Artigo Sobre Ética Na Educação PDF
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PROCESSO DE APRENDIZAGEM
Irene Mônica Knapp1
Amarildo Luiz Trevisan2
Resumo:
Este artigo tem a pretensão de provocar uma reflexão sobre situações que hoje se colocam
envolvendo a responsabilidade da ação humana no mundo fazendo a relação da ética com a
educação no contexto hodierno, retomando aspectos importantes que fizeram e ainda fazem
parte das preocupações sobre a formação do ser humano. Num primeiro momento, pretende-
se retomar aspectos conceituais sobre a ética e sua relação com a formação, apontando alguns
conceitos sobre a ética no campo filosófico. No segundo momento, pretende-se fazer uma
leitura da ética do dever e da ética do discurso e sua relação com a educação. Para tanto, as
idéias de Kant e Habermas colocam-se como aporte teórico nesta leitura, como possibilidade
de provocar algumas reflexões sobre concepções e práticas que permeiam o ambiente
pedagógico atualmente, evidenciando a necessidade de se refletir sobre a proposta de uma
ética fundamentada pelo discurso argumentativo no atual contexto histórico.
Considerações introdutórias
1
Pedagoga, Especialista em Gestão Educacional, mestranda em educação pela Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM). mknap@bol.com.br
2
Prof. Dr. Do Programa de Pós-Graduação do Cento de Educação/PPGE pela UFSM, pesquisador do CNPq e
co-autor do artigo. amarildoluiz@terra.com.br
2
A palavra grega ethiké foi traduzida a partir do termo latim moralis (moral), tendo
como raiz o substantivo mos, “que significa modo de proceder segundo usos e costumes”
(ibid., p. 17). A identificação do termo moral com a palavra ética é produto de modificações
ocorridas ao longo da história. Conforme Hermann (2001), à ética pertence o papel de, sob o
ponto de vista filosófico, discutir e problematizar os valores morais e a fundamentação do agir
moral nessa perspectiva do que seja o bem viver e bem agir. Para Aristóteles (2004), a
felicidade como sumo bem deveria ser compartilhada pelo maior número de pessoas. Para o
filósofo, a atuação política na pólis era a culminância do indivíduo enquanto pessoa, enquanto
cidadão que compartilha as suas virtudes (areté) – intelectuais e morais - e constrói sua
identidade social. As virtudes éticas, necessárias para se chegar à felicidade, são construídas
através do hábito, da experiência e do ensino, num esforço contínuo da boa vontade do
indivíduo.
Para Tugendhat (1996) não há como eximir-se de juízos morais sobre o que se julga
ser bom ou mau no convívio em sociedade. Os juízos entre que é julgado bom ou mau são
caracterizados pelos diferentes conceitos de bem, o que por sua vez orientou as diferentes
concepções morais sobre o agir do homem na sociedade. Embora a idéia de bem, no decorrer
dos tempos, modifica-se, na educação permanece a preocupação em desenvolver no homem
atitudes que consideram o agir correto, voltado para a justiça, para a cooperação e para a
solidariedade no convívio com os demais. A educação, sob tais princípios, mostra, no seu
percurso histórico, seus paradoxos entre educar para autonomia e a liberdade e o educar como
forma de controle dos instintos e paixões individuais. Decidir sobre quais as atitudes mais
apropriadas, fazer escolhas entre o que julga ser certo ou errado, são manifestações
especificamente humanas decorrentes de um processo de formação. O entender-se um com o
outro, reconhecendo as diferenças a partir de sua identidade, torna-se um desafio constante no
fazer pedagógico.
sobre as possibilidades de uma relação entre a ética e o processo pedagógico serem pensadas
sobre outras premissas, levando em conta as lacunas deixadas pela fundamentação racional da
ética, considerando o caráter falibilista do pensamento humano e da presente pluralidade
sociocultural e filosófica.
Um ilustre representante da ética moderna é Immanuel Kant (1724 – 1804). A ética
do dever, iniciada por Kant fundamenta-se por aquilo que o filósofo denominou de
imperativos categóricos - a ação moral é válida se a regra que a orienta, puder tornar-se uma
regra universal. Em seu livro Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos
(2005), Kant busca apresentar uma fundamentação para uma idéia de bem estabelecida de
acordo com aquilo que definiu como uma “boa vontade”. Com Kant a idéia de felicidade
como sumo bem é substituída pela idéia do dever-ser, orientado por princípios de uma razão
objetiva e não por inclinações pessoais como acontecia com a idéia aristotélica de felicidade.
Para o filósofo, somente as determinações de uma boa vontade podem orientar as escolhas
mais acertadas. Essa vontade (digna) só pode ser determinada pelo uso da razão, pois, outras
inclinações humanas, como as paixões, desejos e outras emoções podem tender tanto para o
bem como para o mal.
Desta forma, torna-se moralmente válido aquilo que pode ser determinado sem
outras intenções, mas, como um fim em si mesmo, pelo “conceito de dever que contém em si
o de boa vontade” (2005, p. 24) e que restringe as inclinações subjetivas, uma vez que estas
conduzem a uma idéia equivocada de bem moral. Conforme o autor, nossas atitudes contêm
um princípio moral quando praticadas sem interesses pessoais, mas pelo querer, pelo dever
em si. A máxima kantiana – princípio subjetivo do querer – é o pressuposto para o princípio
da lei prática, da razão prática objetiva de forma que possa ser aceita por todos, isto é, em
forma de lei, o que Kant denomina de imperativo categórico. Pois, “o dever é a necessidade
de uma ação por respeito à lei”, e sendo assim, “devo agir sempre de modo que possa querer
também que minha máxima se converta em lei universal” (Kant, 2005, p. 28-29). Embora o
próprio autor (2005) admita as dificuldades do ser humano agir por puro dever (sollen),
acredita na disposição do espírito para esta formação do caráter. O ideal da razão, como
pressuposto para o agir moral, volta-se para a importância do processo educativo do sujeito.
