Encontramos A Vivian Maier
Encontramos A Vivian Maier
Encontramos A Vivian Maier
A VIVIAN MAIER
Autorretrato e Street Photography
HISTÓRIA DA FOTOGRAFIA
PROF.: ÂNGELA FERREIRA
O presente trabalho propõe uma apresentação e análise das fotografias de Vivian Maier e a
justificação da sua arte através do olhar de Roland Barthes. Serão também apresentadas
fotografias da nossa autoria que apontam para o imaginário da fotógrafa.
PALAVRAS-CHAVE:
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Índice
CONCLUSÃO .................................................................................................................................. 14
BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................................................
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O ato de fotografar, pelo seu próprio sentido, está para além dos aspetos técnicos do clique no
obturador da câmara. O momento congelado nesse ato, ao mesmo tempo em que se torna imóvel,
depende do corte no tempo, para ser perpetuado. Isto porque o simples fato de ter sido fixado
coloca-o numa importância histórica que abrange, ao mesmo tempo, o passado, o presente e o
futuro. Curioso nas fotografias de Vivian Maier é a relação indivisível entre o tempo em que as
fotografias foram tiradas e o momento em que estas foram encontradas e levadas a público com o
reconhecimento e crítica que a consideram uma das melhores fotógrafas no âmbito da fotografia
de rua. Ao observarmos com algum cuidado o legado de Vivian, cresce-nos automaticamente a
vontade de saber mais sobre a autora e o seu percurso. Porque será que só há pouco tempo se ouve
falar dela? O enigma do tempo pode ser desmascarado, pouco a pouco, na visualização dos
documentários “Finding Vivian Maier” e “Imagine: Vivian Maier - Who Took Nanny's Pictures ”,
ambos de 2013. Com a ajuda do livro “A Cãmara Clara” de Roland Barthes, iremos pôr em
evidência o que torna as fotografias de Vivian tão especiais.
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SOBRE VIVIAN MAIER:
O que se sabe de Vivian Maier é ainda muito pouco. Relatado por quem a conheceu como a
personificação de Mary Poppins com tons de excentricidade, Vivian percorria as ruas e espaços com
casacos pesados, tipo sobretudos, e de galochas, ainda que de Verão. Conhece-se que nasceu em
Nova York, em 1926. Apesar da mesma dar a conhecer aos outros as suas origens francesas, viveu
poucos anos em França, destino que passou a conhecer de verdade após a separação dos pais.
Volta à sua cidade natal aos 25 anos. Chicago foi a sua segunda opção, arranjando uma ocupação
como babysitter. Passou 40 anos a cuidar de crianças e, nos tempos livres, fotografava as ruas e as
suas gentes. Morreu num lar em 2009 e passou toda a sua vida no anonimato.
O seu acervo permaneceu guardado num armazém que, por falta de pagamento, passou a ser
leiloado. Foi John Maloof, um historiador, que descobriu, numa casa de leilões, uma caixa com
negativos. Maloof conta que o acaso o colocou diante de um património com 30 mil negativos e
1600 rolos de filmes não revelados. Embora não tivesse dado grande importância de inicio, - o que
lhe interessava eram os registos fotográficos que havia colecionado para a pesquisa do seu livro
sobre a cidade de Chicago, - o historiador num instante se rendeu à qualidade das imagens e decidiu
mesmo aprender fotografia e dar a conhecer o devido mérito à autora do acervo da qual apenas
conhecia o nome, escrito num envelope que acompanhava uma das primeiras caixas que comprara
por apenas 400$ (US).
Atualmente são conhecidas como as coleções mais importantes do trabalho de Vivian Maier: as de
John Maloof, que detém 90% da sua obra, e as de Jeffrey Goldestein, que adquiriu de outros
compradores a quantidade de 15.000 negativos. Os dois colecionadores têm divulgado, cada um à
sua maneira, o trabalho da fotógrafa e são conhecidas as seguintes publicações:
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- Vivian Maier. Street Photographer (2011);
- Vivian Maier. Out of the Shadows (2012);
- Vivian Maier. Self-Portraits (2013);
- Finding Vivian Maier (2013) – documentário;
- Imagine: Vivian Maier - Who Took Nanny's Pictures (2013) – documentário.
O fenómeno de Vivian é, sem dúvida, um paradoxo, na medida em que a autora preservara as suas
imagens do mundo, enquanto que os seus coletores têm obtido incessantes lucros e
exposição nos media, mais ainda se tivermos em conta a quantidade de imagens
inéditas, filmes, gravações de áudio e documentos que não foram catalogados.
