Vasquez Filosofia Da Praxis
Vasquez Filosofia Da Praxis
Vasquez Filosofia Da Praxis
FILOSOFIA DA PRÁXIS
POPULAR
CLACS
O
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FILOSOFIA DA PRÁXIS
O mais alto grau de consciência da práxis — antes de Marx — é
encontrado, como vimos, na filosofia idealista alemã e, particularmente, em
Hegel. Como já assinalamos, l o idealismo alemão é contemporâneo do
movimento revolucionário francês que dá à burguesia sua plena hegemonia
no terreno político e social. próprio Hegel reconheceña a existên cia de uma
vinculação entre a filosofia e a realidade revolucionária de seu tempo, mas
foi Marx quem mostrou claramente a relação entre a filosofia
idealista e a prática revolucionária de sua épocàv Com a
particularidade de que via essa relação à luz das condições peculiares de um
país como a Alemanha, que, por seu anacronismo histórico, não estava em
condições reais de dar um passo semelhante ao que já se dera na França. Mas,
observa Marx, o que os alemães não podem fazer, eles o pensam; isto é, o
fazem no terreno do pensamento. 2 Hegel também dissera, é certo, que a
revolução desencadeada na realidade efetiva pelos franceses estava presente
entre os alemães sob a forrna de pensamento. Mas uma revolução que não
ultrapassa esse marco deixa intacta, necessariamente, a realidade efetiva e,
com isso, não faz mais do que sancioná-la. Assim, portanto, ainda que Hegel
formule o problema das relações entre filosofia e realidade, seu idealismo
absoluto aspira a deixar o mundo como ele é, pois, a seu ver, a missão da
filosofia é dar razão do existente, e não traçar caminhos para a transformação
do real. Ou, nas próprias palavras de Hegel em suas Lições sobre a história
da filosofia: "O fim último e o interesse da filosofia é conciliar o
pensamento, o conceito, com a realidade".
Pode ocorrer também que a relação entre teoria e práxis seja
consciente, sem que por isso tenha conseqüências práticas revolucionárias.
E o que vemos no caso dos filósofos críticos neo-hegelianos, que pretendem
transforrnar a realidade efetiva por meio do mero exercício da crítica, da
pura atividade do pensamento. A atividade prática real dissolve-se, assim,
em uma simples atividade teórica. Mas esse teoricismo absoluto é
inseparável de um idealismo tão ou mais absoluto que o do próprio Hegel.
É certo que, como já assinalamos, Hegel concebe a práxis com um
conteúdo rico e profundo (como trabalho humano na Fenomenologia do
espírito, ou como Idéia prática na Ciência da lógica). É tão rico esse
conteúdo que, uma vez desmistificado, permitirá que tanto Marx (nos
Manuscritos econôlffico-filosóficos de 1844) como Lênin (em seus
Cadernos filosóficos), descubram nele novas riquezas. Mas, sem dúvida,
em Hegel o prático não se sustenta por si mesmo, mas sim, como um
momento do autoconhecimento do Espírito e integrado, portanto, como
degrau teórico para o fim na teoria do Absoluto.
110
A CONCEPÇÃO DA PRÁXIS EM
IVI-A-RX
1
F. Engels, Lucltvig Feuerbach y el fili de Ia filosofia clásica alenmna, em C. Marx e F. Engels,
Obras escogidas, dois tomos, edição espanhola, Moscou, 1952, II, pp. 338 e 340.
2
Nesse aforismo do prólogo de sua Filosofia do direito, Hegel resume lapidarmente toda
sua filosofia como mera compreensão do mundo.
3
Sobre o rnovimento da esquerda hegeliana, suas tendências e principais representantes,
assim como sobre o ambiente ideo.lógico e histórico em que se desenvolve, ver sobretudo
o tomo I da excelente obra de Augusto Cornu, Karl Marx et Friedrich Engels, tomos I, II,
III, Paris, PUF, 1955,1958, 1962: versão espanhola, em um volume, Buenos Aires, ed.
Platina e ed. Stilcograf, 1965. Pode-se consultar, também, de forma proveitosa, o livro I "A
111
FILOSOFIA DA PRÁXIS
As reflexões sobre a religião e a política na Alemanha daquela época
tê1T1 um interesse prático. São a expressão do anseio de
transformação da realidade que Hegel desejava deixar intacta. Essa
função prática da filosofia assume a forma de uma crítica dos
elementos irracionais da realidade, crítica incessante e
profunda das instituições petrificadas, irracionais seja a religião
cristã ou o Estado prussiano que detêm o desenvolvimento infinito
do Espírito, quando este só transitofiamente podia plasmar-se ou
encarnar-se em uma realidade histórica, concreta.
Ao enfrentar o real e o racional, e ao desvendar os elementos
irracionais da realidade, por meio da crítica, os jovens hegelianos
pensam que o movimento do Espírito está salvo.
A exigência, portanto, de que a filosofia seja prática, é entendida
por essa capacidade atribuída à filosofia crítica de transformar por si
mesma, pelo poder das idéias, o próprio mundo. Se se fala aqui de
atividade transformadora, trata-se, sem dúvida, de uma atividade
teórica, que por si mesma poderia mudar a realidade.
E a própria realidade política — o Estado prussiano — que com
seus atos reais, efetivos, explicita a inoperância e a inatividade desta
prática teórica.
Justamente essa limitação e essa impotência da atividade teórica
— tanto mais evidente quanto mais se confia em sua onipotência — é
que apresentam como um problema a resolver a necessidade de passar
de unia atividade teórica, que na verdade nunca deixa de ser teoria e
jamais é práxis verdadeira, a uma atividade prática.
É nesse horizonte problemático da esquerda hegeliana que se
deve situar a evolução clo pensamento de Marx, que culminará na
criação de unna filosofia da práxis, entendida esta não como práxis
teórica, mas sim, como atividade real, -transforlnadora do mundo. 4 Já
não se trata da teoria que se vê a si mesma como práxis, enquanto
crítica do real que por si só transforma o real, nem como filosofia da
ação, entendida como LIIT1a teoria que traça os fins que a prática
deve aplicar (filosofia da ação de Cieszkowski e Hess, que não
passava, na realidade, de uma nova forma de utopismo).
Assim, portanto, a passagenn dessas falsas concepções da
transformação do mundo para uma verdadeira filosofia da práxis
correspondia a uma necessidade prática: transformar a realidade, Por
112
A CONCEPÇÃO DA PRÁXIS EM
outro lado, a concepção de que o mundo real só podia ser
transformado praticamente só poderia surgir quando a atividade
teórica, elevada ao plano do absoluto pelos jovens hegelianos,
mostrava sua limitação e impotência. Assim, pois, a elaboração de
uma verdadeira filosofia da práxis era um
MARX
113
FILOSOFIA DA PRÁXIS
assinalam que a certidão de nascimento do marxismo coincide, por
assim dizer, com A ideologia alanã, de 1845, onde Marx já descobre
a lei de correspondência entre as forças produtivas e as relações de
produção — que será formulada com toda precisão em seu famoso
prólogo de 1859 à Contlibuição à crítica da economia política; lei
8 0 problema de determinar em que obra ou período de seu pensamento Marx rompe com
a filosofia anterior pressupõe, antes de tudo, uma tomada de posição com respeito ao ponto
ou terreno em que se opera essa ruptura. Se se considera que rompe, fundamen.talmente, com
a filosofia idealista hegeliana enquanto filosofia mistificadora que, com sua mistificação,
escamoteia a realidade que há de ser transfonnada, o lugar da n-lptura será a filosofia d.o
direito e do Estado, e, nesse sentido, a crítica a que Marx submete o idealismo hegeliano em
1843 em sua Crítica da filosofia do direito, de Hegel, ganha o relevo que Galvano Della Volpe
lhe deu (cf. seu Rousseau y Marx, Buenos Aires, Platina, 1963). Marx retira aí os véus
idealistas que ocultam a verdadeira realidade: as condições materiais de existência. Sua crítica
coloca diante de nós a realidade, mas trata-se — como ele dirá mais tarde — é de transformar
não uma idéia fal.sa, mistificadora sobre a realidade, mas sim a realidade que engendra essa
idéia. A ruptura de Marx com a filosofia anterior, portanto, não é ainda radical. Ainda não
dobra o cabo que lhe permitirá avistar a terra firme da filosofia como teoria e guia da ação.
Sendo assim, se se pensa que Marx rompe com a ideologia para elaborar a teoria científica
do socialismo, sua ruptura significará a substituição de um pensamento ideológico — isto é,
114
A CONCEPÇÃO DA PRÁXIS EM
irreal, falso, ilusório, em virtude de seu condicionamento de classe — por outro científico, e,
então, se considerará não sem razão que as obras anteriores a A ideologia alemã (1845) estão
impregnadas de elementos ideológicos e que uma verdadeira concepção científica da
sociedade, baseada na descoberta da contradição entre forças produtivas e relações de
produção, só se dará a partir dessa obra na qual já se assentam os princípios fundamentais da
concepção materialista da história. Tudo isso é certo e, no entanto, o decisivo na formação
do marxismo não é uma mudança de conceitos, sem que isso exclua, de modo algum, sua
necessidade: essa mudança é necessária para que a teoria cumpra a função de instrumento da
transformação do real. A ruptura não se opera, portanto, exclusivamente no n_ível da teoria,
mas sim em relação com uma prática estreitamente vinculada a ela enquanto a gera e, ao
mesmo tempo, encarna-a. A redução do marxismo a uma mudança de conceitos, de teoria,
embora esta mudança se veja na passagem da,ideologia (ou da utopia) à ciência, significa
recair em uma concepção científica ou neopositivista, já que se esquece que o marxismo
surgiu como teoria — científica, por certo — da práxis revolucionária do proletariado.
