Direito Penal VI
Direito Penal VI
Direito Penal VI
Tema I
Aspectos Penais do Código de Trânsito Brasileiro I.1) Considerações gerais: evolução histórica. Conceito de
veículo automotor. 2) Exame dos artigos 291 a 301 da Lei 9.503/97.3) Aspectos controvertidos.
Notas de Aula1
“Súmula 720, STF: O art. 309 do Código de Trânsito Brasileiro, que reclama
decorra do fato perigo de dano, derrogou o art. 32 da Lei das Contravenções Penais
no tocante à direção sem habilitação em vias terrestres.”
“Art. 309. Dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para
Dirigir ou Habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de
dano:
Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.”
“Art. 32. Dirigir, sem a devida habilitação, veículo na via pública, ou embarcação a
motor em aguas públicas:
Pena – multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.”
1
Aula ministrada pelo professor Ricardo Ribeiro Martins, em 11/11/2010.
Houve quem dissesse, no início da vigência do CTB, que a direção sem habilitação
com perigo de dano estaria inserta no artigo 309 supra, mas a direção sem habilitação e sem
perigo de dano seria ainda capitulada na contravenção supra. Contudo, essa tese caiu
justamente por conta do artigo 1º do CTB, que impõe esse Código como norma geral,
revogadora de tudo mais que trata de trânsito. Outro exemplo dessa encampação é o artigo
34 da LCP:
É isso que prevalece, hoje, em relação a tudo que diga respeito a trânsito de veículos
automotores em vias terrestres.
As definições do que são vias terrestres estão no artigo 2º do CTB:
As vias terrestres, para efeitos do controle estatal do trânsito, são as vias públicas, e
o parágrafo do artigo supra estabelece que assim são também consideradas as praias abertas
e as vias internas de condomínios fechados. Quanto a esses condomínios, a lógica é a
seguinte: são consideradas vias terrestres sob tutela do CTB aquelas vias comuns que
permeiam os loteamentos em que há mais de um prédio, cada via sendo identificada, tal
como nas ruas comuns – mesmo que intra muros. Diferentemente ocorre naqueles
condomínios em que há um só endereço genérico para todos os prédios, e que são
efetivamente fechados, mesmo que haja mais de uma via interna: nesses não há aplicação
do CTB.
Por exclusão, tudo que ali não se enquadrar – vias internas de fazendas, postos de
gasolina, estacionamentos em shoppings, etc – não está sob tutela do CTB.
Os crimes do CTB são divididos em crimes de trânsito próprios e impróprios. São
próprios os que só podem ocorrer em vias terrestres públicas, que demandam essa
elementar; impróprios, são os crimes que não demandam tal condição. Como exemplo, o
homicídio culposo ou a lesão culposa na condução de veículo terrestre: não precisa estar em
via pública para se configurar o crime, pois a elementar que os identifica é estar na
condução de veículo automotor. Assim, mesmo em uma garagem, o homicídio e a lesão
culposa de trânsito podem ser configurados – e por isso são chamados de crimes de trânsito
impróprios. Os demais, são todos próprios.
O conceito de veículo automotor está no Anexo I do CTB:
coisas. O termo compreende os veículos conectados a uma linha elétrica e que não
circulam sobre trilhos (ônibus elétrico).”
Os ciclomotores não estão incluídos nesse conceito cujo conceito é também trazido
no Anexo I:
O § 1º do artigo supra é bastante relevante. Veja o artigo 303 do CTB, que trata da
lesão corporal culposa de trânsito:
perigo que porventura tenha sido cometido na execução do crime de dano. Essa é a regra
geral da subsidiariedade. Nos casos dos incisos supra, tais crimes de perigo são absorvidos
pela lesão, mas ainda assim produzem efeito, qual seja, o de afastar benefícios que a lei
concede a crimes de menor potencial ofensivo – além de computar na pena-base, como se
sabe.
O inciso III tem a redação um tanto equivocada, segundo a doutrina, pelo seguinte:
na literalidade, se a via for de velocidade máxima cento e dez quilômetros por hora, para
incidir no inciso III seria necessário trafegar acima de cento e sessenta quilômetros por
hora. Ocorre que o que o legislador quis dizer, ali, foi cinquenta por cento, e não cinquenta
quilômetros, a exemplo do que é dito no artigo 218 do CTB:
Todavia, como o erro legislativo não foi retificado, vale mesmo o limite de
cinquenta quilômetros, e não cinquenta por cento.
O artigo 292 do CTB também é bastante problemático:
Na sua literalidade, o que esse dispositivo permite é que o juiz, em qualquer crime
do CTB, aplique essa penalidade isoladamente, o que leva ao absurdo de se cogitar do
afastamento do preceito secundário do crime de homicídio culposo de trânsito para ali se o
apenar apenas com a suspensão ou proibição desse artigo – violando absurdamente a
proporcionalidade.
Por isso, a leitura correta do artigo supra é a de que esse permite ao juiz aplicar a
pena se suspensão ou proibição em qualquer crime do CTB, ainda que essa pena não venha
no preceito secundário de cada tipo penal; nos crimes em que a pena de suspensão ou
proibição já esteja prevista, o artigo supra é inócuo, letra morta.
A pena do artigo 292 do CTB é restritiva de direitos, mas não é substitutiva da pena
privativa de liberdade. É uma exceção à regra normal das penas restritivas. A duração dessa
pena é regida pelo artigo seguinte:
A graduação do tempo da pena é feita com base na culpabilidade, a fim de que seja
proporcional à infração cometida, como em qualquer escala penal. Intimado a entregar sua
habilitação ou permissão em quarenta e oito horas, se o agente não o fizer, restará incurso
no artigo 307, parágrafo único, do CTB:
O § 2º do artigo 293 supra estabelece que o termo a quo da pena só pode ocorrer
quando o agente estiver em liberdade, por óbvio, pois do contrário a restrição correria
quando preso, o que a faria perder o sentido.
O CP traz pena similar à do artigo 292 do CTB no artigo 47, III, combinado com o
artigo 57:
Esses dispositivos não mais teriam aplicabilidade, mas Nucci estabelece que ainda
restam aplicáveis aos crimes cometidos em ciclomotores, quando qualquer habilitação ou
permissão, mesmo para veículos, será suspensa ou proibida para aquele condutor do
ciclomotor. A ideia é que não haja impunibilidade do crime ocorrido no trânsito, mesmo
não sendo o crime um crime de trânsito, por não ser um veículo automotor no viés legal.
O artigo 294 do CTB estabelece poder especial de cautela do juízo, que poderá
aplicar a suspensão ou proibição cautelarmente, até mesmo de ofício:
“Art. 296. Se o réu for reincidente na prática de crime previsto neste Código, o
juiz aplicará a penalidade de suspensão da permissão ou habilitação para dirigir
veículo automotor, sem prejuízo das demais sanções penais cabíveis. (Redação
dada pela Lei nº 11.705, de 2008)”
“Multa
Art. 49 - A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia
fixada na sentença e calculada em dias-multa. Será, no mínimo, de 10 (dez) e, no
máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa. (Redação dada pela Lei nº
7.209, de 11.7.1984)
§ 1º - O valor do dia-multa será fixado pelo juiz não podendo ser inferior a um
trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior
a 5 (cinco) vezes esse salário. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 2º - O valor da multa será atualizado, quando da execução, pelos índices de
correção monetária. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”
multa, que não é consequencia natural da sentença condenatória, e por isso não é
automaticamente deduzida da condenação.
Especificado o valor da multa, o seu não pagamento não gera efeitos na esfera
penal, pois não é pena restritiva de direitos; com o inadimplemento, a vítima ganha a
oportunidade de executar essa dívida, na vara cível (e não na vara da fazenda pública, como
se poderia pensar).
É uma penalidade, de fato, mesmo que civil. Por isso, parte da doutrina defende que
pode ser aplicada de ofício pelo juízo. Mesmo tendo certa nota indenizatória – o que leva a
maioria da doutrina, a exemplo de Nucci, a defender inviável a sua aplicação de ofício, por
ter caráter patrimonial, disponível –, há quem entenda que seja possível a fixação ex officio,
por ser, antes de tudo, penalidade. A divergência ainda permanece, havendo prevalência de
quem entende ser necessário o pedido da parte, mesmo porque é necessária a prova da
extensão do dano material (nunca o moral, que aqui não se pode suscitar) a ser reparado por
essa multa.
Apesar da remissão expressa do artigo 297 do CTB aos artigos 50 a 52 do CP, o
artigo 51 é inaplicável:
A multa em questão, do artigo 297, é em prol da vítima, e por essa já pode ser
executada na vara cível, como dito. A pena de multa, do artigo 49 do CP, é executada na
vara de fazenda, quando convertida – o que não se aplica ao artigo 297 do CTB.
O valor da multa reparatória é limitado pelo § 1º do artigo 49 do CP, supra, o que
leva à conclusão de que nunca será menor do que um trigésimo do salário mínimo, mas
também nunca será maior do que cinco salários.
Nucci entende que houve erro de redação no artigo 297, caput, do CTB, porque a
limitação deveria ser traçada não somente pelo § 1º do artigo 49 do CP, mas sim à
combinação do caput do artigo 49 com o seu § 1º – o que permitiria chegar ao mínimo de
um terço do salário mínimo, equivalente a dez dias multa de um trigésimo do salário
mínimo; e ao máximo de trezentos e sessenta dias multa de cinco salários mínimos cada, ou
seja, R$ 918.000,00, em valores atuais. Esse argumento é forte, mas não houve ainda
declaração de erro legislativo nesse dispositivo do CP.
É claro que se a vítima não se contentar com a indenização fixada nessa multa,
poderá buscar complementação na seara cível, por meio de uma ação civil ex delicto.
O artigo 298 do CTB trata das agravantes genéricas, incidentes na segunda fase do
cálculo da pena, nos crimes de que trata esse Código:
“Art. 298. São circunstâncias que sempre agravam as penalidades dos crimes de
trânsito ter o condutor do veículo cometido a infração:
I - com dano potencial para duas ou mais pessoas ou com grande risco de grave
dano patrimonial a terceiros;
II - utilizando o veículo sem placas, com placas falsas ou adulteradas;
A agravante do inciso III é circunstância que já aumenta outros tipos, e nesses não
pode ser aplicada – nos artigos 302 e 302 do CTB; e é a própria elementar do artigo 309 do
CTB, também ali não podendo incidir, sob pena de bis in idem.
“Art. 309. Dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para
Dirigir ou Habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de
dano:
Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.”
O inciso V também não se aplica aos artigos 302 e 303 do CTB, pois é causa de
aumento específico nesses crimes.
O emprego de veículos com equipamentos que reduzam sua segurança, como
aqueles utilizados em tunning, é uma agravante nos crimes de trânsito, segundo o inciso VI
desse artigo 298 do CTB.
A última agravante genérica, do inciso VII, se justifica pelo menor nível de atenção
em que o pedestre se encontra quando nas vias destinadas aos pedestres, em função de
pautar-se no princípio da confiança – o que leva à maior chance de que o crime de trânsito
tenha consequências mais graves.
“Razões do veto:
‘Este artigo pretende que o fato do condutor de veículos que contar menos de vinte
e um anos ou mais de setenta anos não constitua circunstância atenuante para a
aplicação da pena. Isto contraria a tradição jurídica brasileira e, especialmente, a
sistemática estabelecida do Código Penal. De qualquer modo, não se justifica, na
espécie, o tratamento especial ou diferenciado, que se pretende conferir aos delitos
de trânsito, razão pela qual deve ser vetado.’”
“Art. 300. Nas hipóteses de homicídio culposo e lesão corporal culposa, o juiz
poderá deixar de aplicar a pena, se as conseqüências da infração atingirem,
exclusivamente, o cônjuge ou companheiro, ascendente, descendente, irmão ou
afim em linha reta, do condutor do veiculo.”
“Razões do veto:
‘O artigo trata do perdão judicial, já consagrado pelo Direito Penal. Deve ser
vetado, porém, porque as hipóteses previstas pelo § 5° do art. 121 e § 8° do artigo
129 do Código Penal disciplinam o instituto de forma mais abrangente.’”
As razões do veto ao artigo 300, que se referiria ao perdão judicial, são pautadas em
um bom argumento, mas há ainda um melhor: fixar critério objetivo para o perdão judicial,
como faria esse artigo 300 do CTB, é um equívoco absurdo, pois o perdão é pautado no
sofrimento do autor do crime, que não pode ser objetivamente mensurado: pode o irmão
que matou outro culposamente não estar sofrendo, por ser desafeto daquele irmão, e ainda
teria perdão judicial, se fosse objetivamente concedido; e pode um amigo que matou outro
sofrer severamente, e não merecer o perdão judicial, na forma objetiva. Por isso, o veto foi
a melhor providência.
Veja a jurisprudência:
Ademais, os artigos 302 e 303 do CTB são artigos remetidos, pois falam em
“praticar homicídio” e “praticar lesão corporal”, ao invés de “matar alguém” e “causar
lesão”, respectivamente. Assim, ao remeter aos artigos 121 e 129 do CP, o legislador
remeteu também a tudo mais que sobre os artigos 121 e 129 do CP é incidente – inclusive o
perdão judicial do CP.
1.4. Proibição da prisão em flagrante caso haja socorro da vítima pelo agente
“Art. 301. Ao condutor de veículo, nos casos de acidentes de trânsito de que resulte
vítima, não se imporá a prisão em flagrante, nem se exigirá fiança, se prestar
pronto e integral socorro àquela.”
Casos Concretos
Questão 1
CARLOS estava dirigindo seu fuscão preto, em via pública, não tendo permissão
para dirigir ou habilitação. Da maneira como estava conduzindo seu automóvel, em
ziguezague, CARLOS estava causando perigo de dano para as pessoas que se encontravam
na calçada.
Tamanha foi a sua imprudência, que ele subiu com o carro na calçada e atropelou
uma pessoa, causando nela lesão corporal.
Realizada audiência preliminar, foi possível o acordo e a vítima SERGIO renunciou
ao direito de representação.
Diante disso, o Promotor de Justiça ofereceu denúncia em face de CARLOS pelo
crime descrito no artigo 309 da Lei 9.503/97.
Pergunta-se: Está certa a posição do MP?
Resposta à Questão 1
Questão 2
Resposta à Questão 2
Questão 3
Resposta à Questão 3
O mero excesso de velocidade não pode ser considerado dolo eventual, apesar de
haver discussões severas sobre o tema. A imputação é de homicídio culposo de trânsito,
portanto.
Veja o julgado abaixo:
Tema II
Aspectos Penais do Código de Trânsito Brasileiro II.1) Delitos da Lei 9.503/97. Bem jurídico tutelado.
Sujeitos do delito. Tipicidade objetiva e subjetiva. 2) Aspectos controvertidos
Notas de Aula2
Para a ocorrência desse crime, não é preciso que o agente esteja na via pública,
dependendo apenas que esteja na condução de veículo automotor.
Trata-se de um crime culposo vinculado a essa elementar, qual seja, à condução de
um veículo automotor. Por isso, se o agente estiver, por exemplo, empurrando um veículo
automotor e com isso causar a morte culposa de alguém, não há o crime em tela, porque
não está preenchido o tipo formal – não está dirigindo o veículo. Nesse caso do exemplo,
ocorrendo a morte, o crime é o homicídio culposo do próprio CP.
A graduação do aumento de pena do parágrafo único é feita com base em
fundamentação concreta do julgador, no esteio analógico do que prevê a súmula 443 do STJ
para o crime de roubo:
Quanto a tudo mais, esse crime é um crime culposo, e todas as questões referentes
ao estudo da culpa devem ser aqui reprisadas, dispensando-se sua repetição expressa.
O inciso I do parágrafo do artigo supra faz absorvido o artigo 309 do CTB, já
transcrito. O inciso II, por seu turno, afasta a agravante genérica de mesmo teor, como
mencionado quando da análise do artigo 298, VII, do CTB.
Quando deixar de prestar socorro à vítima, o inciso III desse artigo supra deve
incidir. Surge uma questão: suponha-se que a vítima morra instantaneamente; deixando o
condutor de socorrê-la, haverá aumento da pena? A resposta é negativa: ao morrer
imediatamente, a vítima deixa de precisar de socorro – o cadáver não precisará de socorro
por parte do condutor. Sendo assim, não há objeto de socorro, pois o cadáver é objeto
2
Aula ministrada pelo professor Ricardo Ribeiro Martins, em 11/11/2010.
No STF, contudo, não prevalece esse entendimento, porque entende, essa Corte, que
o dever de socorrer impõe que o faça, não dando margem ao condutor de deduzir se a
vítima precisa ou não do socorro. Veja:
“Lesão corporal
Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano.
(...)”
Acontece que não há desproporção real nessa pena da lesão culposa: o bem jurídico,
a integridade física, fica exposto a danos absolutamente mais severos do que os danos
causados por uma lesão corporal dolosa leve. A orientação da reprimenda do CTB é em
função da potencialidade lesiva que os crimes de trânsito oferecem, muito maior do que a
potencialidade lesiva da lesão dolosa leve.
O parágrafo único do artigo 303 do CTB remete às causas de aumento do artigo
302, do homicídio culposo de trânsito.
Há que se abordar uma questão polêmica. O CTB contempla diversos crimes de
perigo, que em regra são subsidiários aos crimes de dano mais gravoso. Ocorre que surge
uma certa incongruência nos crimes do CTB, justamente por conta da comparação das
penas de alguns crimes de perigo com a dos crimes de dano. Ao se constatar um fato que
preencha o crime dos artigos 303 e 309, por exemplo, se se comparar as penas, não se
vislumbra problema algum na subsidiariedade: exclui-se o crime de perigo, do 309, e
mantém-se o crime de dano, do artigo 303, porque a pena é maior:
“Art. 309. Dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para
Dirigir ou Habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de
dano:
Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.”
“Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração
de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a
influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:
(Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008)
Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se
obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre
distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado
neste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.705, de 2008)”
“Art. 309. Dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para
Dirigir ou Habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de
dano:
Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.”
Parágrafo único. Incide nas penas previstas neste artigo o condutor do veículo,
ainda que a sua omissão seja suprida por terceiros ou que se trate de vítima com
morte instantânea ou com ferimentos leves.”
Assim que o CTB foi promulgado, o artigo supra gerou certa perplexidade, porque
se a omissão é causa de aumento nos artigos 302 e 303, como visto, não há sentido em se
prever tipo autônomo para tal omissão.
Não há estranheza, porém. A explicação é a seguinte: o indivíduo que se sujeita ao
artigo supra é o condutor do veículo envolvido no acidente, mas que não é o causador do
dano culposo. Se for o causador culposo do dano, ele se submete ao artigo do dano – 302
ou 303 –, com a causa de aumento por sua omissão; se for outro condutor qualquer,
envolvido no acidente, mas sem culpa, subsume-se ao artigo 304, supra. E se for um
terceiro qualquer, alheio ao acidente, poderá subsumir-se no máximo ao artigo 135 do CP.
Dessarte, em um evento no qual há três pessoas envolvidas, há três capitulações
possíveis para os que omitem socorro: a do condutor do veículo que causa culposamente o
dano, que se subsume ao dano majorado; a do condutor de outro veículo, que não causou o
dano culposamente, mas que está envolvido no acidente, que se subsume ao crime do artigo
304; e a do terceiro, alheio ao acidente, que podendo ajudar não o faz, o qual será alcançado
pelo artigo 135 do CP.
O que não tem explicação, de fato, é a maior severidade da pena do artigo 304 em
comparação com a pena do artigo 135 do CP:
“Omissão de socorro
Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal,
à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo
ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade
pública:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão
corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.”
Não há lógica alguma nessa diferença, mas ela existe: o terceiro omitente, não
envolvido no acidente, sofre pena menor do que o terceiro omitente que se envolveu no
acidente.
O artigo 304 do CTB impõe ao agente que, se não puder agir ele próprio, busque
auxílio da autoridade para promover o socorro. Aqui, diga-se, pode até mesmo o próprio
condutor culpado incidir no artigo 304 supra: se o condutor que causa dano não socorre por
não poder, mas também não comunica à autoridade para que essa socorra, podendo
comunicar, está inserto na omissão do artigo 304, e no crime de dano simples que tenha
ocorrido, lesão ou homicídio de trânsito.
Esse crime do artigo 304 é omissivo próprio, e com isso não há como se admitir
tentativa.
O parágrafo único do artigo em estudo expressamente estabelece a punição daquele
que deixa de socorrer a vítima, mesmo que essa esteja sendo socorrida por terceiros. Sua
obrigação moral, convertida em dever jurídico, é a de ao menos oferecer o socorro, mesmo
que seja dispensável em função de melhores socorristas estarem atuando, ou que a situação
supostamente indique desnecessidade de socorro – lesão leve, ou morte instantânea
(recaindo aqui na discussão sobre a “circunstância impossível”, já mencionada).
Esse artigo supra deve ser considerado inconstitucional. Assim o é porque a fuga,
em uma tipificação peculiaríssima, é aqui incriminada, o que ofende a CRFB de mais de
uma forma: ao tipificar a conduta de fugir para não arcar com a responsabilidade civil de
que o agente possa ser imputado, o artigo está cominando outra hipótese de prisão por
dívida, o que é notoriamente inconstitucional. Além disso, ao criminalizar a fuga, o artigo
impõe obrigação de se entregar, ou seja, obrigação de produzir prova contra si mesmo, o
que ofende a garantia constitucional nemo tenetur se detegere.
A maior parte da doutrina – por todos, Luiz Flávio Gomes –, defende essa dupla
inconstitucionalidade, mas há outra parcela, capitaneada por Capez, que reputa o
dispositivo válido, porque a fuga, nesse caso, é crime contra a administração da justiça.
O tipo penal é formal, pois mesmo que seja contido após evadir-se, estará
consumado. A tentativa, no entanto, é possível, eis que se iniciar o movimento de fuga e for
contido, antes de conseguir evadir-se, estará tentando cometer o crime.
“Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração
de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a
influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:
(Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008)
Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se
obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre
distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado
neste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.705, de 2008)”
A chamada “Lei Seca”, Lei 11.705/08, não é só alvo de críticas. Há boa margem de
acertos do legislador, especialmente o estigma de crime imposto ao ato de dirigir
entorpecido. Como tem demonstrado a prática, a pecha de criminoso tem reduzido, em
muito, o cometimento dessa conduta, o que não ocorreria caso essa fosse mera infração
administrativa. Há uma forte nota de prevenção geral positiva – a pena funcionando como
instrumento de educação, de conscientização – nessa norma, função da pena que é
absolutamente salutar.
O problema é que a tentativa de endurecimento do tratamento penal à condução de
veículos sob influência acabou sendo feita de forma atabalhoada, gerando grandes
problemas para os aplicadores do direito. Veja, para o fim de elucidar toda a problemática, a
redação anterior do dispositivo:
“Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool
ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de
outrem:
(...)”