Maier insere-se na descendência das mulheres fotógrafas que abundaram desde a invenção
do invento fotográfico, passando por Julia Margaret Cameron, Geneciéve Elisabeth Disdéri ou
Gisèle Freund. Ao contrário do que possam pensar as feministas dos tempos modernos sobre a
reclusão do sexo feminino na época de 50, Maier poderia ter tido uma carreira reconhecida em
qualquer jornal dos Estados Unidos. No entanto, a autora, mulher independente desde os seus
20 anos, prefere tornar-se babysitter pela maneira em que este tipo de trabalho lhe possibilitava
deambular pelas ruas, tal flâneur , sem a vigilância constante de um chefe de gabinete, fazendo-se
acompanhar pela cumplicidade e boa disposição gratuita das crianças que tomava conta.
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STREET PHOTOGRAPHY - CONCEITO:
Vivian foi contemporânea de Diane Arbus. Ambas exploraram o universo da fotografia de rua a
preto e branco. Diferem apenas na objetividade dos seus trabalhos: enquanto Arbus procurou dar a
conhecer as camadas das classes mais desfavorecidas da sociedade norte-americana, Maier
preferiu investigar o mundo quotidiano, no qual se cruza com todo o tipo de personagens.
Sobre o género de fotografia que pratica, a Street Photography, sabemos que em 1851, o francês
Charles Nègre foi o primeiro fotógrafo a alcançar a sofisticação técnica para registar os
movimentos das pessoas na rua. Mas é Eugène Atget considerado o pai deste estilo fotográfico,
pela sua popularidade como fotógrafo parisiense. Houve um grande desenvolvimento nesta época
e Atget ajudou a promover as ruas da cidade como um tema digno para a fotografia. Ele trabalhou
na cidade de Paris a partir da década de 1890 à década de 1920. O tema principal de seu trabalho era
principalmente a arquitetura e, embora às vezes fotografasse trabalhadores, as pessoas não eram
o seu principal objetivo.
De Paris para o mundo, foi no século XX que a fotografia de rua despontou e ganhou a sua
popularidade e com isso, grandes nomes surgiram e servem de inspiração para os dias atuais:
Henri Cartier-Bresson e Robert Doisneau, foram especialistas nessa prática.
A fotografia de rua mostra a cultura local, arquitetura e retrata pessoas em cenas do seu dia-a-dia,
reforçando a espontaneidade de um momento passageiro da vida de quem está a ser retratado.
Geralmente são imagens misteriosas que contam uma história e têm o potencial de marcar uma
época. Não basta fotografar tudo o que acontece, é também importante tentar explorar o quotidiano
e com isso contar uma história. A fotografia de rua passa ao observador a sensação do que é estar
ali, naquele lugar, naquele momento. Para isso, há que ter em conta o ambiente, a história contada, a
luz e a composição.
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Este tipo de fotografia não procura a técnica perfeita; uma foto tirada rapidamente num momento
decisivo pode ter alguns erros técnicos e é o que dá à foto um certo carácter e charme, além de
transmitir autenticidade e realidade. Ou seja, hoje em dia, todo o tipo de câmeras podem ser utilizadas na
fotografia de rua, desde as DSLR´s aos telemóveis. Uma abordagem comumente utilizada é a abordagem
zonal - definindo uma distância de foco fixo e começando a partir dessa mesma distância - como uma
alternativa ao foco manual e ao foco automático. As distâncias focais tradicionais de 28 mm a 50 mm são
usadas principalmente por causa do seu ângulo de visão e maior profundidade de campo, mas o uso de outros
focos não é excluído. A abordagem zonal também torna mais fácil fotografar sem enquadramento, isto é,
através do visor LCD . Alguns fotógrafos usam as câmeras do seu dispositivo móvel para fazer fotografia de
rua, devido à alta qualidade que estes dispositivos oferecem: muitos megapixéis, grande resolução e boa
adaptação a situações com pouca luz. De nomear que um dos pontos a favor é o seu tamanho pequeno que
dificilmente chama a atenção, permitindo tirar fotos espontâneas.
A Street Photography pode ser confundida com a fotografia documental. No entanto, o estilo
documental é definido pela sua mensagem premeditada e intenção de gravar os eventos
particulares da história. A abordagem documental inclui aspectos do jornalismo, arte, educação,
sociologia e história. Na documentação da pesquisa social, as imagens são muitas vezes
destinadas a assegurar o caminho para a mudança social. A fotografia de rua não tem
esses mesmos interesses, permitindo-lhe oferecer uma verdadeira representação do mundo. As
fotografias de rua são imagens que refletem a sociedade, mostrando cenas não manipuladas.
