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ALVES, Adalberto. Dicionario de Arabismos Da Língua Portuguesa

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[Recenso a] ALVES, Adalberto.

Dicionrio de arabismos da lngua portuguesa


Autor(es): Head, Brian Franklin
Publicado por: Imprensa da Universidade de Coimbra
URL URI:http://hdl.handle.net/10316.2/38094
persistente:
DOI: DOI:http://dx.doi.org/10.14195/2183-1718_67_11

Accessed : 6-May-2017 14:38:40

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digitalis.uc.pt
ALVES, Adalberto. Dicionrio de arabismos da lngua portuguesa. Lisboa:
Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2013.

de grande interesse o tema deste livro, sendo que os trabalhos sobre


a influncia do rabe na lngua portuguesa datam pelo menos do sc. XVI.
O presente Dicionrio inclui muitas palavras com uma hitria interessante
e de muita relevncia para a histria do lxico da lngua portuguesa. Tal o
caso, por exemplo, de nfego, cujo timo o Autor do Dicionrio d como uma
forma rabe transcrita por nahik debilitado -- cavalo defeituoso devido a
ter um quadril menor que o outro. Embora no includo em muitos lxicos
(-- no est abonado no Dicionrio da Academia das Cincias de Lisboa de
2001, por exemplo), o termo de grande vitalidade nalguns meios, tais como
a linguagem popular rural: o Atlas Prvio dos Falares Baianos documenta,
no tipo de linguagem estudado, tanto as respectivas variantes de forma
(tipicamente com a queda da vogal ps-tnica da forma nfego, convertindo-a
numa palavra com acento na penltima slaba, de acordo com o que mais
comum na lngua), como a alternncia semntica (com emprego tanto para
referir animais, como para referir pessoas com o respectivo defeito), na carta
79, sobre pessoa que tem uma perna mais curta que a outra.
So reconhecidos, em geral, alguns princpios bsicos no estudo da
etimologia, tais como: (1) a plausibilide da mudana fontica implcita
em qualquer proposta de timo (de acordo com o que se conhece da
fontica histrica da lngua receptora), e (2) a plausibilidade da respectiva
mudana semntica. Tambm se consideram importantes as informaes
histricas, geogrficas e sociais relevantes, assim como o conhecimento
do prprio objeto nos casos em que a respectiva palavra se refere a algo
material. Encontra-se uma exposio desses princpios no captulo sobre
Dicionrios etimolgicos, do livro Introduo ao estudo da filologia da
lngua portuguesa (v. esp. pgs. 40-43), de Manuel de Paiva Bolo, antigo
professor catedrtico de filologia portuguesa na Universidade de Coimbra.
Tais prncipios no so arbitrrios, mas antes resultam de conhecimentos
adqueridos atravs dos estudos filolgicos e da lingustica histrica ao longo

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do exerccio destes domnios das cincias da linguagem. Assim sendo, no


deveriam ser rejeitados arbitrariamente.
Nota-se, porm, que para o Autor do livro a que se refere a presente
resenha, os princpios acima referidos parecem ser de pouca importncia.
Efectivamente, ele rejeita explicitamente uma parte, enquanto simplesmente
deixa de considerar outra.
No tocante relao entre os significantes, rejeita a noo da regulari
dade das mudanas fonticas, a qual constitui uma caracterstica comprovada
das lnguas. Tal propriedade permite estabelecer as relaes entre lnguas
afins e o fundamento de duas tcnicas bsicas no estudo histrico dos
idiomas: o mtodo comparativo e a reconstruo interna.
No prefcio, o Autor afirma (p. 31):

Infelizmente, sobretudo no que respeita lingustica diacrnica, campeia,


ainda hoje com muita vitalidade, um positivismo intolerante que persiste
em transformar a disciplina numa cincia exata, com normas inflexveis
na formao das palavras. Ora, tais regras, pela natureza das coisas, no
devem ser vistas seno como tendncias ou aproximativas, pois inmeros
e impresveis fatores podem introduzir desvios regra, motivando derivas,
nomeadamente fonticas, no processo formativo.

A este pargrafo, seguem-se alguns outros de especulao terica, sendo


todos de contedo contrrio, em geral, aos conhecimentos comprovados
no domnio das cincias da linguagem. Encontram-se tambm algumas
observaes desnecessrias e de pouca relevncia, embora o Autor procure
destacar delas uma suposta importncia, tais como o contedo do seguinte
pargrafo (p. 32):

Como, normalmente, no temos possibilidade de saber quem foi a primeira


pessoa a inovar na introduo de um timo numa outra lngua, pode acon
tecer, e certamente, por vezes, ter acontecido, que esse timo corrompido
acabou por ser aquele que veio a vingar na lngua recetora, acarretando um
desempenho fontico incorreto, com base num timo que era partida
incorrupto.

