HIstória, Histórias
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DOSSI
Histria e Ensino de Histria: a produo de saberes na formao e na prtica
docente
VOLUME 5, NMERO 9, JAN. JUL 2017
UnB - Universidade de Braslia Marcelo de Souza Magalhes (UERJ)
PPGHIS - Programa de Ps-Graduao em Marcelo Fronza (UFMT)
Histria Margarida Maria Dias de Oliveira
Coordenador - Andr Gustavo de Melo Arajo (UFRN)
Coordenador adjunto - Marcelo Balaban Maria Lda Oliveira (USP)
Matthias Haake (Westflische Wilhelms-
Expediente Universitt Mnster)
Volume 5, nmero 9, jan.jul. 2017 Mauro Csar Coelho (UFPA)
Nilton Pereira (UFRS)
Editor Patrcia Melo Sampaio (UFAM)
Andr Cabral Honor (UnB) Sabrina Mara Sant'Anna (UFRB)
Srgio da Mata (UFOP)
Comit Executivo
Andr Cabral Honor, (UnB) Editorao
Henrique Modanez de Sant Anna (UnB) Andr Cabral Honor (UnB)
SUMRIO
Editorial 1
Apresentao do dossi 3
ORIENTAO TEMPORAL E ENSINO DE HISTRIA: PERSPECTIVAS E PRTICAS
DE PROFESSORES DE HISTRIA DA REDE ESTADUAL DE ENSINO.
JACAREZINHO-PR. 2015
7
Andr Luiz da Silva Cazula/ Ana Helosa Molina
EXPERINCIAS AUSENTES NO ENSINO DE HISTRIA: INQUIETANTES
PRESSUPOSTOS PARA UMA REORIENTAO DA VIDA PRTICA 24
Astrogildo Fernandes Silva Junior/ Jos Josberto Montenegro de Sousa
OS NDIOS NA HISTRIA E O ENSINO DE HISTRIA: AVANOS E DESAFIOS
Edson Hely Silva 40
SUJEITOS DE EXPERINCIA: PROFESSORES DE HISTRIA NO USO
PEDAGGICO DO MUSEU DE ARTES E OFCIOS 57
Jezulino Lcio Mendes Braga
REPRESENTAES DOS NEGROS NOS LIVROS DIDTICOS DE HISTRIA DO
ESPRITO SANTO (1964-1997) 86
Leonardo Nascimento Bourguignon
ENSINO DE HISTRIA, ESPAOS E CULTURA POLTICA BANDEIRANTE: JOS
SCARAMELI E A ESCRITA DE LIVROS ESCOLARES DE HISTRIA PARA CRIANAS 104
Magno Francisco de Jesus Santos
O QUE NARRAM LICENCIANDOS DE HISTRIA SOBRE O IMPACTO DA
TECNOLOGIA EM SUA FORMAO INICIAL? 126
Marcella Albaine Farias da Costa
ENSINAR E APRENDER HISTRIA: REFLEXES EM TORNO DE EXPERINCIAS
DE FORMAO DOCENTE CONTNUA EM MEIOS VIRTUAIS NA PROVNCIA DE 148
BUENOS AIRES
Talia Meschiany/ Vernica Hendel
CINEMA E ENSINO DE HISTRIA ENTRE DEBATES E PRTICAS
Vitria Azevedo Fonseca 170
ALUNOS DA EJA FALAM SOBRE A HISTRIA ENSINADA: RELAES ENTRE
HISTRIA E VIDA PRTICA 190
Wilian Junior Bonete
ARTIGOS LIVRES
APONTAMENTOS ANALTICOS SOBRE A RELAO INTELECTUAL DE
MACHADO DE ASSIS COM O TEMPO 213
Luis Cludio Palermo
NARRATIVAS INDGENAS NA WEB: O QUE ISSO PODE NOS DIZER SOBRE
IDENTIDADES, CULTURAS E PROTAGONISMO INDGENA 234
Maria Prpetua Baptista Domingues
RESENHA
SILVA, Marclia Gama da. Informao, represso e memria: a construo do estado de exceo no
Brasil na perspectiva do DOPS-PE (1964-1985). Recife: Editora UFPE, 2014. 339 p. 252
Rafael Leite Ferreira
EDITORIAL
Foi um imenso desafio fazer um dossi sobre ensino de Histria nesse novo
nmero da Revista histria, histrias.
O processo de construo dessa edio foi marcado por um contexto histrico
completamente adverso pesquisa cientfica e ao ensino de Histria. O fim da
obrigatoriedade da Histria enquanto disciplina escolar no Ensino Mdio, vindo atravs de
uma Medida Provisria imposta por um governo ilegtimo sim, pois no foram essas as
diretrizes aprovadas pelas urnas na eleio de 2014 um duro golpe na tentativa de
conceber a formao de um aluno pensante, na diretriz oposta do aluno reprodutor. Alm
disso, o fim do MCTI e os posteriores cortes no oramento da pesquisa no Brasil reduzem
drasticamente a nossa capacidade de produo cientfica pondo-a em risco de extino.
Receber o presente dossi, dentro deste contexto desanimador e funesto para a
pesquisa e educao brasileiras, fez com que o Conselho Editorial dessa revista aliasse ao
seu compromisso de promoo acadmica da historiografia a luta poltica pelo
reconhecimento do carter formativo do conhecimento histrico em nossa sociedade e,
desse modo, pela permanncia da Histria nos currculos escolares brasileiros um papel
de combatividade na defesa do ensino pblico superior gratuito e da pesquisa acadmica.
Nesse sentido, a agora ex-editora chefe Susane Rodrigues a qual deixo aqui meus mais
sinceros agradecimentos foi pea chave em perceber as filigranas do processo que se
desenvolvia ao seu redor e realizar o convite para o dossi. Cabe destacar, que essa
sensibilidade caracterstica notria da professora, sempre atenta realidade que a cerca.
Assim, o dossi Histria e Ensino de Histria: a produo de saberes na formao e na
prtica docente organizado pelo professor doutor Carlos Augusto de Lima Ferreira docente
da Universidade Estadual de Feira de Santana mostrou que, para alm da propagao do
conhecimento no campo da Histria, a revista encontra-se imersa dentro das questes que
so urgentes na sociedade brasileira.
Tendo assumido o cargo de editor chefe dessa revista, a partir dessa edio, venho
realizando vrias mudanas para acelerar o processo de submisso dos artigos revista,
assim como para garantir a nota Qualis/Capes do peridico que j atende todos os
requisitos necessrios para uma melhora na avaliao. So inmeros os desafios impostos
nesse processo de reduo do apoio financeiro pesquisa e difuso da produo cientfica
1
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nas universidades pblicas federais, assim assumimos tal desafio com rduo compromisso
no lanamento deste volume.
Envolvendo pesquisadores estrangeiros, nacionais, e, principalmente, professores
de ensino superior, mdio e fundamental, no apenas como autores, mas como
colaboradores ad hoc, entregamos, com orgulho, um dossi que se realiza na competncia
acadmica e no dilogo com a realidade em que foi produzida.
Mas grande parte desses louros devem ser divididos com o professor Carlos
Augusto de Lima Ferreira que gentilmente topou a empreitada de organizar esse dossi, o
qual teve um nmero recorde de inscries, potencializando a excelncia acadmica desse
nmero com artigos de alta qualidade.
Entendo que a cincia, de qualquer ramo, um local de disputa poltica, mas que
prima quando se torna um veculo de resistncia. O conhecimento cientfico deve trazer
para si a responsabilidade de ser a vanguarda da mudana social, buscando uma melhora na
qualidade de vida da populao, seja atravs da tecnologia, seja conscientizando as pessoas
do seu papel no mundo.
Resta dizer, que dentro da expectativa de repensar a prtica docente e a pesquisa
em histria, entendendo-a como ferramenta fundamental para construir um mundo mais
justo e igualitrio, que orgulhosamente entregamos o nono nmero da revista histria,
histria.
!
2
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APRESENTAO DO DOSSI
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RESUMO
As diretrizes para o ensino de Histria, publicadas pelo estado do Paran em 2008, possuem como
principal referncia norteadora a teoria da Histria engendrada por Jrn Rsen, que indica a
necessidade da orientao temporal do ser humano em sua vida cotidiana conforme a peculiaridade
do conhecimento histrico. Com reflexes acerca das perspectivas e prticas docentes em relao s
orientaes curriculares, o presente texto resultou de pesquisa do tipo etnogrfica, realizada com
dois professores da rede estadual no Ensino Mdio, na cidade de Jacarezinho-PR, no ano letivo de
2015, apresentando as apropriaes, as tticas e as estratgias utilizadas na mediao do
conhecimento em sala de aula a partir das discusses propostas por Michel De Certeau.
ABSTRACT
The guidelines for History teaching, published by the state of Paran in 2008, have as a main
reference the theory of History engendered by Jrn Rsen, indicating the need for the temporal
orientation of the human being in his everyday life according to the peculiarity of historical
knowledge. With reflections on the perspectives and teaching practices in relation to curriculum
guidelines, this study resulted from ethnographic research performed with two state teachers in
high school, in the city of Jacarezinho-PR, in the school year 2015, presenting the appropriation,
tactics, and strategies used in the mediation of knowledge in the classroom from the
discussions proposed by Michel De Certeau.
7
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1
Sobre o tema ver: RSEN, Jrn. Didtica da Histria: passado, presente e perspectivas a partir do caso
alemo. Prxis Educativa, Ponta Grossa, v. 1, n. 2, p. 07-16, jul./dez. 2006; RSEN, Jrn. Razo
histrica: teoria da histria: fundamentos da cincia histrica. Braslia: Editora Universidade de Braslia,
2010.
2
O Colgio possui alunos de vrios bairros, est situado numa comunidade de classe mdia baixa.
Mantido pelo poder pblico estadual, foi criado no ano de 1949 com a denominao de Grupo Escolar, o
Projeto Poltico Pedaggico do Colgio (2014) informa que a equipe dispe de 7 Pedagogas e 2
professoras readaptadas, mais 76 funcionrios entre docentes e agentes I e II, sendo que atende
diretamente um total de 930 alunos.
3
Os outros protocolos de anlise presentes na pesquisa so: utilizao de fontes histricas e do livro
didtico; utilizao de historiografia; utilizao dos contedos estruturantes, bsicos e especficos.
4
Entre outros autores: SILVA, Tomaz Tadeu da. O Currculo como fetiche: A potica e a poltica do
texto curricular. Belo Horizonte: Autntica, 2003; LOPES, Alice Casemiro. Polticas Curriculares:
continuidade ou mudana de rumos. Revista Brasileira de Educao, n. 26, maio/jun/jul/ago, 2004;
LOPES, Alice Casemiro. Teorias ps-crticas, poltica e currculo. Educao, Sociedade & Cultura, n. 39,
p. 7-23, 2013; MACEDO, Elizabeth. Currculo e conhecimento: aproximaes entre educao e ensino.
Cadernos de Pesquisa, v. 4, n. 147, p. 716-737, set./dez. 2012; FORQUIN, Jean-Claude. Escola e
Cultura: as bases sociais e epistemolgicas do conhecimento escolar. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1993.
5
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formao profissional. Petrpolis: Vozes, 2002.
6
CERTEAU, Michel de. A inveno do cotidiano: Artes de fazer. Petrpolis: Vozes, 1994.
8
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7
Utilizamos esse termo no sentido de pautar-se amplamente na articulao de saberes acadmicos,
possuindo teor terico e metodolgico que por vezes no se vincula diretamente prtica.
8
As observaes das aulas ocorreram de maro a setembro de 2015.
9
A partir dos apontamentos de ANDR, Marli Eliza Dalmazo Afonso de. Etnografia da Prtica Escolar.
Campinas, SP: Papirus, 1995.
10
A partir dos apontamentos de ANDR, 1995, p. 28.
9
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anterior docncia11.
O Professor 2 preferiu responder por escrito ao questionrio, o que fez suas
respostas serem menores. Vimos que os dois professores gostam da profisso, mesmo com
o Professor 2, em alguns momentos, demonstrando pequenos desprazeres. O Professor 1
teceu crticas quanto formao superior que teve, alegando necessitar de complementao
da base, sem relao com a prtica12. O Professor 2 tambm criticou sua formao inicial,
entendendo que no foi uma preparao integral para a docncia. Todavia, elogiou13
algumas disciplinas.
A motivao para essa pesquisa nasceu das indicaes curriculares das DCEs, as
quais defendem que o currculo deve nascer de amplos debates, envolvendo professores,
alunos, comunidades, e no ser produto de discusses centralizadas, feitas em gabinetes,
sem a participao dos sujeitos diretamente interessados em sua constituio final. No
caso de um currculo imposto s escolas, a prtica pedaggica dos sujeitos que ficaram
margem do processo de discusso e construo curricular, em geral, transgride o currculo
documento14.
questionvel a forma de participao ou a representao de todos professores,
alunos, comunidades no processo de construo curricular das Diretrizes paranaenses. Mas,
independentemente do envolvimento dos professores no processo de discusso curricular,
o currculo documento no ser praticado como uma reproduo programada, com todos
os professores executando de forma idntica. Considerando Michel de Certeau15, o sujeito
sempre transgride, desvia, cria.
Focamos neste trabalho a orientao temporal com base em Rsen, indicada
oficialmente pela Secretaria de Educao do Paran, e assim fomos ao Colgio colher
indcios para discutir a questo. O Currculo Bsico do Paran, de 199016, j colocava a
questo temporal como principal ponto para a reforma necessria ao ensino de Histria.
Assim, pretende-se recuperar a dinmica prpria de cada sociedade, uma viso crtica,
11
O trabalho preserva a identidade dos professores e do colgio, sendo que o Professor 1 do sexo
masculino e o Professor 2 do sexo feminino. Utilizamos as denominaes Professor 1 e Professor 2 para
que as interpretaes apresentadas no sejam associadas ao gnero.
12
Entrevista. Professor 1. 18 de setembro de 2015.
13
Questionrio. Professor 2. setembro/outubro de 2015.
14
PARAN. Secretaria de Estado da Educao. Departamento de Educao Bsica. Diretrizes
Curriculares da Educao Bsica Histria. Curitiba, 2008, p. 16.
15
CERTEAU, 1994.
16
Assessorado pelas professoras Judite Maria Barboza Trindade e Maria Auxiliadora Moreira dos Santos
Schmidt, ambas da UFPR.
10
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problematizando o passado a partir da realidade imediata, dos sujeitos concretos que vivem
e fazem a Histria do presente17.
As DCEs 2008 possuem a orientao temporal como ponto central de sua
indicao terica metodolgica e propem o ensino temtico pautado nos seguintes
contedos estruturantes: Relao de Trabalho; Relao de Poder e Relaes Culturais.
Destacam trs correntes historiogrficas: a Nova Histria; a Nova Histria Cultural,
incluindo a Micro-Histria, e a Nova Esquerda Inglesa. Citam ainda os brasileiros Sergio
Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, Caio Prado Junior, Nelson Werneck Sodr e Celso
Furtado como referncias aos contedos estruturantes18.
Os contedos estruturantes e as correntes historiogrficas so orientados ao ensino
de Histria segundo a perspectiva da conscincia histrica, guiada principalmente pela
teoria do alemo Jrn Rsen, que analisa a narrativa histrica por meio de uma matriz
curricular que se refere organizao temporal do pensamento do sujeito, ao seu cotidiano
e sua prtica social no tempo. As finalidades de orientaes da prtica social dos sujeitos
retomam as interpretaes das necessidades da orientao no tempo, a partir de teorias e
mtodos historiogrficos apontados19. O procedimento metodolgico proposto pelas
DCEs indica a utilizao das ideias de processo, mudana, permanncia, ruptura,
simultaneidade, transformao, descontinuidade, deslocamento, recorrncia20.
Por outro lado, Cerri tece crticas s Diretrizes. O autor entende que conscincia
histrica conceito, parte de uma teoria, no uma indicao metodolgica, e esse conceito
no capaz de engendrar as articulaes propostas entre vertentes historiogrficas.
Existem referncias gerais sobre o mtodo histrico sem consideraes especficas sobre
seu funcionamento recomposto para uso escolar21.
17
PARAN. Secretaria de Estado da Educao. Superintendncia de Educao. Departamento de Ensino
de Primeiro Grau. Currculo Bsico Para a Escola Pblica do Estado do Paran. Curitiba, PR:
SEED/SUED/DEPG, 1990, p. 82.
18
PARAN, 2008.
19
PARAN, 2008, p. 46.
20
PARAN, 2008.
21
CERRI, Lus Fernando. Diretrizes Curriculares Estaduais Histria: Legitimidade, Autonomia
Docente e Currculo Oculto. Rev. Teoria e Prtica, v. 10, n. 1, p. 41-49, jan./abr. 2007, p. 47.
11
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22
OLIVEIRA, Margarida; FREITAS, Itamar. Currculo de Histria e expectativa de aprendizagem para
os anos finais do ensino fundamental no Brasil (2007 2012), Revista Histria Hoje, v. 1, n. 1, p. 272-
273, 2012.
23
Entrevista. Professor 1. 18 de setembro de 2015.
24
Questionrio. Professor 2. setembro/outubro de 2015.
25
Interpretaes a partir da obra: SILVA, Tomaz Tadeu da. O Currculo como fetiche: a potica e a
poltica do texto curricular. Belo Horizonte: Autntica, 2003.
26
RSEN, 2010.
27
RSEN, 2010, p. 56-57.
28
RSEN, 2010.
12
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linear e multitemporal29.
Na Proposta Pedaggica, os contedos para o Ensino Mdio no esto divididos
em sries, mas, conforme direciona as DCEs, em contedos estruturantes, contedos
bsicos e contedos especficos. Todavia, os contedos bsicos nos Planos de Trabalho
Docente so reproduzidos do sumrio do livro didtico adotado pelos professores30, sendo
este, grosso modo, o selecionador dos contedos nas quatro sries participantes da
pesquisa.
Os dois professores afirmaram que trabalham com os contedos histricos de
forma linear e no temtica, contrariando as Diretrizes e a Proposta de Histria do Projeto
Poltico Pedaggico do colgio. O Professor 1 comentou que complicada a prtica da
orientao temporal, destacando que o passado no ser mudado por ele e que, em suas
aulas, refora o entendimento do presente por meio do conhecimento do passado31. O
Professor 2 afirmou que o passado constitutivo do conhecimento, o presente aceito
pela sociedade e o futuro so as incertezas32. Os professores apresentaram preocupaes
sobre pensar historicamente o futuro.
Antes de passarmos aos protocolos de anlise, importante fundamentar que
utilizamos conceitos de De Certeau, de forma que aqui destacaremos dois: ttica e
estratgia33. O autor discute o raio de ao do sujeito, que no se reduz vigilncia nem a
pr-programaes. Assim, (...) a ordem exercida por uma arte que se exerce e se
burla34. Nesse sentido, discorre Silva: A prtica disseminante e produtiva da significao,
da cultura, entretanto, no pode ser estancada. Mesmo que contida, ela espirra, transborda,
excede, revolta-se, rebela-se, espalha-se incontrolavelmente35.
Para De Certeau, estratgia (...) postula um lugar capaz de ser circunscrito como
um prprio e, portanto capaz de servir de base a uma gesto de suas relaes com uma
exterioridade distinta36. Esse modelo estratgico mais prximo da viso de conjunto, da
29
Projeto Poltico Pedaggico do Colgio, 2014, p. 502.
30
Histria Sociedade e Cidadania, de Alfredo Boulos Junior, Editora FTD, do PNLD para os anos de
2015/16/17.
31
Entrevista. Professor 1. 18 de setembro de 2015.
32
Questionrio. Professor 2. setembro/outubro de 2015.
33
Demais conceitos a partir de Michel De Certeau utilizados na pesquisa: economia escriturstica, o oral,
o ordinrio, espao, lugar e relato.
34
CERTEAU, 1994, p. 20.
35
SILVA, Tomaz Tadeu da. O Currculo como fetiche: A potica e a poltica do texto curricular. 2
reimpresso. Belo Horizonte: Autntica, 2003, p. 15.
36
CERTEAU, 1994, p. 46.
13
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coletividade, mas no de uma ideologia que no permite e/ou aceita aes, uma estratgia
que sabe da existncia das astcias da ao individual que ocorrem naturalmente, mas, se
delimita, cria uma hierarquia, possui burocracia, possui fiscalizao, regras, locais de ao
predeterminados, um o que fazer para cada um. Na pesquisa de Jeferson Rodrigo da Silva 37,
a estratgia o admitido, autorizado, institucional e, podemos acrescentar aqui, as DCEs
so um documento estratgico por mais que tenha individualidades em sua construo.
37
SILVA, Jeferson Rodrigo da. Artes de fazer o ensino de histria: professor, aluno e livro didtico
entres os saberes admitido e inventivo. Dissertao (Mestrado em Histria Social) Universidade
Estadual de Londrina, Londrina, 2012.
38
CERTEAU, 1994, p. 46-47.
39
MONTEIRO, Ana Maria Ferreira da Costa; PENNA, Fernando de Araujo. Ensino de Histria: saberes
em lugar de fronteira. Educ. Real., Porto Alegre, v. 36, n. 1, p. 191-211, jan./abr. 2011. Disponvel em:
<http://www.ufrgs.br/edu_realidade>. Acesso em: 09/10/2016.
14
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n... uma pena... uma tristeza, digamos assim, que a gente no consiga, ...
ter mais tecnologia, porque se tivesse tecnologia ficaria muito mais fcil
em alguns pontos, que da a gente mostraria pra eles que a escola pode
ser interessante, n, porque... lgico, como que eu... eu... falando...
assunto que pra eles s vezes no interessante vou chamar a ateno
deles, n, sendo que ali no celular, no computador, ele vai achar a forma
do que eu t falando de maneira muito mais interessante. Ento ... E da,
n... eu no desestimulo no, mas posso dizer assim, a partir disso eu
avalio que eles tm essa questo de trazer... essa questo de assimilar,
conseguir fazer relaes, eles... eles conseguem fazer isso, sim. Eles tm
o conhecimento, pelo menos uma parte, lgico que nunca cem por
cento40.
40
Entrevista. Professor 1. 18 de setembro de 2015.
41
Caderno de Campo 1, observao do dia 23 de maro de 2015, 3 Ano, Ensino Mdio, Perodo
Matutino.
42
Caderno de Campo 1, observao do dia 9 de julho de 2015, 3 Ano, Ensino Mdio, Perodo Matutino.
43
No objetivo deste trabalho discutir se determinado contedo ou o modo como trabalhado est
correto ou incorreto, mas apresentar to somente as relaes estabelecidas e as mediaes engendradas
nos saberes que circulam na sala de aula.
15
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de poder44.
44
Caderno de Campo 1, observao do dia 13 de julho de 2015, 3 Ano, Ensino Mdio, Perodo
Matutino.
45
Questionrio. Professor 2. setembro/outubro de 2015.
46
Caderno de Campo 2, observao do dia 10 de julho de 2015, 1 Ano, Ensino Mdio, Perodo Noturno.
47
Caderno de Campo 2, observao do dia 10 de julho de 2015, 1 Ano, Ensino Mdio, Perodo Noturno.
16
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48
Caderno de Campo 2, observao do dia 28 de agosto de 2015, 1 Ano, Ensino Mdio, Perodo
Noturno.
49
Caderno de Campo 2, observao do dia 11 de setembro de 2015, 1 Ano, Ensino Mdio, Perodo
Noturno.
50
RSEN, 2010, p. 15.
17
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Professor 1: ... Eu penso mostrar pra eles que... eu pensei duas coisas a
respeito disso: primeiro que, eles fazem parte de uma histria, no sei se
nesse sentido essa questo do contedo meta-histrico, n, que,
mostrar que a histria vai se desenvolvendo, mas que os indivduos so
importantes pra que isso acontea. No sei se eu t entendendo isso. E
nessa questo de trazer mesmo... uma ampliao... no sei se entra nisso.
Entrevistador: a reflexo sobre a Histria. Meta-histrico refletir
sobre a construo cientfica da Histria.
Professor 1: Ento ... eu penso que quando eu fao essa reflexo,
mostrando que eles so indivduos da histria, a gente est refletindo, n,
mostrar: olha, se desenvolveu assim, mesmo que voc no est l, voc
constri aqui, ... tem relao, consequncia, n... Tem causa e
consequncia. Causa, desenvolvimento e consequncia. Acho que fao
eles pensarem que eles fazem parte da Histria, que eles se reconhecem.
Lgico que mais fcil com histria do presente, mas procuro criar essa
conscincia neles, sim52.
51
PARAN, 2008, p. 57.
52
Entrevista. Professor 1. 18 de setembro de 2015.
18
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53
Caderno de Campo 1, observao do dia 14 de abril de 2015, 1 Ano, Ensino Mdio, Perodo Matutino.
54
Caderno de Campo 1, observao do dia 16 de abril de 2015, 1 Ano, Ensino Mdio, Perodo Matutino.
55
Caderno de Campo 1, observao do dia 3 de agosto de 2015, 3 Ano, Ensino Mdio, Perodo
Matutino.
56
Caderno de Campo 1, observao do dia 28 de julho de 2015, 1 Ano, Ensino Mdio, Perodo
Matutino.
19
Revista histria, histrias, volume 5, nmero 9, jan.jul. 2017
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Ensino Mdio, muito difcil encontrarmos uma turma onde a maioria absoluta dos alunos
demonstrem interesse e principalmente gostem de histria o suficiente para trabalharmos a
metodologia da cincia57. Ele nega, de certa forma, a utilizao de contedos meta-
histricos. Todavia, selecionamos trechos do caderno de campo 2 que podem ser
associados a uma discusso meta-histrica.
Ponto a ser mencionado o fato de o Professor 2 possuir a viso de uma Histria
esttica: Na histria, o que muda s o contemporneo, o resto s aprender uma vez,
no muda58. Em aula posterior:
57
Questionrio. Professor 2. Setembro/outubro de 2015.
58
Caderno de Campo 2, observao do dia 26 de junho de 2015, 3 Ano, Ensino Mdio, Perodo Noturno.
59
Caderno de Campo 2, observao do dia 10 de julho de 2015, 1 Ano, Ensino Mdio, Perodo Noturno.
60
Caderno de Campo 2, observao do dia 31 de julho de 2015, 1 Ano, Ensino Mdio, Perodo Noturno.
61
Caderno de Campo 2, observao do dia 28 de agosto de 2015, 1 Ano, Ensino Mdio, Perodo
Noturno.
62
Caderno de Campo 2, observao do dia 28 de agosto de 2015, 1 Ano, Ensino Mdio, Perodo
Noturno.
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Explicou que cada acontecimento pode ser classificado em curta, mdia ou longa
durao e exemplificou: curta como a eleio para presidente; mdia como o mandato
poltico e longa so as mudanas na estrutura como nos comportamentos ou na viso de
famlia, por exemplo65.
No perodo noturno, a abordagem do Professor 2 ocorreu de variadas formas, mas
priorizou o cristo e o tradicional. Nosso calendrio o cristo, depois de Cristo,
crescente66. A professora disse que a pr-histria dividida em trs partes e a histria em
quatro67. Em certas aulas, discutiu sobre a incerteza que o futuro, sendo pertencente a
Deus: A professora (...) voltou a conversar com os alunos evanglicos (...), disse a eles:
Que bom que vocs esto sendo o exrcito de Deus. Hoje estamos aqui, amanh pertence
63
Caderno de Campo 1, observao do dia 24 de maro de 2015, 1 Ano, Ensino Mdio, Perodo
Matutino.
64
Caderno de Campo 1, observao do dia 31 de maro de 2015, 1 Ano, Ensino Mdio, Perodo
Matutino.
65
Caderno de Campo 1, observao do dia 31 de maro de 2015, 1 Ano, Ensino Mdio, Perodo
Matutino.
66
Caderno de Campo 2, observao do dia 17 de abril de 2015, 1 Ano, Ensino Mdio, Perodo Noturno.
67
Caderno de Campo 2, observao do dia 19 de junho de 2015, 1 Ano, Ensino Mdio, Perodo Noturno.
21
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68
Caderno de Campo 2, observao do dia 31 de julho de 2015, 1 Ano, Ensino Mdio, Perodo Noturno.
69
Caderno de Campo 2, observao do dia 28 de agosto de 2015, 1 Ano, Ensino Mdio, Perodo
Noturno.
70
CUNHA, Andr Victor Cavalcanti Seal da. O Professor de Histria como um narrador escolar ou os
mltiplos usos da oralidade na (re)inveno das narrativas histricas escolares, Prxis Educativa, Ponta
Grossa, v. 1, n. 2, p. 107-124, jul.-dez. 2006.
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RESUMO
Este texto busca compreender como o ensino de histria pode contribuir na formao dos jovens
estudantes. Apresenta resultados de um projeto que teve como objetivo analisar o potencial das
diferentes fontes e das diferentes linguagens da cultura contempornea no processo de ensino e
aprendizagem em histria. Em relao aos procedimentos metodolgicos, recorreu observao de
cunho etnogrfico, histria oral e didtica da histria. O cenrio da pesquisa foi uma escola
pblica estadual da cidade de Ituiutaba, MG, Brasil. Fizeram parte direta da investigao os jovens
estudantes do primeiro ano do ensino mdio. Concluiu-se que o ensino de histria na educao
bsica precisa reorientar suas prticas, abranger outras perspectivas epistemolgicas, que
possibilitem discutir a diversidade de experincias histrico-culturais negligenciadas e silenciadas.
Nesse processo, os usos de diferentes fontes e linguagens nas aulas de histria podem constituir
iniciativas para promover articulao entre saberes escolares e a vida prtica.
ABSTRACT
This paper seeks to understand how the teaching of history can contribute to the education of
young students. It presents the results of an ongoing project which aims to analyze the potential of
different sources and different languages of contemporary culture in the process of teaching and
learning in history. Regarding the methodological procedures, recourse to ethnographic
observation, oral history and historical education. The setting of research is a public school of the
city of Ituiutaba, MG, Brazil. Made direct part of the investigation the young students of the first
year of high school. It was concluded that history teaching in basic education need to reorient their
practice, cover other epistemological perspectives, enabling discuss the diversity of historical and
cultural experiences neglected and silenced. In the process, the use of different fonts and languages
in history lessons can be initiatives to promote coordination between school knowledge and
practical life.
1
Este texto apresenta resultados de uma pesquisa em andamento apoiada pela FAPEMIG/ CAPES/CNPq
Editais: MCTI/CNPq/MEC/CAPES n. 18/2012 e 13/2012 Pesquisa na Educao Bsica Acordo CAPES e
FAPEMIG; FAPEMIG Universal/2013.
24
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INTRODUO
2
BITTENCOURT, Circe Maria. Ensino de Histria: fundamentos e mtodos. So Paulo: Cortez, 2004.
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So Paulo: Cortez, 2004.
28
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8
MIGNOLO, Walter. Os esplendores e as misrias da cincia: colonialidade, geopoltica do
conhecimento e pluri-versalidade epistmica. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). Conhecimento
Prudente para uma vida decente. Um discurso sobre as cincias. Porto: Afrontamento, p. 631-671.
29
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11
CARDOSO, Oldimar. Para uma definio de Didtica da Histria. Revista Brasileira de Histria, So
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DAYRELL, Juarez. A escola faz as juventudes? Reflexes em torno da socializao juvenil. Educ.
Soc., Campinas, v. 28, n. 100, p. 1105-1128, out. 2007. Disponvel em: <http://www.cedes.unicamp.br>.
Acesso em: 10/09/2015.
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moratria em relao ao trabalho. Para esses jovens, o trabalho o que garante manter a
condio juvenil. Constatamos, ainda, que a maioria acessa e utiliza com frequncia
ferramentas tecnolgicas como internet, jogos eletrnicos, dentre outros. Consideram a
famlia uma instituio importante para a formao de suas identidades. Afirmaram que a
televiso e a msica so meios culturais muito procurados em seus cotidianos.
A leitura no faz parte do cotidiano da maioria dos jovens investigados, l apenas o
livro didtico, poucos disseram ler livros de romance, aventuras ou suspense. Alguns
afirmaram que sempre leem histrias em quadrinhos ou mangs. Estes dados evidenciam a
importncia da escola em empreender aes com o intuito de mobilizar os jovens
estudantes para a leitura. Ao final do ensino mdio, imperativo que os jovens estudantes
tenham desenvolvido o raciocnio lgico, a capacidade argumentativa e discursiva, pois tais
habilidades s podem ser efetivadas por meio do desenvolvimento de uma leitura crtica.
Consideramos que, muito embora as sociedades contemporneas sejam marcadas
pelo uso intensivo das tecnologias, assim como da informao via meios de comunicao, a
escola permanece como lcus formativo para a juventude brasileira. A instituio escolar
um espao que, ao se expandir, constituiu um lugar de intensificao e abertura das
interaes com o outro. Portanto, um caminho privilegiado para a ampliao da experincia
de vida dos jovens13. No entanto, para muitos jovens, a escola se mostra distante dos seus
interesses, reduzida a um cotidiano enfadonho, com contedos, prticas pedaggicas e
professores que pouco acrescentam sua formao.
