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O Horror Gótico No Conto Venha Ver o Pôr Do Sol de Lygia Fagundes Telles

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Salma Jael Morán Rodríguez

No. Cuenta: 30605243-9


Letras Portuguesas

O horror gótico no conto “Venha ver o pôr do sol” de Lygia Fagundes Telles.
"A vida não é divertida sem um bom susto."
—O Estranho Mundo de Jack
Após da sua ascensão e popularização no século XVIII com a publicação da novela de Horace

Walpole, O Castelo de Otranto, em 1764, o horror gótico foi um dos primeiros gêneros em

que as mulheres autores foram realmente abraçadas à medida que as audiências receberam e

devoraram as suas histórias baseadas na literatura do romantismo: alguma história de amor

poderosa mas condenada que quase sempre acaba na morte, temas como a obsessão e a

loucura, fantasmas e vampiros e outros seres sobrenaturais, decadência, casas ou castelos

assombrados, em fim, uma deliciosa mistura de elementos que com suas diferentes pinceladas

induzem e criam uma imagem de horror. Não é surpreendente que o gênero tenha sobrevivido

e ainda hoje continue a ser reconhecido como um dos mais populares, e que a sua influência

tenha atingido inúmeros autores de diferentes países. “A emoção mais antiga e mais forte da

humanidade é o medo, e o medo mais antigo e o mais forte é o medo do desconhecido,”

(LOVECRAFT, 8) é o que diz o escritor de horror H. P. Lovecraft no seu famoso ensaio sobre

a literatura gótica, O Terror sobrenatural na literatura, mesmo que o medo não seja atraente

para todos por não ser uma emoção puramente positiva, ninguém pode negar o poder exercido

pelo horror sobre a imaginação e os sentidos.

No meio da minha busca de escritoras que se destacaram na língua portuguesa,

encontrei uma curiosa história da escritora brasileira Lygia Fagundes Telles, o conto “Venha

ver o pôr do sol”, este chamou a minha atenção porque, de certa forma, me lembrava ao tipo

de história de horror gótico que eu amo. O enredo em si é bastante simples, trata-se de uma

história de vingança por um amor não correspondido que leva à morte. Uns ex-namorados,
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Ricardo e Raquel, reencontram-se em um cemitério algum tempo após da sua rutura, lá

supostamente eles vão ver o pôr do sol. Depois de uma longa caminhada através do lugar

abandonado, em uma espécie de vingança por se ter separado dele, o Ricardo abandona a

Raquel dentro de um mausoléu para ela morrer. Apesar de sua simplicidade, Lygia Fagundes

Telles consegue capturar a atmosfera obscura, estranha e mesmo assustadora, de constante

suspense e desconforto, através de pequenos elementos e nos faz temer pelo infeliz final que

aguarda para Raquel.

Embora a noite seja o momento predileto dos romances góticos, no título da história

temos um elemento importante de tempo que prefigura o terrível desfecho da nossa história: o

pôr do sol. Assim como o amanhecer é geralmente um simbolismo cronológico que denota o

início ou o nascimento, pode-se dizer que o pôr-do-sol simboliza o fim ou a morte. O sol

declina e a noite e a escuridão (com todos os seus terrores, entre eles o terror da morte) caem,

marcando o fim ou a morte de um dia. Não é por acaso que a autora escolha esse momento

exato para o desdobramento de sua narração, ela está a usar o pôr do sol como símbolo e

prefiguração da morte da Raquel.

Para alcançar o maior efeito de medo, parte da eficácia da literatura gótica depende do

cenário ou espaço onde ocorre a ação, lugares como as casas assombradas, os castelos

sombrios, em fim, tudo aquilo que gera algum efeito psicológico sobre o leitor e ajuda a criar a

atmosfera sinistra para as personagens se desenvolverem. “Venha ver o pôr do sol” começa

com um cenário muito comum, a descrição de uma paisagem rural calma embora remota, diz

que “as casas iam rareando, modestas casas espalhadas sem simetria e ilhadas em terrenos

baldios. No meio da rua sem calçamento, coberta aqui e ali por um mato rasteiro, algumas

crianças brincavam de roda” (TELLES, 110), o toque de ter crianças a cantar uma cantiga

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infantil tão popular e a brincar no meio da ceia dá um senso de perfeita normalidade no início

do conto como uma maneira de capturar ao leitor, mas é apenas um véu frágil, já que a

quotidianidade quebra-se quando os ex-amantes entram às ruínas de um antigo cemitério

miserável “completamente abandonado” onde “nem os fantasmas sobraram”, com “o velho

muro arruinado [...] o portão de ferro, carcomido pela ferrugem" (110), tudo está morto lá

exceto por um mato rasteiro que cobre a maior parte do cemitério. Agora, o objetivo é criar

um cenário sombrio, misterioso e de inquietação, seja pelo medo de um lugar tão tétrico ou

por causa do abandono do lugar e da perceção mais aguda dos mortos quando se caminha

entre os túmulos. Este desconforto é muito notável na personagem da Raquel, quem expressa

seu desejo de deixar o cemitério, mais de uma vez, e não consegue acreditar, de uma forma

não agradável, a escolha estranha do Ricardo para se encontrarem lá. Finalmente, no clímax da

narrativa, ambos entram em uma escura capelinha, tão abandonada como o resto do cemitério

e na profundidade deste, muito longe de todo e de todos, isso aumenta a sensação de que algo

está errado ou que algo ruim vai acontecer quando descem as escadas para visitar as gavetas

da família do Ricardo em uma cena quase mórbida.

Em quanto às personagens, não se fala muito sobre a Raquel, mas seguindo o padrão

para quase todas as primeiras novelas da literatura gótica, existem duas funções principais nos

papéis femininos: "predador" e "vítima". Embora Raquel não seja necessariamente de caráter

frágil ou vulnerável nem virginal, ela encaixa na categoria de vítima como também no papel

como a heroína da história já que ela possui um senso de aventura quando decide se encontrar

com seu ex-amante apesar dos perigos de ser descoberta por seu novo namorado, e quando

decide seguir ao Ricardo para o cemitério, isto segue, de certa forma, a convenção do desejo

de aventura feminina no que é conhecido como o horror gótico feminino. Foi a escritora

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inglesa Ann Radcliffe que "criou uma narrativa com uma protagonista feminina que é uma

heroína e uma vítima ao mesmo tempo, o que se tornaria uma das características típicas do

gótico feminino" (MOERS, 91).

Foi a própria Ellen Moers que usou e cunhou o termo de Gótico feminino, para se

referir à ficção gótica escrita por mulheres “como uma expressão codificada dos medos das

mulheres, de seu aprisionamento dentro do ambiente doméstico e dentro do corpo feminino”

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