Benjamin Walter Pequena Historia Da Fotografia
Benjamin Walter Pequena Historia Da Fotografia
Benjamin Walter Pequena Historia Da Fotografia
tais atividades estavam mais próximas das artes de feira, com O panorama por ele esboçado é suficientemente amplo para
que a fotografia até hoje tem afinidades, que da indústria. tornar irrelevante a justificação da fotografia em face da pin-
Esta conquistou o campo, de fato, com os cartões de visita, tura, que o próprio Arago não deixa de tentar, e para indicar,
cujo primeiro produtor, sintomaticamente, tomou-se milioná- em seus grandes traços, o verdadeiro alcance da invenção.
rio. Não seria surpreendente se as publicações que hoje pela "Quando os inventores de um novo instrumento", diz Arago,
primeira vez dirigem nosso olhar para aquele período pré-in- "o aplicam à observação da natureza, o que eles esperavam da
dustrial de apogeu tivesse uma relação subterrânea com a descoberta é sempre uma pequena fração das descobertas su-
crise que hoje abala a indústria capitalista. Mas isso não nos cessivas, em cuja origem está o intrumento." Em grandes U-
~uda a transformar o fascinio exercido pelos álbuns de velhas nhas, o discurso abrange o domínio das novas técnicas, da
fotografias, recentemente publicados,1 em compreensão real astrotlsica à filologia: ao lado da idéia de fotografar as estre-
da essência da arte fotográfica. As tentativas de teorização são las, aparece a idéia de fotografar um corpus de hieróglifos
rudimentares. Os inúmeros debates realizados no século pas- eg1pcios.
sado sobre esse tema no fundo não conseguiram libertar-se do Os clichês de Daguerre eram placas de prata, iodadas e
esquema grotesco utilizado por um jornal chauvinista, Leipzi- expostas nacamera obscura; elas precisavam ser manipuladas
ger Anzeiger, para combater a invenção diabólica de além- em vá rios sentidos, até que se pudesse reconhecer, sob uma luz
Reno. Querer "fixar efêmeras imagens de espelho não é so- favorável, uma imagem cinza-pálida. Eram peças únicaS; em
mente uma impossibilidade, como a ciência alemã o 'provou média, o preço de uma placa, em 1839, era de 2S francos-
irrefutavelmente, mas um projeto sacrílego. O homem foi feito ouro. Não raro, eram guardadas em estojos, como jóias. Mas
à semelhança de Deus, e a imagem de Deus não pode ser fi- vários pintores as transformaram em recursos técnicos. Assim
xada por nenhum mecanismo humano. No máximo o próprio como Utrillo, setenta anos depois, produziu suas vistas fasci-
artista divino, movido por uma inspiração celeste, poderia nantes de casas nos arredores de Paris não a partir da natu-
atrever-se a reproduzir esses traços ao mesmo tempo divinos e reza, mas por meio de cartões-postais, David Octavius Hill,
humanos, num momento de suprema solenidade, obedecendo retratista famoso, compôs seu afresco sobre o primeiro sínodo
às diretrizes superiores do seu gênio, e sem qualquer artificio geral da igreja escocesa, em 1843, a partir de uma série de
mecânico". Aqui aparece, com todo o peso da sua nulidade, fotografias. Ele próprio tirava as fotos. E foram esses modes-
o conceito filisteu de "arte", alheio a qualquer consideração tos meios auxilares, destinados ao uso do próprio artista, que
técnica e que pressente seu próprio fim no advento provoca- transmitiram seu nome à história, ao passo que ele desapare-
tivo da nova técnica. E, no entanto, foi com esse conceito feti- ceu como pintor. Mas alguns estudos são mais úteis para in-
chista de arte, fundamentalmente antitécnico, que se debate- troduzir a nova técnica que esses retratos: imagens humanas
ram os teóricos da fotografia durante quase cem anos, natu- anônimas, e não retratos. A pintura já conhecia há muito ros-
ralmente sem chegar a qualquer resultado. Porque tentaram tos desse tipo. Se os quadros permaneciam no patrimônio da
justificar a fotografia diante do mesmo tribunal que ela havia família, havia ainda uma certa curiosidade pelo retratado.
derrubado. Muito diferente é o tom com que o físico Arago Porém depois de duas ou três gerações esse interesse desapa-
defendeu a descoberta de Daguerre no dia 3 de julho de 1839, recia: os quadros valiam apenas como testemunho do talento
na Câmara dos Deputados. A beleza desse discurso vem do artístico do seu autor. Mas na fotografia surge algo de es-
fato de que ele cobre todos os aspectos da atividade humana. tranho e de novo: na vendedora de peixes de New Haven,
olhando o chão com um recato tão displicente e tão sedutor,
preserva-se algo que não se reduz ao gênio artístico do fotó-
O) BoMert, Helmuth Th. c Guttmann, Heinrich. Aus der Frühz.eit der Plrom - grafo Hill, algo .Que não pode ser silenciado, que reclama com
grapltie, 1840-70. Um livro de imagens baseado em 200 originais. Frankfurt, 1930.
