1) O romance A Louca de Serrano é o primeiro escrito por uma mulher em Cabo Verde e descreve a vida na aldeia de Serrano;
2) A protagonista é uma mulher chamada Louca de Serrano que desafia as tradições e questiona a ordem patriarcal vigente;
3) Outra personagem, Gremiana, enfrenta os homens da aldeia ao denunciar a privação sexual e violência contra as mulheres.
1) O romance A Louca de Serrano é o primeiro escrito por uma mulher em Cabo Verde e descreve a vida na aldeia de Serrano;
2) A protagonista é uma mulher chamada Louca de Serrano que desafia as tradições e questiona a ordem patriarcal vigente;
3) Outra personagem, Gremiana, enfrenta os homens da aldeia ao denunciar a privação sexual e violência contra as mulheres.
1) O romance A Louca de Serrano é o primeiro escrito por uma mulher em Cabo Verde e descreve a vida na aldeia de Serrano;
2) A protagonista é uma mulher chamada Louca de Serrano que desafia as tradições e questiona a ordem patriarcal vigente;
3) Outra personagem, Gremiana, enfrenta os homens da aldeia ao denunciar a privação sexual e violência contra as mulheres.
1) O romance A Louca de Serrano é o primeiro escrito por uma mulher em Cabo Verde e descreve a vida na aldeia de Serrano;
2) A protagonista é uma mulher chamada Louca de Serrano que desafia as tradições e questiona a ordem patriarcal vigente;
3) Outra personagem, Gremiana, enfrenta os homens da aldeia ao denunciar a privação sexual e violência contra as mulheres.
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A LOUCA DE SERRANO, DE DINA SALSTIO
A louca de Serrano (Praia: Spleen, 1998), de Dina Salstio, o primeiro romance de
autoria feminina em Cabo Verde. O fato merece destaque, pois que o cnone cabo- verdiano tem obliterado com insistncia a escritura feminina, gerando, por parte das escritoras e pesquisadoras, estratgias para dar visibilidade ao trabalho literrio da mulher crioula; alm disto, o texto curto tem dominado a produo feminina naquele pas, quer pelo grau de tenso, concentrao e urgncia do que se quer comunicar, quer pela necessidade de publicao em peridicos, em virtude do reduzido nmero de editoras. Dina Salstio, cujo trabalho literrio vem desencadeando pesquisas de flego no meio acadmico brasileiro pela excepcionalidade e variedade de sua obra (poesia, conto, romance, ensaio), uma intelectual atuante no contexto cabo-verdiano e para alm dele: membro coordenador da Associao dos Escritores, scia fundadora das revistas Mujer e Ponto & Vrgula, jornalista, assistente social, Diretora da Rdio Educativa, tcnica do Ministrio dos Negcios Estrangeiros e colaboradora do Instituto da Condio Feminina... Uma das marcas da narrativa salustiana (vale conferir ainda Mornas eram as noites, contos, 1993) a pintura de quadros vivos e retratos do quotidiano crioulo, rostos (de mulher) e paisagens (de Cabo Verde) que levam o leitor a pensar a mulher contempornea e sua contribuio para a construo da nacionalidade e da cultura de seu pas e de seu tempo. Natural de Santo Anto, Dina vai ambientar seus textos na resistncia pica do mundo ilhu, homenageando os homens e as mulheres (que) milagrosamente reinventam ilhas para alm do mundo, com as pedras das rochas nuas, o sal da gua azul, o sol do cu vermelho (Cantar ou chorar apenas. In:-. Rvue noir. Paris, 10: 25, 1993). Serrano, na pena, pincel ou cmera de Dina Salstio, uma povoao pequena, rural (de sol, chuva, sementeira, colheita), fronteira de fronteiras, pedao de terra forte, de pele lamacenta e alma rochosa, batida pelo vento incansvel; de mulheres e crianas improvisando o batuque em latas velhas, onde uma cabra amamenta o beb e algum se afoga em grogue (1998, pp.9-26), evoca-nos um cenrio j conhecido: Santo Anto e, por extenso, Cabo Verde. No entanto, a narrativa se alimenta da seiva frtil do realismo mgico do Gabriel Garca Mrquez de Cem anos de solido (aqui, Macondo, aldeia imaginria da Colmbia, sua histria mtica e a da famlia Buenda simbolizam o espao e a Histria latino-americanos), pois que desde logo funda a origem e a histria de Serrano no mtico, no mgico e na indecidibilidade do fantstico, dando relevo ao inumano e ao absurdo da vida quotidiana. A fora criadora da terra e o matriarcado tambm ganham destaque no romance de Dina Salstio que, percorrendo trilhas semelhantes s propostas