Os jovens pesquisados afirmaram que a escola no recorria a diferentes fontes
culturais no seu cotidiano. A roda de amigos e os esportes constituam meios aos quais os
jovens tinham mais acesso. Tais constataes evidenciam a necessidade de iniciativas que
promovam e ampliem o dilogo entre escola e outros espaos de convivncia dos jovens, e,
deste modo, desperte interesse e sentido na busca de novos conhecimentos capazes de
transformar suas vises de mundo. Lembramos que a escola s desempenhar com
legitimidade seu papel se vier a ser, antes de tudo, um espao de reconhecimento recproco.
Pensamos que a escola deve ser um espao instigante, que propicie aos jovens a religao
dos saberes.
Em relao ao ensino de histria, a maioria afirmou que era excelente. Para a
maior parte dos jovens, a histria um meio de entender a vida. Muitos alunos
13
GUIMARES, Selva; SILVA JNIOR, Astrogildo Fernandes. Ser jovem no Brasil: trajetrias no
campo e na cidade. Campinas: Alnea, 2012.
32
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declararam que o professor ensinava histria buscando relacionar a matria com a vida dos
jovens. Trabalhava com o livro didtico, canes e filmes. O professor de histria,
colaborador da investigao, lecionava em dois colgios, sendo um na rede pblica estadual
e o outro particular com preceitos catlicos.
Observamos que o professor era bastante respeitado pelos alunos, detentor de
postura carismtica e uma narrativa envolvente. Procurava, com frequncia, introduzir em
suas aulas os estudos realizados ao longo do projeto, valer-se da representao de ideias,
analogias, ilustraes, exemplos e explicaes como meio de representar e formular os
contedos com o intuito de torn-los compreensveis para os estudantes.
Ao longo do desenvolvimento do projeto, foi possvel evidenciar o
comprometimento do professor com o projeto desenvolvido. Produzimos e
desenvolvemos diversos diversos materiais didticos recorrendo a diferentes fontes e
linguagens com o intuito de problematizar a histria oficial e relacionar a histria com a
vida prtica dos jovens estudantes. Na continuao deste artigo, apresentamos e analisamos
os resultados de duas propostas de ensino e aprendizagem produzidas na perspectiva de
potencializar a apropriao histrica dos jovens estudantes.
14
AGUIAR JNIOR, Orlando. O planejamento de Ensino. Projeto de Desenvolvimento Profissional de
Educadores, Mdulo II. Belo Horizonte: Secretaria de Estado de Educao de Minas Gerais, 2005.
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extino hoje esto vivos, atuantes, presentes, organizados e cobrando do Poder Pblico a
implementao de seus direitos, no so apenas sobreviventes, mas viventes16.
Na continuao das aulas recorremos a canes, leitura crtica do livro didtico,
anlise de documentos sempre com a inteno de problematizar a histria oficial,
privilegiando outros sujeitos e buscando relao com a vida prtica dos jovens. Ensinar
Histria por meio de canes um grande desafio e requer algumas consideraes:
O livro didtico utilizado pelos estudantes foi HISTRIA Das sociedades sem
Estado s monarquias absolutistas. Volume 1, de autoria de Ronaldo Vainfas, Sheila de
Castro Faria, Jorge Ferreira e Georgina dos Santos18. O livro foi publicado pela editora
Saraiva, So Paulo, 2010. Referente anlise do livro didtico, atentamos para as
consideraes da Professora Circe Bittencourt ao destacar o carter polifnico deste
recurso, acentuando suas caractersticas quanto a: avaliar a aquisio de saberes e
competncias; oferecer uma documentao completa proveniente de suportes diferentes;
facilitar aos alunos a apropriao de certos mtodos que possam ser usados em outras
situaes e em outros contextos19.
Para compreender um documento, convm que se faa uma anlise de seu
contedo como sujeito de uma ao e tambm como objeto, formulando trs nveis de
indagao: 1) sobre a existncia em si do documento: o que vem a ser documento? O que
capaz de dizer? Como podemos recuperar o sentido do seu dizer? Por que tal documento
existe? Quem o fez, em que circunstncias e para que finalidade foi feito? 2) sobre o
significado do documento como objeto: o que significa como simples objeto (isto fruto
do trabalho humano)? Como e por que foi produzido? Para que e para quem se fez esta
16
MARTINS, Maria Cristina Bohn. As sociedades indgenas, a histria e a escola, Antteses, v. 2, n. 3, p.
. 153-167, jan-jun de 2009.
17
GUIMARES, Selva. Didtica e prtica de ensino de Histria: experincia, reflexes e aprendizado.
13 ed. Campinas: Papirus, 2012.
18
Todos os autores so doutores em Histria Social pela Universidade de So Paulo e professores do
departamento de Histria da Universidade Federal Fluminense.
19
BITTENCOURT, 2004.
35
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BITTENCOURT, 2004.
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BITTENCOURT, 2004.
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narrativas, as histrias particulares no podem ser tomadas como verdades absolutas, mas
vises, interpretaes da experincia individual e coletiva.
Os estudantes que optaram pelo trabalho com as fontes orais foram orientados
para considerarem algumas etapas: a preparao da entrevista, a problematizao do tema, a
definio dos objetivos, a definio coletiva do para que entrevistar, a escolha dos
entrevistados, o contato com eles, a preparao do roteiro e das questes; a realizao da
entrevista; a anlise dos dados; estabelecimento de relaes entre o relato, a narrativa, as
informaes do entrevistado com o contexto histrico estudado e atividades orais e escritas
de sistematizao e integrao dos contedos.
Na ltima fase da sequncia de ensino os estudantes produziram um texto
estabelecendo relaes entre a histria local e histria do nacional, enfatizando os aspectos
polticos, econmicos e socioculturais e preparam a apresentao recorrendo ao power
point. Em dia previamente marcado pelo professor os trabalhos foram apresentados no
auditrio da escola para a comunidade escolar.
Os resultados do desenvolvimento das sequncias de ensino foram positivos. Nos
reforaram a ideias de seguir avanando em uma linha em que a construo dos saberes
histricos escolares e sua apropriao deve ser mais protagonizada pelo professor e pelos
estudantes.
CONSIDERAES FINAIS
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histria so aliadas profcuas, pois permitem reconhecer a ligao entre os saberes escolares
e a vida prtica.
Ao acompanhar a produo e o desenvolvimento das sequncias de ensino
apresentadas neste texto, verificamos que os jovens estudantes perceberam que a histria
sempre reescrita. O exerccio de problematizao e construo de conceitos histricos
contribuiu para o aprendizado histrico da maioria dos estudantes, porm no de todos.
Alguns alunos possuem maior facilidade e outros, mais dificuldades em apreender os
conceitos bsicos e o contedo de histria. Consideramos que o domnio das formas de
linguagens e a leitura interpretativa so essenciais para os estudantes se situarem
temporalmente e conseguirem interpretar o passado. Nesse sentido, cabe ao professor
insistir no exerccio da leitura e da escrita.
Ao longo do planejamento das sequncias de ensino trabalhadas nas aulas de
Histria, consideramos de maneira equitativa as seguintes questes: o contedo histrico,
as questes contemporneas, os saberes e o interesse dos jovens estudantes. Ao recorrer s
vrias fontes e linguagens, mobilizamos os estudantes a explorar e analisar os documentos
buscando apreender outras histrias. Estimulamos a realizar um exerccio de investigao
mediante percursos construdos com a participao dos prprios alunos. Estes ao terem
contato com as diferentes fontes e linguagens e realizando uma anlise meticulosa, resultou
em conhecimentos da experincia temporal. Por fim, contriburam para a formao de
jovens capazes de fazer uso de argumentos histricos como pressupostos de orientao da
vida prtica.
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RESUMO
Os povos indgenas no Brasil nos ltimos anos conquistaram e ocuparam espaos sociopolticos,
questionando vises eurocntricas, colonialistas e evolucionistas tratando os povos indgenas como
primitivos, desaparecidos ou vtimas impotentes em extino. O que alm de exigir reformulaes
das teorias explicativas sobre a histria e o destino desses povos, vem tambm exigindo discusses,
formulaes e efetivao de polticas pblicas respondendo as demandas de direitos indgenas
sociais especficos. A Lei n 11.645/2008 determinou a incluso da histria e culturas indgenas nos
currculos da Educao Bsica, possibilitando novas abordagens no ensino da temtica indgena
para superao de desinformaes, equvocos e preconceitos generalizados sobre os ndios,
contribuindo com o reconhecimento e o respeito as sociodiversidades expressas pelos povos
indgenas em nosso pas.
ABSTRACT
Indigenous peoples in Brazil in recent years have conquered and occupied socio-political spaces,
questioning Eurocentric, colonialist and evolutionist visions treating indigenous peoples as
primitive, disappeared or helpless victims in extinction. In addition to demanding reformulations of
explanatory theories about the history and destiny of these peoples, it also requires discussions,
formulations and implementation of public policies responding to the demands of specific
indigenous social rights. Law 11.645/2008 determined the inclusion of indigenous history and
cultures in the curricula of Basic Education, enabling new approaches in teaching indigenous
subjects to overcome misinformation, misunderstandings and widespread prejudices about the
Indians, contributing to the recognition and respect of sociodiversities expressed by indigenous
peoples in our country.
40
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1
BANIWA, Gersem dos Santos Luciano. O ndio brasileiro: o que voc precisa saber sobre os povos
indgenas no Brasil de hoje. Braslia: MEC/Secad/Museu Nacional/UFRJ, 2012, p. 30-31. O autor um
indgena Baniwa. Os Baniwa habitam as margens do rio Iana, em aldeias no Alto Rio Negro e nos
centros urbanos de So Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel e Barcelos/AM. Gersem Baniwa, como
conhecido, Mestre e Doutor em Antropologia pela UnB e Professor Adjunto da Faculdade de Educao
e Diretor de Polticas Afirmativas da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Com uma intensa e
reconhecida atuao nas discusses sobre Educao Escolar Indgena, foi Conselheiro do Conselho
Nacional de Educao entre 2006 a 2008 e Coordenador Geral de Educao Escolar Indgena do MEC no
perodo de 2008 a 2012.
2
SILVA, Edson; SILVA, Maria da Penha da. (Orgs.). A temtica indgena na sala de aula: reflexes para
o ensino a partir da Lei 11.645/2008. 2 ed. Recife: Edufpe, 2016.
41
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3
CANDIDO, Antnio. Formao da Literatura Brasileira: momentos decisivos. 5 ed. v. 1. Belo
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4
ROMERO, Slvio. Histria da Literatura Brasileira. 7 ed. Rio de Janeiro, Jos Olympio: Braslia, INL,
1980, p. 120.
42
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5
ROMERO, Slvio. Histria da Literatura Brasileira. v. 1. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1943, p. 104.
6
ROMERO, 1943, p. 23.
7
HALL, S. A identidade cultural na ps-modernidade. 3 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 1999, p. 50-51.
43
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9
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10
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Euclides da Cunha, Cmara Cascudo e Gilberto Freyre. Belo Horizonte: Autntica, 2007.
11
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SILVA, Edson; SILVA, Maria da Penha da. "J no se v 'ndios como antigamente": a abordagem da
temtica indgena na escola em discusso a partir da Lei 11.645/2008. In: SOUZA, Antnio C. B. de;
OLIVEIRA. Ariosvalber de S; LIMA, Marinalva V. de. (Orgs.). Educao para as relaes tnico-
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Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2001; OLIVEIRA, J. P. de. (Org.). A viagem de volta:
etnicidade, poltica e reelaborao cultural no Nordeste indgena. 2 ed. Rio de Janeiro: Contra Capa,
2004.
47
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com fins trgicos e a morte de milhares de indgenas, para uma concepo mais ampla de
relaes diferenciadas em um contexto de dominao e violncias socioculturais: as muitas
formas de resistncia do cotidiano, por meio de gestos, prticas, atitudes que quebraram
uma suposta totalidade, a hegemonia da dominao colonial.
Uma vez questionadas as vises a respeito dos indgenas como povos vencidos e
as ideias sobre o genocdio e do etnocdio, enquanto total destruio fsica e cultural,
por meio das novas abordagens vem sendo estudadas as diferentes estratgias utilizadas
pelos povos indgenas que traduziram, negociaram, adaptaram os cdigos dos
colonizadores para conviver no mundo colonial. Estratgias expressas nos acordos,
alianas, simulaes, acomodaes ou ainda as apropriaes simblicas por meio das quais
os povos indgenas transformaram ritos e expresses socioculturais dos colonizadores:
reformulando-as, adaptando-as, refazendo-as, influenciando-as, reinventando-as. Processos
que foi chamado por muitos autores como religiosidade popular, sincretismo, hibridismo
cultural, etc., que permeiam os anos de colonizao.
15
POMPA, 2001.
48
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MONTEIRO, John M. Redescobrindo os ndios da Amrica Portuguesa: Antropologia e Histria. In:
AGUIAR, Odlio Alves; BATISTA, Jos lcio; PINHEIRO, Joceny. (Orgs.). Olhares contemporneos:
cenas do mundo em discusso na universidade. Fortaleza: Edies Demcrito Rocha, 2001, p. 135-142.
17
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reconhecimento e regimes de memria. Joo Pacheco de Oliveira (Org.) Rio de Janeiro Contra Capa,
2011.
49
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insistentemente solicitaram aos poderes pblicos as terras dos antigos aldeamentos para
patrimnio dos municpios, alegando a necessidade de expanso destes. Os vereadores
legislavam em causa prpria, uma vez que sendo a maioria deles invasores nas terras
indgenas, com a medio e demarcao das terras dos aldeamentos, tiveram suas posses
legitimadas. A partir de 1870 vrios aldeamentos foram declarados oficialmente extintos no
Nordeste, favorecendo os tradicionais esbulhos, legitimando-se os antigos invasores das
terras indgenas.
Os povos indgenas no Nordeste lembram em suas tradies orais que com as
invases sistemticas de suas terras e decretao das extines dos aldeamentos, ocorreram
casos de umas poucas famlias que migraram para terras de outros aldeamentos, tambm
oficialmente declarados extintos. Muitas famlias indgenas engrossaram o grande
contingente de mo-de-obra espalhado pelas regies vizinhas s aldeias, ora trabalhando
nas fazendas, como moradores, agregados, sem terras. Ora migrando para trabalhar na
lavoura sazonal da cana-de-acar na Zona da Mata nordestina, ora vagando pelas estradas,
como sem-terras e sem-teto vieram ocupar as periferias urbanas das capitais, das maiores
cidades no interior ou prximas aos antigos aldeamentos.18
Contudo, outras famlias indgenas conseguiram resistir s presses nos seus
tradicionais locais de moradias, ou s vezes em lugares das cercanias mas de difcil acesso.
E por meio das relaes e vnculos como casamentos, moradias em terras comuns, dentre
outros estabelecidos com outros grupos de marginalizados (negros, brancos pobres) pelo
sistema social vigente e das relaes culturais na sociedade onde estavam inseridas,
reelaboraram a identidade tnica afirmada pelos atuais povos indgenas no Nordeste.19
Para compreender esses processos significativa a leitura do texto Armas e
armadilhas: histria e resistncia dos ndios, publicado em 1999, onde John Monteiro
afirmou: Importa recuperar o sujeito histrico que agia (age) de acordo com a sua leitura
do mundo ao seu redor, leitura esta informada tanto pelos cdigos culturais da sua
sociedade como pela percepo e interpretao dos eventos que se desenrolavam. 20
18
SILVA, Edson. Ensino e Sociodiversidades indgenas: possibilidades, desafios e impasses a partir da
Lei 11.645/2008. In: Mneme - Revista de Humanidades, n. 35, jul./dez. 2014, p.21-37.
19
SILVA, Edson. Os caboclos que so ndios: histria e resistncia indgena no Nordeste. In: Portal do
So Francisco Revista do Centro de Ensino Superior do Vale do So Francisco/CESVASF. Belm de
So Francisco, ano III, n. 3, 2004, p.127-137
20
MONTEIRO, John M. Armas e armadilhas: Histria e resistncia dos ndios. In, NOVAES, Adauto.
(Org.). A outra margem do Ocidente. So Paulo: Cia. das Letras, 1999, p. 248.
50
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Um dos maiores desafios, de uma forma em geral, para tratar da temtica indgena
no ensino a superao de uma cultura escolar que perdura sobre os povos indgenas. A
escola uma das instituies responsveis pela veiculao de muitas ideias, imagens,
discursos e informaes equivocadas a respeito dos ndios no Brasil. Ainda comum na
maioria das escolas, principalmente no universo da Educao Infantil, que no Dia 19 de
abril, quando se comemora o Dia do ndio, em todos os anos vem se repetindo as
mesmas prticas: enfeitam as crianas, pintam seus rostos, confeccionam penas de cartolina
e as colocam nas suas cabeas. Remetendo a imagens e discursos pretritos, folclorizados,
homogeneizadores e desinformados sobre os indgenas.
As crianas nas escolas so vestidas com saiotes de papel geralmente verdes e no
faltam os gritos e os cenrios com ocas e florestas! Dizem que esto imitando os ndios,
numa tentativa de homenage-los! Entretanto, tais supostas homenagens se referem qual
ndio? As supostas imitaes correspondem s situaes dos povos indgenas no Brasil?
Como essas imagens ficaro gravadas na memria dos/as estudantes desde to cedo? Quais
sero suas atitudes quando se depararem com os ndios reais? Quais as consequncias da
reproduo dessas desinformaes sobre as diversidades tnicas existente no nosso pas?
Ao longo do sculo XIX e tambm no XX existiram uma diversidade e
pluralidade de imagens a respeito dos indgenas. Essas imagens corresponderam aos
diferentes momentos polticos e as mudanas sociohistricas que ocorreram no pas,
expressaram as oposies entre o Tupi como smbolo da nacionalidade e o Tapuia como
brbaro, selvagem. Entre o ndio dcil, catequizado, integrado a civilizao e o ndio feroz,
sem sentimentos, a ameaar a civilizao.
O que muitas das vezes aprendemos sobre os ndios na escola est associado
basicamente s imagens do que vem sendo na maioria dos casos veiculadas pela mdia: um
ndio genrico, ou seja, sem estar vinculado a um povo indgena. Ou ainda com um bitipo
de indivduos habitantes na Regio Amaznica e no Xingu. Com cabelos lisos, muitas
pinturas corporais e adereos de penas, nus, moradores das florestas, portadores de
culturas exticas, etc. Ou tambm os diversos povos indgenas so chamados de tribos,
uma viso do Sculo XIX a partir da perspectiva etnocntrica e evolucionista de uma
suposta hierarquia de raas, onde os ndios como primitivos, atrasados ocupariam
obviamente o ltimo nvel na escala em direo a uma chamada civilizao. Ou ainda
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imortalizados pela literatura romntica do Sculo XIX, como nos livros de Jos de Alencar,
onde so apresentados ndios belos e ingnuos, ou valentes guerreiros e ameaadores
canibais, ou seja, brbaros, bons selvagens ou heris.
As imagens e discursos que afirmam os indgenas na Amaznia como puros,
autnticos e verdadeiros em oposio aos habitantes em outros lugares do pas,
principalmente nas mais regies antigas da colonizao portuguesa, a exemplo do
Nordeste, se baseiam em uma ideia equivocada de culturas melhores, superiores ou
inferiores. Quando as pesquisas antropolgicas afirmam que as culturas so dinmicas e
apenas diferentes e mais do que isso: so resultados das relaes histricas entre os
diferentes grupos humanos. Ou seja, para melhor compreender-se os atuais povos
indgenas nas suas sociodiversidades, se faz necessrio perceber as diferentes experincias
vivenciadas por esses povos nos diversos processos de colonizao, que resultaram na
histria das relaes socioculturais ao longo mais de 500 anos no Brasil. Portanto,
buscando compreender as expresses socioculturais indgenas como produtos das relaes
histricas em cada regio do pas.21
As oposies entre o aldeamento e a selva; entre o cio, a liberdade e o trabalho/
entre o atraso e o progresso; entre a degenerao e a civilizao, so imagens que
expressaram/expressam o etnocentrismo presente nos vrios discursos construdos, a
partir da suposta supremacia da raa branca, representante da obra redentora da nomeada
civilizao. Imagens a respeito dos indgenas, que ao serem justificadas com os
pressupostos cientfico-filosficos, por meio das teorias explicativas das diferenas e
desigualdades raciais, legitimaram a ordem social vigente, as tradicionais prticas das
invases territoriais, a negao dos direitos histricos e a disperso de grupos indgenas,
enquanto outros reinventavam suas vidas a partir das suas prprias imagens.
Os discursos e imagens sobre os ndios vm mudando nos ltimos anos. E essa
mudana ocorre em razo da visibilidade poltica conquistada pelos prprios ndios. As
mobilizaes dos povos indgenas em torno das discusses e debates para a elaborao da
Constituio em vigor aprovada em 1988 e as conquistas dos direitos indgenas fixados na
Lei maior do pas possibilitaram a garantia dos direitos (demarcao das terras, sade e
educao diferenciadas e especficas, dentre outros), alm da nfase para que a sociedade
em geral (re)descubra os ndios.
21
SILVA, Edson. Dia do ndio: a folclorizao da temtica indgena na escola. In: Construir Notcias, v.
72, 2013, p. 35-41.
52
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22
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formao e o sentido do Brasil. 2 ed. So Paulo: Companhia das
Letras, 1995.
23
SILVA, Edson. Os povos indgenas e o ensino: reconhecendo as sociodiversidades nos currculos com
a Lei 11.645. In: ROSA, A; BARROS, N. (Orgs.). Ensino e pesquisa na Educao Bsica: abordagens
tericas e metodolgicas. Recife: EDUFPE, 2012a, p. 75-87.
53
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24
BERGAMASCHI, Maria Aparecida. Povos indgenas e o Ensino de Histria: a Lei n 11.645/2008
como caminho para a interculturalidade. In: BARROSO, Vera L. M; BERGAMASCHI, Maria A;
PEREIRA, N. M; GEDOZ, S. T; PADRS, E. S. (Orgs.). Ensino de Histria: desafios contemporneos.
Porto Alegre: EST/Exclamaes/ANPUH/RS. 2010, p.151-166.
25
SILVA, Maria da Penha da. A presena dos povos indgenas nos subsdios didticos: leitura crtica
sobre as abordagens das imagens e textos impressos. In: Mnemosine Revista, v. 1, n 2, 2010, p. 268-290.
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26
SILVA, Edson. Os povos indgenas e o ensino: possibilidades, desafios e impasses a partir da Lei
11.645/2008. In: FERREIRA, Gilberto Geraldo; SILVA, Edson Hely; BARBALHO, Jos Ivamilson
Silva. (Orgs.). Educao e diversidade: um dilogo necessrio na Educao Bsica. Macei: EDUFAL,
2015, p.161-180.
27
SILVA, Edson; SOUZA, Neimar M. Reviso bibliogrfica sobre o ensino da temtica indgena. In:
SOUZA, Fbio Feltrin; WITTMANN, Lusa Tombini. (Orgs.). Protagonismo indgena na Histria.
Tubaro, SC: UFFS, 2016, p. 255-285.
55
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Agradeo aos/as pareceristas annimos/as pelas leituras cuidadosas, comentrios e sugestes que
procurei incorpor-las na atual verso do texto.
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RESUMO
Esse artigo apresenta parte de uma pesquisa de doutorado na qual investiguei a relao dos
professores de histria com a exposio do Museu de Artes e Ofcios em Belo Horizonte.
Apresento as experincias sensveis dos docentes no museu e discuto as escolhas que fazem para
ensinar histria. Afirmo que a potencialidade dos museus para o ensino de histria est na forma
que dispe os objetos, imagens e legendas e analiso dados sobre as mediaes oferecidas pelo
museu aos docentes. Discuto que a educao museal passa pelas experincias sensveis e que,
portanto, os programas e projetos dos setores educativos so potentes para formao docente que
processual critica e reflexiva. Como mtodo de pesquisa utilizamos questionrios e entrevistas
narrativas em contato com a exposio do museu.
ABSTRACT
The present article brings part of a doctoral research where the relationship between History
teachers and the exhibition at the Museu de Artes e Ofcios (Arts and Crafts Museum), in Belo
Horizonte city, is investigated. It presents the teachers sensory experiences at the museum, and the
choices they make to discuss and to teach History. This work states that the potential of museums
for teaching History lays in the form they displays objects, images and captions, and it analyzes data
on the mediation offered to teachers by those museums. It argues that museal education runs
through sensible experiences and that, therefore, the educational sector programs and projects are
potent for teachers training, which is procedural, critical, and reflective. As a research method,
questionnaires and narrative interviews have been done during the museum exhibition.
INTRODUO
57
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1
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formao profissional. Petrpolis: Vozes, 2011, p. 21.
2
TEIXEIRA, Ins Assuno de Castro. Tempos enredados: teias da condio professor. 420f. Tese
(Doutorado em Educao) Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Educao, Belo
Horizonte, 1998, p. 415.
3
TEIXEIRA, 1998, p. 130.
58
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59
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4
TEIXEIRA, Ins Assuno de Castro; PDUA, Karla Cunha. Virtualidades e alcance da entrevista
narrativa. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE PESQUISA (AUTO) BIOGRFICA, 2., 2006,
Salvador. Anais... Salvador: s.e., p. 34. CD-ROM.
60
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5
TEIXEIRA; PDUA, 2006, p. 36.
6
TARDIF,2011, p 39.
61
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foram mais de duas vezes ao MAO no ano de 2012, como podemos observar no Grfico
1.7
7
BRAGA, Jezulino Lcio Mendes. Professores de Histria em Cenrios de Experincia. 182 f. Tese
(Doutorado em Educao) - Universidade Federal de Minas Gerais,, Belo Horizonte, 2014, p. 235.
8
BRAGA, 2014, p. 235.
62
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9
Museu como espao da disperso, pluralidade, onde reside o paradoxo da salvaguarda e da irremedivel
perda que implica a prpria vida. Museu como espao das diversas linguagens e de possibilidade de
partilhar experincias.
63
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10
SCHEINER, Tereza Cristina. Comunicao, educao, exposio: novos saberes, novos sentidos.
Semiosfera - Revista de Comunicao e Cultura, Rio de Janeiro, ano 3, n. 4-5, jul., 2003.
64
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11
DUARTE-JUNIOR, Joo Francisco. O sentido dos sentidos: A educao (do) sensvel. Campinas:
UNICAMP, 2000.p 177
65
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o lugar do inesperado.12
12
Entrevista em HD 1h35, data 11/04/2012, local: MAO. Grifos nosso.
13
Entrevista em HD 1h35, data 11/04/2012, local: MAO. Grifos nosso.
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que resume a imagem que uma sociedade majoritria ou o Estado desejam passar e
impor.14
Estas memrias subterrneas so expressas nas histrias de vida como
ordenamento de acontecimentos que balizaram uma existncia e (...) atravs desse
trabalho de reconstruo de si mesmo o indivduo tende a definir seu lugar social e suas
relaes com os outros.15
Os objetos expostos ressoam as experincias dos sujeitos despertando lembranas
que criam outras narrativas, que esto silenciadas na exposio do museu. Greenblat 16
admite que os objetos so potentes, revelando foras culturais complexas e dinmicas nas
quais foram criados e das quais estabelece relaes com o sujeito que v, arrebatado pela
esttica que prende sua ateno. Pela ressonncia e encantamento so provocados gestos
imaginativos relacionados aos contedos propostos pelo professor no momento da visita.
O professor Bento afirma a importncia de dar vazo s histrias de vida
despertadas pelo contato visual com a exposio do MAO. No relato dessas histrias o
docente estabelece relaes com aspectos da histria social, abrindo um dilogo com os
estudantes e introduzindo contedos prximos s suas experincias.
Essa estratgia de ensino no limita os contedos de histria ao que est exposto
nos manuais didticos ou ao conhecimento do professor, mas estimula o questionamento
das narrativas e prope entender cada sujeito na construo do presente em dilogo com o
passado. A histria aproxima-se do sujeito do aprendizado no estmulo construo da
conscincia histrica em um processo de educao sensvel.
Na educao sensvel considera-se que o sujeito aprende na relao corprea que
estabelece com as coisas do mundo por meio de seus sentidos, antes mesmo do
pensamento e da reflexo. Como afirma Merleau-Ponty:
14
POLLAK, Michael. Memria, esquecimento e silncio. Estudos Histricos, Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3,
p. 3-15, 1989, p. 6.
15
POLLAK, 1989, p. 7.
16
GREENBLATT, Stephen. O novo historicismo: ressonncia e encantamento. Estudos Histricos, Rio
de Janeiro, v. 4, n. 8, p. 244-261, 1991.
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O autor afirma que o cognitivo depende de uma viso pessoal, ou seja, de uma
forma prpria de se posicionar no mundo. O inteligvel secundrio em relao a essa
experincia relacional despertada pelos sentidos.
As lembranas como fenmenos prprios da relao do homem com as coisas do
mundo fazem com que os estudantes ressignifiquem sua opinio sobre os museus, pois
percebem que os objetos esto muito mais prximos de suas vidas do que imaginavam.
Pelos aspectos relacionados vida dos estudantes, o docente faz um exerccio de
construo do conhecimento histrico, levantando problemas sobre a conjuntura,
dialogando com as temporalidades e ensinando histria de forma sensvel e emptica por
meio da exposio:
17
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepo. So Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 6-7.
18
Entrevista em HD 1h35, data 11/04/2012, local: MAO. Grifos nosso.
68
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19
PEREIRA, Junia Sales. Escola e Museu: dilogos e prticas. Belo Horizonte: Secretaria de Estado da
Cultura/Superintendncia de Museus/CEFOR-PUC-Minas, 2007, p. 2.
69
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20
BRAGA, 2014, p. 136.
70
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21
BRAGA, 2014, p. 137.
22
Entrevista em HD 1h52, data 10/04/2012, local: MAO.
71
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Com os trs relatos acima, percebemos uma dificuldade em participar das atividades
de formao oferecidas pelo MAO. As professoras Cora e Clarice trabalham em jornadas
duplas, uma caracterstica quase geral dos professores da rede pblica de ensino. Muitos
possuem dois cargos para contornar a situao atual de baixos salrios. A professora Ceclia
participou do primeiro seminrio ofertado pelo MAO quando o museu foi aberto em 2006,
mas, atualmente, como a formao acontece fora do horrio de trabalho e ela no consegue
liberao, em seus horrios de folga prefere estar com os filhos que considera prioridade
em sua vida.
A condio docente da ordem do humano e os professores devem ser entendidos
nessa perspectiva sociocultural. So sujeitos que constroem suas aes profissionais na
formao inicial e continuada, na experincia em sala de aula e nas relaes sociais e
familiares que mantm. Como mulher e me, a professora Ceclia afirma que est em uma
fase da vida em que prioriza a famlia. Considera que os processos formativos so muito
importantes, mas ainda que tenha vontade de participar, os horrios no so compatveis.
As professoras Clarice e Cora tm que cuidar de suas sobrevivncias e com os baixos
salrios que recebem, optam por dobrar o turno trabalhando em mais de uma escola.
Mesmo no conseguindo participar do Momento do Educador, estes docentes
conseguem agendar a visita por telefone ou e-mail. O agendamento abre a possibilidade de
o professor organizar as atividades que sero desenvolvidas e realizar a visita em parceria
com educadores que compem a equipe do MAO. H, ainda, a possibilidade de optar por
23
Entrevista em HD 1h18, data 20/04/2012, local: MAO.
24
Entrevista em HD 1h48, data 18/04/2012, local: MAO.
72
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uma das trilhas25 sugeridas no Guia do Educador, rompendo com a ideia de que necessrio
ver todo o museu em um em uma nica visita.
Como podemos observar no grfico 04, 42% dos professores possuem o Guia do
Educador e fazem uso do material para preparar sua visita ao MAO. O instrumento um
norteador e sugere algumas atividades que podem ser desenvolvidas no museu. Por meio
deste guia, os professores que optam por uma das trilhas so recebidos por um educador
que apresenta a exposio do museu:
73
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possibilita o acesso ao Museu, para que possam planejar atividades que sero realizadas
com os estudantes durante a visita. 27
Pereira & Carvalho afirmam que no h visibilidade plena nos museus e sim a
possibilidade de aprendizado da cultura e a sensibilizao histrica por meio do projeto
museal. Em processo, o museu forjado a partir de selees arbitradas de colees
produzindo visibilidade e invisibilidade. Desta forma preciso romper com:
27
O agendamento de visitas orientadas ao MAO realizado com 1 ms de antecedncia de duas formas:
no "Momento do Educador" encontro realizado com professores na ltima semana do ms e na primeira
segunda-feira de cada ms, para o ms seguinte. O professor que comparece ao encontro tem a
possibilidade de agendar visitas e as vagas remanescentes do encontro, ficam disponveis para
agendamento na primeira segunda-feira. Museu de Artes e Ofcios, 2014, online.
28
PEREIRA, Junia Sales; CARVALHO, Marcus Vinicius Corra. Sentidos dos tempos na relao
museu/escola. Cadernos Cedes, Campinas, v. 30, n. 82, set./dez., 2010.p 390-391
74
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29
BRAGA, 2014, p. 142.