Bastaria, para agravar a situação penal de quem assim se porta, que se transformasse
esse crime, que era de perigo concreto, em crime de perigo abstrato; para tanto, não era
preciso promover a alteração da forma que foi feita: bastaria que a redação fosse mantida,
com a simples redução da parte final, restando assim:
“Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool
ou substância de efeitos análogos:”
Esse é o raciocínio mais moderno: não abre mão da presença de seis decigramas
para que a conduta seja típica; apenas viabiliza que essa decigramagem seja provada por
outros meios.
O STJ tem decidido seguindo a orientação tradicional, qual seja, a de que a prova só
se faz por meio do exame de sangue ou do bafômetro. Veja:
Há ainda uma outra discussão sobre esse dispositivo: teria ele operado abolitio
criminis para os condenados no regime anterior, em que não havia limite objetivo para
identificar a embriaguez? Araripe entende que sim: se não existia esse elemento normativo
à época, não poderia o agente se portar conforme essa norma: a inserção do novo elemento
afasta a tipicidade das condutas cometidas anteriormente cometidas, se não havia como o
agente saber que aquele limite seria posto em vigor.
Passando à análise do tipo, o crime é de perigo abstrato; formal; e o verbo típico
indica crime permanente, prolongando-se o flagrante enquanto estiver a conduzir o veículo.
Há quem defenda que o crime permanece de perigo concreto, mas ainda prevalece a tese de
perigo abstrato. O TJ/MG entende que se trata de um caso de perigo concreto
indeterminado, em que o perigo precisa ser definido, mas não a vítima periclitada.
O crime é próprio, somente podendo ser praticado por aquele que está proibido de
dirigir, ou que teve sua habilitação suspensa. É de perigo abstrato, porque se presume que
essa pessoa, ao dirigir, está causando perigo. É possível a tentativa, eis que o fracionamento
da execução é possível.
Há quem entenda que o crime só se constata quando há violação de decisão judicial
de suspensão ou proibição de dirigir, por entender ser crime contra a administração da
justiça. Nesse sentido, Polastri. Essa tese, porém, não pode prevalecer, pois o artigo não faz
essa restrição: por isso, a suspensão ou proibição administrativa também traz a incidência
no tipo penal.
Esse crime é de perigo concreto, porque há que se constatar, como se vê, efetivo
potencial danoso à incolumidade pública ou privada. Se a disputa, o racha, se der em local
inabitado, ermo, não causando perigo a qualquer pessoa, o fato é atípico. Se não houver a
causação do perigo, diga-se, o fato ainda resta caracterizado como infração administrativa.
O crime seria de concurso necessário – afinal, se compete com alguém, sendo,
necessária a presença de dois agentes; porém, há quem defenda que a disputa pode ser
individual, competindo o agente contra si mesmo: compete contra o relógio, para melhorar
seu tempo, o que é mesmo possível.
A consumação se dá quando o agente se engaja na competição, causando, com isso,
o risco concreto aos bens jurídicos de terceiros. É possível a tentativa, eis que a disputa
pode ser impedida por terceiros antes de se implementar.
Ocorrendo efetivamente o dano, o crime é absorvido, em função da consunção.
“Art. 309. Dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para
Dirigir ou Habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de
dano:
Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.”
Repare que o crime não é apenas a condução desabilitada: é preciso que o agente
que conduz veículo sem habilitação cause perigo de dano nessa conduta. Dirigir sem
habilitação é mera infração administrativa; causar perigo de dano ao dirigir desabilitado é
que é o crime em tela.
O crime é de perigo concreto, e é permanente, se estendendo o flagrante enquanto
causar o perigo sem habilitação.
Esse artigo supra nada mais é do que uma especialização, para o CTB, do artigo 347
do CP:
“Fraude processual
Art. 347 - Inovar artificiosamente, na pendência de processo civil ou
administrativo, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de induzir a
erro o juiz ou o perito:
Pena - detenção, de três meses a dois anos, e multa.
Parágrafo único - Se a inovação se destina a produzir efeito em processo penal,
ainda que não iniciado, as penas aplicam-se em dobro.”
Há uma situação peculiar na qual o CTB não tipifica conduta que seria de sua
alçada: o agente que, sóbrio, habilitado, em velocidade compatível, e sem participar de
disputa, mas que se encontra dirigindo sobre a calçada, obviamente causando perigo de
dano, não está alcançado por qualquer tipo do CTB. Estaria, talvez, no artigo 34 da LCP,
mas esse artigo também se considera revogado, tal como o já mencionado artigo 32 desse
diploma.
Casos Concretos
Questão 1
- Que ALFREDO fora negligente, uma vez que escurecia e deixou de acender os
faróis.
- Que ALFREDO estava dirigindo em velocidade acima do normal.
- Que ALFREDO não possuía carteira de habilitação.
O fato ocorreu em uma estrada interna da fazenda de ALFREDO, não aberta à
circulação e que liga a casa principal aos armazéns.
Pergunta-se:
a) Há fato penalmente relevante? Tipifique.
b) Pode o Ministério Público propor a suspensão condicional do processo? Por
quê? E se o autor possuísse habilitação?
c) Pode ser aplicada a agravante do artigo 298, III do CTB? Por quê?
d) Se SEVERINO tivesse sido atropelado por um bugre em uma praia deserta, a
solução seria diversa?
e) Se não ocorresse a morte de SEVERINO a tipificação penal seria outra? Qual?
f) Se ALFREDO deixasse de prestar socorro, responderia pelo artigo 304 do CTB?
E se, nesta hipótese, SEVERINO fosse socorrido por terceira pessoa, subsistiria o
crime de omissão?
g) Se ALFREDO dirigisse sem possuir carteira de habilitação em ruas internas de
um condomínio e sem gerar situação concreta de perigo, existiria fato penalmente
relevante?
Resposta à Questão 1
Estar dentro da fazenda, nesse crime, não faz diferença. Com isso em mente, vamos
às respostas pontuais:
Questão 2
Resposta à Questão 2
Tema III
Estatuto do Desarmamento I.1) Considerações gerais: evolução histórica. O Sistema Nacional de Armas. 2)
Delitos da Lei 10.826/03. Bem jurídico tutelado. Sujeitos do delito. Tipicidade objetiva e subjetiva. Exame
dos artigos 12 a 15 da Lei 10.826/03.3) Aspectos controvertidos.
Notas de Aula3
3
Aula ministrada pelo professor José Maria de Castro Panoeiro, em 12/11/2010.
1. Estatuto do desarmamento
Nesse diapasão, diz Luiz Flávio Gomes que se uma pessoa portar consigo uma
arma, mas sequer levar isso ao conhecimento de ninguém, não há crime, porque não há
qualquer rebaixamento do nível de tranqüilidade social por aquela sua conduta. É preciso
haver evidenciado o perigo pela revelação da relação entre aquele homem e a arma, a fim
de que seja a conduta considerada típica.
As definições de alguns elementos dos crimes do Estatuto são oferecidas pelo
Decreto 3.665/2000, denominado R-105. No artigo 3º, extremamente extenso, estão
conceituados elementos relevantes nos incisos I, II, IX a XXIII, e LXIV:
“Art. 3º Para os efeitos deste Regulamento e sua adequada aplicação, são adotadas
as seguintes definições:
I - acessório: engenho primário ou secundário que suplementa um artigo principal
para possibilitar ou melhorar o seu emprego;
II - acessório de arma: artefato que, acoplado a uma arma, possibilita a melhoria do
desempenho do atirador, a modificação de um efeito secundário do tiro ou a
modificação do aspecto visual da arma;
(...)
IX - arma: artefato que tem por objetivo causar dano, permanente ou não, a seres
vivos e coisas;
X - arma automática: arma em que o carregamento, o disparo e todas as operações
de funcionamento ocorrem continuamente enquanto o gatilho estiver sendo
acionado (é aquela que dá rajadas);
XI - arma branca: artefato cortante ou perfurante, normalmente constituído por
peça em lâmina ou oblonga;
XII - arma controlada: arma que, pelas suas características de efeito físico e
psicológico, pode causar danos altamente nocivos e, por esse motivo, é controlada
pelo Exército, por competência outorgada pela União;
XIII - arma de fogo: arma que arremessa projéteis empregando a força expansiva
dos gases gerados pela combustão de um propelente confinado em uma câmara
que, normalmente, está solidária a um cano que tem a função de propiciar
continuidade à combustão do propelente, além de direção e estabilidade ao projétil;
XIV - arma de porte: arma de fogo de dimensões e peso reduzidos, que pode ser
portada por um indivíduo em um coldre e disparada, comodamente, com somente
uma das mãos pelo atirador; enquadram-se, nesta definição, pistolas, revólveres e
garruchas;
XV - arma de pressão: arma cujo princípio de funcionamento implica o emprego
de gases comprimidos para impulsão do projétil, os quais podem estar previamente
armazenados em um reservatório ou ser produzidos por ação de um mecanismo, tal
como um êmbolo solidário a uma mola, no momento do disparo;
XVI - arma de repetição: arma em que o atirador, após a realização de cada
disparo, decorrente da sua ação sobre o gatilho, necessita empregar sua força física
sobre um componente do mecanismo desta para concretizar as operações prévias e
necessárias ao disparo seguinte, tornando-a pronta para realizá-lo;
XVII - arma de uso permitido: arma cuja utilização é permitida a pessoas físicas
em geral, bem como a pessoas jurídicas, de acordo com a legislação normativa do
Exército;
XVIII - arma de uso restrito: arma que só pode ser utilizada pelas Forças Armadas,
por algumas instituições de segurança, e por pessoas físicas e jurídicas habilitadas,
devidamente autorizadas pelo Exército, de acordo com legislação específica;
XIX - arma pesada: arma empregada em operações militares em proveito da ação
de um grupo de homens, devido ao seu poderoso efeito destrutivo sobre o alvo e
geralmente ao uso de poderosos meios de lançamento ou de cargas de projeção;
XX - arma não-portátil: arma que, devido às suas dimensões ou ao seu peso, não
pode ser transportada por um único homem;
XXI - arma de fogo obsoleta: arma de fogo que não se presta mais ao uso normal,
devido a sua munição e elementos de munição não serem mais fabricados, ou por
ser ela própria de fabricação muito antiga ou de modelo muito antigo e fora de uso;
“Entendo que arma de fogo deve ser obrigatoriamente periciada , por dois motivos:
primeiro para afirmar que se trata efetivamente de arma de fogo, com
potencialidade para efetuar disparos; a segunda para que se afirme o calibre, e se
faça correta identificação da arma – uso proibido ou permitido. Aliás há
determinação expressa no decreto nesse sentido, da elaboração de exame pericial
em todas as armas apreendidas.”
Para esse autor, portanto, é preciso haver perícia para determinar se há, de fato,
arma, e com potencial periclitante. Para ele, armas obsoletas ou quebradas, inclusive, não
podem ser consideradas tecnicamente armas, no teor da lei.
A jurisprudência é altamente controvertida, porém. Veja:
arma desmuniciada, mas tem a munição adequada à mão, de modo a viabilizar sem
demora significativa o municiamento e, em conseqüência, o eventual disparo, tem-
se arma disponível e o fato realiza o tipo; (2) ao contrário, se a munição não existe
ou está em lugar inacessível de imediato, não há a imprescindível disponibilidade
da arma de fogo, como tal - isto é, como artefato idôneo a produzir disparo - e, por
isso, não se realiza a figura típica.”
A questão que surge é a natureza dessa situação, desse prazo de entrega das armas:
trata-se de abolitio criminis da conduta punida outrora sob a tipificação do artigo 10 da Lei
9.437/97, ou atipicidade temporária?
“Art. 10. Possuir, deter, portar, fabricar, adquirir, vender, alugar, expor à venda ou
fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente,
emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda e ocultar arma de fogo, de uso
permitido, sem a autorização e em desacordo com determinação legal ou
regulamentar.
Pena - detenção de um a dois anos e multa.
(...)”
“A Lei 10.826/03, em seu artigo 30, deu prazo de cento e oitenta dias, para que as
pessoas regularizem as armas que possuem. Deste modo, adiou a criminalização da
posse ou guarda de arma, prevista no artigo 12 da mesma legislação. Isto ainda
implica na abolitio criminis, ou seja, não existe delito os fatos praticados
anteriormente à lei e que ainda encontram na vigência do prazo mencionado
anteriormente. Destaca-se que o prazo para a regularização da arma tem sido
prorrogado através de decretos e a última data fatal para os efeitos do artigo 30 foi
a do mês de outubro passado (...) (Apelação 70013793922, Rel. Sylvio Baptista
Neto).”
Para Gilberto Thums, a não punição pelo artigo 12 durante o prazo de entrega
caracterizou abolitio para os fatos anteriores. Essa posição, contudo, não foi aceita no STF,
que entendeu se tratar de atipicidade temporária, com base na ideia da continuidade
normativa, pois o tipo penal do artigo 12 incrimina a conduta.
Outra polêmica pertinente diz respeito à regularização das armas de uso restrito: se
o prazo era para entrega de armas, deveria ou não alcançar as de uso restrito?
Num primeiro momento, quando a lei visava a entrega de todo e qualquer tipo de
arma, a atipicidade alcançaria também as armas restritas. Todavia, nas prorrogações dos
prazos, não pode alcançar, porque o prazo, então, era para regularizar a posse, e se a arma
não é passível de registro, porque não é de uso permitido, o prazo não acode a esse
possuidor, que estará sempre incurso no crime de posse do artigo 16 do Estatuto. A
atipicidade temporária (ou abolitio criminis, para outra corrente) só alcança o artigo 12 do
Estatuto.
“Art. 21. Os crimes previstos nos arts. 16, 17 e 18 são insuscetíveis de liberdade
provisória. (Vide Adin 3112-1)”
Como se vê, esse artigo foi impugnado em ADI, na qual o STF entendeu ser, de
fato, inconstitucional tal vedação:
caput, e pa-rágrafo único, inciso III, Lei 10.826/03 - posse ou porte ilegal de arma
de fogo de uso permitido ou restrito e de artefato explosivo - constituem crimes de
mera conduta, inadmissível o porte compartilhado. Trata-se, porém, de crime
único, e não de concurso formal, irrelevante, para a conduta típica, o número de
armas que o agente traz consigo. Reduz-se a penabase ao mínimo, pois fixada
muito acima, sem ade-quada fundamentação. E substitui-se a pena privativa de
liberdade por restritivas de direitos, aplicadas aos réus não reincidentes. Recursos
providos.”
O Estatuto prevê dois tipos de autorização em relação a armas, cuja falta ensejam
condutas penalmente relevantes: o registro autoriza a pessoa a manter a arma em casa ou no
trabalho – a posse; o porte, permite à pessoa circular com a arma fora desses locais. Veja os
artigos 5º e 10 da Lei 10.826/03:
“Art. 10. A autorização para o porte de arma de fogo de uso permitido, em todo o
território nacional, é de competência da Polícia Federal e somente será concedida
após autorização do Sinarm.
§ 1º A autorização prevista neste artigo poderá ser concedida com eficácia
temporária e territorial limitada, nos termos de atos regulamentares, e dependerá de
o requerente:
I – demonstrar a sua efetiva necessidade por exercício de atividade profissional de
risco ou de ameaça à sua integridade física;
O crime não admite tentativa, pela natureza dos verbos nucleares, que
naturalisticamente não admitem tentativa.
Há uma série de discussões sobre esse crime, em combinação com outros. Imagine-
se, por exemplo, que o indivíduo possui arma de fogo sem autorização, e resolve estuprar
sua vizinha, empregando a mesma arma. A posse será absorvida pela ameaça cometida com
a arma no estupro?
A resposta é negativa: se restar comprovado que a posse já se dera em contexto
diverso do estupro, o crime está em contexto fático diverso, e há concurso material. O
porte, no entanto, será absorvido pelo estupro, eis que foi meio de cometimento do crime
fim.
Se o indivíduo adquire uma arma e, imediatamente, se dirige à autoridade para
promover o registro, está cometendo crime de posse, ou de porte, ou crime algum? O STJ
entende que não há crime: o dolo do agente é de possuir ou portar regularmente, e por isso
não há crime.
Capez, contrariando o STJ, entende que, no porte, não há esse concurso, pois esse
absorveria o crime de receptação. É minoritário. Veja outro julgado:
Qualquer posse que supere esse patamar está incursa no artigo 12 do Estatuto.
“Omissão de cautela
Art. 13. Deixar de observar as cautelas necessárias para impedir que menor de 18
(dezoito) anos ou pessoa portadora de deficiência mental se apodere de arma de
fogo que esteja sob sua posse ou que seja de sua propriedade:
Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único. Nas mesmas penas incorrem o proprietário ou diretor responsável
de empresa de segurança e transporte de valores que deixarem de registrar
ocorrência policial e de comunicar à Polícia Federal perda, furto, roubo ou outras
formas de extravio de arma de fogo, acessório ou munição que estejam sob sua
guarda, nas primeiras 24 (vinte quatro) horas depois de ocorrido o fato.”
Há uma distinção que faz com que ambos tenham vigência: o artigo 242 do ECA é
doloso, enquanto o do artigo 13 é culposo. Mas repare: se a entrega da arma de fogo, de uso
permitido ou restrito, for dolosa, há a incidência dos artigos 16, parágrafo único, V – se
gratuita –, ou do artigo 17, se onerosa, ambos do Estatuto do Desarmamento. Assim, diz a
doutrina, o artigo 242 do ECA só resta aplicável para os crimes em que a arma envolvida
não for de fogo, pois em qualquer caso de arma de fogo o crime é da Lei 10.826/03.
Dos diversos verbos nucleares do tipo supra, o único que demanda exame mais
detido é o verbo “portar”. Significa esse verbo que o agente traz consigo a arma, ao alcance
da mão, em condições de pronto uso. Levar consigo junto ao corpo, ou no porta-luvas do
carro, por exemplo, é portar; levar na mala do carro, no entanto, seria transportar.
Tratando-se de transporte de arma de fogo, ainda que desmuniciada e desmontada,
mesmo assim o fato é típico. Veja:
Veja uma questão peculiar: aquele que adquire uma arma acreditando estar fazendo-
o legalmente, regularmente – por exemplo, é orientado por um policial, que não
compreende os comandos do Estatuto, a andar com uma mera declaração de aquisição da
arma, documento sem qualquer valor. Esse agente está incurso no crime, mas o erro de tipo
o ampara: ele está errando sobre o elemento normativo do tipo, consistente na expressão
“sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar”.
Objetivamente, não está regular, apesar de em sua mente acreditar que está, e por isso o
erro é de tipo, e não de proibição.
O crime de porte de arma de fogo é absorvido pelo homicídio ou roubo, se cometido
no mesmo contexto fático – o agente porta para roubar ou matar. Se for possível identificar
“Constrangimento ilegal
Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de
lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não
fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
Aumento de pena
§ 1º - As penas aplicam-se cumulativamente e em dobro, quando, para a execução
do crime, se reúnem mais de três pessoas, ou há emprego de armas.
§ 2º - Além das penas cominadas, aplicam-se as correspondentes à violência.
§ 3º - Não se compreendem na disposição deste artigo:
I - a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu
representante legal, se justificada por iminente perigo de vida;
II - a coação exercida para impedir suicídio.”
“Ameaça
Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio
simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único - Somente se procede mediante representação.”
“Roubo
Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave
ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à
impossibilidade de resistência:
Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
(...)
§ 2º - A pena aumenta-se de um terço até metade:
“Art. 26. O titular de porte de arma de fogo para defesa pessoal concedido nos
termos do art. 10 da Lei no 10.826, de 2003, não poderá conduzi-la ostensivamente
ou com ela adentrar ou permanecer em locais públicos, tais como igrejas, escolas,
estádios desportivos, clubes, agências bancárias ou outros locais onde haja
aglomeração de pessoas em virtude de eventos de qualquer natureza. (Redação
dada pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
§ 1º A inobservância do disposto neste artigo implicará na cassação do Porte de
Arma de Fogo e na apreensão da arma, pela autoridade competente, que adotará as
medidas legais pertinentes.
§ 2º Aplica-se o disposto no §1o deste artigo, quando o titular do Porte de Arma de
Fogo esteja portando o armamento em estado de embriaguez ou sob o efeito de
drogas ou medicamentos que provoquem alteração do desempenho intelectual ou
motor.”
O porte funcional vigora vinte e quaro horas por dia, e não apenas na duração do
expediente. Isso porque o porte, além de representar instrumento de trabalho, é também
instrumento de defesa de quem o tem por conta da função.
Sendo assim, em tese, o agente com porte funcional poderia adentrar com a arma
em qualquer lugar. O problema é que há locais em que a entrada é vedada, e com amparo
em leis regionais, estaduais. Nesses casos, a questão é duvidosa, quando o agente não está
em serviço; quando em serviço, nunca pode ser tolhido o porte funcional.
Todavia, aquele que tem porte funcional e não adquire a arma de forma regular, com
todas as formalidades, incide no crime de porte ilegal, de arma permitida ou restrita, a
depender do armamento portado. Veja:
Marcus Basílio entende que não há crime, mas mera infração administrativa, se o
pote irregular é feito por um policial.
Magistrados e membros do MP não podem ter armas de uso restrito, em regra, mas
o comando do Exército autoriza, eventualmente, armas de uso restrito, mas sempre armas
de defesa, e nunca de ataque (como fuzis de assalto).
O agente que tem porte funcional, e é pego portando a arma embriagado, comete
crime? A resposta é negativa. Veja abaixo julgado emblemático;
“Os autos informam ter sido o Paciente denunciado como incurso nas sanções do
art. 3º, alínea “j”, da Lei nº 4.898/65, por 2 (duas) vezes, na forma do art. 70 do CP,
em concurso material com o art. 339, do Código Penal, pelo fato de ter, na
qualidade de Delegado de Polícia Civil, impedido o acesso armado de policiais
federais na Boate 021, localizada na Barra da Tijuca, bem como dado causa à
instauração de procedimentos juntos à Corregedoria Regional da Polícia Federal e
à 16ª Delegacia de Polícia do Estado do Rio de Janeiro, ao imputar aos referidos
policiais a conduta criminosa de porte de arma em estado de embriaguez. ...
Acrescentam que, mesmo considerando que o Paciente tenha, dolosa e falsamente,
atribuído aos referidos agentes federais a conduta de porte de arma em estado de
embriaguez, ainda assim, não restaria configurado o crime do art. 339, do CP, pois
tal conduta não configura qualquer crime previsto no ordenamento jurídico pátrio,
tratando-se de conduta irrelevante sob o ponto de vista penal (...)”
“(...) Ou seja, portar armas embriagado não é, em si, um fato criminoso, e sim terá
uma consequência administrativa. Mesmo que, ao invés do Estatuto das Armas,
consideremos os termos do decreto 5123/2004, citado pelo MPF na denúncia,
nº 10.826/03, aquele que, sem a presença da arma de fogo, carrega munição. Isto é,
não há potencialidade lesiva. 3. Recurso especial improvido.”
