Teoria e Técnica Do Texto Jornalístico - Nilson Lage
Teoria e Técnica Do Texto Jornalístico - Nilson Lage
Teoria e Técnica Do Texto Jornalístico - Nilson Lage
Capa
Sérgio Campante
Editoração Eletrônica
Diagrama Ação – Produção Editorial
Revisão Gráfica
Marília Pinto de Oliveira
Projeto Gráfico
Elsevier Editora, Ltda.
A Qualidade da Informação
Rua Sete de Setembro, 111 – 16º andar
20050-006 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil
Telefone: (21) 3970-9300 Fax: (21) 2507-1991
E-mail: info@elsevier.com.br
Escritório de São Paulo
Rua Quintana, 753/8º andar
CEP 04569-011 – Brooklin – São Paulo – SP
Telefone: (11) 5105-8555
ISBN: 85-352-1527-1
ISBN13: 978-85-352-1527-4
Muito zelo e técnica foram empregados na edição desta obra. No entanto, podem ocorrer erros de
digitação, impressão ou dúvida conceitual. Em qualquer das hipóteses, solicitamos a comunicação à
nossa Central de Atendimento, para que possamos esclarecer ou encaminhar a questão.
Nem a editora nem o autor assumem qualquer responsabilidade por eventuais danos ou perdas a pessoas
ou bens, originados do uso desta publicação.
Central de atendimento
Telefone: 0800-265340
e-mail: info@elsevier.com.br
site: www.elsevier.com.br
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte.
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ
L171t
Lage, Nilson
Teoria e técnica do texto jornalístico / Nilson Lage, - Rio de Janeiro:
Elsevier, 2005 – 7ª tiragem
il.
Apêndice
Inclui bibliografia
ISBN: 85-352-1527-1
ISBN13: 978-85-352-1527-4
1. Redação de textos jornalísticos. 2. Jornalismo I. Título.
Este livro foi escrito com a intenção de abordar de forma não rotineira as técnicas do
jornalismo, a partir da primeira delas – a produção de textos. A finalidade é fugir do re-
manso ideológico em que estão confinados geralmente os estudos de nossa profissão,
que alguns endeusam como sacerdócio essencial à democracia e outros reduzem a mero
instrumento de controle da opinião pública pelos detentores de poder político e eco-
nômico.
A primeira distinção que se faz considera em diferentes níveis a notícia, a cobertura
de fatos em processo em um lapso de tempo – um dia, uma semana – e a reportagem
temática ou narrativa. Propõe-se o conceito de lead não como invento da indústria cul-
tural mas como adaptação da maneira tradicional de transmitir informações singulares,
objeto das máximas de Paul Grice e do conceito de relevância esmiuçado por Dan
Sperber e Deirdre Wilson.
As diferentes formas de apresentação dos textos jornalísticos parecem conformar-se
ao que se pretende com eles. Informar-se é o que se quer, há certamente possibilidade
de construir um discurso, se não objetivo, pelo menos voltado para o objeto; a distor-
ção, aí, só poderá ser explicada como recurso à cultura ou à História. O problema real
se coloca quando se tenta impor uma interpretação como a única válida ou se atribui
natureza indiscutível à opinião.
Outro parâmetro do texto ancora na mídia utilizada. O radiojornalismo tornou-se
coloquial, íntimo e geralmente prolixo. O telejornalismo, com o surgimento dos equi-
pamentos portáteis de captação de imagens, a pluralidade de canais e a facilidade de
edição eletrônica, evoluiu rapidamente para incorporar técnicas de cinema nos mini-
documentários em que se transformam as reportagens. O jornalismo impresso varia entre
a especialização, a denúncia e o engajamento.
Não existem ainda condições para a estabilização de uma técnica própria da web,
porque os equipamentos estão em constante atualização, de modo que várias gerações
deles – computadores e meios de acesso – estão em uso simultaneamente; a melhoria
XII Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
das condições de transmissão de vídeo, por exemplo, tem potencial para provocar mu-
danças radicais na Internet, afetando, entre outras coisas, os conceitos correntes de pro-
priedade intelectual.
Durante todo o século XX, as técnicas do jornalismo foram consideradas desprezí-
veis pelos que viam e ainda vêem a profissão pela dimensão única da política. Hoje,
quando o computador incorporou toda a tecnologia antes distribuída por equipes de
trabalhadores blue-collars, já não é tão fácil sustentar essa falácia. Bons jornalistas escre-
vem, mas também editam, programam rádio e, com certeza, no futuro, terão habilitação
mínima para fotografar e gravar imagens em movimento.
Nesse sentido, creio que o texto que vão ler poderá animar os especialistas nessas
habilidades a produzirem material didático sobre elas, sem precisar desculpar-se pela
caretice.
Introdução
/0
No princípio era o verbo. Se era verbo,2 era verbal, quer dizer, algo constituído
de sons significantes. Dentre dezenas ou centenas de milhares de idiomas que
foram ou estão sendo usados no mundo, apenas um punhado transformou
cadeias sonoras em símbolos formadores de palavras, locuções, sentenças e
discursos.3 Os outros, em maioria, permaneceram ágrafos, sem representação
gráfica para seus enunciados.
Mesmo entre as culturas que desenvolveram a escrita, existem as que repre-
sentam o conceito graficamente, mas sem qualquer correspondência com o som
das palavras. Em chinês, 15 mil ideogramas combinam-se para expressar todas
as idéias, desde aquelas que têm representação concreta até as mais abstratas.
Na China, onde é grande a diversidade cultural, a escrita comum desempenha
papel essencial para a unidade política do país. Na televisão, o discurso dos
1
(http://www.math.harvard.edu/~hmb/issue2.1/FUZZY/fuzzy.html)
2
Esta expressão deriva, por via culta, do latim verbum, significando “a palavra”. Traduz, no contexto bíblico,
a expressão grega logos, que também pode significar “razão”, “conceito”. O uso de “verbo” como palavra
conjugada nuclear de uma sentença foi introduzido no século XIV.
3
O Museu Virtual da Imprensa (http://www.imultimedia.pt/museuvirtpress/port/alfa.html) registra oito
alfabetos, 21 escritas e 18 outras formas de representação, entre atuais e antigas. Entre elas, a escrita maia,
da América Central.
2 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
O método criado por Franz Boas, antropólogo húngaro, e por seus discípu-
los, entre os quais se destaca Edward Sapir, traía seu viés de etnocentrismo (ou,
ainda que de maneira inconsciente, o intuito de dominação) ao considerar ape-
nas objetos materiais – tendas, pratos, tigelas –, sem penetrar em conceitos
que expressam valores abstratos e que são os mais nobres entre os partilha-
dos por qualquer grupo humano. Assim, perdeu-se o sentido exato que te-
riam palavras como “liberdade”, “justiça” ou “verdade”, para cidadãos apache,
cheyenne ou sioux. Conceitos como esses são os que, na essência, definem a
identidade cultural.
Até algum tempo depois da Segunda Guerra Mundial, era comum a litera-
tura especializada apontar a escrita fonética, com suas consoantes e vogais,4
como fator de “superioridade” ou, no mínimo, vantagem competitiva das cul-
turas do Ocidente – comprovada, diziam, pelo êxito dos países europeus quan-
do partiram à conquista do mundo, no século XVI (Portugal e Espanha) e nos
seguintes (Inglaterra, França, Holanda, Alemanha, principalmente).
Esse preconceito começou a se desfazer na época do “milagre japonês”, no
início da década de 1970. Ainda assim, levou muita gente a prognosticar o fra-
casso dos ícones de comando introduzidos no visual dos Macintosh e, depois,
dos sistemas operacionais das séries Windows e Linux para PC. Ainda hoje,
editores de texto, planilhas e bancos de dados indicam a combinação de teclas
correspondente a cada operação, embora os usuários prefiram, quase sempre,
clicar com o botão esquerdo do mouse no símbolo respectivo, que funciona como
um ideograma.
Tomemos o ícone que representa “abrir arquivo”: uma pasta entreaberta com
uma seta circular por cima. Era a representação válida na época em que foi con-
cebida: guardavam-se assim os documentos para que ficassem pendurados pe-
las alças em gavetas de arquivo. No entanto, para as crianças de hoje, a palavra
“arquivo” remete ao espaço virtual onde o conteúdo subsiste na forma de bits,
em disco ou em algum lugar da rede mundial de computadores. Para elas, a
pasta entreaberta e a seta significam tanto quanto as gravatas ou os botões de
punho para executivos em serviço, advogados no fórum ou porteiros em edifí-
cios de luxo. Mas a arbitrariedade da representação em nada as atrapalha.
O que se quer demonstrar é que a relação entre o signo visual e seu conceito é
mais imediata do que a relação entre uma cadeia de sons e esse mesmo conceito
4
A escrita fonética moderna deriva, em última análise, do alfabeto fenício que, por sua vez, teria sido uma
evolução da grafia proto-Sinai, anterior ao século XV a.C. Os gregos o adotaram, modificaram, simplifica-
ram e aperfeiçoaram, acrescentando o registro das vogais.
4 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
– e mais ainda do que entre palavras escritas e o que representam. Para ser com-
preendida, a mensagem escrita sob a forma de representação fonética tem de ser:
(a) transformada em “cadeia sonora”, objetiva (em voz alta) ou subjetivamente (em
silêncio); e (b) interpretada no cérebro para que possa corresponder aos concei-
tos, o que envolve um conjunto complexo de associações em rede neural.5
A experiência da publicidade, cuja prática sistemática data do século XVII,6
atesta a veracidade do conjunto de proposições do parágrafo anterior: marcas
(como a cruz dos cristãos, o crescente árabe ou a estrela de Davi) são bens sim-
bólicos universais e de reconhecimento imediato. Quanto ao fato de que o
enunciado é transformado em som para ser lido, há provas empíricas subsidiá-
rias. Uma delas é o cacófato, encontro inconveniente de sons, não de símbolos
gráficos: por ser assim, o segmento H’ M’ (lido, no contexto, como “agá linha,
eme linha”) causou muito reboliço na aula de desenho projetivo da minha
turma de colégio, porque Emília era o nome da garota da sala ao lado. Afinal,
na seqüência de símbolos não há qualquer indicativo de comicidade; ele só
aparece com a combinação dos sons que, todavia, não foi expressa pelo profes-
sor, silencioso desde que se apercebeu da iminência da conexão hilariante. A
saída que encontrou – dizer “este segmento” – agravou a explosão contida de
riso dos meninos.
Do que se disse até aqui, algumas deduções são relevantes para o jornalismo:
(a) O planejamento gráfico de um produto é o primeiro fator de atração,
pela variedade, e de reconhecimento, pela uniformidade. Combinar a
uniformidade do estilo e o nível de variedade compatível com o fluxo
dos eventos é a essência de um bom projeto gráfico em jornalismo.
(b) O mesmo acontece com recursos audiovisuais; a vinheta, o cenário e a
entonação nos telejornais permitem o reconhecimento – o reencontro
visual ou auditivo com o já visto ou o similar – que facilita concentrar a
atenção no conteúdo noticioso, desde a escalada7 até o final do programa.
(c) A percepção de fotografias, cenários ou imagens em vídeo precede, em
condições de igualdade, a percepção de qualquer forma de enunciado
oral e mais ainda do texto escrito, porque o processo de compreensão
deste é mais lento. Fotos, ambientes e imagens são “lidos” primeiro.
5
A compreensão da escrita é um procedimento cerebral complexo. Dele participam, pelo menos, o lobo
parietal esquerdo, responsável em condições normais pela identificação dos símbolos escritos; o lobo fron-
tal esquerdo, que atua nas funções intelectuais, processos de pensamento, comportamento e memória; e o
lobo temporal esquerdo, responsável pelo entendimento da fala. Uma das competências das redes neurais
(biológicas ou físicas) é o reconhecimento de padrões; outra, o aprendizado.
6
A bula Inscrutabili Divinae, de 22 de junho de 1622, promulgada pelo Papa Gregório XV, deu início à cons-
tituição da Congregação Propaganda Fidae (http://www.fide.org). Essa data pode ser tomada como referência.
7
Série de manchetes ou chamadas que costuma preceder noticiários no rádio e na televisão.
Introdução 5
(d) O mesmo acontece com efeitos sonoros e música de fundo, ainda que
esses recursos não sejam notados de maneira consciente. Como sua per-
cepção é mais imediata do que a das palavras, e se associa diretamente a
seqüências memorizadas na mente do público, cria-se um ambiente para
a mensagem textual e pode-se, por exemplo, distrair a atenção de cortes
abruptos de imagem, sugerir comicidade, dramaticidade ou ironia.
A linguagem jornalística compreende não apenas o enunciado lingüístico,
mas também as expressões que o envolvem, do projeto gráfico de uma publica-
ção às estratégias cenográficas e sons envolventes. A função dessas unidades
expressivas é evidenciar e valorizar o conteúdo. Pode-se dizer que o mesmo
ocorre com a própria forma do texto: ela não deve chamar a atenção para si
mesma e sim para o que está sendo lido ou dito – a informação.
Eis uma distinção clara entre jornalismo e literatura ou artes (plásticas, cêni-
cas, dramáticas), ainda quando estas, manipulando a forma ou compondo a
ficção com retalhos factuais e traços do mundo objetivo, buscam revelar frag-
mentos da realidade. O jornalismo é sobretudo um relato de aparências, sob
dois aspectos principais:
8
Do movimento chamado de “novo jornalismo”. A primeira edição do livro de Tom Wolfe com esse título –
The new journalism – é de 1973.
9
Como o de Marilyn Monroe por Capote em Dog barks.
6 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
Além dos efeitos do ritmo (que ajuda a estabelecer distinções expressivas sutis
entre “ruir”, “tombar” e “desmoronar”, por exemplo), outras figuras de estilo
aparecem, principalmente em títulos de jornais, suplementos e revistas; em
“chamadas” em radiojornalismo e telejornalismo; e nos flashleads10 que se tor-
nam comuns em moradas (homepages) de sítios (sites)11 informativos na Internet.
É o caso das assonâncias, confluência de sons vocálicos idênticos ou muito pare-
cidos. Um jornal francês, usando esse recurso para compor a primeira página com
a notícia do lançamento do Sputnik 1,12 de uma crise no gabinete de governo e de
uma epidemia que varria a Europa, colocou essas matérias lado a lado com as pa-
lavras-chave “crise, gripe, bip”.
10
Leads compactos, reduzidos em regra a uma única sentença.
11
Tenta-se aportuguesar alguns dos termos em inglês utilizados por usuários de informática, principalmente
aqueles que introduzem leituras estranhas à língua, como “ai” para “i” e “r” brando para “h”.
12
Primeiro satélite terrestre, lançado em 1957 pela União Soviética. Emitia um sinal “bip”, que podia, em
dada região, ser captado pelos receptores de rádio de ondas curtas no momento da passagem em órbita.
Introdução 7
Figuras do mesmo gênero são as onomatopéias (que também são fatos lin-
güísticos: as bombas explodem diferentemente em inglês e português, os galos
cantam de maneira diferente para brasileiros e franceses); a aproximação de
palavras com sons parecidos (“obediência ao Fundo afundou a Argentina”); o
trocadilho ou jogo de palavras (“mercados emergentes submergem em dívi-
das”); a repetição enfática (“uma festa com muita gente, muitas pessoas, muito
povo”) e, talvez a mais comum, a paráfrase, proposição que lembra, pelo ritmo
e pela sonoridade, outra já conhecida: “Os homens de bens” [艑 “homens de
bem” ⫽ homens honestos] (título de uma série de reportagens sobre a evolu-
ção do patrimônio de políticos, em O Globo, 2004); “Uma rainha na corte de
seu Artur” [艑 Um Ianque na Corte do Rei Artur, romance de Mark Twain, escrito
em 1889] (em Manchete, quando a Rainha Elizabeth, da Inglaterra, visitou o
Brasil no governo do General Artur da Costa e Silva), “O extremo Ocidente”
[艑 “o extremo Oriente”, denominação referida à posição geográfica dos países
coloniais da Europa] (também em Manchete, no início da década de 1970, so-
bre a inauguração da linha aérea para o Japão; em um caso feliz de acumula-
ção de sentidos, acentuava as circunstâncias de o vôo partir do Rio de Janeiro
para o Ocidente e de a economia japonesa ser tida, na época, como forma
extremada do capitalismo ocidental).
13
Em semântica, referidos geralmente como dêiticos, de dêixis (do verbo grego ␦, indicar).
8 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
TERCEIROS REFERIDOS
Ele(a), Eles(as)
Seu, dele(a), seus, deles(as)
Aquele(a), aqueles(as), aquilo
Lá
EMISSOR RECEPTOR (ES)14
Eu Tu(você), vós(vocês)
Meu(s), minha(s) Teu(s), seu(s), tua(s), suas(s) vosso(s)
Este(a), estes(as), isto Esse(a), esses(as), isso
Aqui, cá Aí
14
Obviamente, as posições de emissor e receptor podem se alternar na conversação, estabelecendo o diálogo.
15
“Vossa mercê”, você. Em francês, o mesmo efeito é obtido com a segunda pessoa do plural: “Vous êtes belle,
madame”.
16
A frase é de Heráclito de Éfeso, filósofo pré-socrático. Actantes são objetos, seres ou pessoas que atuam
numa seqüência narrativa.
Introdução 9
recepção é ou pode ser plural; o emissor muitas vezes tem apenas presunções
sobre os receptores – na melhor hipótese, dados estatísticos e conhecimento
empírico. Pode haver, ou não, fronteiras definidas no espaço e no tempo
balizando o enunciado.
Surgem, então, duas possibilidades de uso, ou dois universos de significação,
os quais cabe aos receptores distinguir. A referência pode ser: ao próprio enun-
ciado, e é tecnicamente chamada, então, “de dicto”;17 ou ao tema do enunciado,
a ente do mundo, que será chamada “de re”.18 “De dicto” é uma expressão latina,
“sobre o que é dito”; “de re”, também do latim, “sobre o ser, a coisa”.
O conflito entre esses universos é notável no caso dos demonstrativos (este
[a][es][as], esse[a][s][as], aquele[a][es][as], o[a][os][as], isto, isso, aquilo),
dos locativos e marcadores temporais referidos à pessoa (aqui, aí, cá, lá etc.;
agora, hoje, ontem, então, ano passado etc.).
Na linguagem oral, os demonstrativos são comumente usados de re: repor-
tam-se a entidades referidas no discurso. No texto escrito, seu uso mais comum
é de dicto – isto é, referem-se a porções do próprio enunciado. Em textos clássi-
cos escritos em linguagem simples, como os Commentarii de bello galico (Comen-
tários sobre a guerra da Gália), de Júlio César, chama a atenção o uso amplo dos
demonstrativos da terceira pessoa: é preciso recorrer ao contexto para saber se
o pronome se refere a um general ou a outro, a um exército ou a outro.