TvIAR,x
cimento teórico. Por isso, seria mais exato dizer que, com o Manifesto, o
marxismo se constitui como filosofia da práxis e se inicia um processo que
não pode ter fim. No Manifesto se unem os fios dos elementos que foram
dando um perfil definido a essa filosofia da práxis. E a eles nos
dedicaremos em nossa exposição.
Vejamos, portanto, como Marx formula, em suas primeiras obras, o
problema das relações entre teoria e prática, e quando começa a esboçar-
se como categoria filosófica a categoria de práxis.
FILOSOFIA E AÇÃo
Marx formula esse problema, antes de tudo, como problema das relações
entre a filosofia e a ação, isto é, justamente no marco problemático traçado
pelos jovens hegelianos. Se a realidade deve ser mudada, a filosofia não
pode ser um instrumento teórico de conservação ou justificação da
realidade, mas sim, de sua transformação. Tal é a conclusão a que havia1T1
chegado os jovens hegelianos: a filosofia deveria ser, por isso, sobretudo
crítica da realidade para garantir essa transformação. Dessa maneira, se sua
crítica não conseguia transformar a realidade, era preciso estabelecer outro
tipo de vinculação entre a filosofia e a realidade, ou melhor, entre o
pensamento e a ação, que obrigaria, por sua vez, a mudar a missão e o
próprio conteúdo da filosofia, A filosofia por si mesma, como crítica do
real, não muda a realidade. Para mudá-la, a filosofia tem de realizar-se.
Sendo assim, essa realização da filosofia é sua supressão. Tal é o ponto de
vista de Marx nos anos 40, e sua formulação mais precisa é encontrada no
trabalho que escreveu para os Anais Franco-alemães como introdução à sua
Crítica da filosofia do direito, de Hegel.
Mas como se cumpre essa realização da filosofia? Quem a
realiza? Em que sentido ela representa a unidade da teoria e da prática?
O que é propriamente essa práxis tão intimamente vinculada à
filosofia?
115
FILOSOFIA DA PRÁXIS
Marx fixa sua concepção das relações entre filosofia e realidade
marcando, em primeiro lugar, sua oposição a duas falsas concepções
dessa relação, vigentes em seu tempo, e que ele chama de partido
político prático e o partido político teórico? Trata-se de duas
expressões teóricas do liberalismo alemão da época; o primeiro
corresponde ao movimento romântico-liberal que procede da "Jovem
Alemanha" 10 e o segundo é precisamente a esquerda hegeliana, Os
representantes do partido político prático, impelidos pelo desejo de
transformar de um modo direto e imediato a realidade presente, negam
a filosofia, com o
116
FILOSOFIA DA PRÁXIS
que Marx está de acordo; mas esquecem que a filosofia não pode ser negada,
como mera filosofia, como filosofia especulativa, sem realizar-se. Isto é, dão tudo
à prática, e nada à teoria. Entendem a negação da filosofia como uma subtração
absoluta da teoria em benefício da práxis.
A outra corrente, o partido político teórico (ou seja, os jovens hegelianos)
nega a prática em nome da filosofia, ou mais exatamente, pensam que a teoria é
práxis per se e desse modo, dão tudo à teoria, e nada à prática. Acreditam que a
teoria pode realizar-se, ser prática, sem negar-se como mera filosofia, sem
eliminá-la. Enquanto a filosofia é mera especulação e não é negada como tala a
filosofia não sai de si mesma e, portanto, não se realiza.
Em ambos os casos, falta a relação entre filosofia e mundo; no
primeiro, o mundo muda sem filosofia; no segundo, a filosofia pretende
mudá-lo, mas o mundo permanece como está, pois a filosofia não se
comunica com ele; falta esse laço entre a filosofia e a realidade que é a práxis.
Por meio da práxis, a filosofia se realiza, se torna prática, e se nega, portanto,
como filosofia pura, ao mesmo tempo em que a realidade se torna teórica no
sentido de que se deixa impregnar pela filosofia.
Portanto, a passagem da filosofia à realidade requer a mediação da
práxis. Nas condições peculiares da Alemanha dos anos 40 do século XIX,
a filosofia é particularmente política, ou crítica política, crítica da filosofia
especulativa do direito e do Estado, que alcança, por sua vez, a realidade
política da Alemanha daquele tempo.
Sendo assim, se, ao contrário do que pensam os jovens hegelianos, a
crítica per se, sem a mediação da prática, deixa intacta a realidade, quando a
crítica abandona esse plano puramente teórico e a teoria se torna prática, isto
é, se converte em uma força que abala a realidade? Esse problema é
formulado por Marx pela primeira vez em 1843, e eis aqui sua resposta: "A
arma da crítica não pode substituir a crítica das armas ... a teoria se converte
em poder material tão logo se apodera das massas ... quando se torna
radical". ll Isto é, a teoria que por si só não transforma o mundo real torna-
se prática quando penetra na consciência dos homens. Desse modo, são
apontados seus limites e a condição necessária para que se torne prática:
por si só é inoperante e não pode substituir a ação, mas se torna uma força
efetiva — um "poder material" quando é aceita pelos homens.
117
FILOSOFIA DA PRÁXIS
de uma teoria é condição essencial de uma práxis verdadeira, mas não é
ainda a própria atividade transformadora. E preciso determinar, em primeiro
lugar, o tipo de teoria que há de ser aceita e que há de passar para a própria
realidade; é preciso, também, deterrninar o tipo de homens concretos que,
uma vez que fazem sua a crítica, a convertem em ação, em práxis
revolucionária. Primeira determinação: a crítica há de ser radical. Segunda:
os homens chamados a realizar a filosofia, como mediadores entre ela e a
realidade, são, ern virtude de uma situação particular, os proletários.
Para que a crítica vingue, tem de ser radical. "Ser radical — diz Marx
— é atacar o problema pela raiz. E a raiz para o homem é o próprio homem".
12
Crítica radical é crítica que tem como centro, como raiz, o homem; crítica
que responde a uma necessidade radical. "Em um povo, a teoria só se realiza
na medida em que é a realização de suas necessidades".
E o que é essa crítica radical que tem o homem como eixo? A crítica
radical começou com Feuerbach; graças a ela, o homem ganhou uma
verdadeira consciência de si mesmo. Mas a crítica da religião premissa de
toda crítica" , como reconhece Marx —14 é crítica radical no plano teórico.
A passagem da crítica radical do plano teórico ao prático é justamente a
revolução. Como crítica radical, é "prática à altura dos princípios a uma
altura humana.
A práxis é, portanto, a revolução, ou crítica radical que,
correspondendo a necessidades radicais, humanas, passa do plano
teórico ao prático.
Ao chegar a esse ponto, e antes de passar à determinação do tipo de
homens que servem de mediadores entre a crítica teórica e prática, devemos
resumir o que Marx disse até agora sobre as relações entre a teoria e a práxis:
a) por si própria, a teoria é inoperante, ou seja, não se realiza; b) sua eficácia
é condicionada pela existência de uma necessidade radical que se expressa
como crítica radical e que, por sua vez, torna possível sua aceitação.
Assim, portanto, a necessidade radical fundamenta tanto a teoria que
é sua expressão teórica, quanto a necessidade da passagem da teoria à
prática, entendida esta como práxis à altura dos princípios, isto é, como
Revolução, ou emancipação total do homem.
Sendo assim, a passagem da teoria à prática, ou da crítica radical à
práxis radical, é condicionada por uma situação histórica determi-
12 C. Marx, En torno a Ia clítica de Ia filosofia del derecho, de Hegel, op. cit., p. 10.
13 Ibid. , p, I I.
14 Ibid. , p. 3
15 Ibid., p. 9.
nada: a que vive a Alemanha de seu tempo, isto é, um país que por seu
anacronismo político — por não ter percorrido a fase de emancipação
118
A CONCEPÇÃO DA PRÁXIS EM
política já percorrida por outros povos — encontra-se diante da necessidade
histórica de superar não apenas seus próprios limites, como os de outros
povos, mediante uma revolução radical. 5 Dada essa situação anacrônica —
diz-nos Marx — o utópico não é essa revolução radical, mas sim, a
meramente política. 67 Ou, em outros termos mais adequados ao Marx
posterior: a única revolução possível na Alemanha não é a revolução
burguesa, mas a revolução proletária, socialista.
A passagem da teoria à práxis revolucionária é determinada,
por sua vez, pela existência de uma classe social — o proletariado —
que só pode libertar a si mesmo libertando a humanidade inteira.
Trata-se de uma missão histórico-universal, mas não fundada "a
priori" ou providencialmente ("os proletários não são deuses",
esclarecem Marx e Engels na Sagrada Família e sim em função da
situação concreta que ocupa dentro da produção na sociedade
burguesa. O proletariado está destinado historicamente a libertar-se
por meio de uma revolução
radical que implique a negação e supressão de si mesmo como classe
particular e a afirmação do universal humano.
Situado o problema no marco específico que agora nos interessa, o que
Marx nos diz é que o proletariado não pode emancipar-se sem passar da
teoria à práxis. Nem a teoria por si mesma pode emancipá-lo, nem sua
existência social garante por si só sua liberação. É preciso que o proletariado
adquira consciência de sua situação, de sutas necessidades radicais e da
necessidade e condições de sua libertação. Essa consciência é justamente a
filosofia; mais exatamente, sua filosofia. Filosofia e proletariado se
encontram em unidade indissolúvel. "Assim como a filosofia encontra no
proletariado suas armas ;nateriais, o proletariado tem na filosofia suas armas
espirituais " 8 Sem o proletariado, a filosofia não sai de si mesma e graças a
ele, realiza-se; ele é seu instrumento, o meio, a arma material que lhe permite
vingar na realidade. O proletariado, por sua vez, não poderia emancipar-se
sem a filosofia; ela é o instrumento, a arma espiritual e teórica de sua
libertação. Mas, nessa relação, os dois termos se condicionam mutuamente;
a realização de um é a abolição do outro. "A filosofia — diz Marx — não
pode chegar a realizar-se sem a abolição do proletariado, e o proletariado
não pode chegar a realizar-se sem a abolição da filosofia" . 20
5
C. Marx, En torno a Ia crítica de Ia filosofía del derecho, de Hegel, Introducción, op. cit.,
P. 1 1 .
6
Ibid., p. 12
7
C. Marx e F. Engel$ La Sagrada Fantilia, op. cit., pp. 101-102.
8
C. Marx, En tomo a Ia critica de Ia filosofía del derecho, de Hegel, op. cit., p. 15. 20 Ibid.
119
FILOSOFIA DA PRÁXIS
MARX
21 Ibid., 14.
121
FILOSOFIA DA PRÁXIS
práxis original é justamente a produção material, o trabalho humano. Essa
descoberta é capital para uma filosofia da práxis porque à luz dele se
esclarece não só a práxis social, assim como outras formas de produção não
material, mas também o que é ainda mais importante, a história como
produção do homem por si mesmo.