É preciso, para haver crime, que o disparo seja feito em local habitado ou
adjacências, em via pública ou em direção a essa. Disparo em local ermo não é conduta
típica.
O crime admite tentativa, pois a execução é fracionável.
O disparo acidental – limpando a arma, por exemplo – não é conduta típica, porque
não há previsão de punição de disparo culposo.
É irrelevante o disparo de arma de uso restrito ou permitido; porém, se há prova do
porte da arma em contexto fático autônomo prévio ao disparo, haverá o concurso com o
porte referente ao armamento empregado. Aqui surge um problema, especialmente quando
se compara a redação da lei anterior, do inciso III do § 1º da Lei 9.437/97, com a atual
previsão do Estatuto:
“Art. 10. Possuir, deter, portar, fabricar, adquirir, vender, alugar, expor à venda ou
fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente,
emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda e ocultar arma de fogo, de uso
permitido, sem a autorização e em desacordo com determinação legal ou
regulamentar.
Pena - detenção de um a dois anos e multa.
§ 1° Nas mesmas penas incorre quem:
(...)
III - disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou em suas
adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que o fato não constitua
crime mais grave.
(...)”
Houve uma confusão, por parte do legislador, quando redigiu a parte final do novel
dispositivo, alterando a subsidiariedade expressa (a expressão “desde que o fato não
constitua crime mais grave”, do artigo revogado) pela relação entre crime meio e fim
(“desde que essa conduta não tenha como finalidade a prática de outro crime”, da redação
atual). Ao assim estabelecer, o legislador criou algumas incongruências, como entre o porte
e o disparo. Veja o seguinte julgado:
Quem dispara uma arma em direção à via pública, que crê vazia, comemorando um
gol de seu time, e acaba acertando uma pessoa, que morre, responderá pelo disparo em
concurso com o homicídio culposo, se era previsível que houvesse alguém; se
absolutamente imprevisível a presença de alguém, somente pelo disparo. Se, nesse
exemplo, o disparo fosse feito com dolo de lesão leve, ou seja, o atirador queria acertar a
pessoa na perna, a sua conduta ficará tipificada, seguindo-se a letra da lei, apenas na lesão
leve dolosa, porque o disparo resta absorvido – uma aberração em que uma conduta dolosa
gerará menor reprovação, porque o disparo restará absorvido.
Capez, diante desse erro, entende que a parte final do artigo deve ser ignorada,
porque inconstitucional, eis que viola a eficaz proteção dos bens jurídicos, e o crime só será
absorvido quando for mais grave – como era outrora. Para Gilberto Thums, literalmente, o
disparo será sempre subsidiário, e será absorvido em qualquer caso que houver delito fim,
mesmo nesse da lesão leve. André Guilherme, por sua vez, entende que em se tratando de
subsidiariedade, o crime subsidiário deve ser menos grave do que o principal, e a absorção
só ocorrerá se o crime fim for mais grave que o crime de disparo.
Veja julgados que evidenciam a problemática:
Casos Concretos
Questão 1
SÁVIO, a pedido de seu tio, guardou em seu armário três armas de fogo,
desmuniciadas, sem os carregadores e embrulhadas, impossibilitando, desta forma, seu
rápido acesso e utilização. As armas estavam registradas no nome do tio de SÁVIO, e este
último não desejava, em momento algum, levar as armas consigo.
Cometeu SÁVIO ou seu tio algum fato penalmente relevante? Qual ou quais?
Resposta à Questão 1
Sávio, como guardava dentro de sua residência, deve responder artigo 12 da Lei
10.826/03, por posse, na modalidade de guardar. O tio responde pelo artigo 14 do mesmo
diploma.
Questão 2
Resposta à Questão 2
A partir disso devemos cogitar da absorção ou não dos crimes de perigo pelos de
dano. Em que pese haver divergência sobre o princípio incidente à espécie (subsidiariedade
ou consunção), a solução visa responder a um único questionamento: é possível a absorção
dos delitos de porte pelo delito de dano dele decorrente? Ou há restrições para tanto?
Parece-nos que a questão esbarra na gravidade do crime que conduz a interpretação
sistemática do ordenamento jurídico. Toda a disciplina do conflito aparente de normas se
estrutura nos princípios da justiça e da equidade, evitando assim uma punição exagerada e
ponderando, finalisticamente, a conduta do agente.
Sendo assim, em que pese ser possível reconhecer a absorção do porte por delitos
que sejam mais graves (homicídio, extorsão mediante seqüestro, roubo...), tal fato não pode
ocorrer na hipótese de um crime-fim menos grave.
Em sentido contrário André Guilherme Tavares de Freitas (Direito Penal -
Introdução e Aplicação da Lei Penal, Lumen Júris, Tomo I, p. 198) admite a absorção do
crime mais grave pelo menos grave:
reconhecer a absorção de crime mais grave pelo mais leve, para declarar a
prescrição. 2. Recurso provido.”
Questão 3
ADALBERTO, policial militar, foi a uma pescaria, durante as suas férias, no sítio
em que reside a família de ADILSON, seu colega de corporação. Durante a pescaria,
ADALBERTO disparou a arma de fogo pertencente a ADILSON.
Em função disso, o MP denunciou ADALBERTO pela prática do crime previsto no
artigo 15, caput da Lei 10.826/03, com a causa de aumento prevista no artigo 20 deste
mesmo diploma legal.
Ao término da instrução criminal, os fatos narrados foram comprovados.
Você, Magistrado, ao sentenciar, manteria a classificação feita pelo MP? Por quê?
Resposta à Questão 3
Não deveria incidir a causa de aumento de pena, da Lei 10.826/2003, pois o agente
não praticou a conduta se valendo de alguma forma da sua condição de policial. Deveria
responder pelo artigo 15. Por outro lado, se fosse comprovado que a arma utilizada era a de
uso da corporação, aí poderia haver a causa de aumento.
Tema IV
Estatuto do Desarmamento II. 1) Exame dos artigos 16 a 21 da lei 10.826/03. Bem Jurídico Tutelado.
Sujeitos do Delito. Tipicidade objetiva e subjetiva. 2) Aspectos controvertidos.
Notas de Aula4
Sobre o conceito de arma de uso restrito, veja o artigo 3º, XVIII, e o 16, ambos do
Decreto 3.665/00:
“Art. 3º Para os efeitos deste Regulamento e sua adequada aplicação, são adotadas
as seguintes definições:
(...)
XVIII - arma de uso restrito: arma que só pode ser utilizada pelas Forças Armadas,
por algumas instituições de segurança, e por pessoas físicas e jurídicas habilitadas,
devidamente autorizadas pelo Exército, de acordo com legislação específica;
(...)”
XII - dispositivos que constituam acessórios de armas e que tenham por objetivo
dificultar a localização da arma, como os silenciadores de tiro, os quebra-chamas e
outros, que servem para amortecer o estampido ou a chama do tiro e também os
que modificam as condições de emprego, tais como os bocais lança-granadas e
outros;
XIII - munições ou dispositivos com efeitos pirotécnicos, ou dispositivos similares
capazes de provocar incêndios ou explosões;
XIV - munições com projéteis que contenham elementos químicos agressivos,
cujos efeitos sobre a pessoa atingida sejam de aumentar consideravelmente os
danos, tais como projéteis explosivos ou venenosos;
XV – espadas e espadins utilizados pelas Forças Armadas e Forças Auxiliares;
XVI - equipamentos para visão noturna, tais como óculos, periscópios, lunetas, etc;
XVII - dispositivos ópticos de pontaria com aumento igual ou maior que seis vezes
ou diâmetro da objetiva igual ou maior que trinta e seis milímetros;
XVIII - dispositivos de pontaria que empregam luz ou outro meio de marcar o
alvo;
XIX - blindagens balísticas para munições de uso restrito;
XX - equipamentos de proteção balística contra armas de fogo portáteis de uso
restrito, tais como coletes, escudos, capacetes, etc; e
XXI - veículos blindados de emprego civil ou militar.”
Nesse caso, portanto, quem portar arma raspada, mesmo que desmuniciada, ofende
ao menos a fé pública, pelo que a discussão acerca da ofensividade cai por terra, quando a
arma for raspada. Veja:
INFORMATIVO Nº 494
Porte Ilegal de Arma de Fogo sem Munição com Sinal de Identificação Suprimido
– 3 PROCESSO RHC - 89889
Em conclusão de julgamento, o Tribunal desproveu recurso ordinário em habeas
corpus interposto em favor de condenado pela prática do crime de porte ilegal de
arma de fogo com numeração de identificação suprimida (Lei 10.826/2003, art. 16,
parágrafo único, IV), no qual se pretendia a nulidade da condenação, por
atipicidade da conduta, em face da ausência de lesividade da arma desmuniciada
apreendida (“Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em
depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar,
manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso
proibido ou restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou
regulamentar: ... Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. ... Parágrafo
único. Nas mesmas penas incorre quem: ... IV - portar, possuir, adquirir, transportar
ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de
identificação raspado, suprimido ou adulterado;”) — v. Informativos 447 e 486.
Entendeu-se que os fatos descritos na denúncia amoldar-se-iam ao tipo previsto no
art. 16, parágrafo único, IV, da Lei 10.826/2003. Inicialmente, enfatizou-se que,
nas condutas descritas no referido inciso, não se exigiria como elementar do tipo a
arma ser de uso permitido ou restrito, e que, no caso, a arma seria de uso
permitido, tendo sido comprovada a supressão do seu número de série por abrasão.
Diante disso, concluiu-se ser impertinente a discussão acerca da inadequação da
conduta descrita na denúncia e tipificação pela qual fora o recorrente condenado.
RHC 89889/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 14.2.2008. (RHC-89889)”
“Porte Ilegal de Arma de Fogo sem Munição com Sinal de Identificação Suprimido
– 4 PROCESSO RHC - 89889
Quanto ao argumento de atipicidade da conduta em face da ausência de lesividade
da arma de fogo apreendida por estar ela desmuniciada e não haver, nos autos,
comprovação de munição portada pelo recorrente, esclareceu-se que se teria, na
espécie, hipótese diversa da analisada quando do julgamento do RHC 81057/SP
(DJU de 29.4.2005), já que se tratara, naquela ocasião, do art. 10 da Lei 9.437/97,
substituído, no sistema jurídico, pela norma do art. 14 da Lei 10.826/2003.
Esse crime deve ser lido em combinação com o artigo 334, primeira parte, do CP,
porque nada mais é do que um contrabando especial, pelo objeto:
“Contrabando ou descaminho
Art. 334 Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o
pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo
de mercadoria:
Pena - reclusão, de um a quatro anos.
(...)”
“Art. 19. Nos crimes previstos nos arts. 17 e 18, a pena é aumentada da metade se
a arma de fogo, acessório ou munição forem de uso proibido ou restrito.”
“Art. 20. Nos crimes previstos nos arts. 14, 15, 16, 17 e 18, a pena é aumentada da
metade se forem praticados por integrante dos órgãos e empresas referidas nos arts.
6º, 7º e 8º desta Lei.”
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Questão 2
JOÃO DA SILVA foi denunciado e processado pelo crime de porte de arma de fogo
com numeração raspada (artigo 16, parágrafo único, IV da Lei 10.826/03). Segundo a
denúncia, o acusado trazia consigo, em julho de 2008, um revólver calibre 38 prateado, de
cano curto, de marca Smith & Wesson, com o número de série oculto por meio abrasivo,
enquanto transitava, à tarde, pela Avenida Presidente Vargas, no Centro da cidade do Rio
de Janeiro.
Terminada a instrução criminal, o Ministério Público requereu a condenação,
salientando que JOÃO admitira o porte da aludida arma.
Em seu turno, a Defesa pugnou pela absolvição, ao alegar que JOÃO estava
acobertado pela abolitio criminis temporária trazida pelos artigos 30, 31 e 32 do Estaduto
do Desarmamento, que passaram a prever, com a redação dada pela Lei 11.706/08, prazo
de até o dia 31 de dezembro de 2008 para a regularização do registro. Aduziu, também,
que o acusado dirigia-se, naquele momento, ao Departamento de Polícia Federal para
registrar o revólver.
Autos conclusos para sentença. Decida, como juiz da causa, a questão.
Resposta à Questão 2
A jurisprudência não aplica a atipicidade temporária para o crime de porte, mas sim
apenas para o crime de posse de arma de fogo.
Veja o seguinte julgado:
Questão 3
JULIANO, com raiva do seu vizinho PEDRO, se dirigiu até a delegacia mais
próxima e relatou que PEDRO guardava arma de fogo em sua residência e que uma vez
teria ouvido PEDRO disparar sua arma de fogo no quintal. Alguns policiais se dirigiram
até a residência de PEDRO, e com sua autorização, entraram e apreenderam a arma
indicada por JULIANO. O fato se deu em 20 de setembro de 2009. Tendo sido a arma
periciada, verificou-se tratar de arma de fogo de uso permitido. Quanto ao disparo, ficou
comprovado que ao municiar a arma, PEDRO disparou culposamente a mesma, sem, no
entanto, atingir qualquer outro resultado.
Indique se existe tipificação penal para o fato.
Resposta à Questão 3
O disparo culposo não é crime, pelo que apenas se tipifica a conduta de Juliano
como crime de posse de arma de fogo, do artigo 12 do Estatuto do Desarmamento. Como a
Lei 11.922/09 deu prazo até dia 31 de dezembro de 2009 para o possuidor regularizar a
situação, estava a conduta de Juliano abarcada no período de atipicidade temporária, sendo
atípica, portanto.
Tema V
Lei Antidrogas I.1) Considerações gerais: definição e evolução histórica. Contornos gerais. 2) Os crimes
definidos na Lei 11.343/06.a) Bem jurídico tutelado. Sujeitos do delito. Tipicidade objetiva e subjetiva; b) A
relação com a Lei 8.072/90.3) Aspectos controvertidos. 4) Concurso de crimes. 5) Pena e ação penal.
Notas de Aula5
5
Aula ministrada pelo professor José Maria de Castro Panoeiro, em 16/11/2010.
Os crimes de droga sempre foram normas penais em branco em sentido estrito, nas
quais o complemento era fornecido por atos administrativos. A Lei 11.343/06 inovou em
parte, trazendo conceito legal de droga no parágrafo único do artigo 1º, em que se lê que a
droga, ali definida, será arrolada em ato administrativo ou em lei regulamentar –
transformando os crimes de droga em lei penal em branco em sentido amplo:
“Art. 1º Esta Lei institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas -
Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção
social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à
produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas e define crimes.
Parágrafo único. Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou
os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou
relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União.”
Se a autoridade estatal incluir uma substância que não cause dependência alguma no
rol das drogas ilícitas, é possível se alegar esse erro em defesa, porque, a rigor, parte do
conceito de droga está estabelecido no dispositivo acima, e não é droga aquilo que não
cause dependência, mesmo que arrolada tal substância na listagem oficial. Assim tem
entendido a jurisprudência, que entende que não é dado a questionamentos esse rol, em
regra, mas reconhece atipicidade na conduta referente a itens inclusos que claramente não
são causadores de dependência.
Veja parte da listagem atual da Anvisa:
“LISTA - F
LISTA DAS SUBSTÂNCIAS DE USO PROSCRITO NO BRASIL
LISTA F1 - SUBSTÂNCIAS ENTORPECENTES
1. 3-METILFENTANILA (N-(3-METIL 1-(FENETIL-4-
PIPERIDIL)PROPIONANILIDA)
2. 3-METILTIOFENTANILA (N-[3-METIL-1-[2-(2-TIENIL)ETIL]-4-
PIPERIDIL]PROPIONANILIDA)
3. ACETIL-ALFA-METILFENTANILA (N-[1-μ-METILFENETIL)-4-
PIPERIDIL]ACETANILIDA)
4. ALFA-METILFENTANILA (N-[1-μ-METILFENETIL)-4-
PIPERIDIL]PROPIONANILIDA)
5. ALFAMETILTIOFENTANIL (N-[1-[1-METIL-2-(2-TIENIl)ETIL]-4-
PIPERIDIL]PROPIONANILIDA)
6. BETA-HIDROXI-3-METILFENTANILA
7. BETA-HIDROXIFENTANILA
8. COCAÍNA
9. DESOMORFINA (DIIDRODEOXIMORFINA)
10. ECGONINA
11. HEROÍNA (DIACETILMORFINA)
12. MPPP (1-METIL-4-FENIL-4-PROPIONATO DE PIPERIDINA (ESTER))
13.PARA-FLUOROFENTANILA (4-FLUORO-N-(1-FENETIL-4-
RIDIL)PROPIONANILIDA)
14. PEPAP (1-FENETIL-4-FENIL-4-ACETATO DE PIPERIDINA (ESTER))
15. TIOFENTANILA (N-[1-[2-TIENIL)ETIL]-4-
PIPERIDIL]PROPIONANILIDA)
O problema estatal é com a circulação da droga, e não com o uso pessoal em si.
Usar não é crime, porque usar a droga não afeta a saúde pública. O crime é portar para usar
ou traficar, porque isso sim expõe a risco bens transindividuais, e não o uso pessoal. É a
mera possibilidade de que a droga seja passada a outrem que incrimina o porte para uso, e
muito mais para o tráfico, porque nesse a finalidade do portador é expressamente promover
a circulação da droga.
Sendo um crime de perigo abstrato, contra a incolumidade pública, especificamente
a saúde pública, é preciso que haja, na conduta, a mera possibilidade de que esse bem
jurídico seja exposto, e não a efetiva afetação. Repare, então, que se não houver qualquer
chance de o bem ser exposto – por exemplo, o usuário que porta a droga em uma ilha
deserta –, pode-se falar em atipicidade. Não se trata de insignificância, mas atipicidade por
falta de possibilidade de afetação do bem jurídico.
Os crimes de perigo são uma antecipação da barreira de proteção penal, como se
sabe, representando uma prevenção legislativa à ocorrência da lesão que aquela conduta
potencialmente representa ao bem jurídico. A norma impõe um dever de se abster de travar
qualquer relação com a droga – é o que se chama de delito de dever –, que, se violado,
expõe presumidamente a saúde pública. Veja:
“Art. 38. Prescrever ou ministrar, culposamente, drogas, sem que delas necessite o
paciente, ou fazê-lo em doses excessivas ou em desacordo com determinação legal
ou regulamentar:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a
200 (duzentos) dias-multa.
Parágrafo único. O juiz comunicará a condenação ao Conselho Federal da
categoria profissional a que pertença o agente.”
“Art. 70. O processo e o julgamento dos crimes previstos nos arts. 33 a 37 desta
Lei, se caracterizado ilícito transnacional, são da competência da Justiça Federal.
Parágrafo único. Os crimes praticados nos Municípios que não sejam sede de vara
federal serão processados e julgados na vara federal da circunscrição respectiva.”
Para Luiz Flávio Gomes, o fato só pode ser considerado internacional quando
houver agentes em dois países, um no Brasil e um no exterior, ao menos. O STF não acolhe
essa tese, reputando internacional o crime que afeta duas ordens jurídicas diferentes,
independentemente da forma e do número de envolvidos na afetação. Assim, é tráfico
internacional o praticado por uma pessoa que vá a outro país, compre, e retorne ao Brasil,
por exemplo.
Veja a posição do STF:
“Súmula 522, STF: Salvo ocorrência de tráfico com o exterior, quando, então, a
competência será da justiça federal, compete à justiça dos estados o processo e o
julgamento dos crimes relativos a entorpecentes.”
Para firmar a competência da Justiça Federal, basta que o tráfico seja transnacional,
isto é, envolva duas ordens jurídicas diferentes, não havendo necessidade de agentes
situados em dois países distintos – o que é o crime internacional típico.
Nesse diapasão, pode ser solucionada uma questão importante: o crime de tráfico,
quando a droga não é típica no país exterior, não pode ser considerado transnacional,
restando a conduta típica apenas no ordenamento brasileiro – é tráfico simples, interno,
4. Materialidade
A Lei 11.343/06 dá a entender que são necessários dois laudos periciais para
identificar a materialidade do crime de droga, permitindo a condenação: o laudo prévio e o
laudo definitivo. Veja os artigos 50 e 56 desse diploma:
“Art. 56. Recebida a denúncia, o juiz designará dia e hora para a audiência de
instrução e julgamento, ordenará a citação pessoal do acusado, a intimação do
Ministério Público, do assistente, se for o caso, e requisitará os laudos periciais.
(...) (grifo nosso)”
A primeira questão diz respeito à tipificação dos insumos para produção de drogas.
O artigo 12 da revogada Lei 6.368/76 dizia, no seu § 1º, I, que:
“Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender,
expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar,
prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que
gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a
1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:
I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda,
oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que
gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação
de drogas;
(...)”
“Art. 36. Financiar ou custear a prática de qualquer dos crimes previstos nos arts.
33, caput e § 1o, e 34 desta Lei:
O mesmo se dá com o cultivo para consumo, que será visto adiante, e com a
condução de aeronave ou embarcação sob efeito, que encontram tipicidade autônoma, hoje:
A Lei 11.343/06 trouxe algumas hipóteses mais intrincadas de inovação, porém. Há,
por exemplo, novatio legis in mellius trazida pelo artigo 33, § 4º, da nova lei, em relação ao
artigo 12 da Lei 6.368/76: esse dispositivo previa pena de reclusão de três a quinze anos,
enquanto o artigo 33 do novel diploma prevê pena mínima de cinco anos e máxima de
quinze, mas não previa a causa de diminuição que o artigo 33, § 4º, hoje contempla. A pena
mínima possível hoje, na forma do artigo abaixo, é de um ano e oito meses, enquanto na lei
anterior era mesmo de três anos:
“Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender,
expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar,
prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que
gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a
1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
(...)
§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser
reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de
direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às
atividades criminosas nem integre organização criminosa.”
Discussão que surgiu foi se a causa de diminuição de pena do § 4º, supra, poderia
retroagir de forma isolada, ou seja, se poderia o agente condenado na forma da lei anterior
que, se enquadrando no dispositivo em questão, receber a minorante incidente sobre a pena
do artigo anterior, ou seja, se seria possível a retroação apenas do § 4º, combinado com a
pena de três a quinze anos da lei anterior – o que culminaria em uma pena mínima possível
de um ano. A discussão é se essa combinação de leis é ou não possível.
Há três correntes sobre o tema. Rogério Sanches Cunha entende que a lei penal
benéfica poderá retroagir, mesmo que de forma particionada, porque a combinação de leis,
em geral, não é vedada. Essa corrente encontra amparo no TJRJ. Damásio, apesar de
admitir a combinação de leis, entende que não é possível a retroação, nesse caso, porque o
legislador desenvolveu, na nova lei, uma nova sistemática de penas, e a retroação de parte
do dispositivo não se coaduna com esse sistema agora vigente. Nucci, por fim, rejeita a
combinação de leis, não aceitando a retroação de apenas parte do dispositivo, portanto.