Mesmo hoje, não há convenção rígida quanto ao uso de dicto dos demonstra-
tivos. O mais comum é referir como “esse [a]” o antecedente e “este [a]” o
conseqüente, reservando-se “o [a]” e, raramente, “aquele [a]” para um tercei-
ro nome ou proposição. Havendo dois antecedentes consecutivos, no entanto,
costuma-se usar “este” para o mais próximo e, em oposição, “aquele” para o
mais distante. Assim:
(a) “As eleições não reduziram a tensão entre governistas e opositores,
estes acusando aqueles de fraude”.
(b) “A junta eleitoral destacou o testemunho dos observadores
estrangeiros. Representando diversos países europeus e americanos,
esses diplomatas não encontraram qualquer irregularidade no processo
de apuração”.
(c) “Ao fim do dia, as principais ações negociadas alcançaram estas
cotações: Petrobrás, …; Vale do Rio Doce, …”
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
17
Ou “endofórica”.
18
Ou “exofórica”.
10 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
A prevalência do som
As formas literárias guardam memória da época anterior à existência da escri-
ta. Chefes tribais e matriarcas aprenderam a dar ordens, em situações em que
isso era necessário, ou por todo o tempo, inventando, de alguma forma, o im-
perativo. Documentos essenciais da cultura foram ritmados, metrificados e
enriquecidos com informações redundantes, melodia e dança para que não se
perdessem. Personagens tiveram epítetos adicionados ao nome para que suas
características não fossem esquecidas: “Aquiles, o de pés ligeiros”, por exemplo.
Lemas repetidos antecipam conclamações clássicas (como “Delenda Cartago”,
“destruamos Cartago”, tantas vezes repetido por Marcus Tullius Cícero, tribuno
romano) e, daí, as modernas palavras de ordem e slogans publicitários. Medi-
das sanitárias circunstanciais, como a proibição ou restrição do consumo de
determinados produtos em certas épocas (carne ou leite, comumente), torna-
ram-se preceitos religiosos cumpridos até hoje em muitas culturas.19
Quem pretendia despertar a atenção para um perigo iminente ou para o
relato de fatos singulares começava pelo aspecto mais relevante de acordo com
a perspectiva do(s) ouvinte(s). Após correr o acidentado percurso de Marato-
na a Atenas, em 490 a.C., o soldado Pheidippides disse apenas “Vencemos” e
morreu; se tivesse começado a contar desde o início como foi a batalha contra
os persas, seu esforço teria sido inútil. A urgência de informar e o empenho
em atrair a atenção para um evento singular20 estão, sem dúvida, na origem mais
remota do lead jornalístico.
No entanto, para prolongar a motivação dos interlocutores, eventos sucessi-
vos deviam ser alinhados de modo que cada qual despertasse a curiosidade para
o seguinte. Surgiu então a narrativa. Seja para explicar o mundo, seja para jus-
tificar relações de poder na comunidade, surgiu também a lenda – constituin-
do, enfim, uma instância mágica paralela à realidade.21 Fenômenos que não se
reduzem a relações claras de causa e efeito são inquietantes para a mente hu-
mana; por outro lado, entre duas possibilidades explicativas, a menos compli-
cada (e aquela cuja falsidade não se pode demonstrar) é geralmente a preferida.
Dentre os jogos de poder, o mais fascinante é o do sexo, com seu ritual de
provocação e galanteio. É preciso conquistar o(a) parceiro(a). Em regra, qual-
19
Seria essa, em última instância, a origem da interdição da carne na quaresma católica, da interdição do
consumo de leite pelos adultos, na medicina chinesa, e da preservação das vacas como animais sagrados, na
Índia. Nos dois últimos casos, é provável que se cuidasse de assegurar o suprimento de leite para as crianças,
mesmo em tempos de seca.
20
Em linguagem mais moderna, referida à Teoria da Relevância (SPERBER & WILSON, 1996), “a necessi-
dade de tornar manifesta sua intenção de informar”.
21
Do Olimpo aos Orixás.
Introdução 11
quer que seja o principal interessado, cabe ao varão ser ou fingir que é o con-
quistador; de seus desempenhos mais brilhantes se fez a poesia lírica.
Grupos humanos precisam tanto de auto-estima quanto de comida ou abri-
go. As artes plásticas e dramáticas em sentido amplo, englobando desde a for-
ma dos monumentos às paradas militares e às festas paroquiais, têm sido em-
pregadas para estimular essa forma de orgulho, conformando os indivíduos a
padrões da cultura e advertindo-os dos perigos – sendo o maior deles a falta de
fé, a desobediência a regras cujo único sentido, eventualmente, é sedimentar a
unidade do grupo.
22
Um “contrato social”, escreveria Jean Jacques Rousseau.
12 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
23
(HEIDEGGER, 1973:328)
24
“Neva” é uma sentença verdadeira se, de fato, quando e onde enunciada, refere-se a uma campina existen-
te e ela é verde (TARSKI, 1972, vol 1:162-171). “É verdadeira uma proposição dizendo que as coisas se pas-
sam de tal e qual maneira, desde que as coisas se apresentem justamente dessa maneira.”
25
A primeira dessas expressões é de Walter Lippman, Public Opinion, 1.ª edição de 1921. Idéias similares rea-
parecem no verbete “Propaganda”, da Encyclopaedia of Social Sciences, de 1933 (Nova York, Macmillan); em
Propaganda, de Edward Berbays, de 1928 (Nova York, Liverright), e são retomadas por Crozier, Huntington
e Watanuki em The Crisis of Democracy?: Report on the Governability to the Trilateral Commission (New York Univer-
sity Press, 1975). Essas idéias inspiram claramente Harwood L. Childs em Relações públicas, propaganda e opi-
nião pública, livro traduzido no Brasil em abril de 1964, pela Fundação Getulio Vargas com cooperação da
missão americana da USAID – Aliança para o Progresso. Social Engineering é o título de um texto de Zbigniew
Brzrzinski, de 1971. Os traços mais à direita do pensamento de Heidegger chegam à erudição política do
império contemporâneo pela via de Leo Strauss, filósofo e professor influente que lecionou na Universi-
dade de Chicago.
Introdução 13
ma, decorre dos discursos retóricos. No entanto, a relação não é tão simples.
Na verdade, o universo político e social é retórico, e o jornalismo está imerso
nele. A forma de convivência é, então, o discurso indireto, no qual opiniões,
interpretações ou versões são citadas, não assumidas. Escreve Mikhail Bakhtin
(ibidem):
“O discurso citado é o discurso no discurso, a enunciação na
enunciação, mas é, ao mesmo tempo, um discurso sobre o discurso, uma
enunciação sobre a enunciação. (…) É visto pelo falante como a
enunciação de uma outra pessoa, completamente independente na
origem, dotada de construção completa e situada fora do contexto
narrativo.”
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
1. Em discurso direto:
a. “Vamos recorrer no Judiciário até a última instância”, disse o advogado.
b. “Vamos recorrer no Judiciário até a última instância”, advertiu o advogado.
c. “Vamos recorrer no Judiciário até a última instância”, ameaçou o advogado.
2. Em discurso indireto:
a. A prefeita disse que, “por dever de amizade”, votará no candidato do outro partido.
16 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
b. A prefeita anunciou seu voto no candidato do outro partido, “por dever de ami-
zade”, ainda que isso descontente seus correligionários em Brasília.
c. Discordando da orientação do Diretório Nacional, a prefeita tornou pública sua
“decisão pessoal” de , “por dever de amizade”, votar no candidato do outro partido.
26
Referente a Dom Quixote, personagem de Miguel de Cervantes, cavaleiro orgulhoso e ensandecido que
luta pela justiça combatendo moinhos de vento e defendendo donzelas imaginárias.
Os estilos e seu tempo
/0
g Todos vêem aquilo que tu pareces, poucos sentem o que és, e estes
poucos não se atrevem a opor-se à opinião dos muitos (…).
Porque o vulgo deixa-se sempre levar pela aparência e o sucesso
das coisas; e no mundo não há senão vulgo e os poucos só têm
lugar quando os muitos não têm em que apoiar-se.
(MAQUIAVEL, N. O Príncipe, cap. XVIII)27
27
http://www.arqnet.pt/portal/teoria/principe_cap18.html, acessado em 05/05/2005.
20 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
Os aedos homéricos
Na Grécia pré-socrática, a função de mobilização ideológica era exercida por
aedos homéricos, cantores que discursavam em versos e música, envolvendo a
platéia tanto pela melodia e pelo ritmo, quanto pelos movimentos do artista e
o sentido das falas. Sua descrição típica é de uma figura espetacular: cego, co-
berto por grande manto e portando bengala ou bastão. Propunham-se a asse-
gurar a verdade da mensagem, com saber hereditário, talento de cantor e res-
peito pela organização ou estratégia de discurso:
“De algum modo que hoje não compreendemos claramente, a
experiência da narração permitia liberar emoções dolorosas;
precisamente por isso, o bom narrador era aquele que regulava o grau
de participação da platéia tanto no relato quanto na ação. Além disso,
o poema permitia a cada pessoa redefinir e restabelecer sua inter-
relação com a família, o clã, os antepassados, os deuses e, em última
instância, com todos os seres humanos. Pelas próprias condições de
composição e representação, estimulava a confusão de limites que
facilitava a identificação do auditório com os personagens: da mesma
forma podia tanto elevar a estatura e aumentar o amor próprio dos
ouvintes quanto impor certos limites à grandiosidade do eu.”
(ESPEJO MURIEL, Web)
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
28
Isso aconteceu em 1532, mesmo ano em que foi publicado postumamente O Príncipe, de Nicolau Maquiavel.
Os estilos e seu tempo 21
As crônicas do poder
Todo poder cuida de se evidenciar e prolongar-se no tempo. Castelos, catedrais,
sedes monumentais de bancos e conglomerados atestam essa ambição. A reli-
giosidade dos poderosos, sua crença na vida eterna, está repleta desse sentimen-
to de permanência: das inscrições em pedra às pirâmides, das placas de inau-
guração a monumentos de significação abstrata, como a Torre Eiffel, a inten-
ção é sobreviver, de alguma forma, no futuro.
Esse é o espírito de documentos como os mármores de Paros, que se refe-
rem a fatos ocorridos em Atenas antes do ano 354 a.C. e estão hoje na Univer-
sidade de Oxford, na Inglaterra; a Pedra de Palermo, crônica de reis do Egito;
ou as inscrições no monólito erguido em honra de Esculápio, em Epidauro,
no qual se contam suas vinte curas milagrosas – entre elas fazer crescer cabelos
esfregando certa pomada na cabeça de um sujeito calvo.
A motivação não era muito diferente daquela que inspirava os cronistas da
Idade Média. O objetivo das crônicas medievais (a palavra é derivada de
Khronos, deus do tempo que engoliu seus filhos um por um até que o último
deles, Zeus, os libertou de suas entranhas) era exaltar a vida e os feitos dos reis
e nobres para que fossem lembrados no futuro. Escreve Gomes Eanes de Zurara,
um dos mais citados cronistas portugueses, em sua Crônica do Conde d. Pedro de
Meneses (apud QUEIROZ, 1997):
Não pode dar herdade29 de maior riqueza nem jóia de maior valor a
qualquer nobre (…) que a imagem sua pintada de virtudes, na qual,
como um espelho, se possa resguardar o lume de seus feitos ante a
presença de todos os outros (…) havendo conhecimento de tais
coisas, bem como os feitos e obras do passado sejam regra e
ordenança para os que hão de vir.
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
29
Propriedade rural, extensa e produtiva.
22 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
O eventual e o durável
Mas, no plano das intenções, há um ponto de contato: os melhores cronistas mo-
dernos conseguem construir textos duráveis sobre realidades transitórias. Em um
ensaio sobre cronistas brasileiros, Paulo Kozen cita como exemplo este trecho
de uma crônica de Machado de Assis, publicada em seis de setembro de 1892,
numa semana em que o noticiário registrou muitas mortes em um Rio de Janei-
ro assolado por epidemias:
Qualquer um de nós teria organizado este mundo melhor do que
saiu. A morte, por exemplo, bem podia ser tão-somente a
aposentadoria da vida, com prazo certo. Ninguém iria por moléstia
ou desastre, mas por natural invalidez: a velhice, tornando a pessoa
incapaz, não a poria a cargo dos seus ou dos outros. Como isto
andaria assim desde o princípio das coisas, ninguém sentiria dor nem
temor, nem os que fossem, nem os que ficassem. Podia ser uma
cerimônia doméstica ou pública: entraria nos costumes uma refeição
de despedida, frugal, não triste, em que os que iam morrer dissessem
as saudades que levavam, fizessem recomendações, dessem conselhos,
e se fossem alegres, contassem anedotas alegres. Muitas flores, não
perpétuas, nem dessas de cores carregadas, mas claras e vivas, como de
núpcias. E melhor seria não haver nada, além das despedidas verbais e
amigas. (MACHADO DE ASSIS, 1892)
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
30
E estes, diz Afrânio Coutinho, no estilo livre de Michel de Montaigne, cujos Essais foram publicados postu-
mamente, em 1595 (O autor morreu em 1592).
Os estilos e seu tempo 23
As atas diurnas
Em 69 a.C., Júlio César determinou que os “atos do povo e do senado romano”
fossem diariamente publicados no fórum. Essa informação oficial, periódica e
recente, destinada a que as pessoas “tomassem conhecimento das leis correta-
mente” (unde plano recte lege possit), foi sendo complementada com contribui-
ções individuais sobre os mais diversos assuntos: mulheres comentando seus
divórcios, o cão que se afogou no rio Tibre para não abandonar o corpo do
dono, o bem e o mal que diziam de Tibério Cláudio Nerón, sucessor do impe-
rador Augusto e marido de sua filha Júlia – “escandalosa e promíscua”, segun-
do dizia-se na corte. Desses eventos tem-se notícia, respectivamente, pelos re-
gistros de Plínio, de Sêneca e do próprio Tibério, que usava, como muitos ou-
tros, as atas diurnas para fins políticos.
Copiadas, as atas (em latim, actae diurnae) circulavam entre os eminentes do
Império. Lidas pelos romanos alfabetizados, davam origem a interpretações de toda
ordem. Comentava-se a vida dos poderosos e discutia-se a estratégia das guerras a
ponto de incomodar generais como Paulo Emílio, na campanha da Macedônia.
Marco Túlio Cícero, célebre orador romano, na época procônsul na Cilícia e ele
próprio autor de cartas que fazia colar nas paredes, envia a seu correspondente
Atticus, na capital, uma pauta de cobertura política:
Espero suas cartas com tudo o que se passa em Roma. Que diz Arrius?
Aborrece-o estar abandonado? Que cônsules nos destinam? Fala-se de
novas leis? Enfim, o que há de novo? Já que Nepos deixa o lugar de
áugure,31 quem o substituirá?(..) Informe-me de Curtius (…) e de
P. Clodius (…) espero novidades com impaciência. (apud RIZZINI,
1977:10)
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
31
Cargo sacerdotal romano.
24 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
De volta à oralidade
A atividade cultural jamais cessou de todo. No entanto, com o comércio redu-
zido ao mínimo, a Europa dividida em feudos e o poder da Igreja (Roma,
Bizâncio) tido como referência, as notícias deviam ser raras e certamente con-
troladas na fonte, de onde chegavam aos púlpitos. O conhecimento refugiou-
se nos conventos, e esse quadro só começou a mudar no início do segundo
milênio da Era Cristã, quando a Igreja, premida pela inviabilidade de gerir
pequenas e grandes paixões em territórios tão extensos, passou a delegar auto-
ridade a personagens leigos locais.
A copiagem manuscrita tornou-se, então, um ofício que empregava muita gen-
te, embora a alfabetização se limitasse, em regra, aos padres, aos funcionários mais
graduados, comerciantes e contadores. O método consistia em lotar uma grande
32
De Constantino ⫹ polis (cidade, em grego).
33
Marshal MacLuhan atribui a queda do Império Romano à interrupção desse comércio, que inviabilizou o
tráfego de informações entre a capital e as províncias do gigantesco território.
34
Tal prática gera os chamados palimpsestos. Muitas vezes, o tratamento químico permite recuperar, ao me-
nos em parte, o que foi raspado.
Os estilos e seu tempo 25
sala com copistas, que escreviam rapidamente o que um orador lia; isso explica
variantes e erros encontrados nos textos. A partir da estética engendrada no im-
pério de Carlos Magno,35 cuidava-se de ocupar toda a página e de dar ao produto
acabamento adequado ao gosto da época, com capitulares (letras maiores na
abertura dos capítulos) e iluminuras (ilustrações e ornamentos).
Papel, a partir do século X, já não era problema. A técnica de obtê-lo a par-
tir de trapos, redes de pescar usadas e outros materiais foi desenvolvida pelos
chineses dois séculos antes do nascimento de Cristo. No século VII, alguns
chineses aprisionados durante a guerra entre a China e a Pérsia foram parar
em Samarcanda, que os árabes haviam conquistado em 698, e lá ensinaram o
processo. Daí as fábricas ou moinhos de papel se espalharam pelo norte da
África e pela Península Ibérica (então dividida em califados) e o know-how da
fabricação chegou provavelmente a Veneza, que prosperava comerciando com
o Oriente.
Nos últimos séculos da Idade Média e início do Renascimento, a escrita36
conviveu com a mídia presencial, isto é, o contato direto com o público, de
arautos (do poder leigo), sacerdotes (falando no púlpito das igrejas ou pregando
nas praças), jograis e trovadores. Estas duas últimas categorias de oradores
preocuparam sempre os detentores do poder, que tentaram regulamentar sua
atuação, impedindo que fossem portadores de mensagens contrárias ao inte-
resse do Estado e da Igreja.
Daí surgem as classificações, em Castela, por lei de Afonso X: juglares (exe-
cutantes), bufones (que se apresentavam com animais ou marionetes), cazurros
(que declamavam sem nexo), remedadores (contorcionistas e imitadores), segriers
(que se exibiam nas cortes, correspondendo ao que, mais tarde, se chamaria
de menestrel) e trobadores (autores de versos); dentre estes, os considerados
melhores teriam o título de don doctor de trobar. Em Portugal, as ordenações
afonsinas reconheciam jograis, truões (caracterizados pelos trejeitos), goliardos
(que se apresentavam em tavernas e eram, em geral, estudantes ou egressos de
conventos) e bufões, que vendiam quinquilharias.
Mas há também registro de autoridades que pagavam os trovadores e os
jograis para difundir seus feitos ou espalhar boatos convenientes. Como dizem
os franceses, quanto mais as coisas mudam, mais são as mesmas.
