Transtornos Da Personalidade PDF
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Captulo 9
Transtornos da personalidade
Personality disorders
RESUMO
Os Transtornos da personalidade so padres psicolgicos de difcil diagnstico que exigem uma avali-
ao criteriosa por parte do profissional da sade mental. A relao mdico-paciente tambm se confi-
gura como fator de extrema importncia para o manejo destes quadros. Dentro deste contexto,
imprescindvel orientar os alunos das reas de graduao em sade sobre a existncia de tal categoria
de transtornos. O presente artigo consiste em uma reviso descritiva, que busca elucidar a definio de
transtornos da personalidade; alm de discorrer sobre aspectos histricos, nosolgicos e epidemiolgi-
cos. Nesta publicao ainda sero revisadas as particularidades referentes ao diagnstico, as comorbi-
dades, ao curso e tratamento destes transtornos. O enfoque maior ser no manejo de indivduos com
transtorno da personalidade borderline, dada a maior procura destes por unidades de atendimento
psiquitrico.
ABSTRACT
Personality disorders are psychological patterns of difficult diagnosis that require careful evaluations
from mental health professionals. The physician-patient relationship is a crucial condition for the man-
agement of these disorders. On this view it must be important guide undergraduate students from
health care areas through the existence of such a category of disorders. This article consists of a
descriptive review aiming at clarifying the definition of personality disorders; furthermore discuss his-
torical, physiological and epidemiological aspects. On this publication will be reviewed some particulari-
ties from diagnostic comorbidity, course and treatment of these disorders. The management of individu-
als with borderline personality disorder will be emphasized in this publication due to increased seek
from this public for mental health care units.
A) Um padro persistente de vivncia ntima ou comportamento que se desvia acentuadamente das expectativas da
cultura do indivduo. Este padro manifesta-se em duas (ou mais) das seguintes reas:
1. cognio
2. afetividade
3. funcionamento interpessoal
4. controle dos impulsos
B) O padro persistente inflexvel e abrange uma ampla faixa de situaes pessoais e sociais.
C) O padro persistente provoca sofrimento clinicamente significativo ou prejuzo no funcionamento social, ocupacio-
nal ou em outras reas importantes da vida do indivduo.
D) O padro estvel e de longa durao, podendo seu incio remontar adolescncia ou comeo da idade adulta.
E) O padro persistente no melhor explicado como uma manifestao ou conseqncia de outro transtorno mental.
F) O padro persistente no decorrente dos efeitos fisiolgicos diretos de uma substncia ou de uma condio
mdica geral
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responsvel pela interface que levou em conta os essa mudana, entretanto, indicado que os clni-
tipos da personalidade e o substrato orgnico do cos continuem a pontuar todas as condies que
indivduo.4 De acordo com esta teoria, os indivdu- possam estar influenciando na manifestao da psi-
os eram categorizados como sanguneos, fleumti- copatologia.
cos, melanclicos ou colricos a partir da disposi- Um novo modelo hbrido dimensional-catego-
o de seus humores corporais.5 rial proposto foi includo na seo destinada a Me-
A Era Moderna dos TP pode ser considerada a didas e Modelos Emergentes do DSM-5 e compre-
partir de 1952, com a publicao do primeiro Ma- ende um esquema uniforme de critrios que seriam
nual Diagnstico e Estatstico de Transtornos Men- aplicados a todos os TP.3 O critrio A define os com-
tais (DSM) pela Associao Americana de Psiquia- ponentes do funcionamento da personalidade que
tria (APA).6 Nessa verso inicial, as patologias da podem apresentar prejuzos: (1) self, determinado
personalidade tiveram breves descries e inclu- pela identidade e auto direcionamento, e (2) inter-
ram um amplo campo diagnstico para o TP antis- pessoal, definido por empatia e intimidade. O crit-
social, com subtipos como desvios sexuais, alcoo- rio B descreve traos de personalidade patolgicos
lismo, dependncia de drogas e reaes dissociais.6 em cinco amplos domnios: afetividade negativa,
Nas verses subsequentes, descritores para desapego, antagonismo, desinibio e psicotismo.3,10