Schwan. Heinrich. Do1•id OctaviiL!I Hill_ Der M eiliter tler PIIotograplrie. 180 repro· insistência o nome daquela que viveu ali, que também na foto
duçõcs. Leipzig, l93 L é real, e que não quer extinguir-se na "arte".
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"E eu pergunto como o adorno desses cabelos que a diferença entre a técnica e a magia é uma variável total-
E desse'olhar rodeia os seres de antigamente mente histórica. ~ assim que, em suas surpreendentes foto-
Como essa boca aqui beijada em torno da qual o desejo grafias de plantas, Blossfelde mostrou no eqüisseto as formas
Se enrola, loucamente, como fumaça sem fogo ••. " mais antigas das colunas, no feto arborescente a mitra episco-
pal, nos brotos de castanheiras e aceráceas, aumentadas dez
Ou então descobrimos a imagem de Dauthendey, o fotógrafo, vezes, mastros totêmicos, no cardo um edificio gótico. Por
pai do poeta, no tempo de seu noivado com aquela mulher que isso, os modelos de Hill não estavam longe da verdade quando
ele um dia encontrou com os pulsos cortados, em seu quarto diziam que "o fenômeno da fotografia" lhes parecia "uma
de Moscou, pouco depois do nascimento do seu sexto filho. grande e misteriosa experiência", mesmo que se tratasse ape-
Nessa foto, ele pode ser visto a seu lado e parece segurá-la; nas da impressão de estarem diante de "um aparelho que po-
mas o olhar dela não o vê, está fixado em algo de distante e dia rapidamente gerar uma imagem do mundo visível, com
catastrófico. Depois de mergulharmos suficientemente fundo um aspecto tão vivo e tão verídico como a própria natureza".
em imagens assim, percebemos que também aqui os extremos Dizia-se da câmara de Hill que ela mantinha uma discreta re-
se tocam: a técnica mais exata pode dar às suas criações um serva. Mas seus modelos não são menos reservados; eles têm
valor mágico que um quadro nunca mais terá para nós. Ape- uma certa timidez diante do aparelho, e a regra de um fotó-
sar de toda a perícia do fotógrafo e de tudo o que existe de grafo posterior ao período de apogeu, "não olhem jamais a
planejado em seu comportamento, o observador sente a neces- câmara", poderia ter sido deduzida desses modelos. Com isso
sidade irresistivel de procurar nessa imagem a pequena cen- não se quer aludir àquele olhar pretensamente dirigido para o
telha do acaso, do aqui e agora, com a qual a realidade cha- próprio observador, que caracteriza, de modo tão importuno
muscou a imagem, de procurar o lugar imperceptivel em que para o cliente, certas fotos de animais, bebês e homens, às
o futuro se aninha ainda hoje em minutos únicos, há muito quais podemos opor a frase com que o velho Dauthendey se
extintos, e com tanta eloqüência que podemos descobri-lo, refere ao daguerreótipo: "as pessoas não ousavam a principio
olhando para trás. A natureza que fala à câmara não ê a olhar por muito tempo as priroeil:as imagens por ele produzi-
mesma que fala ao olhar; ê outra, especialmente porque subs- das. A nitidez dessas fisionomias assustava, e tinha-se a im-
titui a um espaço trabalhado conscientemente pelo homem, pressão de que os pequenos rostos humanos que apareciam na
um espaço que ele percorre inconscientemente. Percebemos, imagem eram capazes de ver-nos, tão surpreendente era para
em geral, o movimento de um homem que caminha, ainda todos a nitidez insólita dos primeiros daguerreótipos".
que em grandes traços, mas nada percebemos de sua atitude As primeiras pessoas reproduzidas entravam nas fotos
na exata fração de segundo em que ele dá um passo. A foto- sem que nada se soubesse sobre sua vida passada, sem ne-
grafia nos mostra essa atitude, através dos seus recursos auxi- nhum texto escrito que as identificasse. Os jornais ainda eram
liares: câmara lenta, ampliação. Só a fotografia revela esse artigos de luxo, raramente comprados, e lidos no café, a foto-
inconsciente ótico, como só a psicanálise revela o inconsciente grafia ainda não se tinha tornado seu instrumento, e pouquís-
pulsional. Características estruturais, tecidos celulares, com simos homens viam seu nome i.,mpresso. O rosto humano era
os quais operam a técnica e a medicina, tudo isso tem mais rodeado por um silêncio em que o olhar repousava. Em suma,
afinidades originais com a câmara que a paisagem impreg- todas as possibilidades da arte do retrato se fundam no fato de
nada de estados afetivos, ou o retrato que exprime a alma do que não se estabelecera ainda um contato entre a atualidade e
seu modelo. Mas ao mesmo tempo a fotografia revela nesse a fotografia. Muitas imagens de Hill foram produzidas no ce-
material os aspectos fisionômicos, mundos de imagens habi-
tando as coisas mais minúsculas, suficientemente ocultas e
significativas para encontrarem um refúgio nos sonhos diur- (2) Blossfeldt, Karl. Urformen der Kumt. PhOlographische PjlQ/Iunbilder.
nos, e que agora, tomando-se grandes e formuláveis, mostram Organi.z.ado e prelaciado por Karl Nierendorf. 120 reproduções. Berlim, 8/ (1928).