A práxis revolucionária, como transformação consciente e radical da
sociedade burguesa pelo proletariado, há de passar necessariamente pela
consciência dessa práxis material produtiva.
O LUGAR DA PRÁXIS NOS MANUSCRITOS DE 1844
Marx não teria conseguido avançar ITIL1ito em sua concepção da práxis se
não lhe tivesse dado o novo e rico conteúdo com que aparece nos Manuscritos
econôrnico-filosóficos de 1844. E, como veremos, não só lhe imprime um
novo conteúdo — considerada como práxis produtiva ou trabalho humano —
como também à luz desse novo enfoque se enriquece igualmente o conteúdo
da práxis social.
A práxis revolucionária, na análise imediatamente anterior aos Manuscritos
de 1844, mostra-se em estreita aliança com a filosofia e tendo por sujeito o
proletariado como a classe destinada a revolucionar a sociedade existente.
Vemos aí o proletariado como a expressão concentrada dos sofrimentos que
são infligidos ao homem, e impelido a libertar-se, em uma libertação que
implica, enquanto tal, sua abolição e a libertação da humanidade inteira. Mas
Marx não consegue, ainda, fundamentar as condições e possibilidades para
essa libertação. E não o consegue porque o proletário não é visto ainda em
sua existência propriamente proletária, isto é, como produtor que participa
de relações econ•ômicas e sociais determinadas. O proletálio nos é
apresentado, até agora, como ser que sofre, destinado a libertar-se e,
portanto, como sujeito de uma práxis revolucionária. Trata-se do conceito
um tanto especulativo e antropológico do proletário como ser que encarna o
sofrimento humano e não do conceito científico a que chegará Marx
posteriormente, sobretudo en•-l O capital, como membro de uma classe
social que carece de todo meio de produção e que, forçado a vender como
mercadoria sua força de trabalho, produz mais-valia.
Marx vê até agora o proletário como um revolucionário que luta em virtude
do caráter universal humano de seu sofrimento. Mas o proletário, objetiva e
originariamente, e antes de desenvolver uma atividade revolucionária, é* como
Marx verá os Manz,tscritos de 1844, um ser ativo que produz objetos e que, como
tal, contrai certas relações com outros homens, no âmbito das quais seu trabalho
não deixa de ter conseqüências vitais para sua existência.
Até agora o proletálño se apresentara a Marx como a n.egação da essência
humana, e não como agente da produção. Marx via nessa nega-
MAR.x
122
A CONCEPÇÃO DA PRÁXIS EM
ção a necessidade e a possibilidade de sua emancipação, Mas é justamente a
necessidade de fundamentar mais finnemente essa emancipação, assim como as
condições da práxis revolucionária correspondente, que o leva a analisar as
condições do proletário enquanto operário, pois a existência do proletariado se
define, acima de tudo, como existência no trababo, na produção, que é, colT10
poderia ter dito o jovem Marx em 1843 o lugar do seu sofrimento humano. Essa
é a razão pela qual, depois de mostrar o proletário colT10 sujeito da práxis
revolucionária, Marx passa a analisar sua situação como sujeito da práxis
produtiva. Nas condições peculiares e concretas em que situa sua análise, há uma
profunda e íntima conexão entre uma práxis e outra. São as condições específicas
em que se dá a opressão do trabalhador em uma Alemanha atrasada, com um
baixo desenvolvimento da produção, as que determinam que Marx veja o operário
antes como revolucionário do que como produtor. No entanto, é justamente a
necessidade de esclarecer e fundamentar a práxis revolucionária que leva Marx a
examinar a atividade prática, material, do operário no processo de produção como
trabalho alienado.
9
Engels, Esbozo de crítica de Ia econolltía política, em C. Marx e F. Engels, Escritos econónaicos
F.
varios. op. cii. p. 7; C Marx, Manuscritos econónrico-filosóficos de 1844, ibid., pp, 77-78 (A seguir
r
123
FILOSOFIA DA PRÁXIS
algo natural que não requer explicação e, portanto, as condições de existência
humana — ou mais exatamente desumana — do operário na produção, justificam-
se como condições insuperáveis. O trabalho, para a economia política burguesa, é
uma categoria meramente econômica: trabalhar é produzir mercadorias, riquezas.
Porém, se o trabalho afeta negativamente o homem — e se, por outro lado, o afeta
vitalmente — isso quer dizer que tem uma dimensão mais profunda que a
meramente econômica (a produção de riquezas). Posto que afeta radicalmente o
operário em sua condição humana, não é uma categoria econômica pura e simples.
Marx examina, por isso, essa atividade humana que se baseia na produção de um
tipo peculiar de objetos dos quais se apropria o não-operário, isto é, o capitalista.
O trabalho humano, ou seja, a atividade prática material pela qual o
operário transforma a natureza e faz emergir una mundo de produtos, mostra-
se para Marx como uma atividade alienada, com os traços que já vimos ao
caracterizar a alienação em Feuerbach: criação de um objeto no qual o sujeito
não se reconhece, e que se lhe apresenta como algo alheio e independente e,
ao mesmo tempo, como algo dotado de certo poder — de um poder que não
tem por si próprio — que se volta contra ele. 24 É claro que aqui não se trata,
diferentemente de Feuerbach, da alienação como processo que se opera
apenas na esfera da consciência, entre ela e seus produtos, mas sim de uma
alienação real, efetiva, que tem lugar no processo real? efetivo, da produção
material. A alienação do trabalhador em seu produto, por sua vez, é
considerada por Marx em outras formas (no ato da produção e com respeito
à natureza, a sua vida genérica e a outros homens) . 25 Finalmente, Marx fala
também de uma forma peculiar de alienação que tem como sujeito não mais
o operário, mas sim o não-operário, isto é, o homem que sem participar
diretamente no processo de produção se apropria do produto do operário. Na
medida em que o não-operário vê o operário, sua atividade ou trabalho e seu
produto à margem do processo de objetivação de forças essenciais humanas,
sua relação com cada um desses el.ementos da produção é puramente
exterior. Desse modo, tanto a relação ativa como a passiva com os objetos,
tanto a relação teórica como a prática com a produção, determinam uma
alienação do homem,
23 Manuscritos de 1844, p. 78.
24 Cf. em os Manuscritos de 1844 0 manuscrito que leva como título "El trabajo enajenado" , pp.
62-72 da edição espanhola citada.
25 Manuscritos de 1844, pp. 65-66.
124
A CONCEPCÃO DA PRÁXIS EM MARX
10
Ibid., p. 68.
11
Ibid., p. 70,
125
FILOSOFIA DA PRÁXIS
12
"O mais importante da Fenonzenologia de Hegel [é] ... que capte, portanto, a essência do trabalho
e conceba o homem objetivado e verdadeiro, por ser o homem real, como resultado de seu próprio
trabalho". (Manuscritos de 1844, op. cit., p. 113).
126
A CONCEPCÃO DA PRÁXIS EM MARX
13
Cf.. Fenornenología del espírita, op. cit., pp. 113-121. 31 L.
Althusserr Pour Marx, op. cit., pp. 38-43.
14
Ver, também, a apreciação de Cornu dos resultados gerais dos Manuscritos de acordo com a gênese
do rnaterialismo histórico em A ideologia alenzã: nos Manuscritos — diz 'Marx superava o pensamento
128
A CONCEPCÃO DA PRÁXIS EM MARX
mem cria suas próprias necessidades se cria ou produz a si mesmo. Mas essa
produção do homem passou pelo tipo particular de produção que é a produção
alienada; isto é, a objetivação revestiu-se historicamente da forma de uma
objetivação alienada, sem que por isso o homem, como ser social, tenha deixado de
afirmar-se, de produzir-se a si mesmo. 34
O trabalho — a produção — é o que eleva o homem sobre a natureza
exterior e sobre sua própria natureza, e é nessa superação de seu ser natural
que consiste propriamente sua autoprodução. Mas, historicamente — e isso é
o que faz com que a objetivação acarrete, por sua vez, a negatividade própria
do trabalho alienado — o homem só pode objetivar-se, dominar a natureza,
caindo em uma dependência com respeito aos outros. Nesse sentido, podemos
dizer que, para Marx, a alienação aparece como uma fase necessária do
processo de objetivação, mas uma fase que o homem há de superar, quando se
derem as condições necessárias, a fim de que possa desdobrar sua verdadeira
essência. h
Assim, pois, a práxis material produtiva exige que se ponham em relação e,
por sua vez, que se distingam, objetivação e alienação.
O homem só existe como tal e se autoproduz como ser que se objetiva e
produz um mundo humano. Mas essa objetivação reveste-se necessária, mas não
essencialmente, de um caráter alienado. Precisamente por isso, a alienação pode ser
superada; o mesmo não ocorre com a objetivação que é, podemos dizer,
constitutiva, essencial para o homem. Por isso, dizíamos anteriormente, a produção
é essencial e fundamental na vida social. A práxis material, entendida sobretudo
como atividade produtiva, já desde os Manuscritos, passa a ocupar o lugar central
no pensamento de Marx. O problema das relações entre sujeito e objeto, não só em
um sentido ontológico como também gnoseológico, tem de ser examinada à luz
dela.
