O Tremor Das Imagens - Notas Sobre o Cinema Militante
O Tremor Das Imagens - Notas Sobre o Cinema Militante
O Tremor Das Imagens - Notas Sobre o Cinema Militante
anita leandro
Professora da Escola de Comunicação da UFRJ
Mestre e doutora em Cinema pela Université Sorbonne Nouvelle – Paris 3
Abstract: From 1968 to 1974, French workers used cameras as weapons and made
fourteen activist films. This paper reviews some of the films made by the Medvekine
Groups, as they came to be known, with a view to what how they may help
understand recent political history.
Keywords: Medvedkine Groups. Activist cinema. Assembly of archives. Testimony.
Résumé: Entre 1968 et 1974, les ouvriers français ont fait de la caméra une arme,
en réalisant quatorse films militants. Nous revenons ici sur quelques unes de ces
oeuvres, en cherchant dans l’esthétique des Groupes Medvekine, commo ils étaient
connus, un éclairage sur l’histoire politique recente.
Mots-clés: Groupes Medvedkine. Cinéma militant. Montage d’archives. Témoignage.
Mãos dadas
As cidades de Besançon e Sochaux formavam, nos anos
60, um importante polo industrial europeu. Entre 1968 e 1970,
em meio às fortes greves, surgem ali os Grupos Medvedkine,
estrutura de produção cinematográfica inteiramente livre, criada
pelos operários, que vai permitir a realização e a distribuição
de uma dúzia de filmes feitos por eles mesmos durante seis
anos. A organização dos proletários em torno de programações
e reivindicações culturais havia começado no final da segunda
guerra mundial, com a participação de três membros da
Resistência francesa: André Bazin, que, antes de fundar a revista
Cahiers du cinéma fazia fichas de filmes para o grupo Povo
e Cultura; Chris Marker, que ia de vez em quando a Besançon
mostrar filmes aos operários; e Pol Cèbe, um dos responsáveis
pelo Centro de Cultura Popular de Palentes-les-Orchamps e pela
primeira biblioteca criada por operários da região dentro de uma
usina.
A convite de Pol Cèbe e em parceria com o cineasta italiano
Mario Marret, Marker realiza, em Besançon, A bientôt, j’espère
(1967-1968), filme em torno de uma greve na Rhodiaceta,
primeira usina a ser ocupada pelos operários franceses desde
1936. A bientôt, j’espère passa na televisão francesa, a ORTF, no
Mãos armadas
A experiência autônoma dos Grupos Medvedkine vai tornar
possível uma certa tomada de poder pela imagem, ainda que
relativa e momentânea. “O cinema pode ser uma arma para o
operariado. Já está provado que ele é uma arma eficaz para a
burguesia”, dirá um entrevistado de Week-end à Sochaux (1972),
filme do grupo de Sochaux, criado mais tarde. Delineiam-se, por
assim dizer, duas frentes de combate na estética dos cineastas
operários: de um lado, há uma inovação dos métodos de entrevista,
dispositivo que eles vão reinventar ao seu modo, obtendo uma
fala operária potente e inédita, desprovida de jargões; do outro
Mãos frágeis
Em Kelton não vemos as pessoas que falam. Enquanto a
multidão de operários vai para o trabalho, ouvimos apenas a voz
de um jovem militante. “Eu trabalho na Kelton há um ano. Sou
mecânico especializado... Eu tenho 19 anos...” A fala do operário é
interrompida e a montagem intervém com o discurso do primeiro
ministro: “São os jovens que deveriam inventar, criar a nova
sociedade. Vocês darão as sugestões e nós as transformaremos
em leis”. O jovem retoma a palavra e seu relato simples do
cotidiano na usina contrapõe-se à retórica ministerial: “Embora
trabalhemos como todo mundo, não temos o direito de ser eleitos
para defender nossos interesses. A maioria são moças e rapazes
entre 16 e 21 anos e nessa idade você não pode ser eleito delegado
sindical. Não podemos militar de forma eficaz. Não temos a
Mãos em ação
As imagens do 11 de junho vão se transformar, rapidamente,
numa bandeira de luta, num ícone da classe operária na
França, aparecendo em outros filmes que serão realizados pelos
Medvedkine nos anos seguintes. Essas imagens, aparentemente
tudo o que existe como registro cinematográfico desse combate,
sempre que aparecem num filme Medvedkine, afirmam o
compromisso moral dos cineastas operários em relembrar os
companheiros mortos e amputados. A migração das imagens
de um filme a outro potencializa, aqui, uma outra possibilidade
da montagem cinematográfica de que fala Agamben, que é a
repetição (AGAMBEN, 1998a: 70). A retomada das cenas do
massacre reitera o ato apresentado, permitindo o retorno do
acontecimento passado, seu comparecimento no presente. A
montagem participa, dessa maneira, da organização da narrativa
histórica e da elaboração da memória coletiva.
As imagens do massacre de Peugeot vão reaparecer em mais
dois outros filmes do Grupo Medvedkine de Sochaux: Week-end
à Sochaux (coletivo, 1971-1973) e Avec le sang des autres (Bruno
Muel, 1974). A migração das imagens é um ato de memória
da montagem, que atribui a essa filmografia o valor de um
monumento histórico. Não só as imagens se repetem nos filmes
de um mesmo grupo — como vai acontecer com as imagens do 11
de junho — mas também elas migram entre Besançon e Sochaux,
costurando, num mesmo tecido histórico, o destino político e as
atividades cinematográficas dos dois grupos. A última imagem
de Sochaux, 11 juin 68, a de uma menina no enterro de Pierre
Beylot, é a mesma que aparece nas vinhetas de abertura e de
fechamento dos três filmes da série Nouvelle Société, do Grupo
Medvedkin de Besançon.
Mãos cortadas
Seis anos se passaram desde o 11 de junho e as utopias
alegremente anunciadas em Week-end à Sochaux não se
realizaram. Como o próprio título do filme de Bruno Muel sugere,
Avec le sang des autres (Com o sangue dos outros) é uma triste
constatação de que o exercício de crueldade patronal não só
se prolonga no presente, como se agrava. A crise do petróleo
começa e os sombrios anos 70 já prefiguram o neoliberalismo
e a aniquilação da classe operária europeia a partir da década
seguinte. Nesse último filme, os operários descrevem condições
de trabalho semelhantes àquelas denunciadas nas primeiras
obras dos Grupos Medvedkine: os acidentes com as máquinas se
perpetuam e muitos continuam perdendo os dedos e as mãos na
linha de montagem. Nesse ambiente, como conta Bruno Muel,
os Medvedkine começam a se dispersar entre 1972 e 1974. Uns
voltam para a terra natal, outros mudam de emprego, vão servir
Referências
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Hoëbeke, 1998a.
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Editions Hoëbeke, 1998b.
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35.
Data do recebimento:
14 de dezembro de 2010
Data da aceitação:
26 de maio de 2011