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mitério de Greyfriars, em Edimburgo. Nada caracteriza me- Deve-se notar, de resto, para compreendermos a forte in-
lhor esse período primitivo que a naturalidade com que os fluência exercida pelo daguerreótipo na época de sua desco-
mode!os aparecem nesse ambiente. Com efeito, segundo uma berta, que nessa mesma ocasião a pintura ao ar livre estava
imagem de Hill, esse cemitério tem o aspecto de um interior começando a abrir perspectivas inteiramente novas aos pin-
um local isolado, rodeadO por uma cerca, onde se erguem se: tores mais progressistas. Consciente de que d~ ponto de
pulturas, apoiadas em muros, num gramado, ocas como larei- vista a pintura tinha abdicado em favor da fotografia, Arago
ras, nas quais, em vez de chamas, existem epitâfios. Mas esse diz explicitamente em sua retrospectiva histórica sobre as pri-
local·não teria jamais provocado um efeito tão impressionante meiras experiências de Giovanni Battista Porta: "no que se
se sua escolha não tivesse obedecido a imperativos técnicos. A refere aos efeitos provocados pela transferência imperfeita de
fraca sensibilidade luminosa das primeiras chapas exigia uma nossa atmosfera, impropriamente caracterizados como pers-
longa exposição ao ar livre. Isso por sua vez obrigava o fotó- pectiva aérea - nem sequer os pintores mais experientes têm
grafo a colocar o modelo num lugar tão retirado quanto possí- qualquer esperança de que a camera obscura (Arago quer re-
vel, onde nada pudesse perturbar a concentração necessária ferir-se à cópia das imagens que nela aparecem) possa ajudá-
ao trabalho. Como diz Orlik, comentando as primeiras foto- los a reproduzir exatamente esses efeitos". No momento em
grafias: "a síntese da expressão, obtida à força pela longa que Daguerre conseguiu fixar as imagens da camera obscura,
imobilidade do modelo, é a principal razão pela qual essas os técnicos substituíram, nesse ponto, os pintores. Mas a ver-
imagens, semelhantes em sua simplicidade a quadros bem dadeira vítima da fotografia não foi a pintura de paisagem, e
desenhados ou bem pintados, evocam no observador uma im- sim o retrato em miniatura. A evolução foi tão rápida que por
pressão mais persistente e mais durável que a~ produzidas pe- volta de 1840 a maioria dos pintores de miniaturás se trans-
las fotografias modernas". O próprio procedimento técnico formaram em fotógrafos, a princípio de forma esporádica e
levava o modelo a viver não ao sabor do instante, mas. dentro pouco depois exclusivamente. A experiência adquirida em seu
dele; durante a longa duração da pose, eles por assim dizer oficio original foi-lhes muito útil, embora o alto nível do seu
cresciam dentro da imagem, diferentemente do instantâneo, trab~lho fotográfico se deva mais à sua formação artesanal
correspondente àquele mundo transformado no qual, como que à sua formação artística. Essa geração de transição só
observou com razão K.rakauer, a questão de saber "se um es- desapareceu gradualmente. Uma bênção bíblica parece ter
portista ficará tão célebre que os fotógrafos de revistas ilus- favorecido esses primeiros fotógrafos: os Nadar, os Stelzner,
tradas queiram retratá-lo" vai ser decidida na mesma fração os Pierson, os Bayard, chegaram todos aos noventa ou cem
de segundo em que a foto está sendo tirada. Tudo nessas pri- anos. Mas finalmente os homens de negócios se instalaram
meiras imagens era organizado para durar; não só os grupos profissionalmente
, .
como fotógrafos, e quando, mais tarde' o
incomparáveis formados quando as pessoas se reuniam, e cujo bab1to do retoque, graças ao qual o mau pintor se vingou da
desaparecimento talvez seja um dos sintomas mais precisos do fotografia, acabou por generalizar-se, o gosto experimentou
que ocorreu na sociedade na segunda metade do século, mas uma brusca decadência. Foi nessa época que começaram a
as próprias dobras de um vestuário, nessas imagens, duram surgir os álbuns fotográficos. Eles podiam ser encontrados nos
mais tempo. Observe-se o casaco de Schelling, na foto que lugares mais glaciais da casa, em consoles ou guéridons, na
dele se preservou. Com toda certeza, esse casaco se tornou tão sala de visitas - grandes volumes encadernados em couro,
imortal quanto o filósofo: as formas que ele assumiu no corpo com horríveis fechos de metal, e as páginas com margens dou-
do seu proprietário não são menos valiosas que as rugas no seu radas, com a espessura de um dedo, nas quais apareciam fi-
rosto. Em suma, tudo indica que Bernard von Brentano tinha guras grotescamente vestidas ou cobertas de rendas: o tio Ale-
razão em supor que "um fotógrafo, por volta de 1850, estava à xandre e a tia Rika, Gertrudes quando pequena, papai no
altura do seu instrumento" - pela primeira vez e, durante primeiro semestre da Faculdade e, para cúmulo da vergonha,
muito tempo, pela última. nós mesmos, L'Om uma fantasia alpina, cantando à tirolesa,
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agitando o chapéu contra neves pintadas, ou como um ele- haviam produzido uma florescência única do mezzo-tinto.