35
Entre outras criações, deve-se aos escribas carolíngios a diferenciação entre o “a”, o “e” e o “o” minúsculos,
preservada quando, na segunda metade do século XV, Nicolas Jansen criou o alfabeto latino minúsculo,
compondo-o com as maiúsculas romanas da Coluna de Trajano; Gutenberg usara em suas bíblias letras gó-
ticas. Os árabes introduziram na Europa, em 773, os algarismos que conhecemos hoje.
36
Veiculando informação de uso imediato tem-se notícia dos avisi, na Itália, e zeitugen, na Alemanha, manus-
critos que surgiram a partir do século XIII, geralmente defendendo interesses de comerciantes ou banqueiros.
26 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
37
Manuscrito em folhas superpostas, como o livro moderno.
Os estilos e seu tempo 27
38
O nome “cordel” refere-se à maneira como são expostos nas feiras, pendurados em cordas.
28 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
Ai, se sêsse…
Se um dia nós se gostasse;
Se um dia nós se queresse;
Se nós dois se impariásse;
Se juntinho nós dois vivesse!
Se juntinho nós dois morasse;
Se juntinho nós dois durmisse;
Se juntinho nós dois morresse!
Se pro céu nós assubisse?
Mas, porém, se acontecesse
que São Pedro não abrisse
as portas do céu e fosse
Te dizer qualquer tolice?
E se eu me arriminasse
E tu com eu insistisse,
Prá que eu me arrezorvesse
E a minha faca puxasse,
E o buxo do céu furasse?
Talvez que nós dois ficasse
talvez que nós dois caísse
e o céu furado arriasse
e as virgens todas fugisse!!!
Ai se sêsse…
A era do publicismo
Pode-se atribuir a origem do jornalismo impresso, século e meio depois da in-
venção dos tipos móveis, a vários fatores: a estruturação de serviços de correios;
a difusão, ainda que em pequena escala, da alfabetização, graças à indústria do
livro e à ênfase dada por cristãos protestantes, discípulos de Martim Lutero, à
leitura da bíblia; melhores serviços de transporte, com o aprimoramento da cri-
ação de cavalos, a implantação de linhas de diligências e a construção de estra-
das entre portos e regiões de consumo. No entanto, não houve fator mais consis-
tente do que a ambição burguesa de confrontar a aristocracia.
Os textos principais, opinativos, seguiam o modelo retórico; reportavam-se
à realidade para sugerir ou afirmar que os problemas se deviam aos impostos,
barreiras alfandegárias e privilégios dos quais se beneficiava a “classe ociosa”,
isto é, a aristocracia. As tiragens eram normalmente inferiores a mil exempla-
res; o editorial complementava-se com notas breves e registro de fatos de inte-
resse comercial (chegadas e partidas de navios, atividade de piratas) ou indire-
to (guerras, secas e outros eventos capazes de repercutir no mercado). Mas já
apareciam as primeiras notícias sobre fatos inusitados, que ainda hoje seriam
reconhecidas como fait divers.39
39
Roland Barthes define o fait divers de duas maneiras: (a) pelo fato de não se enquadrar como relevante em
qualquer área de conhecimento – economia, política, espetáculos etc. e (b) por conter em si, na estrutura
retórica do texto, uma relação antitética. Entre outros exemplos, cita a notícia da prisão de um bispo em um
cabaré: pouco importa onde isso aconteceu ou as circunstâncias que teriam levado o clérigo a visitar a casa
noturna. O interesse jornalístico reside, essencialmente, na relação paradoxal criada pela proximidade en-
tre o supostamente sublime e o supostamente profano (BARTHES, 1964).
Os estilos e seu tempo 31
40
Lá se imprimiu, em 1622, o primeiro número do jornal inglês A Current of General News.
41
Thomas Hobbes rejeitava a filosofia aristotélica e escolástica. Descrente na natureza humana, é notável por
suas contribuições à filosofia política. Para ele, o poder do soberano era necessário para conter as incontro-
láveis paixões humanas.
42
Jacques-Benigne Bossuet, bispo e teólogo francês, foi um dos primeiros a defender o absolutismo. Argu-
mentava que os reis recebiam de Deus seus poderes.
43
Era o “século das luzes”, da renovação das teorias políticas, jurídicas e filosóficas. A Inglaterra e a Holanda
exportavam a ideologia do liberalismo. Voltaire, Montesquieu e Rousseau revolucionaram a teoria política.
Clamava-se pelos direitos humanos, pelo fim do absolutismo e pela separação dos poderes. Pretendia-se que
os acusados de crimes fossem considerados inocentes até prova em contrário. Os Estados Unidos e países da
América Latina iniciam o processo de sua independência. A Revolução Francesa é um clímax nesse processo.
44
A censura inglesa foi suprimida em 1695, mas, anos depois, criou-se o imposto do selo, que só seria revoga-
do em 1855. Os jornais obtiveram o direito de publicar debates parlamentares em 1771 e, em 1792, livra-
ram-se da arrogância e conservadorismo dos juízes, quando o julgamento do crime de difamação passou ao
âmbito do júri.
32 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
45
Swift, escritor irlandês, viveu de 1667 a 1745. Publicou As Viagens de Gulliver em 1726; parece um livro ingê-
nuo, mas é uma visão ácida de vários aspectos do mundo de seu tempo. Antes de morrer, aos 78 anos, desti-
nou fundos de sua herança para erguer, perto de Dublin, um hospital “para idiotas e lunáticos”, porque
“nenhuma outra nação precisava mais disso”.
46
Voltaire é o pseudônimo de François-Marie Arouet. Crítico do absolutismo e do fanatismo religioso publi-
cou a novela satírica Cândido em 1759.
47
Inventado por Louis Jacques Mande Daguerre.
48
Stefan Zweig saúda 1937 como o ano em que, “pela primeira vez, o telégrafo transmite simultaneamente
através do mundo a notícia dos menores acontecimentos” (TERROU, 1964:30).
Os estilos e seu tempo 33
49
De Alexandre Dumas, pai: Os Três Mosqueteiros (1844); O Conde de Monte Cristo (1846).
34 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
zão mais provável para que, nos principais países da Europa, a censura estatal
tenha desaparecido na segunda metade do século XIX.
Numa época em que o melodrama era a forma mais difundida de expres-
são, desde os romances com muitas páginas até o teatro e a ópera, o sensacio-
nalismo – que é uma espécie de melodramatização da realidade – conquistava
leitores. A intensidade do surto sensacionalista variou de país para país; sem
que possamos honestamente dizer que, hoje, ele tenha acabado.
Os estilos nacionais geraram padrões diferentes de textos, tanto quanto de
formas gráficas diversificadas: os jornais franceses dispunham as matérias em
camadas, reservando os rodapés para as novelas em capítulos, com tipologia
variada, fios de várias espessuras e alguns sinuosos; os alemães, por sua vez,
adotaram colunas largas e textos densos. O jornalismo inglês dividiu-se entre
veículos da elite, pragmáticos com suas colunas estreitas, e pasquins popula-
res, vistosos e dados ao escândalo.
50
Trata-se, em síntese, de defender a figura de Papai Noel com argumentos tão sentimentais quanto
estilisticamente brilhantes. Papai Noel, tal como descrito nos últimos anos do século XIX, promove, desde
então, as vendas de fim de ano.
51
Circulavam em Nova York, então, o Journal, de Hearst; o New York World, de Joseph Pullitzer (pioneiro, mas
não tão radical no sensacionalismo); o New York Herald, de James Gordon Bennett Jr; o New York Tribune, de
Whitelaw Reid; o Sun, de Charles Anderson Dana; e o New York Times, de Adolph Ochs. Dana, nascido em
1819, morreu em 17 de outubro de 1897. Dentre todos os editores, Hearst e Ochs eram os novatos.
52
Evangelina Cisneros.
Os estilos e seu tempo 35
No pólo oposto estava The New York Times que, em 10 de fevereiro do mesmo
ano, havia transposto da página editorial para o cabeçalho da primeira página
o lema All the news that’s fit to print – todas as notícias que merecem ser publica-
das. A competição era terrível: quando o Tribune de Pullitzer publicou a pri-
meira fotografia com semitons da imprensa diária, em 21 de janeiro (do sena-
dor eleito Thomas Platt), o Times gastou cinco mil dólares – na época uma for-
tuna – para equipar-se com uma impressora de alta qualidade a tempo de co-
brir com fotos o cortejo que celebrou o jubileu da Rainha Vitória, em junho.53
O Journal, que não queria ficar para trás, contratou como repórter para esse
evento Mark Twain, escritor famoso nos seus 62 anos.
Foi ainda em 1897 que o estilo de Hearst foi chamado pelo The New York Press
de “jornalismo amarelo”, nome pelo qual seria conhecido na história; e em que
o Sun, nas semanas que antecederam a morte de Charles Dana, lançou uma
campanha para que o Journal e o World fossem banidos das bibliotecas públicas
e das salas de leitura das universidades. Pretendeu, ainda, sem êxito, proibir a
publicação de caricaturas na imprensa sem autorização dos caricaturados.
Esses episódios são notáveis porque balizam as ocorrências dos anos seguin-
tes: a vitória do estilo New York Times, que separa fatos de opiniões; a busca de
metodologia de produção de texto tão formalmente isenta de tendenciosida-
de quanto possível; a supremacia da reportagem testemunho sobre o “jornalis-
mo de ação”;54 a criação dos cursos universitários de Jornalismo (o primeiro
graças a uma doação de Pullitzer) e o estabelecimento de regras claras para a
produção das mensagens noticiosas.
Há, no entanto, um detalhe que tem escapado aos historiadores no estudo
daqueles tempos. A “imprensa livre” assegurada pela 1ª emenda à Constitui-
ção americana não impede iniciativas como a de Dana: com boas razões, ou
sem razão alguma, os jornais da América estiveram, e estão ainda (hoje talvez
mais intensamente do que em outras épocas), sob pressão de organizações
mantidas pelo grande empresariado, grupos políticos conservadores e fanáti-
cos religiosos, com seus especialistas em opinião pública e “engenharia social”.
Estes dispõem de seus próprios veículos, influem na linha editorial dos demais
e, ao contrário do velho Dana, são capazes de ir mais longe do que Hearst – o
homem que inspirou Cidadão Kane (1941), filme de Orson Welles, considera-
do por muita gente a melhor película da história do cinema.
53
Vitória reinou de 1837 a 1901, a chamada “era vitoriana”. Foi o reinado mais longo da história da Inglater-
ra e, na Idade Contemporânea, o membro da família real que mais diretamente atuou na política britânica.
54
Na verdade, em teoria, o “jornalismo de ação” foi proposto pelo inglês William Sead, na década de 1880,
com o nome de “governança pelo jornalismo”.
O texto moderno
/0
A palavra texto significa, em sua origem, “aquilo que foi tecido” – supõe entre-
laçamento, contextura. Organiza-se segundo uma lógica interna, equivalente
aos pontos e laços das rendas e bordados. Como acontece com tudo nos de-
sempenhos humanos, essa lógica apóia-se numa estrutura mental em que se
encaixam, na primeira infância, palavras e regras de gramática do idioma ma-
terno, numa aventura de conhecimento que continua por toda a vida.
Nosso mundo, como o percebemos, está em três dimensões em fluxo. O
registro exato, instante por instante, com todos os detalhes, refeito por muitas
gerações e por extensos territórios, formaria um acervo impossível de preser-
var e acessar. Produzindo conceitos e rotulando-os com nomes, conseguimos
ter acesso, com grande economia, ao que houve de notável numa infinidade
de experiências visuais, sonoras, táteis, gustativas e olfativas, sejam elas nossas, de
contemporâneos ou de antepassados.
De vez em quando, lembramos de uma paisagem, de um paladar ou de um
perfume – mas a língua nos permite falar e raciocinar com base em muito mais
coisas que esquecemos ou que nunca testemunhamos.
Os idiomas parecem ter uma só dimensão – a seqüência de sons que se repre-
senta na série de letras de um alfabeto fonético. Mas isso não é exato: as senten-
38 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
ças articulam-se como uma rede, coesa e coerente, com proposições que se infe-
rem do enunciado, do contexto ou da articulação, entre uma coisa e outra, com
informações ou sensações passadas que os receptores da mensagem têm na
memória. Lê-se, por assim dizer, também nas entrelinhas. A percepção envolve a
avaliação do que é mostrado ou dito, a seleção do que interessa e sua colocação
em um ou vários contextos, como se vê no modelo de comunicação de Gerbner:
M2
S E • Seleção
• Contexto Percepção da
Forma Conteúdo
• Avaliação proposição
55
Entinema é um tipo de silogismo em que uma das premissas fica subentendida – neste caso, a premissa
maior. No silogismo, da premissa maior (exemplo: Todo homem é mortal) e da premissa menor (exemplo:
Sócrates é homem), extrai-se a conclusão (exemplo: Sócrates é mortal).
O texto moderno 39
está sendo promovido a uma proposição que o público tem por verdadeira. Mais
ou menos assim:
[Devemos ter direito à livre escolha].
X é monopólio porque todos o escolheram; logo,
Não há nada errado com o monopólio X,
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O texto expositivo
O primeiro conceito que se deve ter é o de tópico. Esse é o nome que se dá a
qualquer parte do discurso destacada das demais sem vantagem para o signifi-
cado, mas correspondendo às intenções do emissor, às suas estratégias
discursivas e ao contexto: é o que se chama de recurso pragmático.
Na fala, o destaque ocorre pela entonação, pelo volume da voz, pela coloca-
ção de partículas enfáticas (como “é o que”), pausas significativas, gestos ou
deslocamento do segmento de sua posição normal; no texto escrito, geralmen-
te, pela anteposição ou, em certos casos, pela posposição do segmento.
Existem palavras ou locuções-tópico. Por exemplo, as que estão em itálico
nas frases seguintes:
56
De um relatório de filial a matriz de empresa. Foram deliberadamente omitidos nome e detalhes
identificadores.
57
TAMBOSI (1999:145).
58
GLEISER (1999:135).
O texto moderno 43
• A vida foi ingrata com Luís. Aos 40 anos, sofreu um acidente e perdeu um
olho. Aos dez, seus pais morreram em um acidente. Aos 30, casou-se com
uma megera. Aos 25, quando se formou em odontologia, descobriu que
não tinha jeito para a coisa.
Ou então:
Os dermatologistas recomendam usar o filtro solar e preferir o sol das
primeiras horas da manhã ou do fim da tarde.
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Jamais:
*Os dermatologistas recomendam o uso do filtro solar e preferir o sol
das primeiras horas da manhã ou do fim da tarde.59
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
59
O símbolo * precedendo o enunciado indica sua inadequação gramatical, semântica ou pragmática.
46 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
60
Iniciais das palavras inglesas Compact Disk Read-Only Memory (disco compacto com memória apenas para
leitura). O CD-RW é o disco compacto para leitura e escrita (Write). DVD são as iniciais, em inglês, de disco
de vídeo digital (Digital Video Disc); na verdade, uma geração posterior de discos compactos, com capaci-
dade de armazenamento de dados muito maior.
O texto moderno 47
61
Tecnicamente, “de dicto” (em latim, “sobre o [que foi] dito”).
62
Evidentemente, o que está entre chaves tem valor demonstrativo e não consta do texto original.
48 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
Por exemplo:
“(…) Isso impõe a necessidade de políticas públicas e democráticas
para a implantação de novas mídias e para o acesso a elas, além da
fiscalização das existentes; Vicente Romano lembra que a
democratização da comunicação [⫽ uma política pública] é essencial
para que a informação se realize, isto é, cumpra o papel de orientar as
pessoas no labirinto dos processos e fenômenos sociais. Do meu
ponto de vista, é imprescindível que as palavras e os discursos digam
respeito à universalidade e ao compromisso recíproco [outra política
pública], com noção de responsabilidade e com o cumprimento dos
preceitos deontológicos estabelecidos em diferentes profissões,
incluindo a jornalística”. (KARAM, 2004:245)
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
63
Palavras, locuções.
O texto moderno 49
O texto narrativo
O texto narrativo origina-se do épico grego (por exemplo, o relato do périplo
de Ulisses pelas ilhas do Mediterrâneo). É organizado em seqüências, que cor-
respondem a sucessões de fatos:
• Ele pegou a xícara, provou o café frio e cuspiu.
• O carro bateu no poste, rodopiou e atropelou o cachorro.
• A mulher gritou, o marido se ofendeu e os dois se engalfinharam.
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
…”), mas o mais comum é que seja alguém indeterminado, onipresente, isto é,
que acompanhe todos os fatos, e onisciente – isto é, que saiba de tudo que se
passa no cenário da ação.64 Nesse caso, os verbos estarão na terceira pessoa.
Ao narrar eventos no momento em que acontecem (ao vivo, no rádio ou na
TV), se usará então o presente do indicativo (“a rainha desce do avião e se di-
rige para a guarda de honra…”). O presente é um tempo versátil: pode-se, em
certas circunstâncias, narrar no presente fatos do passado (o que se chama de
presente histórico) e é comum usar o presente pelo futuro.
O tempo presente, no seu sentido canônico, reporta-se a uma ação freqüen-
tativa ou simultânea (no instante da narração) – portanto, não acabada (ou seja,
com aspecto imperfeito). Se digo “vou ao cinema”, posso indicar que estou a
caminho do cinema ou simplesmente informar que costumo ir ao cinema; não
usaria essa forma se tivesse chegado ao cinema.65
O uso do presente pelo futuro não oferece problema, desde que o tempo da
ação seja indicado. Assim, o sentido das duas sentenças seguintes é praticamente
o mesmo:
• Nos próximos anos, a Transamazônica será prolongada até o Pacífico.
• Nos próximos anos, a Transamazônica se prolonga até o Pacífico.
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
64
A onipresença e onisciência, embora esta formulação seja clássica, são um truísmo no texto jornalístico. O
jornalista conta o que sabe e provavelmente não sabe o que não conta. Ele está presente, direta ou indireta-
mente, nos cenários e instantes do relato, que podem não ser, de fato, o todo de um evento.
65
Neste caso, com a ação “ir ao cinema” acabada, sou forçado a usar o passado perfeito: “vim ao cinema”.
66
CARVALHO (1999:507).
52 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
67
GARCÍA MÁRQUEZ (1996:192-193).
O texto moderno 53
Seqüências podem ser adicionadas umas às outras. Nesses cortes, pode ha-
ver contigüidade no tempo ou não: avança-se no flash foward e recua-se nos flash
back. Pode-se mudar o ambiente ou manter o mesmo. É possível introduzir novos
personagens e novos enfoques.