30
BARBOSA, Neilia Marcelina. Olhares sobre a prtica docente no uso do Arte de Ofcios. (Relatrio
final de pesquisa de iniciao cientfica). Universidade Federal de Minas Gerais. Faculdade de Educao,
Belo Horizonte, 2010.
75
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Atravs desse projeto, o aluno pode reconhecer seu papel como cidado
ativo, sujeito da histria e responsvel pela preservao do patrimnio
material e imaterial da sociedade brasileira. O MAO, com seu rico e
diversificado acervo, mostra sociedade como o museu e, assim como a
escola, tem um papel educativo de conscientizao das novas geraes. A
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Cidade dos Meninos, por sua vez tambm cumpre essa funo educativa,
possibilitando a incluso social e a valorizao do seu humano. 31
77
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34
BRAGA, 2014, p. 150.
78
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obter o mximo de informaes em uma nica visita. Nas falas dos professores
recorrente o uso dessa concepo:
A palavra mediao est substituindo o termo visita guiada. Neste caso existe uma
diferena de concepo de educao adotada pelos museus. Os guias ou monitores, como
disseram os professores entrevistados, passam a ser vistos como educadores de museus,
uma vez que realizam uma atividade baseada nas relaes de ensino e aprendizagem. O
termo mediao amplia a viso de educao investindo em um processo dialgico e
reflexivo no qual o visitante estimulado a participar e trocar conhecimento e experincia.
Para Junia Sales Pereira:
35
BRAGA, 2014, p. 152.
36
PEREIRA, Junia Sales. Escola e Museu: dilogos e prticas. Belo Horizonte: Secretaria de Estado da
Cultura/Superintendncia de Museus/CEFOR-PUC-Minas, 2007, p. 24.
79
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Professora Adlia: Como eu via que ele saa muito do objeto... Saa
assim, metaforicamente, da eu falei... De onde ele tira? Ento, ele
tirava das histrias dele... Da av dele, das tias dele, e coisas que ele
inventava, e ele era muito famoso. Ele era um bom...
Pesquisador: Um bom educador...
Professora Adlia: ... [Risos]
A visita dele, diferente de outro monitor de histria, estudante de
histria... Que era muito preciso em relao s informaes
37
MOURTH, Naila. Palestra na II Jornada Formadora do MAO in: BARBOSA, Neilia Marcelina.
Olhares sobre a prtica docente no uso do Arte de Ofcios. (Relatrio final de pesquisa de iniciao
cientfica). Universidade Federal de Minas Gerais. Faculdade de Educao, Belo Horizonte, 2010.
80
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38
Entrevista gravada em HD, 2h18, data 03/04/2012, local: MAO.
81
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39
PEREIRA, Junia Sales; SIMAN, L. M. C. Educadores em zonas de fronteira - Limiares da relao
museu-escola. In: NASCIMENTO, Silvania Souza; FERRETI, Carla Santiago. (Org.). Museu e Escola.
Anais. Belo Horizonte: Puc Minas/UFMG, 2009, v. 1, p. 11.
40
SCHEINER, Tereza Cristina. O museu como processo. Cadernos de Diretrizes Museolgicas 2:
mediao em museu: curadorias, exposies, ao educativa. Belo Horizonte: Secretaria de Estado da
Cultura de Minas Gerais, Superintendncia de Museus, 2008.
82
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41
Entrevista em HD 1h18, data 20/04/2012, local: MAO. Grifos nosso.
42
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepo. So Paulo: Martins Fontes, 1999.
83
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CONSIDERAES FINAIS
43
BONDA, Jorge Larossa. Notas sobre a experincia e o saber da experincia. Revista Brasileira de
Educao. Rio de Janeiro, n. 19, jan./abr., 2002, p. 24
84
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85
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RESUMO
ABSTRACT
1
ANDRADA E SILVA, Jos Bonifcio de. Projetos para o Brasil (organizao de Miriam Dolhnikoff).
So Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 170.
86
Revista histria, histrias, volume 5, nmero 9, jan.jul. 2017
ISSN 2318-1729
2
WEHLING, Arno. Estado, Histria, Memria: Varnhagen e a construo da identidade nacional. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
3
CHARTIER, Roger. A histria cultural entre prticas e representaes. Lisboa: Difel, 1990, p. 17.
4
RIBEIRO, Joo. Histria do Brasil. Curso Superior. 9 ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1920, p. 17.
5
SCHWARTZ, Stuart. A historiografia dos primeiros tempos do Brasil Moderno. Tendncias e desafios
das duas ltimas dcadas. Histria: Questes e Debates, n. 50, p. 175-216, 2009.
87
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dcada de 1950 como A pesquisa de esteretipos e valores nos compndios de Histria destinados ao
curso secundrio brasileiro, de Guy Holanda (1957); Preconceito racial e patriotismo em seis livros
didticos primrios, de Dante Moreira Leite (1950); Valores e esteretipos em livros de leitura, de
Bazzanella (1957) e o texto de Guiomar Ferreira de Mattos, O preconceito nos livros infantis
(1954) somados aos protestos das associaes negras, denunciaram que os livros escolares
apresentavam, de forma geral,
6
ROSEMBERG, Flvia; BAZILLI, Chirley; SILVA, Paulo Vincius Baptista da. Racismo em livros
didticos brasileiros e seu combate: uma reviso da literatura. Educao e Pesquisa, v. 29, n. 01, p.
134, 2003. Disponvel em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-
97022003000100010>. Acesso em: 08/11/2013.
7
OLIVEIRA, Almir Flix Batista de. A experincia do negro na historiografia didtica brasileira
(1840/2010). In: ENCONTRO NACIONAL DOS PESQUISADORES DO ENSINO DE HISTRIA:
Amrica Latina em perspectiva: culturas, memrias e saberes, IX, 2011, Florianpolis. Anais
Eletrnicos... Florianpolis: s.e., 2011, p. 02. CD-ROM.
8
SCHWARTZ, 2009.
9
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Produo didtica de Histria: trajetrias de pesquisas.
Revista de Histria, So Paulo, n. 164, p. 487-516, 2011.
88
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Vinte e trs anos aps a publicao daquele artigo, Oliveira concluiria que, apesar
dos avanos dos ltimos tempos, a historiografia didtica continua equivocada e omissa
em relao experincia negra brasileira. 12 E no caso da historiografia didtica regional
apresentada como um rinco marcado por permanncias, tradies e heranas, veiculando
uma narrativa factual, enfatizando nomes e personalidades e apresentando um passado
idealizado repleto de passagens romantizadas? 13 Que representaes acerca dos negros
localizaramos nos livros escolares de histria regional?
Objetivando contribuir para essa discusso optamos pelo estudo de um exemplo: a
histria escolar capixaba publicada entre os anos de 1964 a 1997. Recorte temporal
escolhido em funo de acreditarmos ser Brasil: edio especial para o Esprito Santo (1964)14 o
primeiro livro didtico lanado no Esprito Santo como parte de um modelo editorial que
abordava na mesma obra a histria regional e a histria do Brasil, e que perdurou por mais
de duas dcadas no mercado editorial capixaba. O outro limite 1997, ano de lanamento
de Nossa Histria, Nossa Gente, de Lea Brgida Rocha Alvarenga Rosa, Luiz Guilherme
10
ROSEMBER; BAZILLI; SILVA, 2003.
11
NEGRO, Esmeralda V. Preconceitos e discriminaes raciais em livros didticos. Cadernos de
Pesquisa, So Paulo, n. 65, p. 60, 1988.
12
OLIVEIRA, 2011, p. 06.
13
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Histria Regional e Transformao Social. In: SILVA, Marcos Antnio
da. Repblica em migalhas. So Paulo: Marco Zero, 1990.
14
MORAES, Joo Barbosa de. Brasil: edio especial para o Esprito Santo. So Paulo: Editora Brasil.
1964.
89
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Santos Neves e Renato Jos da Costa Pacheco, obra que consolidou importantes alteraes
na escrita didtica capixaba acerca do negro iniciadas pelos autores capixabas ainda na
dcada de 1970.
Alm dessas obras, neste artigo analisaremos: O Esprito Santo Assim,15 Esprito
Santo, esta a sua terra no Brasil,16 Geografia e Histria do Esprito Santo rea de Estudos Sociais,17
e Estado do Esprito Santo: estudos sociais,18 Gente, terra verde, cu azul Estudos Sociais,19 Esprito
Santo, Minha terra, minha gente20 e Meu Estado - Esprito Santo.21
Aps localizar 10.887 fontes em 52 acervos, Andr Luiz Pirola, produziu o mais
importante estudo sobre o livro didtico de histria no Esprito Santo publicado at o
momento.22 Conforme aquele pesquisador, na dcada de 1970 a histria escolar capixaba
passou por uma srie de transformaes.23 Alm das mudanas de ordem material, como a
passagem de um modelo de confeco artesanal para uma produo industrial, a narrativa
escolar naquele perodo consolidou uma representao de um presente desenvolvimentista
em contraste a um passado de atraso, simbolizado, entre outros, no mito da barreira verde.
A hiptese professava que, diante da descoberta de ouro no interior da ento Capitania do
Esprito Santo no final do sculo XVII, a Coroa portuguesa, pretendendo conter o
contrabando, criou uma nova capitania na regio a Capitania das Minas Gerais e
transformou o territrio capixaba, devido a sua localizao geogrfica, em uma barreira
natural. Para isso, proibiu a abertura de estradas para o interior e construiu ou reaparelhou
fortes no litoral. As medidas, ainda conforme aquela representao, lanaram a regio no
15
MORAES, Neida Lcia de. O Esprito Santo assim. s.e..: Rio de Janeiro, 1971.
16
MORAES, Neida Lcia de. Esprito Santo, esta a sua terra no Brasil. Lisa: So Paulo, 1973.
17
KILL, Miguel Arcanjo. Geografia e Histria do Esprito Santo. Vitria: s/ ed., 1974.
18
KILL, Miguel Arcanjo. Estado do Esprito Santo: estudos sociais. 5 ed. So Paulo: Saraiva, 1983.
19
MORAES, Ldia Maria; AROEIRA, Maria Luiza C.; CALDEIRA, Maria Jos. Gente, terra verde, cu
azul. Estudos Sociais Esprito Santo. So Paulo: tica, 1981.
20
NEVES, Luiz Guilherme Santos; PACHECO, Renato Jos da Costa; ROSA, Lea Brgida Rocha
Alvarenga. Esprito Santo: minha terra, minha gente. Histria regional para o 1 grau das escolas
estaduais. Vitria: SEDU, 1986.
21
BECHEPECHE, Morgana; ORDOEZ, Marlene; SALES, Geraldo. Coleo Meu Estado - Esprito
Santo. So Paulo: Scipione, 1997.
22
PIROLA, Andr Luiz B. O livro didtico no Esprito Santo e o Esprito Santo no livro didtico:
histria e representaes. 265 f. Dissertao (Mestrado em Educao) Programa de Ps Graduao em
Educao, Universidade Federal do Esprito Santo, Vitria, 2008.
23
PIROLA, 2008, p. 202.
90
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24
Entre esses estudos destacamos: BARROS, Niclio; RIBEIRO, Luiz Cludio; PROTTI, David. A
serventia da casa: a Alfndega do Porto de Vitria e os rumos do Esprito Santo. Vitria: Sindiex, 2008;
VITRIA SOBRINHO, Sueni. A Economia do Estanco e o Mercado Interno na Capitania do Esprito
Santo. Revista FACEVV, Vila Velha, v. 6, p. 111-130, 2011.
25
HEES, Regina; FRANCO, Sebastio Pimentel. Histria do Esprito Santo. So Paulo: Scipione, 2012,
p. 57.
26
LEITE, Juara Luzia. Prticas de leitura e escritas de si: livro didtico regional e identidade geracional.
In: OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de; STAMATTO, Maria Ins Sucupira. O livro didtico de
Histria: polticas educacionais, pesquisas e ensino. Natal: EDUFRN, 2007, p. 196.
27
PIROLA, 2008, p. 130-131.
28
PIROLA, 2008, p. 130-131
91
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Esprito Santo, a autora utilizou o mesmo tom romntico que marcaria toda a obra, como
podemos conferir no excerto a seguir:
29
MORAES, 1971, p. 40
30
MORAES, 1973.
31
PIROLA, 2008, p. 154.
32
MORAES, 1973, p. 24.
33
MORAES, 1973, p. 188.
34
KILL, 1974, p. 57.
92
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35
KILL, 1974.
36
KILL, 1983
37
KILL, 1974.
38
MORAES, 1971, p. 42.
39
KILL, 1974, p. 65.
40
CONCEIO, M. T. A escrita didtica da histria do negro no Brasil na segunda metade do sculo
XX: Um olhar sobre a temtica na dcada de 1970. In: SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA, XXVI,
2011, So Paulo. Anais do XXVI ... So Paulo: ANPUH, 2011; ROSEMBERG; BAZILLI; SILVA, 2003.
41
OLIVEIRA, 2011; SCHWARTZ, 2009.
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Princesa Isabel47 a quem Joo Barbosa de Moraes acrescentaria outras pessoas bondosas
[que] passaram a se interessar pelos sofrimentos dos escravos negros e desejavam acabar
com a escravido,48 enquanto que Bechepeche, Ordoez e Sales sequer mencionam o
tema.49
Outro ponto comum nas trs obras a inexistncia de revoltas ou quaisquer outras
formas de resistncia escrava. Moraes ainda mais enftico ao justificar a opo portuguesa
pelo emprego da mo de obra africana em detrimento da indgena, devido a humildade e
docilidade do africano.
47
MORAES; AROEIRA; CALDEIRA, 1981.
48
MORAES, 1964, p. 177.
49
BECHEPECHE; ORDOEZ; SALES, 1997.
50
MORAES, 1964, p. 176-177, grifo nosso.
51
TELLES, Edward. Racismo brasileira: uma nova perspectiva sociolgica. Rio de Janeiro: Relume
Dumar; Fundao Ford, 2003.
52
MORAES; AROEIRA; CALDEIRA, 1981, p. 53.
53
Notemos que as autoras distinguem as diferentes nacionalidades europeias, enquanto que homogeneza
os povos que habitavam o continente africano e americano.
95
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No bastasse a referncia esparsa a essa manifestao cultural enquanto herana negra, nas
duas imagens (Ilustraes 1 e 2) que ilustram o congo, os sujeitos retratados no
apresentam fentipo negro.
Ilustrao 2
Ilustrao 1 Fonte: BECHEPECHE; ORDOEZ;
Fonte: BECHEPECHE; ORDOEZ; SALES, SALES, 1997, p. 04.
1997, p. 42.
A hegemonia branca, que institura a escravido e seu trmino e que agradecera a
negros e ndios sua contribuio para construo econmica e cultural do Brasil,
manifesta ainda quando os autores traduzem povoamento como sinnimo de presena
europeia, afirmando que o povoamento do Esprito Santo foi muito lento nos trs
primeiros sculos de nossa histria.55 Essa situao reafirmada em todas as obras
analisadas neste artigo, seja quando tratam da colonizao do Esprito Santo - como as
terras do Estado comearam a ser exploradas e povoadas?56 - ou quando abordam o
presente. o que observamos no grfico que ilustra o crescimento da populao de
Vitria, capital do Esprito Santo, impresso em Meu Estado- Esprito Santo (Ilustrao 3). Na
54
BECHEPECHE; ORDOEZ; SALES, 1997, p. 42.
55
BECHEPECHE; ORDOEZ; SALES, 1997, p. 26.
56
MORAES; AROEIRA; CALDEIRA, 1981, p. 57.
96
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Ilustrao 3
Fonte: BECHEPECHE; ORDOEZ; SALES, 1997, p.36.
Afinal, porque os livros, parte das colees nacionais, produziram representaes
do negro distintas das encontradas nos livros produzidos no mesmo perodo por autores
locais? Sugerimos que a resposta pode estar em um trecho de uma das obras didticas de
Luiz Guilherme Santos Neves, La Brgida Rocha de Alvarenga Rosa e Renato Jos Costa
Pacheco, onde se apresentam aos seus leitores como capixabas, ex-professores da
Universidade Federal do Esprito Santo, membros do Instituto Histrico e Geogrfico do
Esprito Santo (1997).57 Essas caractersticas, compartilhadas e reconhecidas por seus
pares e que legitimaram a escrita didtica de Neves, Rosa, Pacheco, Kill e Neida Lcia no
so encontradas entre os autores de Gente, terra verde, cu azul, Brasil: edio especial para o
Esprito Santo e Meu Estado - Esprito Santo. Entre aqueles autores, com exceo de Morgana
Bechepeche,58 nenhum deles capixaba, tampouco produziram outras obras didticas
sobre o Esprito Santo, e alm disso, no foram professores da UFES ou membros do
57
NEVES, Luiz Guilherme Santos; ROSA, La Brgida Rocha de Alvarenga; PACHECO, Renato Jos
Costa. Esprito Santo: Nossa histria, nossa gente. Vitria: Grafer, 1997, p. 85.
58
Observando outros livros da coleo, retratando a histria e geografia de Santa Catarina e Rio Grande
do Sul, percebemos que a estratgia adotada pela editora foi incentivar os paulistas Marlene Ordoez e
Geraldo Sales a reunirem-se a um autor local para produzirem esta obra.
97
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OUTRAS PERSPECTIVAS
Este livro no foi escrito para ser decorado pelos alunos. Os autores
tambm professores - se sentiro melancolicamente decepcionados, se
at simples frases desta obra forem decoradas por imposio dos
docentes.
O objetivo do texto de se prestar utilizao e leitura proveitosa,
inteligente e crtica. Que se preste discusso e formulao de questes
pelos alunos. Que leve os jovens a pensar, a concluir.59
Este trecho da Mensagem aos mestres no foi a nica das perspectivas didticas
diversas60 encontradas na obra Esprito Santo, Minha Terra, Minha Gente (1986), primeiro
livro didtico de La Brgida Rosa, Luiz Guilherme Santos Neves e Renato Pacheco.
Aqueles autores apoiados pela Secretaria Estadual de Educao adotaram uma escrita com
forte carter regionalista, o que para Pirola fazia parte de uma estratgia de rejeio s
imposies do regime militar.61 Importante ressaltarmos que a construo deste livro deu-
se no governo de Gerson Camata, um dos governadores eleitos em 1982 em um partido de
oposio ao governo militar, o PMDB, e que, no momento da publicao havia se
licenciado para concorrer a uma vaga de senador. Naquele contexto, superar e rejeitar tudo
que lembrasse o modelo educacional anterior era uma tendncia comum adotada nos
discursos e atitudes de alguns grupos polticos, dos intelectuais, das associaes de
professores e dos movimentos populares naquele momento de luta pela redemocratizao
do pas.
Foi nesse cenrio que o movimento negro, aps as tentativas do regime militar de
sufoc-lo na dcada de 1960 e da reestruturao e consolidao ocorrida no final da dcada
seguinte, baseado nas pesquisas que denunciavam o carter preconceituoso inscrito nos
livros didticos, exigiu uma reviso historiogrfica que inserisse os negros e suas vitrias em
uma narrativa oficial que at ento os havia folclorizado e/ou menosprezado. Assim, em
59
NEVES, ROSA, PACHECO, 1986, p. 53
60
PIROLA, 2008, p. 215.
61
PIROLA, 2008, p. 215
98
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1982, o Movimento Negro Unificado, que havia sido oficialmente criado em 1978,
reivindicou em seu Programa de Ao a luta pela introduo da Histria da frica e do
Negro no Brasil nos currculos escolares 62. No ano seguinte o deputado federal Abdias
Nascimento, um dos mais importantes nomes do movimento negro brasileiro, apresentou
o projeto de lei n. 1.332 que pretendia em seu artigo 8: Eliminar a utilizao de cartilhas
ou livros escolares que apresentem o negro de forma preconceituosa ou estereotipada.63
Em 1987 durante os trabalhos da Assembleia Constituinte as entidades negras
enviaram aos deputados uma agenda de reivindicaes exigindo, entre outros, a
Reformulao dos currculos escolares visando valorizao do papel do negro na histria
do Brasil e introduo de matrias como histria da frica e lnguas africanas. 64 Apesar
da no aprovao do projeto e da no incluso dessa proposta na Constituio de 1988, o
movimento negro acumulou significativas vitrias no campo educacional a partir de ento,
como a aprovao de leis que readequavam os currculos escolares e inseriam a histria da
frica e da cultura afro-brasileira em estados como a Bahia, 1989, e em cidades como Belo
Horizonte, 1990, e Vitria, 1998. 65 No nvel federal apesar de as Leis de diretrizes e Base
4.024/1961 e 5692/1971 j condenarem o preconceito de raa, a grande virada ocorreria
somente em 1995 quando, pressionado pelo Movimento Negro e pela Universidade, o
MEC instituiu a Avaliao pedaggica passando a excluir livros didticos inscritos no
PNLD que veiculassem preconceito de origem, raa, sexo, cor e idade. 66
Mesmo publicado em 1986, portanto, antes da aprovao de quaisquer das leis aqui
mencionadas, Esprito Santo, Minha Terra, Minha Gente introduziu em seus textos e imagens
uma representao do negro que a grande maioria dos livros didticos do perodo ainda
no havia incorporado. Se neste livro, e posteriormente em Nossa Histria, Nossa Gente,67
dos mesmos autores, persistiu a nfase ao trabalho escravo e aos castigos, esses temas
agora estavam acompanhados das diversas formas de resistncia protagonizadas pelos
62
DOMINGUES, 2007, p. 104.
63
NASCIMENTO, Abdias. Projeto de Lei n. 1.332 de 1983. Dirio do Congresso Nacional. Braslia:
Cmara dos Deputados, 15 de junho de 1983, p. 5162-5165.
64
HASENBALG, Carlos A. Entre o mito e os fatos: racismo e relaes raciais no Brasil, Dados - Revista
de Cincias Sociais, Rio de Janeiro, v. 38, n. 2, p. 360, 1995, apud PAULA, Cludia Regina ; LOPES,
Carla (org.) . O protagonismo negro: o Movimento Negro na luta por uma educao antirracista, Acervo,
Rio de Janeiro, v. 22, p. 111, 2009.
65
PAULA; LOPES, 2009.
66
BOULOS JNIOR, Alfredo. Imagens da frica, dos africanos e seus descendentes em colees de
didticos de Histria aprovadas no PNLD 2004. 204 f. Tese (Doutorado em Educao) Pontifcia
Universidade Catlica de So Paulo, So Paulo, 2008.
67
NEVES; ROSA; PACHECO, 1997.
99
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Ilustrao 4
Fonte: NEVES, ROSA; PACHECO, 1986, p. 13.
Mesmo quando reiteram aspectos das representaes anteriormente consolidadas
como a contribuio cultural, Neves, Rosa e Pacheco ressaltam o papel do negro, como
verificamos nos textos e imagens que ilustram o folclore e as tradies capixabas
(Ilustrao 4). No caso especfico do livro de 1986, todas as imagens retratam
manifestaes culturais negras.
Outra inovao dessa obra o fato dos negros no estarem apenas relacionados a
eventos do passado.
Em Nossa Histria, Nossa Gente (1997), Neves, Rosa e Pacheco consolidaram essa
representao introduzida na obra anterior. Se os crticos apontariam que a obra remetia
68
NEVES, ROSA, PACHECO, 1986, p. 27.
100
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Ilustrao 5
Fonte: NEVES; ROSA; PACHECO, 1997, p. 35.
O fato ainda mais emblemtico se considerarmos que o livro Esprito Santo, Minha
Terra, Minha Gente foi publicado em 1986, portanto, antes dos trs episdios que Boulos
Junior aponta como cruciais na luta do movimento negro: a Constituio de 1988, as
comemoraes do Centenrio da Abolio em 1988, e a III Conferncia Mundial contra o
Racismo, Discriminao Racial, Xenofobia e Intolerncia em 2001. 72 Alm disso, a
narrativa inscrita em Esprito Santo, Minha Terra, Minha Gente destoa dos livros escolares
analisados por pesquisas publicadas nos anos 1980 e 1990 que denunciaram um quadro de
depreciao sistemtica de personagens negros, associada a uma valorizao sistemtica de
personagens brancos.73 Esses dados nos permitem concluir que, apesar de perpetuar uma
narrativa eurocntrica a historiografia didtica capixaba produzida por autores locais
incorporou as reivindicaes do movimento negro e a renovao historiogrfica, no que
69
A utilizao desse termo pela primeira vez em uma obra de histria do Esprito Santo simboliza essa
nova interpretao e a fora do movimento negro
70
NEVES; ROSA; PACHECO, 1997, p. 37.
71
NEVES; ROSA; PACHECO, 1997, p. 36.
72
BOULOS JUNIOR, 2008.
73
ROSEMBERG; BAZILLI; SILVA, 2003, p. 136.
101
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tange a questo negra, de forma muito mais intensa, do que as obras de histria do Brasil,
ou mesmo as obras de histria do Esprito Santo escrita por autores de outros estados.
CONSIDERAES FINAIS
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74
NEVES; PACHECO; ROSA, 1986.
75
MORAES, 1964.
76
LEITE, 2007.
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RESUMO
Este artigo tem como escopo a discusso sobre a escrita da histria para crianas no Brasil, a partir
da experincia de Scarameli. Intelectual defensor dos ideais do movimento escolanovista, entre
1926 e 1934, Scarameli produziu um nmero significativo de livros escolares de Histria e de Moral
e Cvica. Neste artigo, nos propomos a discutir como tais livros expressaram as estratgias de
difuso de uma cultura poltica bandeirante e a construo de representaes acerca dos estados
brasileiros com um protagonismo paulista.
Palavras-chave: livros escolares; escrita da histria; ensino de histria, cultura poltica bandeirante.
ABSTRACT
This article is scope to discuss the writing of history to children in Brazil, from Scarameli
experience. Intellectual proponent of the ideals of School movement, between 1926 and 1934,
Scarameli produced a significant number of school history books and Moral and Civic. In this
article, we propose to discuss how such books expressed the dissemination strategies of a pioneer
political culture and the construction of representations about the Brazilian states of So Paulo with
a role.
Keywords: school books; writing of history; teaching history, bandeirante political culture.
INTRODUO
1
Esse artigo apresenta os resultados parciais do Projeto de Pesquisa Lies de Histria Ptria: livros
escolares e ensino de Histria para crianas na experincia de Jos Scarameli (1932), contemplado pelo
Edital N 03/2016 de Apoio Financeiro a Novos Pesquisadores. A ideia de trabalhar com essa temtica
surgiu a partir das discusses na disciplina Histria do Ensino de Histria, na graduao em Histria da
UFRN, em 2016/1. Agradeo aos discentes da turma pelas provocaes e inspirao.
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No prefcio do livro Pequenas Lies Ptria para a Infncia nas Escolas, Jos
Scarameli apresenta um dilema que perpassa pela questo do ensino da disciplina. Ele no
somente problematiza sobre qual seria a idade ideal para introduzir o ensino de histria na
formao das crianas, como tambm aponta para outra questo de grande relevncia:
como ensinar histria para crianas. Certamente, esse desafio proposto pelo intelectual
paulista nos idos de 1926, expressa uma inquietao que atravessou o tempo, tornando-se
ponto de confluncia entre as diferentes reformas curriculares no pas ao longo dos
decnios subsequentes. Do mesmo modo, apontou para uma discusso relevante acerca do
papel atribudo ao ensino de histria no processo de construo e reconstruo de
identidades, tendo como foco o ensino para crianas.
Esse processo ocorria em duas frentes. De um lado, a escrita da histria
procurava fortalecer a ideia de unidade nacional, com a construo dos mitos de origem, de
um passado de unio e luta em defesa de interesses comuns. Como os ttulos de suas obras
de teor histrico j elucidavam, Scarameli defendia a escrita de uma histria ptria. O
Brasil, na condio de nao, era o grande protagonista da narrativa infantil. Por outro lado,
essa histria ptria voltada para crianas partia de um lugar, enaltecia o passado nacional a
partir de um palco especfico, com sujeitos que deveriam ser tidos como heris. Trata-se de
uma leitura paulista acerca do passado brasileiro. O paulista emerge como o protagonista
na histria do Brasil, ora aventurando-se na conquista dos sertes, ora assumindo o
controle da poltica.
Com isso, percebe-se uma construo do nacional entendido a partir de um
horizonte paulista. A Federao interpretada pelo vis de uma unidade especfica, da
experincia histrica das elites paulistas e de seus mitos fundadores. Desse modo, os livros
escolares podem ser vislumbrados como um instrumento de construo e difuso de uma
cultura poltica especfica, na qual intelectuais e polticos paulistas dos anos 20 e 30
tentavam construir uma leitura comum do passado e forjar um projeto comum de futuro,
ou no qual So Paulo emergia como o lcus da vanguarda.
2
SACARAMELI, Jos. Pequenas Lies de Histria Ptria para a infncia das escolas. 31 ed. So
Paulo: Saraiva, 1951, p. 7.
105
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3
BERSTEIN, Serge. A cultura poltica. In: RIOUX, Jean-Pierre; SIRINELLI, Jean-Franois. Para uma
Histria Cultural. Lisboa: Estampa, 1998, p. 351.
4
GOMES, ngela de Castro. Cultura poltica e cultura histrica no Estado Novo. In: SOIHET, Rachel;
GONTIJO, Rebeca; GOMES, ngela de Castro. Culturas Polticas e leituras do passado: historiografia e
ensino de Histria. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2007, p. 50.
5
MUNAKATA, Kazumi. O livro didtico como indcio da cultura escolar. Revista Histria da Educao,
Porto Alegre, v. 20, n. 50, 2016, p. 121.
6
RMOND, Ren. Por uma histria poltica. 2 ed. Trad. Dora Rocha. Rio de Janeiro: FGV, 2003, p. 13.
106
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7
Jos Scarameli foi um precursor e mostrou-se um entusiasta das novas ideias difundidas pelos
intelectuais vinculados ao movimento escolanovista. Um indcio consistente acerca desta acepo a
publicao da srie de livros Escola Nova Brasileira, na qual discutiu questes como o esboo do sistema
(Volume 1), as lies ativas (2), a transio entre a escola tradicional e a nova (3), a didtica (4) e os
testes (5). Cf. SILVA, Dbora Alfaro So Martinho da. Jos Scarameli: um bandeirante do ensino
paulista na implementao e divulgao de uma didtica e metodologia da educao nova para a infncia
brasileira. So Carlos-SP, 226f. Dissertao (Mestrado em Educao), UFSCar, 2013, p. 162.
8
SCARAMELI, 1951 [1926].
9
SCARAMELI, Jos. Lies de histria do Brasil para o primeiro ano do curso primrio. 5 ed. So
Paulo: Brasileira, 1934.
10
SCARAMELI, Jos. Pequena Seleta de leitura Moraes e Cvicas. So Paulo: Zenith, 1926.
11
SCARAMELI, Jos. Escola Nova Brasileira: testes. So Paulo: Zenith, 1931.
12
MUNAKATA, 2016, p. 124.
13
ZAMBONI, Ernesta. Panorama das pesquisas no ensino de Histria. Saeculum: revista de Histria,
Joo Pessoa, n. 6/7, 2001, p. 106.
107
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Jos Scarameli pode ser visto como um dos principais nomes da educao paulista
na primeira metade do sculo XX.16 Sua trajetria marcada pela formao na Escola
Normal Secundria de So Paulo, entre 1914 e 1917, pela forte atuao na defesa da
14
BITTENCOURT, Circe Fernandes. Abordagens histricas sobre a histria escolar. Educao e
Realidade, Porto Alegre, v. 36, n. 1, 2011, p. 89.
15
FREITAS, Itamar. Histria do Ensino de Histria no Brasil. Vol. 2. So Cristvo-SE: EDUFS, 2010,
p. 8.
16
Jos Scarameli nasceu no ano de 1894, na cidade de Serra Negra, em So Paulo e faleceu em 1955. Era
filho de Egydio Scarameli e Nelly Scarameli. Em sua trajetria, alm das importantes obras publicadas
em defesa da implantao das ideias escolanovista no Brasil, ele tambm participou de algumas
misses de intelectuais paulistas na difuso das reformas educacionais no Brasil, com uma atuao em
Pernambuco (1929-1931) e no interior paulista. Dbora Silva entende esse movimento das misses de
tcnicos paulistas para outros estados (Paran, Santa Catarina, Gois, Pernambuco, Piau e Sergipe) e
pases como bandeirismo. Neste artigo o termo bandeirante utilizado em outra acepo, a da busca por
um passado protagonizado pelos desbravadores paulistas, ou seja, seria uma cultura histrica bandeirante
produzida por intelectuais e polticos paulistas dos anos 20 e 30. Cf. SILVA, Dbora Alfaro So Martinho
da. Jos Scarameli: um bandeirante do ensino paulista na implementao e divulgao de uma didtica e
metodologia da educao nova para a infncia brasileira. So Carlos-SP, 226f. Dissertao (Mestrado em
Educao), UFSCar, 2013, p. 23.
108
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17
ARCE, Alessandra; BALDAN, Merilin. Coleo Escola Nova Brasileira de Jos Scaramelli (1931):
primeiras aproximaes. Histedbr Online. N 33. Campinas-SP, 2009, p. 264-275.