gante marinheiro, de pé, pernas entrecruzadas em posição de Esse procedimento é uma técnica de reprodução que somente
descanso, como convinha, recostado num pilar polido. Os mais tarde se associou à da fotografia. Como no mezzo-tinto,
acessórios desses retratos, com seus pedestais, balaustradas e nas fotos de um Hill a luz se esforça, laboriosamente, para
mesas ovais evocam o tempo em que, devido à longa duração sair da sombra. Orlik fala dà. "condução luminosa sintética",
da pose, os modelos precisavam ter pontos de apoio para fi- provocada pelo longo período de exposição, que "dá a esses
carem imóveis. No início, os fotógrafos se contentavam com primeiros clichês toda a sua grandeza". Entre os contemporâ-
dispositivos para fixar a cabeça ou o joelho. Depois vieram neos da invenção, já Delaroche se referia à impressão geral
outros acessórios, como nos quadros célebres, e, portanto, ti- "nunca antes alcançada, preciosa, não perturbando em nada
nham que ser "artísticos". Antes de mais nada, a coluna e a a serenidade das massas". O mesmo pode se dizer do condi-
cortina. Já a partir dos anos 60 pessoas mais competentes se cionamento técnico do fenômeno aurático. Em particular, em
revoltavam contra essas tolices. Assim escrevia uma publica- muitas imagens de grupo os personagens conservam ainda
ção inglesa do ramo: "Nos quadros pintados a coluna tem uma forma alada de "estarem juntos", tal como ela aparece
ainda um simulacro de probabilidade, mas o modo como ela é transitoriamente na chapa, antes de desaparecer no "clichê
aplicada na fotografia é absurdo, porque ela se ergue em geral original". É esse círculo de vapor que às vezes circunscreve, de
sobre um tapete. Ora, todos estão de acordo em que não é modo belo e significativo, o oval hoje antiquado da foto. Por
sobre um tapete que se constroem colunas de mármore ou de isso, salientar nesses incunábulo~ da fotografia sua "perfeição
pedra". Foi nessa época que apareceram aqueles ateliês com técnica" ou seu "bom gosto" é um erro de interpretação.
seus cortinados e palmeiras, tapeçarias ·e cavaletes, mescla Essas imagens nasceram num espaço em que cada cliente via
ambígua de execução e representação, dimara de torturas e no fotógrafo, antes de tudo, um técnico da nova escola, e em
sala do trono, que nos é evocada, de modo tão comovente, por que cada fotógrafo via no cliente o membro de uma classe
um retrato infantil de Kafka. O menino de cerca de seis anos é ascendente, dotado de uma aura que se refugiava até nas do-
representado numa espécie de paisagem de jardim de inverno, bras da sobrecasaca ou da gravata lavalliere. Pois aquela aura
vestido com uma roupa de criança, muito apertada, quase não é o simples produto de uma câmara primitiva. Nos pri-
humilhante, sobrecarregada com rendas. No fundo, erguem- meiros tempos da fotografia, a convergência entre o objeto e a
se palmeiras im6veis. E, como para tornar esse acolchoado técnica era tão completa quanto foi sua dissociação, no pe-
·ambiente tropical ainda mais abafado e sufocante, o modelo ríodo de declínio. Pouco depois, com efeito, a ótica, mais
segura na mão esquerda um chapéu extraordinariamente avançada, passou a dispor de instrumentos que eliminavam
grande, com largas abas, do tipo usado pelos espanhóis. O inteiramente as partes escuras, registrando os objetos como
menino teria desaparecido nesse quadro se seus olhos inco- espelhos. Os fotógrafos posteriores a 1880 viam como sua ta-
mensuravelmente tristes não dominassem essa paisagem feita refa criar a ilusão da aura através de todos os artificias do re-
sob medida para eles. toque, especialmente pelo chamado off-set; essa mesma aura
Em sua tristeza, esse retrato contrasta com as primeiras que fora expulsa da imagem graças à eliminação da sombra
fotografias, em que os homens ainda não lançavam no mundo, por meio de objetivas de maior intensidade luminosa, da
como o jovem Kafka, um olhar desolado e perdido. Havia mesma forma que ela fora expulsa da realidade, graças à de-
uma aura em torno deles, um meio que atravessado por seu generescência da burguesia imperialista. Desse modo, entr(lu
olhar lhes dava uma sensação de plenitude e segurança. Mais na moda um tom crepuscular, interrompido por reflexos arti-
uma vez existe para isso um equivalente técnico: o continuum ficiais, principalmente na época do Jugendstil; apesar dessa
absoluto da luz mais clara à sombra mais escura. Também penumbra, distinguia-se com clareza crescente uma pose cuja
aqui se confirma a lei da antecipação, na velha técnica, de rigidez traía a impotência daquela geração em face do pro-
novas conquistas: os antigos retratistas, antes do seu declinio, gresso-técnico.