os dez tipos de TP e foram incorporados e as defini- Por fim, esse modelo alternativo inclui uma escala
es estabelecidas.3 Mas foi a partir da dcada de de mensurao do nvel de prejuzo variando de zero
80, com a publicao do DSM-III, que foi elaborado a quatro, sendo requerido um nvel ao menos de
um sistema diagnstico, aterico e categorical, ba- dois (moderado) para o diagnstico de um TP.10
seado em critrios diagnsticos consistentes com o O DSM-5 busca apropriar-se do que utiliza-
diagnstico mdico contemporneo, que incorpora do na abordagem da clnica para estabelecer critri-
evidncias cientficas, epidemiologia e discusso de os diagnsticos consistentes para os TP, alm de ras-
potencial etiopatogenia.7 trear meios de influenciar novas abordagens de di-
Ainda na publicao do DSM-III foi institudo agnstico e tratamento.11 O manual pretende as-
o modelo multiaxial, vigente at a mais recente sim, encorajar novas pesquisas e auxiliar nas difi-
verso do DSM-IV, em que os TP, junto com o retar- culdades dos profissionais da sade mental, facili-
do mental, eram classificados no eixo II, separados tando a comunicao e o tratamento que os mes-
dos outros transtornos no eixo I.8 Uma das razes mos dispendem nos casos que envolvem personali-
para que essa distino ocorresse, foi dar destaque dades.11,12
aos TP, a fim de estimular mais pesquisas nessa
rea, entretanto, embora o campo de conhecimen- Prevalncia
to tenha se ampliado com relao s como a apre-
sentaes fenotpicas, estimativas de prevalncia, Estima-se que 9 a 15% dos adultos apresen-
benefcios, tratamentos e a evoluo nas ltimas tem ao menos um transtorno da personalidade.3,13
dcadas, tornou-se claro que no h consenso quan- Estudos epidemiolgicos identificam que 4 a 12%
to a neuropatologia subjacente ou acerca de uma da populao apresenta um diagnstico protocolar
abordagem ideal para o diagnstico dos TP.9 referente a este tipo de psicopatologia. Esta esti-
Ao longo do desenvolvimento da ltima edi- mativa pode ser ainda maior quando consideradas
o do DSM, vrias revises foram propostas com manifestaes menos incapacitantes destes qua-
alteraes significativas no mtodo de diagnosticar dros.14
TP; no entanto, no foram incorporadas seo A prevalncia de desordens da personalidade
principal, que manteve a mesma abordagem diag- sofre variaes de acordo com o grupo sociodemo-
nstica categorial anterior.3,10 grfico.14 Dados internacionais apontam que estes
O modelo multiaxial foi suspenso no DSM-5 TP se encontram mais presente em reas urbanas
com a alegao de que seu uso no era determi- e em indivduos que esto em contato constante-
nante para o direcionamento do diagnstico do mente com os servios de sade. Alm disso, cons-
transtorno mental. A verso mais atualizada do tatou-se que cerca de dois teros dos criminosos
manual traz reas separadas para avaliar a influn- encarcerados apresentam algum nvel de alterao
cia de fatores psicossociais diversos. Mesmo com da personalidade.15
Uma maior prevalncia referida em homens interao de mltiplos fatores genticos e ambien-
na literatura, no entanto, tal informao pode ser tais.16
confrontada com o que visto nos sistemas de as- Os resultados de estudos desenvolvidos com
sistncia sade mental, que computam mais ca- gmeos tm apontado para interferncia de fato-
sos de TP no sexo feminino em comparao ao res genticos, sugerindo hereditariedade de traos
masculino. Tal fato ocorre, supostamente, devido a ou TP com varincia de 30% a 60%.14,19,20
ocorrncia mais frequente de comportamento As interferncias genticas na manifestao
autoagressivos por parte das mulheres.15 de desordens da personalidade so moduladas de
Considerados os pacientes em tratamento acordo com a especificidade de cada transtorno
psiquitrico, a prevalncia de TP varivel entre os desta categoria. Alm da interferncia retratada, a
estudos, sendo considerada a proposta mais consis- sobreposio com fatores genticos que predispem
tente, a estimativa de 45 a 51%.15,16 Entre os pa- outros transtornos mentais associados tambm pode
cientes atendidos por autoagresso a prevalncia ser identificada.20
estimada em 27,5%; sendo comum quadros de de- necessrio levar em conta que, alm dos
presso, ansiedade e uso de lcool associados e cla- fatores genticos, a manifestao dos TP perpassa