Grupos de seqüências formam episódios narrativos. No texto clássico, antes
do final do século XVIII (quando o romance sentimental preparou o terreno
para o texto narrativo romântico), esses episódios eram isolados. Em um texto
como a Odisséia, nos relatos da vida de Cristo ou em centenas de outros docu-
mentos, há lapsos de tempo inexplicados entre um grupo de eventos (um epi-
sódio) e outro. No romance romântico e pós-romântico, há forte tendência de
desaparecerem esses lapsos, como se o tempo da narrativa fosse homólogo ou
proporcional ao tempo da realidade.
O romance romântico – e o chamado romance realista, romance psicológi-
co etc., que são estruturalmente semelhantes – é geralmente uma narrativa
extensa que varia do sentimental ao heróico. No realismo, o nível dos actantes
se amplia com descrições, referências sociológicas ou científicas; no romance
psicológico, a ação explica-se pelas motivações subjetivas dos personagens. Na
ficção moderna, é comum inserir referências a fatos e pessoas reais; na ficção
científica, a compreensão é possível porque o que é imaginado altera alguns
parâmetros da realidade, preservando outros.
Evidentemente há obras que fogem a esse modelo. No entanto, a grande
maioria dos romances que alcançaram o sucesso popular, no século XIX e,
54 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
68
MEIRELLES (1995:562).
O texto moderno 55
69
MEMÓRIA GLOBO (2004:215-221).
56 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
uma mulher casada pelo nome; era necessário precedê-lo por d (“dona”). Da
mesma forma, o pronome para o papa não era ele, mas Sua Santidade, e temia-se
que fosse impossível suprimir inteiramente o Exa do nome de alguns figurões.
Esses preceitos tiveram de ser modificados ao longo do tempo à medida que
as experiências ou (falsos) esquecimentos esbarravam ou não em reações ne-
gativas – das madamas, da hierarquia da Igreja, daqueles a quem se negava a
excelência. Alguns resistem, em alguns lugares, como os smokings ou as grava-
tas ensebadas que se penduram no pescoço dos presos levados à presença de
juízes em audiências.
Já os manuais de redação atuais costumam ser detalhistas e abrangentes. Mis-
turam discursos sobre o que o dono do jornal pensa do mundo (na Rede Brasil
Sul – RBS, instruções internas informam aos jornalistas que o jornal apóia deci-
didamente a privatização e a globalização) – e nisso se parecem com o manual
da Tribuna da Imprensa, de Carlos Lacerda que, na década de 1950, imitando o
Diário Carioca, lançou também seu style book com critérios editoriais genéricos,
manifestações de princípios e argumentos de marketing institucional.
Um reformista anônimo
Pompeu de Sousa, personagem esfuziante, sempre se apresentou, e é tido uni-
versalmente, como introdutor da técnica moderna no texto noticioso dos jor-
nais diários.
Há, no entanto, um antecedente curioso. Em entrevista concedida em 1983
aos jornalistas Tales Faria e Sérgio Rodrigues,70 Pompeu confessou que, apesar
de sua experiência nos Estados Unidos, só compreendeu o estilo jornalístico
moderno em 1949, quando lecionava, como assistente de Danton Jobim, na
Universidade do Brasil. Sobra, assim, para Danton, homem de perfil discreto,71
a provável autoria de uma série de colunas publicadas no Diário Carioca em
agosto de 1945, expondo, em linhas gerais, o modelo de texto jornalístico que
se espalhava por todo o mundo.
As colunas assinadas por Joaquim Manoel – certamente, um pseudônimo – saíram
no canto direito da página dois do Diário Carioca nos dias 4, 7, 8, 9, 10 e 11 de agosto de
1945. Com o título geral “Cartas a um foca”, traziam uma nota explicativa sempre re-
petida (“Num país em que todos se julgam jornalistas, eis uma pequena seção para
70
FARIA, LAGE, RODRIGUES (2004:132-144)
71
É dele esse trecho: “Por menos que acreditem, ninguém é mais discreto do que um jornalista (…) Exami-
nassem um só dia o conteúdo da cesta de papéis de um secretário de redação (…) e encontrariam matéria
suficiente para redigir um novo número de jornal impublicável, com verdades que não se dizem ou não se
devem dizer” (CARVALHO, 1999:349)
60 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
E a pergunta:
A notícia, onde está?
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
72
O primeiro número circulou em 10 de setembro de 1808, com 27 páginas, publicando nomeações de autori-
dades militares para toda a colônia. Era dirigido por Tibúrcio Jorge da Costa e circulava duas vezes por semana.
62 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
73
Citações extraídas de CHAGAS, 2002:83-85.
74
Fundado por Pierre Plancher, para competir com o Diário do Rio de Janeiro, em 1º de outubro de 1827, era
dirigido, então, por Emil Seignot.
75
Começou a circular em 21 de dezembro de 1827. Pouco depois, Evaristo da Veiga passou a ser o redator
principal e, por fim, o único. Os historiadores o situam na direita liberal.
76
Circulou a partir de 2 de outubro de 1830. Seu liberalismo era radical.
A globalização do estilo 63
77
O positivismo de Augusto Comte, do início do século XIX. Não o positivismo lógico que, na época, ganha-
va forma na Inglaterra.
78
Poeta, autor de “Navio negreiro”.
79
Engenheiro, botânico defensor da reforma agrária.
64 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
Luís Gama80 e José do Patrocínio, que beijou os pés da Princesa Isabel no dia
13 de maio de 1888 –, dando conta do quanto era estranha a escravidão neste
país mestiço. Do ponto de vista da mobilização popular, valiam mais os dese-
nhos de Ângelo Agostini,81 na Revista Ilustrada, do que os textos da imprensa.
Eram ainda poucas as pessoas do povo que sabiam ler.
As mazelas da República
Os padrões éticos do jornalismo pioraram gradativamente com a República,
que se iniciou com uma reportagem antológica de Raul Pompéia, relatando a
expulsão da família real, nos dias seguintes ao golpe republicano.
Desde os primeiros movimentos do novo regime, com a ilusão capitalista do
“encilhamento”, ficou claro que, em lugar do mecenato tolerante de um impe-
rador com pretensões intelectuais, o que teria peso era a exploração do traba-
lho mais barato possível e a realização de lucros, mesmo à custa de negócios
eticamente injustificáveis. Semi-analfabetos apuravam as notícias e corretores
de anúncios com muitos clientes sentavam-se nos lugares antes ocupados por
escritores brilhantes. Poucos jornalistas que não fizessem da profissão escada
para a vida política conseguiam, nesse contexto, manter a dignidade.
No romance em que registra esse declínio,82 Lima Barreto dá conta de um
aspecto estritamente técnico do processo:
“Chama-se ‘cabeça’,83 nos jornais, às considerações que precedem uma
notícia. Feita com a moral de Simão de Nântua e a leitura de
folhetins policiais, a ‘cabeça’ é a pedra de toque da inteligência dos
pequenos repórteres e dos redatores anônimos.
Para dar um exemplo, vou reproduzir aqui trechos de uma ‘cabeça’.
Tratava-se de uma briga entre amantes e o repórter, após intitular a
notícia – ‘o eterno ciúme’ – começou a filosofar, com muita lógica e
inédita filosofia:
‘O ciúme, esse sentimento daninho que embrutece a imaginação
humana e a arrasta à concepção de crimes, cada qual mais trágico e
horripilante, não cessa de produzir seus efeitos maléficos.’
(…)
São assim, com poucas variantes, as ‘cabeças’.” (BARRETO, 1961:206).
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
80
Poeta e jornalista.
81
Desenhista e caricaturista, nascido na Itália.
82
Recordações do Escrivão Isaías Caminha, primeira edição em 1909.
83
Lima Barreto refere-se ao “nariz-de-cera”, coisa típica dos semi-alfabetizados que proliferavam nas reda-
ções e queriam “escrever como Rui Barbosa”.
A globalização do estilo 65
E o texto se alonga por colunas e colunas, nos quais o leitor deverá pinçar
algo de interessante. A estrutura é narrativa, como se o repórter estivesse es-
crevendo um folhetim, sendo ele próprio o protagonista.
Os jornalistas mais prestigiados da época – João do Rio (Paulo Barreto),85
Coelho Neto e Humberto de Campos – assumiam postura elitista e redigiam
em linguagem empolada, cheia de adjetivos e palavras em desuso. Como neste
trecho de uma crônica sobre o carnaval carioca, por João do Rio, em que a festa
popular resume-se à expressão final “o baixo instinto da promiscuidade”:
“Era em plena rua do Ouvidor. Não se podia andar. A multidão
apertava-se, sufocada. Havia sujeitos congestos, forçando a passagem com
os cotovelos, mulheres afogueadas, crianças a gritar, tipos que berravam
pilhérias. A pletora da alegria punha desvarios em todas as faces. Era
provável que do largo de São Francisco à rua Direita dançassem vinte
cordões e quarenta grupos, rufassem duzentos tambores, zabumbassem
cem bombos, gritassem cinqüenta mil pessoas. A rua convulsionava-se
como se fosse fender, rebentar de luxúria e de barulho. A atmosfera pesava
como chumbo. No alto, arcos de gás besuntavam de uma luz de açafrão as
fachadas dos prédios. Nos estabelecimentos comerciais, nas redações dos
jornais, as lâmpadas elétricas despejavam sobre a multidão uma luz ácida e
galvânica, que enlividescia e parecia convulsionar os movimentos da
turba, sob o panejamento multicolor das bandeiras que adejavam sob o
esfarelar constante dos confetti, que, como um irisamento do ar, caíam,
voavam, rodopiavam. Essa iluminação violenta era ainda aquecida pelos
braços de luz auer, pelas vermelhidões de incêndio e as súbitas explosões
azuis e verdes dos fogos de Bengala; era como que arrepiada pela corrida
84
Levante da Armada sob o comando do cabo José Anselmo.
85
Pseudônimo (entre outros) de Paulo Barreto.
66 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
De submissos a arrogantes
A Revolução de 1930 quebrou a rotina da alternância de poder entre Minas
Gerais e São Paulo – o café com leite. Nos anos agitados que precederam o golpe
de 1937, cuja principal conseqüência foi a proclamação do Estado Novo, o
debate era basicamente político e ideológico. Implantada a ditadura, os donos
de jornais logo se aquietaram: receberam de bom grado verbas do Departamen-
to de Imprensa e Propaganda, os subsídios ao papel e a farta distribuição de
empregos a jornalistas em repartições públicas a que, às vezes, compareciam
para receber o pagamento.
A globalização do estilo 67
86
Relatório de 3 de setembro de 1945, enviado pelo embaixador Adolf Augustus Berle Junior ao secretário
de Estado americano, recomenda forte oposição a Vargas. Em outra nota, de 18 de setembro, analisa: “As
eleições significam que um candidato, conservador político e reacionário na economia, tanto Eduardo Gomes
quanto Eurico Dutra, assumirá o governo sob a forma de democracia” (Paulo Sérgio Pinheiro, Isto é, setem-
bro de 1978, apud CHAGAS, 2001:512).
87
Nota do autor: algo mais do que provável, nas circunstâncias.
68 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
Getúlio retorna em 1951, arrocha as finanças do país por dois anos88 e inicia
o processo de desenvolvimento com recursos estatais e, subsidiariamente, pri-
vados. Em 1954, após o episódio do atentado contra Carlos Lacerda na Rua
Toneleros (coberto, com exclusividade, e por acaso, por Armando Nogueira e
Deodato Maia, do Diário Carioca), chegamos ao momento em que o Diário re-
formava a imprensa diária brasileira.
Getúlio suicida-se em agosto e se divulga sua carta-testamento. E um detalhe
apenas avulta no registro desses fatos pela imprensa: a incrível comoção do
velório de dois dias no Rio de Janeiro. De todos os governadores, só um esteve
lá: Juscelino Kubitschek, o candidato que o Diário Carioca, tão radicalmente
antigetulista, ajudaria a eleger no ano seguinte.
88
Sendo ministro da fazenda Horácio Lafer.
A globalização do estilo 69
Jornal A Razão
30
25 10 153
25 150 141 136
130
20 19 119
17 101
99 94
15 13 100
73
10 10 57 65 67
10 8 52
7 6 77 50 42 30
42
27
5 2 112 1515 23
0 0
0 0
1935 1945 1954 1965 1975 1985 1995 1935 1945 1954 1965 1975 1985 1995
Jornal A Razão
80 11
70 10 9 9
60 55 8 8
8 7 7 7
50 6
40 35 34 33 6 5
30 26 4 4 4 4
20 24 20 4 3 3
19
20 14 15
9 10 11 2
10 7 55 5 65 1 1 1
0 0
1935 1945 1954 1965 1975 1985 1995 1935 1945 1954 1965 1975 1985 1995
89
Isso fica evidente quando se analisam práticas como a de colocar entre vírgulas ou parênteses, depois do
nome, o algarismo da idade da pessoa. Tal prática é consistente em inglês, em que a idade de uma pessoa é
entendida como atributo; em português, a indicação de idade é feita em genitivo (como propriedade ou
patrimônio da pessoa). Em lugar de “Oscar Niemeyer, 98”, a norma lingüística e o uso oral indicam “Oscar
Niemeyer, de 98 anos”.
O texto das notícias impressas
/0
90
Os exemplos deste capítulo são ou inventados ou extraídos do noticiário de diferentes lugares e épocas.
Quer-se mostrar as estruturas, pouco importando o conteúdo.
O texto das notícias impressas 75
responsabilidade. Mas esse é o tipo de crítica que, além de ser irrelevante, não
responde às expectativas do leitor e, portanto, no caso, não se deve levar em conta.
O lead clássico
O lead clássico ordena os elementos da proposição – quem/o que, fez o que,
quando, onde, como, por que/para que – a partir da notação mais importan-
te, excluído o verbo. Isto é,
Ou:
A enfermeira Maria das Dores Silva, de 34 anos, foi morta, ontem de
madrugada, com dois tiros de revólver, pelo marido, João Silva,
bancário de 32 anos, de quem estava separada há dois meses. O crime
ocorreu no antigo apartamento do casal, na Avenida Central do
Kobrasol, onde Maria continuava morando.
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Dez pessoas morreram quando um avião militar turco caiu logo após
decolar, no aeroporto de Pristina, no território do Kosovo, antiga
Iugoslávia, atualmente sob ocupação de forças da OTAN. As vítimas eram
oficiais que voltavam para suas casas depois de terem servido na região.
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Lead flash
Uma frase curta inicia o texto.
Lead narrativo
Ao contrário do lead clássico, que começa pela notação mais importante, aqui
se alinham fatos sucessivos que conduzem ao clímax. É como um pequeno
conto, de poucas linhas. Exemplo:
Lucas Malasuerte, de 47 anos, era, a despeito do nome, um sujeito
feliz: casado, com dois filhos, casa própria e um bom emprego como
ferramenteiro em São José dos Campos, São Paulo. Em janeiro
passado, perdeu o emprego; em março, a mulher o deixou, levando os
filhos; vendeu a casa em maio, para pagar dívidas. Ontem, Lucas
escreveu um bilhete de despedida, enfiou um revólver na boca e se
matou, em frente ao guichê do Sine, a agência de empregos do
Ministério do Trabalho.
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Desenvolvimento da notícia
No Brasil, após o lead, é costume redigir um segundo parágrafo, com informações
adicionais, formando um lead secundário, ou sublead. Por exemplo, no caso da no-
tícia do terremoto, entrariam os esforços para socorrer os sobreviventes; na notícia
sobre o arquiteto Praxedes, a informação de que ele tem pavor de viajar de avião.
Antes do terceiro parágrafo, nas notícias de mais de três parágrafos, costu-
ma-se colocar o primeiro entretítulo (ou intertítulo). Entretítulos são, depois,
enxertados à medida que se muda de assunto, ou em intervalos de três a cinco
parágrafos gráficos.
Para o desenvolvimento de uma notícia, consideram-se os papéis temáticos
do lead. Explicando com um exemplo, admitamos este caso:
João Silva, bancário de 32 anos, matou ontem de madrugada, com
dois tiros de revólver, sua mulher, Maria das Dores Silva, enfermeira,
de 34 anos, de quem estava separado há dois meses. O crime ocorreu
no antigo apartamento do casal, na Avenida Central do Kobrasol,
onde Maria continuava morando.
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
78 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
(a) Caso haja, no texto transcrito, sentenças opinativas com verbos proposi-
cionais (considero, acho, penso, imagino, suponho, acredito, prevejo etc.), o verbo
dicendi (disse, afirmou, declarou) pode ser substituído pelo verbo proposi-
cional, quando não há responsabilidades em jogo, e no contexto de uma
entrevista. Assim, em lugar de:
“Skidmore disse que acredita que o presidente da República decretará esta-
do de emergência.”
80 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
é preferível:
“Skidmore acredita que o presidente da República decretará estado de emer-
gência.”
(b) Repete-se a referência ao autor do texto citado (a Receita Federal, a comis-
são do Congresso etc.) a cada parágrafo. Evita-se repeti-la dentro do mes-
mo parágrafo: pode-se usar um pronome ou, simplesmente, o verbo
conjugado, já que isso é estilisticamente adequado em português: em
lugar de “ele disse”, simplesmente “disse”.
(c) Para fugir à repetição do nome no início dos parágrafos (não se deve
começar parágrafos sucessivos pela mesma expressão), alternam-se de-
nominações do autor ou fonte, por exemplo: Skidmore/o brasilianista;
Receita Federal/o fisco.
(d) Fórmula que deve ser usada com parcimônia é tornar a afirmação indi-
reta escrevendo, por exemplo, Para Skidmore ou Segundo a Receita Federal.
Tende a tornar-se vício, como o abuso de dois-pontos e de palavras cur-
tas com sentido impreciso nos títulos (“pode”, “deve”, “quer” etc.).
(e) Pode-se articular duas proposições, começando a primeira por gerúndio
ou particípio absoluto. Exemplo com gerúndio:
Observando que a perda de popularidade do presidente da República se
deve à sua incapacidade de manter por mais tempo o Plano de Salvação
Nacional, Skidmore admitiu que há no país um clima de fim de governo.
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
91
A Universidade da Pensilvânia relaciona 36 livros. (www.writing.upenn.edu/~afilreis/50s/lasswell-bib.html)
O texto das notícias impressas 83
pre existiu. Da mesma forma, seria insensato imaginar que Alan Turing des-
truísse os originais de sua pesquisa sobre a “máquina universal de processamento
de informações”, na década de 1930, por antever que os computadores pode-
riam causar desemprego.