O HOMEM E A NATUREZA.
CARÁTER ANTROPOLÓGICO DAS CIÊNCIAS NATURAIS
34 Ibid., p. 88.
35 Ibid., pp. 82-83.
131
A CONCEPÇÃO DA PRÁXIS EM MAR*
gico do conhecimento. Vejamos, portanto, qual é o estatuto da natureza
exterior e do objeto, respectivamente, de acorclo com o lugar central da
práxis nos textos anterioriT1ente citados de Marx, que conaplementaremos,
també1T1, com algumas referências a A ideologia alenqã.
Dissemos anteriornnente que o homem, de acordo com o pensamento de
Marx, é por essência um ser que necessita objetivar-se de modo prático,
material, produzindo, assim, mundo humano. Produzir é, por um lado, objetivar-
se no mundo dos objetos produzidos por seu trabalho; produzir é, do modo,
integrar a natureza no mundo do homenu fazer com que a natureza perca seu
estado de pura natureza, si, para converter-se em natureza humanizada, ou
natureza para o homem. Como a natureza per se não tem um caráter
antropológico, o homem tem de ajustá-la a seu mundo humano, mediante a
transfonnação a que a submete com seu trabalho. "A indústria é a relação histórica
real entre a natureza e, portanto, as ciências naturais e o homem" . 36 Através da
indústria, a produção ou o trabalho, a natureza se adapta ao homem, pois "nem a
natureza — objetivamente — nem a natureza subjetivamente, existem de um
modo imecliatamente adequado ao ser hunaano" . 37 A natureza em si, exterior ao
homem, se converte en-l natureza humanizada e, nesse sentido, Marx diz também
que "a indústria é o livro aberto das forças essenciais do Livro escrito,
poderíamos dizer, Com caracteres humanos. E o desenvolvimento da produção,
da práxis produtiva, não passa de uma crescente humanização da natureza.
O que é, então, a natureza à Inargern do homem, fora de sua relação
com ele?
"A natureza, considerada abstratamente, em si, separada do homem, é
nada. para este" . 38 Como interpretar essa passagem de Marx? Trata-se de
urna nova versão idealista do "não há objeto sem sujeito"? Estaremos diante
de uma nova forma de idealismo: o "idealismo da
132
A CONCEPÇÃO DA PRÁXIS EM
produto de sua atividade. A margem de toda relação com o homem, a
natureza é o imediato, o mediado pelo homem, a realiclade não integrada em
seu mundo mediante sua atividade. Com esse caráter de imediaticiclade,
Marx admite sua existência, e inclusive sua prioridade. 16 Mas, para ele, a
natureza real é a que é objeto ou produto de sua atividade, de seu trabalho.
"A natureza tal como se forma na história humana — certidão de nascimento
da sociedade humana — é a natureza real do homem; daí que a natureza, ao
ser formada pela indústria, ainda que seja na forma alienada, é a verdadeira
natureza antropológica . 17A natureza não formada, não tocada pelo homem,
é para ele nada. Mas esse nada que é a natureza pura original só é tal
enquanto o homem não a in.tegrar em seu mundo. O que ontem era nada para
ele (nada para o homem) acaba por adquirir um sentido humano, A partir
desse sentido humano, revela-se sua prioridade ontológica, mas a natureza
que o homem conhece não é mais uma natureza em si, pura, original, mas
sim, integrada elT1 seu mundo através da prática, como natureza já
humanizada, isto é, corno produto de seu trabalho ou em vias de
humanização, como objeto de sua ação. O conhecimento que o homem tem
dessa natureza é, portanto, um conhecimento antropológico. 18
Para Marx, as ciências da natureza não passam, definitivamente, de
ciências humanas. Como entender essa tese de Marx nos Manuscritos de 1844?
É preciso partir, primeiro, clo fundamento antropológico da indústria,
da práxis produtiva. Enfatiza, por isso, que a história da indústria e a
existência objetiva da indústria, já feita realidade, é o livro aberto das forças
essenciais hunaanas " 19 Acrescenta que a indústria só foi considerada por
sua utilidade exterior e não pelo que há nela de realidade dessas forças
essenciais. Buscou-se essa realidade fora da indústria: na política, na
literatura ou na arte. Mas, inclusive sob a forma da alienação, o homem se
desenvolve nesse mundo de objetos
lvI-AR-x
úteis, A indústria J portanto, tem de ser posta relação com o homem. Sendo
assirn, em que relação com ele está o conhecimento científico da natureza?
Em 1.-11T1a relação também histórica, real, na medida em que estão a seu
16
A prioridade ontológica da natureza, do objeto cla atividade prática do homem com respeito à sua
atividade criadora, é enfatizada em mais de uma ocasião por Marx. Cf. a esse respeito: "O
trabalhador não pode criar nada sem a natureza, sem o vnt1T1do exterior sensível. Esta é a matéria
sobre a qual se realiza seu trabalho, sobre a qual este atua, na base e por meio da qual o trabalhador
produz". (Manuscritos de 1844, p. 64.)
17
Ibid., p. 88.
18
Ibid., pp. 88-89.
19
Ibid., p. 87.
133
FILOSOFIA DA PRÁXIS
serviço justamente por meio da indústria. Não há um fundamento para a
indústria — diz Marx — e outro para a ciência. Não se trata de dois mundos:
um prático e outro meramente contemplativo. As ciências naturais influem
praticaiT1ente na vida hl-unana por meio da indústria e, como no caso da
práxis material produtiva, apresentam ulna dupla face: humanizam-no
(ennancipam-no) e desumanizam-no (vêm complennentar sua alienação).
Tal é o sentido da seguinte passa de Marx: "Tanto mais praticantente as
ciências naturais, por meio da indústria, influíram na vida humana e a
transformaram, preparando assim a emancipação do homem, ainda que isso,
diretamente, viesse forçosamente completar a desumanização'
Portanto, as ciências da natureza, por estarem a serviço do homem, por
sua influência prática na vida humana e sua contribuição à emancipação
humana, passam a ter um caráter antropológico. O homem conhece para
transformar a natureza de acordo com necessidades humanas. Mas Marx não
se limita a assinalar o caráter antropológico das ciências naturais pela função
prática que cumprem, mas também por seu objeto 44 A natureza é,
certamente, o objeto das ciências naturais, mas não a natureza em si que
existe com urna prioridade ontológica com respeito ao homem, e sim a
natureza integrada ou em vias de integrar-se no mundo humano. Há unidade
do homem e da natureza: a) na medida em que a natureza é homem (natureza
humanizada) e b) na medida em que, como ser natural humano, é também
natureza. Nesse sentido, Marx diz que o homem é o objeto imediato das
ciências naturais enquanto que a natureza é o objeto imediato do homem. Se
a ciência da natureza é ciência do homem, esta, por sua vez, é ciência natural.
Nem a natureza é separável do homem, e por isso, Marx fala da "realidade
social da natureza", nem as ciências naturais podem ser separadas da ciência
do homern. Arribas tenderão a fundir-se, por seu caráter antropológico
comum, mas isso só ocorrerá no futuro. "As ciências naturais se converterão
com o tempo na ciência do homem, do mesmo modo que a ciência do homem
englobará as ciências naturais e somente haverá, então, urna ciência
O que se quer dizer com isso é que o processo pelo qual o homem
adquire sua natureza real, elevando-se sobre a natureza exterior e inte-
43 Ibid., p. 88
44 Esta tese do caráter antropológico das ciências naturais por seu objeto será abandonada
posteriormente por Marx quando elaborar, a partir de A ideologia aleanã, sua doutrina da
superestrutura ideológica, dentro da qual não inclui as ciências da natureza.
45 Manuscritos de 1844, p. 89.
134
FILOSOFIA DA PRÁXIS
135
FILOSOFIA DA PRÁXIS
Ibid.,
136
A CONCEPÇÃO DA PRÁXIS EM MAR*
20
Marx e E Engels, La Sagrada Fan?ília, tradução De W. Roces, México, Grijalbo, 1958, p. 86. [Há
C.
uma tradução posterior, de Pedro Scaron, em OME 6: La Sagrada FarnÜia. La situación de Ia clase obl•era
en Inglaterra, Barcelona Crítica, 1978.] 49 p. 257.
Ibid. ,
137
FILOSOFIA DA PRÁXIS
Ibid.,
138
A CONCEPCÃO DA PRÁXIS EM MARX
139
FILOSOFIA DA PRÁXIS
53
140
A CONCEPÇÃO DA PRÁXIS EM MARx
Ibid.
141
FILOSOFIA DA PRÁXIS
P. 186.
P. 147.
Ibid.,
142
FILOSOFIA DA PRÁXIS
21
Ibid., p. 148. 62 Ibid.
22
Ibid., p. 147
23
p. 216
Ibid.,
143
FILOSOFIA DA PRÁXIS
que "o trabalhador não cria nada" e "não cria nada comentam ironicamente os
autores de A Sagrada Fanzília — porque cria silnplesmente objetos
'concretos', isto é, objetos materiais tangíveis, isentos de espírito e de
crítica, verdadeiro horror aos olhos da Crítica pura
Marx e Engels apresentam o proletariado dentro de unia série cle
antíteses objetivas: com a riqueza, COITA a propriedade privada e,
final.mente, com a burguesia. E ainda que nessas antíteses não se deixe cle
filtrar o antropologismo já observado em os Mal•zuscritos de 1844, não se
alude claramente a seu fundamento objetivo: a propriedade privada. E, não
obstante, seus acentos antropológicos (no proletariado chega "à sua máxima
perfeição prática ... à abstração de toda humanidade"; perdeu-se também "o
homem no proletário"), a missão histórica que lhe é reconhecida está
objetivan-jente em seu ser de classe, como moclalidacle e antítese da
propriedade privada.
