Sermão
Sermão
Sermão
A oratória define-se como “a arte do bem falar em público”, teve o seu máximo
cultor no Padre António Vieira, que transformou o púlpito em tribuna política para
comentar os grandes problemas da época.
No séc. XVII apregação era um espetáculo cuja principal função era deleitar
(delectare), para além de ensinar (docere) e influenciar comportamentos (movere) e
estava no espírito da contra-reforma e captação e evangelização das multidões não
tanto pela razão, mas pela sensibilidade, prazer, para o gozo intelectual e também pelo
terror e piedade.
Exórdio:
O orador expõe o plano, o assunto, a matéria que vai defender e pede atenção e a
benevolência do público. O conceito predicável vai tirá-lo da Sagrada Escritura,
dando-lhe um sentido alegórico ou verdadeiro. Sobre os pregadores, ele dirá: “Vos
estis sal terrae”.
Invocação:
Invoca o pregador o auxílio divino para a exposição das suas ideias: “Maria quer
dizer, Domina maris: “Senhora do Mar”; e posto que o assunto seja tão desusado,
espero que não me falte com a costumada graça. Avé Maria”.
Confirmação:
Era a exposição e desenvolvimento do tema indicado, filosofando, argumentando,
de forma a provar a matéria que se propôs a trabalhar.
Peroração:
A conclusão do discurso, em que o orador recapitulava tudo quanto dissera e
terminava de uma forma brilhante para impressionar e convencer o público a
pôr em prática os seus ensinamentos.
Resumo
Exórdio – Capítulo I
O texto estrutura-se em torno da importância da palavra dos pregadores –
equivalente ao sal – na preservação da moralidade e da integridade dos homens – a
Terra. Assim, tal como o sal impede a corrupção, também os pregadores devem impedir
a corrupção das almas.
O valor simbólico do sal aparece associado ao poder regenerador e purificador
da palavra de Deus. O verdadeiro sal é aquele que evita a corrupção e aquele que não
salga é inútil e deve ser desprezado.
Vieira elogia aqueles que espalham a doutrina divina (pregadores que ensinam e
fazem o que devem) e acusa aqueles pregadores que não cumprem o seu dever (os que
pregam o contrário).
Vieira diz também que a culpa pode ser dos ouvintes porque preferam imitar os
actos dos pregadores ou porque se deixam levar pelos seus desejos.
Depois Vieira fala de Santo António e o milagre da pregação aos peixes, em que
os habitantes da cidade não o quiseram ouvir e ele foi pregar aos peixes.
Confirmação – Capítulo II
O orador afirma que nunca teve pior auditório do que os peixes porque não se
podem converter, embora tivessem duas boas qualidades: ouvem e não falam.
Vieira promete aos peixes que o sermão será mais agradável do que o que
costuma pregar aos homens, promessa irónica, visto que os peixes são uma alegoria dos
homens.
Refere, mais uma vez, as propriedades do sal, que deve conservar e preservar.
Apoia-se nas palavras de S. Basílio que diz que os peixes não são só dignos de
repreensão, mas também de louvor e exemplo a seguir.
O orador apresenta o exemplo de Cristo, que comparou a sua igreja a uma rede
de pesca, na qual os pescadores recolhiam os peixes bons e deitavam fora os maus (há
que louvar – bons – e que repreender – maus). Assim, a estrutura deste sermão, é
inspirada na dupla função do sal, louvando-se as virtudes e as qualidades dos peixes e
em seguida repreender os seus vícios.
Confirmação – Capítulo IV
A frase inicial deste capítulo funciona como uma chameira que estabelece a
ligação entre dois momentos diferentes do sermão: o anterior em que se louvaram as
virtudes dos peixes e o posterior, em que se apontarão os seus defeitos.
O principal defeito dos peixes é, segundo Vieira, o facto de se comerem uns aos
outros. Este escândalo é intensificado pela circunstância de serem os grandes que
comem os pequenos. Se a situação fosse inversa, ou seja, se os pequenos comessem os
grandes, o mal não seria tão grande, pois muitos pequenos podem comer um grande.
O sermão é alegórico, daí que o tema trabalhado neste capítulo seja o da
exploração dos pobres e indefesos pelos mais poderosos – antropofagia social. O orador
recorre às palavras de Santo Angostinho para credibilizar a sua opinião.
Vieira continua a criticar os peixes, afirmando que não percebe como sendo
todos irmãos e vivendo no mesmo elemento, se comam uns aos outros. Para lhes
mostrar o quão feio é o seu pecado, vai recorrer ao exemplo dos homens. Os peixes são,
então, convidados a olhar para a terra, não para os matos (o que seria prevísivel, visto
que a antropofagia não deveria ser uma prática comum entre os homens), mas mais
precisamente para a cidade. Assim, poderão constatar nos homens os seus próprios
defeitos, nomeadamente o modo como se comem, ou seja, se exploram uns aos outros.
A repetição da forma verbal “comer”, associada à sua polissemia, sublinha a vasta
dimensão desta antropofagia social.
A partir desta generalização, Vieira centra-se num caso particular, o de alguém
que acaba de morrer e cujos familiares e amigos querem logo “comê-lo”: os herdeiros,
a mulher, o coveiro, os testamenteiros, o médico, etc.
Embora o exemplo apresentado mostre o quão mórbida e inaceitável é esta
situação, Vieira desculpa aqueles que “comeram”, ou seja, tiraram dividendos do morto
porque, para o orador, pior são aqueles que “comem” e exploram, sem escrúpulos, os
vivos. É o caso dos inúmeros “job” que povoam a terra. Geralmente são homens
perseguidos pela justiça perversa e viciada, homens acusados de crimes, explorados
pelo meirinho, pelo carcereiro, pelo escrivão, pelo solicitador, pelo advogado, pelo
julgador, sendo sentenciados e executados, antes mesmo de julgados. O orador sublinha
a crueldade dos homens, referindo que até mesmo os corvos só comem o enforcado
depois de executado.