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CONTEXTO HISTÓRICO:
Nos anos cinquenta, aquando do regresso de Vivian aos Estados Unidos, as cidades de Nova York
e Chicago mostravam caraterísticas de um aparatoso progresso. A multiplicidade de etnias devido à
procura de trabalho fazia prever o boom económico do Pós-Guerra no Ocidente e dava um ar
cosmopolita às cidades. Note-se que a lente de Vivian tomava de assalto as ruas por onde passava
de clique veloz e certeiro, dando ênfase à diversidade e empoderamento das cidades. A presença
das crianças como modelos era uma constante e mostravam as diversas caras da sociedade:
pobres, ricas, negros, latinos, ou americanos que, abandonados à sua sorte, estavam por momentos
resguardados de baixo das saias das suas amas. Estamos perante o testemunho de uma nova
infância – a infância das crianças que nasceram órfãs do carinho dos pais, ainda que em torno de
uma sociedade produtiva, industrializada e em expansão.
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ANÁLISE DOS AUTORRETRATOS
Das fotografias resultantes dos acervos conhecidos de Vivian Maier, a maior parte corresponde a
fotografias quase instantâneas que traduzem o instante decisivo referido por Roland Barthes no
seu livro A Camara Clara. Mais tarde analisaremos os elementos da fotografia que a tornam especial
– referimo-nos ao Studium e ao Punctum.
No entanto, nem só de street photography se define o trabalho de Vivian Maier. São inúmeros os
autorretratos encontrados por entre caixas e caixas de arquivos. Este tipo de fotografia parece
contrastar com o mundo observado por Vivian, dando a entender que a própria não se identifica com
a realidade em que está inserida.
O uso de espelhos e reflexos é reproduzido vezes sem conta e a sua cara neutra, cujos olhos dão a
sensação da busca incessante por um sentido de identidade e pertença, criam a atmosfera
enigmática ideal que vai de encontro ao histórico de relatos sobre o seu anonimato. Aliás, um dos
relatos de uma pessoa que privava com Vivian, inserido no documentário Finding Vivian Maier, diz
que a própria terá mesmo dito tratar-se de uma espiã. Consideramos a possibilidade de a autora ter
a certeza da qualidade dos seus trabalhos e ter imaginado um futuro de estrelato post-mortem e
daí ter colocado o seu acervo à mercê das leiloeiras, encenando todo este enredo que agora está,
aos poucos, a ser descoberto.
Nos seus autorretratos, Vivian Maier alia o noir à fotografia. O estilo noir impõe a dramatologia nos
olhares, pelos quais se expia pelos vidros das janelas e pelos espelhos, enquanto que pela sombra,
se controla de soslaio e com olhar investigativo o que se cerca. Os jogos de olhares ocorrem a partir
do visor da câmara, numa dialética entre o mostrar e o esconder, entre espiar e ser espiado. Isso
porque o universo noir existe o culto à desconfiança. Segundo Márcia Ortegosa, espiar é impor-se
sobre o outro, ao contrário de contemplá-lo. O ato de espiar define-se, assim, como uma
transgressão, sendo que as câmaras são objetos de mediação desse olhar, na busca de pistas
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ocultas. Por sua vez, seria uma forma de Vivian “encenar agressões”. Câmaras fotográficas e armas
efetuam disparos, logo, simbolicamente, a câmara exalta a agressividade. Mais uma vez, sublinha
Ortegosa, matar é cativar a imagem, petrificando-a - apertar o gatilho é clicar no botão do obturador.
A câmara, tal como a arma do caçador, dá segurança ao fotógrafo. (Ortegosa, 2010)
Resumidamente, fotografar é instituir uma relação de domínio sobre o outro, apoderar-se dele,
subjugar a cena pelo olhar, pois “transforma as pessoas em objetos que podem ser simbolicamente
possuídos”, conforme Susan Sontag (Sontag, 2004).
Analisando as fotografias de Vivian Maier, é possível presenciar que o cinema neorrealista italiano
e a nouvelle vague francesa foram estéticas perseguidas pela babysitter. Os seus autorretratos
evocam Rita Hayworth no espelho em A Dama de Xangai, de Orson Welles, assim como Le Beau
Serge, de Chabrol - o primeiro filme do novo cinema francês. É possível notar a influência de
fotógrafos como Edward Steichen, Dorothea Lange, Walker Evans, Eugene Smith e Wegee na
construção da cena e escolha dos personagens. São quase todos outsiders, como ela, ou mulheres
da classe alta, que servem de contraponto aos bargantes e marginais captados pela sua câmara.