JOO WALTER BENJAMIN MAGIA E TECNICA, ARTE E POLITICA 101
No entanto o decisivo na fotografia continua sendo are- grafia convencional, especializada em retratos, durante a
lação entre o fotógrafo e sua técnica. Camille Recht caracte- época da decadência. Ele saneia essa atmosfera, purifica-a:
riza essa relação com uma bela imagem. "O violinista precisa começa a libertar o objeto da sua aura, nisso consistindo o
primeiro produzir o som, procurá-lo, achá-lo com a rapidez mérito mais incontestável da modema escola fotográfica.
do reUimpago, ao passo que o pianista bate nas teclas, e o som Quando as publicações de vanguarda, Bifur ou Variété, mos-
explode. O instrumento está à disposição do pintor, como do tram unicamente detalhes, sob títulos como Westminster,
fotógrafo. O desenho e o colorido do pintor correspondem à Lille, Antuerpia ouBreslau, representando, ora um fragmento
sonoridade do violinista; como o pianista, o fotógrafo precisa de balaustrada, ora a copa desfolhada de uma árvore cujos
lidar com um mecanismo sujeito a leis limitativas, que não galhos se entrecruzam de múltiplas maneiras sobre um poste
pesam tão rigorosamente sobre o violinista. Nenhum Pade- de gás, ora um muro ou um candelabro com uma bóia de
rewski alcançará jamais a glória de um Paganini, nem exer- salvação na qual figura o nome da cidade, elas se limitam a
cerá, como ele, o mesmo fascínio mágico." Mas existe um levar ao extremo motivos descobertos por Atget. Ele buscava
Busoni da fotografia, para conservar a mesma metáfora: At- as coisas perdidas e transviadas, e, por isso, tais imagens se
get. Ambos eram virtuoses e ao mesmo tempo precursores. voltam contra a ressonância exótica, majestosa, romântica,
Têm um modo incomparável de abrir-se às coisas, com o má- dos nomes de cidades; elas sugam a aura da realidade como
ximo de precisão. Mesmo em seus traços existe uma seme- uma bomba suga a água de um navio que afunda. Em suma, o
lhança. Atget foi um ator que retirou a máscara, descontente que é a aura? É uma figura singular, composta de elementos
com sua profissão, e tentou, igualmente, desmascarar a reali- espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa distante,
dade. Viveu em Paris, pobre e desconhecido, desfazia-se de por mais próxima que ela esteja. Observar, em repouso, numa
suas fotografias doando-as a amadores tão excêntricos· como tarde de verão, uma cadeia de montanhas no horizonte, ou
ele, e morreu ·há pouco tempo, deixando uma obra de mais de um galho, que projeta sua sombra sobre nós, até que o ins-
quatro mil imagens. Berenice Abbot, de Nova Iorque, reco- tante ou a hora participem de sua manifestação, significa res-
lheu essas fotos, das quais Camille Recht publicou uma sele- pirar a aura dessa montanha, desse galho. Mas fazer as coisas
ção, num volume de extraordinária beleza.J Os publicistas se aproximarem de nós, ou antes, das massas, é uma tendên-
contemporâneos "nada sabiam sobre aquele homem que pas- cia tão apaixonada do homem contemporâneo quanto a supe-
sava a maior parte do tempo percorrendo os ateliês, com suas ração do carãter único das coisas, em cada situação, através
fotos, vendendo-as por alguns cêntimos, muitas ve-Les ao mes- da .sua reprodução. Cada dia fica mais irresistível a necessi-
mo preço que aqueles cartões-postais que em torno de 1900 dade de possuir o objeto de tão perto quanto possível, na ima-
representavam belas paisagens urbanas envoltas numa noite gem, ou melhor, na sua reprodução. E cada dia fica mais ní-
azulada, com uma lua retocada. Ele atingiu o pólo da su- tida a diferença entre a reprodução, como ela nos é oferecida
prema maestria, mas na amarga modéstia de um grande ar- pelos jornais ilustrados e pelas atualidades cinematogrâficas,
tista, que sempre viveu na sombra, deixou de plantar ali o seu e a imagem. Nesta, a unicidade e a durabilidade se associam
pavilhão. Por isso, muitos julgam ter descoberto aquele pólo, tão intimamente como, na reprodução, a transitoriedade e a
que Atgetjá alcançara antes deles". Com efeito: as fotos pari- reprodutibilidade. Retirar o objeto do seu invólucro, destruir
sienses de Atget são as precursoras da fotografia surrealista, a sua aura, é a característica de uma forma de percepção cuja
vanguarda do único destacamento verdadeiramente expres- capacidade de captar o "semelhante" no mundo é tão aguda
sivo que o surrealismo conseguiu pôr em marcha. Foi o pri- que, graças à reprodução, ela consegue captá-lo até no fenô-
meiro a desinfetar a atmosfera sufocante difundida pela foto- meno único. Quase sempre Atget passou ao largo das "gran-