18
MONACHA, Carlos. A Escola Normal da Praa: o lado noturno das luzes. Campinas-SP: Unicamp,
1999.
19
SILVA, Dbora Alfaro So Martinho da. Jos Scarameli: um bandeirante do ensino paulista na
implementao e divulgao de uma didtica e metodologia da educao nova para a infncia brasileira.
226 f. Dissertao (Mestrado em Educao), Universidade Federal de So Carlos, So Carlos, 2013, p.
42.
20
SILVA, 2013, p. 58.
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normalista defende a sua concepo acerca do ensino de histria, como pedra angular do
futuro de nossa Ptria.21
Esse texto expressa uma preocupao atinente ao papel do docente no processo
de formao da sociedade brasileira, como instrumento de transformao de brutos em
modelos de bondade. A educao deveria exercer o protagonismo no processo de
constituio de mundo civilizado, de uma populao irradiadora de luz e livre dos vcios
torpes. Outra questo relevante a escolha do jovem aluno para produzir o texto em
homenagem a um importante ator da Escola Normal, que j havia atuado inclusive como
diretor da instituio. importante lembrar que no incio do sculo XX, a Escola Normal
paulista era uma das principais instituies do estado, com a formao da elite intelectual
paulista. Um indcio disso o fato de Scarameli ter sido companheiro de classe de
Loureno Filho, que posteriormente tambm se tornaria um dos principais expoentes da
Escola Nova no Brasil e das reformas educacionais. Neste caso, a escolha de Scarameli para
homenagear o ex-diretor elucida o seu destaque como aluno e intelectual promissor.
Esses valores patriticos permearam a escrita de seus livros escolares. O livro O
Nosso Governo, publicado nos idos de 1928, era tido como um esplndido compndio
de educao cvica destinado aos candidatos dos exames dos ginsios do Estado.22 Era
uma obra salutar para a formao de uma cultura cvica paulista, com a valorizao dos
governantes nacionais e estaduais. Alm disso, o livro foi adotado pelo governo do Estado
de So Paulo, para a leitura das turmas do 3 ano do ensino primrio e, em 1934, a terceira
tinha sido publicada com uma tiragem de 15 mil exemplares. A Editora Brasileira, nos idos
de 1934, ao apresentar o autor, ressalta as virtudes patriticas de sua escrita histrica:
Pequenas Lies de Histria Ptria para a Infncia das escolas pelo prof.
Jos Scarameli. Compiladas de acordo com o programa do segundo ano
do curso primrio das escolas paulistas. Este livro, escrito com
meticuloso cuidado e sob a orientao pedaggica moderna, nica obra
didtica, destinada a infncia, que expe os fatos histricos relacionando-
os e mostrando-lhes a sequncia lgica, de sorte que a Histria Ptria
constitui um todo e no, apenas, uma reunio de fragmentos, quase
sempre inexpressivos e sem ligao uns com os outros. Fartamente
ilustrado e de fcil compreenso, um livro til na escola, mas ,
sobretudo, indispensvel, nas casas de crianas brasileiras, cujos pais as
queiram educar no amor da Ptria e nos sentimentos de brasilidade.
21
SILVA, 2013, p. 58.
22
SCARAMELI, Jos. O Nosso Governo. So Paulo: Zenith, 1928.
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23
EDITORA BRASILEIRA. Edies escolares. In: SCARAMELI, 1934.
111
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24
SCARAMELI, 1934, p. 1.
25
Figuras I e II: Mapa do Brasil e texto explicativo sobre o Brasil. Cf. SCARAMELI, 1934, p. 10-11.
112
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do conhecido para o desconhecido, da parte para o todo. O Brasil seria ento o resultado
de um esforo federalista.
Contudo, neste processo somatrio de integrao, o livro expressa um elemento
inquietante. Jos Scarameli afirma que o Brasil est na Amrica do Sul, mas no afirma o
que seria a mesma e nem elucida que o Brasil da Amrica do Sul. O elemento sul-
americano aparece como uma questo transitria, pois at mesmo o mapa no revela a
presena dos vizinhos, apresentados de modo amorfo. Neste sentido, o passado da ptria
costurado ao mundo europeu, mais precisamente a Portugal. A capa do livro j elucida essa
ideia de histria ptria como uma narrativa das aventuras portuguesas no mundo
americano. O Brasil tido como a continuao da histria de Portugal. Observe a Figura
III:26
26
Figura III: Capa do Livro de Jos Scarameli da edio de 1934, pela Editora Brasileira. Cf.
SCARAMELI, 1934.
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A Bandeira Brasileira
Ns conhecemos a Bandeira Nacional.
A bandeira o retrato da ptria.
Quando a bandeira passa, no meio dos soldados ou dos escoteiros, todos
tiram o chapu.
As pessoas que esto sentadas levantam-se.
Quando passamos em frente da bandeira tambm tiramos o chapu.
A Bandeira Brasileira representa o Brasil.
A bandeira o smbolo da ptria.28
O Hino Nacional
Aos sbados cantamos o Hino Nacional.
Que lindo hino!
Todos os alunos do grupo escolar se renem numa sala e cantam belos
hinos.
27
SCARAMELI, 1934, p. 20-21.
28
SCARAMELI, 1934, p. 53.
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Na discusso sobre o hino o texto aparece em forma de dilogo, mas com uma
orientao visvel acerca das prticas do cotidiano escolar. O autor elucida sobre as prticas
pedaggicas dos grupos escolares paulistas, mesmo sabendo que nem todos os alunos do
ensino primrio estudavam nesse tipo de escola. Isso revela uma preocupao em revelar
um modelo ideal de ensino, reformador, na escola tida como a vanguarda da educao
brasileira. Outra questo importante a informao de que todos os alunos j sabem ler,
mostrando que ao final do primeiro ano do curso primrio os alunos j deveriam saber ler e
terem a habilidade de ler textos mais extensos como o do Hino Nacional.
A assertiva de carameli mostra-se totalmente voltada para a construo de um
sentimento patritico. Por ordem lgica, seria praticamente impossvel um brasileiro no
ser patriota, no amar o seu pas ou no compartilhar esse sentimento de congraamento
sistmico. Utilizando-se de frases breves e de um raciocnio lgico, o autor envereda por
uma ordem na qual no h espao para a dvida, para o questionamento. Nascer no Brasil
seria o invlucro do patriotismo. A histria ptria da escola nova proposta por Scarameli
seria, paradigmaticamente, a assertiva inquestionvel, inviolvel e natural.
Sou dos que pensam que um professorado, sem solida base didtica, no
poder cumprir a misso que lhe incumbe com a proficincia necessria.
A maioria dos fracassos do nosso ensino seno todos tm suas razes no
terreno mal acanhado pela didtica.30
29
SCARAMELI, 1934, p. 46.
30
SCARAMELI, Jos. Escola Nova Brasileira: didtica. So Paulo: Zenith, 1931, p. 7.
116
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A transio entre a escola tradicional e a escola nova deveria ter como fulcro a
renovao didtica, a preparao dos professores, como iniciativa para aniquilar o fracasso
escolar. Esse discurso condiz com a trajetria do autor, marcada pelas excurses em
Pernambuco, nas escolas do interior paulista e at mesmo na direo de inmeros grupos
escolares em seu estado natal.31 Contudo, essa postura didtica, alm de implicar na forma
de apresentar os contedos, refere-se tambm na seleo dos mesmos. Isso se dar tanto no
mbito do ensino, como no processo de escrita da histria. Margarida Oliveira alerta sobre
a questo de que a histria escrita um recorte desse passado, no por incompetncia dos
profissionais de Histria, mas porque este objetivo da produo do conhecimento
histrico: problematizar o passado.32
Esse recorte expressa interesses do tempo de escrita, do grupo ao qual o autor
encontra-se vinculado, as demandas contemporneas. Tudo isso explicita competncias
para orientar a vida prtica ou competncia narrativa da conscincia histrica. De acordo
com Jrn Rsen, a conscincia histria a capacidade das pessoas de constituir sentido
histrico, com a qual organizam temporalmente o mbito cultural da orientao de sua vida
prtica e da interpretao de seu mundo e de si mesmas. 33
No caso da escrita de Scarameli, percebe-se a histria como um instrumento de
construo de uma conscincia histrica da ptria, do lugar. O passado utilizado para
unir, revelar os vnculos, imprimir uma unidade nacional. Os tempos pretritos so
apresentados como lies para a formao de uma conscincia cidad e patritica, na qual a
Ptria se torna protagonista da histria, assim como os homens da poltica so tidos como
os heris de um passado que necessitava ser recuperado. Alm disso, a narrativa sobre o
passado transmuta-se em instrumento para revelar diferentes ngulos e escalas do espao
brasileiro. Imagens do mapa do Brasil e de smbolos nacionais so utilizadas como
instrumento para reforar a construo de uma identidade nacional.
Entretanto, os smbolos nacionais no so apresentados como mais um elemento
a ser memorizado, identificado. Eles so apresentados com uma atribuio de sentido, por
31
SILVA, Dbora Alfaro So Martinho da. Jos Scarameli: um bandeirante do ensino paulista na
implementao e divulgao de uma didtica e metodologia da educao nova para a infncia brasileira.
226 f. Dissertao (Mestrado em Educao) Universidade Federal de So Carlos, So Carlos, 2013.
32
OLIVEIRA, Margarida Maria Dias. Introduo. In: OLIVEIRA, Margarida Maria Dias (Org.).Histria:
ensino fundamental. Braslia: Ministrio da Educao, 2010, p. 10.
33
RUSEN, Jorn. Histria viva: teoria da histria III formas e funes do conhecimento histrico.
Braslia: UNB, 2010, p. 103-104.
117
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O Distrito Federal
Na bandeira do Brasil esto 21 estrelinhas.
Cada estrelinha representa um Estado.
Ento o Brasil tem 21 Estados?
No. O Brasil s tem 20 Estados.
E porque esto na bandeira 21 estrelinhas?
A ltima estrelinha representa o Distrito Federal.
Porque se chama Distrito Federal?
Porque l que est a capital do Brasil.34
34
SCARAMELI, 1934, p. 13.
35
SCARAMELI, 1934, p. 15.
36
ALBUQUERQUE JNIOR, Durval Muniz de. A Inveno do Nordeste e outras artes. 4 ed. So Paulo:
Cortez Editora, 2009.
37
Figuras IV e V: textos e imagens sobre os outros estados brasileiros. Cf. SCARAMELI, 1934, p. 18-19.
118
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38
Figuras VI e VII: textos e imagens sobre o estado de So Paulo. Cf. SCARAMELI, 1934, p. 16-17.
119
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A Ditadura e a Constituinte
O doutor Washington Luiz deveria ter governado desde 15 de novembro
de 1926 at 15 de novembro de 1930.
fora eleito para o substituir o doutor Jlio Prestes de Albuquerque,
presidente do Estado de So Paulo.
39
CERTEAU, Michel de. A escrita da Histria. Trad. Maria de Lourdes Menezes. Rio de Janeiro:
Forense-Universitria, 1982.
40
MONARCHA, Carlos. O triunfo da razo psicotcnica: medida humana e equidade social. In:
STEPHANOU, Maria; BASTOS, Maria Cmara (Orgs.). Histrias e Memria da Educao no Brasil. v.
3. Petrpolis: Vozes, 2005, p. 136.
41
SCARAMELI, 1934, p. 25.
42
SCARAMELI, 1934, p. 37.
43
SCARAMELI, 1934, p. 23.
121
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44
SCARAMELI, 1934, p. 31.
45
SCARAMELI, 1934, p. 34.
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estado. Esse tema apresentado em um texto muito mais denso e extenso, expressando
tambm uma preocupao com o processo de isnero do aluno no mundo da leitura.
Mas a alfabetizao do aluno no era exclusivamente por meio da leitura. Era
tambm uma questo de formao cidad, patritica. O paulista era transformado no
condutor da histria do Brasil. Chama a ateno o registro na qual as aes de resistncia
dos paulistas teceram um aspecto de guerra. Algumas pginas posteriores, ao caracterizar o
Brasil, tambm em perspectiva personalista, Scarameli atribui como elemento de distino
o fato de ser pacfico.
46
SCARAMELI, 1934, p. 55.
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CONSIDERAES FINAIS
47
SCARAMELI, 1934, p. 38-39.
48
SCARAMELI, 1934, p. 43.
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RESUMO
O presente texto procura entender de que forma professores de Histria em formao inicial
alunos das turmas de Didtica Especial de Histria e Prtica de Ensino de Histria desenvolvidas
em 2014 na Faculdade de Educao (FE) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e
participantes do Programa Institucional de Bolsas de Iniciao Docncia (PIBID) significam sua
trajetria profissional no que tange temtica da tecnologia. A experincia aqui trazida foi pautada
no olhar (auto) biogrfico e utilizou-se da plataforma do Museu da Pessoa enquanto possibilidade
metodolgica. Foi possvel perceber que o digital, na viso desses alunos, no pensado para alm
de recurso auxiliar da aprendizagem, ou seja, no questionado como algo que possa modificar a
epistemologia do conhecimento histrico.
ABSTRACT
This paper aims to understand how history teachers in training students of Didtica Especial de
Histria and Prtica de Ensino de Histria classes developed in 2014 at Faculdade de
Educao (FE) of Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) and Programa Institucional
de Bolsas de Iniciao Cientfica de Iniciao Docncia (PIBID) participants signify their
professional trajectory in terms of Technology theme. The experience brought here was based on
the (self) biographical and used the Museum of the Person platform as a methodological possibility.
It was possible to perceive that digital, in the view of these students, is not thought beyond auxiliary
learning, that is, it is not questioned as something that can modify the epistemology of historical
knowledge.
INTRODUO
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1
Programa voltado para o aperfeioamento e a valorizao da formao de professores para a educao
bsica. Disponvel em: <http://www.capes.gov.br/educacao-basica/capespibid>. Acesso em:
02/08/2016.
2
Plataforma que permite ao usurio contar a sua histria. Disponvel em:
<http://www.museudapessoa.net/pt/home>. Acesso em: 02/08/2016.
3
COSTA, Warley da. Currculo e produo da diferena: negro e no negro na sala de aula de Histria.
302 f. Tese (Doutorado em Educao) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.
127
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4
ARFUCH, Leonor. A vida como narrao. In: ARFUCH, Leonor. O espao biogrfico: dilemas da
subjetividade contempornea. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2010; CARVALHO, Isabel Cristina Moura.
Biografia, identidade e narrativa: elementos para uma anlise hermenutica. Horizontes antropolgicos,
Porto Alegre, n. 19, jul. 2003, p. 283-302. Disponvel em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832003000100012>. Acesso em
03/08/2016; DELORY-MOMBERGER, Christine. A pesquisa biogrfica: projeto epistemolgico e
perspectivas metodolgicas. In: ABRAHO, Maria Helena Menna Barreto; PASSEGI, Maria da
Conceio. Dimenses epistemolgicas e metodolgicas da pesquisa (auto)biogrfica. Natal: EDUFRN;
Porto Alegre: EDIPUCRS; Salvador: EDUNEB, 2012; PASSEGI, Maria da Conceio; SOUZA, Elizeu
Clementino de; VICENTINI, Paula Perin. Entre a vida e a formao: pesquisa (auto)biogrfica, docncia
e profissionalizao. Educao em Revista, Belo Horizonte, v. 27, n. 01, p. 369-386, abr. 2011,.
5
MONTEIRO, Ana Maria. A prtica de ensino e a produo de saberes na escola. In: CANDAU, Vera
Maria. Didtica, currculo e saberes escolares. Rio de Janeiro: DP&A, 2000, p. 140.
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um recorte, escolhendo-se, por isso, aqueles que fossem afetados por um segundo espao
de formao, o PIBID, considerado um espao importante nos processos de fixao de
sentidos ligados docncia.
Daqueles 125 alunos, percebeu-se que 8 se encontravam nessa interseo, nesse
entre-lugar de formao, escolhendo-os assim como pblico privilegiado dos 8 bolsistas,
5 participavam do PIBID na Faculdade de Educao (FE) e 3 no Instituto de Histria (IH)
da referida Universidade. Na elaborao das perguntas que nortearam a oficina procurou-se
trabalhar em uma lgica temporal que misturasse passado, presente e futuro nas suas
trajetrias profissionais, no sendo necessrio, pois, responder a todas. Como o objetivo
era pensar a interface docncia-tecnologia, das 20 questes6, em 4 foram trabalhadas
aspectos mais gerais como, por exemplo: as motivaes da escolha pela docncia em
Histria, os momentos marcantes da graduao que eles gostariam de guardar e esquecer e
as expectativas e reivindicaes desses alunos como professores de Histria em formao.
Em todas as outras 16, foram mobilizados subtemas ligados tecnologia,
instigantes para estimular a reflexo dos discentes sobre a sua formao. Entre tais
subtemas foram privilegiadas: a ideia deles sobre aula inovadora e/ou atraente; a
frequncia com que utilizam dispositivos digitais e o que costumam acessar; a utilizao de
tais dispositivos nas dimenses de ensino, pesquisa e divulgao cientfica; as mudanas nas
formas de acesso e usos do passado; as diretrizes proibitivas da tecnologia na sala de aula;
as informaes que circularam predominantemente via web; as mudanas na noo de
tempo e espao; as possibilidades de se estudar os diferentes contextos scio-histricos a
partir da internet; a discusso sobre arquivo, patrimnio e memria na interface com o
debate digital, assim como a temtica dos jogos virtuais e da metodologia de ensino das
webquests; o dilogo da Universidade com a tecnologia; a utilizao de recursos digitais por
parte dos professores regentes durante a observao das aulas nos seus locais de estgio; o
momento de incio do seu contato com a tecnologia; as lembranas das suas aulas da
educao bsica no que tange ao uso da mesma; a opinio deles sobre o futuro da sua
profisso em um mundo tecnolgico; a incorporao das demandas tecnolgicas no
contexto das prticas escolares; as situaes de plgio (cultura do CTRL C + CTRL V) e,
finalmente, o uso das tecnologias digitais visando a participao dos alunos nas suas futuras
6
Algumas perguntas se subdividiram em mais de uma.
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Expe-se que a sua misso ser um museu aberto e colaborativo que transforme
as histrias de vida de toda e qualquer pessoa em fonte de conhecimento, compreenso e
conexo entre pessoas e povos. Alm disso, coloca-se que em 22 anos de histria, o
Museu da Pessoa inspirou a construo de trs museus fora do Brasil (Portugal, Canad e
Estados Unidos) e liderou campanhas e internacionais para a valorizao de histrias de
vida9.
Lucchesi comenta que essa plataforma:
7
GUIMARES, Manoel Lus Salgado. O presente do passado: as artes de Clio em tempos de memria.
In: ABREU, M., SOIHET, R. e GONTIJO, R. (orgs.). Cultura poltica e leituras do passado:
historiografia e ensino de Histria. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2003, p. 27-28.
8
Disponvel em: <http://www.museudapessoa.net/pt/entenda/o-museu>. Acesso em: 03/08/2016.
9
Disponvel em: <http://www.museudapessoa.net/pt/entenda/o-museu>. Acesso em: 03/08/2016.
130
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Arruda & Arruda, que faz uma distino entre os chamados cibermuseus, existentes
exclusivamente no meio virtual, e os museus digitais, sendo estes uma verso do museu
presencial, entende que:
10
LUCCHESI, Anita. Conversas na antessala da academia: o presente, a oralidade e a histria pblica
digital. Histria Oral, v. 17, n. 1, jan./jun. 2014, p. 45.
11
ARRUDA, Durcelina Ereni Pimenta; ARRUDA, Eucidio Pimenta. Museu virtual: construo e
desconstruo de e das histrias. Ensino Em Re-Vista, n. 1, v. 20, p. 223, jan./jun. 2013.
12
PIMENTA, Ricardo. O futuro do passado: desafios entre a informao e a memria na sociedade
digital. In: ALBAGLI, Sarita. Fronteiras da Cincia da Informao. Braslia: IBICT, 2013.
13
KENSKI, Vani Moreira. Novas tecnologias: o redimensionamento do espao e do tempo e os impactos
no trabalho docente. Revista Brasileira de Educao, n. 8, p. 59, mai./ago. 1998.
131
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como um instrumento que pode ser usado em larga escala para captao de storytelling14,
uma tcnica que pode ser utilizada tanto em comunidades, como com grupos, escolas e
empresas, sendo aplicvel sem distino a toda e qualquer pessoa ou instituio. Em
entrevista realizada com a criadora do Museu, ela diz que:
14
LUCCHESI, 2014, p. 47.
15
BANDEIRA, 2011 apud LUCCHESI, Anita. Conversas na antessala da academia: o presente, a
oralidade e a histria pblica digital. Histria Oral, v. 17, n. 1, p. 47, jan./jun. 2014.
16
Disponvel em: <http://www.museudapessoa.net/pt/intro-conte-sua-historia>. Acesso em:
03/08/2016.
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poderiam demarcar diferenas em relao s conversas presencias17. Sua escolha, ento, foi,
antes de tudo, um caminho e uma possibilidade metodolgica a se investir.
Tecer a anlise desse material construdo por sujeitos que tiveram a especificidade
de estarem em um contexto discursivo curricular hbrido de formao docente, quais
sejam, o espao da Prtica de Ensino e do PIBID foi, pois, afirmar uma trama na qual as
suas concepes interagem com outras formas de ver a temtica docente articulada ao
debate digital. Considera-se os pontos abordados por eles extremamente interessantes para
se avanar nas discusses sobre a historiografia didtica, o ensino de Histria e o debate
sobre o currculo acadmico de Histria. Assume-se, entretanto, a impossibilidade de
explorar todos os pontos levantados, demarcando a anlise a partir de recortes e selees e
nos limites do presente artigo.
17
Nenhum dos participantes da pesquisa props imagens ou vdeos relacionados docncia.
18
RICOEUR, 1997 apud COSTA, Warley da. Currculo e produo da diferena: negro e no negro na
sala de aula de Histria. 302 f. Tese (Doutorado em Educao) - Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, 2012, p. 83.
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Cabe dizer tambm que a plataforma digital escolhida oferecia a possibilidade dos
participantes postarem imagens e vdeos, mas estas opes no foram utilizadas,
restringindo-se expresso escrita / textual. Como no havia mnimo nem mximo de
caracteres, os relatos tiveram variao em tamanho. Na anlise do material, procurou-se
observar o ttulo, a sinopse e as palavras-chave que os licenciandos atriburam s suas
narrativas19. Acredita-se que esses so espaos interessantes de serem observados porque
so locais privilegiados de sntese, de seleo, de destaque, de fixao de sentido e de
legitimao do que eles consideram mais relevante de ser dito.
Nos ttulos, a palavra tecnologia apareceu em apenas um deles, qual seja, S sei que
nada sei... sobre tecnologia, sendo que seu autor diz que quando usei Plato em meu ttulo foi
justamente nesse sentido, que em relao tecnologia no sei nada (Licenciando 8). Em relao s
sinopses a palavra tecnologia no se fez presente em nenhum momento; j palavras-chave,
os termos privilegiados foram: Licenciatura em Histria, graduao em Histria,
relatos pessoais, docncia; trajetria profissional, Ensino de histria, tecnologias
em sala, trajetria no ensino, histria, tecnologia , UFRJ; ensino superior,
graduao, escola, transformao aparecendo, pois, duas vezes. No h dvida de
que a reduzida expressividade e visibilidade do termo nesses espaos estratgicos de sntese
seja bastante significativa, tornando-se ainda mais acentuada pelo fato de 16 das 20
questes elaboradas no dispositivo de memria remeterem tecnologia.
Seguindo a sequncia de anlise a partir das perguntas norteadoras feitas com o
intuito de servir como mecanismo disparador para a construo de seus relatos, a primeira
coisa que chamou a ateno foi a opinio deles sobre o que seria uma aula inovadora
e/ou atraente. Grande parte dos estudantes respondeu a esta questo associando-a
realidade do aluno sem necessariamente mobilizar nessa cadeia equivalencial algo
relacionado ao uso de tecnologias. Exemplifica-se a seguir:
19
A plataforma do Museu da Pessoa permite ao internauta inserir o ttulo, a histria, a sinopse e as tags
(palavras-chave) de sua narrativa. No caso, dos 8 alunos participantes, todos escolheram um ttulo, apenas
3 redigiram a sinopse e 5 incluram palavras-chave.
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Como docente eu acredito que uma aula inovadora uma aula que
contextualiza o aluno para a sua realidade cotidiana. Quanto mais tornamos o
currculo ativo e ao mesmo tempo flexvel, no que tange aos contedos,
a aula flui com mais naturalidade e maior interesse dos alunos
(Licenciando 7, grifos meus).
[...] aquela que utiliza de diversos instrumentos didticos para auxiliar os processos
de ensino e aprendizagem. Ainda, considero atraente, at revolucionria, uma
aula que aponte as diferentes perspectivas sobre o mesmo tema e/ou que desenvolva
proveitosamente uma interdisciplinaridade entre a Histria e as outras disciplinas
escolares, rompendo assim com os perigos de uma histria nica e com a
distino entre os campos de conhecimentos. Acredito, desse modo, que
utilizar diferentes ferramentas, desde o livro didtico, passando pela utilizao de
vdeos, msicas, jogos, at o uso de sites, blogs, redes sociais na internet como forma de
ilustrar e aproximar o contedo debatido em sala com a vida do educando
(Licenciando 4, grifos meus).
20
VELASCO, Diego Bruno. Realidade do aluno, cidado crtico, conhecimento escolar: que
articulaes possveis no currculo de Histria?. 180 f. Dissertao (Mestrado em Educao) -
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Ps-graduao em educao, Rio de Janeiro, 2013.
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Essas e outras narrativas deixam entrever, ento, que redes sociais, emails, sites de
pesquisa, acesso a jornais e revistas digitais, navegao em dicionrios e enciclopdias online,
leitura de blogs, etc. costumam ser as atividades mais privilegiadas pelos futuros professores.
Um deles chega a exemplificar algumas tenses ligadas s facilidades advindas pelo uso da
internet:
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fundamental, nos anos de 2003 a 2006, havia apenas duas salas com
televiso de DVD. Nesse sentido, posso descrever minhas aulas na educao
bsica no que tange aos recursos tecnolgicos como regular, pois esta utilizao de dava
esporadicamente. Somente no F pude ver uma maior utilizao e aqui que possuo
uma boa lembrana. Pude conhecer diversos filmes com temticas diversas
que a professora nos proporcionou (Licenciando 6, grifos meus).
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Entretanto, esse mesmo licenciando, em outro momento, traz sua lembrana uma
aula no Instituto de Histria em que teve que fazer um trabalho em grupo sobre ensino de
Histria e novas tecnologias, a partir de exemplos de docentes do ensino bsico que as
utilizavam como forma de otimizar o ensino. A estudante chega a citar uma referncia
terica para fazer a distino entre informao e aquilo que se entende por formao,
chamando a ateno para o papel do professor nesse processo:
21
LIVINGSTONE, Sonia. Internet literacy: a negociao dos jovens com as novas oportunidades on-line.
Matrizes, So Paulo, ano 4, n. 2, jan./jun. 2011, p. 11-42. Disponvel em:
<http://www.matrizes.usp.br/index.php/matrizes/article/view/66/99>. Acesso em: 02/08/2016.
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Em relao ao assunto dos jogos virtuais temtica que vem sendo refletida por
pesquisadores como Alves22, Mattar23 e Santos, sendo que para este ltimo a unio entre
jogos e Histria um fenmeno que vem se intensificando e que o videogame hoje j pode
22
ALVES, Lynn Rosalina Gama. Game over: jogos eletrnicos e violncia. 249 f. Tese (Doutorado em
Educao) Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2004.
23
MATTAR, Joo. Games em educao: como os nativos digitais aprendem. So Paulo: Pearson Prentice
Hall, 2010.
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Alm do entrave em pens-los no mbito das atividades de ensino, seja por falta de
interesse, seja por falta de conhecimento, esse assunto tambm suscita dificuldades quando
pensado como objeto de estudo a ser investigado em um possvel trabalho monogrfico:
24
Disponvel em: <http://oglobo.globo.com/sociedade/historia/games-abordam-eras-reais-despertando-
interesse-mas-muitas-vezes-distorcem-os-fatos-15079091>. Acesso em: 03/08/2016.
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Penso ser lgico que no se permita ao aluno que fique a aula inteira
mexendo no celular, mas soa irreal, e mesmo ridculo, querer proibir/exigir que
os alunos no faam uso em momento nenhum. Talvez fosse mais interessante
integrar essas ferramentas apesar de no saber como e, sobretudo,
entender que, com ou sem celular, alunos se dispersaro da aula, e no
necessariamente isso significa um problema tanto da aula quanto do
aluno. Devemos, pois, cuidar dos exageros, seja por parte dos alunos,
seja por parte dos professores, que numa manuteno de um
autoritarismo dmod, tentam fazer com que em suas aulas o aluno faa
uma imerso no passado, de uma maneira torta, pelo fingimento de que
tais tecnologias no foram desenvolvidas. Dessa forma, acredito que o nico
caminho realista para lidar com as tecnologias aprender diferentes usos delas,
aprender a pensar com elas, assim como aprendemos h dcadas a pensar
com o quadro negro (Licenciando 1, grifos meus).
No se deve proibir algo que est cada vez mais presente (Licenciando 6), diz
outro aluno. Nesses dois depoimentos, a proibio no parece ser o melhor caminho.
Concorda-se aqui com o Licenciando 1 de que preciso reconhecer a existncia dessas
tecnologias e aprender a us-las de maneiras as mais diversas, assim como aprender a
pensar com elas. Acredita-se que essa ltima ressalva feita por ele marca um deslocamento
importante na viso desse futuro professor, sendo justamente essa a defesa que o presente
texto visa sustentar, qual seja, de que mediante o ato de pensar com a tecnologia que
podemos pensar em mudar a natureza do conhecimento histrico e no apenas ampliar as
formas de lhe ter acesso25.
Ainda sobre essa questo da medida proibitiva, o Licenciando 7 se manifesta
reconhecendo-a como algo complicado, mas que compreende:
25
COSTA, Marcella Albaine Farias da; GABRIEL, Carmen Teresa. Sentidos de digital em disputa no
currculo de histria: que implicaes para o ensino desta disciplina?. Revista Tempo e Argumento,
Florianpolis, v. 6, n. 12, p. 165-185, mai./ago. 2014.
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A tecnologia posta, assim, como algo que pode ser utilizado a favor do ensino,
mediante acordos entre docentes e discentes. Entretanto, a maioria dos professores no
sabe como lidar com elas e, em grande em parte dos casos, os alunos [as] usam para
distrao, o que causa mais repulsa dos professores (Licenciando 8).
Sobre o tpico de como os licenciandos consideram as informaes que circularam
predominantemente via web, um deles pondera essa forma de circulao ser inevitvel, mas
afirma: no sei como elas podero ficar para a posteridade enquanto fontes do passado
(Licenciando 6). Para outro, a maioria das informaes via web so parciais, so mais
opinio, no fonte de pesquisa e estudo e, portanto, devem ser utilizadas com cautela,
sempre questionando o que est escrito em blogs (Licenciando 8). Perante a enorme gama
de informaes virtuais disponveis na atualidade, o papel do professor destacado, como
pode ser visto a seguir:
A partir do que foi levantado acima sobre o papel do professor, traz-se abaixo o
alerta de Ferreira & Marques, para quem:
26
FERREIRA, Carlos Augusto Lima; MARQUES, Edicarla dos Santos. Espao e tempo como dimenses
do conhecimento e objeto de ensino-aprendizagem em Histria. Revista Histria Hoje, v. 1, n. 2, p. 240,
2012.
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Notou-se que o tpico de como a tecnologia pode mudar as suas prprias noes
de tempo e espao, importantes dimenses do conhecimento e objeto de ensino-
aprendizagem em Histria, tambm no foi privilegiado pelos futuros professores
aparecendo pontualmente apenas no relato de um deles ao dizer que uma excelente
possibilidade que a internet nos traz o encurtamento das distncias (Licenciando 6).
Acredita-se que esse silenciamento no acontece ao acaso, pois talvez esta fosse uma das
questes de maior complexidade dentre as formuladas.
Autores que pensam a cibercultura, como Couto Junior27, Kenski28, Lvy29 e
Santaella30, perpassam por essa questo do espao-tempo em suas produes, todavia, na
rea de Histria, no h estudos empricos que aprofundem nesse tpico, pensando de que
forma essa mudana espao-temporal acontece por meio do uso da tecnologia e que
implicaes isso pode trazer na aprendizagem histrica.
Solicitou-se a esses futuros professores que falassem tambm sobre os seus locais
de estgio e o uso ou no uso da tecnologia pelos professores regentes. Segundo o
Licenciando 1: Muitos professores, apesar de no serem to velhos como vi no A so
totalmente resistentes ao fato de alunos olharem o celular dentro da sala de aula
(Licenciando 1). Outro bolsista, que estagia nessa mesma instituio, tece crticas, fixando o
que, para ele, significa a potencialidade tecnolgica: No A, onde fao estgio, no h
muita diferena no uso de tecnologia, o uso se d apenas no uso do vdeo projetor para
passar vdeos ou slide. Para mim o forte do uso da tecnologia est em promover interao: vdeo
projetor s uma TV maior (Licenciando 8, grifos meus).