pelos latino-americanos, encontra uma via de experimentao de novas formas narrativas em Cabo Verde: Serrano, esquecida da civilizao, comprimia-se entre os caminhos remotos que levavam a uma longnqua sada para a capital e a regio selvagem que se estendia at se perder as vistas, imersa num mundo povoado de seres de estranhos costumes aos quais no estavam alheios denunciados pactos com os subterrneos da terra e das guas, habitados por animais que nunca se mexiam e pedras com miolo mole que em determinados perodos se tornavam caprichosos e ditavam as regras que conduziam os destinos de quem por ali nas noites passava. Dizia-se que Serrano trazia o destino escondido de uma velha mulher, gigante de pedra atirada ao mar e que em tempos que ningum conheceu, deitara fora de si bocados de seu corpo que se espalharam como ilhas pelo mundo, fixando-se em parte incerta. (p.14) A mtica da gnese (feminina) das ilhas e da gigante de pedra (a montanha, me do vale, p.70) faz parte de um imaginrio cabo-verdiano (confira-se a lenda do Pico Ntoni, na ilha de Santiago) que vai re-significar o real. Dina funde estes planos com habilidade, e a imaginao vai transformando fatos quotidianos num relato em que as crenas ancestrais, o mito, a magia, a natureza, a histria, o fantstico, o mundo (ps-) moderno se misturam, como na melhor fico de Asturias, Carpentier e Garca Mrquez. Anulando a linha de separao entre o que parece real e o que parece fantstico (como prope o ltimo), aceitando igualmente o ordinrio e o extraordinrio, possvel examinar a existncia humana e realizar a crtica da sociedade, particularmente das elites, com mais liberdade. A louca de Serrano, protagonista do romance (par ou duplo de Filipa, a psicanalisada empresria de 33 anos, representante das geraes femininas da famlia San Martin), batiza, nomeando, aquele pequeno pedao de cho, e fornece o diapaso para a tessitura narrativa: num povoado em que a tradio (representada pela figura da velha-velha, a parteira-curandeira-iniciadora dos rapazes da aldeia) no questionada, ela acompanha, de forma fantasmtica, geraes de mulheres fortes como Gremiana e Filipa, que ousam contestar ou colocar sob suspeita verdades estabelecidas. A louca ciclicamente aparecia no povoado por artes desconhecidas, para desaparecer do mundo visvel dos vivos quando completava os trinta e trs anos e j tivesse visto tudo o que tinha para ver, e ouvido tudo o que queria ouvir. Depois voltava a aparecer, filha de gente nenhuma, de lugar e tempo nenhuns, criana, mulher. (p.26) Esta outsider, destacada pelo narrador como a nica perita na histria do lugar, vai, revolucionariamente, incitar corpos e almas, perturbar e levar at mesmo o proco da aldeia a lanar um novo olhar sobre os seus fiis (propondo, inclusive, uma oposio entre beatas invejosas e mulheres ocupadas _ as mais bonitas, as mais airosas , as mais interessantes e generosas _ cujos pecados eram pequenos. pp. 58 e 42). Problematizando o sermo do padre (sem vocao), que afirmava que o dinheiro uma arma que se volta contra o dono e que revoltar-se contra os ricos pecado, a louca uma desconhecida, sem dvida nenhuma comunista, que aparece e desaparece quando lhe convm e, pensa o padre, quando necessrio(p. 44): Uma desconhecida que nunca tentou entrar na igreja, o que levava os fiis mais atentos a definir-lhe possveis laos com o demnio, continuava a argumentar, em palavras desarticuladas, que os pobres eram a porcaria que os ricos utilizavam para se tornarem mais ricos, para pecarem, para desobedecerem aos princpios de igualdade definidos por um conhecido visionrio e, finalmente, os utilizavam como instrumento para a sua prpria salvao. Escarnecia e insultava igualmente os pobres por preferirem andar de mos e corpos estendidos a negociar esmolas, a reinventar meios para ficarem independentes da hipcrita caridade dos outros. (p. 39) Em Serrano, aldeia onde os sonhos abortavam ou morriam cedo (p. 51) e os filhos de camponeses emigravam (como em Cabo Verde), as mulheres, representadas pela personagem Maninha, eram tidas como estreis, fmeas cujos teros no passavam de terra seca; segundo os maridos, engravidavam por milagre - na verdade, dormiam com homens da cidade, especialistas que percebiam do assunto. A louca, em sua denncia, berrava que os farmacuticos eram a