des vistas e dos lugares característicos", mas não negligenciou
(3) Atgct, Eugêne. Lichtbilder. Prefácio de Camille Recbt. Paris e Leipzig, uma grande fila de fôrmas de sapateiro, nem os pátíos de
1930 Paris, onde da manhã à noite se enfileiram carrinhos de mão,
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nem as mesas com os pratos sujos ainda não retirados, como a dever à poderosa galeria fisionômica de um Eisenstein ou de
existem aos milhares, na mesma hora, nem no bordel da um Pudovkin, e realizou esse trabalho numa perspectiva cien-
rua... n!> 5, algarismo que aparece, em grande formato, em tífica. "Sua obra é organizada em sete grupos, que correspon-
quatro diferentes locais da fachada. Mas curiosamente quase dem à atual ordem social; e deverá ser publicada em 45 pran-
todas essas imagens são vazias. Vazia a Porte d'Arcueil nas chas, com doze fotos cada uma." Até agora foi publicada uma
fortificações, vazias as escadas faustosas, vazios os p átios, va- seleção de 60 reproduções, que oferecem uma inesgotável ma-
zios os terraços dos cafés, vazia, como convém, a Place du téria para a observação. "Sander parte do camponês, do ho-
Tertre. Esses lugares não são solitários, e sim privados de toda mem ligado à terra, conduz o observador por todas as cama-
atmosfera; nessas imagens, a cidade foi esvaziada, como uma das e profissões, desde os representantes da mais alta civili-
casa que ainda não encontrou moradores. Nessas obras, a fo- zação até os idiotas." Nessa tarefa imensa, o autor não se
tografia surrealista prepara uma saudável alienação do ho- comportou como cientista, não se deixou assessorar por teóri-
mem com relação a seu mundo ambiente. Ela liberta para o cos racistas ou por sociólogos, mas partiu, simplesmente, da
olhar politicamente educado o espaço em que toda intimidade "observação imediata", como diz o editor. Essa observação
cede lugar à iluminação dos pormenores. foi por certo isenta de preconceitos, e mesmo audaciosa, mas
e. óbvio que esse novo olhar está ausente precisamente ao mesmo tempo terna, no sentido de Goethe: "Existe uma
naquele gênero que via de regra era mais cultivado pelos fotó- tema empiria que se identifica intimamente com o objeto e
grafos: o retrato representàtivo e bem remunerado. Por outro com isso transforma-se em teoria". 1!, pois, inteiramente na-
lado, renunciar ao homem é para o fotógrafo a mais irrealizá- tural que um observador como DOblin tenha destacado sobre-
vel de todas as exigências. Quem não sabia disso, aprendeu tudo os elementos científicos dessa obra, comentando: "Assim
com os melhores filmes russos que mesmo o ambiente e a pai- como existe uma anatomia comparada, que permite pela pri-
sagem só se revelam ao fotógrafo que sabe captâ-los em sua meira vez obter uma concepção geral da natureza e da história
manifestação anônima, num rosto humano. Mas essa possibi- do órgão, esse artista praticou a fotografia comparada, alcan-
lidade é em grande medida condicionada pela atitude da pes- çando assim um ponto de vista científico situado além da fo-
soa representada. A geração que não pretendia chegar à pos- tografia de pormenores". Seria uma pena se as condições eco-
teridade pelas fotografias e que em vez disso se refugiava em nômicas impedissem a publicação completa desse corpus ex-
seu mundo cotidiano, como Schopenhauer se refugia na pro- traordinário. Mas podemos oferecer à editora, além desse en-
fundidade da poltrona, na fotografia de 1850, em Frankfurt corajamento de princípio, outro, mais concreto. Trabalhos
·(e que por isso mesmo transportou consigo, na foto, esse como o de Sander podem alcançar da noite para o dia uma
mundo cotidiano) ~ essa geração não legou suas virtudes a atualidade insuspeitada. Sob o efeito dos deslocamentos de
seus sucessores. Pela primeira vez em décadas o cinema russo poder, como os que estão hoje iminentes, aperfeiçoar e tomar
ofereceu uma oportunidade de aparecer diante da câmara a mais exato o processo de captar traços fisionômicos pode con-
pessoas que não tinham nenhum interesse em fazer-se foto- verter-se numa necessidade vital. Quer sejamçs de direita ou
grafar. Subitamente, o rosto humano apareceu na chapa com de esquerda, temos que nos habituar a ser vistos, venhamos de
uma significação nova e incomensurável. Mas não se tratava onde viermos. Por outro lado, teremos também que olhar os
mais de retratos. Do que se tratava então? O mérito eminente outros. A obra de Sander é mais que um livro de imagens, é
de um fotógrafo alemão é haver respondido a essa pergunta. um atlas, no qual podemos exercitar-nos.