Não se trata do que este ou aquele proletário, ou inclusive o proletariado
em seu conjunto, possa representar-se de vez ern quando corno meta. Trata-
se do que o proletariaclo é e do que é obrigado historicamente a fazer,
conforme esse ser seu. Sua meta e sua ação históñca são clara e
irrevogavelmente predeterminadas por sua própria situação de vida e por
toda a organização da sociedade burguesa atual. 66
E essa missão histórica não só se fundarnenta objetivamente senão que,
tendo presente a experiência do proletariado elT1 países capitalistas
desenvolvidos, aponta-se a tese de que a consciência de sua missão (isto é,
sua consciência de classe) se dá nele, e ele mesmo luta por elevá-la.
O fator objetivo fica claramente configurado em A Sagrada FaInília na
medida elT1 que proletariado e riqueza formam com seu antagonismo um
todo como "modalidades da propriedade privada"; na medida em que a
propriedade privada encontra-se forçada a manter sua própria existência e,
conn essa, a do proletariado; e, finalmente e pelo contrário, na medida em
que o proletariado é obrigado a destruirse a si mesmo e, corn isso, a
propriedade privada. Nesse mútuo condicionamento objetivo dos terrnos
antagônicos, Marx e Engels buscam o fundamento histórico do proletariado
como classe e do acesso à sua consciência. E necessário partir dessa
necessidade objetiva, portanto, para explicar a luta do proletariado.
Temos, portanto, que a história humana é feita pelos homens e que a
força principal da ação histórica é a rnassa, o povo; e que nos tempos
modernos essa força é — elT1 virtude da necessidade histórica ob-
Ibid.,
144
A CONCEPÇÃO DA PRÁXIS EM MARx
1,39
jetiva que o engendra como classe e provoca sua luta — o proletariado. Mas
isso não quer dizer que as massas, os proletários, façam a história de um modo
automático, mas sim, tomando consciência de sua própria situação como
antítese da propriedade privada.
E certo que a propriedade privada promove por si mesma, em seu movimento
econômico, a sua própria dissolução, mas apenas por meio de um
desenvolvimento independente dela, inconsciente, contrário à sua vontade,
condicionado pela própria natureza da coisa; apenas enquanto engendra o
proletariado covno proletariado consciente de sua miséria espiritual e física,
consciente de sua desumanização e, portanto, como desumanização que se
supera a si mesma. 24
Do ponto de vista da elaboração do conceito de práxis, em A Sagrada FaInília se
dá um passo importante ao assinalar-se o papel do fator objetivo que determina a
natureza do sujeito da ação real: o proletariado. Mas, ao mesmo tempo, enfatiza-
se o papel do fator subjetivo, já que essa natureza e missão e, portanto, sua ação
real* têm de tornar-se conscientes para eles; na verdade, em A Sagrada Fanzília
se diz que "grande parte do proletariado inglês e francês é já consciente de sua
missão histórica e trabalha constantemente para elevar essa consciência à
completa claridade" 25
Assim, já há no conceito de práxis uma correlação bastante acusada do
objetivo e do subjetivo na em que o que é o proletariado tem um fundamento
objetivo e requer ser consciente de sua situação e missão histórica para poder
atuar "conforme esse ser seu". Desse modo, para que se enriqueça o conceito
marxista de práxis, será preciso, ainda, que o objetivo e o subjetivo se
correlacionem não só nessa forma ou seja, corno unidade da necessidade
histórica objetiva e da ação real consciente dos homens —, mas também como
unidade no interior mesmo da ação real, da própria práxis; isto é, como
atividade objetiva e subjetiva ao mesmo tempo. Mas Marx apenas chegará a
isso posteriormente, a partir de suas "Teses sobre Feuerbach".
24
Ibid. r p. 1 OI.
25
p. 102.
FILOSOFIA DA PRÁXIS
Ibid.,
146
A CONCEPÇÃO DA PRÁXIS EM MARx
147
FILOSOFIA DA PRÁXIS
Tese 1.
A falha fundamental de todo o materialismo precedente (incluindo o de
Feuerbach) reside em que somente capta o objeto (Gegenstand), a
realidade, o sensível, sob a forma de objeto (Objelct) ou de
conte.lnplação (Anschaung), não como atividade huynana sensorial,
como prática; não de um modo subjetivo. Daí que o lado ativo fosse
desenvolvido de um modo abstrato, em contraposição ao materialismo,
pelo idealismo, o qual, naturalmente, não conhece a atividade real,
sensorial, como tal. Feuerbach aspira a objetos sensíveis, realmente
diferentes dos objetos conceituais, mas não concebe a própria atividade
humana como uma atividade objetiva (gegenstãndliche). Por isso, em A
essência do cristianismo, só se considera como autenticamente humano
o comportamento teórico, e, inversamente, a prática só é captada e
plasmada sob a sua suja forma judia de manifestação. Daí que Feuerbach
não compreenda a importância da atividade "revolucionária" , da
atividade "crítico-prática. 69
Toda essa primeira tese tende a contrapor o materialismo tradicional e o
idealismo no que se refere ao modo de conceber o objeto e, portanto, a relação
cognoscitiva do sujeito com ele. Tanto uma como outra posição são negadas,
mas com sua negação indicam-se, por sua vez, a necessidade de sua superação
e o plano em que essa superação pode ocorrer (a concepção da atividade
humana como atividade sensorial, real, objetiva, isto é, como prática). A crítica
do materialismo tradicional é feita com referência a seu modo de captar o
objeto. É preciso observar que Marx utiliza em alemão dois termos para
designar objeto: a primeira vez diz Gegenstand; a segunda, Objekt. Com essa
diversa designação, Marx quer distinguir o objeto como objetivação não só
teórica como prática, e o objeto em si que é o que entra na relação cognoscitiva
de acordo com o materialismo. Objekt é o objeto em si, exterior ao homem e à
sua atññdade; o objeto é aqui o que se opõe ao sujeito; algo dado, existente em
si e por si, não um produto humano. A relação que corresponde diante desse
objeto exterior e subsistente por si é uma atitude passiva por parte do sujeito,
uma visão ou contemplação. O sujeito se limita a receber ou refletir uma
realidade; o conhecimento não passa de um resultado da ação dos objetos do
mundo exterior sobre os órgãos dos sentidos. O objeto é captado
148
A CONCEPÇÃO DA PRÁXIS EM MARx
70 0 que Marx nos diz tão explicitamente em suas Teses, expressa sem rodeios nesta
pasideologia alevnã que data da mesma época: "Não vê [Feuerbach] que o mundo sensível que o
rodeia não é algo diretamente dado desde toda uma eternidade e constantemente igual a si mesmo,
mas sim o produto da indústria e o estado social, no sentido de que é um produto histórico, o
resultado da atividade de toda uma série de gerações, cada uma das quais se ergue sobre os homens
da anterior, continua desenvolvendo sua indústria e seu intercâmbio e modifica sua organização
social com relação a novas necessidades. Até os objetos da 'certeza sensorial' mais simples lhe
são dados somente pelo desenvolvimento social, a indústria e a troca comercial". (C. Marx e F.
Engels, La ideología alentana, op. cit., p, 45.)
150
FILOSOFIA DA PRÁXIS
duto da ativüade subjetiva, mas entendida não mais abstratamente, e sim como
151
FILOSOFIA DA PRÁXIS
26
que seria da ciência natural, a não ser pela indústria e pelo comércio? Inclusive esta ciência natural
'pura' apenas adquire tanto seu fim como seu material somente graças ao comércio e à indústria, graças
à atividade sensível dos homens E acrescenta-se: . . é esta atividade, este contínuo laborar e criar
sensíveis, esta produção, a base de todo o mundo sensível...". Enquanto à natureza exterior, em si, à
margem da atividade prática do homem, se diz um pouco mais adiante: "É certo que perrnanece de pé, nisso, a prioridade
da natureza exterior ... De resto, esta natureza anterior à história humana não é a natureza em que vive
Feuerbach, mas sim uma natureza quer fora talvez de umas tantas ilhas de coral australianas
152
A CONCEPÇÃO DA PRÁXIS EM MARx
153
FILOSOFIA DA PRÁXIS
Ibid., p. 634.
155
FILOSOFIA DA PRÁXIS
73 C. Mano Tesis sobre Feuerbach, op. cit., p. 635. (grifo nosso)
como base a idéia do homem como ser racional. O progresso da
humanidade exige a dissipação dos pré-conceitos e o domínio da razão.
Basta iluminar, esclarecer a consciência com a luz da razão para que a
humanidade progrida, entre na idade da razão e viva em um mundo
construído segundo princípios racionais.
A educação permite que o homem passe do reino das "sombras" ,
da "superstição", ao reino da razão. Educar é transforrnar a humanidade.
Mas quem são os educadores que devem educar o resto da sociedade?
São os filósofos do Iluminismo e os "déspotas iluministas" que escutam
os conselhos desses filósofos. Ao resto da sociedade só cabe deixar que
a consciência seja moldada a fim de que os homens possam viver —
como seres racionais — de acordo com sua própria natureza.
Essa concepção da transformação da sociedade acarreta a idéia do
homem como uma matéria passiva que se deixa moldar pelo meio ou por
outros homens. A atividade só é reconhecida em uma parte da sociedade
— os filósofos e os déspotas iluministas — e, por outro lado, é reduzida
a uma atividade pedagógica, à influência que exercem os educadores
sobre os educandos.