desafronta das mulheres de Serrano (pp.63-4). Outra personagem (pica) quase faz ruir a ordem paternalista vigente, enfrentando a acusao dos homens e recusando-se a fazer uso do artifcio que lhes corroborava o machismo: A nica serrana que se rebelou contra a prtica organizada na aldeia para diminuir o sofrimento das mulheres, apaziguar os humores de seus homens, ou afagar o ego oculto das serranas, no se sabe bem, foi Gremiana que enfrentou a populao inteira, num fim de tarde (...), depois de escutar Valentim, o homem com quem vivia desde os treze anos, a gabar-se no bar que ele podia ter todos os filhos do mundo se a mulher no fosse defeituosa (...), apregoando a sua virilidade e a pouca serventia da companheira. (...) ela esqueceu a vergonha de mulher humilde, perdeu o medo s pancadas que viriam e s injrias que iriam acontecer e gritou as verdades, todas elas, aos homens da regio, a todos eles, que na mesma hora, juntos, marido, pai, irmos, amigos, inimigos e parentes (...) correram atrs dela aos insultos e paulada desde o largo da Casa da Luz, como era conhecida a casa da parteira, at ribeira- rio onde as correntes eram mais bravas, gritando possessos que Gremiana era uma vagabunda desavergonhada de barriga oca. Vendo o seu orgulho de macho e o poder to dolorosamente conquistado ameaados de cair por terra, sem conseguirem esconder nos berros o medo que os diminua, gritavam todo o dio que sentiam por Gremiana, afinal todo o dio que sentiam por todas as mulheres de Serrano, por todas as mulheres do mundo. (pp. 64-5) Denunciando a privao calculada do sexo, a violentao, a pancada, tudo em nome da incapacidade de procriar, Gremiana, tal como a louca, com sua coragem, tenta instaurar uma outra praxis, mas desaparece no meio das guas e das pedras que lhe massacram o corpo alto e forte (p. 73). As mulheres de Serrano voltam sua vidinha de solido e silncio, entre velhas beatas, bolas de cristal, cerimnias de iniciao, rituais e orgias morturias que compem um quadro da tradio popular, mantenedora de privilgios sociais que a obra quer colocar em questo. Filipa, outra importante personagem do romance, vive na capital sua rotina ps- moderna no ano de 1994, embora estabelea o contraponto com o passado em Serrano durante toda a narrativa. Desconhecendo a sua famlia de origem, pelo fato de ter sido abandonada pela me (a fotgrafa Genoveva San Martin, que aparece repentinamente em Serrano, desmemoriada, aps ter sofrido um acidente), Filipa, exposta orientao desencontrada de vrias madrastas, elege a infncia com o pai adotivo, Jernimo, como sua referncia emocional e seu tempo paradisaco. A busca de identidade, empreendida por Filipa, o fio lgico e condutor da narrativa, dominada pela simultaneidade e indecidibilidade do contado. A recuperao da memria por Genoveva, o fato de lembrar-se de que teve uma filha numa aldeia chamada Serrano e o reencontro inesperado com Jernimo vo culminar na reunio da famlia, no rveillon de 1995, e no reconhecimento entre Fipa e a me. Nasce um novo Ano, abrem-se novas possibilidades, volta-se origem Serrano: Uma sombra deslizou da varanda iluminada em direco ao jardim e um n atingiu o peito de Filipa e todos se viraram em direco do movimento que deixara na sala uma espcie de brisa com cheiro a campo. (...) Filipa sentiu necessidade de frio, de temporal, de ribeira a correr, de uma fonte a cantar(...) e saiu para o jardim. A, entre a luz e o escuro estava a Louca de Serrano olhando para ela com o brilho de um momento feliz.(...) Sentiu-se ansiosa. Estava com trinta e trs anos. E se o seu tempo estivesse a esgotar-se? Se tudo o que lhe aconteceu estivesse destinado para uma louca de Serrano(...)? Onde as semelhanas nos seus destinos? Meio cambaleante aproximou-se.(...) Encostaram-se uma outra. Agora eram duas mulheres e apesar da fora que lhes pudesse ser atribuda, nenhuma delas mostrava qualquer tipo de segurana. Deixaram-se estar at que ainda abraadas sentaram-se. A aldeia chegava mgica, linda e feiticeira (pp.210-212). Como o leitor pode perceber, Dina Salstio pe em cena grandes mulheres: Filipa, Gremiana, a Louca, tantas outras, com suas foras e fragilidades, tentando traduzir uma nova subjetividade e um novo modo de encarar o mundo. Mulheres fortes. Mulheres com paisagem ao fundo. Forte. CABO VERDE.