ramente identificados neste grupo.15,17 30 a 40% dos a interface da vulnerabilidade e resilincia, experi-
indivduos que cometem suicdio so categorizados ncia e expectativas sociais de cada indivduo.21,22
como pacientes com TP.18 O risco ainda aumenta- Desta forma, ao mesmo tempo em que as pesqui-
do em pacientes com personalidade borderline e sas da gentica comportamental demonstram a
antissocial e em transtornos classicamente comor- importncia herdabilidade para a formao da per-
bidos como, por exemplo, a depresso.18 sonalidade, no se pode negligenciar a influncia
A Tabela 1 apresenta, clssica e resumida- de fatores ambientais no compartilhados.23-26
mente, a prevalncia estimada para cada tipo de possvel afirmar que apesar da importncia legti-
TP com base no DSM-53. ma do fator gentico, o ambiente desempenha um
papel crucial na manifestao de um TP, no sendo
Tabela 1. Prevalncia estimada para cada tipo de nenhum dos fatores anteriormente citados deter-
transtorno de personalidade3 minante em isolado.26
Transtorno de personalidade Prevalncia Entende-se que as experincias traumticas
da infncia esto, consistentemente, associadas ao
Grupo A 5,7%
desenvolvimento de transtornos mentais na vida
Paranide 2,3-4,4%
Esquizide 3,1-4,9%
adulta, e podem ser includas como influncias do
Esquizotpica 0,6-4,6% ambiente na sade mental do indivduo.22-26 Os ca-
sos de estresse precoce so comumente relatados
Grupo B 1,5% por indivduos com TP, sendo os tipos mais atingi-
Narcisista 0-6,2% dos pelos os borderlines e antissociais.27,28 Em tais
Histrinica 1,84% casos, est presente a interao de fatores genti-
Borderline 1,6-5,9%
cos e mediao de caractersticas pessoais, como,
Antissocial 0,2-3,3%
por exemplo, a capacidade de resilincia.8,29
Grupo C 6%
Obsessivo-compulsiva 2,1-7,9% Diagnstico
Dependente 0,49-0,6%
Evitativa 2,4% As desordens da personalidade podem ser
consideradas entre os transtornos mentais mais
complicados de diagnosticar e tratar.30 O diagnsti-
Etiologia e fatores de risco co dificultado em parte pela prpria natureza dos
sintomas, pouco diferenciados e com fronteiras
As desordens da personalidade, assim como menos ntidas com a normalidade, e pela necessi-
outros diagnsticos psiquitricos, so etiologicamen- dade de uma avaliao longitudinal e em vrios
te complexos, sendo provavelmente o resultado da contextos.30
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Desconfiana e suspeitas em relao aos outros, de modo que as intenes so interpretadas como maldosas, que se
manifesta no incio da idade adulta e est presente em uma variedade de contextos
1) suspeita, sem fundamento suficiente, de estar sendo explorado, maltratado ou enganado por terceiros
3) reluta em confiar nos outros por um medo infundado de que essas informaes possam ser maldosamente usadas
contra si.
6) Percebe ataques a seu carter ou reputao que no so visveis pelos outros e reage rapidamente com raiva ou
contra-ataque
7) Tem suspeitas recorrentes, sem justificativa, quanto fidelidade do cnjuge ou parceiro sexual
Distanciamento das relaes sociais e uma faixa restrita de expresso emocional em contextos interpessoais, que se
manifesta no incio da idade adulta e est presente em uma variedade de contexto
1) no deseja nem gosta de relacionamentos ntimos, incluindo fazer parte de uma famlia
Dficits sociais e interpessoais, marcado por desconforto agudo e reduzida capacidade para relacionamentos ntimos,
alm de distores cognitivas ou perceptivas e comportamento excntrico
2) crenas bizarras ou pensamento mgico que influenciam o comportamento e no esto de acordo com as normas
da subcultura do indivduo
9) ansiedade social excessiva que no diminui com a familiaridade e tende a estar associada com temores paranides,
em vez de julgamentos negativos acerca de si prprio
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Necessidade global e excessiva de ser cuidado, que leva a um comportamento submisso e aderente e a temores de
separao, que se manifesta no incio da idade adulta e est presente em uma variedade de contextos
1) dificuldade em tomar decises do dia-a-dia sem uma quantidade excessiva de conselhos e reasseguramento da
parte de outras pessoas
2) necessidade de que os outros assumam a responsabilidade pelas principais reas de sua vida
3) dificuldade em expressar discordncia de outros, pelo medo de perder apoio ou aprovao.