Excluídas situações chamadas de éticas, em que o prejuízo é imediato e evi-
dente (como pode ser o caso de negociações no curso de seqüestros ou do en-
volvimento de menores em crimes), a tendência dos jornalistas é considerar
adequada a divulgação de informação de que se tem certeza, desde que haja ou
possa haver interesse público. A dificuldade de distinguir o que é de uso comum
e o que é privado, ou de confrontar o que se supõe que as pessoas precisam ouvir e
o que elas querem realmente ouvir não é problema só do jornalismo.
No entanto, há diferenças importantes entre o discurso jornalístico e o discur-
so científico: uma delas é que o primeiro é um discurso de aparências. Qualquer
que sejam as versões difundidas numa matéria de jornal ou revista, não impor-
tando a linha editorial, o mais importante são sempre os fatos. São estes o que os
repórteres apuram e que valorizam. Já na ciência, o que se investiga são essências:
leis, princípios e postulados que devem reger conjuntos de fatos; teorias que se
sustentam enquanto não se consegue comprovar sua falsidade.
Em síntese, o Jornalismo, como ciência, pretende que a verdade objetiva exis-
ta e que é possível discorrer sobre ela; no entanto, não investiga essências e assu-
me com freqüência versões impostas pela ideologia, procurando preservar a in-
teireza dos fatos. Não trabalha, ao menos deliberadamente, sobre a forma da lín-
gua para aprofundar ou desvelar algo que relata, nem se baseia na intuição, ex-
periência ou capacidade indutiva do autor para afirmações conclusivas.
Também não há como igualar Jornalismo e Educação, embora ele veicule
informação nova. No ensino, há obrigatoriedade de freqüência e avaliações pe-
riódicas. A informação jornalística, pelo contrário, destina-se a um público diver-
sificado, disperso, e pode ser ignorada ou omitida – basta não comprar o jor-
nal, colocá-lo de lado, desligar ou mudar a estação de rádio, o canal de televi-
são e/ou a página da Internet. Isso obriga o jornalismo a ser atraente, o que
significa ser facilmente compreensível e conformar-se a formas e ritmos, aspi-
rações e fantasias de um público.
Enunciados jornalísticos são tomados, atualmente, como padrão da língua
culta, tanto escrita quanto oral – embora, nesse caso, haja apenas simulação de
oralidade. Falas jornalísticas, no rádio ou na televisão, correspondem à leitura
de textos feitos para serem interpretados em voz alta ou, no caso da narrativa
simultânea de eventos (como jogos desportivos ou desfiles de carnaval), à re-
petição de poucas estruturas modulares, com recurso a suportes escritos e a
falas de comentaristas especializados.
84 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
As máximas de Grice
Os discursos não-artísticos (isto é, não construídos com preocupação dominan-
temente estética) sempre compuseram a maior parte dos enunciados sociais.
As máximas fixadas por Paul Grice92 que, segundo ele, são esperadas em qual-
quer conversação encontram equivalência no discurso jornalístico.
A informação é matéria-prima abundante (ainda mais agora que a rede de
computadores a torna tão acessível). Assim, a cada uma das máximas de Grice93
deve corresponder um procedimento: a informação deve ser suficiente para
os fins do veículo e não excedente; ser verdadeira ou, no mínimo, verossímil
(nesse caso, formulada como hipótese); ser relevante, não-ambígua, concisa,
estruturar-se segundo preceitos lógicos e com a clareza necessária para ser com-
preendida pelo(s) destinatário(s).
Máximas de Grice
1. Máximas da quantidade
(a) Faça sua contribuição tão informativa quanto necessário (para os pro-
pósitos reais da troca de informações).
(b) Não faça sua contribuição mais informativa do que o necessário.
2. Máximas da qualidade
Tente fazer sua contribuição verdadeira
(a) Não diga o que acredita ser falso.
(b) Não diga algo de que você não tem adequada evidência.
3. Máxima da relação
Seja relevante
4. Máximas da maneira
Seja claro
(a) Evite a obscuridade de expressão.
(b) Evite a ambigüidade.
(c) Seja breve (evite prolixidade desnecessária).
(d) Seja ordenado.
92
Herbert Paul Grice.
93
(GRICE, 1975:45-58).
O texto das notícias impressas 85
94
Andrew Gordon Speedie-Pask foi ciberneticista, produtor teatral e autor de textos para teatro.
86 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
T A quilamba, (planta) que não tem raiz, não foi Deus quem fez.
(Provérbio quimbundo)
95
Filósofo americano.
96
Corresponde aproximadamente ao signo (significante ⫹ significado) de Ferdinand de Saussure (Curso de
Lingüística Geral) e ao símbolo em Ogden e Richard (O Significado do Significado). Saussure, no livro, não con-
sidera a questão do referente ou objeto de que se fala.
88 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
97
Ivan Petrovitch Pavlov, neurofisiologista russo.
*(N.A.: determinantes de movimento)
Texto e lógica 89
A neurofisiologia da linguagem
Os centros de produção e entendimento do discurso estão normalmente situa-
dos no hemisfério esquerdo do cérebro (o que realiza operações lógicas), onde
é mais razoável que estejam. O controle da fala fica na região frontal, bem perto
dos músculos que comandam os movimentos da língua e da faringe: a área de
Broca, descoberta em 1861 na necropsia de uma pessoa que, depois de levar
uma pancada na cabeça, entendia o que lhe falavam, mas só conseguia dizer
uma sílaba: “tan”. Doentes menos graves com lesões nessa parte do cérebro
chegam a enunciar palavras-chave, mas não constroem sentenças.
Já o centro do entendimento ou área de Wernicke fica perto dos órgãos da
audição, no encontro do lobo parietal e temporal do cérebro: quando este está
98
Sir Isaac Newton, matemático e físico inglês.
90 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
99
O conceito de “dimensão fracionária” é de Benoit Mandelbrot (1982).
100
Não só nelas. Em muitos fenômenos perceptivos, a memória de longo prazo é acionada, em busca de re-
produções ou regularidades.
Texto e lógica 91
cão que lembre a palavra “cão”), há derivações dedutíveis (por exemplo, não é
preciso ir ao dicionário para saber que “redator” é um sujeito que redige, no para-
digma de “construtor”, “corretor” ou “digitador”). Relações constantes podem trans-
formar-se em paradigmas gramaticais, como é o caso das conjugações verbais, do
masculino-feminino aplicado a seres sexuados ou do singular-plural. Nesse caso,
há variações de acordo com a experiência de cada cultura, de modo que pode
existir ou não gênero neutro para entes não sexuados, gêneros distintos para seres
humanos, animados, inanimados (nas línguas do grupo bantu, em geral, são dez
grupos genéricos), formas de construção do plural diferentes para os valores que
cabem nos dedos de uma das mãos e os que os ultrapassam (como nas línguas
eslavas) etc. Existem ainda formas rituais “congeladas” que se usam em momen-
tos tensos ou para contatos rotineiros – desde o “bom dia” até o “desculpe-me”.
A teoria mais aceita hoje considera os seres humanos como sistemas de pro-
cessamento de informação programados para adquirir determinadas habilida-
des em períodos definidos da vida, embora a duração e a eficiência de apren-
dizado possam variar de indivíduo a indivíduo. Tão logo nasce, o bebê, liberado
da placenta, começa a consumir reservas alimentares de seu próprio corpo. Em
pouco tempo tentará alimentar-se pela boca por sucção, coisa que aprende
rapidamente. Depois, terá de exercitar-se para reconhecer formas e cores; medir
distâncias e profundidades (construir a noção intuitiva de perspectiva); ativar
os músculos para a etapa seguinte, que o levará a caminhar, inicialmente
engatinhando e, sob estímulo social, ereto.
A aquisição da linguagem se inicia geralmente antes do primeiro ano de vida
e permite o domínio básico da fala coloquial até os seis ou sete anos, quando a
criança é posta em contato com o registro escrito e a língua formal. A experiên-
cia escolar envolve a tomada de consciência de relações gramaticais, a incor-
poração de convenções, a expansão do vocabulário e o contato com linguagens
especializadas, conforme as matérias estudadas.
Passada cada uma dessas faixas etárias, a aquisição da habilidade lingüística
é mais difícil. Crianças pequenas, convivendo com vários idiomas, dominarão
provavelmente todos eles, sem sotaque ou confusão de regras. Um estudo rea-
lizado pelo Instituto de Psicologia da PUC-RS mostrou que a incorporação
processual de regras ortográficas e das relações entre sons e letras é mais difícil
entre adultos do que entre crianças em idade escolar101 (JAEGER, SCHOSSLER
& WAGNER, 1998), resultado a que têm chegado outros pesquisadores.
101
Foram aplicados testes em 16 crianças e 16 adultos, todos no segundo ano de alfabetização. Utilizou-se o
teste estatístico “t de Student”.
92 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
1. Negação (- ~ ¬)
Leituras: não, não é fato que, não é verdade que, não é o caso de. Seja p uma propo-
sição qualquer. Por exemplo, se “hoje é domingo” é verdadeiro (v), então “hoje
não é domingo” é falso (f); se “hoje não é domingo” é verdadeiro (v), então
“hoje é domingo” é falso (f).102
2. Conjunção (& ∧ ⋅)
Leitura: e
Na linguagem corrente, o conectivo “e” tem duas significações: “e também”
(e ⫹) e “e depois” (e ⬎). O primeiro desses sentidos é o usual no texto descri-
tivo. Quando digo que “ela tem um marido e um filho”, digo que ela tem um
marido e também um filho. O segundo desses sentidos é o usual no texto narra-
tivo. Quando digo “ela se casou e teve um filho”, pressuponho que o casamen-
to precedeu o “ter um filho”. O sentido “e também” é o mais elementar, isso por-
que o “e depois” pode ser compreendido como “e também” acrescido de “de-
pois”. O sentido “e também” é o que é considerado em Lógica.
A conjunção de duas proposições só é verdadeira se as duas proposições
forem verdadeiras.103
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
102
Tabela-verdade: p ¬p (se p é verdadeiro, ¬p é falso; se ¬p é verdadeiro, p é falso).
v f
f v
103
Tabela-verdade: p q p ∧ q (p ∧ q só são verdadeiros se p é verdadeiro e q também).
v v v
v f f
f v f
f f f
Texto e lógica 93
3. Disjunção ( )
Leituras: ou, e/ou
Na linguagem corrente, o conectivo “ou” tem duas leituras. A primeira delas é
débil ou inclusiva, significando “um ou outro, talvez ambos”, A segunda é forte
ou exclusiva, significando “um ou outro, ambos não”, “no máximo um”.
O sentido forte ou exclusivo aparece, por exemplo, no aviso “O preço inclui
passeio de escuna ou um jantar à luz de velas”; entende-se que o valor cobrado
não inclui o passeio e o jantar. O sentido débil ou inclusivo aparece, por exem-
plo, no aviso “Não nos responsabilizamos por malas ou pacotes esquecidos no
balcão”: entende-se que o autor não se responsabiliza por malas, por pacotes
ou por ambos (malas e pacotes), se esquecidos no balcão. O sentido débil é o
que é considerado em Lógica. É o mais elementar, uma vez que o sentido forte
pode ser compreendido como o sentido débil mais a negação da conjunção –
isto é, (a) um ou outro ⫹ (b) os dois juntos não.
Para que uma disjunção seja verdadeira, basta que uma das proposições,
ou as duas, sejam verdadeiras. Uma disjunção, portanto, só é falsa se as
duas proposições (a que vem antes de ou e a que vem depois) forem falsas.104
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
4. Implicação ( 씮 傻)
Leituras: se … então, se …, implica.
Na linguagem corrente, a implicação (se… então) pode ser:
lógica – “Se todo homem é mortal e Sócrates é homem, Sócrates é mortal”.
semântica – “Se o Paulo é solteiro, não é casado”.
causal – “Se pomos o papel de tornassol no ácido, ele fica vermelho”.
subjetiva – “Se eu perder essa rodada, vou-me embora”.
Em Lógica, procura-se o sentido que seja parte de todos esses, ou seja, o sen-
tido mais elementar. Ele é chamado de implicação material.
Na implicação lógica, a falsidade do enunciado só ocorre quando, sendo
verdadeiro o antecedente, é falso o conseqüente.105
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
104
Tabela-verdade: p q p ⁄ q (p ⁄ q é verdadeiro se p ou q forem verdadeiros).
v v v
v f v
f v v
f f f
105
Tabela-verdade: p q p 씮 q (p não implica q se, sendo p verdadeiro, q é falso).
v v v
v f f
f v v
f f v
94 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
5. Equivalência (6 ⬅)
Leitura: se e somente se, só quando, somente se, equivale a.
A equivalência decorre de ser o antecedente condição suficiente e
necessária para o conseqüente.
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Silogismo
Silogismo é a articulação de duas proposições (chamadas de premissas), tal que
conduz a uma conclusão. A primeira premissa é chamada de premissa maior; a
segunda, de premissa menor.
A regra geral é que, se um silogismo é válido, qualquer um que tenha a mesma
forma será válido; se um silogismo é inválido, qualquer um que tenha a mesma
forma será inválido.
De todas as regras que estabelecem a validade de um silogismo, duas nos
interessam particularmente:
Considerando que p e q são duas proposições e que p implica q, eis as duas
regras:
106
Tabela-verdade: p q p 6 q (p 6 q se ambos são falsos ou verdadeiros).
v v v
v f f
f v f
f f v
Texto e lógica 95
Quantificadores
1. Universal
O quantificador universal 5 significa “tudo”, “todo”, “para todo” “qualquer”,
“para qualquer”. Uma expressão como “para qualquer x, se x é macaco, então
x é esperto”109 pode ser lida das seguintes maneiras:
Fórmulas lógicas que contêm variáveis livres, isto é, não quantificadas, são
consideradas proposições abertas, sobre as quais não se pode formular valor
de verdade.
Se F significa “está em fluxo”, F(x) expressa uma relação (a função “está em
fluxo”), mas não pode ser dita verdadeira ou falsa; “x está em fluxo” não é ver-
dadeiro nem falso. Mas 5x ƒ F(x) já não é uma proposição aberta, porque pode
lhe ser atribuído valor de verdade; x não é mais uma variável individual, por-
que está quantificada por 5. A expressão, lida como “para qualquer x, x está
em fluxo”, significa o axioma de Heráclito, “tudo está em fluxo”.
107
O c inicial da palavra “capital”.
108
A inicial de “ama”.
109
5xƒ M(x) 씮 E(x), em que M ⫽ macaco e E ⫽ esperto. A parte da expressão que se segue à barra ( ƒ ) é
chamada de escopo do quantificador.
Texto e lógica 97
2. Existencial
O quantificador existencial, E, atesta a existência de alguma coisa. Correspon-
de aproximadamente a “algum”, “pelo menos um”, “um”, “o”, “os”: Por exemplo:
“Alguns são conservadores”.110
“Existe pelo menos um unicórnio”.111
“Uma garota é mais bonita do que Júlia”.112
O sentido das duas proposições acima é diverso. Na primeira, diz-se que cada
indivíduo x tem um indivíduo y qualquer que admira; na segunda, que existe
pelo menos um indivíduo y que é admirado por todos os x.
Lógica modal
Podemos imaginar que o mundo em que vivemos é diferente por algum aspec-
to da maneira como se apresenta na realidade, e falar com consistência (sem
contradições) sobre o que aconteceria se ele fosse de fato diferente. As manei-
ras com as quais podemos conceber o mundo, os casos ou situações que
poderiam ocorrer, formam os chamados mundos possíveis.
A Lógica Proposicional e a Lógica dos Predicados só podem falar de um
mundo possível de cada vez. No entanto, é comum, na fala corrente, a exposi-
ção de relações entre diferentes mundos possíveis:
110
Exƒ C(x).
111
Exƒ U(x).
112
Exƒ G(x) ∧ B(x, j).
113
5xƒ Eyƒ A(x, y).
114
5yƒ Exƒ A(x, y).
98 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
115
ιx ƒ Eyƒ By A(x), em que B é “acredita“ (believe) e A “é assassino”. O ι (iota, letra grega) é o determinante –
no caso, corresponde ao artigo “o”.
116
ιx ƒ Eyƒ ¬D(x) ∧ By D(x), em que D é “diamante” e B “acredita”.
Texto e lógica 99
Princípio da relevância
Em termos de longo prazo, o objetivo do sistema de processamento de informa-
ção humana é acumular o máximo de informação relacionada, de alguma for-
ma, à sobrevivência e ao bem-estar da espécie e do indivíduo; em termos imediatos,
o objetivo é gerir com a máxima eficiência os muitos processamentos simultâ-
neos. Disso resulta a classificação das informações novas em dois grupos:
Daí:
Informações que não permitem a inferência de informação nova
quando combinadas com dados da memória são geralmente
abandonadas. Reter informação nova que não se estrutura, ou
combina, com informação já existente exige grande esforço mental e
isso contraria o princípio da economia de memória.
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
117
Informações suplementares estão em http://www. dan.sperber.com. e http://www.phon.ucl.ac.uk/home/
deirdre/home%20old.html.
Texto e lógica 101
Quando suposições na forma (a) são feitas, parece que suposições das for-
mas (b) ou (c) são consideradas, como padrão:
(a) Se P então Q;
(b) Se (não P) então (não Q);
(c) Se Q, então (Q por causa de P);
102 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
Senão, vejamos:
Ora, a proposição (b’) é falsa porque o cachorro pode latir se, por exemplo,
aparecer um gato ou um gambá, cadela no cio etc. O exemplo nos permite
avaliar a relação de acessibilidade entre o mundo real e os mundos possíveis:
Inteligência artificial
Para a compreensão dos sistemas humanos de percepção e inferência, é inte-
ressante considerar os mecanismos de informática que constituem a base dos
procedimentos conhecidos de inteligência artificial:
(a) Seqüências lógicas, em que se sucedem os conectivos e (, &), ou () e se…,
então (씮). A programação seqüencial é a base dos computadores que co-
nhecemos; permite simular processos humanos de trabalho e, na sua
forma mais requintada, estruturar sistemas especialistas, que tomam por
modelo o procedimento de profissionais.
(b) Redes neurais, estruturas concebidas inicialmente à semelhança do siste-
ma nervoso humano, com condutores elétricos (neurônios) e sinapses.
Redes são capazes de aprender com a repetição, a associação entre pa-
Texto e lógica 103
O bit corresponde, nos algoritmos genéticos, ao gene; o local onde fica o bit
no cromossomo é o lócus; os pares de bits tomam da Biologia o nome de alelos.
A seleção artificial se faz entre indivíduos de uma população, através do crossover
entre cromossomos dos pais e de mutações, isto é, alterações de cadeia genéti-
ca por troca simples (como um erro de cópia); inversão, translocação, apaga-
mento e adição.
118
Charles Darwin, 1859.
119
Gregor Mendel. Cruzando variedades de ervilhas, descobriu as leis da hereditariedade, dividindo os ca-
racteres em “dominantes” e “recessivos”.