August Sander--4 reuniu uma série de rostos que em nada ficam "Nenhuma obra de arte é contemplada tão atentamente
em nosso tempo como a imagem fotográfica de nós mesmos,
de nossos parentes próximos, de nossos seres amados", escre-
(4) Sw1der, August. Antlitz der üil. Sessenta fotografias de a lemães do sé- veu Lichtwark, em 1907, removendo assim a investigação da
culo XX . Prefácio de Alfred Dóbtin. Munique, 1929. esfera das distinções estéticas e transpondo-a para a das fun-
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MAGIA E "ttcNICA, ARTE E POLITICA 105
ções sociais. Só assim essa investigação poderá progredir. É
característico que o debate tenha se concentrado na estética através de velhas formas, velhos instrumentos e velhas esferas
da "fotografia como arte", ao passo que poucos se interessa- de atividade, que no fundo já foram liquidados com o apare-
ram, por exemplo, pelo fato bem mais evidente da "arte como cimento do novo, mas sob a pressão do novo emergente expe-
fotografia". No entanto a importância da reprodução fotográ- rimentam uma floração eufórica. Assim a pintura futurista
fica de obras de arte para a funç.ã o artística é muito maior que (estática) forneceu sua problemática, solidamente definida, à
a construção mais ou menos artística de uma fotografia, que simultaneidade dos movimentos, à estruturação do elemento
transforma a vivência em objeto a ser apropriado pela câ- temporal, problemática que mais tarde destruiria essa mesma
mera. No fundo, o amador que volta para casa com inúmeras pintura; e isso numa época em que o cinema já era conhecido,
fotografias não é mais sério que o caçador, regressando do embora ainda não compreendido em seu alcance.•. Do mesmo
campo com massas de animais abatidos que só têm valor para modo, podemos considerar, com alguma prudência, alguns
o comerciante. Na verdade, não está longe o dia em que ha- dos pintores que hoje trabalham com meios descritivos e rea-
verá mais folhas ilustradas que lojas vendendo caças ou aves. listas (neoclassicistas e veristas) como precursores de uma
Mas as ênfases mudam completamente se abandonamos a fo- nova forma de representação visual, que em breve utilizará
tografia como arte e nos concentramos na arte como fotogra- apenas meios técnicos de natureza mecânica." E, segundo
fia. Cada um de nós pode observar que uma imagem, uma Tristan Tzara, em 1922: "Q~ando tudo o que se chamava arte
escultura e principalmente um edifício são mais facilmente se paralisou, o fotógrafo acendeu sua lâmpada de mil velas e
visíveis na fotografia que na realidade. A tentação é grande de gradualmente o papel sensível à luz absorveu o negrume de
atribuir a responsabilidade por esse fenômeno à decadência alguns objetos de consumo. Ele tinha descoberto o poder de
do gosto artístico ou ao fracasso dos nossos contemporâneos. um relampejar terno e imaculado, mais importante que todas
Porém somos forçados a reconhecer que a concepção das gran- as constelações oferecidas para o prazer dos nossos olhos". Os
des obras se modificou simultaneamente com o aperfeiçoa- fotógrafos que passaram das artes plásticas à fotografia, não
mento das técnicas de reprodução. Não podemos agora vê-las por razões oportunísticas, não acidentalmente, não por como-
como criações individuais; elas se transformaram em criações dismo, constituem hoje a vanguarda dos especialistas contem-
coletivas tão possantes que precisamos diminui-las para que porâneos, porque de algum modo estão imunizados por esse
nos apoderemos delas. Em última instância, os métodos de itinerário contra o maior perigo da fotografia contemporânea,
reprodução mecânica constituem uma técnica de miniaturi- a comercialização. "A fotografia como arte", diz Sasha Stone,
zação e ajudam o homem a assegurar sobre as obras um grau "é um terreno muito perigoso."
de domínio sem o qual elas não mais poderiam ser utilizadas. Se a fotografia se libera de certos contextos, obrigatórios
Se alguma coisa caracteriza a relação moderna entre a para um Sander, uma Germaine Krull, um Blossfeldt, se ela
arte e a fotografia, é a tensão ainda não resolvida que surgiu se emancipa de todo interesse fisionômico, político e cientí-
entre ambas quando as obras de arte começaram a ser foto- fico, ela é considerada "criadora". A tarefa da objetiva será a
grafadas. Muitos fotógrafos que determinam os contornos "visão simultânea"; o panfletário fotográfico aparece. "O es-
atuais dessa técnica partiram da pintura. Eles a abandonaram pírito, dominando a mecânica, reinterpreta seus resultados
na tentativa de colocar seus meios de expressão numa relação mais exatos como súnbolos da vida." Quanto mais se propaga
viva e inequívoca com a vida contemporânea. Quanto maior a crise da atual ordem social, quanto mais os momentos indi-
sua sensibilidade aos sinais dos tempos, mais problemático se viduais dessa ordem se contrapõem entre si, rigidamente,
tomou para eles seu ponto de partida. Pois mais uma vez, numa oposição morta, tanto mais a "criatividade" - no fun-
como há oitenta anos, a fotografia está substituindo a pintura. do, por sua própria essência, mera variante, cujo pai é o espí-
"As possibilidades criadoras, a serviço do novo", diz Moholy- rito de contradição e cuja mãe é a imitação - se afirma como
Nagy, "são na maior parte dos casos descobertas, lentamente, fetiche, cujos traços só devem a vida à alternância das modas.