O posicionamento crtico a essa escola foi reafirmado ainda por outro estudante
que a reconhece como um espao de excelncia, mas que l no h nenhuma conexo wifi,
nem para os alunos nem para os professores, e o nico recurso minimamente tecnolgico
so data shows (Licenciando 3). Um deles toca nessa questo mais detidamente, chegando a
exemplificar esse uso e falando, inclusive, da iniciativa de construo de um blog pelos
licenciandos:
27
COUTO JUNIOR, Dilton Ribeiro do. Cibercultura, juventude e alteridade: aprendendo-ensinando com
o outro no Facebook. Jundia: Paco Editorial, 2013.
28
KENSKI, 1998.
29
LVY, Pierre. Cibercultura. So Paulo: Ed. 34, 1999.
30
SANTAELLA, Lucia. Comunicao ubqua: repercusses na cultura e na educao. So Paulo: Paulus,
2013.
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Ainda falando sobre seus locais de estgio, um dos PIBIDs trouxe uma vivncia sua
nesse espao em relao a uma situao de plgio (cultura do CTRL C + CTRL V) e de
falta de autoria e originalidade na execuo de um trabalho, explicitando sua postura caso
venha a presenciar uma situao dessas. Diz ele:
Resta-se, por fim, buscar nessas narrativas (auto) biogrficas sobre suas trajetrias a
articulao desses licenciandos sobre o futuro de sua profisso, considerando o mundo
tecnolgico que ora vivemos, os desafios expostos por eles na incorporao das demandas
tecnolgicas no contexto das suas futuras prticas escolares enquanto professores e as
possveis contribuies das tecnologias digitais para a participao dos alunos nas suas
futuras aulas de Histria. Um deles imagina que um mundo tecnolgico ir facilitar o universo de
sala de aula e fadar melhoria das relaes estabelecidas (Licenciando 4, grifos meus). J outro, elenca
como um daqueles desafios a dificuldade de planejamento, demonstrando receio em
subutilizar a tecnologia:
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CONSIDERAES FINAIS
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Portanto, de uma forma geral, a cadeia definidora de digital na viso desses alunos
no parece trazer proposies que pensem a tecnologia para alm daquelas ideias de
auxiliar da aprendizagem, ou seja, como algo que possa modificar a epistemologia do
conhecimento histrico. Questiona-se se isso no aconteceu em funo de uma induo no
momento de elaborao das perguntas, que, por diversas vezes, tambm a fixou enquanto
recurso; no se a nega enquanto artefato recursivo, mas busca-se ir alm dessa viso,
transcender esse posicionamento, o que no aconteceu nos relatos desses sujeitos.
Falando ainda do dispositivo de memria que serviu de roteiro para que eles
contassem sobre suas trajetrias profissionais, questiona-se tambm que se no se
trouxesse o tema da tecnologia nas perguntas, se ele apareceria como algo na pauta das suas
trajetrias de formao alis, na narrativa do Licenciando 5, cujo foco manteve-se na sua
relao com a UFRJ e seu ingresso na instituio, ela totalmente renegada, no
aparecendo em nenhum momento.
Refletindo sobre o que determina a ao social desses sujeitos que se encontram em
uma posio hbrida de formao, buscando-os compreender em suas singularidades e
escolhas individuais, procurando dar visibilidade s suas experincias, visto que a
experincia docente no est dada, e levando em considerao tambm as estruturas sociais
que lhes so comum do lugar de alunos inseridos em um mesmo contexto discursivo de
formao, passa-se a crer no peso da estrutura do currculo acadmico de formao inicial
da Universidade escolhida, no qual o debate do digital no ocupa uma posio de destaque,
como apontado anteriormente.
Ao olhar para o currculo acadmico de formao inicial de professores de Histria
da UFRJ como um espao biogrfico que articula diferentes escalas de anlise, pode-se
concluir que o contato com a tecnologia, fixada predominantemente como recurso e no
como um elemento profissional, pouco tem impacto na constituio desses sujeitos
enquanto docentes, no os afeta como professores, deixando em aberto diversos desafios
na articulao discursiva entre currculo e tecnologia para (re) construir sentidos para a
Histria e seu ensino.
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Talia Meschiany
Profesora Adjunta Ordinaria de la Universidad Nacional de la Plata, Argentina (UNLP) - Argentina
Mestra em Educao pela Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales
e-mail: vero_hendel@yahoo.com
Vernica Hendel
Profesora de Sociologa de la Universidad de Buenos Aires (UBA) - Argentina
Doutora em Cincias Soicias pela Universidad de Buenos Aires
e-mail: taliameschiany@gmail.com
RESUMO
RESUMEN
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incluyendo las posibilidades que ofrecen las TIC en los procesos de reflexividad profesoral sobre la
enseanza y el aprendizaje de dicha asignatura.
INTRODUCCIN
1
CHARTIER, Anne-Marie. Con qu historia de la educacin debemos formar a los docentes? Historia
de la Educacin Anuario, Ciudad Autnoma de Buenos Aires, v. 9, p. 34, 2008.
2 ESPAA, M. Elena; FORESI, M. Fernanda. Las prcticas y el desarrollo profesional ante las
tecnologas de la comunicacin. In: SANJURJO, Liliana (coord.). Los dispositivos para la formacin en
las prcticas profesionales. Rosario: HomoSapiens, 2012, p. 183.
3
Este artculo fue escrito y enviado para su publicacin en el ao 2016. A partir del ao 2017, dentro de
la Direccin de Formacin Continua se produjeron algunos cambios que no estn contemplados en este
texto.
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otros, en cambio, una ms reciente; lo mismo sucede con la formacin inicial. A propsito
y tal como sostiene Andrea Alliaud, por la particularidad histrica de nuestro sistema
educativo, conviven los que llegan de las universidades y aquellos que llegan de los
institutos de formacin docente (ISFD).5 Otros, y no en menor medida, an cursan sus
estudios de grado pero pueden dictar clase dependiendo de la cantidad de materias
aprobadas.
En los apartados que siguen desarrollaremos algunas lneas de pensamiento que se
desprenden de la experiencia de formacin y que habilitan futuras rutas de trabajo para
pensar la enseanza de la Historia en la escuela secundaria, incluyendo las posibilidades que
ofrecen las TIC en los procesos de reflexividad profesoral sobre la enseanza y el
aprendizaje de la Historia.
5
ALLIAUD, Andrea. La formacin de los docentes. In: ROMERO, Claudia (coord..). Claves para
mejorar la escuela secundaria. La gestin, la enseanza y los nuevos actores. Buenos Aires: Noveduc,
2009, p. 198.
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poblacin, que hacia finales del siglo XIX se encuentra ya desarrollada y en pleno
funcionamiento.6
En este tipo de aulas, y en relacin con las estrategias de gobierno de los individuos
(de las almas, los cuerpos, las mentes, los gestos), las formas de transmisin del saber se
identificaban con el mtodo catequstico, basado en una serie ordenada de interrogantes
formulados por el docente hacia el alumno, donde la respuesta ya estaba, de algn modo,
anticipada. En contraste, el avance de las TIC y su inclusin en el terreno educativo ofrece
procesos de formacin de docentes en ejercicio a travs de espacios virtuales promoviendo
verdaderos cambios significativos respecto a los modos de relacin con el saber.
En este sentido, los entornos virtuales de enseanza y aprendizaje rompen con
algunas matrices legatarias de la escuela republicana7. Primera ruptura: la idea de carrera o
cursus de los estudios: la concepcin progresiva, lineal y gradual en la organizacin de los
saberes resulta trastocada por una forma de producir y apropiarse del conocimiento de
manera colaborativa. La metfora del cambio podra sugerir ms bien una relacin con el
saber como la de un abanico que abre distintos caminos, todos potentes para aprender en
colectivo. Segunda ruptura: la matriz de encierro de la escuela moderna: la penetracin de las
TIC y la ubicuidad de los procesos de enseanza y aprendizaje que ella genera hace temblar
la imagen de los muros, los claustros, las paredes altas que separaban lo que pasaba dentro
de la institucin escolar de lo que suceda en el mundo exterior y que la escuela
decimonnica heredaba de la poca medieval.8 Esta representacin del formato escolar aislado
se desvanece frente a la cantidad de informacin que penetra a travs de diversos
dispositivos (computadoras, celulares, internet, etc.) generando ambientes de alta
disposicin tecnolgica.9 Tercera ruptura: las formas de comunicacin en el aula.10 Si la metfora
de Comenio en el siglo XVII, al calor de los descubrimientos que se desarrollaban en el
marco de la Revolucin Cientfica, era la del docente como un sol, alrededor del cual el
resto de los planetas giraban (el saber, los alumnos, el mtodo, la disciplina), actualmente ya
6
DUSSEL, Ins; CARUSO Marcelo. La invencin del aula. Una genealoga de las formas de ensear.
Buenos Aires: Santillana, 1999, p. 48.
7
DARCOS, Xavier. La escuela republicana en Francia: obligatoria, gratuita y laica. La escuela de Jules
Ferry, 1880-1905. Zaragoza: Prensas Universitarias de Zaragoza, 2008.
8
PINEAU, Pablo. Por qu triunf la escuela?, o la modernidad dijo: Esto es la educacin, y la escuela
respondi: Yo me ocupo. In: PINEAU, Pablo; DUSSEL, Ins; CARUSO, Marcelo. La Escuela como
Mquina de Educar. Tres escritos sobre un proyecto de la modernidad. Buenos Aires: Paids, 2000.
9
MAGGIO, Mariana. Enriquecer la enseanza. Los ambientes con alta disposicin tecnolgica como
oportunidad. Buenos Aires: Paids, 2012, p. 186
10
DUSSEL; CARUSO, 1999, p. 48.
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no existe un solo portador del saber y un solo poder autorizante -el del maestro-, sino
saberes que se pasan y traspasan entre mltiples y diversos interlocutores que producen -
juntos- conocimiento. Podramos decir que todos se mueven, inclusive los portadores del
saber, movimiento que rompe con un modo de construccin del vnculo pedaggico
asimtrico entre el maestro y el alumno.11
El escenario de rupturas que sealamos de modo general da cuenta, entre otros
aspectos no detallados aqu, del estallido que ha sufrido el aula tradicional frente al avance
de las TIC, an cuando todava existen muchas resistencias para adaptarse a las nuevas
condiciones tecnolgicas que atraviesan los procesos de enseanza y aprendizaje. Las
instancias de formacin docente continua a travs de distintos entornos virtuales de
aprendizaje (EVA) se constituyen en tanto testigos de esas mutaciones y permiten articular
en los espacios de formacin los cambios producidos en la relacin con el saber y el
conocimiento y las experiencias de los profesores en trminos de sus trayectorias escolares
y biografas profesionales.
11
GRECO, Maria Beatriz. La autoridad (pedaggica) en cuestin. Una crtica al concepto de autoridad
en tiempos de transformacin. Rosario: HomoSapiens, 2007, p. 80.
12
BIRGIN, Alejandra (coord..). Ms all de la capacitacin. Debates acerca de la formacin de los
docentes en ejercicio. Buenos Aires: Paids, 2012, p. 256.
13
Desde entonces, la capacitacin se organiz bajo el supuesto que capacitar consiste en analizar la
prctica para modificarla a la luz de los conocimientos y habilidades aprendidos, teniendo en cuenta el
contexto adnde esa prctica se desarrolla. Concepcin inspirada en el escrito: ZAPPETTINI, M. Cecilia;
RODRIGUEZ, Laura. Los dilemas de la capacitacin. Un estudio de caso. XIV Jornadas Argentinas de
Historia de la Educacin. La Plata: FAHCE-UNLP, 2006.
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Los campus virtuales, tambin conocidos como plataformas, son sitios web
especializados que poseen herramientas comunicativas que posibilitan la gestin de la
enseanza y del aprendizaje () en relacin a su funcin proporcionan un entorno que
permite maneras nuevas de relacionarse y de interactuar entre docentes y alumnos, brindan
la posibilidad de desplegar a travs del monitor de una computadora espacios como aulas
(con sus correspondientes clases, trabajos prcticos, bibliografa, recursos), bibliotecas, salas
de reuniones, intercambio de experiencias y otras instancias14. Para los recorridos de
desarrollo profesional pueden promover nuevas reflexiones acerca de las formas de ensear
y una recuperacin tanto de cuestiones epistemolgicas como didcticas. La formacin
docente continua en entornos virtuales habilita procesos de construccin de conocimientos
donde resulta primordial el trabajo de y entre los profesores.
Hasta el ao 2016, el rea de Historia tena a su cargo tres aulas virtuales 15, donde se
encontraban los siguientes espacios, creados, proyectados y diseados por el equipo
docente formador, constituido por la tutora virtual, el tutor asistente TIC y la coordinadora
del equipo provincial de Historia del nivel secundario:
- El texto de la clase para descargar, donde se desarrollan los contenidos, seleccionados y
escritos por la tutora virtual y la coordinadora del equipo.
- Una carpeta de Bibliografa (con los materiales bibliogrficos de la clase)
- Las consignas de las actividades a realizar.
- Un Foro de Intercambio (donde se socializan las actividades y los docentes se leen y
comentan entre s).
- Un Foro de Consultas TIC (solo para consultas sobre problemas de uso de la plataforma:
cmo subir un archivo?; cmo descargarlo?, etc.).
14
ESPAA, M. Elena; FORESI, M. Fernanda. Las prcticas y el desarrollo profesional ante las
tecnologas de la comunicacin. In: SANJURJO, Liliana (coord.). Los dispositivos para la formacin en
las prcticas profesionales. Rosario: HomoSapiens, 2012, p. 215.
15
A partir del ao 2017 la cantidad de aulas por Tutor Virtual pas a ser de tres a dos, pero se agregaron
cursos nuevos y ms Tutores Virtuales, con el propsito de escalabilizar el Campus Virtual de la
Direccin de Formacin Continua. Asimismo, el diseo de las aulas tambin ha cambiado a los fines de
fortalecer la identidad institucional del Campus Virtual. Segn el actual Director del Campus, Ezequiel
Layana, Tecnlogo Educativo (UTN), la cantidad de inscriptos durante el ao 2015 fue de 13.874 y en
2016, se anotaron para cursar 16.292 docentes, distribuidos en tres cohortes. Para el ao 2017 se proyecta
el dictado de 4 cohortes, dato que eleva y garantiza una gran cantidad de plazas disponibles para aquellos
docentes que aspiran a recorrer el trayecto formativo de desarrollo profesional para la carrera docente en
el marco de la DFC. Para el rea de Historia los docentes cursantes en esos aos fueron aproximadamente
810, aprob el curso un 40 %.
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- Foro de Consultas de cada Clase (espacio para hacer consultas sobre los temas que se
desarrollan en la clase de esa semana).
En las aulas se disearon, a su vez, dos espacios a los que se acceda en forma
permanente: el Banco de Fuentes y el Diario de Registro de Experiencia.
La construccin de un Banco de Fuentes ha sido una actividad que plantemos
tanto en el ao 2015 como en el ciclo 2016 y constituye un espacio en el que los profesores
compartan sus actividades. A medida que transcurran las clases semanales, incorporaban
las devoluciones que reciban en los foros por parte de la tutora y el resto de los colegas.
All tambin reunan fuentes histricas, recursos audiovisuales y materiales bibliogrficos
que iban seleccionando. Se trataba de un espacio individual a la vez que colectivo en el cual,
como sealamos, reciban devoluciones peridicas por parte de la profesora a cargo y los
docentes cursantes.
El Diario de Registro de Experiencia lo llevamos adelante solamente en el ao
2015 y fue concebido como un espacio personal (a travs de una wiki) donde los profesores
podan expresar/contar/escribir sobre el desarrollo de su experiencia en el curso y sus
prcticas docentes en general.16 A veces encontraban consignas concretas, formuladas por
los responsables del curso; en otras ocasiones, en cambio, podan aprovechar el Diario para
expresar el modo en el cual iban transitando el trayecto de formacin continua.
16
La Wiki es un sitio web colaborativo que puede ser editado por varios usuarios. El diario de clase, que
nosotras llamamos Diario de Registro de Experiencia, funciona como un documento personal y
autobiogrfico del docente. Es un registro escrito que incluye opiniones, sentimientos, interpretaciones,
reflexiones acerca de las prcticas pedaggicas puestas en acto en el saln de clase. Se lo utiliza como
instrumento para la construccin reflexiva del conocimiento profesional y como recurso de anlisis de la
teora o supuestos que sustentan las decisiones docentes. Para profundizar: CAPOROSSI, Alicia. La
narrativa como dispositivo para la construccin de conocimiento profesional de las prcticas docentes. In:
SANJURJO, Liliana (coord.). Los dispositivos para la formacin en las prcticas profesionales. Rosario-
Santa Fe: HomoSapiens, 2012.
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17
ABENDAO LOPEZ, Sandra (coord). El profesor tutor en la escuela secundaria. Herramientas para
la formacin y la capacitacin. Buenos Aires: Noveduc, 2013, p. 96.
18
Curso virtual Ensear Historia argentina: trabajadores y trabajadoras en los orgenes del peronismo,
Segunda Cohorte, Direccin de Formacin Continua, 2016.
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adems de las cuestiones especficas, comparten situaciones personales pero con un tono
amistoso y de cordialidad. Tomamos nota de este hecho porque creemos que en las aulas
secundarias sera muy fructfero crear situaciones de enseanza y aprendizaje amables y de
confianza.
La construccin de un trabajo colectivo y colaborativo resulta realmente
significativo porque pone en tensin ciertos argumentos que sostienen que la tarea
profesional de los docentes radica en la reproduccin de una serie de teoras formuladas en
otros mbitos como, por ejemplo, el acadmico. Por otro lado, existen quienes afirman que
los profesores leen y traducen de manera literal lo que dicen los manuales. Si bien es cierto
que existe cierta tendencia generalizada al uso de libros escolares ms que bibliografa y
literatura histrica, igualmente cierto es el hecho de que ninguna traduccin es literal.
Existe una amplia cuota de creatividad por parte de los docentes a la hora de ensear.
En el campus virtual se habilit un espacio para que los profesores expresen all su
experiencia de formacin, de modo tal que oficiara como un diario o registro de clase que
los habilitara a dejar por escrito no slo su proceso de formacin y opiniones sobre la
modalidad de enseanza sino, sobre todo, las expectativas respecto del curso y una
autoevaluacin acerca del desarrollo de su propia formacin. Por esta razn, tenan la
opcin de ir completando este espacio desde el comienzo del curso hasta el final, a partir
de una serie de reflexiones relativas a sus expectativas y, finalmente, mediante la
elaboracin de una evaluacin cualitativa sobre la cursada. El registro de experiencia ha
sido importante porque, entre otras cosas, arroja luz sobre los modos a travs de los cuales
el curso impact sobre su propia trayectoria formativa y las formas de concebir y llevar a
cabo la enseanza con sus estudiantes en las escuelas.
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Segunda Cohorte, Direccin de Formacin Continua, 2016.
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Curso virtual Ensear Historia argentina: trabajadores y trabajadoras en los orgenes del peronismo,
Primera Cohorte, Direccin de Formacin Continua, 2016.
21
ALVARADO, M. y Corts, M. La escritura en la Universidad: repetir o transformar, Ciencias Sociales,
Buenos Aires, n. 43, p. 1-3, 2000.
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Curso virtual Ensear Historia argentina: trabajadores y trabajadoras en los orgenes del peronismo,
Segunda Cohorte, Direccin de Formacin Continua, 2016.
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Frente al desafo de trabajar de una manera renovada con las fuentes histricas, los
docentes sealan cierta novedad respecto del uso de diversostipo de informacin:
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Curso virtual Ensear Historia argentina: trabajadores y trabajadoras en los orgenes del peronismo,
Primera Cohorte, Direccin de Formacin Continua, 2016.
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Curso virtual Ensear Historia argentina: trabajadores y trabajadoras en los orgenes del peronismo,
Segunda Cohorte, Direccin de Formacin Continua, 2016.
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Curso virtual Ensear Historia argentina: trabajadores y trabajadoras en los orgenes del peronismo,
Segunda Cohorte, Direccin de Formacin Continua, 2016.
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Curso virtual Ensear Historia argentina: trabajadores y trabajadoras en los orgenes del peronismo,
Segunda Cohorte, Direccin de Formacin Continua, 2016.
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En este sentido, hallamos alusiones al curso como experiencia que les permite
replantear o repensar sus prcticas ulicas y proyectar modos de enseanza u abordajes
que no conocan o nunca haban implementado. Motivo por el cual, los criterios
historiogrficos interpelan a los docentes en su propia formacin:
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Curso virtual Ensear Historia argentina: trabajadores y trabajadoras en los orgenes del peronismo,
Tercera Cohorte, Direccin de Formacin Continua, 2015.
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Segunda Cohorte, Direccin de Formacin Continua, 2016.
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Segunda Cohorte, Direccin de Formacin Continua, 2016.
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Segunda Cohorte, Direccin de Formacin Continua, 2016.
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Segunda Cohorte, Direccin de Formacin Continua, 2016.
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Segunda Cohorte, Direccin de Formacin Continua, 2016.
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Segunda Cohorte, Direccin de Formacin Continua, 2016.
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Curso virtual Ensear Historia argentina: trabajadores y trabajadoras en los orgenes del peronismo,
Segunda Cohorte, Direccin de Formacin Continua, 2015.
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Segunda Cohorte, Direccin de Formacin Continua, 2016.
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Curso virtual Ensear Historia argentina: trabajadores y trabajadoras en los orgenes del peronismo,
Primera Cohorte, Direccin de Formacin Continua, 2016.
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Segunda Cohorte, Direccin de Formacin Continua, 2016.
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Como puede percibirse a travs de las voces de los docentes, algunas reflexiones
estn orientadas por la especificidad de la enseanza de la disciplina y otros factores por el
orden institucional, ambas dimensiones se entrecruzan y resultan fundamentales analizarlas
as, imbricadas, a la hora de pensar polticas de formacin docente.
Los espacios de reflexin sobre el curso, entonces, emergen como lugares
privilegiados en los cuales se puede volver sobre las prcticas y re-leerlas a la luz de la
experiencia de formacin en curso o interrogarlas a partir de reconocer su propio
accionar.40 En este sentido, los entornos virtuales, en los cuales la palabra se expresa,
fundamentalmente, en forma escrita, potencian las habilidades reflexivas de los docentes
sobre su trayectoria y el quehacer cotidiano en las aulas.
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Curso virtual Ensear Historia argentina: trabajadores y trabajadoras en los orgenes del peronismo,
Segunda Cohorte, Direccin de Formacin Continua, 2016.
39
Curso virtual Ensear Historia argentina: trabajadores y trabajadoras en los orgenes del peronismo,
Segunda Cohorte, Direccin de Formacin Continua, 2016.
40
LITWIN, Edith. El oficio de ensear. Buenos Aires: Paids, 2008, p. 121.
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A esta altura, no caben dudas que la cultura digital nos coloca frente a nuevos
desafos pedaggicos y, el uso de Facebook en el aula, es uno de ellos. Como seala Ins
Dussel:
Las redes sociales tienen algunos rasgos que las convierten en mbitos
novedosos: la conectividad, la comunicacin casi inmediata, la
sociabilidad extensa y la gran visibilidad. Todo eso est permitiendo
organizar mundos de experiencia muy distintos a los que conocamos.
Tambin es una novedad la combinacin de palabras e imgenes: si bien
Facebook y Twitter son plataformas con codificaciones y gneros un
poco distintos, ambos comparten (y pugnan por intensificar) esa mezcla
de signos que puedan expresar ideas y, sobre todo, sensaciones
momentneas41.
Otras de las bonanzas que podemos sealar del uso de Facebook en la clase radica
en la capacidad que tiene esta red social para producir una circulacin horizontal de los
mensajes; promover mayor colaboracin debido al intercambio de contenidos; trascender,
como sealamos anteriormente, el espacio del aula y seguir comentando, descargando
materiales y publicando a cualquier hora y desde cualquier lugar. 42 Asimismo, el espacio de
los comentarios estimula la conversacin y profundizacin de procesos cognitivos
generados, en este caso, a travs de los vnculos que se establecen entre los profesores y
entre ellos/as y el/la docente capacitador/a.43 Nos referimos, junto con la autora Mariana
Maggio, al enriquecimiento de las prcticas que se produce en estos espacios informales
pero no por eso menos formativos, al poder revisitarlas a partir de alguna sugerencia de
textos, videos u otros recursos, los interrogantes que se formulan entre los mismos
docentes o las sugerencias que se realizan entre ellos y la posibilidad de evaluar el sentido y
la orientacin de sus propios trabajos, que implementan o implementarn en el futuro.
Por otra parte, el hecho de compartir documentos (trabajos prcticos, materiales,
bibliografa, otros), permite que estos textos, en tanto escrituras de los docentes, queden
disponibles, visibles, para todos los participantes (e inclusive para otros en caso de que el
grupo de Facebook sea abierto) y recurrir a ellas cuando as lo necesiten o deseen. Vale en
este sentido retomar la categora de memorias docentes para dar cuenta de que estos
41
DUSSEL, Ins y J. A. QUEVEDO. Educacin y nuevas tecnologas, los desafos pedaggicos ante el
mundo digital. Buenos Aires: Santillana, 2010, p. 23.
42
ROMERO MANCO, Ins. Facebook. Aprendizaje en red: de lo social a lo educativo, 2011 Disponvel
em: <http://portal.educ.ar/debates/educacionytic/nuevos-alfabetismos/facebook-aprendizaje-en-red-de-
1.php>. Acesso em:
43
MAGGIO, Mariana. Enriquecer la enseanza. Los ambientes con alta disposicin tecnolgica como
oportunidad. Buenos Aires: Paids, 2012, p. 186.
164
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escritos (junto con documentos burocrticos, planes de estudios, discursos escolares, etc.)
producidos en el mbito escolar pueden iluminar aspectos de la vida de los profesores y
sobre el sentido que le imprimen a su trabajo44. De este modo, se evidencia que los
profesionales de la educacin no se limitan slo a ensear a leer y a escribir. Son
productores de textos que proyectan formas de enseanza, expresan dificultades, eternizan
prcticas o las subvierten. Estas escrituras ganan importancia no slo para comprender la
cultura escolar sino, especialmente, la cultura docente.45 En definitiva, textos que
operacionalizan de algn modo la produccin, transmisin y circulacin de saberes y
conocimientos. Sin embargo, en la medida que estos documentos se renuevan y/o se
reescriben en el espacio virtual, resultan una muestra bien interesante acerca del carcter
incompleto y provisorio del conocimiento, pero dejan huella, registro, de los saberes que
han pasado por all y cmo han sido resignificados en un intercambio colectivo entre
colegas docentes y capacitadores.
A diferencia del curso virtual, donde se propuso a los docentes elaborar un banco
de fuentes con distinto tipos de recursos (bibliogrficos, pictricos, fotogrficos, etc.) se
solicit a los profesores que compartan en el espacio de comentarios un Trabajo Prctico
ya elaborado por ellos mismos, que considerasen su mejor produccin, queriendo decir con
ello un trabajo que considerara valioso por las posibilidades que generaba de aprender, de
alcanzar los contenidos o que, simplemente, les gustara. No es motivo de este texto pero el
gusto, el placer, las emociones deberan entrar con ms nfasis en los estudios sobre la
didctica especfica porque sin ese aspecto afectivo-sensitivo mucho de lo que sucede en las
aulas, sobre todo la disposicin de los docentes para ensear, no sera posible.
El propsito de la consigna estaba orientado a provocar, poner en movimiento una
actitud de bsqueda, reconocimiento y seleccin de sus propios materiales de trabajo, as
como generar empata con sus documentos y asumirse en tanto hacedores-productores de
los saberes que transmiten y arquitectos de los contextos de enseanza que promueven.
De este modo, la relacin con el saber de la experiencia era diferente. No se
parta de una consigna del equipo formador sino de sus propias elaboraciones y
reelaboraciones en funcin de los intercambios entre colegas en el espacio de los
44
CATANI, Denice Brbara.; BUENO, Belmira Oliveira; SOUSA, Cynthia Pereira de. Os homens e o
magistrio: as vozes masculinas nas narrativas de formao, Revista Portuguesa de Educao, Braga, v.
11, n. 1, p. 5-22, 1998.
45
MIGNOT, Ana Chrystina Venancio; CUNHA, Maria Teresa Santos (org.). Prcticas de memoria
docente. So Paulo: Cortez Editorial, 2003.
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Lo que suceda, en general, era que los/as docentes retomaban los interrogantes en
la instancia presencial del curso, puesto que era la primera vez que una red social era
utilizada con sentido pedaggico. De todos modos, esos interrogantes actuaban como
estmulo para provocar su pensamiento, porque en los encuentros presenciales se
retomaban y se trabajaba sobre ellos.
Creemos, en principio, que dar a conocer las voces de los/as docentes resulta
fundamental si aspiramos a conocer qu piensan, qu sienten, qu tienen para decir, para a
partir de all, proyectar polticas de capacitacin capaces de acompaar y satisfacer
expectativas de los/as profesores que luego se traduzcan en un verdadero impacto en la
transformacin de la enseanza. Sin dudas, los entornos virtuales, habilitan por aparicin o
por omisin a que esas voces aparezcan (o no) de manera espontnea. Y all radica su valor.
Si aparecen, ponen a rodar ideas, pensamientos, sensaciones y si no (como en la propuesta
de la red social) tambin permite a los "formadores de formadores" reflexionar sobre el
lugar donde intervenir para producir los cambios esperados.
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Ya sea las propuestas de participar en los foros o las redes sociales, habilitan a
reflexionar y promover el mejoramiento de las prcticas de enseanza. En el primer caso,
porque crear un TP nuevo (aunque nunca es nuevo del todo) basado en las potencialidades
del uso de fuentes histricas como textos posibles a partir de los cuales construir
aprendizajes histricos de manera razonada, puede sacarle el vicio, por decirlo de algn
modo, a prcticas reiterativas y habituales. Sabemos que, por el tipo de trabajo que atraviesa
a los docentes (el vrtigo del da a da, el calendario escolar, la cantidad de horas, la cantidad
de evaluaciones para corregir, etc.), muchas veces no cuentan con tiempo disponible para
ponerse a crear. Y, en este sentido, el espacio virtual se convierte en un ambiente
estimulante. En el segundo caso, an cuando la participacin en el espacio comentarios
result difcil, compartir y revisar esas escrituras otorga certezas a los/as docentes y, sobre
ellas, los profesores pueden volver a contextualizar sus producciones en el marco de las
condiciones proporcionadas por las redes respecto a la produccin del conocimiento y
enriquecerlas, revisarlas, ajustarlas, etc.
CONCLUSIONES
167
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46
RANCIRE, Jacques. El desacuerdo, Poltica y Filosofa. Buenos Aires: Nueva Visin, 1996.
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47
TYACK, David; CUBAN, Larry. Ciclos de poltica y Corrientes institucionales Cmo las escuelas
cambian a las reformas. In: ______. En bsqueda de la utopa. Un siglo de reformas de las escuelas
pblicas. Mxico: Fondo de Cultura Econmica, 2001.
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RESUMO
Tendo em vista debates sobre como usar filmes em salas de aula, especificamente no ensino de
histria, apresento a experincia de exibio do mesmo filme (Sonhos Tropicais, Andr Sturn, 2002)
para diferentes turmas do 9 ano do Ensino Fundamental, adotando procedimentos preparatrios
diferenciados a fim de debater e defender a importncia de, alm da alfabetizao da linguagem
cinematogrfica refletir tambm sobre o desenvolvimento da compreenso dos estudantes dos
debates e dilogos historiogrficos estabelecidos pela narrativa audiovisual para compreenso das
intertextualidades presentes nos filmes. Finalizo com a anlise comparativa entre as diferentes
metodologias e seus diferentes resultados.
ABSTRACT
In this paper, I present an experience of exhibition of the same movie (Sonhos Tropicais, Andr
Sturn, 2002) for different classes adopting different methodologies. In one group, studants are
doing activities about audiovisual language, in another group of studants the activities are focusing
in understanding of the debates and dialogues "historiographical" established, and, in the last group,
there is no activities before the exibihition of film. I conclude with a comparative analysis of the
different methodologies and their different results.
1
FRANCO, Marlia. Prazer audiovisual. Revista Comunicao e Educao, So Paulo, Ano I, n. 2, 1995,
p. 52.
170
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o primeiro degrau para se chegar aos nveis racionais mais altos que podem proporcionar
uma aprendizagem slida dos conceitos e sua aplicao.2. Enquanto a educao se debate
nas linguagens apropriadas para o ensino "...os meios audiovisuais continuam sendo
consumidos largamente pelas pessoas, proporcionando um derrame de informao que,
mesmo sem tratamento pedaggico, transforma-se em formao."3
Conforme indicou Ktia Abud4, as facilidades tecnolgicas e, principalmente, as
iniciativas dos professores, geradas pelo fascnio do cinema, fazem com que a exibio de
filmes nas salas de aula, e nas aulas de histria, seja algo crescente. Usar filmes na escola e,
especificamente, nas aulas de histria, alm de uma prtica comum disseminada, tambm
vem sendo defendido por educadores e pesquisadores como meios de dinamizar a sala de
aula para alm de um formato tradicional.