Modelos da realidade
/0
120
Também parecer (ser na aparência), permanecer (continuar a ser, ser duravelmente), ficar (no sentido
de tornar-se, passar a ser) etc.
106 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
Modelando a realidade
Quem contempla o entorno coloca-se no centro de uma esfera virtual que é
seu campo de percepção: a partir dos estímulos externos, fabrica uma represen-
tação que corresponde de alguma forma à realidade.
O input que a representação mental do mundo recebe corresponde a des-
continuidades no espaço e no tempo. Contrapostas à memória, essas desconti-
nuidades permitem o reconhecimento de padrões pelos quais se estabelecem
identidades e semelhanças.
Modelos da realidade 107
121
Cultura ameríndia andina.
108 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
Uma pessoa que anda no escuro, sem tatear, tem um modelo espacial do lugar
por onde anda. Uma pessoa que reza durante uma tempestade tem um mode-
lo causal que relaciona a reza a algum controle sobre a tempestade. Uma pes-
soa que aperta repetidamente as teclas control⫹alt⫹del no computador tem um
modelo mental de procedimento recursivo ou confirmatório.
No âmbito da Teoria da Cognição, modelos mentais são concebidos como enti-
dades computáveis e finitas, construídas a partir de elementos (ou tokens) e relações,
que se revisam e se adaptam a um número infinito de possíveis estados de coisas.
Modelos mentais constituem conjuntos finitos de campos semânticos e de
operadores, entre esses os conceitos de tempo, espaço, possibilidade, permissi-
bilidade, causa e intenção. Tempo e espaço, por exemplo, podem ser entendidos
como grandezas vetoriais; a noção de causa relaciona-se com a implicação lógica
(a causa b se a pertence a um conjunto de eventos A tal que a antecede b e, se
ocorrer a, então ocorre b); os demais (o possível, o permitido, o pretendido)
pertencem ao universo da Lógica Modal.
Ao atualizar um modelo, remete-se a primitivos conceituais que devem ser ina-
tos – por exemplo, a noção de fluxo. Seja o modelo mental de “avião” como algo
estrutural equivalente a “artefato ⫹ que voa”. Em “o avião que passa”, atualiza-se o
modelo no tempo-espaço (seria diferente a dimensão espaço-temporal se o enun-
ciado falasse de “barco de pesca”). Se o interlocutor fala do “avião em que viajei”,
o modelo é atualizado para “ele-dentro-do-avião”; naturalmente, será diferente se
o ouvinte sabe como é um avião por dentro ou não, se já viajou ou não de avião.
No entanto, se o enunciado é o “o avião que costumo pilotar”, o modelo “ele-den-
tro-do-avião” especializa-se para “ele-comanda-o-avião”, com o grau de discernimen-
to de que o ouvinte disponha sobre a tarefa da pilotagem. Observe-se que a pró-
pria representação das características do avião modifica-se por inferência
A teoria distingue entre modelos físicos (estáticos, espaciais, temporais,
cinemáticos, dinâmicos e imagens, que são visões ou projeções do objeto ou
evento representado) e modelos conceituais, construídos, em geral, a partir dos
discursos. Dentre esses: (a) o monádico, que representa afirmações sobre indi-
vidualidades; (b) o relacional, que agrega número finito de relações, possivel-
mente abstratas, entre entidades individuais; (c) o metalingüístico, que contém
tokens correspondentes a expressões que relacionam um item do código
lingüístico a outros (como chama-se, significa); e (d) o conjunto teórico, que con-
tém número finito de tokens representando qualidades abstratas dos conjuntos
e um número finito de relações entre os elementos desses conjuntos.
A hipótese dos modelos mentais sintetiza concepções freqüentes na segunda
metade do século XX em diferentes campos do conhecimento. Ela é compatí-
vel, por exemplo, com a proposta de Charles Fillmore (FILLMORE, 1975), para
110 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
quem o significado está ligado a cenas e perspectivas: sempre que o falante escolhe
uma palavra em um enunciado, automaticamente a insere numa cena na qual
adquire interpretação. A noção de perspectiva é tal que, quando se diz “quebrei
o vaso da dinastia Ming”, o que está sendo posto em primeiro plano é o que foi
quebrado, colocando-se em desprezível segundo plano o onde, o quando e o como.
Denominações
Ao distinguir entidades de relações, o pensamento humano denomina as pri-
meiras, isto é, estabelece correspondências entre os traços do modelo que re-
presenta as entidades e alguma cadeia de símbolos sonoros. As denominações
podem ser agrupadas em três categorias:
122
Igualdade da referência em contextos diferentes.
123
A distinção entre sentido (Sinn) e referência (Bedeutung) é de Gotlöb Frege.
124
Por exemplo, os subordinados a verbos como “crer”, “acreditar”, “esperar” etc. e, em muitas situações,
“dizer”. Esse gênero de contextos, com que se lida constantemente em jornalismo (declarações, manifesta-
ções), exige certo cuidado. Nem sempre “ela disse que ama seu marido” pode ser transcrito como “ela ama
seu marido”.
Modelos da realidade 111
125
Para determinações plurais, o operador lógico é .
126
5ƒ J(x) 씮 Q(x) ⫽ para qualquer s, se x é jornalista então x é questionador.
Modelos da realidade 113
127
Alexander Luria, neurofisiologista russo.
128
Pelo menos nos casos mencionados, as palavras vão para o caso genitivo em russo.
114 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
Lógica difusa
A lógica difusa é uma extensão da lógica concebida para dar conta do conceito
de “verdade parcial” – o conjunto verdade que se situa entre “inteiramente
verdadeiro” e “inteiramente falso”. O conceito foi proposto por Lotfi Zadeh,
na década de 1960, como instrumento para modelar a incerteza das línguas
naturais e como metodologia capaz de generalizar qualquer teoria, partindo
de uma forma discreta para uma forma contínua.
Na lógica booleana, se temos um conjunto C e um subconjunto S, podemos
grupar os elementos de C em duas categorias: os correspondentes ao conjunto 0
não pertencem a S; os correspondentes ao conjunto 1 pertencem. Na lógica
difusa, há valores intermediários entre 0 (inteiramente não-pertinente a S) e 1
(inteiramente pertinente a S); o conjunto C é o universo do discurso. A rela-
ção entre o conjunto {0,1} e o conjunto S é uma função de pertinência.
C
0
1 Nesta área,
valores
0 S intermediários
entre 1 e 0
A lógica difusa deve ser vista como teoria formal para a representação da in-
certeza, própria das línguas naturais. Ela, em si, não é incerta, vaga ou imprecisa.
A B
Estados Capitais
São Paulo São Paulo
Paraná Curitiba
Santa Catarina Florianópolis
Por hipótese, teríamos duas capitais com a mesma população. Uma das con-
seqüências dessa relação é que um mesmo referente pode ser designado por mais
de um sentido; as denominações expressam sentidos mas denotam ou referem-se aos
referentes. Assim (4⫹2) e (5⫹1) expressam sentidos diferentes mas denotam,
ambos, o mesmo referente, que pode ser simplesmente denominado “seis”.
As línguas, em regra, repudiam sinônimos perfeitos, isto é, palavras com sen-
tido idêntico. Há diferenças sutis entre “delírio”, “sonho” e “fantasia”; entre “jo-
vem”, “rapaz” e “moço”; entre “austero”, “severo” e “rigoroso”; “fruto” e “fruta”.
Palavras como essas são permutáveis em alguns contextos e não em outros, mes-
mo quando se trata de denominações técnicas. “Cosmonauta”, por exemplo, vem
do russo “kosmonavt”, enquanto “astronauta” vem do inglês “astronaut” e os no-
mes correspondem a diferentes modelos de treinamento e desempenho. A pre-
posição “a” em “vou a São Paulo” difere da preposição “para” em “vou para São
Paulo” porque, no primeiro caso, sugiro que vou e volto e, no segundo, sugiro
que ficarei lá. As denominações “tatu” e “lagarto redondo” para o mesmo corte
de carne que se assa e, eventualmente, recheia difere porque a primeira é regio-
nal do Sul do Brasil e a outra utilizada do Rio de Janeiro para o Norte.
Consideremos o conjunto de entes designados por S:
x4
x3
x1
1
S
x2
{0 ... 1}
Arbitrariedade e memória
A atribuição de nomes às entidades de que se fala:
Credibilidade
A credibilidade do discurso jornalístico funda-se em um compromisso tácito
entre o veículo e o público segundo o qual os fatos noticiados são reais. No
entanto, a veiculação de um fato real no discurso jornalístico é, em si, outro
fato real. Os fatos originários têm conseqüências em si (por exemplo, o desvio
de recursos causa a interrupção de uma obra) e outras conseqüências quando
noticiado (o escândalo, a eventual punição dos responsáveis etc.).
O conceito de realidade implica a construção de versões a partir dos fatos.
Essas versões (a) selecionam fatos e (b) estabelecem relações entre eles e deles
com informações da memória ou percepções do ambiente. As relações podem
ser (a) de semelhança; (b) do tipo essência/aparência; (c) de paradoxo; e (d)
de causalidade. Em princípio, a reconstrução da realidade é função do recep-
tor da mensagem jornalística.
Contudo, à medida que se transporta a informação dos fatos para o texto,
sugerem-se conexões; no mínimo, a avaliação de importância. Essas conexões
podem ser óbvias, isto é, de alta probabilidade, ou resultar de alguma teoria
aceita sobre a realidade. Nesse caso, a aceitação da teoria já contém uma infor-
mação, embora isso nem seja percebido.
Como teorias se impõem? Uma hipótese é a da espiral do silêncio, devida a
uma autora alemã, Elisabeth Noelle-Neumann, diretora do Instituto de
Demoscopia de Allensabach, dedicado à pesquisa sobre opinião pública. Ela
assegura que a opinião manifesta das pessoas é influenciada pelo que elas acham
que os outros pensam. Assim, um sujeito crítico do sistema econômico, posto
diante de uma aparente unanimidade que apóia o sistema, tende a silenciar
(daí a espiral) e, finalmente, a aderir. Visão similar é a de Jean-Marie Domenach
(DOMENACH, 1963), ao propor em A Propaganda Política, a “lei da unanimi-
dade e do contágio”: se as pessoas julgam que uma opinião é dominante, evi-
tam contestá-la abertamente, passam a admiti-la e, diz ele, se contagiam.
Estrutura da sentença
Três mecanismos permitem a construção de sentenças:
Assim:
1. As grandes agências de informação conseguiram um êxito excepcional.
2. Nenhuma outra entidade ou empresa havia conseguido isso antes.
3. Elas integraram o mundo inteiro em uma unidade.
4. A integração foi feita de maneira específica
5. Elas utilizaram meios modernos de comunicação.
6. Esses meios de comunicação criaram as condições (a) de empatia entre
os homens, (b) da mútua dependência e (c)da unidade.
(a) O gerúndio, quando subordina uma oração à outra, tem viés adverbial
(modal, instrumental etc.).
(b) O particípio, no mesmo caso, tem viés adjetivo.
(c) Em um e outro casos, pode-se anteceder a oração subordinada à princi-
pal, desde que o encaixe seja evidente: “Utilizando seu cartão diamante,
ele passou à frente dos outros passageiros no check-in do aeroporto” ou
“Beneficiado pela lei, o velhinho teve direito a tratamento vip”.
(d) Orações que ocupam o lugar de adjetivo (modificadores de locuções
nominais) e não são introduzidas por particípio, usam, como chaves para
o embutimento, pronomes “que”, “o qual”, “cujo/cuja” etc.
(e) Orações que ocupam o lugar de nomes [núcleos de locuções nominais]
usam, como chaves para o embutimento, pronomes como “que” e, para
pessoas, “quem”.
Nicolacópulos propõe uma matriz de casos que inclui verbos de tempo (T),
comitativos (C) e holísticos (H), cada qual deles com variantes de estado, pro-
cesso e ação. Define os verbos comitativos, com base em texto de Halliday pu-
blicado em 1967, como os que denotam acompanhamento; e os holísticos, como
os que indicam completude, inteireza, totalidade (consistir, conter, por
exemplo) (NICOLACÓPULOS, 1992:75-80).
Não cabe aqui o estudo aprofundado dessas estruturas verbais, relativamen-
te complexas. Basta considerar, por exemplo, os vários sentidos do verbo “ser”
em português: identidade (“Paulo é o irmão de Pedro”), comparação ou se-
melhança (“ele é uma fera”), pertinência (“Pedro é índio” ⫽ pertence à cate-
goria étnica dos índios), valor (“vinhos europeus são mais caros”).
O ensinamento útil é que os verbos, em decorrência do modelo a que se
reportam, distribuem em casos ou papéis sintáticos as locuções nominais, mar-
129
Todas as proposições existenciais admitem localização no tempo-espaço. Isso as diferencia das proposi-
ções universais. Exemplo de proposição existencial: “Comprei este relógio há dois anos em Madri”. Propo-
sição universal: “Todo relógio é sujeito a certa imprecisão.”
122 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
1. O Titanic afundou.
2. O choque com um bloco de gelo afundou o Titanic.
Existe ou não língua padrão, norma culta? A resposta é sim e não, dependen-
do do conceito que se tenha. Se língua padrão é algo rígido, constituído de
palavras pétreas e regras para todo o sempre, certamente não existe. No entan-
to, existe, sim, se concebemos língua padrão como algo dinâmico, mas relati-
vamente estável no território (admitindo-se alguma variação nos usos regionais),
constituído de um núcleo de palavras duráveis e outras nem tanto e com flutua-
ção moderada de regras.
Nos últimos anos, as escolas básicas da rede pública brasileira vêm sendo
pressionadas para que não ensinem o português formal, muito menos sua gra-
mática. O argumento é que as regras da gramática são inferidas da língua ma-
terna na primeira infância, o que dispensaria ensiná-las.
Entretanto, a língua formal, em qualquer parte do mundo, é um segundo
idioma, predominante na modalidade escrita mas de utilização também oral
em situações socialmente tensas. Incorpora expressões de uso científico, técni-
co e literário. Suas regras e convenções são peculiares. É mais conservadora do
que o registro coloquial. Trazer à consciência o conhecimento de seu mecanis-
mo gramatical é útil para quem escreve, enuncia ou pretende compreender
textos valorizados em nossa cultura.
126 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
A língua padrão ou norma culta permite ainda que um texto seja lido além
da comunidade lingüística em que o autor vive ou aprendeu a língua materna,
a partir dos seis meses de vida. Garante durabilidade ao enunciado, colocan-
do-o por mais tempo (sem necessidade de explicações adicionais ou de tradu-
tores) ao alcance das pessoas da mesma nação que freqüentaram a escola. A
língua nacional e a possibilidade de a mesma língua ser falada em vários países
é fator decisivo para dimensionar a indústria da informação e do entreteni-
mento.
As pessoas que querem suprimir o ensino do mecanismo gramatical na es-
cola básica agem, conscientemente ou não, como políticos que tentam adivi-
nhar o futuro. É comum se especular que as línguas nacionais serão substituí-
das como língua de cultura pelo inglês, ou por algum dialeto baseado no in-
glês, tomando como paradigma o domínio do latim sob o Império Romano.
Há, porém, algumas diferenças: uma delas é que as línguas desaparecidas com
a expansão de Roma, eram, na maioria, ágrafas; poucas tinham escrita e mes-
mo estas eram de uso restrito à administração e aos sacerdotes. A exceção mais
notável é o grego clássico, que, no entanto, foi descrito pelos gramáticos de
Alexandria e sobreviveu, dando origem ao grego moderno.
A bola de cristal
A previsão de desaparecimento ou restrição radical do uso de línguas como o
português, com seu enorme acervo literário e ensaístico, lembra a representa-
ção de futuro nos filmes expressionistas alemães da década de 1920, em parti-
cular Metrópolis, de Fritz Lang: cidades cinzentas, habitadas por massas de ope-
rários sem identidade, morando em cubículos iguais, caminhando no mesmo
passo… Neste caso, como naquele, a ideologia fabrica um futuro que não se
confirma: a História é um processo caótico e, portanto, talvez previsível em li-
nhas muito gerais, mas opaco quanto a fenômenos específicos.
O português não é uma língua de convenções e conteúdos pobres. Nem é
fácil, com sua variedade vocálica e grafia mista – em parte fonética, em parte
etimológica. O que está na moda é atribuir à língua formal – aquela em que
escreveram o tipógrafo Machado de Assis e Lima Barreto, fracassado estudante
de engenharia – um valor de classe. Assim, para sermos progressistas, deverí-
amos, por exemplo, antecipando-se ao que talvez (!) aconteça, acabar com
as preposições que marcam o caso sintático dos pronomes relativos:
“a mulher que lhe falei” ⫽ “a mulher de que lhe falei”
“o caminho onde veio a tropa” ⫽ “o caminho por onde veio a tropa”
Linguagem jornalística 127
130
São símbolos eleitos, sem dúvida: o Muro de Berlim foi originalmente construído para conter a circulação
de produtos, moeda e a transformação de Berlim Oriental em cidade-dormitório. Quanto ao rapaz chinês,
a interpretação poderia ser “o soldado parou o tanque para não atropelar o rapaz” ou “que menino sem
juízo, encarar um tanque desse jeito!”
130 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
131
Isso não significa ceder às pressões de grupos motivados para defender o que acham que é “politicamente
correto”. Negro é negro; afro-brasileiro não tem sentido, salvo se adotássemos como critério válido diferen-
ciar euro-brasileiros e semítico-brasileiros, sino-brasileiros e nipo-brasileiros. Homens e mulheres são sexos,
não gêneros; a palavra gêneros, na gramática portuguesa, se aplica a armários e cadeiras tanto quanto a abelhas
e zangões. É tolice usar a língua para mitigar problemas de auto-estima.
Linguagem jornalística 131
Ligações Perigosas
Com maior ou menor freqüência, jornalistas são chamados a lidar com textos
em inglês ou mal traduzidos para o português. Mesmo países com grande tra-
dição de zelo pelo idioma (como a França, por exemplo) cedem à necessidade
de utilizar o inglês (ou um dialeto do inglês, um tanto latinizado) nos contatos
internacionais. Quem aprende a falar uma língua estrangeira tende a usar
qualquer oportunidade para exibir a pronúncia; esse, sem dúvida, é um fator
para que chamem “site” de “saite” em lugar de “sítio”; diga-se “link” e não “en-
lace”, que é a mesma coisa; “homepage” e não “morada”; “assumir”, em lugar
de “supor” (por exemplo, que o seu time vai ganhar o campeonato); “planta”
em lugar de “usina”, “fábrica”; e “realizar”, em lugar de “conceber” (projetos
para o futuro, por exemplo).