A essa concepção que se encontra no fundo de toda tentativa de
transformação da sociedade pelo caminho meramente pedagógico e não
pelo caminho prático revolucionário, Marx opõe uma crítica que pode
ser entendida da seguinte forma:
a) os homens não só são produto das circunstâncias, como estas
também são produtos seus. Reivindica-se, assim, o
condicionamento do meio pelo homem, e com isso seu papel ativo
em relação ao meio. As circunstâncias condicionam, mas na
medida em que não existem circunstâncias em si, à margem do
homem, elas encontram-se, por sua vez, condicionadas;
b) os educadores também devem ser educados. Rejeita-se, assim, a
concepção característica de uma sociedade dividida em duas: em
educadores e em educandos, com a particularidade de que os
primeiros permanecem subtraídos ao processo de educação. Por
conseguinte, o sujeito da atividade educativa se encarna em uma
parte da sociedade — por sinal minoritária — e o objeto —
produto passivo da sociedade —, na maioria. Desse modo, a tarefa
de transformar a humanidade — concebida como educação do
gênero humano — fica nas mãos de educadores que, por sua vez,
não se transformam a si mesmos e cuja missão é transformar os
demais. Eles são, portanto, os verdadeiros sujeitos da história; os
demais seres humanos não são mais do que uma matéria passiva
156
A CONCEPCÃO DA PRÁXIS EM MARX
que eles devem moldar. Ao se afirmar que os educadores também
devem ser educados, rejeita-se que o princípio do desenvolvimento da
humanidade se encarne em uma parte da sociedade que não exija
também sua própria transformação. Tal era a concepção característica
da burguesia revolucionária do século XVIII que se via, a si mesma,
como o princípio do desenvolvimento e do condicionamento
histórico, ao mesmo tempo em que negava para si este
desenvolvimento.
Na tarefa da transformação social, os homens não podem se dividir em
ativos e passivos; por isso não se pode aceitar o dualismo de 'educadores e
educandos". A negação desse dualismo — assim como da concepção de um
sujeito transforrnador que permanece ele próprio subtraído à mudança —
implica a idéia de uma práxis incessante, contínua, na qual se transformam
tanto o objeto como o sujeito. Ao transformar a natureza — dirá Marx em
outro lugar o homem transforma sua própria natureza, 75 em um processo de
autotransformação que jamais pode ter fim. Por isso; jamais poderá haver
educadores que não requeiram, por sua vez, ser educados;
c) as circunstâncias que modificam o homem são, ao mesmo tempo,
modificadas por ele; o educador que educa há de ser educado por sua
vez. E o homem, definitivamente, quem muda as circunstâncias e
muda a si mesmo. Através desse fundamento humano comum,
coincidem a mudança das circunstâncias e a mudança do próprio
homem. Mas essa coincidência só pode ser entendida diz Marx —
como prática revolucionária. Na transformação prático-revolucionária
das relações sociais, o homem modifica as circunstâncias e afirma seu
domínio sobre elas, isto é, sua capacidade de responder a seu
condicionamento ao abolir as circunstâncias que o condicionavam,
Desse modo, como se trata, por um lado, de circunstâncias humanas
— relações sociais, econômicas — e, por outro, os homens são
conscientes dessa transformação e de seu resultado, a mudança das
circunstâncias não pode ser separada da mudança do homem, da
mesma maneira que as mudanças que se operam nele — ao elevar sua
consciência — não podem ser separadas da mudança das
circunstâncias. Mas essa unidade entre circunstâncias e atividade
humana, ou entre transformação das primeiras e autotransformação do
homem, somente se realiza em e pela prática revolucionária.
Ao enfatizar essa unidade, Marx se opõe tanto ao utopismo que pensa que basta
a educação — isto é, um processo de autotransformação do homem — à margem
ou com anterioridade à mudança das circunstâncias de sua vida, para produzir
uma mudança radical do homem, como a um deterrninismo rigoroso que acredita
157
FILOSOFIA DA PRÁXIS
que basta mudar as circunstâncias, as condições de vida — à margem das
mudanças na consciência através de um trabalho de
75 Cf. El Capital, op. cit., t. I, p. 130.
158
FILOSOFIA DA PRÁXIS
27
C. Marx, Tesis sobre Feuerbach, op. cit., p. 635.
159
FILOSOFIA DA PRÁXIS
— somente poderia ser tu-n mundo irreal. Considerando-se que para Hegel o
mundo é como deve ser, não há lugar para uma realidade que seja objeto de
transformação.
Sendo assim, quando se trata de transformar o mundo, a primeira coisa
que é preciso rejeitar é uma filosofia que, com suas conseqüências práticas —
como pura teoria —, contribui para a aceitação do mundo e, nesse sentido,
opõe-se a sua transformação. Daí a necessidade de combater semelhante
filosofia, que é justamente a filosofia idealista alemã que culmina — como tal
filosofia da interpretação — não só em Hegel como também em Feuerbach.
Essa filosofia tem de ser combatida não só por ser mera teoria, mas
precisamente porque sendo tal uma teoria da conciliação da razão com o
mundo — tem conseqüências que ultrapassam seu marco meramente teórico.
Interpretar apenas é não transformar; por isso, diz Marx na primeira parte de
suas Teses que "os filósofos limitaram.-se a interpretar o mundo" , o que
equivale a dizer que se limitaram a aceitá-lo, a justificá-lo, a não transforrná-
lo.
Isto é, Marx nunca negou que uma filosofia, mesmo sendo idealista,
faça parte da realidade; faz parte dela pelas conseqüências práticas que tem
enquanto teoria. Mas, ao rejeitar a filosofia que por ser mera interpretação
aceita o mundo como ele é e não contribui para a sua transformação, Marx
não rejeita toda filosofia ou teoria. Se se trata de transformar o mundo, é
preciso rejeitar a teoria que é Inera interpretação e aceitar a filosofia ou teoria
que é prática, isto é, que vê o mundo como objeto da práxis. A filosofia é
filosofia da transformação do mundo; é teoria da práxis, no sentido de teoria
— e, portanto, compreensão, interpretação — que torna possível sua
transformação.
A tese XI não implica nenhuma diminuição do papel da teoria e menos
ainda sua rejeição ou exclusão. Rejeita-se a teoria que, isolada da práxis, como
mera interpretação, está a serviço da aceitação do mundo. Reconhece e eleva
até o mais alto nível aquela que, vinculada à práxis, está a serviço de sua
transformação. A teoria assim concebida se torna necessária, como crítica
teórica das teorias que justificam a não transformação do mundo e como teoria
das condições e possibilidades da ação. Assim, portanto, nem Inera teoria nem
mera práxis; unidade indissolúvel das duas. Tal é o sentido último da tese XI.
A tese XI mostra o ponto em que se verifica a ruptura do pensamento
de Marx com todo o pensamento filosófico anterior. E aí que aparece o
marxismo como uma revolução que abala a problemática, o objeto e a função
da filosofia. Não só interpretar, mas transformar. Mas — é preciso enfatizar
mais uma vez — trata-se de transformar com base em uma interpretação. Ora,
essa interpretação exigida, por sua vez, pela transformação do mundo não
160
A CONCEPCÃO DA PRÁXIS EM MARX
pode ser outra além de uma interpretação científica. Desse modo, a passagem
da interpretação à transformação, ou do pensamento à ação, implicar por sua
vez, uma re-
volução teórica que o marxismo deve levar a cabo com relação à práxis
revolucionária do proletariado: a passagem do socialismo como utopia ou
ideologia ao socialismo como ciência. 28
Reduzir o marxismo a mera interpretação, mesmo que apresentado
como uma ciência, quando do que se trata é de transformar o mundo, significa
permanecer dentro dos limites teóricos que o próprio Marx assinala e
denuncia na tese XI sobre Feuerbach.
A PRÁXIS EM A IDEOLOGIA ALEMÃ
A transformação da teoria, isto é, sua transformação de utopia (ou ideologia) em
ciência, é condição indispensável da práxis revolucionária. Por isso, Marx buscará
superar as limitações do caráter antropológico, utópico ou ideológico que suas
obras de juventude revelam. Ã ideologia alemã, escrita em 1845 em colaboração
com Friedrich Engels, constitui urna etapa decisiva nesse processo de
transformação do socialismo em ciência. Mas não se deve esquecer que a virada
que essa obra produz ao elaborar conceitos chave para interpretar a história e, em
particular, a sociedade capitalista, corresponde a exigências da práxis. Por isso, a
concepção materialista da história, cujos alicerces são lançados nessa obra, não
pode ser concebida como uma mera interpretação da história, mas sim em estreita
relação com a teoria da práxis revolucionária, na medida em que as condições
objetivas históricas, econômicas e sociais — fundam e tornam possível a ação
revolucionária do proletariado.
Trata-se não de criar a consciência de um fato existente, mas sim de derrubar
o que existe, de transformar as coisas. Levando em conta essas exigências da
práxis, explica-se a atenção que Marx (e Engels) concede novamente em A
ideologia alemã aos jovens hegelianos e, em particular, à historiografia idealista
alemã de seu tempo. Na verdade, não se pode desenvolver uma verdadeira ação
real enquanto se confia ilusoriamente no poder das idéias e estas aparecem
desvinculadas de seu verdadeiro fundamento econômico-social. Daí a necessidade
de explicar a verdadeira natureza das formações ideológicas, sua origem, sua
28
Ao longo de toda sua vida e obra, Marx e Engels mantêm.-se fiéis à concepção da necessidade de
transformar o socialismo de utopia em ciência por razões práticas, Assim, por exemplo, no folheto de
E Engels, escrito em 1877, e que ele intitulou inequivocadamente Do socialis1770 utópico ao socialismo
científico, se dá essa caracterização do socialismo científico, na qual se evidencia claramente o
conteúdo teórico-prático do marxismo: "O socialismo científico, expressão teórica do movimento
proletário, é o chamado a investigar as condições históricas e, com isso, a própria natureza desse ato
[a revolução proletária], infundindo deste modo a classe designada a fazer essa revolução, a classe
hoje oprimida, a consciência das condições e da natureza de sua própria ação" (cf. Marx e Engels,
Obras escogidas, op. cit., tomo II, p. 144.)