4) Dificuldade em iniciar projetos ou fazer coisas por conta prpria em vista de uma falta de autoconfiana em seu
julgamento ou capacidades, no por falta de motivao ou energia)
5) Vai a extremos para obter carinho e apoio, a ponto de oferecer-se para fazer coisas desagradveis
6) Sente desconforto ou desamparo quando s, em razo de temores exagerados de ser incapaz de cuidar de si
prprio
7) Busca urgentemente um novo relacionamento como fonte de carinho e amparo, quando um relacionamento ntimo
rompido
8) Preocupao irealista com temores de ser abandonado prpria sorte
Inibio social, sentimentos de inadequao e hipersensibilidade avaliao negativa, que se manifesta no incio da
idade adulta e est presente em uma variedade de contextos
1) evita atividades ocupacionais que envolvam contato interpessoal significativo por medo de crticas, desaprovao
ou rejeio
2) reluta a envolver-se, a menos que tenha certeza da estima da pessoa
3) mostra-se reservado em relacionamentos ntimos, em razo do medo de passar vergonha ou ser ridicularizado
4) preocupao com crticas ou rejeio em situaes sociais
5) inibio em novas situaes interpessoais, em virtude de sentimentos de inadequao
6) v a si mesmo como socialmente inepto, sem atrativos pessoais, ou inferior
7) extraordinariamente reticente em assumir riscos pessoais ou envolver-se em quaisquer novas atividades, porque
estas poderiam provocar vergonha
Preocupao com organizao, perfeccionismo e controle mental e interpessoal, custa de flexibilidade, abertura e
eficincia, que se manifesta no incio da idade adulta e est presente em uma variedade de contextos
1) preocupao to extensa com detalhes, regras, listas, ordem, organizao ou horrios, que o alvo principal da
atividade perdido
2) perfeccionismo que interfere na concluso de tarefas 3) devotamento excessivo ao trabalho e produtividade, em
detrimento de atividades de lazer e amizades
4) excessiva conscienciosidade, escrpulos e inflexibilidade em questes de moralidade, tica ou valores
5) incapacidade de desfazer-se de objetos usados ou inteis, mesmo quando no tm valor sentimental
6) relutncia em delegar tarefas ou trabalhar em conjunto com outras pessoas, a menos que estas se submetam a seu
modo exato de fazer as coisas
7) adoo de um estilo miservel quanto gastos pessoais e com outras pessoas; o dinheiro visto como algo que
deve ser reservado para catstrofes futuras
8) rigidez e teimosia
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do risco de abuso e comportamento suicida. Nesse O quadro 4 ressalta alguns aspectos impor-
aspecto, tambm deve-se ter cuidado com a pres- tantes que devem ser levados em conta pelo
crio de medicamentos com alto potencial de toxi- terapeuta no manejo de pacientes com diagnstico
cidade, como antidepressivos tricclicos e ltio45. de TPB:
Quadro 4. Orientaes bsicas para o manejo de pacientes com transtorno de personalidade borderline.
Validar os sentimentos do paciente, nomeando a emoo que for identificada, como medo do abandono, raiva,
vergonha, e assim por diante, antes da abordagem dos fatos da situao. Ter seu sofrimento reconhecido auxilia
o paciente a reagir de modo mais racional.
Evitar julgar, criticar e confrontar o paciente, mantendo atitude compreensiva e de ajuda (o que exige do profissi-
onal reconhecimento e controle de suas prprias emoes).
Definir planejamento do tratamento junto com o paciente, familiares e outros profissionais; incluindo estratgias
para situaes de urgncia e manejo de comportamentos de risco.
Agendar consultas regulares, para que no dependa do paciente estar mal para ser atendido. Contato e ateno
programados podem evitar comportamentos desadaptativos (como autoagresses e outras atuaes) para obten-
o de cuidado.
Mensagens-chave
5) Como deve ser realizada a abordagem teraputica de pacientes com transtornos de perso-
nalidade borderline.
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