Perante tal combinao de noes confusas e de fundamento duvidoso


(ou nulo, alm da mera especulao do Autor), o que se pode esperar do
Dicionrio de arabismos?
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H outros elementos de semelhante teor: o Autor evidencia, tanto


no prefcio como no corpo da obra, uma ntida tendncia a promover o
reconhecimento da influncia (suposta) do rabe s custas da aceitao
da influncia (conhecida) das lnguas classicas, o latim e o grego. Devem
ser suficientes apenas alguns exemplos para exemplificar, por um lado, as
falhas fundamentais nos mtodos de tratamento etimolgico, e por outro,
a falta de objetividade do texto que procura valorizar o rabe s custas do
latim e do grego.
Nalguns casos, por descuidar do aspecto fnico, simplesmente fornece
uma palavra rabe de significado correspondente ao da palavra portuguesa,
sem se preocupar da relao de entre os seus respectivos significantes; tal
tratamento insuficiente para estabelecer uma relao etimolgica. Por
exemplo, ABBORA (al-gara...), id. sig....Segundo a hiptese comum,
do latim apopores (Isidoro XVII: 10, 25).
A rejeio do conceito da regularidade na mudana fnica leva o Autor
a indicar correspondncias diferentes no caso de uma mesma forma: (1)
MOFO s.m., de... (mhr) bordel (c/ev. sem.)... cp. Penamacor*, (2)
PENAMACOR top do antr. ...(ben mhr) filho do bordel; cp. mofo*.
Assim, no primeiro caso a forma rabe mhr ter mudado para mofo,
enquanto no segundo para macor, de maneira que no seriam uniformes as
correspondncias entre as formas do significante do timo rabe proposto
e as formas em portugus.
Em outros casos, por descuidar do sentido, o Autor apresenta como
timos formas rabes (palavras ou frases) de significado bastante afastado do
significado da palavra em portugus, e de relao duvidosa. ABRIGAR-SE
(al-barr l-garr), a terra dos generosos; ACABAR... (akbar), o maior;
CARAMELO (karma) liberdade, seguido pela pergunta: [o consumo
de guloseimas uma liberdade?]; BODEGA (baha), melancia de m
qualidade. Como se v, neste timo caso, o Autor rejeita, em favor de um
suposto timo rabe, uma relao etimolgica conhecida, com o verdadeiro
timo provindo das lnguas clssicas, o grego e o latim: do grego
(armazem), por via do latim apotheca. Trata-se de um derivado do grego
recipiente, da raz indo-europeia *dh colocar, pr, com a forma
bsica presente no antigo persa, do ramo indo-iraniano.
Outro exemplo da rejeio de uma etimologia clssica geralmente
aceita (-- neste caso o latim clamare): CLAMAR... de... (kalama...) dizer
palavras...

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O Autor indica timos rabes para muitas palavras para as quais o


rabe serviu de via de transmisso, mas no de origem. Tal o caso de
abricote (e a variante abric), cujo timo d como al-barqq, embora seja
conhecida a origam nas lnguas clsiscas, o grego e o latim
prcoquum ou prcocia maduro antes do tempo, temporo.
Por outro lado, o verbete seguinte constitui um caso em que o Autor
d vazo imaginao: SACAR... de... (xikra) saco [ tirar algo a
algum e depois meter no saco]...
Parece que qualquer suposto fator serve para a explicao semntica,
mesma uma aluso humorstica: PENICO... (bandiq) avels, balas
[als. humorstica s fezes?]...
Num bom nmero de casos, a etimologia proposta por Alves difere
daquela que se conhece e que parece segura ou mesmo inquestionvel. Por
exemplo, em vez de um eufonismo do portugus caralho ou do espanhol
carajo, prope para a interjeio CARAMBA, (karma) milagre, sendo
que o sentido de milagre est longe do sentido comum de caramba. Trata
-se da mesma palavra rabe que o Autor prope tambm como timo de
caramelo, mas em outro sentido. Uma hiptese mais plausvel, mormente
em face do sentido frequente, eufemismo baseada numa palavra espanhola
obscena (G. Viana, Apost. II: 259).
Para PUTA, (bint) rapariga, embora a palavra bint seja uso geral
em rabe sem o sentido especial (ou marcado) de prostituta. Nota-se
que, na documentao da linguagem popular, especialmente do meio rural
(embora tambm do meio urbano), a forma puta ocorre com frequncia,
alm de outras variantes da palavra base prostituta (por exemplo, o Atlas
Prvio dos Falares Baianos, na carta 108, regista algumas variantes da
palavra prostituta nas localidades investigadas).
falsa a hiptese de que o portugus puta provenha do rabe bint,
visto que exige rejeitar o facto de puta ser variante da palavra prostituta,
da qual forma reduzida.
O Autor presta pouca ateno questo da documentao, exceto
nalguns escassos casos. A origem de SARA, topnimo do deserto do
Norte da frica, dada como sahar deserto (de acordo com a etimo
logia conhecido), mas uma forma da mesma raz rabe proposta como
timo de CEAR, nome de um estado do Nordeste do Brasil; qual ser a
documentao histrica comprovante? O Autor no a indica.
Nos poucos casos em que o Autor refere os dados histricos relevantes,
baseia-se simplesmente em informaes de outros, no em pesquisa prpria.
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Assim, LADRA top. (Feira da ..., Lisboa), de ... (al-adra), a Virgem