No STF, a divergência é ferrenha, prevalecendo a posição que refuta a possibilidade
de tal combinação, porque seria uma atividade legiferante positiva do juiz, a criação de um
tertium genus. Contudo, há julgados conflitantes até mesmo dentro da mesma turma:
“Segunda Turma
Tráfico de Drogas e Combinação de Leis Incriminadoras - 2
A Turma, em conclusão de julgamento, deferiu, por maioria, habeas corpus
impetrado em favor de condenado por tráfico ilícito de entorpecentes (Lei
6.368/76, art. 12, c/c art. 29 do CP) para que se aplique, em seu benefício, a causa
de diminuição trazida pela Lei 11.343/2006 — v. Informativo 523. Centrava-se a
questão em apurar o alcance do princípio da retroatividade da lei penal mais
benéfica, em face da nova Lei de Tóxicos, que introduziu causa de diminuição da
pena para o delito de tráfico de entorpecentes, mas aumentou-lhe a pena mínima.
Inicialmente, salientouse a necessidade de se perquirir se seria lícita a incidência
isolada da causa de diminuição de pena aos delitos cometidos sob a égide da lei
anterior, tendo por base as penas então cominadas. (...)
(...)
Entendeu-se que aplicar a causa de diminuição não significa baralhar e confundir
normas, uma vez que o juiz, ao assim proceder, não cria lei nova, mas apenas se
movimenta dentro dos quadros legais para uma tarefa de integração perfeitamente
“Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um
sexto a dois terços, se:
I - a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as
circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade do delito;
II - o agente praticar o crime prevalecendo-se de função pública ou no desempenho
de missão de educação, poder familiar, guarda ou vigilância;
III - a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de
estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades
estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de
trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de
qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de
reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos;
IV - o crime tiver sido praticado com violência, grave ameaça, emprego de arma de
fogo, ou qualquer processo de intimidação difusa ou coletiva;
V - caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito
Federal;
VI - sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha,
por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e
determinação;
VII - o agente financiar ou custear a prática do crime.”
“Art. 18. As penas dos crimes definidos nesta Lei serão aumentadas de 1/3 (um
terço) a 2/3 (dois terços):
Pelo ensejo, a causa de aumento de pena do inciso III do artigo 18 foi revogada pela
nova lei, que não a contempla. Veja:
Outra questão a ser enfrentada é se houve abolitio criminis em relação ao artigo 12,
§ 2º, III, da Lei 6.368/76:
O artigo supra não foi reproduzido, mas a conduta de contribuir para o tráfico está
capitulada em diversos crimes do novel diploma, o que evidencia que não houve abolitio,
mas sim continuidade típico-normativa. Nesse sentido, veja o que disse o STJ:
DJU de 25/05/2007), sendo medida que somente deve ser adotada quando houver
comprovação, de plano, da atipicidade da conduta, da incidência de causa de
extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a
materialidade do delito (HC 87.324/SP, Primeira Turma, Relª. Minª. Cármen Lúcia,
DJU de 18/05/2007).”
Os tipos penais da Lei 11.343/06 são mistos alternativos, o que significa que a
realização de mais de um verbo nuclear do tipo, no mesmo contexto fático, configura crime
único, e não concurso.
Diante dessa constatação, a jurisprudência costuma afirmar que os crimes de droga
são permanentes, quando, tecnicamente, há verbos que não são dessa natureza. A tentativa,
portanto, é de difícil configuração pois o fracionamento da execução é difícil, em alguns
casos.
Sobre essa permanência aparente, veja:
Convenção de Nova Iorque, entende que os diversos verbos típicos são considerados
isoladamente para fins de extradição. Veja:
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Questão 2
Resposta à Questão 2
Questão 3
Resposta à Questão 3
“HC 86685 / MG STF – Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Relator(a) p/
Acórdão: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, j. 19/06/2007, Primeira Turma
I. Denúncia pela suposta prática do crime de tráfico de entorpecentes (L. 6.368/76,
art. 12): rejeição por atipicidade do fato: paciente que tinha em depósito
quantidade de maconha a ela confiada, na condição de Promotora de Justiça, por
mãe aflita com o vício do filho, sendo incontroversa a prova de que a acusada não
tinha a droga para seu uso e muito menos para o tráfico. II. Habeas corpus
deferido, de ofício, para restabelecer o acórdão do Tribunal de Justiça de Minas
Gerais.”
Tema VI
Lei Antidrogas II. 1) Os crimes definidos na Lei 11.343/06 e a Lei 11.464/07.a) Bem jurídico tutelado.
Sujeitos do delito. Tipicidade objetiva e subjetiva. 2) O rito procedimental. 3) Aspectos controvertidos. 4)
Concurso de crimes. 5) Pena e ação penal.
Notas de Aula6
1. Usuário de drogas
6
Aula ministrada pelo professor José Maria de Castro Panoeiro, em 16/11/2010.
O artigo supra revela um crime doloso, que conta com especial fim de agir. A
primeira questão que surge diz respeito ao verbo adquirir: consuma-se no momento da
emissão de vontade, tal como qualquer contrato de compra e venda, ou é preciso que haja a
tradição para haver a consumação do delito?
A jurisprudência, de forma contrária à lógica civilista do momento de
aperfeiçoamento do contrato, entende que é necessária a tradição. Todavia, veja esse
julgado do STF, que é minoritário, mas é mais técnico:
“HC 71853 / RJ (STF – 2ª TURMA - DJ 19-05-1995 PP-13996)
(...) A compra e venda da droga, a luz do art. 12 da Lei n. 6.368/76, em sua
modalidade de adquirir, completa-se no instante em que ocorre a avenca entre o
comprador e o vendedor.
8. "Habeas Corpus" conhecido, mas indeferido.”
Se o indivíduo é pego usando a droga, mas sem portá-la – exemplo esdrúxulo, mas
possível, daquele que deixa o cigarro de maconha aceso e, sem pegá-lo, fuma, deixando-o
apoiado em um móvel, ou nas mãos de outra pessoa, por exemplo –, não há crime, para
Damásio, porque o verbo usar não está no tipo. E mais: se usar fosse crime, o sujeito que o
instiga ao uso seria partícipe do crime de uso, e não subsumido a um fato típico próprio,
como o é, no artigo 33, § 2º, da Lei 11.343/06:
“Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender,
expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar,
prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que
gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar:
(...)
§ 2º Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga:
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos)
dias-multa.
(...)”
Gilberto Thums, Nucci e Fragoso entendem que aquele que usa a droga,
necessariamente, ao menos naquele momento, a está trazendo consigo, e esse verbo é
típico.
Outro aspecto que já foi muito debatido em relação ao uso de drogas é se houve ou
não abolitio criminis da conduta do usuário. Alice Bianchini entende que as medidas do
artigo 28 da Lei 11.343/06 não são penas, mas sim medidas educativas, e como tal significa
que o Brasil adotou, aqui, a aplicação de um direito penal sancionador, que mantém a
ilicitude administrativa, mas não mais é crime tal conduta. Para essa corrente houve, então,
abolitio: houve descriminalização, sem que com isso ocorra uma legalização, tornando o
porte de drogas para uso uma infração sui generis.
Para Luiz Flávio Gomes, houve descriminalização formal, a situação deixou de ser
crime, porque não há crime sem pena privativa da liberdade, e não é contravenção, pois não
há prisão simples cominada – houve também despenalização. Seu raciocínio se pauta no
artigo 1º da Lei de Introdução ao CP:
“Art 1º Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou
de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena
de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de
prisão simples ou de multa, ou ambas. alternativa ou cumulativamente.
Assim, passou a ser uma terceira espécie de infração penal, portanto, sui generis.
Esse raciocínio leva a algumas consequência não quistas, como a conclusão de que menores
não praticam ato infracional quando usam drogas, pois se ato infracional é aquele análogo a
crime e contravenção, o fato eu não é nem de uma, nem de outra espécie, não é ato
infracional.
Prevaleceu, na jurisprudência, a corrente de Damásio, para quem apenas houve
espécie de despenalização, mantendo-se criminosa a conduta, mas sem pena privativa de
liberdade, ou seja, uma descarceirização. Assim o é porque não há nada que proba a
cominação de penas restritivas de direitos como penalidades principais, o que foi o que aqui
se passou. Essa é a tese encampada pelo STF:
Lei de Contravenções Penais) seria óbice a que a novel lei criasse crime sem a
imposição de pena de reclusão ou de detenção, uma vez que esse dispositivo
apenas estabelece critério para a distinção entre crime e contravenção, o que não
impediria que lei ordinária superveniente adotasse outros requisitos gerais de
diferenciação ou escolhesse para determinado delito pena diversa da privação ou
restrição da liberdade. Aduziu-se, ainda, que, embora os termos da Nova Lei de
Tóxicos não sejam inequívocos, não se poderia partir da premissa de mero
equívoco na colocação das infrações relativas ao usuário em capítulo chamado
“Dos Crimes e das Penas”. (...)”
O § 1º do artigo 28, supra, traz tipo penal que inexistia no regime anterior. Na lei
antiga, havia três correntes para identificar a conduta daquele que planta em casa para
consumo próprio. Damásio dizia que o fato era atípico. Cernichiaro dizia que havia porte
para uso, aplicando-se por analogia o artigo 16 da antiga Lei 6.368/76, que é in bonam
partem porque se assim não fosse a conduta estaria subsumida ao tráfico, que previa o
cultivo como tal. E essa era a terceira corrente, de que o fato era sempre tráfico, porque o
ato de semear estaria inserto como tráfico.
O novel dispositivo adotou a corrente do meio: o semear é crime de uso,
expressamente. Nesse sentido, a jurisprudência já decidia, mas ainda era minoritária:
Aquele que adquire sementes de maconha para cultivar, para uso próprio, pela
internet, do exterior, não comete o crime de uso nem o de tráfico, por dois motivos: o fato
de adquirir semente não é adquirir droga, porque a semente não é a droga, ainda. E o fato
de semear, nesse momento, ainda não está em execução. O fato de adquiris sementes, e
portá-las, é atípico, pois é no máximo ato preparatório.
Todavia, poder-se-ia cogitar, no exemplo da compra internacional, da ocorrência do
contrabando. Ocorre que a desproporção seria enorme: se o agente adquire pela internet o
produto não permitido, incidindo em contrabando, terá pena de um a quatro anos; se
caminhar na mesma conduta, semeando para uso próprio, sua pena será a do crime de uso,
ou seja, descarceirizada. Dessarte, nem mesmo no contrabando pode incidir o fato em
questão.
Veja:
“EMENTA: CRIME DE TOXICO. SEMENTE DE MACONHA. A GUARDA OU
POSSE DA SEMENTE DE MACONHA NAO CABE NO TIPO LEGAL DO
ARTIGO 13 DA LEI DE TOXICOS PORQUE NELE ESTAO PREVISTAS
CONDUTAS DE TER, POSSUIR OU GUARDAR MAQUINISMO, APARELHO,
INSTRUMENTO OU OBJETO DESTINADO A FABRICACAO,
PREPARACAO, PRODUCAO OU TRANSFORMACAO DE SUBSTANCIA.
OBVIAMENTE, SEMENTE NAO E MAQUINA, APARELHO, UTENSILIO OU
INSTRUMENTO DESTINADO A FABRICAR, PREPARAR, PRODUZIR OU
TRANSFORMAR SEJA LA O QUE FOR. QUEM A POSSUI
INDEVIDAMENTE,DEVERA SER PARA O FIM DE SEMEA-LA,INCI-
DINDO NUM OUTRO TIPO LEGAL, QUAL O DO ARTIGO 12, PARAGRAFO
PRIMEIRO, INCISO II. TAMBEM NAO E MATERIA-PRIMA COMO
PRETENDEU O JULGADOR AO DESCLASSIFICAR O FATO DO ARTIGO 13
PARA O ARTIGO 12, PARAGRAFO PRIMEIRO, INCISO I, DA LEI DE
TOXICOS. ENTENDE-SE POR MATERIA-PRIMA A SUBSTANCIA QUE
DEVE SER SUBMETIDA A TRABALHO INDUSTRIAL ANTES DE SER
TORNADA PROPRIA AO CONSUMO, OU TRATANDO-SE ESPECIFICA-
MENTE DE SUBSTANCIA ENTORPECENTE, DA QUAL PODEM SER
EXTRAIDAS OU PRODUZIDAS AS DROGAS. DA SEMENTE NAO SE
EXTRAI MACONHA, MAS DA PLANTA GERMINADA DA SEMENTE. SE
ESTA SOFRE TRANSFORMACAO, E POR OBRA DA NATUREZA E NAO
POR OBRA DA INDUSTRIA HUMANA. ACAO ATIPICA. ABSOLVICAO
A semente, pelo ensejo, não pode ser considerada matéria-prima da droga, porque
só é matéria-prima aquilo de onde se extrai a droga, ou seja, a folha da plante, a não o seu
gérmen (que não tem princípio ativo).
O artigo 28, § 4º, traz uma hipótese de aumento do tempo das penas que têm tempo
em caso de reincidência. Há três correntes sobre a natureza dessa reincidência. Damásio
entende que, por serem extremamente específicas as previsões quanto ao usuário, a
reincidência que ali se menciona é específica em uso. Capez diz que, como não há essa
previsão expressa, o artigo fala em qualquer reincidência, em qualquer delito. Rogério
Sanches, por seu turno, entende que não se trata tecnicamente de reincidência, mas sim de
mera repetição da conduta.
O crime do artigo 28 é obviamente de menor potencial ofensivo. Cabe, portanto, ao
lado das demais medidas despenalizadoras, a transação penal. Contudo, veja uma
desproporção: se o agente for condenado, as penas serão mais brandas do que as medidas
impostas em uma eventual transação penal (em que se impõe multa, por exemplo). Por isso,
é preciso que haja uma vinculação das medidas impostas na transação a não mais do que a
própria pena representa, nesse crime.
Também por isso, a consequência normal do descumprimento de uma transação
penal, que é a denúncia, no caso do uso de drogas desperta a imposição de admoestação
verbal ou uma multa para que haja o cumprimento, porque assim se passa quando a pena do
artigo 28, a condenação, é descumprida – na forma do § 6º desse artigo.
A infração do artigo 28 encontra prazo prescricional fixo, de dois anos, porque não
tem parâmetro temporal que permita calcular a prescrição normalmente. Veja o artigo 30 da
Lei 11.343/06:
Um indivíduo que porta droga para uso próprio, acreditando não estar cometendo
crime porque obteve aquela droga das mãos de um médico, que a prescreveu (mesmo sendo
a droga ilegal, como a maconha), está em erro de tipo. Assim o é porque esse agente está
errando quanto a uma elementar normativa do tipo: ao acreditar que está portando a droga
com autorização legal, mas não está, erra quanto ao elemento normativo “sem autorização
ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”. É diferente a situação daquele
estrangeiro holandês que sabe portar droga ilícita, mas acredita que é permitida aqui, tal
como em seu país – este está em erro de proibição.
2. Tráfico de drogas
“Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender,
expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar,
prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que
encartam ali o bem jurídico da integridade física, também de tutela imediata. Guilherme
Nucci entende que qualquer crime material pode ser praticado por omissão imprópria, e
Fernando Galvão diz que qualquer crime pode ser assim praticado. Para aqueles que
adotarem corrente que admite a omissão imprópria em crime de tráfico, portanto, o caso
narrado é de tráfico; para quem não entende cabível, a hipótese será de prevaricação.
O tipo de droga, ou sua quantidade, podem ser determinantes para o cálculo da
pena-base, sem qualquer óbice.
É possível falar em alternatividade entre os tipos penais previstos no caput e nos
parágrafos desse artigo 33, ou se exige que as condutas, para serem alternativas, estejam no
mesmo dispositivo? Como exemplo, um agente que cultiva e vende maconha. Damásio
entende que há essa alternatividade entre o caput e os parágrafos, devendo o agente
responder por um único delito. O STF tende a assim também entender:
Houve, há pouco tempo, uma discussão severa sobre um evento ocorrido em relação
ao complemento normativo da Anvisa. Em uma de suas atualizações, o cloreto de etila
(lança-perfume), que sempre esteve presente na listagem das drogas, foi omitido, por um
suposto erro de publicação. Uma semana depois, tal erro foi retificado. Contudo, por haver
a publicação dessa lista errada, em que essa substância esteve ausente, suscitou-se a tese de
que houve abolitio criminis.
O STJ, enfrentando o tema, entendeu que a retirada do elemento da listagem foi
feita por um ato inválido, e, assim sendo, jamais houve realmente uma retirada do item da
listagem, revelando mudança da concepção estatal descriminalizando aquela substância,
necessária para a ocorrência de abolitio criminis. Por isso, quem quer que tenha incidido no
tráfico dessa substância, por acreditar que foi retirado do rol, será beneficiado por estar no
erro de proibição – achou que o elemento passou a ser permitido, quando não o foi. Veja o
que disse o STJ:
O STF, entretanto, enveredou por caminho diferente: para essa Corte, não houve ato
inválido de retirada do item. O ato foi válido. Sendo assim, revelou alteração da concepção
estatal sobre a criminalidade daquela conduta, daquela substância, entendendo, ao menos
por um período curto, que o cloreto de etila não era droga, e portanto não era crime. Por
isso, diz o STF, houve, de fato, abolitio criminis, passando a ser crime somente quando da
reinclusão na listagem, o que só alcança os atos praticados dali por diante. Veja:
O inciso III do § 1º desse mesmo artigo trouxe uma outra inovação: antes, aquele
que deixava que se consumisse droga em seu estabelecimento estaria incurso no tráfico,
mas hoje é assim tipificada a conduta daquele que deixa que se trafique em seu
estabelecimento, e não aquele que permite apenas o uso.
O crime, na modalidade do § 2º do artigo 33, se consuma quando o indivíduo
instigado efetivamente utilizar a droga a que foi instigado, e não na mera instigação.
No § 3º do artigo 33, há o crime novo de tráfico privilegiado consistente no uso
compartilhado. Antes, essa conduta era capitulada simplesmente no tráfico; hoje, essa é a
capitulação daquele que participa de uma roda de consumo.
Na vigência da lei anterior, Lei 6.368/76, que previa o crime de associação no artigo
14, quando havia a associação eventual para o tráfico havia incidência da causa de aumento
de pena do artigo 18, III, do mesmo diploma revogado. Veja:
“Art. 18. As penas dos crimes definidos nesta Lei serão aumentadas de 1/3 (um
terço) a 2/3 (dois terços):
(...)
III – se qualquer deles decorrer de associação ou visar a menores de 21 (vinte e
um) anos ou a pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos ou a quem
tenha, por qualquer causa, diminuída ou suprimida a capacidade de discernimento
ou de autodeterminação: (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)
(...)”
Com essa previsão, aquele que incidia em uma associação momentânea, por
exemplo, não implicava o artigo 14, mas sim o tráfico majorado. Ocorre que essa causa de
aumento desapareceu na nova normativa, pelo que se pergunta: é possível cumular-se o
tráfico com o crime de associação do artigo 35 da nova lei?
A intenção do legislador era justamente essa: permitir que o concurso de agentes,
mesmo que eventual, se tornasse, na verdade, mais um crime à conta do traficante, que
incidiria nos artigos 33 e 35 da nova lei, e não apenas no tráfico majorado, como o era.
Thums, porém, entende inadmissível essa lógica, pois no artigo 35 a lei pune um
delito associativo, sendo necessária uma certa permanência. Com o desaparecimento do
artigo 18, III, da lei anterior, Thums afirma que não houve modificação no panorama do
delito associativo. Hoje, a associação para um único crime, não é nem causa de aumento e
nem delito autônomo.
O bem jurídico do artigo 35 é o mesmo do artigo 33: a saúde pública. Por isso,
mesmo quando há associação permanente, e não meramente eventual, cogitar-se-ia de um
bis in idem se se imputarem ambas as condutas em concurso, tráfico e associação. Ocorre
que não há que se falar em bis in idem, pois o mero fato de estar associado já afeta a saúde
pública, não se confundindo, esse crime permanente, com as ofensas pontuais e concretas
de cada ato de tráfico. Nesse sentido, veja:
Ainda sobre a majorante do artigo 18, III, da Lei 6.368/76, o seu desaparecimento se
tornou uma melhora na situação dos condenados em seus termos, novatio legis in mellius
que deve retroagir. Veja:
aumento do art. 18, inciso III, da Lei n.º 6.368/76, em observância à retroatividade
da lei penal mais benéfica.
(...)
5. Recurso desprovido. Habeas corpus concedido de ofício para excluir da
condenação a majorante do art. 18, inciso III, da Lei n.º 6.368/76, decorrente da
associação eventual para a prática do crime de tráfico ilícito de entorpecentes (...)”
“Art. 36. Financiar ou custear a prática de qualquer dos crimes previstos nos arts.
33, caput e § 1º, e 34 desta Lei:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 20 (vinte) anos, e pagamento de 1.500 (mil e
quinhentos) a 4.000 (quatro mil) dias-multa.”
“Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este
cominadas, na medida de sua culpabilidade. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de
11.7.1984)
(...)”
“Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um
sexto a dois terços, se:
(...)
VII - o agente financiar ou custear a prática do crime.”
ou seja, aquele que só financia está no artigo 36; aquele que financia e trafica, no artigo 33
com o aumento de pena do artigo 40, VII.
Esse crime corresponde à combinação dos artigos 14, da Lei 6.368/76, e 29 do CP,
já visto:
Era assim que o “fogueteiro” do tráfico, por exemplo, era incriminado, na forma do
artigo 14 supra combinado com o 29 do CP; hoje, o tipo expresso é o do artigo 37 da Lei
11.343/06.
O tipo penal do informante da organização criminosa, na lei anterior, era uma forma
de colaboração com a associação criminosa. Por essa razão, o tipo atual é uma inovação
benéfica, porque tem pena menor – devendo retroagir.
Se a colaboração for habitual, e não eventual, o crime não é mais o do artigo 37 da
lei em tela, e sim o crime do artigo 35, já visto: deixa de ser mero informante para ser
integrante da organização do tráfico.
O momento consumativo do crime do informante é aquele em que a informação
chega ao conhecimento da organização. Por isso, é possível haver tentativa, se a
comunicação for obstada.
Se um policial receber propina para aviar aos traficantes de uma favela que haverá
operação de repressão, estará incurso nesse delito, além de responder pela corrupção: os
bens jurídicos são diferentes, e o concurso é possível.
Aquele agente que informa o melhor caminho para que uma carga de drogas siga
sem passar por blitz policiais não está incurso nesse delito, mas sim como partícipe do
artigo 33, ou seja, é auxiliar material do tráfico em si. Assim o é porque o artigo 37 é o
informante da associação criminosa, em abstrato, e não informante para que haja um tráfico
bem sucedido, como no exemplo dado. Se assim o for, informar para que um ato concreto
de tráfico ocorra, há participação no artigo 33, e não o delito em tela.
