNDICE 2 Questes da entrevista semi-estruturada ......................................101

APNDICE 3 Comit de tica ..............................................................................102

APNDICE 4 Relato do Entrevistado A................................................................103

APNDICE 5 Relato do Entrevistado B................................................................106

APNDICE 6 Relato do Entrevistado C................................................................109

APNDICE 7 Relato do Entrevistado D................................................................111

APNDICE 8 Relato do Entrevistado E................................................................117

APNDICE 9 Relato do Entrevistado F.................................................................122

APNDICE 10 Relato do Entrevistado G..............................................................126

APNDICE 11 Relato do Entrevistado H..............................................................131

9.1. A capoeira contempornea por seus agentes sociais. .................................... 66

Nesta dissertao pretendi apresentar uma anlise da capoeira na sociedade

A concepo do trabalho surge a partir da minha prpria experincia, o

Mudando-me de l, passei a ter contato e treinar com diferentes grupos, vindo

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