(Filho, 2014)
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DESCOBRIR O STUDIUM E O PUNCTUM NAS FOTOGRAFIAS DE VIVIAN MAIER
A quem faz a fotografia, o fotógrafo, Roland Barthes chama de Operator ; ao suporte, a cena, ele
chama de Spectrum ; e a quem observa, de Spectator . Studium refere-se a elementos presentes no
Spectrum que deixam vislumbrar uma emoção generalizada e incutida pelos saberes inerentes à
situação social em que se encontra o Spectator . São emoções com enquadramento político e
histórico. Outro elemento cuja intenção coopera com as emoções é o Punctum . O Punctum é, nada
mais nada menos, que o elemento que, ao mesmo tempo, fere e atrai o autor para a fotografia,
tornando-a inesquecível. Por vezes, este Punctum pode ter características metonímicas, ou seja,
pode catalogar a parte pelo todo; ou paradoxal, tendo em conta que, não querendo o autor mostrar
mais do que aquilo que interessa, acaba por mostrar além do visível, ou seja, deixar suscitar
interpretações pelo Spectator . A sensação da ferida causada pelo Punctum pode, assim, antever um
Satori . O Satori é como a cicatriz que fica cravada na pele. “Pela marca de alguma coisa, a foto não é
mais uma qualquer. Essa alguma coisa deu um estalo” (Barthes, 1984) e provocou um estado de
iluminação profundo e duradouro.
Ao analisarmos as fotos de Vivian, chama-nos logo à atenção essas sensações provocadas pelo
Punctum. Quão estranho será a alteração do nosso estado de espírito ao visualizarmos as fotos de
uma desconhecida? É esta transformação interna que nos dá a certeza da grandiosidade das
fotografias de Vivian Maier e a importância da autora para a História da Fotografia.
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Figura 1- Rapariga no carro - Vivian Maier
As suas fotografias, no geral, exploram com emoção o cotidiano das pessoas que circulam pela
cidade. Esta foto mostra um retrato de uma jovem mulher dentro de um carro, enfatizando a sua
expressão descontraída e calma na presença de Maier. A mensagem primordial desta imagem é o
sentido de beleza. Considerando as intervenções de Roland Barthes para o estudo do significado
da fotografia, podemos considerar que esta foto, por toda a sua dimensão possui uma emansidão
de curiosidade que não distrai o observador para qualquer recanto da imagem, ao primeiro contato,
para além da rapariga, pois tudo o mais é secundário. A expressão da modelo suscita, além da
descontração, algum sentido de arrojo e ousadia: não só pelo à-vontade da personagem para posar
para um desconhecido mas, também, pelo ar inocente e o quase sentido de desejo que emana a sua
beleza, recordardando o comportamento da personagem Lolita, do livro de Vladimir Nabokov
(1955). Estamos na presença do Punctum.
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Embora esta imagem tenha sido tirada um pouco afastada do sujeito, existem pequenos detalhes
como o manípulo da porta semi-cortada na parte inferior esquerda que só numa segunda
observação se tornam evidentes. Para nós, que vivemos na década millenial, o que nos atrai em
segundo plano é o guiador do automóvel. Trás-nos à memória uma época que não vivemos mas
que vimos nos filmes e que consideramos digno de prestígio. Está assim detetado o Spectrum que
põe em evidência o contexto histórico, social e económico da rapariga e, por assim dizer, da própria
Vivian que, mesmo tendo a profissão de babysitter, dava-se ao luxo de poder interagir com o mundo
dos mais favorecidos, ainda que não se ensaiasse em, de vez em quando, prosseguir por alguns
becos e vielas.
Posteriormente à análise da foto, tentamos reproduzi-la. Como foi uma foto pensada e estudada,
decidimos fazer um close, deixando de lado qualquer distração que o manípulo pudesse suscitar.
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RECRIAÇÃO DO IMAGINÁRIO DE VIVIAN
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Figura 3- Dulce Barros
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Figura 4- Dulce Barros
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Figura 5- Dulce Barros
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Figura 6- Dulce Barros
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Figura 7- Dulce Barros
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Figura 8- Dulce Barros
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Figura 9- Ana Alves
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CONCLUSÃO:
Retomando o mote inicial do tempo nas fotografias de Vivian Maier, concluímos que existe um
momento oportuno na sua espontaneidade, ao que Roland Barthes chamaria Kayrós. No entanto,
a longa espera na revelação dos seus negativos, assim como a longa espera em que o observador
participa, dá-nos a certeza da grandiosidade do trabalho de Vivian passados 40 anos: estamos
também presentes do fenómeno da expetação, defendido por Lissovsky. Assim sendo, partilhamos
com Vivian, agora nós, espetadores, a temporalidade da espera “como se a imagem lançasse o
desejo para além daquilo que ela dá a ver” (Barthes, 1984).
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BIBLIOGRAFIA:
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