No entanto, considerando a especificidade do uso de filmes no ensino de histria,
proponho que, para alm da questo metodolgica de como utilizar filmes no ensino em
geral, pensemos sobre as caractersticas dos filmes exibidos, a especificidade do filme
histrico e as experincias mltiplas possveis no ambiente escolar na aprendizagem
histrica.
Os debates acadmicos em torno da questo Cinema e Histria nem sempre
enfocam as especificidades do filme histrico e as questes especficas do ensino de
histria. Nesse sentido, os filmes com temticas histricas acabam sendo deixados de lado
e so comumente descartados pois carregam uma carga pejorativa em funo de uma
tradio de anlise. As crticas no seu uso voltam-se para a possibilidade de uso ilustrativo,
e, por outro lado, pesquisadores enfatizam a argumentao de Marc Ferro5 sobre a
impregnao do presente em qualquer filme. No entanto, no ensino de histria, entre usar
o filme como ilustrativo de uma verdade do passado, e, por outro lado, limitar sua
abordagem ao presente, existem outras possibilidades do mesmo como dispositivo
pedaggico e catalisador de aprendizagens.
De acordo com Marcia Landy a abordagem de filmes histricos, que chegou
tarde no roll de anlises dos historiadores, permaneceu durante algum tempo como uma
2
FRANCO, Marlia. Linguagens audiovisuais e cidadania. Revista Comunicao e Educao, So Paulo,
Ano III, n. 9, 1997, p. 27.
3
FRANCO, 1997, p. 34
4
ABUD, Ktia Maria. A construo de uma Didtica: algumas ideias sobre a utilizao de filmes no
ensino. Histria [online], So Paulo, v. 22, n. 1, 2003, p. 183-193.
5
FERRO, Marc. Existe uma viso cinematogrfica da histria? in: FERRO, Marc. A Histria Vigiada.
So Paulo: Martins Fontes, 1989.
171
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6
LANDY, Mrcia. The Historical Film: History and Memory in Media,. London: The Athlone Press,
2001, p. 12.
7
ROSENSTONE, Robert A.. El pasado en imgenes: El desafo del cine a nuestra idea de la historia.
Barcelona: Ariel, 1997
172
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tradies historiogrficas, tais como trabalhos de Eduardo Morettin, Alcides Freire Ramos8
e Vitria Fonseca9. Conforme apresentado por Fonseca10, na utilizao de filmes no ensino
de histria, pelo menos cinco questes devem ser consideradas em funo da
especificidade deste objeto cultural. Em primeiro lugar, os livros didticos reproduzem
orientaes pautadas por debates acadmicos datados11, nesse sentido, a ideia de enfatizar a
linguagem cinematogrfica na anlise de filmes no deve ser a nica abordagem. Outro
aspecto, a compreenso de que filmes histricos estabelecem dilogos com diferentes
tradies de interpretaes dos temas que enfocam, e, alm disso, pode ser considerado um
tipo de adaptao. Os filmes histricos brasileiros tambm podem ser inseridos na
compreenso da arte com papel social, e, muitas vezes, podem apresentar interpretaes do
passado vlidas historicamente.
Assim, podemos ampliar a noo de filme histrico e compreender suas diferentes
estticas e problemticas ao longo do ltimo sculo. Embora o passado tenha sido
tematizado diacronicamente na cinematografia brasileira, com momentos de maior ou
menor expresso, sempre esteve presente nas telas de cinema, mas, nem sempre em forma
tradicional de filme histrico. Para Jean Claude Bernardet, o gnero histrico no Brasil
"... quase to antigo como o prprio cinema de fico"12.
No incio do sculo XX, existem referncias a filmes sobre Tiradentes, D. Pedro e
a independncia e a guerra do Paraguai. Filmes realizados por imigrantes italianos visando
sua integrao cultura brasileira, segundo Bernardet. Nas dcadas de 1930 e 1940, com
incentivos a realizao de filmes educativos, foi criado o Instituto Nacional de Cinema
Educativo (INCE), em 1937, onde Humberto Mauro dirigiu vrios curtas metragens
educativos, dentre eles, O Descobrimento do Brasil (1937) e Os Bandeirantes (1940)13. Na dcada
8
RAMOS, Alcides Freire. Canibalismo dos Fracos - Cinema e Histria do Brasil. So Paulo: Edusc,
2001.
9
FONSECA, Vitria Azevedo da. A Monarquia no cinema: metodologia e anlise de filmes histricos.
So Paulo: Paco Editorial, 2017.
10
FONSECA, Vitria Azevedo da. Filmes histricos e o ensino de histria: dilogos e controvrsias.
Revista Locus, Juiz de Fora, v. 22, n. 2, p. 415-434, 2016. Disponvel em:
<http://https://locus.ufjf.emnuvens.com.br/locus/article/view/2915>. Acesso em: 01 fev. 2017.
11
FONSECA, Vitria Azevedo da. Filmes no ensino de Histria na viso dos livros didticos: use com
moderao. Revista Labirinto, Porto Velho, Ano XVI, v. 24, n. 2, p. 57-70, jan./jun. 2016. Tratando
tambm da questo: PEREIRA, Lara R., SILVA, Cristiane B. Como utilizar o cinema em sala de aula?
Notas a respeito das prescries para o ensino de Histria. Espao Acadmico, Passo Fundo, v. 21, n. 2, p.
318-335, jul./dez. 2014.
12
BERNARDET, Jean Claude. Qual a histria?. In: ______. Piranha no mar de rosas. So Paulo:
Nobel, 1982, p. 57.
13
Sobre estes filmes veja: MORETTIN, Eduardo Victorio. Cinema e histria: uma anlise do filme Os
bandeirantes. Dissertao (Mestrado em Artes) Universidade de So Paulo, So Paulo, 1994; ______.
173
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174
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16
SOUZA, der Cristiano. Cinema e didtica da histria: um dilogo com o conceito de cultura de Jrn
Rsen. Histria Revista, v. 17, n. 1, 2012, p. 19.
17
FONSECA, 2016.
18
FONSECA, 2016, p. 67
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Aqueles que possuem a prtica de exibir filmes aos alunos sabem que esse uso do
cinema uma experincia temporal, tanto para os jovens quanto para os docentes, na qual
vai se construindo aos poucos uma anlise crtica e proveitosa. Ou seja, nem o primeiro
filme exibido pelo professor, nem a primeira exibio para os alunos, faro milagres. Cada
professor vai aprendendo com sua experincia, criando seus prprios mtodos a partir das
suas possibilidades. Por outro lado, dependendo do grupo de alunos para o qual o filme
exibido o professor poder encontrar diferentes possibilidades de aprendizagens.
Assim, partindo da proposta de compreender as leituras dos alunos importante
desenvolver, alm da teoria sobre os prprios filmes, tambm anlise das possibilidades
geradas nas exibies. Apresento abaixo uma experincia inicial que, no entanto, nos
aponta para algumas reflexes. Diante das diversas possibilidades, tornava-se premente
refletir sobre as respostas dadas pelos estudantes a diferentes metodologias de preparao
ao filme. Na prtica de sala de aula, foi possvel experimentar diversas formas de utilizar os
filmes no processo de ensino/aprendizagem e, a partir disso, vrios questionamentos foram
sendo gerados. Dentre eles estavam se os alunos deveriam ou no ser preparados para
assistir ao filme e de que maneira, enfatizando quais aspectos. Decorrente disso, a
experincia relatada aqui foi proposta.
O filme escolhido foi Sonhos Tropicais (Andr Sturn, 2002). Em meio a um surto de
dengue, com os estudantes desenvolvendo percepes sobre o processo de proliferao de
doenas e a necessidade de interveno do poder pblico, foi escolhido esse filme pois
tematiza o problema da sade pblica no Rio de Janeiro no incio do sculo XX, que
culmina na Revolta da Vacina, tema que tambm fazia parte do planejamento daquele
bimestre, naquelas turmas.
Com trs diferentes classes, foram trs diferentes tratamentos do mesmo filme. A
primeira turma foi preparada para assistir ao filme, com nfase nas questes da linguagem
cinematogrfica. A segunda, foi preparada a partir das questes relacionadas ao contexto
histrico e as interpretaes historiogrficas sobre o evento retratado no filme, e, por fim, a
terceira turma no foi preparada e assistiria ao filme simplesmente.
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procurado para falar sobre ele, Oswaldo e, grande parte do livro se ocupa em relatar a sua
vida, sempre direcionado ao prprio. Ao compararmos essa estrutura narrativa com o filme
percebemos modificaes significativas.
Em primeiro lugar, o filme narra trajetrias paralelas entre dois personagens:
Oswaldo Cruz e Esther, uma mulher polaca que chega ao Rio de Janeiro do fim do
sculo XIX, prometida para casamento que encontra uma realidade muito diferente da
imaginada pois obrigada a trabalhar num bordel, prostituindo-se. Essa personagem
aparece em alguns poucos momentos no livro nos quais sua vida cruza a de Oswaldo Cruz.
No entanto, outros personagens se cruzam e entrecruzam em uma narrativa cheia de
elementos. O personagem de Amaral, um malandro carioca e amante pobre de Esther,
tambm aparece em segundo plano no livro e focalizado no filme. Assim, podemos dizer
que os personagens centrais dessa histria so Oswaldo Cruz e Esther. Mas o foco do filme
no fica apenas neles.
Outros personagens populares aparecem. Prata Preta apresentado com um filho
doente sendo levado para o hospital, onde esbarra com Mariano, um operrio que se
revolta por no ter sua esposa atendida: operrio e negro vivem a mesma misria e descaso.
Durante a narrativa, trs senhores, provavelmente jornalistas, fofocam sobre as notcias do
Rio de Janeiro e informam o espectador sobre questes contextuais. Vicente de Souza
organiza reunies no Centro das Classe Operrias, e, clandestinamente, participa de
reunies de militares descontentes, dentre eles Travassos e tambm Teixeira Mendes, um
positivista. Este grupo representado na narrativa como conspiradores.
Na trajetria de Cruz, ele combate epidemias, cria o laboratrio em Manguinhos.
As narrativas paralelas se entrecruzam. Com imagens documentais, so apresentadas
notcias da poca: R. Alves toma posse, pessoas pegam febre amarela, capoeiras so presos,
Pereira Passos inicia a reforma do Rio de Janeiro. Cruz convidado pelo Ministro Seabra
para ocupar o cargo da Segurana Pblica.Oswaldo Cruz apresenta ao Presidente
Rodrigues Alves o mtodo de Cuba de extermnio dos mosquitos. Os jornalistas falam que
Passos e Cruz governam a cidade e fazem o que querem. Cruz orienta os agentes de sade
que em seguida comea a invadir casas e abordar de forma violenta a populao. Na casa
atingida est a esposa de Prata Preta. Os jornalistas falam da charge Oswaldo Cuba. No
entanto, o mtodo tem sucesso. Em uma cena, Alves l a noticia para Cruz de que no
existe mais a febre amarela no Rio. Cruz fica apreensivo, ainda precisam acabar com a
peste. Prope a extino dos ratos. O mtodo comprar ratos da populao. Neste
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episdio, Amaral encarna a pessoa que criou ratos para vender. Fato este noticiado pelos
jornais da poca, no Rio de Janeiro.
Na narrativa de Esther, ela passa de uma estrangeira que no aceita a situao de
estar obrigada a se prostituir em um bordel a uma administradora de bordel, sob a proteo
do chefe de polcia Camargo. No entanto, ela surpreendida por ele na cama com Amaral,
seu amante malandro e pobre. Em funo disso, o chefe de polcia transforma os dois em
seus inimigos. No contexto da reforma urbana, o bordel administrado por Esther
demolido para dar lugar a uma avenida e ela, e sua amiga, ficam sem espao para trabalhar
em funo da inimizade com o chefe de polcia.
Perambulando pelas ruas, a amiga de Esther contaminada com varola. levada
para o hospital, onde morre. No hospital, Esther encontra com Oswaldo Cruz e a comitiva
com o presidente e deputados, dentre eles, Varela. Esther voluntria para aplicao da
vacina. No entanto, os polticos discutem. Varela discorda e promete oposio. (Uma das
enfermeiras menciona o boato de que a vacina seria feita com pus de vaca, e repreendida).
Os jornalistas ridicularizam Cruz, a vacina e sua lanceta. Fazem chacotas obscenas. Esther,
sem alojamento, vai trabalhar no boteco do portugus, sr. Romo, frequentado por Prata
Preta, Amaral, e, na revolta, torna-se um ponto de encontro.
No governo, discutem o Regulamento de Cruz, que tem forte oposio. Vicente
fala ao povo para resistir ao governo e vacina. Um homem, preocupado com o filho que
tomou a vacina vem conversar com Vicente, que lhe avisa no ter problema nenhum e que
no esto contra a vacina, mas contra o governo. Varela tambm discursa ao povo e fala da
invaso de domiclios e falta de segurana das mulheres. Ocorre o primeiro confronto com
a polcia. Em paralelo, os militares tambm sugerem um levante. Iniciam-se confrontos em
diferentes lugares da cidade.
Os diversos personagens se encontram na revolta. De um lado, Prata Preta,
Amaral, Esther, Mariano; de outro, Cruz tentando explicar a importncia da vacina; Vicente
de Souza, instigando a populao, com apoio dos militares, de ir contra o governo, e,
membros do governo tentando manter o poder.
Inicialmente, a resistncia no morro segue firme, mas, ao final, so derrotados
pelas tropas do governo. Na rua, no dia seguinte, vemos vrios mortos e Prata Preta sendo
espancado por policiais. As legendas finais informam sobre o destino de Oswaldo Cruz e
dos participantes da Revolta, como Prata Preta, que so enviados para o Acre.
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19
FONSECA, Vitria Azevedo da. Filmes histricos e o ensino de histria: dilogos e controvrsias.
Revista Locus, Juiz de Fora, v. 22, n. 2, p. 415-434, 2016. Disponvel em:
<http://https://locus.ufjf.emnuvens.com.br/locus/article/view/2915>. Acesso em: 01 fev. 2017.
20
CHALHOUB, Sidney. Cidade febril. Cortios e epidemias na Corte Imperial. So Paulo: Companhia
das Letras, 1996.
21
SEVCENKO, Nicolau. A revolta da vacina - mentes insanas em corpos rebeldes. So Paulo:
Brasiliense, 1984.
22
CARVALHO, Jos Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a Repblica que no foi. So Paulo:
Companhia das Letras, 1987.
181
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23
SEVCENKO, 1984, p. 5.
24
CARVALHO, 1987.
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Assim, foi proposto, neste trabalho, que os estudantes pudessem expor suas
impresses sobre o filme exibido sem que houvesse qualquer direcionamento por parte da
professora. Os cuidados tomados foram o espao, a visibilidade e a qualidade sonora da
exibio, bem como a fruio sem cortes do filme para que houvesse, da melhor maneira
25
SOUZA, 2012, p. 28.
26
SOUZA, 2012, p. 28.
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possvel, concentrao dos estudantes em relao ao filme em si. Vejamos abaixo a anlise
das respostas dadas por eles.
Grfico 2 - Elaborao prpria. Respostas dos alunos da EE Arthur Cyrillo Freire (Sorocaba, SP), em 2015.
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curiosamente, alguns alunos apontaram para uma viso mais complexa, indicando que a
revolta teria variadas causas. J no grupo 3, a maior parte dos alunos que respondeu optou
pela vacina como causa, e, alm disso, grande nmero no respondeu pergunta.
CONSIDERAES FINAIS
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dada s aes truculentas do Estado, no filme. Nesse caso, podemos perceber que a
preparao dos alunos acabou por direcionar a leitura dos mesmos sobre as interpretaes
das causas da revolta e a atuao do governo.
Mesmo apresentando diferentes "interpretaes" para um mesmo "evento
histrico", e explicando esses diferentes pontos de vistas, dependendo de cada autor e, para
completar, mesmo o filme abrindo a possibilidade para as diferentes interpretaes para as
causas da revolta, nas suas narrativas os alunos optaram por explicaes nicas como se
no fosse possvel aceitar as diferentes explicaes.
No que diz respeito s respostas do grupo 3, os resultados, aps a exibio, foram
interpretaes mais independentes e menos uniformes e, ao mesmo tempo, mais criativas.
Foi possvel perceber diferentes nveis de compreenso de aspectos bsicos da narrativa do
filme demonstrando, talvez, uma certa inadequao entre a linguagem do filme e a
percepo dos estudantes.
Dentre as causas para a revolta mais citada por esse grupo esteve que a revolta
teria sido causada pelo medo de contrair a doena a partir da vacina. Nessa percepo mais
livre, foi possvel observar diferentes construes narrativas para dar sentido quilo que
haviam assistido, interpretaes que, se no podem ser consideradas corretas dentro de
uma anlise mais estreita, indicam exerccios mentais de tentativas de compreenso do que
assistiram. Cito aqui alguns trechos dos textos dos alunos:
O mdico Oswaldo Cruz cria uma vacina para prevenir as doenas que
os ratos transmitiam. Pessoas se voluntariaram para testar a vacina. A
maioria dos voluntrios morreram, apenas uma sobreviveu. E por isso o
governo quis que povo tomasse a vacina e pelo fato de muitos terem
morrido um grupo comeou a achar que o governo queria matar o
povo..." (J.P.8A)"os 'pobres' achavam que a culpa era da repblica por
querer eles mortos por isso eles se revoltaram" (L.E. - 8A)"O povo
achava que tomando a vacina iam contrair a doena em vez de curar"
(B.C.- 8A)"A revolta ocorreu porque o povo tinha medo, achavam que
se tomassem a vacina, morreriam" (A.C.8A)
A partir desse trecho, foi claro que o exerccio realizado pelos alunos que no
passaram por preparao foi mais criativo e mais ativo do que os outros grupos, apesar dos
outros grupos terem tido outros tipos de compreenses.
Nesse sentido, a partir das anlises apresentadas, possvel considerar que,
diferentes metodologias levaro a diferentes experincias na utilizao de filmes no
processo de ensino/aprendizagem. Assim, o professor pode considerar as especificidades
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dos filmes, dos alunos e dos objetivos da sua proposta e experimentar possibilidades que
enriqueam sua prtica e a aprendizagem, construindo uma trajetria mltipla que no se
limite a reproduzir prescries, e que, ao contrrio, possa compartilhar suas prticas e
enriquecer o conhecimento sobre a utilizao de filmes no ensino de histria, a partir das
prprias prticas escolares.
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RESUMO
O presente artigo procura identificar e analisar o pensamento de um grupo de 66 alunos da
Educao de Jovens e Adultos (EJA), de uma escola Estadual no Paran, sobre o conhecimento
histrico e suas relaes com a vida prtica. Para tanto, estabelece dilogos com a concepo de
conscincia histrica, tal como proposto por Jrn Rsen, bem como os pressupostos que embasam
o campo investigativo da Didtica da Histria. Ao final, ser possvel perceber que os alunos, ao
contrrio de conceberem a Histria como uma simples disciplina escolar, procuraram relacionar
o conhecimento histrico adquirido na escola com suas vidas, relataram os aspectos mais
significativos da Histria escolar e destacaram o potencial crtico e formativo que a Histria possui.
ABSTRACT
This article aims at identifying and analyze the thinking of a group of 66 students in the Youth and
Adult Education (YAE), a state school in Parana concerning historical knowledge and its
relationship to daily life. Therefore, establishing dialogues with the concept of historical
consciousness, as proposed by Jrn Rsen, as well as the assumptions that underlie the investigative
field of didactics of history. At the end, will be possible to see that the students, as opposed to
conceive history as a simple "school discipline", sought to relate historical knowledge acquired in
school with their lives, they reported the most significant aspects of school history and highlighted
the critical potential and training that history has.
Este artigo foi construdo a partir dos dados obtidos em nossa pesquisa de
mestrado intitulada Ensino de Histria, conscincia histrica e a Educao de Jovens e Adultos1. Na
ocasio, procurou-se analisar o pensamento de um grupo de alunos que freqentavam a
Educao de Jovens de Adultos EJA a respeito da Histria e sua funo social. Alm
1
Pesquisa foi realizada no mbito do Programa de Ps-Graduao em Histria Social da Universidade
Estadual de Londrina, entre 2011-2013. Contou com financiamento integral da CAPES.
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disso, a pesquisa buscou identificar de que forma o ensino de Histria poderia contribuir
para a formao da conscincia histrica dos alunos e em que medida eles percebiam (ou
no) um sentido prtico para o estudo da Histria. A amostra envolveu 66 alunos do
Ensino Mdio da EJA de uma escola da rede pblica, da cidade de Guarapuava, PR. Os
dados foram coletados atravs de um instrumento de investigao composto por um
conjunto de questes histricas (objetivas e discursivas), envolvendo significado, interesse,
agrado, confiana, temporalidade, experincia na sala de aula e vida prtica 2.
Ao examinar as respostas foi possvel perceber que os alunos realizaram reflexes,
em maior ou menor grau, a partir da suas experincias sociais com a disciplina. O resultado
geral indicou que a Histria, longe de ser uma simples matria escolar ou um
amontoado de coisas sem sentido, , para os jovens e adultos, uma forma que possibilita
a interpretao e compreenso da realidade, do presente e da vida pessoal como parte das
mudanas que ocorrem na sociedade.
Para o texto em apreo, analisaremos um fragmento dessa pesquisa maior que no
que diz respeito aos objetivos no estudo da Histria, o significado do conhecimento histrico para a vida
prtica e os acontecimentos da Histria que marcaram a vida dos alunos. A proposta dar nfase nas
narrativas produzidas pelos alunos e relacion-las com os referenciais tericos que
embasam a investigao.
Assim, visando uma melhor exposio do tema, este texto encontra-se dividido
em dois momentos especficos. No primeiro, discute-se os referenciais tericos relativos ao
ensino de Histria, conscincia histrica e vida prtica. No segundo, apresenta-se os
resultados das anlises acerca do pensamento dos alunos jovens e adultos sobre a Histria.
2
BONETE, Wilian Junior. Ensino de Histria, Conscincia histrica e a Educao de Jovens e Adultos.
198 f. Dissertao (Mestrado em Histria) Universidade Estadual de Londrina, Programa de Ps-
Graduao em Histria Social, Londrina, 2013.
191
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3
BAUMAN, Zygmund. Vida Lquida. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2007, p. 8.
4
FONSECA, Selva Guimares. Didtica e Prtica de Ensino de Histria: experincias, reflexes e
aprendizado. 13 ed. Campinas: Papirus, 2012, p. 55.
5
ALVES, Ronaldo Cardoso. Aprender Histria com Sentido para a Vida: conscincia histrica em
estudantes brasileiros e portugueses. Tese (Doutorado em Educao) Universidade de So Paulo, So
Paulo, 2011, p. 33-34.
6
CAIMI, Flvia Eloisa. Histria escolar e memria coletiva: como se ensina? Como se aprende. In:
ROCHA, Helenice Aparecida Bastos; MAGALHAES, Marcelo de Souza; GONTIJO, Rebeca. (orgs.) A
escrita da histria escolar: memria e historiografia. Rio de Janeiro: FGV, 2009.
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Guimares Fonseca7 comenta ainda que nesse novo mapa cultural situam-se os territrios
da crise da educao, da cultura, de valores que so vivenciados pela sociedade
contempornea.
A partir desse contexto, algumas questes vm tona com relao disciplina de
Histria escolar: qual o sentido do ensinar e aprender Histria? Qual tipo de orientao a
Histria pode fornecer para os seres humanos? Para que serve a Histria? Qual o objetivo
de se estudar Histria? De que forma a Histria pode ser til para a vida prtica? Essas e
tantas outras indagaes permeiam o cotidiano das aulas de Histria e a busca por suas
respostas consistem num grande desafio.
O historiador alemo Jrn Rsen 8 destaca que a Histria consiste no passado
sobre o qual os seres humanos devem voltar os seus olhos a fim de seguirem em frente, em
seu agir, e poderem conquistar o seu futuro. A Histria deve ser entendida como um
conjunto de aes humanas, no qual a experincia do passado e a inteno com relao ao
futuro so unificadas em forma de orientao no presente. Todavia, a Histria s possui
sentido mediante a interpretao humana. Nesse processo, a conscincia histrica reveste-se de
grande importncia, uma vez que ela consiste numa forma de orientao e atribuio de
sentido ao tempo vivido. De modo mais especfico, a conscincia histrica
7
FONSECA, 2012, p. 56.
8
RSEN, Jrn O desenvolvimento da competncia narrativa na aprendizagem histrica: uma hiptese
ontogentica relativa a conscincia moral. In: SCHMIDT, Maria; BARCA, Isabel; MARTINS, Estevo
(Org.). Jrn Rsen e o Ensino de Histria. Curitiba: Editora UFPR, 2010a, p. 57.
9
RSEN, 2010, p.57.
10
Parte dessa discusso conceitual encontra-se de maneira mais aprofundada em minha dissertao de
mestrado defendido no PPHS/UEL, 2013.
193
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mesmos.11 A conscincia histrica, evocada pela memria, consubstancia-se por meio das
narrativas, de histrias, que auxiliam as pessoas envolvidas a localizarem-se no tempo de
modo aceitvel para si mesmas.12
Jrn Rsen13 ressalta que a experincia da temporalidade, da contingncia,
apresenta-se como ameaadora da identidade humana. Cabe aos sujeitos interpretarem
essas mudanas, sendo a narrativa histrica uma possibilidade indispensvel na medida em
que ela permite realizar a sntese entre passado, presente e futuro em uma relao de
continuidade. Pela narrativa, os seres humanos contam suas vidas, inventam-se e instituem-
se como pertencente ao mundo, procurando manter uma identidade e dar continuidade a
sua experincia.
Para Jrn Rsen a competncia especfica primordial pela qual a conscincia
histrica se efetiva na vida prtica a competncia narrativa. Essa competncia, segundo
o autor, pode ser definida como (...) a habilidade da conscincia humana para levar a cabo
procedimentos que do sentido ao passado, fazendo efetiva uma orientao temporal na vida prtica presente
por meio da recordao da realidade passada.14
Sendo a conscincia histrica uma operao mental de gerao de sentido
histrico ao tempo, a competncia narrativa pode ser definida de acordo com trs
elementos que constituem uma narrativa histrica: contedo, forma e funo. O contedo pode
ser entendido como competncia para experincia histrica, a forma como competncia
para interpretao histrica e a funo como competncia para orientao histrica.
Essas trs competncias representam as trs dimenses da aprendizagem histrica, sendo
que sua especial importncia no o desenvolvimento de uma competncia, mas sim, a
relao harmoniosa entre elas.15
A competncia para experincia representa a capacidade de o sujeito olhar para o
passado e diferenci-lo do presente. Segundo Jrn Rsen, a aprendizagem por meio das
operaes narrativas da conscincia histrica aumenta o conhecimento quando se desvela o
11
CERRI, Luis Fernando. Ensino de Histria e Conscincia histrica: implicaes didticas de uma
discusso contempornea. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2011, p. 28.
12
RSEN, Jrn. Experincia, interpretao, orientao: as trs dimenses da aprendizagem histrica. In:
SCHMIDT, Maria; BARCA, Isabel; MARTINS, Estevo (Org.). Jrn Rsen e o Ensino de Histria.
Curitiba: Editora UFPR, 2010b, p. 80.
13
RSEN, Jrn. Razo histrica. Teoria da histria: os fundamentos da cincia histrica. Braslia:
Editora da UnB, 2001, p. 66.
14
RSEN, 2010a, p. 59.
15
RSEN, 2010b, p. 84.
194
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que aconteceu no passado. Entretanto, necessrio que esse passado tenha significado para
o presente de modo a auxiliar na orientao da vida prtica. O autor faz a seguinte ressalva:
16
RSEN, 2010b, p. 85.
17
RSEN, 2010b, p. 85.
18
RSEN, 2010b, p. 86.
195
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19
RSEN, 2010b, p. 86-87.
20
RSEN, 2010b, p. 86-87.
21
RSEN, Jrn. Didtica da Histria: passado, presente e perspectivas a partir do caso alemo, Prxis
Educativa, Ponta Grossa, v. 1, n. 2, p. 14, jul/dez 2006.
22
BERGMANN, Klaus. A Histria na Reflexo Didtica, Revista Brasileira de Histria, So Paulo, v. 9,
n. 19, p. 29, set/fev 1990.
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23
importante destacar que as informaes presentes nas tabelas e amostras a seguir esto publicadas em
nossa dissertao de mestrado defendida no PPGHIS/UEL, 2013. Uma parte desses dados tambm foi
publicada no artigo BONETE, Wilian. Alunos da educao de jovens e adultos e historia: entre
significados e representaes. Revista Histria & Ensino, Londrina, v. 19, n. 2, p. 261-284, jul./dez. 2013.
24
Foram indicadas as seguintes profisses: operador ecolgico, garom, operador de empilhadeira,
tatuador, autnomo, agente de sade, auxiliar de cozinha e motoboy.
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Procurou-se tambm identificar a mdia das sries cursadas pelos alunos em tempo
regular. Constatou-se que 41% dos alunos pesquisados interromperam seus estudos entre a
5 e 8 sries do Ensino Fundamental. Esses dados somados aos 26% daqueles que
cursaram apenas as Sries Iniciais, demonstram um ndice de evaso escolar, isso porque
mais da metade dos alunos interromperam seus estudos ainda no Ensino Fundamental. A
Tabela 3 demonstra esse resultado:
Nas tabelas 4 e 5 possvel verificar o ano de interrupo e retorno dos alunos aos
estudos. Notou-se que 53% deles interromperam os estudos entre os anos de 2001 e 2011.
O retorno, por sua vez, deu-se no perodo de 2009 e 2012 com o ndice de 61% das
respostas conforme demonstrado abaixo:
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Assim, tendo esboado algumas informaes que dizem respeito ao perfil dos
alunos investigados, parte-se agora efetivamente para a anlise das narrativas produzidas
pelos alunos da EJA acerca da Histria e suas relaes com a vida prtica.
A questo 10 do instrumento de pesquisa procurou identificar a valorizao dos
objetivos do estudo da Histria pelos alunos da EJA. O objetivo da histria conhecer
apenas o passado? Compreender o presente? Buscar orientao para o futuro? Ou seria a
ligao entre as trs dimenses temporais? Para tanto, foi lhes apresentado o seguinte
enunciado:
a) Conhecer o passado. ( )
b) Compreender o presente. ( )
d) As trs alternativas. ( ).
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Entre essas alternativas, 65% dos alunos assinalaram a alternativa (d) As trs
alternativas, das quais se obteve o seguinte resultado geral:
Grfico 1 - Opinio dos alunos da EJA sobre o principal objetivo do estudo da Histria
Para a reflexo sobre a escolha dessas alternativas, foi solicitado aos alunos que a
explicassem. Das explicaes acerca da questo mais assinalada (d) As trs alternativas
a anlise apontou para a seguinte categorizao25:
25
As porcentagens relativas a todas as categorizaes apresentadas nos grficos no se referem ao
nmero de participantes da pesquisa, mas sim ao nmero argumentaes.
200
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para a Vida Prtica (43%). No quadro a seguir reproduzimos algumas narrativas desses
alunos:
Quadro 1 - Argumentaes
GM24 L1-426: (...) temos de saber o que aconteceu no passado para que no cometamos os erros deles no
presente e nem no futuro para que continue evoluindo nosso planeta.
GM 14 L1-3: (...) histria faz parte da nossa vida por isso nos precisamos saber como era a histria no
passado para compreender o presente e buscar orientao para o futuro.
GM12 L1-3: conhecer a histria esta ligado ao passado como podemos compreender o presente e tambm
como buscar orientao para o futuro.
GM9 L1-3: estudamos a histria para estudar o que aconteceu no passado e tentar compreender o que esta
acontecendo no presente e tentar entender como ser no futuro.
GM7 L1-3: (...) importante saber o passado, interessante para saber o que mudou at agora e para saber
tambm o futuro o que vai faltar que gua.
GM1 L1-3: porque voc conhecendo a histria voc aprende o passado e compreende o presente e te
auxilia no futuro.
GM2 L1-4: no meio em que vivemos nos temos que estar atento em tudo o que se passa em nosso meio. A
histria quem faz somos ns mesmos, pois a cada dia a nossa vida se torna uma histria diferente e
diversificada.
MM2 L1-3: porque nosso modo de viver depende muito de conhecer a nossa histria, a vida dos nossos
ancestrais.
MM3 L1-3: uma maneira de conhecermos o que aconteceu la atrs e atravs de certos acontecimentos
compreender o presente e ter orientao para muitas coisas.
MM5 L1-3: o que serei amanh resultado do que somos hoje e fomos ontem. Tudo est envolvendo o
passado.
MM7 L1-2: porque eu acho que a histria capaz de nos ensinar quase tudo na vida.
MM16 L1-3: Uma coisa completa a outra, conhecendo o passado eu vou entender o presente e poderei me
preparar para o futuro.