Na fotografia, ser criador é·uma forma de ceder à moda. Sua
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divisa é: "o mundo é belo". Nela se desmascara a atitude de presentem a antítese das primeiras, conservaram seu signifi-
uma fotografia capaz de realizar infinitas montagens com cado como urna veemente rejeição de todas as usurpações da
uma luta de conservas, mas incapaz de compreender um único fotografia artística. "Nesses dias deploráveis, uma nova in-
dos contextos humanos em que ela aparece. Essa fotografia dústria surgiu, que muito contribuiu para confirmar a tolice
está mais a serviço do valor de venda de suas criações, por em sua fé ... de que a arte é e não pode deixar de ser a repro-
mais oníricas que sejam, que a serviço do conhecimento. Mas, dução exata da natureza ... Um deus vingador realizou os de-
se a verdadeira face dessa "criatividade" fotográfica é o re- ·sejos dessa multidão. Daguerre foi seu Messias ... Se for per-
clame ou a associação, sua contrapartida legitima é o desmas- mitido à fotografia substituir a arte em algumas de suas fun-
caramento ou a construção. Com efeito, diz Brecht, a situação ções, em breve ela a suplantará e corromperá completamente,
"se complica pelo fato de que menos que nunca a simples re- graças à aliança natural que encontrará na tolice da multidão.
produção da realidade consegue dizer algo sobre a realidade. ~preciso, pois, que ela cumpra o seu verdadeiro dever, que é
Uma fotografia das fábricas Krupp ou da AEG não diz quase o de servir as ciências e as artes."
nada sobre essas instituições. A verdadeira realidade transfor- Mas- o que nem Wiertz nem Baudelaire compreenderam,
mou-se na realidade funcional. As relações humanas, reifi- no seu tempo, são as irijunções implícitas na autenticidade da
cadas- numa fábrica, por exemplo-, não mais se mani- fotografia. Nem sempre será possível contorná-las com uma
festam. É preciso, pois, construir alguma coisa, algo de artifi- reportagem, cujos clichês somente produzem o efeito de pro-
cial, de fabricado". O mérito dos surrealistas é o de ter prepa- vocar no espectador associações lingUísticas. A câmara se tor-
rado o caminho para essa construção fotográfica. O cinema na cada vez menor, cada vez mais apta a fixar imagens efê-
russo representa uma nova etapa nesse confronto entre a foto- meras e secretas, cujo efeito de choque paralisa o mecanismo
grafia criadora e a construtiva. Não é demais dizer que as associativo do espectador. Aqui deve intervir a ll!genda, intro-
grandes realizações dos seus diretores somente seriam possí- duzida pela fotografia para favorecer a literalização de todas
veis num país em que a fotografia não visa a excitação e a as relações da vida c sem a qual qualquer construção fotográ-
sugestão, mas a experimentação e o aprendizado. Nesse sen- fica corre o risco de permanecer vaga e aproximativa. Não é
tido, e apenas nele; pode-se dar ainda hoje uma significação por acaso que as fotos de Atget foram comparadas ao local de
às palavras imponentes com as quais o tosco pintor de idéias, um crime. Mas existe em nossas cidades um só recanto que
Antoine Wiertz, saudou, em 1855, o advento da fotografia: não seja o local de um crime? Não é cada passante um crimi-
"Há alguns anos nasceu, para a glória do nosso século, uma noso? Não deve o fotógrafo, sucessor dos áugures e arúspices,
máquina que diariamente assombra nossos pensamentos e as- descobrir a culpa em suas imagens e denunciar o culpado? Jâ
susta nossos olhos. Em cem anos, essa máquina será o pincel, se disse que "o analfabeto do futuro não será quem não sabe
a palheta, as cores,. a destreza, a experiência, a paciência, escrever, e sim quem não sabe fotografar" . Mas um fotógrafo
a agilidade, a precisão, ô colorido, o verniz, o modelo, a per- que não sabe ler suas próprias imagens não é pior que um
feição, o extrato da pintura... Não se creia que o daguerreó- analfabeto? Não se tornará a legenda a parte mais essencial
tipo será a morte da arte... Quando o daguerreótipo, essa crian- da fotografia? Tais são as questões pelas quais a distância de
ça gigantesca, tiver alcançado sua maturidade, quando toda noventa anos, que separa os homens de hoje do daguerreó-
sua arte e toda sua força se tiverem desenvolvido, o gênio o tipo, se descarrega de suas tensões históricas. É à luz dessas
segurará pela nuca, subitamente, clamando: Aqui! Tu me centelhas que as primeiras fotografias, tão belas e inabordá-
pertences agora! Trabalharemos juntos". Em contraste, é com veis, se destacam da escuridão que envolve os dias em que
palavras sóbrias e pessimistas que Baudelaire anuncia a nova viveram nossos av6s.
técnica aos seus leitores, quatro anos depois, no "Salão de 1931
1859". Como as anteriores, essas palavras só podem ser lidas
hoje com um leve deslocamento de ênfase. Mas, embora re-
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