“Art. 38. Prescrever ou ministrar, culposamente, drogas, sem que delas necessite o
paciente, ou fazê-lo em doses excessivas ou em desacordo com determinação legal
ou regulamentar:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a
200 (duzentos) dias-multa.
Parágrafo único. O juiz comunicará a condenação ao Conselho Federal da
categoria profissional a que pertença o agente.”
A previsão do parágrafo único do artigo 38, porém, faz evidente que o crime ainda é
próprio, porque só a médicos importa a previsão daquela providência.
O crime do artigo 38 é culposo, e é um crime de perigo, que se caracteriza por uma
conduta imprudente de ministrar drogas em doses excessivas. Quem não pode prescrever a
droga – um veterinário, por exemplo – não incorre nesse crime.
Se a droga for ministrada dolosamente, o crime passa a ser de tráfico, e não essa
espécie culposa. Como tal, o crime se consuma, no ato de prescrever, quando há a entrega
da receita; no ato de ministrar, quando efetivamente aplica a droga no paciente.
Se a receita entregue ao paciente não for a especial, ou seja, não for a que é
necessária para a aquisição do medicamento em questão, não há crime: há absoluta
impropriedade do meio empregado, sendo crime impossível, portanto.
Caso a prescrição culposa do medicamento acabe por acarretar uma lesão corporal
no paciente, a qual será igualmente culposa, surge um problema. Rogério Sanchez entende
que há concurso formal de crimes, mas há que se ponderar se a lesão não é exaurimento da
prescrição culposa, já que o crime de perigo tem pena mais alta do que o de lesão, aqui.
“Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração
de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a
influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:
(Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008)
Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se
obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre
distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado
neste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.705, de 2008)”
“Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um
sexto a dois terços, se:
I - a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as
circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade do delito;
II - o agente praticar o crime prevalecendo-se de função pública ou no desempenho
de missão de educação, poder familiar, guarda ou vigilância;
III - a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de
estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades
estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de
trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de
qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de
reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos;
IV - o crime tiver sido praticado com violência, grave ameaça, emprego de arma de
fogo, ou qualquer processo de intimidação difusa ou coletiva;
V - caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito
Federal;
VI - sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha,
por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e
determinação;
VII - o agente financiar ou custear a prática do crime.”
O inciso I aumenta a pena dos crimes transnacionais, valendo mencionar que não é
necessário que haja a efetiva transposição da fronteira para tal configuração: basta que haja
evidências de que o destino da droga era a internacionalidade.
No inciso II, há que se mencionar que condição especial do agente tem que lhe ter
servido de amparo para o crime, ou seja, tenha lhe favorecido de alguma forma.
O inciso III precisa ser lido à luz do artigo 290 do Código Penal Militar, no que se
refere às unidades militares:
“Tráfico, posse ou uso de entorpecente ou substância de efeito similar
Art. 290. Receber, preparar, produzir, vender, fornecer, ainda que gratuitamente, ter
em depósito, transportar, trazer consigo, ainda que para uso próprio, guardar,
ministrar ou entregar de qualquer forma a consumo substância entorpecente, ou
que determine dependência física ou psíquica, em lugar sujeito à administração
Se o crime for praticado dentro do quartel, será tráfico majorado quando não for o
crime militar do artigo supra, e o parâmetro para saber se é crime militar está no artigo 9º,
II, do próprio CPM:
“2009.050.01036 - APELACAO
DES. GIZELDA LEITAO TEIXEIRA - Julgamento: 26/05/2009 - QUARTA
CAMARA CRIMINAL
TRÁFICO de ENTORPECENTES - Art. 33 da Lei 11343/06 - Pena de 05 anos de
reclusão e 500 diasmulta, regime fechado - Apelante trazia consigo e guardava,
para fins de tráfico 1,5g de cocaína (07 papelotes) e 29,5g de maconha (11
invólucros). E também mantinha sob sua guarda, consciente e voluntariamente um
revólver calibre 32, em desacordo com a determinação legal. Sentença que julgou
procedente em parte a denúncia absolvendo-o das imputações dos art. 14 e 16 da
Lei 10826/03, condenando-o por infração ao art. 33 (aplicando a redução do
parágrafo 4º e a causa de aumento do art. 40, inciso IV) da Lei 11343/06 (...) Pleito
ministerial que deve prosperar: a redução prevista no § 4º do art. 33 da Lei
11343/06 deve ser afastada. - Porte ilegal de arma: equivocada a absolvição: tráfico
de entorpecentes e porte ilegal de arma de fogo são condutas autônomas dirigidas a
finalidades distintas,cabível aplicação do concurso material, art. 69 do CP.
Afastamento do inciso IV dot art. 40 da Lei 10826/03: inegável bis in idem. Assim,
dou provimento ao recurso ministerial para afastar a causa de aumento do inciso
IV do art. 40 da Lei 11343/06 e também afastar a causa de diminuição do § 4º do
art. 33 da Lei 11343/06. Em resumo, fica mantida a pena de 05 anos e 500 dias-
multa pelo delito de tráfico. (...) - REJEIÇÃO DA PRELIMINAR E, NO
MÉRITO, IMPROVIMENTO DO RECURSO DEFENSIVO E PROVIMENTO
PARCIAL DO RECURSO MINISTERIAL.”
“0055436-95.2008.8.19.0021 - APELACAO
DES. ANTONIO JOSE CARVALHO - Julgamento: 18/05/2010 - SEGUNDA
CAMARA CRIMINAL EMENTA - CRIMES CONTRA A SAÚDE PÚBLICA
TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO COM A
INCIDÊNCIA DO ART. 40, IV DA LEI Nº 11.343/06 - PLEITOS DE
ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS EM RELAÇÃO A TODOS
OS CRIMES, DE AFASTAMENTO DA CIRCUNSTÂNCIA AGRAVANTE
RELATIVA AO EMPREGO DE ARMA DE FOGO E DA INCIDÊNCIA DO
CONCURSO FORMAL AO INVÉS DO CONCURSO MATERIAL DE CRIMES
APELANTE PRESO EM FLAGRANTE DURANTE INCURSÃO POLICIAL NA
LOCALIDADE - APELANTE E COMPARSA ENCONTRADOS SOZINHOS
EM UM CÔMODO NA POSSE DE ESPINGARDA CAL. 12 E SACOLA
CONTENDO EXPRESSIVA QUANTIDADE DE CANNABIS SATIVA L -
COMPARSA DO APELANTE QUE REAGE A AÇÃO POLICIAL
DISPARANDO A ARMA EM DIREÇÃO A POLICIAL, QUE REVIDA,
CAUSANDO-LHE O ÓBITO - CIRCUNSTÂNCIAS DA PRISÃO QUE
DEMONSTRAM QUE O APELADO E SEU COMPARSA ESTAVAM
ASSOCIADOS ESTAVELMENTE PARA A VENDA DE DROGAS,
INTEGRANDO A FACÇÃO CONHECIDA COMO "COMANDO VERMELHO",
QUE ATUA NAQUELA ÁREA E QUE SEM ESTAREM COM AQUELES
CONLUIADOS NÃO LHES SERIA POSSÍVEL ATUAR NA VENDA DOS
“0015475-43.2009.8.19.0206 - APELACAO
DES. SIRO DARLAN DE OLIVEIRA - Julgamento: 08/06/2010 - SETIMA
CAMARA CRIMINAL
(...)
ENTRETANTO, VISLUMBRA-SE QUE A ARMA APREENDIDA VISAVA A
GARANTIR O CONTEXTO DAS ATIVIDADES DO TRÁFICO ILÍCITO DE
DROGAS, NADA CONTENDO NOS AUTOS QUE APONTE QUE SERIA
UTILIZADA PARA OUTRA FINALIDADE. ASSIM, ASSISTE RAZÃO À
ILUSTRE PROCURADORA DE JUSTIÇA, AO AFIRMAR, EM SEU PARECER
DE FLS. 182/185 QUE, IN CASU, O USO DA ARMA DE FOGO E DO
ARTEFATO EXPLOSIVO ESTÁ ÍNSITO NO TIPO PENAL PREVISTO NO
ART. 33 DA LEI 11.343/06, SENDO APLICÁVEL À ESPÉCIE A NORMA
CONTIDA NO ART. 40, INCISO IV DO MENCIONADO DIPLOMA LEGAL. A
LEI 11343/06, AO PREVER O EMPREGO DE ARMA DE FOGO (DE USO
PERMITIDO, RESTRITO OU PROIBIDO) COMO CAUSA DE AUMENTO DE
PENA, CARACTERIZA-SE COMO NORMA ESPECIAL EM RELAÇÃO À LEI
10.826/03. DESTA FORMA, OS DELITOS PREVISTOS NA LEI 10.826/03
DEVEM SER ABSORVIDOS PELA LEI 11.343/06, QUANDO SERVIREM
PARA ASSEGURAR AS ATIVIDADES DO TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS.
ADEMAIS, CUMPRE ESCLARECER QUE A INCIDÊNCIA DA CAUSA DE
AUMENTO PREVISTA NO INCISO IV DO ARTIGO 40 DA LEI 11343/06
SOMADA À CONDENAÇÃO PELO CRIME DE PORTE DE ARMA DE FOGO
CONSTITUIRIA BIS IN IDEM, O QUE NÃO SE PODE ADMITIR EM
ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. ASSIM, O APELO MINISTERIAL
NÃO MERECE PROSPERAR, DEVENDO ENQUADRAR-SE A CONDUTA DO
APELANTE NO ART. 33 C/C ART. 40, IV DA LEI 11343/06.
(...)”
O artigo 40, V, da Lei 11.343/06, aumenta a pena cominada para o tráfico quando
esse for interestadual. Sobre a interestadualidade, veja:
Casos Concretos
Questão 1
DÁRIO foi preso em flagrante ao chegar em sua residência, onde policiais haviam
encontrado um vaso "xaxim" contendo quatro pequenos pés de maconha, com altura
aproximada de 12, 19, 28 e 30 cm, respectivamente, material devidamente apreendido e
examinado, com resultado positivo.
Foi DÁRIO denunciado como incurso nas sanções penais do art. 33, § 1º, II da Lei
11.343/06 e admitiu, na Polícia e em Juízo, haver voltado a fumar maconha após um
período de abstinência e que da porção da droga que adquiria para seu uso, separou
sementes, cultivando-as no aludido vaso.
Pleiteou a defesa do acusado, alternativamente, sua absolvição ou a
desclassificação do delito para o art. 28, § 1º da Lei 11.343/06.
Diante do exposto, responda:
a) O plantio de maconha para uso próprio configura algum fato penalmente
relevante?
b) Se na hipótese do problema fosse encontrado em poder do acusado somente
sementes de maconha, existiria fato penalmente relevante?
c) Se no problema, DÁRIO não soubesse que cultivava maconha, mas sim outra
planta destinada a preparação de chá para distúrbios estomacais e tal fato ficasse
evidenciado nos autos. Como deveria julgar o Juiz?
d) Se no problema, DÁRIO quisesse cultivar planta de maconha para venda, mas
com a chegada dos policiais verificasse que a planta cultivada não era maconha mas sim
planta inócua, cujas folhas se assemelhassem as da maconha, existiria algum fato
penalmente relevante?
Resposta à Questão 1
a) Hoje a Lei 11.343/06 prevê dois tipos distintos: ou é uso, e é artigo 28, § 1°; ou é
para outra finalidade qualquer, e é artigo 33, § l°, II.
b) Existem três correntes doutrinárias sobre o assunto. A primeira é no sentido de
que a simples posse de sementes de maconha, em razão da ausência do princípio gerador de
dependência física ou psíquica, constitui fato atípico. A segunda é no sentido de que se a
perícia toxicológica encontrar em sementes de maconha o princípio ativo do vegetal
responsável pelo seu poder intoxicante, a posse ou guarda de tais sementes tipifica a
infração penal. É que tais sementes podem ser utilizadas através da mastigação, trituração,
redução a pó e aspiração, por exemplo, como rapé. A terceira é no sentido de que o fato é
sempre típico, pois muito embora as folhas e hastes possam ser inócuas, nas sementes
sempre está o caráter de toxidez da planta.
c) Neste caso existe em evidência erro de tipo, que levará sempre à tipicidade da
conduta (artigo 20 do CP) e conseqüente absolvição.
d) Neste caso, estamos diante de delito putativo por erro de tipo, que conduz
indubitavelmente ao crime impossível previsto no artigo 17 do CP.
Questão 2
Resposta à Questão 2
responder pela prática do crime previsto nos artigos 33, § 1º, III, e § 2º, combinados com
artigo 40, VI, da Lei 11.343/2006.
Questão 3
Resposta à Questão 3
Tema VII
Crimes da Lei de Tortura. 1) Considerações gerais: definição e evolução histórica. Contornos gerais. 2)
Principais delitos da Lei 9.455/97. Bem jurídico tutelado. Sujeitos do delito. Tipicidade objetiva e subjetiva.
3) Aspectos controvertidos. 4) Concurso de crimes. 5) Pena e ação penal.
Notas de Aula7
1. Introdução
“(...)
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a
prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e
os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os
executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;
(...)”
7
Aula ministrada pela professora Cristiane Dupret Filipe, em 17/11/2010.
O tipo acima era aberto demais, violando a taxatividade penal, pois falava em
tortura, mas não a definia de forma alguma, pelo que se questionou sua constitucionalidade,
à época, sendo que o STF entendeu-o constitucional. Com a edição da Lei 9.455/97,
revogou-se esse dispositivo supra, pois esse novel diploma é especial e exclusivamente
dedicado à tortura.
A Lei 9.455/97, portanto, é o diploma regente da tortura, em qualquer modalidade –
associada aos efeitos advindos da equiparação desse crime aos hediondos.
A ótica da tortura é peculiar no Brasil, em comparação com ordenamentos
alienígenas. Isso porque a tortura, geralmente, estatisticamente, é praticada por agente
público de autoridade, e por isso a proteção é voltada contra esse agente. No Brasil, a
tortura é crime comum, não se preocupando com a mesma intensidade com que os demais
países se preocupam em reprimir a tortura praticada por agente público. Aqui, ser
funcionário público torturador é mera causa de aumento de pena.
Vejamos, desde logo, o artigo 1º dessa Lei 9.455/97, continente de todas as
modalidades de tortura da lei:
seu intento – o especial fim de agir é atendido, ou seja, a vítima comete o crime –,
responderá pelos dois crimes em concurso material, ou seja, pela tortura-crime em concurso
com o crime resultante da coação. Mas veja que se a coação moral não for irresistível, ou se
o crime não for ao menos tentado, não há outra imputação senão a da própria tortura.
A tortura da alínea “c”, a discriminatória, e diferente das duas anteriores: não exige
especial fim de agir expressamente, não é um delito de intenção.
Há uma severa discussão acerca do exato significado do verbo “constranger”, do
caput, em relação a cada uma das alíneas. Nas alíneas “a” e “b”, tem sentido claro de
obrigar, coactar, forçar a que o torturado faça ou se abstenha de fazer alguma coisa. Na
alínea “c”, porém, não existe uma pretensão do torturador de que a vítima faça ou deixe de
fazer algo, pelo que o significado de obrigação, coação, do verbo constranger, parece um
tanto incompatível.
Por isso, há quem defenda que esse verbo, em relação à alínea “c”, assume sentido
de envergonhar, humilhar, causar vexame na vítima. Capez ignora essa crítica, porque diz
que o significado deve ser o mesmo em todas as alíneas, por mera questão redacional,
sendo que na alínea “c” a pretensão é aberta: o agente torturador, mediante violência ou
ameaça que cause sofrimento à vítima, em função de preconceito racial ou religioso, vai
obrigar o torturado a fazer qualquer coisa. A mera agressão por fim religioso ou racial não
é tortura – é preciso obrigar a vítima a fazer ou deixar de fazer alguma coisa. Um bom
exemplo seria o de um agente que obriga um judeu ortodoxo a comer carne de porco, o que
é gravemente atentatório à sua religião, e por isso lhe causa sofrimento psicológico intenso:
há crime de tortura discriminatória.
Vale dizer, ainda, que a tortura da alínea “c” é apenas racial e religiosa, e não por
outros tipos de preconceito.
1.2. Tortura-castigo
“Maus-tratos
Art. 136 - Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda
ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-
a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho
excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina:
Pena - detenção, de dois meses a um ano, ou multa.
§ 1º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena - reclusão, de um a quatro anos.
§ 2º - Se resulta a morte:
Pena - reclusão, de quatro a doze anos.
Capez defende que a diferença está no ato cometido pelo agente público: se o
sofrimento físico ou mental não for causado por exposição a evento vexatório, mas sim a
dor física ou mental, há tortura; se o ato for eminentemente vexatório, há o abuso de
autoridade, na forma do artigo supra.
O § 2º traz a tortura por omissão, fato imputável àquele que se omite em face dessas
condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las. É o caso típico do delegado que,
vendo seus agentes torturarem um preso, nada faz para evitar.
Se a Lei 9.455/97 não previsse esse tipo específico, o agente eu aqui se enquadre
estaria amoldado à figura do garantidor prevista no artigo 13, § 2º, “a”, do CP:
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
a) O primeiro crime é do artigo 1°, inciso I, letra “a”, combinado com o § 4°, I, com
relação a uma das mulheres, e o segundo crime está no artigo 1°, § 3° combinado com § 1°,
todos da Lei 9.455/97, com relação à mulher que sofreu a deformidade permanente. Este
crime poderia ter sua pena aumentada em razão do artigo 1°, § 4°, letra “a” da Lei
mencionada. Ambos os crimes combinados com o artigo 70 do CP.
Questão 2
PAULO, querendo matar REGINA, ameaça JEFERSON, dizendo que mataria toda
sua família caso ele não matasse REGINA.
Completamente apavorado, JEFERSON se sentiu constrangido por saber que
PAULO era matador e maior traficante da área, razão pela qual ele cumpriu a ordem e
apunhalou REGINA pelas costas.
Analise as situações jurídicas de PAULO e JEFERSON.
Resposta à Questão 2
Jeferson agiu sob coação moral irresistível (artigo 22, do CP), quanto ao homicídio.
Paulo responde como autor mediato do homicídio qualificado (artigo 121, § 2º, IV, do CP),
em concurso material com o crime de tortura (artigo 1º, I, “b”, da Lei 9.455/97).
Tema VIII
Crime de Abuso de Autoridade. 1) Considerações gerais: definição e evolução histórica. Contornos gerais.
2) Principais aspectos da Lei 4.898/65.a) Bem jurídico tutelado. Sujeitos do delito. Tipicidades objetiva e
subjetiva;b) O abuso de poder no Código Penal: análise dos artigos 322 e 350 do Código Penal;c) A
prescrição nos crimes de abuso de autoridade. 3) Aspectos controvertidos. 4) Concurso de crimes. 5) Pena e
ação penal.
Notas de Aula8
1. Abuso de autoridade
8
Aula ministrada pela professora Cristiane Dupret Filipe, em 17/11/2010.
Para que não restem dúvidas acerca disso, a Lei 5.249/67 entrou em vigor com o
único propósito de estabelecer essa natureza da ação penal nesses crimes.
Assim, a natureza da representação, nos crimes da lei em questão, é de mero
exercício do direito de petição, informando do abuso e requerendo providências. É uma
mera notícia do crime, nada mais – a representação não é condição de procedibilidade.
O sujeito ativo do crime de abuso de autoridade é, por óbvio, aquele que tenha
autoridade. O conceito de autoridade está no artigo 5º do diploma em comento:
“Art. 5º Considera-se autoridade, para os efeitos desta lei, quem exerce cargo,
emprego ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que
transitoriamente e sem remuneração.”
“Funcionário público
Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora
transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
§ 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função
em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço
contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração
Pública. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
(...)”
É por não abarcar o conceito de funcionário público por equiparação que esse
indivíduo, que é funcionário público equiparado, mas não se sujeita à lei de abuso de
autoridade, quando praticar uma conduta das que ali se apresentam como abuso, poderá
estar incurso no crime de violência arbitrária, do artigo 322 do CP:
“Violência arbitrária
Art. 322 - Praticar violência, no exercício de função ou a pretexto de exercê-la:
Pena - detenção, de seis meses a três anos, além da pena correspondente à
violência.”
Assim, esse artigo supra, do CP, não alcança aquele que estiver sob a égide da lei de
abuso de autoridade, mas alcança o funcionário por equiparação.
O particular pode praticar o crime de abuso de autoridade, mas somente em
coautoria ou participação com agentes públicos classificados como autoridade, e desde que
tenha ciência dessa condição elementar. É a mera aplicação do artigo 30 do CP:
“Circunstâncias incomunicáveis
Há dois artigos que tipificam condutas como abuso de autoridade, na Lei 4.898/65,
que são bastante diferentes entre si. O artigo 3º assim dispõe:
Nesse artigo supra, todo e qualquer atentado aos bens jurídicos ali arrolados é
conduta criminosa, não precisando haver efetiva lesão a tais bens para que se consumem. A
doutrina chama esse delito de crime de empreendimento, ou crime de atentado, em que a
mera periclitação exibida na conduta é bastante para a consumação. Inexiste tentativa, nas
condutas desse artigo, pois a própria tentativa é punida como se consumado o delito.
O artigo 4º desse diploma, por seu turno, não traz crimes de atentado: traz condutas
que podem, inclusive, admitir tentativa. Veja
O artigo 231 do ECA traz um abuso de autoridade especial, que faz com que a
autoridade ali incidente não venha a ser enquadrada na Lei 4.898/65, mas sim no
dispositivo especial do ECA:
O mesmo se passa com os crimes dos artigo 232, 234 e 235 do ECA, que, por serem
especiais, afastam a aplicação da Lei 4.898/65:
“Art. 234. Deixar a autoridade competente, sem justa causa, de ordenar a imediata
liberação de criança ou adolescente, tão logo tenha conhecimento da ilegalidade da
apreensão:
Pena - detenção de seis meses a dois anos.”
“Art. 235. Descumprir, injustificadamente, prazo fixado nesta Lei em benefício de
adolescente privado de liberdade:
Pena - detenção de seis meses a dois anos.”
STF e STJ entendem perfeitamente cabível o concurso entre esses crimes, o que de
fato não oferece maiores problemas. O problema surge é quando os crimes são cometidos
por militar: a competência será de qual justiça, ante a previsão do criem de lesão como um
dos crimes militares impróprios?
A competência será da Justiça Militar para o crime militar, e da justiça comum para
o crime comum. Mesmo que no conflito entre a Justiça Castrense e a comum prevaleça a
Militar, porque é especial, no concurso, a cisão é imperativa. Nesse sentido, veja as súmulas
90 e 172 do STJ:
“Súmula 90, STJ: Compete à Justiça Estadual Militar processar e julgar o policial
militar pela prática do crime militar, e à comum pela prática do crime comum
simultâneo àquele.”