MM20 L1-3: porque quando eu olhar para o passado, certamente terei alguma lio para o presente e terei
escolhas para o futuro.
MM21 L1-3: porque temos que conhecer a histria do passado, para viver o presente e construir um futuro
com menos erro.
PM5 L1-4: (...) porque ficamos conhecendo o passado, sabendo o que levou a estarmos assim e tentar
apontar os erros e termos um futuro mais livre da poltica suja.
PM 10 L1-2: A histria tem para mim como objetivo conhecer o passado, assim explica l, entender como
viviam, assim compreender o presente e nessa mistura nos orientar para o futuro.
26
Nomenclatura utilizada para preservar os nomes e identidade dos alunos que responderam ao
questionrio.
201
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Embora o discurso dos alunos aponte que o objetivo do estudo da Histria est
relacionado s trs dimenses temporais e exerce grande influncia na vida prtica, a nfase
recai sobre o passado. Todavia, conforme j ressaltado por Jrn Rsen, a Histria consiste
na forma de se olhar o passado com vistas a uma orientao no tempo e no espao.
importante aqui ressaltar que no se trata de uma Histria tal como a chamada mestra da
vida, mas sim, em uma maneira de perceber e prevenir abusos, e ajudar, conforme Luis
Fernando Cerri29: (...) que o cidado no seja suscetvel a manipulaes que o subjuguem a interesses
alheios.
Entende-se que a Histria fruto do agir humano (ou dos feitos) no tempo, no
espao, na experincia de vida. So esses processos concretos que fundamentam qualquer
tipo de representao da Histria. H, ento, convergncia e relevncia no pensamento
histrico daqueles alunos que indicaram que: (...) A histria quem faz somos ns mesmos30,
a histria capaz de nos ensinar quase tudo na vida31, ou ainda a afirmao de que o (...)
conhecer a histria esta ligado ao passado como podemos compreender o presente e tambm como buscar
orientao para o futuro.32
27
Aluno (MM16 L1-3).
28
Aluno (PM 10 L1-2).
29
CERRI, 2011, p. 113.
30
Aluno (GM2 L1-4).
31
Aluno (MM7 L1-2);
32
Aluno (GM12 L1-3).
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Como pode ser observado, novamente houve uma variedade de temas nas
categorizaes, porm til destacar que todos os alunos (total de 38) os quais
responderam e argumentaram ao questionamento proposto, buscaram apresentar a relao
de suas experincias com o conhecimento histrico, mantendo, assim, o mesmo sentido
com relao questo anterior.
203
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Quadro 2 - Argumentaes
Entendimento da atualidade/sociedade
GM10 L1-2: sim, porque assim consigo entender melhor a sociedade de hoje.
GM17 L1-2: para compreender as mudanas na atualidade comparando com o passado, exemplo: poltica,
guerra, paz.
GM23 L1: sim, para saber a respeito de como foi criado o pas e seus princpios.
GM18 L1-2: sim, pois aprendemos muitas coisas da sociedade atual e de antigamente.
PM1 L1-2: Sim, pois tendo esse conhecimento podemos discutir e tentar melhorar o mundo de hoje.
PM3 L1-2: importante para o conhecimento do passado e o que acontece no mundo inteiro.
PM14 L1-3: Sim, sem a histria muita coisa como a tecnologia no seria como ela hoje (...) sem a histria
ningum teria ou poucos teriam acesso.
33
Aluno (GM17 L1-2).
34
RSEN, 2001, p. 57.
35
Aluno (PM1 L1-2).
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Quadro 3 - Argumentaes
Passado em comparao com o presente
MM3 L1-3: importante saber o que aconteceu com quem viveu l atrs, assim imaginamos hoje e
podemos comparar como h diferenas hoje em dia.
MM10 L1-2: muito importante conhecer a histria do passado e comparar a histria de hoje.
MM11 L1-2: sim, pois aprendemos como era a vida antes e como est agora.
GM22 L1-3: sim, porque voc fica conhecendo o que aconteceu no passado que explica muita coisa que
esta acontecendo no presente.
MM20 L1-2: sim, pois conhecendo a histria saberei como agir no presente, e ainda posso falar com as
pessoas e trocar idias.
36
Aluno (MM11 L1-2).
37
Aluno (GM22 L1-3).
205
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Quadro 4 - Argumentaes
Ampliao da viso crtica de mundo
GM7 L2-4: (...) aqui na escola estudado apenas s uma parte da histria e j d diferena, porque ate na
poltica ela estuda os presidentes. Seria bom estudar tudo.
GM9 L1-2: Sim. Se tornando uma pessoa crtica socialmente, economicamente e politicamente.
GM15 L1-4: Sim, na histria voc aprende no s sobre a histria, mas de onde viemos, nossos
antepassados, cultura, valores, democracia, histria do pas dos estados, poltica, uma abertura para uma
viso mais diferente de ver a vida e aprender mais.
38
Aluno (GM15 L1-4).
39
BEZERRA, Holien Gonalves. Ensino de Histria: contedos e conceitos bsicos. In: KARNAL,
Leandro (org.). Histria na sala de aula: conceitos, prticas e propostas. 2 ed. So Paulo: Contexto,
2009, p. 42.
40
Aluno (GM24, L1).
41
Aluno (GM9, L1-2).
206
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12. Existe algum acontecimento da Histria que marcou a sua vida? Justifique
42
Ibidem, 2009, p. 44.
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Quadro 5 - Argumentaes
11 de setembro/atentado as torres gmeas EUA.
PM5, L1: 11 de setembro - Foi algo que me marcou pelo tanto de mortos e pelo grau de desrespeito a
humanidade.
PM12, L3: 11 de setembro. Eu fiquei muito chocada com tanta desgraa e tambm porque eu estava
assistindo no momento que aconteceu.
MM2 L1-2: O ataque as torres gmeas, porque foi uma catstrofe, as pessoas morreram sem saber bem
o porque.
GM2 L1: a histria das torres gmeas foi um terror total que ficou na memria de todos,
principalmente na minha.
Escravido e Abolio
MM6 L1-2: Sim, a escravido, muito triste pensar que o ser humano foi capaz de torturar seu
semelhante.
Nazismo
GM9 L1-3: Sim. Na poca do Nazismo, me impressionei, foi com objetivo que os alemes "por
quererem uma raa pura", sacrificaram a mataram judeus com frieza.
GM11 L1-3: Sim. Na poca do Nazismo aquilo me chamou a ateno porque a coragem daquelas
pessoas serem m era muito grande.
Guerra do Paraguai
Os alunos afirmaram que o 11 de setembro de 2001 foi um fato que (...) marcou
pelo tanto de mortos e pelo grau de desrespeito a humanidade.43 Devido ao alto ndice de terror e
catstrofe, (...) foi o fator que ficou na memria de todos.44 Vale ressaltar que os alunos no
esto errados em considerar o atentado s torres gmeas como um fato histrico, pois
muito j se refletiu acerca dos motivos que levaram a tal acontecimento, isto , seus
aspectos ideolgicos, polticos, suas causas e efeitos. Em outras palavras, um
43
Aluno (PM5, L1).
44
Aluno (GM2, L1).
208
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CONSIDERAES FINAIS
45
Aluno (GM9, L3).
46
Aluno (MM6, L1).
47
RSEN, 2001, p. 73.
209
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48
PYNSKY, Jaime; PYNSKY, Carla Bassanezi. Por uma histria prazerosa e conseqente. In:
KARNAL, Leandro. (org.) Histria na sala de aula: conceitos, prticas e propostas. 2 ed. So Paulo:
Contexto, 2009, p. 19.
49
PYNSKY; PYNSKY, 2009, p. 23.
50
RSEN, Jrn. Aprendizagem histrica: fundamentos e paradigmas. Curitiba: W.A. Editores, 2012, p.
71.
210
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ARTIGOS LIVRES
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RESUMO
O tema deste artigo o intelectual, crtico e literato Joaquim Maria Machado de Assis, tendo como
foco parcela de sua produo intelectual na modernidade brasileira. A questo que motivou esse
trabalho analisar a relao de Machado com o tempo, a partir de Memrias Pstumas de Brs
Cubas e de alguns de seus textos de crtica. A base metodolgica primordial assenta-se no
cruzamento entre a interpretao de textos desse intelectual e algumas referncias tericas que
pensam o tempo histrico no como um constructo meramente natural, mas que interessa vida
humana. O argumento desenvolvido que esse intelectual tem uma viso mpar sobre a esttica
literria e sobre as ideias modernas que chegavam ao Brasil oitocentista. Ademais, argumenta-se que
essa viso machadiana permite identificar e perceber nele uma operacionalizao no trivial da
noo de tempo. Assim, ele no valoriza excessivamente nem uma perspectiva natural nem
meramente racionalista do tempo. Portanto, a linha de raciocnio desenvolvida no artigo
substancializada pela identificao da presena da subjetividade na forma de Machado de Assis lidar
com o tempo, pela importncia do momento presente na reflexo dele sobre o tempo e por uma
noo de processo que lhe confere um refinamento intelectual singular.
ABSTRACT
The theme of this article is the intellectual, critical and literate Joaquim Maria Machado de Assis,
focusing as part of his intellectual production in Brazilian modernity. The question that motivated
this work is to analyze Machado's relationship with time, based on Memrias Pstumas de Brs
Cubas and some of his critical texts. The primordial methodological basis is based on the
intersection between the interpretation of texts of this intellectual and some theoretical references
that consider the historical time not as a construct merely natural, but that concerns the human life.
The argument developed is that this intellectual has an unparalleled view of literary aesthetics and
modern ideas that reached nineteenth-century Brazil. In addition, it is argued that this Machadiana
view allows to identify and to perceive in him a non trivial operationalization of the notion of time.
Thus he does not overrate either a natural or a merely rationalist perspective of time. Therefore, the
line of reasoning developed in the article is substantialized by the identification of the presence of
subjectivity in the form of Machado de Assis dealing with time, by the importance of the present
moment in his reflection on time and by a notion of process that gives him a refinement
Intellectual property.
Keywords: Machado de Assis; time; theory of history; brazilian modernity; brazilian intellectuals.
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INTRODUO
1
PINHA, Daniel. Apropriao e recusa: Machado de Assis e o debate sobre a modernidade brasileira na
dcada de 1870. Tese (Doutorado em Histria) Universidade Catlica do Rio de Janeiro, 2012.
2
SCHNEIDER, Alberto Luiz. Slvio Romero e Machado de Assis: leituras e dissensos do fim do
Oitocentos, Intelligere, Revista de Histria Intelectual, So Paulo, v. 2, n 2 [3], p. 54, 2016. Disponvel
em: <http://revistas.usp.br/revistaintelligere>. Acesso em: 08/05/2017.
3
Outra referncia importante o texto de Alfredo Bosi, na medida em que esse autor afirma que: [...] O
que marca a singularidade das Memrias pstumas, o seu salto qualitativo, o modo pelo qual a presena
do narrador junto aos fatos dobra-se em autoconscincia. Ver: BOSI, Alfredo. Brs Cubas em trs
verses, Teresa revista de Literatura Brasileira, n. 6 | 7, So Paulo, p. 279-317, 2006, p. 282.
214
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Alm de Memrias Pstumas, cumpre ressaltar que foram usados tambm alguns
outros artigos (crticas) de Machado de Assis na composio analtica deste trabalho que
ora se enceta4. Devo expor que a leitura dos textos foi feita especialmente com o objetivo
de pensar como, em alguma medida, esse intelectual brasileiro pensou e lidou com o tempo
em suas anlises, em suas crticas e a partir de seu personagem-narrador Brs Cubas.
O fundamento basilar dos argumentos desenvolvidos ao longo do artigo provm da
interpretao que fiz de alguns textos do escritor em voga, com base numa noo de tempo
acumulada em meu percurso intelectual e acadmico, que se refere, sinopticamente, noo
de tempo (vivido e pensado) de acordo com as premissas modernas 5.
Destaco, ainda, outros alicerces cruciais que contriburam na anlise dos textos de
Machado de Assis. Um deles mais importante para este artigo. Trata-se, conforme
mencionado, do trabalho do pesquisador Daniel Pinha Silva, que um historiador cuja
recente tese prope novas interpretaes sobre o papel da produo crtico-literria de
Machado de Assis em sua interlocuo com o debate letrado brasileiro oitocentista 6.
Outros dois so os artigos de Alfredo Bosi7, que contribui na anlise sobre algumas verses
importantes acerca do narrador Brs Cubas, e de Alberto Luiz Schneider 8, que colabora,
entre outros pontos, no sentido de pensar o lugar de Machado de Assis como crtico que
recusou a adeso s escolas naturalistas e realistas 9.
4
Em minha trajetria pessoal e intelectual, eu li um conjunto de romances e contos de Machado de Assis,
bem como algumas crticas desse autor. Contudo, cumpre realar que os textos que foram precisamente
usados na composio deste artigo encontram-se listados ao longo deste trabalho.
5
ARENDT, Hannah. O conceito de histria Antigo e Moderno. In: ______. Entre o passado e o futuro.
So Paulo: Perspectiva, 1992, p. 69-126; ELIAS, Norbert. Sobre o tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 1998; KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuio semntica dos tempos histricos.
Rio de Janeiro: Contraponto, 2006; NUNES, Benedito. Experincias do tempo. In: NOVAES, Adauto.
Tempo e Histria. So Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 131-140; THOMPSON, Edward Palmer.
Tempo, disciplina de trabalho e capitalismo industrial. In: Costumes em comum estudo sobre cultura
popular tradicional. So Paulo: Companha das Letras, 1998.
6
PINHA, 2012, p. 7.
7
BOSI, 2006, p. 279-317.
8
SCHNEIDER, 2016.
9
SCHNEIDER, 2016, p. 57.
215
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autor. Trata-se, pois, de uma histria contada por um homem que j morreu e essa
informao revelada logo no primeiro captulo 10, de forma a tornar claro para o leitor o
lugar de fala do personagem principal.
Uma vez que anunciou ser um defunto autor marcando seu lugar de fala e que
descreveu as pessoas que estavam presentes em seu velrio, o personagem principal passa a
expor suas memrias pstumas seguindo basicamente a cronologia crescente dos anos de
sua vida. Dessa forma, Brs Cubas procura respeitar aps anunciar seu nascimento em 20
de outubro de 1805 (o nascimento comea no captulo IX, que intitulado Transio)
uma sequncia temporal biolgica pessoal (da infncia/adolescncia at a vida madura) que
serve de referencial geral narrativa.
Entretanto, Brs Cubas no promove uma narrativa linear, haja vista que se permite
fazer, ao longo do livro, intercalaes e digresses acrescentando algumas reflexes ou
alguns acontecimentos que visam enriquecer a composio geral, construindo seu ponto de
vista e sua forma de exposio das memrias. Nesse sentido, vale a aluso pertinente
observao geral do crtico literrio Roberto Schwarz, pois ele defende a tese de que o
carter volvel do narrador no apenas um recurso literrio, mas se trata de uma das
caractersticas centrais que modelam e avivam o texto do livro Memrias Pstumas11. E
como se, movido pela volubilidade, um prcer nacional [Brs Cubas] abrisse visitao
pblica, na prpria pessoa, os vcios de sua classe12. Assim, [...] O narrador volvel
tcnica literria, sinal da futilidade humana, indcio de especificidade histrica, e uma
representao em ato do movimento da conscincia, cujos repentes vo compondo o
mundo vasto, mas sempre interior13.
10
MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. Memrias Pstumas de Brs Cubas. Rio de Janeiro: Editora
Nova Aguilar, 1994. Disponvel em:<http://machado.mec.gov.br/obra-completa-mainmenu-123>. Acesso
em: 02/01/2016.
11
SCHWARZ, Roberto. Questes de forma. In: Um mestre na periferia do capitalismo. 4 edio. So
Paulo: Duas Cidades/Editora 34, 2000, p. 109.
12
SCHWARZ, 2000, p. 119.
13
SCHWARZ, 2000, p. 123-124, grifo do autor. No obstante a pertinncia dessas observaes de
Schwarz, cabe registrar, desde j, que minha interpretao tributria da anlise que Alfredo Bosi realiza
sobre a narrativa de Brs Cubas em trs verses (cf. BOSI, 2006). Nesse texto, o autor expe e examina
trs verses gerais que a crtica tem dado ao narrador de Memrias Pstumas. Tendo em vista o pouco
espao neste artigo, em sntese, a primeira protagonizada por Lcia Miguel Pereira, que enxerga uma
relao de associao entre narrador e autor. A segunda e a terceira foram capitaneadas pela crtica
sociolgica cujo argumento basilar que Machado de Assis comps Brs Cubas como um narrador-
protagonista que espelhava sua classe social. H, nesse sentido, um distanciamento irnico que Machado
de Assis mantm em relao ao seu narrador-autor. Assim, [...] podemos qualificar a primeira como
construtiva, a segunda como expressiva e a terceira como mimtica. Ver: BOSI, 2006, p. 304. Portanto,
importante ressaltar que Bosi defende a combinao desses vetores analticos apresentados como
produtivos para entender o referido livro de Machado de Assis, fazendo a ressalva crtica de que no deve
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essa forma volvel de narrar, estruturar e animar o texto que faz com que o
defunto autor possa, de vez em quando, fazer sugestes de avano ou recuo na histria que
contada, alm de prosar com o leitor. De modo que o livro fica assim com todas as
vantagens do mtodo, sem a rigidez do mtodo14. A passagem a seguir contribui para dar
substncia aos apontamentos feitos at aqui, nesta seo:
Devo aduzir que o personagem Brs Cubas elabora uma narrativa que no est
meramente preocupada em elencar acontecimentos que se desenvolveram ao longo de sua
trajetria. Logo, no se trata de uma simples narrao de memrias. Teoricamente, a
narrativa tem uma feio que contempla o peso da subjetividade de Brs Cubas16. Portanto,
Machado de Assis concebe um personagem que vai apresentar suas memrias, mas esse
personagem faz isso e a est a questo assaz importante do ponto de vista de um
morto (que fala de outro mundo). Como desdobramento, essa nuana tem implicaes
na relao que o narrador estabelece com seu passado e com o que ele desvela para o
pblico leitor sobre suas memrias. Assim,
haver predomnio de uma perspectiva monocausal. Essa ressalva alude especialmente anlise de
Schwarz, que privilegia o que Bosi chama de imitao do narrador (Brs Cubas) em relao situao de
indivduos que representariam sua classe social. Nesse ponto, em particular, a volubilidade cunhada por
Schwarz perderia seu valor explicativo, segundo Bosi, porque reduziria mimese o papel de Brs Cubas,
desconsiderando a riqueza que est presente na subjetividade desse narrador e na busca de uma relao
sensvel (e mesmo volvel) que ele estabelece com o leitor.
14
MACHADO DE ASSIS, 1994, Captulo IX.
15
MACHADO DE ASSIS, 1994, Captulo LXXI.
16
BOSI, 2006, p. 284; SCHNEIDER, 2016, p. 67.
217
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17
BOSI, 2006, p. 281, grifos e aspas do autor.
18
SARLO, Beatriz. Tempo passado: cultura da memria e guinada subjetiva. Trad. Rosa Freire dAguiar.
So Paulo: Companhia das Letras; Belo Horizonte: UFMG, 2007, p. 18.
19
SCHWARZ, 2000.
218
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Talvez espante ao leitor a franqueza com que lhe exponho e realo a minha
mediocridade; advirta que a franqueza a primeira virtude de um defunto. Na vida,
o olhar da opinio, o contraste dos interesses, a luta das cobias obrigam a gente a
calar os trapos velhos, a disfarar os rasges e os remendos, a no estender ao mundo
as revelaes que faz conscincia; e o melhor da obrigao quando, fora
de embaar os outros, embaa-se um homem a si mesmo, porque em tal
caso poupa-se o vexame, que uma sensao penosa, e a hipocrisia, que
um vcio hediondo. Mas, na morte, que diferena! que desabafo! que liberdade!
Como a gente pode sacudir fora a capa, deitar ao fosso as lantejoulas, despregar-se,
despintar-se, desafeitar-se, confessar lisamente o que foi e o que deixou de ser! Porque,
em suma, j no h vizinhos, nem amigos, nem inimigos, nem conhecidos, nem
estranhos; no h platia. O olhar da opinio, esse olhar agudo e judicial, perde a
virtude, logo que pisamos o territrio da morte; no digo que ele se no estenda
para c, e nos no examine e julgue; mas a ns que no se nos d do
exame nem do julgamento. Senhores vivos, no h nada to
incomensurvel como o desdm dos finados20.
J agora no digo o que pensei dali at Lisboa, nem o que fiz em Lisboa, na
pennsula e em outros lugares da Europa, da velha Europa, que nesse tempo parecia
remoar. No, no direi que assisti s alvoradas do romantismo, que
tambm eu fui fazer poesia efetiva no regao da Itlia; no direi coisa
20
MACHADO DE ASSIS, 1994, Captulo XXIV.
21
SCHNEIDER, 2016, p. 62.
219
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22
MACHADO DE ASSIS, 1994, Captulo XXII.
23
BOSI, 2006, p. 293.
24
MACHADO DE ASSIS, 1994, Captulo XXIV.
220
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25
SCHNEIDER, 2016, p. 56-59.
26
PINHA, 2012, p. 196.
27
PINHA, 2012, p. 196.
28
MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. Ea de Queirs: O Primo Baslio. Rio de Janeiro: Editora
Nova Aguilar, 1994, p. 8. Disponvel em: <http://machado.mec.gov.br/obra-completa-mainmenu-123>.
Acesso em: 10/01/2016.
29
MACHADO DE ASSIS, 1994, Captulo XXII.
221
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mostra uma associao destacadamente cara entre sua subjetividade e a narrao de seu
passado. Trata-se de uma relao que remete a como lidamos com o passado e com o
tempo, a partir de nossa perspectiva. Vamos ao excerto:
30
MACHADO DE ASSIS, 1994, CXXXVIII, grifos meus.
31
THOMPSON, Edward Palmer. Tempo, disciplina de trabalho e capitalismo industrial. In: Costumes em
comum estudo sobre cultura popular tradicional. So Paulo: Companha das Letras, 1998, p. 268.
32
BOSI, 2006, p. 279-317.
222
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subjetividade com outro que cabe agora aduzir: o presente como condio crucial para
pensar o tempo da vida humana.
No incio desse romance em voga mais especificamente no captulo VI , o
personagem principal narra uma passagem em que est em sua alcova, deitado, debilitado e
doente. Brs Cubas est pelos ltimos dias de vida. Ele v entrar em seu quarto Virglia,
que fora sua amante e o grande amor de sua vida. [...] Da cama, onde jazia, contemplei-a
durante esse tempo, esquecido de lhe dizer nada ou de fazer nenhum gesto33.
A presena dessa mulher e, por conseguinte, o momento presente de Brs Cubas
f-lo lembrar do passado. [...] Creiam-me, o menos mau recordar34. Porm, [...] No
durou muito a evocao; a realidade dominou logo; o presente expeliu o passado35. Com
essas palavras, o narrador deixou uma dvida sugestiva, [...] Talvez eu exponha ao leitor,
em algum canto deste livro, a minha teoria das edies humanas36.
Ele o fez efetivamente no Captulo XXVII, por ocasio do surgimento de uma
anlise acerca de sua amada, a Virglia. Sem delongas, em sntese, a teoria acionada para
explicar a diferena identificada pelo narrador entre a imagem de sua amada no verdor de
seus anos juvenis e a mesma imagem de uma mulher menos viosa e mais envelhecida. Por
ocasio dessa anlise, o defunto autor expe sua reflexo buscando uma palavra de
conforto sua amada:
Nesse dilogo em que imagina e supe falar com sua amada, Brs Cubas explica
no somente as diferenas que enxergou nas duas Virglias, em momentos distintos da
vida dela, pois tal explicao seria facilmente construda por qualquer pessoa que poderia
fazer uma relao entre a passagem do tempo biolgico ao envelhecimento da tez e do
33
MACHADO DE ASSIS, 1994, Captulo VI.
34
MACHADO DE ASSIS, 1994, Captulo VI.
35
MACHADO DE ASSIS, 1994, Captulo VI.
36
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37
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223
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Ah! indiscreta! ah! ignorantona! Mas isso mesmo que nos faz senhores
da Terra [os seres humanos como senhores da Terra], esse poder de
restaurar o passado, para tocar a instabilidade das nossas impresses e a
vaidade dos nossos afetos. Deixa l dizer Pascal que o homem um
canio pensante. No; uma errata pensante, isso sim. Cada estao da vida
uma edio, que corrige a anterior, e que ser corrigida tambm, at a edio
definitiva, que o editor d de graa aos vermes40.
Esto presentes, nessa teoria, trs questes considerveis que nos permitem
examinar a relao que Brs Cubas estabelece com o tempo: a primeira trivial e trata do
reconhecimento de um tempo natural, que produz efeitos patentes no mundo e na vida; a
segunda a possibilidade de problematizar que esse tempo no se impe por si s, haja
vista que somos os senhores da Terra e, em razo disso, temos esse poder de restaurar o
passado41, corrigindo as edies anteriores; a terceira uma deduo de que essas
possibilidades se colocam aos seres humanos, a partir do seu momento presente como
condio basilar para pensarmos o passado (e o tempo).
38
THOMPSON, 1998, p. 268.
39
MACHADO DE ASSIS, 1994, Captulo XXVII.
40
MACHADO DE ASSIS, 1994, Captulo XXVII, grifos meus.
41
MACHADO DE ASSIS, 1994, Captulo XXVII.
224
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Na seo que se inicia neste ponto, o foco da anlise se dirige forma como esse
intelectual e crtico literrio usou (e operacionalizou) uma noo de tempo em suas
reflexes sobre a modernidade brasileira. Intento, nesta parte do trabalho, discutir em que
medida a viso do tempo (e da vida) como um processo um elemento basilar e valoroso
s propostas analticas desse pensador, mormente no que se refere sua posio e postura
intelectual nos debates sobre a modernidade brasileira.
Em face do exposto, importante contextualizar o debate. Nesse sentido, a segunda
metade do sculo XIX mais notadamente depois de 1870 marcou um perodo de
grande movimento e excitao intelectual no Brasil 44. Foi uma fase de transio, em que se
pode observar o crescimento substancial das polticas pblicas dando maior privilgio s
cidades45.
42
PINHA, 2012.
43
SCHNEIDER, 2016, p. 65, grifos meus.
44
PINHA, 2012, p. 12.
45
RODRIGUES, Antnio Edmilson Martins. Histria da urbanizao no Rio de Janeiro. A cidade: capital
do sculo XX no Brasil. In: CARNEIRO, Sandra de S; SANTANNA, Maria Josefina G. Cidade:
olhares e trajetrias. Rio de Janeiro: Garamond, 2009, p. 87-103.
225
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46
MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. Notcia da atual literatura brasileira. Instinto de
nacionalidade. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994, p. 1. Disponvel em:
<http://machado.mec.gov.br/obra-completa-mainmenu-123>. Acesso em: 03/01/2016; RICUPERO,
Bernardo. No passado, as bases da nao. In: ______. O Romantismo e a idia de nao no Brasil (1830-
1870). So Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 85-111.
47
NAXARA, Mrcia R. Capelari. O Brasil na sensibilidade romntica. In: ______. Cientificismo e
sensibilidade romntica. Em busca de um sentido explicativo para o Brasil do sculo XIX. Braslia:
EDUNB, 2004, p. 231-303. Ver especificamente intervalo entre as pginas 259-261.
48
RICUPERO, 2004, p. 85.
49
PINHA, 2012, p. 12.
50
SCHNEIDER, 2016, p. 65.
226
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pensador em apreo deu ensejo a um tipo de crtica que foi importante para a produo de
ideias no Brasil oitocentista51.
Tanto a crtica machadiana gerao de 1870 como sua proposta de uma viso que
levava em considerao (positiva) a tradio brasileira podem ser encontradas, por exemplo,
no texto A nova gerao, publicado originalmente na Revista Brasileira, vol. II, em
dezembro de 1879. O importante crtico brasileiro do oitocentos chamava a ateno, nesse
texto, para alguns pressupostos defendidos por integrantes da mencionada gerao.
Duas crticas machadianas a esses intelectuais da gerao de 1870 podem ser
evidenciadas no texto em apreo: a primeira a conjugao do ideal potico com o poltico,
que foi empregado por essa gerao, tendo como referncia poltica [...] a nova musa [que]
ter de cantar o Estado republicano52; a segunda a bandeira hasteada por membros dessa
gerao em favor da Escola Realista, sobretudo no que se refere noo de realidade como
valor esttico em si53.
Portanto, Machado de Assis estabeleceu um dilogo crtico com a mencionada nova
gerao (de 1870), sobrelevando alguns pontos que eram importantes em nossa tradio
literria. Ele reivindicava, em sntese, que no esquecssemos o legado que havia sido
deixado pelas geraes anteriores54. Essa forma de pensar machadiana buscava colocar em
evidncia as contribuies deixadas, salientando que havia elementos do passado que
permaneciam (continuidades), ainda que tais aspectos no fossem claramente percebidos
pelas novas geraes. Logo, a viso de futuro como projeto que remetia s mudanas
caracterstico da gerao de 1870 no deveria desconsiderar a tradio (que alude s
continuidades) como potencializadora desse futuro reluzente.
A abertura do texto A nova gerao mostra essa perspectiva que procura ressaltar
as permanncias temporais, de forma perspicaz, denotando a amplitude da viso desse
51
SCHWARZ, 2000; BOSI, 2006; PINHA, 2012; SCHNEIDER, 2016.
52
MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. A nova gerao. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994,
p. 2. Disponvel em: <http://machado.mec.gov.br/obra-completa-mainmenu-123>. Acesso em:
03/01/2016.
53
MACHADO DE ASSIS, 1994, p. 3.
54
SCHNEIDER, 2016, p. 65.
55
SCHNEIDER, 2016, p. 58.
227
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literato e crtico brasileiro do oitocentos, bem como sua capacidade intelectual aguada e
sua desenvoltura em relao chave analtica temporal que preciso iluminar. Pelo que foi
exposto, conveniente que se analise o trecho a seguir:
56
MACHADO DE ASSIS, 1994, p. 1, grifos meus em itlico para destacar a viso de processo na anlise
do autor.
57
MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. O passado, o presente e o futuro da literatura. Rio de
Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994, p. 2. Disponvel em: <http://machado.mec.gov.br/obra-completa-
mainmenu-123>. Acesso em: 03/01/2016.
58
MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. O passado, o presente e o futuro da literatura, 1994, p. 2,
com grifos meus.
228
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59
MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. Notcia da atual literatura brasileira, 1994, p. 1.
60
PINHA, 2012, p. 38.
61
SCHNEIDER, 2016, p. 58.
62
MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. Notcia da atual literatura brasileira, 1994, p. 1.
63
PINHA, 2012, p. 38.
229
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64
MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. O passado, o presente e o futuro da literatura, 1994, p. 3.
65
No que se refere interpretao sobre esse aspecto especfico, ou seja, ao instinto de nacionalidade que
est sendo proposta, a tese de Pinha apoia-se substancialmente no argumento de Abel Barros Baptista, no
texto A formao do nome: duas interrogaes sobre Machado de Assis. Campinas, So Paulo: Editora da
Unicamp, 2003. Ver: PINHA, 2012.
66
PINHA, 2012, p. 40.
67
SCHNEIDER, 2016, p. 58.
68
SCHNEIDER, 2016, p. 59.
230
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A arte tomaria novos aspectos aos olhos dos estreantes; as leis poticas,
to confundidas hoje, e to caprichosas, seriam as nicas pelas quais se aferisse o
merecimento das produes, e a literatura alimentada ainda hoje por algum talento
corajoso e bem encaminhado, veria nascer para ela um dia de florescimento e
prosperidade. Tudo isso depende da crtica. Que ela aparea, convencida e
resoluta, e a sua obra ser a melhor obra dos nossos dias69.
[...] Machado [de Assis] estabelece com o debate brasileiro de seu tempo
uma relao de apropriao e recusa: eis a hiptese que sustenta estas linhas.
Explico. Exercitando a crtica literria, ele incorpora e, ao mesmo tempo, rompe com
o significado do moderno gerado pela discusso dos anos 187070.
No que toca relao especfica desse literato com uma noo de tempo, podemos
usar como referncia analtica a tese de Pinha71, conforme grifado acima, para afirmar que
Machado de Assis ora aceita como pertinente a tradio que era legada sua gerao como
algo importante para potencializar as possibilidades do presente e do futuro (e, com isso,
consegue enxergar a permanncia temporal), ora recusa elementos dessa tradio (no a
69
MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. O ideal do crtico. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar,
1994, p. 3, grifos meus. Disponvel em: <http://machado.mec.gov.br/obra-completa-mainmenu-123>.
Acesso em: 03/01/2016.
70
PINHA, 2012, p. 12, grifos meus.
71
PINHA, 2012.
231
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aceita por completo)72, pois considera que a mera repetio73 emperra o desenvolvimento
do presente (e, neste caso, consegue enxergar a descontinuidade como noo importante).