Segundo o autor (2004), o homem é o único animal a necessitar de educação e formação, pois,
é singularmente ele que tem a liberdade de escolha.
Tal capacidade exige o uso da razão para o reconhecimento dos princípios da lei que
devem orientar as escolhas, desta forma, para Kant, a vontade é a própria razão prática. Os
imperativos categóricos de Kant serviriam como um dispositivo para regular as imperfeições
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humanas (subjetivas) da vontade, para uma vontade considerada boa, necessária por si
mesma, governada sob leis objetivas (do bem). Somente os imperativos categóricos têm a
validade de uma lei, pois, são formulados a priori, livre das influências humanas
condicionadas pelos motivos e leis empíricas. O cumprimento da lei estaria assegurado pela
relação de todo ser humano com um conceito de vontade, objeto de estudo de uma “metafísica
dos costumes” (Kant, 2005, p. 57), de uma filosofia prática que busca conhecer e investigar os
princípios e leis daquilo que deve ser, não considerando critérios sobre o que agrada ou
desagrada.
A formação do ser humano em conformidade com os imperativos categóricos deve
ser vista como um fim, ou seja, a educação deve elevar o homem a um outro nível de
moralidade, para uma outra natureza, a natureza ética. Para Kant (2004), o homem é fruto de
sua educação que deve ser aperfeiçoada com o passar das gerações no sentido de desenvolver
no homem suas disposições para o bem. Sendo assim, em Kant, a educação está voltada para
uma idéia de futuro, aquilo que pode vir -a-ser. “A educação, portanto, é o maior e o mais
árduo problema proposto aos homens” (p.20). A pedagogia fundamentada em princípios
voltados para uma formação que contribua para um futuro melhor, para melhorar as condições
da vida humana, permanece como um pressuposto da educação atual. O projeto do
Iluminismo (Aufklärung), de emancipação do homem através da razão, creditou na educação a
confiança de sua efetividade, modificando as crenças e o agir humano não mais orientado pela
fundamentação religiosa. Conforme Hermann (2001), o uso da razão passa a orientar a ciência
e a conduta ética através da intervenção educativa, na idéia utópica de um mundo melhor. A
quebra de tais convicções se deu pelas dificuldades objetivas encontradas para desenvolver os
princípios éticos propostos pelo Iluminismo. O indivíduo kantiano da razão autônoma e livre
voltou-se para seu individualismo, movido por interesses particulares e utilizando o próprio
homem como meio para alcançar seus propósitos. A violência social gerada pelas injustiças
cometidas em nome do poder político-econômico e do controle tecnológico, desvelou as
outras potencialidades do agir humano em benefício próprio, ferindo os princípios éticos para
uma conduta moral voltada para o bem, tanto individual quanto coletivo.
O progresso da humanidade restringiu-se à dimensão econômica, às aparências do
“poder-ter”. A vontade do consumo material tornou-se o valor a ser desejado. A natureza,
enquanto bem material a ser utilizado para a melhoria da qualidade de vida de todos, passa a
ser explorada e devastada inescrupulosamente como um bem particular, com fins estratégicos.
A educação, fundamentada na crença do desenvolvimento humano em todas as dimensões,
vê-se refém de um contexto que invade o meio pedagógico, uma vez que, expõe a sua
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fragilidade em estabelecer outros discursos diante de uma realidade que lhe parece inusitada.
Este estranhamento revela um certo romantismo pedagógico diante do que se pressupõe
constituir o ser humano.
A ética kantiana, de um sujeito universal que se volta para o progresso de um mundo
moralizado, encontra-se presente o ideal pedagógico atual, mas, que revela suas lacunas
diante da realidade objetiva. De acordo com Hermann a “idéia predominante da tradição ética,
de que só temos uma única posição válida, atua como expectativa em toda a teoria da
educação” (2001, p. 67). A complexidade das culturas atuais, a pluralidade de concepções
presentes, fica subtraída diante de uma razão absoluta e rebela-se diante de um pensamento
unificador. As contingências exigem seu espaço no campo educativo. Embora o
estabelecimento de parâmetros universais não possa ser prescindido, as contingências
envolvidas necessitam ser consideradas. Não se trata de excluir as máximas do imperativo
categórico kantiano, mas de reconstruí-los sem prescindir da necessária relação com o mundo
da vida, como aponta Habermas.
Considerações finais
o local, tornando-se objetivos comuns. O campo educativo torna-se um forte aliado nesta
formação ética uma vez que, trata diariamente com um considerável público em pleno período
de formação. A saída para o egocentrismo moral passa por processos de aprendizagem que a
escola, na suas especificidades, tem muito a contribuir na formação de um cidadão
responsável por seus atos no convívio com seu outro e a natureza.
Referências bibliográficas
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Paulo: Martins Fontes, 2000.
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1994.
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Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989.
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Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990.
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KANT, Immanuel. Sobre a Pedagogia. Trtsd. Francisco Cock Fontanella. 4ª ed. Piracicaba:
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___. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos. Trd. Leopoldo Holzbach.
São Paulo: Ed. Martin Claret, 2005
TUGENDHAT, Ernest. Lições sobre a ética. Trad. Grupo de doutorandos do curso de pós-
graduação em Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; revisão e organização
da tradução Ernildo Stein. Petrópolis: Vozes, 1996.