[Maria]. [J. P. Machado informa que existia, entre os sc. XII e XVIII, a
Ermida de Santa Maria, na Mouraria, volta da qual se realizava a feira;
esta conservou o n. r. ao transferir-se para o lg. onde hoje est estabelecida.]
mais simples a hiptese comum: fem. De ladro, variante do nominativo
latro, do latim latrone.
Encontram-se no Dicionrio vrias etimologias conhecidas, propostas
por especialistas e geralmente aceitas; no h, porm, uma nica etimologia
nova, proposta pelo Autor, que seja digna de confiana. Abundam no volume
falhas de mtodo e falta de cuidado. (A respeito desta ltima caracterstica,
o Autor afirma, Ao iniciar este longo trabalho de reflexo e investigao,
tive sempre presente no meu esprito o juizo de Walter von der Wartburg;
a referncia ao grande romanista von Wartburg, cujo nome o Autor cita
de forma errada!).
O Autor afirma que a Civilizao Islmica... era, fora de dvida,
culturalmente muitssimo mais sofisticada do que a dos rudes Roman
-Visigodos da Hispnia (p. 15) e alega o seguinte:

Foram criados... milhares de termos, quer no mbito do lxico comum quer no


da linguagem cienttica e filosfica, disfarados de grego ou baixo-latim, mas
que, afinal, no passavam de cultismos romnicos artificialmente concebidos
no intuito do apagamento da mcula rabe da lngua dos vencedores cristos.
Todavia, quanto a tais palavras, em vo procuraremos a sua origem em
Salstio, Ccero, Ccerio, Virglio, Homero ou Xenofonte...
Na verdade, esse lxico acabou por ser includo a martelo nos dicionrios
de latim e grego e passou a ser tido, desde ento, por original, sem que,
da para a frente, a sua etimologia, durante sculos, fosse minimamente
questionada. (p. 17).

Assim, trata-se de uma obra declaradamente anti-classicista, com


negao explcita, por vezes, da influncia do latim e do grego.
Um exemplo de um timo que o Autor d por ser do rabe e que
considera ter sido convertido numa forma latim, referido no seguinte
verbete: SAUDAR v. de... (salma) saudar, desejando a paz [salm, paz,
foi latinizada em salutem, tal como a expr. r. raddere as-salam o foi em
raddere salutem]... Ao contrrio de tais afirmaes, comum considerar que
o radical salut- do latim provm de *sol- , a raiz indo-europeia que significa
inteiro e que tem reflexos nos diversos ramos desta famlia de lnguas.

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Os que se dedicam s cincias da linguagem reconhecem que um


domnio em que prevalescem as hipteses. Nalgumas reas, raramente se
encontram provas definitivas das hipteses. Tal o caso do estudo etimil
gico, em que costume favorecer as hipteses mais plausveis. O presente
Dicionrio apresenta hipteses, tanto que em vrios casos o Autor d duas
ou trs etimologias diferentes. Infelizmente, no raramente as etimologias
que prope no so plausveis, nem pela forma nem pelo significado.
uma vergonha que este livro tenha sido editado e especialmente
vergonhoso que a edio seja da prestigiosa Imprensa Nacional-Casa da
Moeda no por causa da atitude negativa do Autor em relao influncia
das lnguas clssicas, mas antes por causa do baixssimo nvel cientfico e
informativo. Quem tenha recomendado a edio, no prestou bom servio
cultura portuguesa: para promover o conhecimento da lngua rabe e da
sua contribuio ao lxico do portugus, no bastam o entusiasmo e as
afirmaes vazias.

Brian Franklin Head1


Emeritus professor, University of Albany
bfhl22333@gmail.com
http://dx.doi.org/10.14195/2183-1718_67_11

BAOS BAOS, J. M., Del Barrio Vega, M. F., Callejas Berdons, M.


T., Lpez Fonseca, A. (eds.) (2014), Philologia, Vniversitas, Vita.
Trabajos en honor de Toms Gonzlez Roln. Madrid, Escolar y Mayo
Editores S.L., Madrid, 902 p.

Uma homenagem nacional, por ocasio da sua jubilao, ao Professor


Toms Gonzlez Roln esta obra que rene contributos de oitenta autores
de diferentes Universidades de Espanha, diria mesmo de todas, ou quase
todas as Universidades de Espanha. A esta homenagem se associou, com a
sua participao, a Alma Mater Coninbricensis, onde este notvel fillogo
complutense ficou conhecido no apenas pela sua obra modelar reconhecida
em todo o mundo das letras clssicas e neoclssicas latinas, medievais e
pr-humanistas mas tambm pela sua personalidade mpar, que alia o
fulgor da inteligncia simplicidade e doura de trato. Ao longo de seis

1 Brian Head foi professor de lngua rabe clssica na Universidade de Coimbra nos
primeiros anos da dcada de 60.

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