“Súmula 172, STJ: Compete à Justiça comum processar e julgar militar por crime
de abuso de autoridade, ainda que praticado em serviço.”
Casos Concretos
Questão 1
ANILTO foi denunciado como incurso no artigo 3º, letras a e i da Lei 4.898/65 e
artigo 129, caput do Código Penal, porque, em 3 de dezembro de 2000, por volta das 19
horas, na qualidade de Policial Militar, integrando a guarnição da viatura de prefixo
0586, praticou abuso de autoridade, mediante atentado à liberdade de locomoção e à
integridade física de IRINEU, no qual ainda provocou lesões corporais de natureza leve.
A r. Sentença, acolhendo pedido da defesa, na audiência de instrução e julgamento,
declinou da competência da Justiça Comum para a da Justiça Militar Estadual, no tocante
ao delito de lesões corporais. Além disso, considerou o atentado à incolumidade física da
vítima absorvido pelas mesmas lesões. Enfim, deixando de mencionar o dispositivo legal
violado, condenou ANILTO no pagamento da pena de 10 (dez) dias-multa.
Inconformado, apelou o representante do Ministério Público, pretendendo, em preliminar,
a nulidade da r. Sentença, por vício formal decorrente da falta de dispositivo, ou a
afirmação da competência da Justiça Comum, não só para o crime de atentado à
incolumidade física da vítima, como também para o de lesões corporais.
Também inconformado, apelou o réu, pleiteando a absolvição, sob a alegação de que
atenderam a uma ocorrência de ameaça e se limitaram a conduzir os respectivos autores à
delegacia de polícia.
a) Procede a alegação do Ministério Público?
b) Discorra sobre a competência no crime de abuso de autoridade.
c) Discorra sobre a existência ou não de concurso de crimes entre abuso de
autoridade e lesão corporal.
d) Discorra sobre a possibilidade de aplicação dos artigos 322 e 350, ambos do
Código Penal.
Resposta à Questão 1
Questão 2
VALMIR foi condenado pela prática dos crimes previstos nos artigos 3º, alínea i, e
4º, alínea b, ambos da Lei 4.898/65, à pena correspondente à perda do cargo que exerce e
à inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública pelo prazo de 3 anos
(artigo 6º, §3º, alínea c, da Lei 4.898/65).
A defesa apelou, alegando que a sentença condenatória que atribuiu ao réu
somente a pena acessória de perda do cargo e inabilitação para o exercício de função
pública por 3 anos, dissociada de uma pena principal, atenta contra o disposto no artigo
92, I do CP, com a redação dada pela Lei 9.268/96. Sob esse fundamento, pleiteou a
anulação da referida sentença.
Assiste-lhe razão? Justifique.
Resposta à Questão 2
A defesa não tem qualquer razão, com base no artigo 6º, §§ 3º e 4º da Lei 4.898/65:
Tema IX
Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional I (Lavagem de Dinheiro).1) Bem jurídico tutelado. Sujeitos do
delito. Tipicidade objetiva e subjetiva. 2) O Sistema Financeiro Nacional e sua conformação. 3) Legislação
complementar.
Notas de Aula9
O histórico dos crimes de lavagem de dinheiro aponta para o Volstead Act, a Lei
Seca norte-americana, que em 1919 proibiu a comercialização de bebidas alcoólicas, e com
isso gerou o mercado paralelo, o qual, dominado pelo famoso Alphonse Capone, gerou
tremendo acúmulo de riquezas provenientes da ilicitude, e que precisavam ser
transformadas em dinheiro limpo. Nas palavras da socióloga Mary Stolberg, à época, sobre
a Lei Seca:
transferência do sigilo e não uma quebra propriamente dita uma vez que lei delega
a certas autoridades (COAF, BACEN, Receita, CVM).”
Repare que a lavagem não transforma o que é ilícito em lícito: apenas dá aparência
de licitude a algo que continua ilícito. Nesse sentido, veja o que diz o STJ:
“Habeas Corpus 59.663/SP: (...) O procedimento pelo qual o criminoso transforma
recursos ganhos em atividades ilegais em ativos com origem aparentemente legal
constitui o que a legislação vigente denomina lavagem de dinheiro. Trata-se de
prática geralmente complexa, envolvendo inúmeras transações, que são utilizadas
para ocultar a origem dos ativos financeiros e permitir sejam eles usados sem o
comprometimento dos criminosos.”
(...)”
A doutrina é divergente, nesse ponto. Para Vicente Greco Filho, o bem jurídico da
lavagem é o mesmo do crime antecedente, tal qual ocorre na receptação. Como decorrência
dessa posição, esse autor entende que quem comete o crime antecedente, não poderá
cometer a lavagem, da mesma forma que na receptação é impossível essa consumação dos
dois crimes pelo mesmo agente – furto e receptação, por exemplo. Será post factum
impunível.
Nilo Batista e Marco Antônio de Barros defendem que a lavagem de dinheiro afeta a
ordem econômico-financeira, pois na economia formal só devem circular valores lícitos.
Quando se emprega dinheiro sujo em mercados limpos, ocorre a desestabilização da
economia, e por isso o bem jurídico é essa ordem econômico-financeira, para esses autores.
Uma terceira corrente, de Tigre Maia e Abel Gomes, entende que o bem jurídico
protegido é a administração da justiça, porque com o ato de lavagem o agente pretende
tornar inalcançáveis os proveitos do crime antecedente, impedindo o perdimento, um dos
efeitos da condenação.
A jurisprudência se inclina para a segunda corrente, mas o melhor entendimento, de
fato, seria o de que o crime é pluriofensivo, atacando mais de um bem jurídico ao mesmo
tempo. Veja o que entende o STJ:
“HC 76904 / SP (STJ – 5ª TURMA - DJ 03/12/2007 p. 342)
HABEAS CORPUS. CRIMINAL. LAVAGEM DE DINHEIRO. AUTONOMIA
DO DELITO. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. INAPLICABILIDADE.
DENÚNCIA QUE NARRA O FATO E SUAS CIRCUNSTÂNCIAS. AUSÊNCIA
DE INÉPCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE.
DILAÇÃO PROBATÓRIA. PRECEDENTES DO STJ. Sendo o crime de lavagem
de dinheiro autônomo em relação aos delitos antecedentes, ante a diferenciação dos
bens jurídicos protegidos, não há que se falar na aplicação do princípio da
consunção. O trancamento da ação penal por esta via justifica-se somente quando
verificadas, de plano, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a
ausência de indícios de autoria e prova da materialidade, o que não se vislumbra na
hipótese dos autos. (...) Ordem denegada.
(...)
Evidente, pois, a autonomia do crime de lavagem de dinheiro, sendo descabida a
tese de que ele é mero exaurimento do crime antecedente, tal como na receptação,
em que o sujeito que participa do crime antecedente não pode ser autor daquele
delito, em razão do princípio da consunção. Neste sentido, confira-se a doutrina de
André Luís Callegari: Não é possível a aplicação do princípio da consunção ao
delito de lavagem, porque para que ocorra um fato posterior impune é necessário
que o fato posterior praticado pelo sujeito não lese um bem distinto ao vulnerado
pelo delito anterior, isto é, a conduta do sujeito ativo deve lesionar um mesmo bem
jurídico. Assim, os tipos penais prévios previstos na Lei de Lavagem de capitais
teriam que já incluir o desvalor da própria lavagem. Mas, isso não ocorre, pois não
há identidade de bem jurídico protegido entre os delitos prévios e o posterior delito
de lavagem, uma vez que o delito de lavagem é uma figura autônoma que tem seu
próprio bem jurídico, o que permite diferenciar com exatidão este delito com
relação aos delitos prévios.
(...)
Para essas duas últimas correntes, o sujeito ativo da lavagem pode ser qualquer
pessoa, inclusive o autor do crime antecedente. Para que o agente que lava o dinheiro, sem
ter tido participação no crime antecedente, efetivamente esteja imputado pela lavagem, há
que se demonstrar que ele tinha ciência da ilicitude do ativo que está ajudando a
escamotear, pois do contrário não pode ser incriminado. Note-se que aquele que não
concorre para o delito antecedente não precisa saber exatamente qual é o crime que gerou
aquele valor; é preciso que saiba apenas que o ativo é ilícito, e assim já estará incidente na
lavagem de dinheiro. Veja:
A identificação do sujeito passivo do crime de lavagem de dinheiro, por sua vez, vai
também depender de qual corrente se segue quanto ao bem jurídico tutelado. Se se entender
que é o mesmo do delito antecedente, o sujeito passivo desse será o da lavagem; se se
entender que é a ordem econômica, o sujeito passivo é a coletividade; se se entender que é a
administração da justiça, é o Estado.
2.4. Classificação
Tigre Maia e Abel Gomes sustentam que é crime formal, não havendo a necessidade
de uma efetiva ocultação. William Terra de Oliveira sustenta que o crime é de mera
conduta; e José Paulo Baltazar sustenta que é crime material.
Repare que até mesmo a ocultação física é caso de lavagem, porque uma das
elementares do artigo supra é “localização”, o que pode ser entendido como local físico do
ativo.
O verbo “ocultar” tem natureza permanente, ou seja, o momento consumativo se
estende por todo o período em que o ativo estiver dissimulado. Também nos casos do § 2º,
as condutas indicam permanência. Já nos casos do § 1º, porém, o crime é instantâneo,
porque os atos são momentâneos, sem caráter de permanência.
O inciso II, do § 2º desse artigo 1º, segundo Tigre Maia, era para se tratar de um
delito associativo, mas o tipo veio ao diploma de forma um tanto quanto inaplicável.
A doutrina reputa o crime de lavagem de dinheiro como um tipo misto alternativo,
mesmo que não haja a pluralidade de verbos nucleares. Assim o é porque se existir um
encadeamento de ações com esse escopo de ocultação, não é por isso que cada uma das
operações feitas para ocultar será um crime autônomo: há crime único, mesmo sendo
realizadas diversas operações para ocultar um mesmo ativo. Nas palavras de Baltazar:
“A lei de lavagem prevê uma série de condutas como aptas a configurar o crime.
Se um agente realiza mais de uma delas sobre o mesmo objeto material (proveito
que decorre do crime antecedente) há crime único. Pode, contudo, incidir a causa
de aumento decorrente da habitualidade (artigo 1º § 4º).”
O artigo 1º, in fine, fala em proveito “de crime”. Há, no anteprojeto de lei que visa a
alterar esse dispositivo, a previsão de que passe a constar “de infração penal”, incluindo
então os proveitos de contravenções penais como antecedentes da lavagem. Veja:
2.5.Conflitos aparentes
O rol do artigo em comento, artigo 1º da Lei 9.613/98, é taxativo. Vejamos cada um.
No inciso I, há a previsão do crime de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou
drogas afins; é tráfico, para efeitos dessa lei, segundo o STF, apenas os artigos referentes ao
tráfico, dos artigos 33 e 34 da Lei 11.343/06, não inserindo-se aqui o crime de associação
para o tráfico, do artigo 35 do mesmo diploma.
O terrorismo e seu financiamento, previstos no artigo 1º, II, da lei dos crimes de
lavagem, em tese poderia ser o previsto no artigo 20 da Lei 7.170/83:
Ocorre que o STF está julgando se esse tipo é efetivamente o crime de terrorismo,
pelo que não se o pode, ainda, apontar como delito antecedente da lavagem.
O inciso III do artigo 1º da Lei 9.613/98 trata do crime do artigo 18 do Estatuto do
Desarmamento, Lei 10.826/03:
“Artigo 2
Terminologia
Para efeitos da presente Convenção, entende-se por:
a) "Grupo criminoso organizado" - grupo estruturado de três ou mais pessoas,
existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer
uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a
intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro
benefício material;
b) "Infração grave" - ato que constitua infração punível com uma pena de privação
de liberdade, cujo máximo não seja inferior a quatro anos ou com pena superior;
c) "Grupo estruturado" - grupo formado de maneira não fortuita para a prática
imediata de uma infração, ainda que os seus membros não tenham funções
formalmente definidas, que não haja continuidade na sua composição e que não
disponha de uma estrutura elaborada;
(...)”
Os ministros Toffoli e Marco Aurélio, no entanto, entendem que não existe esse
conceito no nosso país, pelo que toda menção a esse instituto é carente de regulamentação
legal estrita.
Veja o que dizem o STJ e o STF, pela ordem:
O inciso VIII do artigo em escrutínio aponta para os crimes praticados por particular
contra a administração pública estrangeira, dos artigos 337-B, 337-C e 337-D do CP:
Parágrafo único. A pena é aumentada de 1/3 (um terço), se, em razão da vantagem
ou promessa, o funcionário público estrangeiro retarda ou omite o ato de ofício, ou
o pratica infringindo dever funcional. (Incluído pela Lei nº 10467, de 11.6.2002)
O agente pode ser processado por lavagem, mesmo que o crime antecedente não
tenha sido objeto de condenação. E mais: mesmo que aquele crime antecedente esteja
prescrito, ainda assim a condenação pela lavagem será possível. O crime de lavagem é
autônomo em relação ao antecedente. Contudo, Tigre Maia defende que, sempre que
possível, deve ser feito um processo conjunto, para evitar decisões contraditórias.
Veja que a prova do crime antecedente pode ser produzida no processo de lavagem,
e por isso há essa autonomia – que, para Callegari, é relativa, justamente por haver a
necessidade de se produzir tal prova. A denúncia do crime de lavagem deve ser instruída
com indícios do crime antecedente, os quais, para Tigre Maia, são:
O inciso II do caput do artigo 2º, supra, fala em crimes praticados em outro país.
Sobre isso, veja antes o artigo 77, II, do Estatuto do Estrangeiro, Lei 6.815/80, e o artigo 7º,
§ 2º, “b”, do CP:
“Art. 77. Não se concederá a extradição quando: (Renumerado pela Lei nº 6.964,
de 09/12/81)
(...)
II - o fato que motivar o pedido não for considerado crime no Brasil ou no Estado
requerente;
(...)”
2.9. Competência
O artigo 2º, III, da Lei dos Crimes de Lavagem, supra, trata das hipóteses em que a
competência para a persecução judicial da lavagem é federal. Note-se que há uma falsa
ideia de que toda lavagem é crime federal, induzida pela praxe, em que há quase sempre
essas circunstâncias. Mas veja que não é regra geral:
Repare que se, por qualquer razão, o primeiro crime foi julgado na justiça federal –
por conexão, por exemplo –, mesmo que ele seja essencialmente estadual, a competência da
lavagem fica atraída para a seara federal.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Questão 2
Resposta à Questão 2
A denúncia estaria correta apenas em relação a ele, mas não à mulher. Ele responde
pelo artigo 334 do CP e pela lavagem de dinheiro. Majoritariamente, entende-se que a
lavagem não é mero pós-fato impunível.
Tema X
Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional II. 1) Competência. 2) Crimes em espécie. 3) Sigilo bancário.
4) Prisão preventiva.
Notas de Aula10
A Lei 7.492/86 é a sede dos delitos chamados de crimes do colarinho branco. Antes
de passar à análise pontual desse diploma, é preciso traçar um breve escorço sobre o
Sistema Financeiro Nacional, bem jurídico extremamente caro à sociedade.
Vivemos em um sistema econômico capitalista, governado pelo princípio da livre
iniciativa. O meio econômico, por seu turno, é regido pela ciência natural da escassez: as
atividades são livremente empreendidas com a finalidade de atender a necessidades criadas
pela existência de bens escassos, em busca do lucro. O melhor sistema econômico para a
solução do problema da escassez é o capitalista, como se tem demonstrado historicamente,
pois deixa à sociedade a composição livre de seus bens: de um lado, livres fornecedores; de
outro, livres consumidores.
Dessarte, a autoregulação do mercado é um caminho natural: aquele que demanda
algo sempre quererá pagar menos, e aquele que fornece quererá receber mais, e
naturalmente a balança da oferta e demanda tendem a se equilibrar, diante dessa liberdade.
Quanto mais escasso o bem, maior seu valor, e vice-versa, quando a liberdade econômica
impera.
Com o incremento na complexidade do mercado pós-revolução industrial, fez-se
necessária a criação de entidades financeiras, cujo escopo mor é a intermediação entre um
lado e outro da balança de mercado, ou seja, fazer uma ponte entre a poupança individual e
as atividades econômicas ofertadas. O papel dessas instituições é absolutamente importante,
ante a complexa estrutura social atual, e por isso a sua gestão deve ser realizada de forma
muito cautelosa. A gestão do Sistema Financeiro Nacional é altamente regulada, e os
desvios nessa gestão são relevantes até mesmo ao direito penal, porque se o SFN se
desestabilizar, o modelo social como um todo tende a ruir.
10
Aula ministrada pelo professor José Maria de Castro Panoeiro, em 18/11/2010.
O SFN é o conjunto de órgãos, entidades e pessoas jurídicas que lidam com o fluxo
de dinheiro e títulos, incluídas aqui todas as atividades que envolvam circulação de valores
(mercado financeiro em sentido estrito, câmbio, crédito, poupança, seguros, consórcio,
capitalização, etc). É o conjunto de instituições que atuam na intermediação do crédito,
dentro do sistema capitalista.
São condições para o adequado funcionamento do SFN, dentre outras: a confiança
nas instituições; o cumprimento das regras que regem o setor (manutenção de reservas
técnicas); a transparência dos riscos; e a formação eficiente de preços e baixos custos de
transação.
O objetivo da tutela penal do sistema financeiro é bem traçado por José Paulo
Baltazar Jr., que diz que:
O bem jurídico protegido na tutela penal do SFN diz respeito à confiabilidade das
instituições, ao respeito às regras do setor, bem como ao patrimônio das próprias
instituições. É bem jurídico transindividual, que deve ser preservado para a manutenção de
toda a economia.
O Bacen, autoridade monetária maior, cuja principal função é justamente zelar pela
estabilidade o SFN, pode tomar medidas administrativas discricionárias quando perceber
que a entidade componente do SFN está oferecendo risco ao sistema. Tais são as medidas: a
liquidação extrajudicial, que leva ao encerramento das atividades; a intervenção
extrajudicial, que objetiva sanear as atividades, retornando o controle à origem, ao final, ou
procedendo à liquidação extrajudicial, se impossível sanear; ou a imposição do Raet –
Regime de Administração Especial Temporária.
“Art. 1º Considera-se instituição financeira, para efeito desta lei, a pessoa jurídica
de direito público ou privado, que tenha como atividade principal ou acessória,
cumulativamente ou não, a captação, intermediação ou aplicação de recursos
financeiros (Vetado) de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, ou a custódia,
emissão, distribuição, negociação, intermediação ou administração de valores
mobiliários.
Parágrafo único. Equipara-se à instituição financeira:
I - a pessoa jurídica que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio,
capitalização ou qualquer tipo de poupança, ou recursos de terceiros;
II - a pessoa natural que exerça quaisquer das atividades referidas neste artigo,
ainda que de forma eventual.”
“Art. 16. Fazer operar, sem a devida autorização, ou com autorização obtida
mediante declaração (Vetado) falsa, instituição financeira, inclusive de distribuição
de valores mobiliários ou de câmbio:
Pena - Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.”
1.2. Competência
“Art. 26. A ação penal, nos crimes previstos nesta lei, será promovida pelo
Ministério Público Federal, perante a Justiça Federal.
Parágrafo único. Sem prejuízo do disposto no art. 268 do Código de Processo
Penal, aprovado pelo Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, será admitida
a assistência da Comissão de Valores Mobiliários - CVM, quando o crime tiver
sido praticado no âmbito de atividade sujeita à disciplina e à fiscalização dessa
Autarquia, e do Banco Central do Brasil quando, fora daquela hipótese, houver
sido cometido na órbita de atividade sujeita à sua disciplina e fiscalização.”
“Art. 27. Quando a denúncia não for intentada no prazo legal, o ofendido poderá
representar ao Procurador-Geral da República, para que este a ofereça, designe
outro órgão do Ministério Público para oferecê-la ou determine o arquivamento
das peças de informação recebidas.”
Ocorre que a dinâmica natural, como é cediço, é que o próprio ofendido oferte
queixa subsidiária, quando da inércia do MP, e nesse caso, a lei impõe que o ofendido
representa ao chefe do MPF para que o próprio parquet intente a persecução. A questão que
surge é se essa previsão supra subsiste, face ao artigo 5°, LIX, da CRFB:
“(...)
LIX - será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for
intentada no prazo legal;
(...)”
Para Paulo José da Costa Jr., esse artigo da lei 7.492/86 não foi recepcionado pela
CRFB. Já Tigre Maia entende que o dispositivo permanece vigente, porque não é
excludente da possibilidade de queixa pelo próprio ofendido: é apenas mais uma faculdade
oferecida a esse, que pode representar ou intentar ele próprio a ação.
“Art. 30. Sem prejuízo do disposto no art. 312 do Código de Processo Penal,
aprovado pelo Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, a prisão preventiva
do acusado da prática de crime previsto nesta lei poderá ser decretada em razão da
magnitude da lesão causada (VETADO).”
“Art. 17. Tomar ou receber, qualquer das pessoas mencionadas no art. 25 desta lei,
direta ou indiretamente, empréstimo ou adiantamento, ou deferi-lo a controlador, a
administrador, a membro de conselho estatutário, aos respectivos cônjuges, aos
ascendentes ou descendentes, a parentes na linha colateral até o 2º grau,
consangüíneos ou afins, ou a sociedade cujo controle seja por ela exercido, direta
ou indiretamente, ou por qualquer dessas pessoas:
Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem:
I - em nome próprio, como controlador ou na condição de administrador da
sociedade, conceder ou receber adiantamento de honorários, remuneração, salário
ou qualquer outro pagamento, nas condições referidas neste artigo;
II - de forma disfarçada, promover a distribuição ou receber lucros de instituição
financeira.”
“Art. 25. São penalmente responsáveis, nos termos desta lei, o controlador e os
administradores de instituição financeira, assim considerados os diretores, gerentes
(Vetado).
§ 1º Equiparam-se aos administradores de instituição financeira (Vetado) o
interventor, o liqüidante ou o síndico.
§ 2º Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou co-autoria, o co-
autor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial
ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços.
(Incluído pela Lei nº 9.080, de 19.7.1995).”
Diante do artigo 25, supra, o crime de gestão fraudulenta, por exemplo, é próprio ou
é de mão própria?
Delmanto sustenta que o crime do artigo 4º, tal como qualquer outro que traduza a
ideia de gestão, é de mão própria, mas é isolado: prevalece o entendimento de que são
crimes próprios, comportando coautoria, e não apenas execução pessoal.
“Art. 16. Fazer operar, sem a devida autorização, ou com autorização obtida
mediante declaração (Vetado) falsa, instituição financeira, inclusive de distribuição
de valores mobiliários ou de câmbio:
Pena - Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.”