Há verdadeiro conflito de gerações entre as que chamam RCA de erre-cê-á,
NBC de éne-bê-cê, BBC de bê-bêce etc. e a que hoje em dia chama EMI de i-
éme-ái; USA de iú-ésse-êi, FBI de éfe-bi-ái etc. Não acontece por acaso. No en-
tanto, o resultado dessa globalização a martelo é que não apenas formas gra-
maticais (em português, o modo subjuntivo, o futuro do pretérito e o mais-que-
perfeito) são afetadas, como há certo contágio de sentidos.
Mas há também doses letais de pedantismo, ou, na linguagem de agora, ar-
rogância – preferida por ter cognato (arrogance), muito na moda, em inglês. Já
não oferecemos, “disponibilizamos”; não iniciamos o sistema operacional do
computador, “inicializamos”, ato que pode ser denominado “inicialização”; não
projetamos prédios, campanhas e viagens, “desenhamos”; não computamos,
“computalizamos”, da qual computalização e, talvez, no futuro, alguma coisa
como computalizacionamento.
132
Remetem-se os interessados em aprofundar esses itens a (CASTRO, 1998) e (GARCIA, 1988).
Linguagem jornalística 135
Edição Edition
Edição esgotada Sold out edition
Editar Edit
Editor Editor
Editoração Editorial Business, publishing, publication
Editoria de economia Business, money
Editoria de esporte Sport
Editoria de internacional International, world
Editoria de variedades Miscellaneous
Editoria de ciência Science
Editorial Editorial, leading article, leader
Editorialista Editorialist
Enquadramento Framing
Entrelinha Leading
Entretítulo Crosshead
Entrevista Interview
Entrevista coletiva Press conference
Entrevistado Interviewee
Entrevistador Interviewer
Entrevistar Interview
Equipe de TV TV crew
Erro de impressão Misprint
Estagiário Trainee
Fato Fact
Filmagem Footage, recording
Filtro Filter
Fonte de informação Source of information
Formato Format
Formato “standard” Broadsheet
Fotografia (jornalística) Pic, snaps
Fotograma Photogram
Furo Punch
Guerra por audiência Ratings battle, ratings war
Histórias em quadrinhos Comic, comic book, graphic novel
Horário nobre Peak-time, prime-time
Ilustração Illustration
Imprensa Press
Linguagem jornalística 137
México Rebelde e Os Dez Dias que Abalaram o Mundo, de John Reed. Percorrendo
publicações, produções de telejornalismo e programas de rádio, o espectro da
reportagem se amplia de tal forma que é capaz de incluir quase todos os temas
do conhecimento e desconhecimento humanos.
A reportagem pressupõe alguma interpretação, quanto mais não seja a que
sustenta a linha editorial, e permite certa margem de opinião, em temas duvi-
dosos. Se, por acaso, o repórter entende que a explicação da Aeronáutica para
a explosão do foguete que ia ser lançado de Alcântara, no Maranhão, em agos-
to de 2003, não é convincente, pode tentar obter documentos sobre o evento,
levá-los a cientistas estrangeiros, relatar o esforço que envolveu a construção,
expansão e operação da base – incluindo a resistência de movimentos ecológi-
cos, propostas inaceitáveis de parceria etc. É arriscado: como em muitos ou-
tros casos, deve-se resistir à tentação do sensacionalismo, da superficialidade
ou das teorias conspiratórias.
Na prática, a diferença entre notícia e reportagem começa pela pauta. Cha-
ma-se pauta, em jornalismo, o planejamento de matérias para um veículo ou
de dada matéria em particular. Depende de quem fala: editores tendem a con-
siderar o conjunto, enquanto repórteres falam de pauta referindo-se ao proje-
to de matéria que lhe foi atribuído.
Pautas de notícias normalmente consistem em:
(a) Indicação de suítes – continuações ou desdobramentos de eventos da
véspera (se um prédio desabou, a apuração das causas ou responsáveis
pelo desabamento; se uma atriz famosa está na cidade, provavelmente
dará uma entrevista coletiva, ou será interessante acompanhá-la em al-
gum momento).
(b) Sugestões de coberturas sazonais (o acesso às praias no verão, o preço
das roupas de inverno, escolas de samba imediatamente antes e depois
do carnaval, preço dos peixes na Semana Santa, dos ovos de chocolate
na Páscoa).
(c) Fatos de interesse público, descobertos a partir de observações pessoais
(alguém viu novos barracos invadindo áreas de floresta).
(d) Repetição local de notícias produzidas em outras cidades ou países com
bons resultados editoriais (grau de confiança na água das piscinas públi-
cas, uso de novas lentes para registro de eventos).
(e) Eventos inesperados que chegam à redação por denúncias, pela apura-
ção de rotina pelo telefone ou pelo computador.
A cobertura
A cobertura de uma série de eventos, relacionados por contigüidade ou seqüên-
cia, no intervalo entre as edições de um jornal diário, fica na fronteira entre
notícia e reportagem. Os procedimentos para produção desse gênero de rela-
to eram, tradicionalmente, os seguintes:
133
O conceito de ciência, aqui, inclui a inferência e a experimentação empírica como instrumentos de com-
provação de hipóteses.
O texto da reportagem 143
O discurso do “condensado”
Teun Van Dijk, lingüista holandês, estudou os textos de condensados jornalís-
ticos que ele, seguindo o padrão inglês, chama de “notícias”, quando, melhor,
são uma forma de apresentação que se pode considerar distintamente, típica
dos diários impressos, mas não a única utilizada por eles.
144 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
134
De 1934 a 1952, o Líbano foi governado por um só presidente, Bechara el Khoure.
O texto da reportagem 145
Van Dijk sustenta que a forma global do discurso pode definir-se por um
esquema baseado em regras. Tal esquema é formado por uma série de catego-
rias ordenadas hierarquicamente, “especificadas por diferentes tipos de discur-
sos, tornadas convencionais e, em conseqüência, diferentes em sociedades ou
culturas distintas”.(ibidem)
Reportagens “narrativas”
São relativamente raras nos periódicos impressos reportagens estruturalmen-
te narrativas, isto é, constituídas por seqüências que se adicionam umas às ou-
tras, definindo um ou mais planos de narração. No entanto, muitas reporta-
gens são “narrativas” por outro aspecto, isto é, abordam eventos que transcor-
rem no tempo, subordinando seqüências a sentenças-tópico e eventualmente
intercalando entrevistas, diálogos significativos e análises de situação.
A matriz dessas seqüências é, sem dúvida, o romance realista, ou uma varie-
dade dele, o romance social. O repórter mais relata do que interpreta, mas isso
não suprime a militância: participa ao escolher uma perspectiva, que não é
necessariamente a do veículo ou do leitor. Dos fatos relatados, e não de discur-
sos retóricos, brotam as figuras intensamente reais do Conselheiro, em Os Ser-
tões, de Lênin e Trotsky em Os Dez Dias que Abalaram o Mundo, ou dos comunis-
tas presos, em Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos.
Se algo distingue o texto contemporâneo de seus antecedentes, no entanto,
é a influência do cinema, que valoriza a significação do gesto e do detalhe;
sugere mais do que afirma; mostra mais do que critica – sem que o significado,
a sugestão ou a evidência correspondam necessariamente à verdade, tomada
como adequação do enunciado ao fato. Cada reportagem constrói seu próprio
universo e o serve, em postas, aos leitores.
Em outras palavras: qualquer reportagem factual contém uma interpretação,
e toda reportagem interpretativa – incluídas entrevistas e perfis – apóia-se, por
definição, em fatos, ou não se trata de reportagem. Contudo, fala-se em “re-
portagem investigativa”. O que é isso?
146 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
O Cruzeiro e Manchete –, tiveram seu apogeu nas décadas que se seguiram à Se-
gunda Guerra Mundial: O Cruzeiro chegou a tirar (ou anunciar a tiragem) mais
de 700 mil exemplares, em um país de 50 milhões de habitantes, e Manchete,
com suas cores maquiladas (por exemplo, o Canal do Mangue, no Rio de Ja-
neiro, que escoa águas pluviais, não podia aparecer marrom, como é, de fato;
no máximo, ficava esverdeado) foi a grande divulgadora do desenvolvimentis-
mo de Juscelino Kubitschek.
Nessas publicações, como na televisão, boas imagens justificavam reportagens
medíocres. No Brasil, em O Cruzeiro, afora a crônica do Rio de Janeiro e de São
Paulo – cidades que começavam a se agigantar –, os assuntos mais freqüentes
eram exposições de gado, índios e a selva que repórteres visitavam, sempre
reverenciados e auto-referentes; em Manchete, a penetração no Oeste e as gran-
des obras da modernização do país.
Nelas, a noção de lead ou mesmo de abertura de matérias sofria uma trans-
formação radical: o que iniciava o texto e motivava a linha editorial era a foto-
grafia ou as fotografias, que ocupavam bom espaço do layout (nesse caso, con-
junto de duas páginas). Não por acaso as primeiras revistas do gênero, na dé-
cada de 1930, tratavam de cinema e serviam ao marketing de Hollywood, vei-
culando imagens de atores e atrizes sempre muito bem iluminados (uma luz
atrás da figura delineava os cabelos e comumente a iluminação direta valoriza-
va a expressão dos olhos e dos lábios).
Era a partir da fotografia que se armava o texto. A fotografia de homens
encapuzados em um beco de Karbala, cidade iraquiana, geraria uma abertura
assim (invento, com base em imagem da televisão):
A morte faz sua ronda nos becos de Karbala, cidade sunita que resiste
ainda ao poderio da força armada mais poderosa do mundo. Lá não
se conhece amigo ou inimigo, igualados todos pela pobreza, pelo
medo e pela higiene precária dos cortiços.
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Isso significa, para ser mais claro, que um texto sobre macartismo pode ter
como principal ilustração a imagem do senador Joseph McCharty, e começará
contando algo sobre caçador de bruxas da década de 1950 – por exemplo, si-
tuando-o como patrono dos “falcões” atuais da política americana; ou mostrar
uma galeria de vítimas da comissão de atividades antiamericanas (escritores,
roteiristas de cinema, comediantes, cartunistas) e, neste caso, relatando sua
odisséia; ou com a explosão da bomba de hidrogênio soviética, equiparada, na
época, à Al-Qaeda do início do segundo milênio, como instrumento de retóri-
ca política.
148 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
Por que morreram essas revistas, ou por que sobrevivem apenas em áreas
especializadas, como arquitetura ou erotismo? Por que o estilo se degradou até
o nível de Caras, Gente, publicações nas quais a vaidade de criaturas irrelevan-
tes se expõe de maneira explícita – sem o disfarce de qualquer atualidade
jornalística – a comunidades de voyeurs?
A resposta mais comum é que submergiram diante da fartura de imagens na
televisão colorida. Mas o processo da liquidação revela outras razões: muitas
revistas pereceram mais por decisão dos anunciantes, ou das agências de pu-
blicidade, do que do público. No caso de Look e, principalmente, de Life, os
fatores decisivos para o prejuízo das empresas editoras foram justamente o gi-
gantismo das tiragens e o custo da distribuição, incompatíveis com a grandeza
do faturamento publicitário. Teria ocorrido com elas o fenômeno apontado
por Max Weber,135 há quase cem anos:
Um jornal não pode nunca ter anunciantes demais, porém – ao
contrário ao que sucede a qualquer outro produto à venda – pode
chegar a ter demasiados compradores. Isso ocorre quando não tem
condições de subir o preço dos anúncios o suficiente para cobrir os
gastos de uma tiragem cada vez maior.
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Áreas especializadas
Entre as áreas especializadas, política e esporte se distinguem porque, nelas,
há espaço para textos analíticos: a crônica política e a desportiva complemen-
tam, misturam-se e, às vezes, competem com a reportagem.
Os fatos essencialmente políticos são poucos e, se públicos, geralmente da-
tados: decisões de assembléias, eleições, distribuição de cargos, talvez a vota-
ção do orçamento (embora esse não se cumpra). Mas a política supre sua for-
midável demanda discursiva importando acontecimentos de todas as áreas, do
135
Acessado na Internet (WEBER, Web). O texto é de 1910. O endereço é http://www.cedec.org.
O texto da reportagem 149
preço das roupas de inverno ao atraente escândalo dos trajes de praia (ou da
ausência deles) no verão.
O noticiário político gira, portanto, em torno de questões muito variadas e
consiste basicamente em enunciados na terceira pessoa: fulano disse, beltrano
manifestou-se etc. A crônica política (e a reportagem que, com freqüência, faz
as vezes dela) opera com enunciados ambíguos ou imprecisos, informando em
linhas e entrelinhas – dizendo “A” para fazer entender “B”. Por mais que se
queira, não é possível fugir inteiramente de fórmulas como “fontes informa-
ram”, “funcionários admitem” etc.
Os bons cronistas políticos tornam-se confiáveis porque sabem fazer isso com
a honestidade e o distanciamento necessário, mas a indeterminação genérica,
a ocultação das fontes que o jornalista preserva como os ases no jogo de
carteado, permitem aquilo que se chama de “cascata” – conclusões sem reali-
dades que a suportem, campanhas destinadas a “fritar”, “queimar” ou desgas-
tar administradores que contrariam o interesse das tais fontes. As fronteiras entre
informação e boato, entre denúncia e calúnia são, aí, muito tênues.
No governo, há dois Estados paralelos: um administra e o outro fiscaliza, a
posteriori, o primeiro, fazendo-o purgar seus pecados, reais ou supostos. Quan-
do pessoas desse segundo Estado – de auditores a procuradores – têm militância
política e se acercam de repórteres, pode-se esperar por denúncias. Torná-las
aparentemente consistentes é fácil: o apartamento que o cidadão comprou
dobra de preço, o uísque de rótulo vermelho – uma espécie de carro popular
dos alcoólatras – ganha simbólicos rótulos dourados, cópias magnéticas de notas
fiscais talvez “frias” e fitas de diálogos talvez “quentes” ao telefone podem am-
pliar e emprestar gravidade a acusações maliciosas que jamais levariam à con-
denação em qualquer processo legal. O denuncismo é a expressão do mau
caráter de grupos preteridos ou descontentes; contagia repórteres incipientes,
os raros indignados (indignar-se, nesse contexto, é um estado de espírito per-
manente) e também os insipientes que se apaixonam pela própria carreira.
No esporte, a notícia é o resultado do jogo a que o público assiste, a escalação
e o ranking. Entre uma e outra temporada, campeonato local, nacional e mun-
dial, é preciso manter a paixão, tanto a autêntica quanto a que migra para cá
por falta de sentido mais nobre que se dê à vida. O conteúdo passional é tam-
bém inevitável no texto da reportagem desportiva, mas se realiza na crônica,
que revela de algum modo o viés de quem escreve e se nutre da emoção das
arquibancadas semoventes.
Na reportagem econômica, tal como no jornalismo científico, o importante
é aproximar-se do público e tornar compreensível o que se escreve ou se fala.
A diferença é que, em ciência, os conceitos são precisos mas podem estar muito
150 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
136
Letter: 21,6 ⫻ 27,9cm; A4: 21,0 ⫻ 29,7cm.
O texto da reportagem 151
137
Aqui, a palavra designa “comunidades dispersas”.
138
A fruição de uma informação depende da possibilidade de contextualizá-la. Relevante é o que, combina-
do com o que se sabia, produz informação nova (SPERBER & WILSON).
152 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
Reportagem opinativa
Alguns magazines, geralmente de circulação semanal, prosperam vendendo
interpretação e opinião139 – não qualquer uma, é claro. Quase todos (os cha-
mados “magazines de informação geral”) descendem de Time, publicação ame-
ricana que surgiu em 1922, como parte de um projeto de poder que levaria o
país à hegemonia mundial.
Para cumprir sua tarefa, a Time criou o timestyle, maculando o estilo jornalístico
americano com adjetivos e outros modificadores que fingem ser ocasionais ou
óbvios, de modo que locuções nominais, mais do que sentenças, orientam o
leitor no sentido pretendido.
Ivo Dittrich (DITTRICH, 2001140) analisou 150 textos da editoria de Econo-
mia e Negócios (50 de Veja, 50 de Isto é e 50 de Época, entre julho de 1999 e
junho de 2000), destacando dessa grande amostragem um conjunto típico de
30 textos e, nele, 4.554 locuções nominais. O período foi marcado pela “bo-
lha” das empresas de tecnologia, cujas ações foram levadas a preços absurda-
mente altos, para prejuízo dos investidores incautos, ingênuos e crentes de que
“o futuro era agora”. Não era.
Uma das tabelas que o autor organizou investiga a distribuição das expres-
sões referenciais em relação ao modificador (adjetivo), contrapondo as descri-
ções simples (sem modificador) às descrições modificadas (com modificador).141
A pesquisa não capta aquelas situações em que o próprio nome já embute po-
tencial informativo e argumentativo Os dados são:
139
Considera-se interpretação um entendimento da realidade entre outros, raramente explícito e do qual se
pode discordar em maior ou menor grau; já a opinião é algo encerrado, incontestado, que só admite a con-
cordância ou a rejeição pura e simples.
140
A cópia em disco rígido do texto de Dittich que consultamos não tem páginas numeradas.
141
Descrições simples (ou não-modificadas): são os nomes de pessoas, de instituições ou de outras entidades
(objetos), que não vêm acompanhados por modificador (adjetivo ou oração adjetiva): Samuel Klein, o Bozanno,
as Casas Bahia, uma empresa, seus lucros, a luta, os confrontos. Não aparecem sinalizadas especificamente ao longo
do texto.
Descrições modificadas: são os nomes de pessoas, de instituições ou de outros objetos que vêm acompanha-
dos por modificador.
O texto da reportagem 153
Analisa o autor:
Computando individualmente cada um dos trinta textos, pôde-se observar
que apenas em quatro deles as descrições simples fugiram da faixa percentual
entre 21% e 29%. Pode-se dizer, portanto, que 25% das descrições
nominais, em média, são descrições simples: não se fazem acompanhar por
modificador. Ou então: as descrições modificadas prevalecem numa
proporção aproximada de 3:1. Significa que a adjetivação é alta e deve ter
alguma origem ou papel a cumprir. (DITTRICH, 2001:121-122)
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
142
Veja, 16.06.1999.