161
FILOSOFIA DA PRÁXIS
162
A CONCEPCÃO DA PRÁXIS EM MARX
79 "A força propulsora da históriar inclusive da religião, a filosofia, e toda outra teoria, não é a
crítica, e sim a revolução". (Ibid., p. 39.)
80 Ibid.
81 Ibid., p. 19. 82 Ibid.
163
FILOSOFIA DA PRÁXIS
29
Ibid., 38.
164
A CONCEPCÃO DA PRÁXIS EM MARX
se, Nós chamamos comunismo ao movirnento real que anula e supera o estado
de coisas atuais.
A necessidade da práxis revolucionária que conduz a essa solucão não
surge de uma contradição entre a história e a verdadeira essên„ cia humana,
mas sim de uma contradição entre as forças produtivas e as relações de
produção. O proletariado não é agora o ser que encarna o sofrimento humano
universal, ou o trabalhador que nega sua essência humana no trabalho, mas
sim, antes de tudo, o membro de uma classe social que, pelo lugar que ocupa
na produção, e por estar vinculado à forma mais avançada de produção, entra
em conflito com a classe dominante e, ao adquirir a consciência da
necessidade da revolução, leva-a a cabo para abolir o domínio de todas as
classes, abolindo as próprias classes. "A classe revolucionária aparece de
antemão, apenas pelo único fato de contrapor-se a uma classe, não como
classe, mas sim como representante de toda a sociedade, como toda a massa
da sociedade, diante da única classe, a classe dominante'
165
FILOSOFIA DA PRÁXIS
30
C, Marx e F. Engels, La ideologia alenzana, op. cit., pp. 77-78.
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A CONCEPCÃO DA PRÁXIS EM MARX
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Não há nada no Manifesto que permita fundar a idéia de que a luta de classes
é o fator histórico determinante como se depreenderia de uma leitura
economicista do texto. Semelhante leitura estaria elT1 contradição não só com
o sentido que impregna todo o Manifesto, ao destacar o papel ativo da
burguesia e, especialmente, do proletariado nas mudanças políticas, como
também com manifestações inequívocas de
88 Ibid., p. 116.
89 E Engels, "Prefacio a Ia edición alemana de 1883" , em C. Marx e E Engels, Obras escogidas, op.
cit., t 1, pp. 102-103. [Cf. OME 9, pp. 375-376.]
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A CONCEPCÃO DA PRÁXIS EM MARX
Marx e Engels no mesmo texto. Com efeito, tanto não é inelutável o
processo econômico e o desenlace da luta de classes como sua expressão,
que essa luta pode levar a resultados diametralmente opostos: a
transformação revolucionária da sociedade ou a derrubada das classes em
pugna
I No Manifesto se expõern a origem, o desenvolvimento, a posição e o papel das
duas classes fundamentais da sociedade burguesa (seção I: "Burgueses e
proletários"). O enfoque da burguesia é histórico: é o produto de uma
evolução vinculada às mudanças operadas no terreno econômico. Do ponto
de vista político, foi evoluindo do estamento oprimido na sociedade feudal
até que "depois do estabelecimento da grande indústria e do mercado
universal, conquistou finalmente a hegemonia exclusiva do poder político
como o Estado representativo moderno
O enfoque histórico permite ao IVIanifesto opor-se ao ponto de vista
próprio da economia política burguesa segundo o qual as relações burguesas
são eternas e, portanto, poderiam escapar à sua transformação e
desaparição; igualmente, o leva a rejeitar a condenação do capitalismo com
um critério moral, exclusivamente pela miséria e pelos sofrimentos que
engendra. Frente a toda apologia ou negação absoluta, o Manifesto
reconhece que "a burguesia desempenhou na história LUTI papel altamente
revolucionário' ao revolucionar incessantemente a produção, ao estendê-la
à escala mundial e criar imensas forças produtivas "mais abundantes e mais
grandiosas do que as de todas as gerações passadas juntas'
Através de seu próprio desenvolvimento históñco, a burguesia cria as
condições para sua própria desaparição: as annas (as forças produtivas) e os
homens (os proletários) que hão de destruí-las'4 Com esse tratamento histórico,
o proletariado se apresenta como produto do desenvolvimento capitalista e, ao
mesmo tempo, como condição para a existência do capitalista. O
desenvolvimento capitalista (acrescentamento do capital, extensão do emprego
das máquinas, divisão crescente do trabalho, etc.) agrava as condições de vida
do trabalhador até um ponto em que se prova que a burguesia já não pode
continuar dominando e que sua existência se tornou incompatível com a da
sociedade.
Na caracterização da situação do trabalhador já não encontramos os
elementos antropológicos que ainda se faziam presentes em A Sagrada
90 Maa•lifiesto, op. cit. p. 1 1 1.
91 Ibid., p. 113.
92 Ibid.
93 Ibid., 1 15.
94 p. 117.
Ibid.,
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FILOSOFIA DA PRÁXIS
Família, Ao final da Seção I, enfatiza-se vigorosamente a deterrninação
objetiva de sua situação e de sua missão histórica revolucionária.
O progresso da indústria, de que a burguesia — incapaz de opor-se a ele
— é agente passivo e inconsciente, substitui o isolamento dos
trabalhadores, decorrente da concorrência, pela sua união
revolucionária através da associação. Com o desenvolvimento da
grande indústria, portanto, a base sobre a qual a burguesia assentou seu
regime de produção e apropriação dos produtos é solapada. A
burguesia produz, antes de mais nada, seus próprios coveiros. Seu
declínio e a vitória do proletariado são igualmente inevitáveis. 31
Desse o próprio desenvolvimento do capitalismo atenta contra sua
existência, torna necessária sua transformação e produz o seu agente: o
proletariado como coveiro da burguesia. Cumpre essa função em um processo
revolucionário cujo fundamento objetivo é "a rebelião das forças produtivas
modernas contra as atuais relações de produção, contra as relações de
propriedade que condicionam a existência da burguesia e sua dominação" . 96
Mas essa rebelião no nível econômico não é ainda a revolução no plano político
como passagem do poder das mãos da burguesia às do proletariado. Uma não
leva mecanicamente à outra, como prova o fato, registrado em o Manifesto, de
que a "rebelião das forças produtivas" se vinha dando "há algumas décadas"
enquanto a mudança política, a revolução proletária, que é o passo que se aspira
dar, ainda não se deu.
A REVOLUÇÃO PROLETÁRIA
A revolução proletária é a forma mais alta, historicamente, da práxis
revolucionária. No Manifesto, é concebida como um processo no qual se
destacam três aspectos, elementos ou fases dificilmente separáveis:
a) a conquista do poder político; b) a organização do proletariado como
classe dominante (como novo poder político); e c) a utilização desse novo
poder para transformar radicalmente o modo de produção.
31
Ibid., p. 122. 96 Ibid., p.
116.
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A CONCEPÇÃO DA PRÁXIS EM
Esse processo prático revolucionário é também um processo de
ruptura e organização; isto é, não pode ser reduzido ao "primeiro passo": a
conquista do poder político. Mas vejamos mais detidamente as
formulações do Manifesto: "A revolução comunista é a ruptura mais
radical com as relações de propriedade tradicionais; nada de estranho há em
que, no curso de seu desenvolvimento, rompa de maneira mais radical com
as idéias tradicionais" . 32 Aqui se enfatiza claramente o ele-
IvIARux
32
Ibicl, p. 128.
100 Ibid.
175
FILOSOFIA DA PRÁXIS
Ao longo das passagens anteriores, foi-se perfilando uma definição do poder
político, ou do Estado, que enfatiza o elemento de dominação. Certamente, ao
conquistar o poder político, o prol.etariado se organiza como classe dominante. E,
através dessa organização, o novo poder comparte o que é próprio de todo poder
político: o ser "violência organizada de uma classe para a opressão de outra". Mas
trata-se, por seu conteúdo, de uma violência especial, já que é compatível com o
que, nos poderes políticos anteriores, mantém-se excluído: a democracia. Com efeito, no
Manifesto "a elevação do proletariado a classe dominante" que é a "violência organizada",
de classe, conjuga-se claramente com "a conquista da democracia". Desse modo, ficam
claramente marcados, em sua unidade indissolúvel, os dois aspectos essenciais do
conceito clássico de ditadura do proletariado que Lênin retomará em O Estado e a
revolução.
A revolução proletária é, como vilT10s, um processo de ruptura radical
com as relações burguesas de produção e com as idéias tradicionais, mediante o
uso adequado do novo poder político. Mas essa trans-
Ibid., p. 129.
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FILOSOFIA DA PRÁXIS
formação radical alcança também o poder conquistado, isto é, o próprio
instrumento dessa transformação. Leiarnos com atenção esta passagem: "Uma
vez que no curso do desenvolvimento tenham desaparecido as diferenças de
classe e se tenha concentrado toda a produção nas mãos dos indivíduos
associados, o poder público perderá seu caráter político'
Embora Marx e Engels não a caracterizem explicitamente assim,
poderíamos dizer, com base na passagem anterior, que a revolução proletáña
constitui um processo de transição entre a conquista do poder e a perda do
caráter político desse poder. Certamente, na passagem citada pressupõe-se que
o poder político está vinculado às diferenças de classe e, de acordo com a
definição antes dada de poder político, à necessidade — uma vez que existe tal
diferenciação de que uma classe organize e exerça sua dominação sobre outra,
Supõe-se também uma fon-na de organização no futuro que não tenha esse
caráter político: quando os indivíduos se associarem livremente e não sob
relações de dominação.