Esse é o crime do doleiro, como visto, aquele que realiza câmbio sem autorização.
Incorre nesse crime, por exemplo, aquele que realiza atividades de instituição
financeira, sem autorização para tanto. Mesmo que tenha havido autorização, se a perde,
não mais pode operar, sob pena de incidir nesse crime.
Não há necessidade de que haja a realização de todas as atividades de uma
instituição financeira para que o delito se configure – basta apenas uma. Veja:
A diferença entre o crime da Lei 7.492/86 e esse crime contra a economia popular
supra é que, nesse último, era preciso haver a quebra da instituição, enquanto no crime de
gestão fraudulenta basta o perigo dessa lesão. O crime de gestão fraudulenta se caracteriza
pela condução da instituição financeira, realizando uma série de expedientes fraudulentos,
com a intenção de obter vantagem ou causar prejuízo. Trata-se de um crime doloso, de
perigo concreto, no qual a conduta coloca em risco o patrimônio da instituição financeira. O
tamanho do prejuízo pode ser considerado no momento da aplicação da pena. Veja:
O gerente de uma única agência bancária poderia cometer esse delito? Veja que ele
não gere a instituição como um todo, mas apenas uma agência, pelo que Luis Flávio Gomes
entende que não há como cometer o crime, eis que não coloca a instituição em perigo.
Porém, a doutrina majoritária admite tal agente ativo, em atenção ao artigo 25 da Lei
7.492/86, que fala expressamente em gerente:
“Art. 25. São penalmente responsáveis, nos termos desta lei, o controlador e os
administradores de instituição financeira, assim considerados os diretores, gerentes
(Vetado).
§ 1º Equiparam-se aos administradores de instituição financeira (Vetado) o
interventor, o liqüidante ou o síndico.
§ 2º Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou co-autoria, o co-
autor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial
ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços.
(Incluído pela Lei nº 9.080, de 19.7.1995)”
Esse é o melhor entendimento, porque pode o gerente causar perigo a uma parcela
da instituição, mesmo que não a possa alcançar como um todo – e por isso comete o crime.
Veja:
esse delito externo. No conflito aparente de normas dentro da própria Lei 7.492/86, os
delitos dos artigos 5º, 6º, 10 e 11 são absorvidos. Veja:
“Art. 22. Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover
evasão de divisas do País:
Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, a qualquer título, promove, sem
autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver
depósitos não declarados à repartição federal competente.”
§ 3º A não observância do contido neste artigo, além das sanções penais previstas
na legislação específica, e após o devido processo legal, acarretará a perda do valor
excedente dos limites referidos no § 1º deste artigo, em favor do Tesouro Nacional.
(Vide Medida Provisória nº 320, 2006)”
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
força de entendimento já sumulado STJ (verbete nº 122), também a Justiça Federal julgará
os crimes de estelionato, praticados em conexão.
Questão 2
Resposta à Questão 2
Tema XI
Crimes nas relações de consumo. 1) Considerações gerais. 2) Delitos da Lei nº 8.078/90. 3) Delitos da Lei nº
8.137/90. 4) Aspectos controvertidos.
Notas de Aula11
“(...)
XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;
(...)”
11
Aula ministrada pela professora Cristiane Dupret Filipe, em 26/11/2010.
Havendo fato que se amolde ao artigo supra, mas também a crime constante do
CDC, qual enquadramento prevalecerá? Prepondera a Lei 8.137/90, por conta da
especialidade, além de ser posterior ao CDC.
Mas veja que o CDC, muitas vezes, fornece o complemento que supre as normas
penais em branco constantes do artigo supra: o conceito de produto impróprio para
consumo é fornecido pelo artigo 18, § 6º, do CDC, que é o complemento à norma penal em
branco homogênea heterovitelina do artigo 7º, IX, supra.
Vale ainda mencionar que o inciso IX do artigo 7º, supra, não incrimina a venda de
produtos para consumo não humano. Veja:
“HC 45796 / RR. HABEAS CORPUS. Relator Ministro GILSON DIPP Órgão
Julgador - QUINTA TURMA Data do Julgamento 18/05/2006 Data da
Publicação/Fonte DJ 12/06/2006 p. 508
Ementa CRIMINAL. HC. CRIME CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO.
TRANCAMENTO DO INQUÉRITO. LEGISLAÇÃO PROTETORA DA
ECONOMIA POPULAR. MERCADORIA NÃO DESTINADA AO CONSUMO
HUMANO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA
EVIDENCIADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO.
TRANCAMENTO DO PROCEDIMENTO INVESTIGATIVO DETERMINADO.
AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE. ILEGITIMIDADE DA AUTORIDADE
POLICIAL. ARGUMENTO PREJUDICADO. ORDEM CONCEDIDA.
Hipótese na qual o paciente está sendo investigado pela suposta prática de crime
contra as relações de consumo, pois, em tese, teria sido encontrado em seu
estabelecimento comercial 18 sacos de ração para cavalos com a data de validade
ultrapassada, os quais seriam destinados à venda.
A Exposição de Motivos n.º 88, de 28 de março de 1990, referente ao Projeto de
Lei posteriormente convertido na Lei n.º 8.137/90, que “define crimes contra a
administração tributária, de abuso de poder econômico e dá outras providências”,
motiva a criação da norma fazendo referência à legislação protetora da economia
popular. Com a tipificação das condutas descritas na Lei n.º 1.521/51, bem como
em qualquer outro Diploma Legal relativo à defesa da economia popular, como a
Lei n.º 8.137/90, por exemplo, pretende-se proteger o consumo do povo, ou seja, o
consumo do ser humano. Evidenciado que a Lei n.º 8.137/90 foi criada com a
finalidade de proteger a economia popular e realizar a efetiva defesa do
consumidor, não há possibilidade de extensão da configuração penal atribuída ao
paciente para abarcar qualquer espécie de mercadorias, senão aquelas reservadas
ao consumo humano. Deve ser trancado o inquérito policial, bem como eventual
ação penal instaurada em desfavor do paciente, diante da inequívoca atipicidade do
fato praticado.
Determinado o trancamento do procedimento investigativo instaurado em desfavor
do acusado, resta superado o argumento de ilegitimidade da Autoridade Policial
que lavrou o flagrante.
VII. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator.”
É também atípica a conduta daquele fornecedor que tem consigo bens de consumo
com validade expirada, mas não tem intenção de expô-los à venda. Veja:
“HC 43078 / MG. HABEAS CORPUS. Relatora Ministra LAURITA VAZ (1120)
Órgão Julgador - QUINTA TURMA Data do Julgamento 02/02/2006 Data da
Publicação/Fonte DJ 20/03/2006 p. 313.
Ementa: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA AS
RELAÇÕES DE CONSUMO. PLANO DE SAÚDE. INDUÇÃO DE
CONSUMIDORES A ERRO. RESPONSABILIDADE PENAL OBJETIVA.
INOCORRÊNCIA. DEVIDA DEMONSTRAÇÃO FÁTICO-PROBATÓRIA DA
RESPONSABILIDADE PENAL. PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO.
OBSERVÂNCIA. MEIO DE EXECUÇÃO. OMISSÃO. CABIMENTO.
CONTINUIDADE DELITIVA CONFIGURADA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA
CRIME DE ESTELIONATO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA
ESPECIALIZAÇÃO. 1. Devidamente demonstrada a fundamentação fática-
probatória em relação a responsabilidade penal da paciente, não cabe, na via
estreita do habeas corpus, desconstituir o entendimento das instâncias ordinárias,
para reconhecer a ocorrência de responsabilidade penal objetiva. 2. Para que exista
ofensa ao princípio da correlação, é necessário que a condenação ocorra por fato
diverso do imputado na denúncia, o que em nenhum momento foi demonstrado. 3.
O núcleo do tipo do crime do art. 7.º, inciso VII, da Lei n.º 8.137/1990, é a conduta
comissiva de induzir, que pode se realizar por qualquer meio, inclusive mediante
omissão, como na espécie, em que a sonegação de informações foi o que levou os
consumidores a erro. 4. Embora a coletividade de pessoas equipare-se ao
consumidor, quando a indução a erro se der contra vítimas indetermináveis,
prejudicando as relações de consumo, não há como se trilhar o caminho inverso,
para indeterminar vítimas certas e afastar a configuração de vários crimes,
entendendo inaplicável a continuidade delitiva aos crimes contra o consumidor. 5.
Impossível a desclassificação da conduta dos pacientes para o crime de estelionato
em razão do princípio da especialidade, que determina que a aplicação da lei
especial preponderará sobre a lei geral. 6. Writ denegado.”
Dito isso, passemos à análise pontual dos crimes previstos em cada diploma.
2. Delitos em espécie
O artigo 7º, II, da Lei 8.137/90 traz previsão bastante similar, ao dizer que é crime
contra a relação de consumo “vender ou expor à venda mercadoria cuja embalagem, tipo,
2.2. Omissão de advertência sobre perigos descobertos após introdução do item no mercado
O crime é específico para a conduta daquele que não tinha ciência da nocividade ou
periculosidade do bem de consumo quando da colocação no mercado, mas teve essa ciência
posteriormente, e não advertiu a quem deveria advertir.
O tipo penal é misto cumulativo, porque deixar de comunicar ao consumidor é um
fato criminoso, e, deixando de comunicar também à autoridade, incide em mais um fato
criminoso – podendo incidir cumulativamente nas duas tipificações.
A comunicação à autoridade é feita por correspondência expressa; aos
consumidores, a comunicação deve ser feita por ampla divulgação em meios de
comunicação, mas se for possível a comunicação particularizada a cada consumidor, essa
também deve ser feita, além da divulgação ampla.
No parágrafo, está subsumida a conduta daquele que, tendo a si determinada a
retirada do mercado dos bens de consumo em questão, deixa de fazê-lo imediatamente.
Esse termo “imediatamente” deve ser interpretado com razoabilidade, sendo necessária a
análise da possibilidade de retirada na casuística, devendo ser lido como “no menor tempo
possível”.
O crime do artigo 64 é próprio, de mera conduta, é omissivo próprio, e inadmite
tentativa.
Parágrafo único. As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das
correspondentes à lesão corporal e à morte.”
“Art. 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre
a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho,
durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços:
Pena - Detenção de três meses a um ano e multa.
§ 1º Incorrerá nas mesmas penas quem patrocinar a oferta.
§ 2º Se o crime é culposo;
Pena Detenção de um a seis meses ou multa.”
As condutas aqui previstas são açambarcadas pelo artigo 7º, VII, da Lei 8.137/90,
que diz que é crime “induzir o consumidor ou usuário a erro, por via de indicação ou
afirmação falsa ou enganosa sobre a natureza, qualidade do bem ou serviço, utilizando-se
de qualquer meio, inclusive a veiculação ou divulgação publicitária”, e que prevalece, a não
ser no que se refere a serviços – eis que essa lei não os menciona – e no que se refere à
omissão, porque também não prevista essa conduta omissiva na lei especial. Nesses casos
aplica-se o artigo supra do CDC.
Se as condutas descritas forem praticadas por inserção da falsidade na embalagem,
o crime passa a ser o do artigo 7º, II, da Lei 8.137/90, já abordado.
Esse crime, como a maioria dos crimes aqui traçados, é próprio, e é formal.
“Art. 67. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa
ou abusiva:
Pena Detenção de três meses a um ano e multa.
Parágrafo único. (Vetado).”
“Art. 68. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser capaz de
induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua saúde
ou segurança:
Pena - Detenção de seis meses a dois anos e multa:
Parágrafo único. (Vetado).”
Esse crime também admite dolo direto e dolo eventual, como se vê.
Esse delito é considerado, por parte da doutrina, como um delito de intenção, com a
especial finalidade de agir estando expressa na alteração do comportamento do consumidor.
O dolo natural é o de fazer ou promover a publicidade perigosa, e o dolo especial é o de
alterar o comportamento do consumidor.
“Art. 69. Deixar de organizar dados fáticos, técnicos e científicos que dão base à
publicidade:
Pena Detenção de um a seis meses ou multa.”
O objetivo desse tipo penal é proteger a lisura das práticas publicitárias. É um crime
próprio daquele que detém o controle dos meios de publicidade. Não é crime da agência
publicitária ou veículo, e sim daquele que oferece os dados para a produção da publicidade
– o fornecedor.
É claro que quando o produto usado utilizado for autorizado pelo consumidor, não
há o crime. A doutrina também diz que, se não há prejuízo no emprego do item usado, não
há crime: se o fornecedor emprega bem usado, mas cobra por ele o valor correspondente a
um bem usado, não há avilte a bem jurídico algum.
O crime, aqui, é próprio do fornecedor, e é material, justamente por ser necessária a
causação do prejuízo.
Esse crime é próprio, e permite que haja o concurso de crimes entre esse tipo supra
e os artigos 146 a 148 do CP, sem que haja bis in idem:
“Constrangimento ilegal
Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de
lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não
fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
Aumento de pena
§ 1º - As penas aplicam-se cumulativamente e em dobro, quando, para a execução
do crime, se reúnem mais de três pessoas, ou há emprego de armas.
§ 2º - Além das penas cominadas, aplicam-se as correspondentes à violência.
§ 3º - Não se compreendem na disposição deste artigo:
I - a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu
representante legal, se justificada por iminente perigo de vida;
II - a coação exercida para impedir suicídio.”
“Ameaça
Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio
simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único - Somente se procede mediante representação.”
Não há bis in idem no concurso de crimes, aqui, porque o emprego dos crimes supra
como meio não é necessário para o fim do artigo 71 do CDC, e se houver o emprego, há
duplo crime. Um exemplo claro é a detenção de um paciente, em um hospital, para
pagamento da conta. No julgado abaixo, por exemplo, poderia ter sido imputada essa dupla
punição, não tendo assim restado a tipificação concorrente porque o tempo de constrição
não foi juridicamente relevante:
Essa conduta é própria do detentor do banco de dados, quem quer que seja. Note-se
que é a pessoa que cria o óbice quem responde, e não o titular do banco de dados, pois seria
caso de responsabilidade penal objetiva, inadmissível.
O termo “imediatamente” deve ser lido como “o mais rápido possível”, por medida
de razoabilidade. É também um crime próprio de quem possa fazer tl retificação, e é crime
formal.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Questão 2
CDC. Em relação à conduta prevista no art. 7º, IX, da Lei 8.137/90, aduz que a prova
coligida é insuficiente a um decreto condenatório, asseverando que não há prova de que as
mercadorias mofadas e com prazo vencido eram utilizadas como matéria-prima, nem de
que eram expostas à venda. Entretanto, JOAQUIM não faz prova alguma do que alega.
O MP interpôs contra-razões requerendo a manutenção da sentença. Entretanto, o
Procurador de Justiça, em seu parecer, pede o provimento parcial para absolver
JOAQUIM do delito do art. 66 da Lei 8.078/90.
A quem assiste razão? Fundamente.
Resposta à Questão 2
Questão 3
Você, Magistrado, ao sentenciar, manteria a classificação feita pelo MP? Por quê?
Resposta à Questão 3
Tema XII
Crimes Hediondos. 1) Considerações gerais: definição e evolução histórica. Contornos gerais. 2) Os crimes
hediondos e assemelhados. a) Bem jurídico tutelado. Sujeitos do delito. Tipicidades objetiva e subjetiva;b)
Análise dos artigos 1º; a 10 da Lei 8.072/90.c) Os crimes de estupro e atentado violento ao pudor:
caracterização como hediondos de acordo com a jurisprudência. 3) Aspectos controvertidos.
Notas de Aula12
12
Aula ministrada pelo professor José Maria de Castro Panoeiro, em 19/11/2010.
§ 1º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime
fechado. (Redação dada pela Lei nº 11.464, de 2007)
§ 2º A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste
artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for
primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente. (Redação dada pela Lei nº 11.464,
de 2007)
§ 3º Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o
réu poderá apelar em liberdade. (Redação dada pela Lei nº 11.464, de 2007)
§ 4º A prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei no 7.960, de 21 de dezembro
de 1989, nos crimes previstos neste artigo, terá o prazo de 30 (trinta) dias,
prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.
(Incluído pela Lei nº 11.464, de 2007)”
O homicídio simples não será hediondo, sendo inútil a menção àquele praticado por
grupo de extermínio, porque é caso de homicídio qualificado por motivo torpe, caindo na
regra geral do homicídio qualificado.
Casos Concretos
Questão 1
CARLOS foi denunciado por crime do artigo 213, caput, do Código Penal, restando
absolvido, com fundamento no artigo 386, do Código de Processo Penal.
Inconformado, o representante do Ministério Público interpôs apelação, onde sustentou,
em síntese, que havia provas suficientes para a condenação do réu.
A egrégia 3ª Câmara Criminal do Estado do Paraná deu provimento ao recurso
para condenar o réu como incurso nas penas do artigo 213 do Código Penal, impondo-lhe
a pena de 6 anos de reclusão, em regime fechado. Proclamou-se no acórdão o
entendimento de que o crime de estupro somente pode ser considerado hediondo quando
ocorrer lesão corporal de natureza grave ou morte.
Irresignado, o Ministério Público Estadual interpôs recurso especial, com
fundamento nas alíneas a e c do Permissivo Constitucional, alegando ter o V. aresto, além
de ensejar divergência jurisprudencial, violados os artigos 1º e 2º, § 1º da Lei de Crimes
Hediondos, ao fixar o regime semi-aberto como o de cumprimento inicial da pena imposta.
Verberou ser desnecessária a ocorrência de violência ou grave ameaça para que o
atentado violento ao pudor ou estupro sejam considerados hediondos.
O douto Procurador de Justiça, em parecer, opinou pelo provimento do recurso,
sustentando a tese de que o estupro e o atentado violento ao pudor, em qualquer das suas
formas, foram incluídos no rol dos crimes hediondos.
Indaga-se:
a) Assiste razão ao Ministério Público ou à Defesa?
b) Se fosse crime de atentado violento ao pudor cometido contra menor de 14 anos
e resultando lesão corporal grave, a hipótese seria idêntica?
c) Se fosse crime em que resultasse lesão grave, praticado por militar em serviço,
existiria a mesma discussão?
Resposta à Questão 1
a) Atualmente existem duas posições sobre o assunto. Aqueles que sustentam que os
artigos 213 e 214 em qualquer de suas formas são crimes hediondos, como outros que
sustentam que somente será hediondo se da violência resultar lesão grave ou morte.
Recentemente vários acórdãos do STF e do TJRJ, vem decidindo desta segunda maneira.
Debater o assunto, sendo que o acórdão do STJ sobre esta questão específica, entendia que
não existia crime hediondo. Falar sobre a ação penal do 213 e 214 c/c 223 e sem a
combinação. Falar sobre ser hediondo crime de ação penal privada. Falar sobre a súmula
608 do STF.
b) A hipótese não seria idêntica, pois pouco importa a idade da vítima se resultou
lesão grave ou morte. Resultando, art. 223 do CP, não há que se falar em art. 224, CP.
c) Neste caso a discussão seria outra, pois crime de estupro do CPM não é
considerado crime hediondo. Falar sobre o assunto.
Tema XIII
A criança e o adolescente como autores de atos infracionais. 1) A criança e o adolescente como autores de
atos infracionais. 2) Procedimentos. 3) Aspectos controvertidos.
Notas de Aula13
Criança, para o direito, é aquela pessoa de até doze anos incompletos, e adolescente,
aquela que tem entre doze anos completos e dezoito anos incompletos. Veja o artigo 2º do
ECA:
“Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de
idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.
Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este
Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.”
Com base no artigo supra, ambos, criança e adolescente, podem receber medidas
protetivas, justamente por estarem em condição de risco.
Ocorre que para o adolescente, o artigo 112 do ECA, no entanto, traz medidas
socioeducativas, e não meramente protetivas. Veja:
13
Aula ministrada pela professora Cristiane Dupret Filipe, em 22/11/2010.
IV - liberdade assistida;
V - inserção em regime de semi-liberdade;
VI - internação em estabelecimento educacional;
VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
§ 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de
cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração.
§ 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de
trabalho forçado.
§ 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão
tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.”
Hoje, os adolescentes que praticam ato infracional não são mais denominados de
“infratores”: são considerados adolescentes em conflito com a lei, nomenclatura essa que as
Cortes Superiores têm adotado justamente por essa peculiar situação de risco em que se
encontram, mesmo que por atos próprios.
Há quatro pontos que diferenciam as medidas protetivas das medidas
socioeducativas: os respectivos destinatários, eis que a protetiva se dirige a crianças e
adolescentes, enquanto a socioeducativa se dirige apenas aos adolescentes; as hipóteses de
cabimento; o seu rol; e a autoridade competente para sua aplicação.
As medidas do artigo 112, supra, são aplicáveis apenas aos adolescentes, como dito,
e as protetivas, aplicáveis também às crianças, estão no rol do artigo 101 do ECA:
“Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade
competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:
I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;
II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III - matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino
fundamental;
IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e
ao adolescente;
V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime
hospitalar ou ambulatorial;
VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e
tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
VII - acolhimento institucional; (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009)
VIII - inclusão em programa de acolhimento familiar; (Redação dada pela Lei nº
12.010, de 2009)
IX - colocação em família substituta. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)
§ 1º O acolhimento institucional e o acolhimento familiar são medidas provisórias
e excepcionais, utilizáveis como forma de transição para reintegração familiar ou,
não sendo esta possível, para colocação em família substituta, não implicando
privação de liberdade. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)
§ 2º Sem prejuízo da tomada de medidas emergenciais para proteção de vítimas de
violência ou abuso sexual e das providências a que alude o art. 130 desta Lei, o
afastamento da criança ou adolescente do convívio familiar é de competência
exclusiva da autoridade judiciária e importará na deflagração, a pedido do
Ministério Público ou de quem tenha legítimo interesse, de procedimento judicial
contencioso, no qual se garanta aos pais ou ao responsável legal o exercício do
contraditório e da ampla defesa.(Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)
§ 3º Crianças e adolescentes somente poderão ser encaminhados às instituições
que executam programas de acolhimento institucional, governamentais ou não, por
meio de uma Guia de Acolhimento, expedida pela autoridade judiciária, na qual
obrigatoriamente constará, dentre outros: (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)
Mas repare que as medidas dos incisos VIII e IX do artigo 101 do ECA, inclusão
em programa de acolhimento familiar e colocação em família substituta, não são de
competência do Conselho : somente a Justiça da Infância e Juventude pode aplicar tais
medidas, na forma do artigo 148, III, e parágrafo único, “a”:
Os atos infracionais correspondem a injustos penais, pois são típicos e ilícitos, mas
não são culpáveis, por conta da idade daquele que o comete, critério biológico puro
Para definir o momento da prática do ato infracional, adota-se a mesma tese usada
para o tempo do crime, a teoria da atividade, reprisada no artigo 104 do ECA, supra.