O capítulo acaba com uma crítica aos portugueses. Partindo do exemplo de Santo
António, Vieira refere a degenerescência dos valores nacionais, uma vez que, no
passado, as características exemplares de Santo António eram extensivas a todo o povo
português, não sendo por isso atribuído aos santos.
Finalmente, de forma irónica, o pregador salienta que tudo o que pregou até
então seria o ideal para a conduta dos homens, se ele não tivesse estado a pregar aos
peixes, não tendo, por isso, o seu sermão qualquer efeito sobre os homens.
Peroração – Capítulo VI
No 1º parágrafo, Vieira refere o facto de os peixes nunca serem animais
escolhidos para os sacríficios rituais, porque como não vivem fora de água, chegariam
mortos ao altar. Partindo deste facto, o orador afirma que, tal como os peices, há muitos
homens que chegam ao altar “mortos”, ou seja, em pecado mortal. Mais uma vez, os
peixes saem beneficiados em relação aos homens.
No 2º parágrafo, o orador manifesta a sua inveja de condição dos peixes, porque
embora eles sejam irracionais, não ofendem Deus nem com as palavras, nem com a
memória, nem com o entendimento, nem com a vontade; apenas desempenham a
função que Deus lhes deu quando os criou., enquanto o orador foi criado para servir
Deus, missão que não consegue realizar plenamente. Os peixes, porque não ofenderam
a Deus, poderão encará-lo, enquanto que ele não.
O último parágrafo constitui uma exortação aos peixes para que louvem a Deus,
porque Ele os fez numerosos, belos e diversos, porque lhes deu água para nela viverem
e se multiplicarem e porque escolheu pescadores (apóstolos) para com Eles privarem.
O sermão termina de um modo provocatório porque, como a pregação foi
destinada aos peixes e estes, pela sua condição, não são capazes de glória nem de graça,
o sermão não atinge o seu objetivo. O pregador remete, então para Deus a bênção final.
SÍNTESE DOS CONTEÚDOS
Contextualização histórico-literária
Século XVII
✓Desaparecimento do rei D. Sebastião em Alcácer Quibir e consequente perda da
independência e domínio filipino
(1581-1640).
✓Poder da Inquisição.
✓O Barroco vigorou em Portugal durante todo o século XVII e na primeira metade do
século seguinte.
✓Características: teatralidade, contrastes (luz e sombra), movimento, exagero
decorativo, de modo a provocar o êxtase e a emoção.
✓Padre António Vieira é uma das mais influentes personalidades do século XVII,
destacando-se pela sua intervenção política e pela sua ação missionária.
Funções da oratória
Delectare – deleitar (causar prazer, arrebatar)
Docere – ensinar (intenção religiosa ou moralizadora)
Movere – mover ou influenciar o comportamento do ouvinte, incentivando-o à ação
Sermão Assunto e propósitos religiosos e/ou
moralizadores.
Género literário que compreende todo
o discurso oral dirigido a um auditório Temas
com a finalidade de o persuadir de uma
– Aspetos da vida social (acontecimentos
determinada mensagem, pela razão,
mundanos: atos da vida pública e privada dos
pela sensibilidade ou pelo prazer que
indivíduos, desde a entrada de personagens
nele provoca o texto dito.
régias às festas de casamento, batizados ou
funerais, cerimónias de profissão monástica,
autos de fé, etc.
– Ideias políticas
No exórdio, e tendo como ponto de partida o conceito predicável (vós sois o sal da terra),
o orador diz que a “terra” está corrupta, mas reconhece que o mal não está só do lado
dos pregadores. Os seres humanos também têm culpa.
Santo António é apresentado como exemplo do bom pregador, como modelo a seguir
para moralizar os ouvintes (a terra). Diz Padre António Vieira: “Santo António foi o sal
da terra, e foi o sal do mar”. Todo o sermão é, pois, um panegírico em torno da sua
figura.
Assim, à semelhança deste santo, também o Orador irá pregar aos peixes, já que os seres
humanos não o ouvem: “ […] quero hoje, à imitação de Santo António, voltar-me da
terra ao mar, e já que os homens se não aproveitam, pregar aos peixes […]”.
2. Exposição/Confirmação
Ao longo do discurso, Padre António Vieira interage com os seus ouvintes e tenta
perseguir os grandes objetivos do Sermão:
✓ensinar – moralizar;
✓agradar – cativar os seus ouvintes, despertando as suas emoções;
✓persuadir – apelar e convencer da necessidade de mudança através de uma
argumentação sustentada.
É o momento de comprovação ou demonstração das afirmações do orador.
Para defender a sua tese, recorre a vários tipos de argumentos ilustrativos e
convincentes:
✓de autoridade – as citações bíblicas, por exemplo;
✓proverbiais ou de sabedoria popular;
✓por analogia – argumenta a partir do exemplo de Santo António;
✓por experiência – invoca a sua vivência;
✓históricos – recorre a exemplos da tradição histórica.
3. Peroração
O orador recapitula os seus argumentos e esforça-se por influenciar afetiva e
emocionalmente os seus ouvintes, de modo a obter a sua adesão. Pretende
impressionar, convencer e influenciar o seu auditório.
Conclusão
O Sermão é uma sátira social. Padre António Vieira crítica a exploração e a ganância
humana, particularmente aquela que é exercida pelos colonos sobre os índios.
Visão global do sermão e estrutura argumentativa