154 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
TABELA 03: Distribuição dos quatro traços em títulos e subtítulos das reportagens
Traços Grandiosidade União Disputa Intensidade TOTAL
Títulos 27 09 30 23 89
Subtítulos 45 15 30 08 98
TOTAL 72 24 60 31 187
Os títulos com verbos são poucos. Mais freqüentes em Veja (na proporção
três em quatro, ficando as outras com um em quatro), neles predominam os
verbos de ligação (ser, estar, permanecer, ficar) e os de processo (viver, morrer,
aparecer). Observa, no entanto, Dittrich, que a mera referência a verbos não
dá conta da realidade:
“Mesmo o benefativo143 dar, que envolve ação, ganha sentido
processual em ‘dar as cartas’, que significa ‘estar no comando’. Como
nesse caso, os verbos de ação, quando presentes, têm, no geral,
sentido metafórico, sugerindo situações: ‘A buzina tocou’ não se refere
a qualquer buzina que tenha tocado, mas a um estágio de risco
comparável à crise no trânsito ou, mais remotamente, à interrupção
de um show em tradicional programa de TV e, antes, no rádio.”
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
143
Na classificação semântica dos verbos, com o objetivo de descrever sua regência (as exigências e possibili-
dades com relação a sujeito e complementos), “dar” tem sentido benefativo (que beneficia alguém), como
emprestar, devolver, repassar etc.
156 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
Atribuições do copidesque
Se há um divisor de águas entre jornalistas e jornalistas, esse divisor passa pelo
conceito e atribuições do copidesque. Originalmente, à falta de escolas, esse cor-
po de redatores reescrevia boa parte dos textos de um jornal ou revista brasileiros.
O jornalista típico, experiente, mas com plena consciência das limitações e
fragilidades humanas, fica imensamente grato quando melhoram o texto ou
corrigem um erro qualquer de informação na matéria que escreveu, e resmun-
ga, se não concorda com a mudança feita. O pavão da espécie, no entanto,
competitivo e apaixonado por si mesmo, sacode as penas, cheio de ódio, se lhes
pespegam uma vírgula na obra-prima – sempre a última matéria que redigiu.
O texto da reportagem 157
144
Comunicado distribuído por assessoria de imprensa.
O texto da reportagem 159
Rádio
O rádio é uma das muitas invenções que introduziram o mundo na era da eletri-
cidade. A constatação, em 1887, por Henrich Rudolf Hertz, de que existiam de
Textos na mídia eletrônica 163
fato as ondas eletromagnéticas imaginadas 24 anos antes por James Clerk Maxwell
pode ser tomada como ponto de partida para o desenvolvimento da radiodifusão.
Mas os nacionalismos ingênuos selecionam, dentre os pioneiros de qualquer
invento dessa época, seus próprios heróis e cérebros privilegiados. Assim, os
americanos lembrarão Samuel Finley Breeze Morse, que desenvolveu o telé-
grafo na primeira metade do século XIX; e Lee De Forest, que inventou o triodo,
válvula constituída de um catodo, uma grade e uma placa; e os italianos não
esquecerão as experiências de Guglielmo Marconi.
Se é assim, os brasileiros não devem deixar passar em branco a figura de
Roberto Landell de Moura, que realizou a primeira transmissão da palavra fa-
lada, sem fios, em 1893, e repetiu o feito, do bairro Santana ao alto da Avenida
Paulista, em São Paulo, em 3 de junho de 1900. O invento foi patenteado no
Brasil, em 9 de março de 1901. Com a ajuda de amigos, o inventor obteve pa-
tente americana para seu “transmissor de ondas”, em 11 de outubro de 1904, e
para o telefone sem fio e telégrafo sem fio, em 22 de novembro desse mesmo
ano.145 Como ele, além de cientista, era padre e teve a ingenuidade de prever
um futuro com raios laser e satélites artificiais, afirmando que as emissões
radiofônicas poderiam talvez permitir no futuro a comunicação com seres in-
teligentes de outros planetas (implicação óbvia do fato de se processar por ondas
conceitualmente similares às da luz) nem mesmo no Brasil foi levado muito a
sério.
Somente em 1906 a radiodifusão ficaria conhecida: Lee De Forest associou-se a
Reginald Aubrey Fessenden para transmitir números de canto e solos de violino
na noite de Natal. Outras transmissões pioneiras foram realizadas nos anos seguin-
tes, mas o rádio teve principalmente uso militar, na Primeira Guerra Mundial.
No pós-guerra, a radiodifusão teve expansão rápida nos Estados Unidos. A
partir dos aparelhos fabricados para uso nas trincheiras, a Westinghouse criou
receptores para uso civil. Em 1921, havia no país quatro emissoras; no ano se-
guinte, 382.
Em 1923, Edgar Roquette Pinto e Henrique Charles Morize146 fundaram a
primeira estação de rádio brasileira, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, que
deveria ser mantida com a contribuição mensal dos ouvintes. O custeio pela
145
As patentes obtidas por Landel de Moura tinham os nomes de teleauxiofono (telefonia sem fio), claoeofono
(telefonia com fio), anematófano (telefonia sem fio), teleliton (com o qual duas pessoas podiam comuni-
car-se sem ser ouvidas por outras) e o edífono (depurador da vibração parasita da voz fonografada, reprodu-
zindo-a ao natural).
146
Morize dirigiu o Observatório Nacional de 1908 até sua morte, em 1930.
164 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
147
Informação atualizada sobre aspectos técnicos do rádio está disponível (ou estava, em 07/05/2005) em
http://paginas.terra.com.br/arte/sarmentocampos.
Textos na mídia eletrônica 165
148
N.A.: provavelmente mais ainda com a difusão de minigravadores e telefones celulares.
Textos na mídia eletrônica 167
Televisão
Os princípios básicos da televisão datam do final do século XIX, mas sua apli-
cação demorou quase meio século a se efetivar. Além da dificuldade operacional
maior para transmissão simultânea de imagem e som, houve, no caminho, duas
guerras, competição de tecnologias e certo desinteresse pela mídia, que exigia
grandes investimentos para alcance apenas local.
Se desconsiderarmos o disco que fazia a varredura para compor a imagem,
pequena e alaranjada, das emissoras-laboratório da década de 1920, a progra-
mação televisiva começou experimentalmente, durante a década de 1930, na
Alemanha, Inglaterra, União Soviética, Itália, França, Estados Unidos e Holan-
da. O sinal vinha em preto-e-branco e lembrava de fato as sombras que os
moradores da caverna de Platão imaginavam ser o mundo real.
A Inglaterra pagou um preço alto pelo pioneirismo. Os primeiros aparelhos
obedeciam a um padrão de 405 linhas horizontais. Em 1967, foi introduzido,
com a televisão colorida, um novo padrão, com 625 linhas. As emissões em 405
linhas só foram suspensas, porém, quase vinte anos depois, em 1986, quando o
número de aparelhos com esse formato reduzira-se a 400 em todo o país.
Até o início da Segunda Guerra Mundial havia, nos Estados Unidos, menos
de sete mil receptores. Tão logo a guerra terminou, reiniciou-se a disputa de
mercado e uma apresentação de TV com tecnologia alemã foi promovida no
Rio de Janeiro pela Rádio Nacional, que sonhava dispor da nova mídia. Mas
quem trouxe a televisão para o Brasil foi Assis Chateaubriand: em 18 de setem-
Textos na mídia eletrônica 169
149
Telecine: aparelho em que se processa a conversão de filmes ou slides para emissão em TV.
170 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
150
A série começou a ser produzida em 1959, em Santos, São Paulo, com o ator Carlos Miranda; seu compa-
nheiro, o cão pastor alemão “Lobo” e um Simca Chambord, o carro nacional mais charmoso da época. Foi
ao ar pela TV Tupi a partir de 1961.
Textos na mídia eletrônica 171
Desses dois sistemas, o Beta era mais caro e melhor; o VHS151 – ou Super VHS
–, apesar dos aperfeiçoamentos que foi recebendo, apresentava perda bem mais
acentuada de definição a cada cópia, o que significava limitações, particular-
mente na reprodução múltipla. No entanto, um e outro permitiam uma apro-
ximação com as técnicas de documentário desenvolvidas por cineastas russos,
ingleses, americanos e alemães.
Podia-se, finalmente, usar a língua natural como acompanhamento da in-
formação da imagem e não o contrário. Era possível tomar um evento – o pou-
so de um pássaro preto sobre as traves de um gol – para construir a fábula de
um jogo de futebol, ou o deslumbramento de uma jovem para relatar a excur-
são a uma base na Antártica. Essa possibilidade é talvez a mais evidente demons-
tração de que a comunicação é algo mais do que a transmissão de informações,
já que se reporta não só a valores e crenças, mas a sentimentos e instintos.
Reportagens podem ser, e freqüentemente são, hoje, pequenos documentá-
rios que convocam o público a participar, acionando impulsos de defesa-agres-
são, erotismo-paixão, alimento-posse e proteção, projetando-se em pré-compor-
tamentos ou motivações coletivas. O roteiro (a palavra espanhola guión bem
mais expressiva), nada mais é do que um guia ou projeto, em que se especifi-
cam narrações, elementos de sintaxe (corte, fusão – fade out + fade in), deixas,
efeitos, entrevistas, duração ou pontos de corte.
Se o roteiro tiver a forma de pré-script (como se utilizam elementos da reali-
dade, é impossível prevê-los exatamente), a página será dividida em duas ou
três colunas – se três, a do meio estreita. Na coluna da esquerda, a imagem; na
da direita, o som (narrativa, ruídos ambientes e música, se for o caso); na do
centro, se existir, operações conjuntas (corte, fusão, fade). Em um exemplo ilus-
trativo:
151
Vídeo Home System, marca registrada da JVC, com alguma tecnologia Sony embutida. Originalmente a
sigla era de “Vertical Helicoidal Scan” ou “Victor Helicoidal Scan”.
172 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
(a) Pode-se fazer da própria reportagem uma aventura narrada passo a passo.
(b) Pode-se localizar um personagem ou objeto e contar a história a partir
da perspectiva dele.
Textos na mídia eletrônica 173
Web e convergência
Quando a Internet estreou como mídia de acesso público, no início da década
de 1990, suscitou questões que variam do deslumbramento ao catastrofismo.
Se podemos ir à fonte diretamente, por que manter intermediários (jornalistas,
no caso)? Se não existe sítio seguro e um vírus pode apagar em segundos tra-
balhos que consumiram meses, vale o risco? Com a comunicação em viva voz,
vão falir os serviços telefônicos interurbanos? Se podemos copiar com alta qua-
lidade CD-ROMs e DVDs, quanto isso afetará o mercado da indústria da infor-
mação e do espetáculo? Com a certificação digital, como ficarão os cartórios?
Poderemos trabalhar e estudar em casa, liberando escritórios e salas de aula?
152
Dispositivo invisível para o espectador que projeta o texto para leitura pelos apresentadores em estúdios
de televisão (marca registrada).
Textos na mídia eletrônica 175
tivos similares aos da Internet – o que poderia levar à Internet sem fios ou ca-
bos. Experimentalmente, usando as redes atuais, já se conseguia, em 2004, trans-
mitir entre continentes, em menos de um minuto, o conteúdo de um DVD.
O sistema atualmente em uso doméstico para conexões entre 200 e 2000kbps
é o ADSL (Assymmetric Digital Subscriver Line), com a utilização parcial de linha
telefônica graças a um método de modulação multiportadora chamado Discrete
Multitone.153
153
Informação a respeito pode ser obtida em http://www.cs.tut.fi/tlt/stuff/adsl/pt_adsl.html, acessado em
13/05/2005.
Em suma
/0
1. A gramática
Todo processo lingüístico é de predicação.
Toda predicação estabelece uma função (Φ(x)).
Predica-se o nome próprio154 a um ente do universo do discurso.
Universo do discurso é a totalidade daquilo de que se fala, em dado
momento.
Predica-se o nome genérico a conjuntos difuso (fuzzy) de entidades.
Pode-se rotular uma predicação com nomes próprios, isto é, únicos
para aquilo que designam, no universo de discurso considerado.
Na relação entre nomes, surgem funtores; são expressões relacionais,
tais como verbos e preposições – estas geralmente ambíguas.
A ambigüidade pode ser eliminada pelo receptor, que escolhe o sentido
mais provável.
Funtores – verbos em especial – definem a natureza semântica da
função e, ao definir papéis temáticos, delimitam a sintaxe da sentença.
2. O mundo real
Temos acesso limitado ao mundo real.
Mas podemos imaginar mundos possíveis.
A língua transita entre mundo real e os mundos possíveis.
Imaginar mundos possíveis é o que guia nossos passos.
Não há como conceber mundos impossíveis.
3. Aparência e essência
Aparência é o que o mundo revela ao homem.
Essência é o que o homem atribui ao mundo.
154
Do ponto de vista semântico, designação de objeto único no universo do discurso.
178 Teoria e Técnica do Texto Jornalístico
4. O texto expositivo
O texto expositivo subordina o fato à versão, o singular ao particular.
Nele, o espaço não segue o tempo, a conclusão costuma preceder a
premissa e o abstrato organiza o concreto.
O texto sugere sabedoria, mas isso pode ser enganoso: é quase sempre
possível alinhar fatos que suportem versões contraditórias.
5. O texto narrativo
A narrativa articula os fatos em seqüências. Ao lado disso, mostra os
actantes155 cuja intenção e natureza se revelam ao longo da trama.
Forças da natureza, engenhos humanos, seres extraterrestres e
porquinhos-da-índia – tudo pode atuar, isto é, ser actante, numa
narrativa.
Modulando fatos e entidades, discute-se: “isso é real”, “se não é real, é
como se fosse”, “se está aqui é porque é ou vai ser importante”.
Entre as seqüências, há saltos para adiante e para trás no tempo e
espaço: flashback, flash-forward.
155
Entidades não-antropomórficas que atuam na narrativa.
Em suma 179
7. O texto noticioso
O texto noticioso canônico não quer convencer; pretende mostrar o
que aconteceu.
Seu fundamento é a fala comum, o modo como contamos uns aos
outros as novidades.
BREEN, M. (Org). Journalism, theory & practice. Paddington: Macleay Press, 1998.
BURNETT, Lago. A língua envergonhada e outros escritos sobre comunicação jornalística. 3.
ed., Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991.
CAMPBELL, W. Joseph. “1987: American journalism’s exceptional year”. History n.o 29,
p. 4, 2004.
CAMPOS, Humberto de. A serpente de bronze. Rio de Janeiro: Livraria Leite Ribeiro,1921.
CANN, Ronnie. Formal semantics. Cambridge: University Press, 1993.
CARVALHO, Luiz Maklouf. Cobras criadas. São Paulo: Senac, 1999.
CASTRO, Marcos de. A imprensa e o caos na ortografia. Rio de Janeiro: Record. 1998.
CHAGAS, Carlos. O Brasil sem retoque 1808-1964 – A história contada por jornais e jornalis-
tas. Rio de Janeiro: Record, 2001, v. 1.
COMASSETO, Leandro. As razões do título e do lead. Concórdia: UNC, 2003.
COOK, Walter A. S. J. Case grammar theory. Washington: Georgetown University Press,
1989.
COURCELLE, P. História literária das grandes invasões germânicas. Petrópolis: Vozes, 1955.
DE CUSA, Nicolas. De la docta ingorancia. Buenos Aires: Lautaro, 1948.
DENOYER, Pierre. La presse dans le monde. Coleção: “Que sais-je?”. Paris: PUF, 1950.
DEVITT, Michael. The case for referential description. http://pwp.netcabo.pt/
0154943702/case4.pdf. Acessado em dezembro de 2004
________________. “A shocking idea about meaning” Revue Internationale de Philosophie,
n.º 208; p. 449-472, 2001. http://pwp.netcabo.pt/0154943702/shocking.pdf. Acessa-
do em dezembro de 2004.
DITTRICH, Ivo. Descrições definidas: referência, informação e argumentação na reportagem sobre
economia em magazines de informação geral. Tese (Doutorado em Letras-Lingüística). Ori-
entador: Nilson Lemos Lage. UFSC, Programa de Pós-graduação, 2001.
_____________. Lingüística e jornalismo: dos sentidos à argumentação. Cascavel: Edunioeste,
2003.
DIXON, R.M.W. Ergativity. Cambridge: University Press, 1995.
ESPEJO MURIEL, C. El aedo homérico. Floretia Iliberritana, n.º 2, p. 161-170, 1991. http:/
/www.dim.uchile.cl/~anmoreir/escritos/siglo_oro/trova.html. Acessado em novembro
de 2004.
FAIRCLOUGH, Norman. Media discourse. Londres: Edward Arnold, 1995.
FARIA, T.; LAGE, N.; RODRIGUES, S. Diário Carioca: o primeiro degrau para a mo-
dernidade. Estudos em jornalismo e mídia, Florianópolis: Insular, v.1, n.º 1., 2004.
FARO, J. S. Revista Realidade (1966-1998) – tempo da reportagem na imprensa brasileira. Porto
Alegre: AGE-Ulbra, 1999.
FAULSTICH, W. Mediengeschichte. In: __________. Grundwissen Medien. Munique:
Fink, p. 17-53, 2000.
Bibliografia 185
TRAQUINA, Nelson. Terias do jornalismo: porque as notícias são como são. Florianópolis:
Insular/PósJor UFSC, 2004.
VAN DIJK, Hum La ciencia del texto. Barcelona: Paidos, 1996.
VAN DIJK, Teun. Cognição, discurso e interação (textos selecionados por Ingidore Grunfeld
Koch Villaça). São Paulo: Contexto, 1999.
VAN DIJK, Teun. Ideology. Kent (UK): Sage, 1998.
VAN DIJK, Teun. La noticia como discurso. Barcelona: Paidos, 1996.
VILAS BOAS, Sérgio. O estilo magazine. São Paulo: Summus, 1996.
VOLTAIRE (François Marie Arouet). Candide (edição inglesa). Tradução de John Butt.
Londres: Penguin Classics, 1990.
WEBER, Max. Sociologia da imprensa: um programa de pesquisa. Publicado original-
mente como Alocução no Primeiro Congresso da Associação Alemã de Sociologia em
Frankfurt, 1910 (p. 434-441), In: ________. Gesammelte Aufsätze zur Soziologie und
Socialpolitik. Tübingen, J. C. B. Mohr [Paul Siebeck], 1924. http://www.cedec.org. Aces-
sado em abril de 2004.
YORK, I. The technique of televison news. London: Focal Press, 1978.
ZACCHI, Fernanda Paula. Manual de inglês para estudantes de jornalismo (trabalho final
de curso). Orientador: Prof. Dr. Hélio Ademar Schuch. UFSC, mimeo, 1997.
ZADEH, Lofti. The calculus of fuzzy restrictions. In _______ et al., (Org.) Fuzzy sets and
applications to cognitive and decision making processes. New York: Academic Press, 1975, p.
1-39.
ZADEH, Lofti. Computing with words – a paradigm shift (abstract). http://
www.cs.wis.edu/areas/ai/aisem/abstracts/1996.l.spring/zadeh.html. Acessado em
novembro de 2004.