Trata-se, pois, do fim do poder político, ou da política como prática
de dominação, ao desaparecer sua necessidade com o desaparecimento da
divisão da sociedade em classes. Justamente por isso o Manifesto diz um
pouco mais adiante:
Se na luta contra a burguesia o proletariado constitui-se indefectivelmente
como classe; se mediante a revolução converte-se em classe dorninante e,
enquanto classe dominante, suprime pela força as velhas relações de
produção, suprime, ao mesmo tempo que essas relações de produção, as
condições para a existência do antagonismo de classe e das classes em geral
e, portanto, sua própria dominação de classe. 10'
Uma conclusão se impõe, então: se o poder político é a classe organizada como
classe dominante, e se a desaparição das classes torna desnecessária sua
dominação, desaparece como conseqüência a necessidade do órgão que a exerce:
o poder político ou Estado. O que se tem em troca é uma associação livre de
indivíduos. Ou, como se diz no Manifesto: "Em substituição à antiga sociedade
burguesa, com suas classes e seus antagonismos, surgirá uma associação livre na
qual o livre desenvolvimento de cada um será a condição do livre
desenvolvimento de todos" 103
Encontramo-nos, portanto, novamente diante do problema da
desaparição do poder político, o do Estado, que Marx havia formuladb de
forma muito rudimentar em seu escrito juvenil, de 1843, a Crítica da filosofia
do Estado, de Hegel.
101 Ibid., p. 129. 102 Ibid., p.
130.
103 Ibid.
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FILOSOFIA DA PRÁXIS
MAR-x
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A CONCEPÇÃO DA PRÁXIS EM
salvaguardar e apenas podem conquistar forças sociais produtivas
"abolindo seu próprio modo de apropriação
p. 119.
em vigor". Trata-se, portanto, de um processo prático cujo sujeito é o
proletariado; o meio, a luta violenta e o fim, o estabelecimento de sua
própria dominação. Ou, nas palavras do Manifesto: "A guerra civil
mais ou menos oculta que se desenvolve no seio da sociedade existente
transforrna-se em uma revolução aberta, e o proletariado, derrubando
a burguesia pela violência, implanta sua dominação". Vemos,
portanto, que a "organização do proletariado como classe" significa,
ao mesmo tempo, sua constituição como sujeito da práxis revolucionária.
Depois de compreender, nos termos do Manifesto, o que significa a
constituição do proletariado como classe e, portanto, como agente histórico
da revolução, torna-se necessário entender em que sentido se estabelece um
sinal de igualdade entre classe e partido, pois, certamente, Marx e Engels
dizem: "Essa organização como classe e, portanto, como partido político...".
Temos aqui uma primeira caracterização do partido (dizemos "primeira" ,
pois, como veremos no Manifesto, podemse distinguir outras duas).
Partido, em uma primeira formulação, é a classe que, com consciência
de seu interesse próprio, enfrenta em um processo de luta a burguesia. Nesse
processo prático, a classe atua como partido: é a classe-partido; portanto, partido
não é aqui uma parte ou um setor dela, mas sim o partido-classe. Ambos os
termos cobrem-se reciprocamente. O partido existe desde que existe a classe e
a classe existe desde que funciona como partido. Trata-se, portanto, de um
conceito de partido tão amplo que não pode ser confundido com o conceito
estrito aplicável à liga dos Comunistas, que para Marx é apenas, do mesmo
modo que em outras sociedades, "episódios na história do partido no grande
sentido histórico do termo'
No partido assim entendido, cabem tanto uma organização política
específica quanto sindical e inclusive cultural, mas essas organizações não
entram nele como frações ou setores da classe trabalhadora, mas como classe
que luta contra a burguesia em diversas formas: política, econômica, cultural,
etc. O modelo empírico que inspira em Marx e Engels esse conceito amplo
de partido é o proletariado com suas diversas organizações.
Mas o Manifesto fala também de partidos em um segundo sentido
quando se refere aos partidos operários entre os quais se encontra o dos
comunistas. Em várias ocasiões, nomeia os comunistas como um partido
entre os partidos operários, não oposto, mas sim, distinto deles. Na verdade,
no texto encontramos formulações como as seguintes: "Os comunistas não
formam um partido à parte, oposto aos partidos ope-
100 Ibid.
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FILOSOFIA DA PRÁXIS
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A CONCEPÇÃO DA PRÁXIS EM
Mas os comunistas não só se distinguem dos demais partidos
operários, como também têm vantagens enn relação a eles. Marx e
Engels assinalam claramente essas vantagens, embora, na verdade,
aquilo
100 Ibid.
181
FILOSOFIA DA PRÁXIS
109 Ibid.
182
A CONCEPÇÃO DA PRÁXIS EM
110 Ibid.
MARX
autodireção. Mas o partido dos comunistas, por ser o mais avantajado teórica
e praticamente, se converte em um fator vital enquanto que, na realidade e
não pelo direito adquirido, mantém a dupla vantagem assinalada pelo
Manifesto. ]
BALANÇO DO MANIFESTO
O Manifesto do Partido Contunista é a teoria e o programa revolucionário da
classe social destinada historicamente, objetivamente, a transformar
radicalmente a sociedade em um processo que é o de sua própria auto-
emancipação. Nele se apresenta essa transformação como obra sua, embora
somente realizável quando, levando-se em conta as condições objetivas, se
eleva a certo grau de consciência, organização e luta. Nesse processo, o
partido comunista — produto e expressão da classe — cumpre um papel
ilnportante por sua visão "das condições, da marcha e dos resultados gerais
do movimento" e, por sua vez, por impulsionar, como o setor mais resolvido,
a práxis revolucionária do proletariado.
Nesse sentido, o Manifesto ocupa um lugar excepcional na elaboração
do conceito de práxis por Marx. Nele se mostra claramente o marxismo como
teoria da práxis, da transformação radical do mundo. Neles se amarraram os
diferentes fios que conduzem a esse momento maduro da concepção da
práxis em Marx, a saber:
a) a concepção da missão histórica do proletariado, já objetivamente
fundada, como sujeito da práxis revolucionária, como processo de sua
emancipação;
b) a unidade da teoria e da prática na práxis revolucionária; e
c) o partido como produto e expressão da classe e, por sua vez, como
meio necessário por sua vantagem teórica e prática — para que o
proletariado alcance sua auto-emancipação.1 12
184
A CONCEPÇÃO DA PRÁXIS EM
absoluto de Hegel e do antropologismo de Feuerbach é a práxis, e essa
inversão traz em si necessariamente — ao ter de fundar histórica e
MA-Rx
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FILOSOFIA DA PRÁXIS
186
A CONCEPÇÃO DA PRÁXIS EM
a) No materialismo anterior a Marx, ao continuar vendo objeto e sujeito
em uma relação exterior, abstrata, e reduzir a práxis a um critério de
verificação entre o pensamento do sujeito e um objeto que existe em
si, à margem de sua relação prática com o mundo (empirisvno da
práxis).
b) No idealismo, se a atividade prática é concebida em um sentido absoluto
e subjetivista, negando a propriedade da natureza exterior (idealislno da
práxis).
c) No ponto de vista da consciência ordinária, pré-filosófica, que ignora
tanto a relação intrínseca sujeito-objeto (realismo ingênuo) como a
atividade do sujeito — no sentido teórico e prático, A relação exterior
sujeito-objeto só se torna compatível aqui com a atividade prático-
utilitária, o que prefigura bem mais a posição do pragmatismo do que a
de uma verdadeira filosofia da práxis (pragmatisnao da práxis).
O conceito de práxis e seu papel fundamental na formação e constituição
do marxismo se descaracterizam do mesmo modo quando a revolução
filosófica que o marxismo leva a cabo e a mptura que pressupõe com a
filosofia tradicional e, particularlnente, com a de Hegel e Feuerbach, são
interpretadas como um corte meramente teórico ou "epistemológico O
corte com a filosofia anterior assim entendido não só obscurece o
desenvolvimento do marxismo — ao mesmo tempo contínuo e descontínuo
— como empalidece, antes de tudo, a verdadeira natureza do corte ou
ruptura com a filosofia tradicional a que Marx alude desde a sua famosa
tese XI sobre Feuerbach. O "corte" não é meramente epistemológico, pois
embora se rompa ou corte com uma teoria — particularmente com
113 0 conceito de "corte epistemológico" foi introduzido por Gaston Bachelard e aplicado por Louis
Althusser para expressar a transformação de uma problemática pré-científica ou ideológica em uma
problemática científica. Althusser utiliza tal conceito ao estudar o pensamento de Marx e, sobretudo,
ao tentar estabelecer a linha divisória com respeito a seus trabalhos de juventude (Pour Marx, op.
cit., p. 26) . Sem entrar agora na questão que tocamos antes sobre a inexistência de uma
descontinuidade radical entre o jovem Marx, particularmente o dos Manuscritos de 1844, e o Marx
imediatamente posterior que começa a se desenhar a partir das "Teses sobre Feuerbach" e a A
ideologia alenaã, e sem insistir mais na unilateralidade e no esquematismo que supõe caracterizar a
problemática do primeiro período como simples problemática feuerbachiana, já que toda nossa
exposição neste capítulo rejeita essa tese, digamos, neste momento, que o verdadeiro objeto da
crítica de Marx não é tanto Feuerbach como Hegel; que a ruptura ou corte se efetua com a filosofia
como interpretação do mundo que Hegel levou até suas últimas conseqüências; que os
neohegelianos apenas exacerbaram essa filosofia, deixando pelo caminho o conteúdo real que de
forma mistificada aparecia em Hegel; que Feuerbach a mantém, apesar de sua antropologização de
Deus e da Idéia, e que Marx luta para libertar-se dela por meio da crítica do idealismo hegeliano,
conseguindo-o ao final a partir, sobretudo, das "Teses sobre Feuerbach" e da Ideologia alemã. Entre
essa concepção da filosofia como friterpretação e a da filosofia como transforrnação do mundo se
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dá o verdadeiro corte que, por seu caráter teórico-prático, não se pode reduzir a um mero "corte
epistemológico
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