Em razo do que foi analisado nessa seo, interpreto que Machado de Assis no
deve ser visto nem como um tradicionalista fechado nem como um progressista
desmedido. A chave principal para compreend-lo est situada, antes de qualquer elemento,
em sua viso crtica da literatura e das novas ideias, em seu compromisso com esses ideais.
E essa viso, conforme argumentado anteriormente, faz uso de uma noo de tempo que
concatena passado, presente e futuro, sem valoraes prvias entre os nveis temporais.
Assim, pode-se afirmar que tambm em funo dessa capacidade crtica que esse
proeminente intelectual conseguiu operacionalizar o tempo como um processo74, no se
enclausurando na tradio nem se rendendo facilmente ao futuro como progresso.
CONSIDERAES FINAIS
72
SCHNEIDER, 2016, p. 56-59.
73
MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. A nova gerao, p. 3.
74
Segundo o que se pode depreender do texto de Tiago Gomes, uma das questes mais importantes sobre
a epistemologia do tempo que foi desenvolvida ao longo dos sculos XIX e XX, a seguinte: [...] A
superao da dicotomia entre permanncia e ruptura e a considerao da interao dialtica entre esses
elementos so fatores cruciais na terefa (sic) do historiador. Ver: GOMES, Tiago de Melo. A Fora da
Tradio a persistncia do Antigo Regime historiogrfico na obra de Marc Bloch, Varia historia, Belo
Horizonte, v. 22, n. 36, p. 443-459, Jul/Dez 2006. em funo dessas apreciaes de Gomes que se torna
primordial destacar o pensamento de Machado de Assis e relacionar tal pensamento a uma perspectiva
temporal fina, arguta e deveras inteligente, ainda que no protagonizada por um historiador de formao.
75
KOSELLECK, 2006.
232
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76
CARR, E. H. O que histria?. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1978; MASTROGREGORI, Massimo.
Historiografia e tradio das lembranas. In: MALERBA, Jurandir (Org.). A histria escrita: teoria e
histria da historiografia. So Paulo: Contexto, 2006, p. 65-94.
77
NUNES, 1992, p. 131-140.
78
ARENDT, 1992; KOSELLECK, 2006.
79
Alberto Luiz Schneider mostra o quanto alguns livros importantes de Machado de Assis (Memrias
Pstumas de Brs Cubas, Alienista e Quincas Borba, por exemplo) satirizaram as leis cientfico-
evolutivas, mostrando que esse intelectual estava antenado com importantes referncias modernas do
oitocentos. Ver: SCHNEIDER, Alberto Luiz. Slvio Romero e Machado de Assis: leituras e dissensos do
fim do Oitocentos.
80
Alberto Luiz Schneider, a partir de Carlos Fuentes, centra seu argumento na tese de que a biblioteca de
Machado de Assis foi crucial para que ele no se deixasse aprisionar nem colonizar pelas percepes
hegemnicas que vinham da Europa. Logo, segundo Schneider, as diferenas entre Machado de Assis e
Silvio Romero passaram, em boa medida, por suas leituras e bibliotecas. Ver: SCHNEIDER, 2016, p.
65.
233
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RESUMO
Considerando a apropriao das mdias digitais como demanda indgena na atualidade, este trabalho
busca uma anlise dos usos dessas tecnologias por parte de alguns grupos tnicos, enquanto
estratgia poltica para dar visibilidade e fortalecimento s suas reivindicaes e (re)construes
identitrias. O trabalho dividido em duas partes. Primeiramente, aproximo-me de alguns estudos
acerca da participao indgena na internet e das teorizaes de Massey, para pensar a geometria do
poder que envolve o espao virtual e Canclini, para pensar a desnaturalizao das culturas indgenas
como algo essencializado. Na segunda parte, a partir das narrativas dos prprios indgenas, busco
analisar a mobilizao que estes sujeitos fazem de seus patrimnios culturais na demarcao da
indianidade.
ABSTRACT
Considering the apropriation of digital medias as indigenous demand currently, this paper aims to
analize the use of this technology by a part of this ethnic groups as a political strategy to give
visibility and strenght to the claims as well as their identities (re) construction. This work is divided
in two parts. Firstly, I approach some studies concerning indigenous participation on internet, the
Masseys theory to think about the power geometry that involves the vitual space and Canclins
theory to think over the denaturalization of indigenous cultures as an essentialized something. In
the second part, from the indigenous narratives I seek to analize the mobilization of their cultural
heritage in the indianidade demarcation.
Keywords: indigenous demands; indigenous identities; culture; digital medias; cultural heritage.
234
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1
PEREIRA, Eliete da Silva. Ciborgues Indgen@s.br: entre a atuao nativa no ciberespao e as
(re)elaboraes tnicas indgenas digitais. Disponvel em: <http://docplayer.com.br/8890572-Ciborgues-
indigen-s-br-entre-a-atuacao-nativa-no-ciberespaco-e-as-re-elaboracoes-etnicas-indigenas-digitais.html>.
Acesso em: 10/07/2017.
2
Sobre mapeamentos acerca de sites e blogs indgenas ver: PEREIRA, Eliete da Silva, Ciborgues
indgen@s.br: a presena nativa no ciberespao. So Paulo, Annablume, 2012. Ver tambm a lista de
links da pgina do 1 Simpsio Indgena sobre usos da Internet no Brasil:
<http://www.usp.br/nhii/simposio/>. Acesso em: 18/07/2016.
3
PEREIRA, 2017.
4
RUSSO, Kelly; BARROS, Claudia. Tecnologias digitais na educao escolar indgena: o que as
pesquisas apontam? In: AMARO, Ivan; SOARES, Maria da Conceio Silva (org.). Tecnologias digitais
na escola: outras possibilidades para o conhecimento. No Prelo.
5
Em levantamento prprio, acrescento o texto do coordenador do Programa de Estudos dos Povos
Indgenas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e professor do Programa de Ps-
Graduao em Memria Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Jos
Ribamar Bessa Freire, FREIRE, Jos Ribamar Bessa. ndios: namoro etnodigital no ciber territrio.
Disponvel em: <https://pib.socioambiental.org/en/noticias?id=82643>. Acesso em: 10/07/2017.
6
ALMEIDA, Fbio Chang de. O historiador e as fontes digitais: uma viso acerca da internet como fonte
primria para pesquisas histricas. Revista Aedos, Rio Grande do Sul, v. 3, n. 8, p. 10, 2011.
7
ALMEIDA, 2011, p.10.
235
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natureza do suporte que a contm8, descartando, portanto, sua relao com qualquer
suporte especfico. Concordo com Almeida, quando afirma:
8
ALMEIDA, 2011, p.17.
9
ALMEIDA, 2011, p.12.
10
RUSSO, Kelly. Vdeos educativos e o dilogo entre culturas: professores indgenas e a apropriao da
linguagem audiovisual. Teias, Rio de Janeiro, ano 8, n. 15, jan/dez, p. 1-13, 2007.
11
Projeto precursor na rea de produo audiovisual indgena no Brasil, criado em 1986, a partir da
experincia com os meios audiovisuais inicialmente junto aos ndios Nambiquara (MT/RO). Conta
atualmente com um importante acervo de imagens sobre os povos indgenas envolvidos no projeto e uma
coleo de mais de 70 filmes. Disponvel em: <http://www.videonasaldeias.org.br/2009/vna.php?p=1>.
Acesso em: 17/07/2016.
12
GALLOIS, Dominique; CARELLI, Vincent. Dilogo entre Povos Indgenas: a experincia de Dois
Encontros Mediados pelo Vdeo, Revista de Antropologia, So Paulo, USP, v. 38, n. 1, 1995.
236
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13
GALLOIS, Dominique; CARELLI, Vincent. ndios eletrnicos": uma rede indgena de comunicao.
Disponvel em: http://www.antropologia.com.br/tribo/sextafeira/pdf/num2/indio_elet.pdf>. Acesso em
10/07/2017.
14
PEREIRA, Eliete da Silva. Ciborgues indgen@s.br: a presena nativa no ciberespao. 170 f.
Dissertao (Mestrado em Estudos Comparados sobre as Amricas) - Universidade de Braslia, Instituto
de Cincias Sociais Centro de Pesquisa e Ps-Graduao sobre as Amricas, Braslia, 2007.
15
RUSSO; BARROS. No prelo.
16
Sobre o levante do Exrcito Zapatista de Libertao Nacional (EZNL) contra o Nafta (Tratado Norte-
Americano de Livre Comrcio), ver: DI FELICE, Massimo. Vtan-Zapata A marcha zapatista e a
sublevao temporria. So Paulo: Xam, 2003.
17
PEREIRA, 2007.
18
BUCCHIONI, Xenya de Aguiar. Blog Dirios: reflexes sobre a identidade indgena na virtualidade.
109 f. Dissertao (Mestrado em Comunicao) Universidade Estadual Paulista, Programa de Ps-
graduao em Comunicao, So Paulo, 2010.
19
RENESSE, Nicodme. Perspectivas indgenas sobre e na internet: ensaio regressivo sobre o uso da
comunicao em grupos amerndios no Brasil. 144 f. Dissertao (Mestrado em Antropologia Social) -
Universidade de So Paulo, Programa de Ps-Graduao em Antropologia Social, So Paulo, 2011.
20
RUSSO; BARROS. No prelo.
21
RUSSO; BARROS. No prelo.
22
MASSEY, Doreen. Um sentido global de lugar. In: ARANTES, Antonio Augusto. O espao da
diferena. Campinas: Papirus, 2000.
237
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escala global, a autora utiliza o conceito de geometria do poder e questiona sobre quem a
vivencia e como a vivencia. Considero esse conceito profcuo para pensar a relao entre
povos indgenas e tecnologias digitais no Brasil.
No se trata apenas de uma questo de quem utiliza os meios digitais, embora este
tambm seja um elemento relevante, mas um entendimento de que diferentes grupos
sociais tm relacionamentos distintos com esse acesso diferenciado. Pensando as diferentes
escalas que envolvem a compresso de tempo-espao, Massey afirma que algumas pessoas
responsabilizam-se mais por ela do que outras; algumas do incio aos fluxos e
movimentos, outras no; algumas ficam mais em sua extremidade receptora do que outras;
algumas so aprisionadas por ela23. Podemos traar um paralelo entre as formulaes de
Massey e as diferentes escalas de participao indgena e no indgena na rede mundial de
computadores, considerando que o controle de alguns grupos pode ativamente
enfraquecer outras pessoas24. Longe de deterem uma posio de controle na circulao
informacional, e em um contexto de relaes assimtricas de poder, variadas formas de
apropriao e utilizao das mdias digitais ocorrem entre os grupos indgenas no Brasil.
DAngelis lana um questionamento: quando (ou, em que perspectiva) a incluso
digital de pessoas e comunidades indgenas (e, talvez mesmo, a incluso de lnguas
indgenas no mundo digital) pode ser to equivocada e prejudicial como qualquer outra
poltica integracionista?25. Para o autor a introduo s tecnologias digitais equivocada ou
at mesmo prejudicial s comunidades envolvidas, quando se trata de um gesto unilateral,
decidido fora das comunidades e sem que haja interesse manifestado por elas26.
Entretanto, podemos perceber iniciativas no mundo digital nas quais os prprios indgenas
buscam condies de agir e interagir na internet em seu prprio benefcio, conforme
abordaremos na segunda parte deste texto.
No ano de 2010, o Ncleo de Histria Indgena e do Indigenismo da Universidade
de So Paulo (USP) promoveu o 1 Simpsio Indgena sobre usos da Internet no Brasil 27.
Os participantes eram membros de comunidades indgenas envolvidos pessoalmente em
23
MASSEY, 2000, p. 179.
24
MASSEY, 2000, p. 180.
25
DANGELIS, Wilmar da Rocha. Do ndio na Web Web Indgena. In: Encontro sobre Leitura e
Escrita em Sociedades Indgenas Dourados (MS), VIII, 2010, UFGD. Anais do... Dourados: UFGD,
2010. Disponvel em:
<file:///C:/Users/mpdom/Desktop/Artigo%20Hist%C3%B3ria%20Oral/Do%20Indio%20na%20Web%20
%C3%A0%20Web%20Indigena.pdf>. Acesso em: 10/07/2017.
26
DANGELIS, 2010.
27
Disponvel em: <http://www.usp.br/nhii/simposio/>. Acesso em: 18/07/2016.
238
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projetos de incluso digital em suas aldeias ou regies, seja a nvel poltico dentro ou fora
do grupo, ou como usurios. Para Renesse28, a motivao para a realizao do simpsio foi
uma ausncia de conhecimento sobre a forma como essas polticas incidem efetivamente
na realidade dos grupos amerndios segundo seus prprios critrios e percepes, o que,
segundo o autor, contrasta com a situao atual de expanso dos programas de incluso
digital em contexto indgena.
Freire, ao abordar o uso da Internet pelos ndios, afirma que estes aprenderam a
conviver com esse processo contnuo de tenso entre o tradicional e o novo. Eles esto
permanentemente recriando a tradio, introduzindo novos sentidos e novos smbolos. E
claro, no deixam de ser ndios29. Porm, a apropriao por parte dos indgenas em relao
s mdias digitais verificada nas ltimas dcadas, suscita discusses acerca do
distanciamento de formas tradicionais de representao, por vezes entendido como sinal de
assimilao ou perda de identidades tnicas. Os debates se dividem de acordo com o
entendimento de cultura acionado nas diferentes anlises.
Tradicionalmente divulgada pela mdia e por materiais didticos, a imagem do ndio
genrico30 ainda recorrente: o corpo nu, as pinturas corporais, o adereo de penas,
moradores das florestas e possuidores de uma cultura extica. Entendida de forma
essencializada, fixa e estvel, a cultura dos povos indgenas, nesse tipo de abordagem,
torna-se a-histrica, reforando a contundente sentena de Varnhagen31, tais povos na
infncia no h histria: h s etnografia32. O estudo dos chamados povos primitivos,
muitas vezes, negligenciou os processos histricos que trouxeram mudanas, pois tal fato,
supostamente, traria prejuzos culturais e a consequente extino desses povos possuidores
de uma cultura imutvel e pura. Novas abordagens tericas colocam em xeque o
congelamento e estabilidade das identidades, admitidas como fluidas, em constante
mutao no espao social da heterogeneidade e multiplicidade.
28
RENESSE, 2011.
29
FREIRE, Jos Ribamar Bessa Freire. ndios: namoro etnodigital no ciber territrio. Disponvel em:
<https://pib.socioambiental.org/en/noticias?id=82643>. Acesso em 10/07/2017.
30
Freire aponta a ideia de um ndio genrico como um equvoco. Tratar os indgenas genericamente leva
ao erro de reduzir culturas diferenciadas a uma entidade supra-tnica, formando um bloco nico, com
mesma cultura, crena e lngua. FREIRE, J.R. Bessa. Cinco idias equivocadas sobre o ndio. Revista do
Centro de Estudos do Comportamento Humano (CENESCH), Manaus, n. 01, p. 17-33, 2000.
31
Francisco Adolfo de Varnhagen, membro do IHGB e autor de Histria Geral do Brasil, publicado na
dcada de 1850. No campo historiogrfico, considerado o mais importante autor da histria do Brasil no
sculo XIX.
32
Citao de autoria de Francisco Adolfo Varnhagen enocntrada em: MONTEIRO, Ana Maria;
PEREIRA, Amilcar Arajo (org.). Ensino de Histria e Culturas Afro-brasileiras e Indgenas. Rio de
Janeiro: Pallas, 2013, p. 111.
239
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33
BAUMAN, Zygmunt. Identidade: entrevista a Benedeto Vecchi. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005, 33.
34
MAHER, Terezinha Machado. Polticas lingusticas e polticas de identidade: currculo e
representaes de professores indgenas na Amaznia ocidental brasileira. Currculo sem Fronteiras, v.
10, n.1, p. 33-48, jan/jun , 2010.
35
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os ndios na Histria do Brasil. Rio de Janeiro: editora FGV,
2010.
240
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36
BRIGHENTI, Clovis Antonio. O movimento indgena no Brasil. In: WITTMANN, Luisa Tombini
(org.). Ensino de Histria Indgena. Belo Horizonte: Autntica, 2015, p. 167.
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BRIGHENTI, 2015, p. 168.
38
CANCLINI, Nstor G. A encenao do popular. In: Culturas Hbridas: estratgias para entrar e sair da
modernidade. So Paulo: Edusp, 1995. p. 205-254.
39
CANCLINI, 1995, p. 248.
40
CANCLINI, 1995, p. 248.
41
CANCLINI, 1995, p. 248.
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242
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ISSN 2318-1729
47
IPHAN. Revista Prmio Rodrigo Melo Franco de Andrade para aes de preservao do Patrimnio
Cultural Brasileiro, volume nico, 2004, p. 03. Disponvel em:
<http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/revista_2004.pdf>. Acesso em: 30/07/2016.
48
IPHAN, 2004, p. 05.
49
Refiro-me as etnias Kariri-Xoc (AL), Pankararu (PE), Patax Hhhe (BA), Tupinamb Patax
Hhhe (BA), Truk (PE), Kiriri (BA), Tupinamb (BA), Tupinamb de Olivena (BA), Potiguara (PB),
Mbya Guarani (RJ).
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50
GERLIC, 2011.
51
OLIVEIRA, Joo Pacheco de. Uma etnologia dos ndios misturados? Situao colonial,
territorializao e fluxos culturais. MANa, Rio de Janeiro, n. 4, p. 47-77, 1998.
52
Oliveira cita o exemplo de Darcy Ribeiro ao falar em resduos da populao indgena do nordeste,
ou ainda em magotes de ndios desajustados vistos nas ilhas e barrancos do So Francisco. OLIVEIRA,
1998, p. 50.
53
OLIVEIRA, 1998, p. 51.
54
GERLIC, 2011.
244
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55
GERLIC, 2011.
56
OLIVEIRA, 1998, p. 59.
57
GERLIC, 2011.
58
OLIVEIRA, 1998, p. 60.
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Ou ainda:
59
Depoimento de Antnio Cicero da Silva Truk. GERLIC, 2011.
60
Depoimento de Dona Lourdes Truk. . GERLIC, 2011.
61
THYDW. Cultura Viva, esperana da terra, volume nico, 2014. Disponvel em:
<http://www.thydewa.org/wp-content/uploads/2012/05/CULTURA-VIVA-ESPERANCA-NOV2014-
WEB-II.pdf>. Acesso em: 10/07/2017.
62
Disponvel em: <http://www.indiosonline.net/quem-somos/>. Acesso em 11/07/2017.
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Quando seu filho chegar hoje em casa todo lindo pintadinho de ndio
batendo na boca e fazendo Hu HU Hu conte a verdade pra ele! No
permita que a mentira sobre ns indgenas se perpetue ns no somos
seres do passado estamos vivos. Tem ndio em todas as partes do
Brasil e no s na Amaznia. ndio no s aquele com olhinhos
puxadinhos e cabelo preto e liso somos diferentes cada povo foi se
constituindo ao longo dos sculos sculos e sculos de opresses e
massacres
Ensine seu filho a respeitar a diferena!!
-O Brasil no foi descoberto. Foi invadido.
-Os indgenas brasileiros pertencem a 305 etnias diferentes falando
274 lnguas.
Estamos presentes em todas as regies do Brasil.
ndio no vive s nas florestas. T ai na cidade. Talvez ai do seu lado.
63
IPHAN. Revista Prmio Rodrigo Melo Franco de Andrade para aes de preservao do Patrimnio
Cultural Brasileiro, volume nico, 2009, p. 08. Disponvel em:
<http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/revista_2009.pdf>. Acesso em: 30/07/2016.
64
Refiro-me ao artigo e ao vdeo disponibilizados em: <http://www.indiosonline.net/historias-e-culturas-
indigenas-alguns-desafios-no-ensino-e-na-aplicacao-da-lei-11-6452008-de-qual-historia-e-cultura-
indigena-estamos-mesmo-falando/> e <http://www.indiosonline.net/quando-indio-fala-fala-com-alma-
historia-cultura-e-saberes-indigenas-na-educacao/>. Acessos em: 25/07/2016.
65
Potyra T Tupinamb advogada Indgena e militante social pelos Direitos Humanos Indgenas.
Disponvel em: <http://www.indiosonline.net/quando-seu-filho-chegar-hoje-em-casa-todo-lindo-
pintadinho-de-indio-batendo-na-boca-e-fazendo-hu-hu-hu-conte-a-verdade-pra-ele/>. Acesso em:
24/07/2016).
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-Cada povo diferente do outro. Cada um tem seus usos e costumes que
se assemelham em alguns casos.
-ndio brasileiro no bate a mo na boca e faz hu hu hu isso pertence
cultura de nossos irmos indgenas norte-americanos.
-H indgenas pelo mundo todo.
Usamos internet, celular, tablet e nem por isso deixamos de ser
indgenas.
Na verdade nem somos ndios somos Tupinamb, Guarani,
Pankararu, Tux, Mundurucu, Yanomami o nome ndio nos foi dado
pelo invasor66
66
Disponvel em: <http://www.indiosonline.net/quando-seu-filho-chegar-hoje-em-casa-todo-lindo-
pintadinho-de-indio-batendo-na-boca-e-fazendo-hu-hu-hu-conte-a-verdade-pra-ele/>. Acesso em:
24/07/2016.
67
SILVA, Giovani Jos da. Perspectivas do Ensino de Histria e Diversidade tnico-cultural:
contribuies a um debate transdisciplinar. In: ZAMBONI, Ernesta; GALZERANI, Maria Carolina B.;
PACIEVITCH, Caroline. Memria, Sensibilidades e Saberes. Campinas, SP: Alnea, 2015, p. 57.
68
SILVA, 2015, p. 57.
69
Em 1981, com a presena de 73 lderes e 32 entidades de apoio aos ndios, a UNIND mudou de sigla
agora UNI e consolidou-se como organizao indgena nacional. OLIVEIRA, Joo Pacheco de;
FREIRE, Carlos Augusto da Rocha. A Presena Indgena na Formao do Brasil. Braslia:
MEC/UNESCO, 2006, p. 193.
70
A Conveno determina o controle social e a participao indgena nas instncias decisrias,
sobretudo nas que lhes dizem respeito, mas que se encontram muito distantes de qualquer possibilidade
de efetivo respeito e implementao de seus preceitos, os quais poderiam ajudar no encaminhamento de
solues para muitos problemas enfrentados pelas comunidades e pelos povos indgenas. LUCIANO,
Gersem dos Santos (Baniwa). O ndio Brasileiro: o que voc precisa
saber sobre os povos indgenas no Brasil de hoje. Braslia: MEC, Secretaria
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75
ABREU, Regina; CHAGAS, Mrio. Memria e Patrimnio: ensaios contemporneos. Rio de Janeiro:
DP&A, 2003, p. 31.
76
ABREU; CHAGAS, 2003, p. 31.
77
LUCIANO, 2006, p. 85.
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RESENHA
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SILVA, Marclia Gama da. Informao, represso e memria: a construo do estado de exceo
no Brasil na perspectiva do DOPS-PE (1964-1985). Recife: Editora UFPE, 2014. 339 p.
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apresentada. Atividades que, alm de levianas e fincadas no preconceito e na ignorncia,
eram conduzidas pela suspeio universalizada, ou seja, sob o lema da inculpao, j que
partia da pressuposio de que todos poderiam ser subversivos, at que provassem o
contrrio.
O livro composto por trs captulos, ao longo dos quais se buscou refutar a tese
de que as atividades de informao no Brasil eram precrias ou amadoras. Marclia Gama
procurou mostrar que longe de um amaradorismo, as atividades de informaes faziam
parte de uma complexa rede de especialistas que tudo buscava anotar, captar, ouvir,
enxergar e arquivar. O projeto da comunidade de informaes foi, na verdade, o de ser
onipresente. Para manter a vigilncia da populao, a ditadura, por exemplo, contratou
agentes e peritos, deslocou de outros rgos centenas de servidores para trabalharem com
informaes e espionagem, utilizou agentes infiltrados nas organizaes clandestinas e nos
movimentos sociais, alm de instigar, cotidianamente, considervel parcela da populao a
colaborar com as atrocidades cometidas pelo regime.
Uma das preocupaes da autora foi mostrar como a questo das informaes
passou a ocupar um lugar estratgico dentro da ditadura, ou seja, como a extensa e
dinmica rede de informaes serviu de base para a manuteno do prprio regime e de
seu aparato repressivo. No primeiro captulo da obra, ao analisar a conjuntura do pr-golpe
de 1964, Gama demonstrou que no afeita a modismos historiogrficos e ao recente
revisionismo historiogrfico que vem sendo criticado por diferentes historiadores, nos
ltimos tempos. E isto um ponto digno de ser ressaltado, especialmente no atual
momento historiogrfico que apresenta uma notvel relativizao de certos eventos e
personagens histricos. Retomando anlises clssicas de especialistas sobre a temtica,
Marclia Gama apontou a atuao do complexo IPES-IBAD na desestabilizao do
governo Joo Goulart e, principalmente, o importante papel que a ESG desempenhou,
durante os anos 60, como ncleo formador de opinies, de viso de sociedade e de
comportamento, atravs dos discursos proferidos, das palestras e cursos ministrados por
civis e militares sobre a Doutrina de Segurana Nacional.
importante ressaltar que embora anlise de Gama possa ajudar a entender a lgica
e o modus operandi dos rgos de segurana em Pernambuco, o foco da autora no foi o
estudo da estrutura da represso tout court, mas sim o desenvolvimento da complexa rede
de informaes montada pela ditadura nesse estado. Para atingir os objetivos, enfatizou as
rotinas policiais de investigao, mostrou as estratgias de vigilncia e identificou os
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discursos policiais produzidos a respeito de alguns grupos, tais como os camponeses, os
estudantes e a esquerda revolucionria, que eram considerados subversivos e perigosos
ordem poltica e social do pas. Tal escolha se deu justamente porque a autora entendeu
que os conceitos informao e represso, embora conexos, tinham objetivos e
atuaes diferentes dentro do regime.
Em outras palavras, apesar de entrelaadas, as atividades de informaes
(espionagem) e as de segurana (represso) eram normatizadas, coordenadas e executadas
em esferas prprias. Os rgos de informao trabalhavam na busca, coleta, anlise e
pescagem da informao para alimentar os Inquritos Policiais Militares, enquanto os
rgos de segurana atuavam diretamente no estouro de aparelhos, na priso, nos
interrogatrios, na tortura e no combate direto ao inimigo.
A discusso sobre o auxlio do governo norte-americano para a montagem e
modernizao da polcia poltica e tcnico-cientfica, em Pernambuco, no incio da dcada
de 1960, foi outro grande trunfo trazido por Marclia Gama para o conhecimento da nossa
recente histria poltica. Ela mostrou que Pernambuco visto como um dos principais
focos de comunismo e subverso do pas recebeu grandes somas de dinheiro, recursos
(transportes, equipamentos de escuta e telefonia etc.) e inmeros cursos, no pas e no
exterior, destinados ao aperfeioamento de agentes pblicos s atividades de informao e
represso. Para a autora, esse apoio financeiro e tcnico foi completamente minado com a
posse do governador Miguel Arraes, em janeiro de 1963, que desmontou o poderoso
programa de auxlio americano chamado Ponto IV, gerando forte descontentamento por
parte dos policiais estaduais e dos EUA. Com a deposio de Arraes em abril de 64, os
acordos foram retomados, tendo a USAID fornecido, j no incio de 1965, despesas de
viagens e estadias para que tcnicos americanos ministrassem cursos de aperfeioamento
a policiais e gestores estaduais.
Em diversas passagens da obra, Marclia analisou com riqueza de detalhes,
sobretudo por intermdio de excelentes diagramas, tabelas e organogramas, a
superestrutura da polcia poltica em Pernambuco. Convm aqui ressaltar que a polcia
poltica pernambucana no foi estruturada com o advento do golpe de 64. Embora
aperfeioada durante a ditadura, tal polcia foi montada ainda nos anos 30, com a clara
finalidade de coibir o avano do comunismo, cuja atuao era vista como grande ameaa
ordem, sobretudo aps o levante comunista de novembro de 1935, ocorrido em Natal, no
Recife e no Rio de Janeiro. Seis segmentos passaram ento a ser vigiados de perto pela
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recm-criada Delegacia de Ordem Poltica e Social de Pernambuco (DOPS): a imprensa, as
entidades de assistncia social (incluindo os sindicatos), determinadas lideranas; os
partidos polticos e associaes; a zona urbana (indstria, comrcio e empresas) e a zona
rural (os camponeses).
Em 1961, a Delegacia foi transformada em Departamento de Ordem Poltica e
Social (DOPS), aumentando a vigilncia e a represso aos trabalhadores urbanos e rurais
durante o governo Cid Sampaio (1959-1962). A modernizao da estrutura policial atendeu
necessidade de aperfeioar a mquina estatal para o combate das aes consideradas
subversivas (manifestaes, protestos, greves, passeatas, pichaes etc). Os corriqueiros
abusos cometidos pela polcia estadual s foram contidos, de fato, com a posse de Miguel
Arraes no incio de 1963.
Contudo, com o advento do golpe, os abusos foram retomados e intensificados
pelo DOPS. Com a deflagrao do golpe iniciou-se uma fase de puro dio, uma verdadeira
caa s bruxas. Somente nos primeiros dias de abril de 1964, quase duas mil pessoas foram
presas em Pernambuco. Na maioria dos casos, as prises polticas no tinham formalidade
legal. Entre as prises, havia centenas de detenes por desavenas pessoais. Naquele
contexto, nas guas da perseguio poltica, tudo era vlido.
Nos limites desta resenha, importa valorizar a riqueza do trabalho de Marclia
Gama e a sua contribuio para o conhecimento da polcia poltica pernambucana e das
aes (legais e ilegais) da comunidade de informaes, suas formas de atuao, a cadeia de
comando, sua organizao e funcionamento. No entanto, no poderia deixar de mencionar
alguns problemas apresentados na obra. O primeiro, a meu ver, a utilizao da expresso
regime civil-militar. A autora faz uso desse conceito sem problematiz-lo. importante
destacar que h, atualmente, uma rica discusso historiogrfica sobre o carter civil ou no
do regime.
O segundo problema a interpretao do Ato Institucional n 5 (AI-5) como um
golpe dentro do golpe. Na verdade, quando usamos essa expresso, muitas vezes,
estamos refletindo a prpria leitura feita pela linha dura a respeito do ato institucional de
1968. Entre os anos de 1964 e 1968, o que grande parte dos meios de comunicao e do
oficialato ento denominava de linha dura ou de fora autnoma dentro das Foras
Armadas (autodeclarada a verdadeira guardi dos princpios da revoluo) foi se
constituindo como um grupo de presso muito eficaz e conquistando, paulatinamente,
considerveis espaos de poder no interior do governo. A caminhada e a evoluo da
255
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presena desse grupo so essenciais para entender diversos episdios do regime, pois
evidenciam que o projeto repressivo baseado numa dura operao limpeza estava
presente desde os primeiros momentos do golpe de 64. Neste sentido, o AI-5 deve ser
entendido como o amadurecimento de um processo que se iniciara muito antes, e no uma
decorrncia dos episdios de 1968, diferentemente da tese que sustenta a metfora do
golpe dentro do golpe, segundo a qual o AI-5 iniciou uma fase completamente distinta
da anterior.
O terceiro problema identificado na obra de Marclia a larga utilizao de
expresses como populismo, democracia populista, colapso do estado populista
implantado por Vargas, sem as devidas ponderaes e crticas que esses conceitos
certamente requisitam. No vou aqui entrar no mrito da discusso sobre a utilizao ou
no do conceito de populismo, mas considero que a autora deveria indicar ao seu leitor o
aporte terico-metodolgico que orientou os seus estudos.
Outra crtica que lano ao trabalho a falta de discusso sobre a relativa diminuio
de poder dos DOPSs aps a criao e fortalecimento, no final da dcada de 1960 e incio
de 1970, de outros rgos de informaes no pas (CIE, CISA e CENIMAR). Apesar da
alta complexificao da estrutura do DOPS, o rgo passou a perder espaos de poder, ao
longo dos anos 70, nas atividades de investigao e represso poltica. A Doutrina de
Segurana Nacional estabeleceu como seus rgos centrais o recm-criado SNI e os rgos
de inteligncia militares. Elaborando estratgias, produzindo informaes e centralizando
os informes estes rgos eram, indubitavelmente, os agentes mais categorizados da
represso. O processamento e a elaborao das estratgias e informaes estavam
confiados aos rgos centrais (SNI e agncias militares); cabia ao DOPS, na maioria dos
casos, munici-los de informes.
Por fim e talvez a questo mais problemtica da obra , o argumento de que a
ditadura se encerrou no ano de 1979. Esta concepo poltica e historicamente
complicada. J no bastasse a afirmao de que a ditadura brasileira foi uma ditabranda
pois teria sido mais branda e menos violenta do que outras ditaduras latino-americanas
, busca-se difundir nos ltimos anos a falcia da ditacurta, segundo a qual a ditadura
teria se encerrado em 1979, com a aprovao da anistia e a revogao dos Atos
Institucionais draconianos lanados pelos militares.
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