1.1. Prescrição
quatro anos. E veja que mesmo que já haja sentença determinando internação esse será o
prazo, porque a medida é imposta por prazo indeterminado, valendo para o cálculo o
máximo abstrato, qual seja, os três anos14.
Houve um julgado recente bastante coerente que alterou um pouco essa lógica: no
caso, o ato infracional era análogo ao crime de ameaça do CP. Se fosse um adulto, portanto,
sendo julgado pelo crime de ameaça, a prescrição correria em três anos, porque a pena é de
máximo de seis meses, ou seja, para o adulto correria em menos tempo do que para o
adolescente, o que não é admissível:
“Ameaça
Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio
simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único - Somente se procede mediante representação.”
“Art. 106. Nenhum adolescente será privado de sua liberdade senão em flagrante
de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária
competente.
Parágrafo único. O adolescente tem direito à identificação dos responsáveis pela
sua apreensão, devendo ser informado acerca de seus direitos.”
14
Há uma segunda corrente, extremamente defensiva, e minoritária, que desenvolve outro raciocínio ao
dispor, o artigo 121, § 2º, do ECA, que a medida de internação não conta com prazo determinado (somente o
máximo possível de três anos), mas que a cada seis meses seja reavaliada, essa corrente defende que a
prescrição se dá pela aplicação desse prazo de seis meses ao artigo 109 do CP, que alcançará, hoje, o patamar
de três anos (inciso VI deste artigo 109), reduzido à metade pela menoridade de vinte e um anos, na forma do
artigo 115 do CP. Como o prazo de seis meses é o máximo que pode ser imposto em eventual sentença, este
deve ser o lançado no artigo 109, supra, e por isso seria de três anos, reduzindo-se a um ano e meio.
outro órgão, delegacia ou juízo, pois a privação da liberdade do adolescente só pode se dar
em duas situações: apreensão em flagrante ou ordem judicial. Veja os artigos 171 do ECA:
“Art. 171. O adolescente apreendido por força de ordem judicial será, desde logo,
encaminhado à autoridade judiciária.”
Se o ato infracional for praticado com violência ou grave ameaça, o delegado, então,
lavrará o auto de apreensão por ato infracional, o AAAI, nos moldes de um APF comum. Se
se tratar de ato infracional sem violência ou ameaça, lavrará o termo circunstanciado (se
não preferir o AAAI, como faculta o parágrafo único do artigo 173, supra).
Lavrado AAAI ou termo circunstanciado, não significa que o adolescente será
mantido em apreensão. A regra é que seja liberado, entregue aos responsáveis, mediante
termo de compromisso de comparecer com o menor ao MP, imediatamente ou no máximo
no próximo dia útil – pois sem esse comparecimento a fase ministerial não poderá ter
início. O artigo 174 do ECA traça procedimentos para a entrega do menor ou para a
situação e que haja real necessidade de manutenção do menor em apreensão:
“Art. 108. A internação, antes da sentença, pode ser determinada pelo prazo
máximo de quarenta e cinco dias.
Parágrafo único. A decisão deverá ser fundamentada e basear-se em indícios
suficientes de autoria e materialidade, demonstrada a necessidade imperiosa da
medida.”
Dessarte, essa internação provisória é excepcional, como se vê, mesmo nos casos de
lavratura do AAAI. Veja uma peculiaridade, porém: no tráfico, por exemplo, que não tem
violência ou ameaça, a regra é que não haja internação provisória. Contudo, o STJ tem
entendido que se o tráfico for o quarto ato infracional grave praticado pelo mesmo
adolescente, a internação provisória será possível, porque se encarta, tal situação, no artigo
122, II, do ECA:
“HC 62763 / SP. HABEAS CORPUS. Relatora Ministra LAURITA VAZ. Órgão
Julgador - QUINTA TURMA. Data do Julgamento 13/03/2007. Data da
Publicação/Fonte DJ 16/04/2007 p. 220.
Ementa: HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE. ATO INFRACIONAL ANÁLOGO AO TRÁFICO ILÍCITO DE
ENTORPECENTES. MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA DE INTERNAÇÃO
PROVISÓRIA ESTABELECIDA EM RAZÃO DA REITERAÇÃO DE
INFRAÇÕES GRAVES. ART. 122, INCISO II, DO ECA. AUSÊNCIA DE
CONSTRANGIMENTO ILEGAL. PRECEDENTES DO STJ.
“Art. 178. O adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional não poderá
ser conduzido ou transportado em compartimento fechado de veículo policial, em
condições atentatórias à sua dignidade, ou que impliquem risco à sua integridade
física ou mental, sob pena de responsabilidade.”
“Art. 146. A autoridade a que se refere esta Lei é o Juiz da Infância e da Juventude,
ou o juiz que exerce essa função, na forma da lei de organização judiciária local.”
O artigo 147, supra, traz a regra geral de que a competência será determinada pelo
local de domicílio dos pais ou responsáveis, ou onde se encontre o adolescente, mas com
exceção das práticas de atos infracionais, que serão sempre de competência do juízo do
local em que forem praticados. Em razão dessa matéria, ato infracional, o juízo é sempre o
da infância e da juventude, mesmo em comarcas em que haja vara única – quando o juízo
atua na função de infância e juventude.
Recebida a representação, o procedimento judicial se divide, basicamente, em duas
audiências: a de apresentação e a audiência em continuação.
O artigo 182 do ECA diz que se procederá à audiência de apresentação do
adolescente ao juízo, na forma do artigo 184 do Estatuto:
“Art. 182. Se, por qualquer razão, o representante do Ministério Público não
promover o arquivamento ou conceder a remissão, oferecerá representação à
autoridade judiciária, propondo a instauração de procedimento para aplicação da
medida sócio-educativa que se afigurar a mais adequada.
§ 1º A representação será oferecida por petição, que conterá o breve resumo dos
fatos e a classificação do ato infracional e, quando necessário, o rol de
testemunhas, podendo ser deduzida oralmente, em sessão diária instalada pela
autoridade judiciária.
§ 2º A representação independe de prova pré-constituída da autoria e
materialidade.”
“Art. 189. A autoridade judiciária não aplicará qualquer medida, desde que
reconheça na sentença:
I - estar provada a inexistência do fato;
II - não haver prova da existência do fato;
III - não constituir o fato ato infracional;
IV - não existir prova de ter o adolescente concorrido para o ato infracional.
Parágrafo único. Na hipótese deste artigo, estando o adolescente internado, será
imediatamente colocado em liberdade.”
Da sentença cabe apelação, emprazo único de dez dias, a qual conta com peculiar
juízo de retratação, na forma do artigo 198 do ECA:
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
“Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele
responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios
suficientes.
Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser eqüitativa, não
terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem.”
Questão 2
Resposta à Questão 2
Tema XIV
A criança e o adolescente como vítimas de crimes. 1) A criança e o adolescente como vítimas de crimes
tipificados na Lei 8.069/90. 2) Crimes sexuais praticados contra vulneráveis. 3) Aspectos controvertidos.
Notas de Aula15
O ECA prevê uma série de delitos, e todos eles são de persecução em ação penal
pública incondicionada.
Os crimes do ECA são divididos em relação ao bem jurídico tutelado. A tutela da
saúde vem nos artigos 228 e 229; a tutela da liberdade, do respeito e da dignidade, nos
artigos 230 a 236; a tutela da família, nos artigos 237 a 239; a tutela da liberdade sexual,
dos artigos 240 a 241-E; a tutela da prevenção especial vem nos artigos 243 e 244. E há
ainda uma nova modalidade, que escapa das categorias anteriores, que é a corrupção de
menores, inserida no artigo 244-B. Vejamos os crimes separados por categoria de bem
jurídico.
Esses são os únicos tipos penais do ECA que admitem a modalidade culposa. Esses
dispositivos incriminam a desobediência ao artigo 10 do ECA, que diz que:
Repare-se, porém, que o inciso V do artigo supra não está abrangido pelos crimes
em análise, ou seja, descumprir o inciso V do artigo supra não gera imputação penal para os
agentes, como gera o descumprimento dos incisos I a IV.
Os crimes dos artigos 228 e 229 do ECA são próprios, demandando a especial
qualidade do agente ativo ali mencionada.
O ECA tutela penalmente esses bens jurídicos nos artigos 230 a 236, sendo que o
artigo 233 foi revogado pela Lei de Tortura. Veja:
“Art. 234. Deixar a autoridade competente, sem justa causa, de ordenar a imediata
liberação de criança ou adolescente, tão logo tenha conhecimento da ilegalidade da
apreensão:
Pena - detenção de seis meses a dois anos.”
(...)”
“Maus-tratos
Art. 136 - Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda
ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-
a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho
excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina:
Pena - detenção, de dois meses a um ano, ou multa.
§ 1º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena - reclusão, de um a quatro anos.
§ 2º - Se resulta a morte:
Pena - reclusão, de quatro a doze anos.
§ 3º - Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor
de 14 (catorze) anos. (Incluído pela Lei nº 8.069, de 1990)”
O crime do artigo 235 do ECA é outro que substitui crime de abuso de autoridade,
por ser especial. Os prazos do ECA que geralmente levam à incidência desse artigo são os
“Art. 237. Subtrair criança ou adolescente ao poder de quem o tem sob sua guarda
em virtude de lei ou ordem judicial, com o fim de colocação em lar substituto:
Pena - reclusão de dois a seis anos, e multa.”
“Subtração de incapazes
Art. 249 - Subtrair menor de dezoito anos ou interdito ao poder de quem o tem sob
sua guarda em virtude de lei ou de ordem judicial:
Pena - detenção, de dois meses a dois anos, se o fato não constitui elemento de
outro crime.
§ 1º - O fato de ser o agente pai ou tutor do menor ou curador do interdito não o
exime de pena, se destituído ou temporariamente privado do pátrio poder, tutela,
curatela ou guarda.
§ 2º - No caso de restituição do menor ou do interdito, se este não sofreu maus-
tratos ou privações, o juiz pode deixar de aplicar pena.”
O artigo 238 do ECA, por sua vez, é um crime de atentado, descabendo tentativa,
porque a mera promessa de entrega já consuma o delito.
O artigo 239 do ECA trata da facilitação de tráfico internacional de criança ou
adolescente. A criança e o adolescente só podem deixar o território nacional da forma
correta, ou seja, com autorização para viajar só, ou na companhia dos pais. Desrespeitar
estas normas é o crime em tela.
Veja que há duas formas de se cometer esse delito: ou o faz com intuito de lucro,
quando então, mesmo se todas as formalidades legais existentes para a remessa do menor
forem observadas, haverá o crime; ou não observando-se as formalidades legais, haja
intuito lucrativo ou não.
O crime é comum, podendo qualquer pessoa incidir tanto na conduta principal, de
promoção da efetivação do ato destinado ao envio irregular do menor, quanto no auxílio à
efetivação deste ato. Aqui se insere, por exemplo, pessoa que dirige um automóvel levando
a criança para fora do território nacional, bem como aquele que auxilia este motorista,
emprestando-lhe o carro.
A competência para esta infração penal é da justiça federal.
“Art. 240. Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer
meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente:
(Redação dada pela Lei nº 11.829, de 2008)
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº
11.829, de 2008)
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem agencia, facilita, recruta, coage, ou de
qualquer modo intermedeia a participação de criança ou adolescente nas cenas
referidas no caput deste artigo, ou ainda quem com esses contracena. (Redação
dada pela Lei nº 11.829, de 2008)
§ 2º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se o agente comete o crime: (Redação
dada pela Lei nº 11.829, de 2008)
I – no exercício de cargo ou função pública ou a pretexto de exercê-la; (Redação
dada pela Lei nº 11.829, de 2008)
II – prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade; ou
(Redação dada pela Lei nº 11.829, de 2008)
III – prevalecendo-se de relações de parentesco consangüíneo ou afim até o
terceiro grau, ou por adoção, de tutor, curador, preceptor, empregador da vítima ou
de quem, a qualquer outro título, tenha autoridade sobre ela, ou com seu
consentimento. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)”
“Art. 241. Vender ou expor à venda fotografia, vídeo ou outro registro que
contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou
adolescente: (Redação dada pela Lei nº 11.829, de 2008)
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº
11.829, de 2008)”
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem: (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)
I – assegura os meios ou serviços para o armazenamento das fotografias, cenas ou
imagens de que trata o caput deste artigo; (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)
II – assegura, por qualquer meio, o acesso por rede de computadores às fotografias,
cenas ou imagens de que trata o caput deste artigo.(Incluído pela Lei nº 11.829, de
2008)
§ 2º As condutas tipificadas nos incisos I e II do § 1o deste artigo são puníveis
quando o responsável legal pela prestação do serviço, oficialmente notificado,
deixa de desabilitar o acesso ao conteúdo ilícito de que trata o caput deste artigo.
(Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)”
“Art. 241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo
ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica
envolvendo criança ou adolescente: (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 11.829,
de 2008)
§ 1º A pena é diminuída de 1 (um) a 2/3 (dois terços) se de pequena quantidade o
material a que se refere o caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)
§ 2º Não há crime se a posse ou o armazenamento tem a finalidade de comunicar
às autoridades competentes a ocorrência das condutas descritas nos arts. 240, 241,
241-A e 241-C desta Lei, quando a comunicação for feita por: (Incluído pela Lei nº
11.829, de 2008)
I – agente público no exercício de suas funções; (Incluído pela Lei nº 11.829, de
2008)
II – membro de entidade, legalmente constituída, que inclua, entre suas finalidades
institucionais, o recebimento, o processamento e o encaminhamento de notícia dos
crimes referidos neste parágrafo; (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)
III – representante legal e funcionários responsáveis de provedor de acesso ou
serviço prestado por meio de rede de computadores, até o recebimento do material
relativo à notícia feita à autoridade policial, ao Ministério Público ou ao Poder
Judiciário. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)
§ 3º As pessoas referidas no § 2º deste artigo deverão manter sob sigilo o material
ilícito referido. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)”
II – pratica as condutas descritas no caput deste artigo com o fim de induzir criança
a se exibir de forma pornográfica ou sexualmente explícita. (Incluído pela Lei nº
11.829, de 2008)”
“Art. 241-E. Para efeito dos crimes previstos nesta Lei, a expressão “cena de sexo
explícito ou pornográfica” compreende qualquer situação que envolva criança ou
adolescente em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição dos
órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais.
(Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)”
Comecemos a análise por um problema, que diz respeito às redações originais dos
artigos 240 e 241 do ECA, hoje revogadas pela redação acima transcrita::
Quando os artigos 240 e 241 vieram ao ordenamento, não existia a internet com a
difusão que hoje existe, e, quando essa veio a ter o impacto que tem, surgiu a questão:
aquelas condutas dali, daqueles dois artigos, quando praticadas por via da internet, seriam
típicas?
Duas correntes se formaram. A primeira entendia que não, pois quando criado o
artigo, essa mídia inexistia. A segunda corrente entendia que sim, porque a inovação do
meio de cometimento não prejudica aa tipificação – seria como se alguém inventasse nova
forma de matar, e por isso não ser enquadrado no homicídio. Ademais, dizia essa corrente,
o verbo “publicar” já açambarcaria as condutas cibernéticas.
Prevaleceu a segunda corrente, por óbvio, e ocorreram muitas incriminações pelos
delitos em tela.
Em 2003, como se vê, o legislador alterou a norma, fazendo constar a seguinte
expressão no artigo 241: “inclusive rede mundial de computadores ou internet”. A tese que
imediatamente tomou corpo, quando isso ocorreu, foi a de que se foi necessária a inserção
dessa expressão no tipo, é porque antes dessa alteração legislativa tal conduta não era
criminosa, ou seja, praticar tais atos pela internet era atípico. Infelizmente, essa tese teve
acatamento, porque é de fato juridicamente correta, e todos os perseguidos antes de 2003
por crimes do ECA praticados na internet foram liberados.
Finalmente, em 2008, a alteração foi salutar. A Lei 11.829/08 conseguiu prever nos
artigos em análise absolutamente todas as formas de pornografia envolvendo crianças e
adolescentes. E a lei é bastante rigorosa: até mesmo aquele que armazena imagens
pornográficas de crianças ou adolescentes para denunciar à autoridade comete o crime,
porque essa prerrogativa de armazenagem para persecução não assiste a qualquer um, e só
exclui a ilicitude de três figuras, na forma do artigo 241-B, § 2º: do agente público no
exercício e suas funções; do membro de entidade, legalmente constituída, que inclua, entre
suas finalidades institucionais, o recebimento, o processamento e o encaminhamento de
notícia dos crimes em questão; e do representante legal e funcionários responsáveis de
provedor de acesso ou serviço prestado por meio de rede de computadores, até o
recebimento do material relativo à notícia feita à autoridade policial, ao Ministério Público
ou ao Poder Judiciário.
As vítimas dos crimes desse tópico são as crianças ou adolescentes, à exceção do
crime do artigo 241-D, que se refere unicamente à criança.
Um problema concreto da lei, nesses crimes de pornografia, é a criação, pelo
legislador, de tipos penais em branco que não seriam necessários, o que levou à exclusão da
tipicidade de algumas condutas que certamente o legislador desejaria incriminar. Um
exemplo é o seguinte fato: fotografar, apenas, criança em pose sensual. Essa conduta é
atípica, simplesmente por não se enquadrar no complemento legal dos tipos penais em
branco, oferecido no artigo 241-E, supra.
Andaria bem melhor o legislador se deixasse os tipos penais do ECA, desse tópico,
na categoria dos tipos penais abertos, deixando ao juiz valorar, no caso concreto, o que é ou
não “cena de sexo explícito ou pornográfico”. Ao transformá-los em tipos penais em branco
homogêneos homovitelinos.
Os delitos desse tomo, que sempre foram de tendência (em que o especial fim de
agir existe, mas apenas implicitamente), hoje são crimes de intenção, porque o elemento
subjetivo especial está expresso nos dispositivos, pelo complemento do artigo 241-E: “para
fins primordialmente sexuais”.
A análise desses dispositivos, hoje, deve ser feita em leitura concomitante com o CP,
no que diz respeito à nova ordenação dos crimes contra a dignidade sexual. Primeiro
problema a ser enfrentado é a questão da ação penal de crimes contra a dignidade sexual.
Antes da reforma, a regra nestes crimes era a ação penal privada, com exceções
pontuais, na forma do artigo 225 do CP. Hoje, este artigo reformado alterou esta regra,
colocando a ação penal pública condicionada como regra, e excepcionalmente a pública
incondicionada. Veja:
“Art. 225 - Nos crimes definidos nos capítulos anteriores, somente se procede
mediante queixa.
§ 1º - Procede-se, entretanto, mediante ação pública:
I - se a vítima ou seus pais não podem prover às despesas do processo, sem privar-
se de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família;
II - se o crime é cometido com abuso do pátrio poder, ou da qualidade de padrasto,
tutor ou curador.
§ 2º - No caso do nº I do parágrafo anterior, a ação do Ministério Público depende
de representação.”
“Ação penal
Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se
mediante ação penal pública condicionada à representação. (Redação dada pela Lei
nº 12.015, de 2009)
Parágrafo único. Procede-se, entretanto, mediante ação penal pública
incondicionada se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável.
(Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009).”
Os casos em que a ação era pública incondicionada – inciso II do artigo 225 antes
da reforma –, precisam, portanto, de colheita de representação, hoje, inclusive naqueles
feitos que estão em curso.
No que pertine às crianças e adolescente, a prática de atos sexuais ou libidinosos,
mesmo com consentimento, é estupro de vulnerável, quando esse tiver menos de quatorze
anos, na forma do artigo 217-A:
“Corrupção de menores
Art. 218 - Corromper ou facilitar a corrupção de pessoa maior de 14 (catorze) e
menor de 18 (dezoito) anos, com ela praticando ato de libidinagem, ou induzindo-a
a praticá-lo ou presenciá-lo:
Pena - reclusão, de um a quatro anos.”
O artigo supra é idêntico ao artigo 227 do CP, com a única diferença quanto à idade:
a partir de quatorze anos, aplica-se o 227; abaixo de quatorze, o artigo 218.
Visto tudo isso, pode-se concluir que antes da alteração do CP, o adulto que
praticava sexo consensual com menor de dezoito e maior de quatorze anos era incriminado
na corrupção de menores, do artigo 218 do CP. Hoje, sua conduta é atípica, tendo ocorrido
abolitio criminis. Ocorre que há uma peculiaridade: se o adolescente, entre quatorze e
dezoito, já se encontrar em situação de exploração, o adulto que com ele pratica sexo,
mesmo consensual, estará incurso no artigo 218-B, § 2º, I, do CP:
“Art. 244-A. Submeter criança ou adolescente, como tais definidos no caput do art.
2º desta Lei, à prostituição ou à exploração sexual: (Incluído pela Lei nº 9.975, de
23.6.2000)
Pena - reclusão de quatro a dez anos, e multa.
§ 1º Incorrem nas mesmas penas o proprietário, o gerente ou o responsável pelo
local em que se verifique a submissão de criança ou adolescente às práticas
referidas no caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 9.975, de 23.6.2000)
§ 2º Constitui efeito obrigatório da condenação a cassação da licença de
localização e de funcionamento do estabelecimento. (Incluído pela Lei nº 9.975, de
23.6.2000)”
Ainda, esse artigo 218-B do CP tipificou a conduta daquele que é cliente, mesmo
que eventual, de um adolescente que está prostituído, o que antes era atípico.
Uma absoluta falha legal precisa ser apontada, aqui: o legislador permitiu uma
lacuna inaceitável. Veja: aquele que pratica sexo ou ato libidinoso, mesmo que
Antes, essa conduta era tipificada na Lei 2.252/54, totalmente revogada pela Lei
12.015/09, que trouxe a tipificação para o artigo supra:
“Art 1º Constitui crime, punido com a pena de reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos
e multa de Cr$1.000,00 (mil cruzeiros) a Cr$10.000,00 (dez mil cruzeiros),
corromper ou facilitar a corrupção de pessoa menor de 18 (dezoito) anos, com ela
praticando, infração penal ou induzindo-a a praticá-la.”
Repare que o artigo 81, II, supra, veda bebidas alcoólicas, mas o artigo 243, para o
STJ, não alcança aquele que fornece bebida alcoólica a menor: o STJ é restritivo,
entendendo que só se refere, o artigo 243 do ECA, aos produtos do inciso III do artigo 81
supra, e desde que não se trate de drogas, porque se assim o for há o crime de tráfico.
Para o artigo 243 do ECA, portanto, segundo o STJ, restam as substâncias que
possam causar dependência, mas que não estejam no rol da Anvisa categorizadas como
drogas. O fornecimento de bebida alcoólica escapa do tipo, restando punido apenas como
contravenção penal, do artigo 63 da Lei de Contravenções Penais, DL 3.688/41:
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Tema XV
Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03).1) Considerações gerais. 2) Crimes em espécie. 3) Aspectos controvertidos.
Notas de Aula16
16
Aula ministrada pela professora Cristiane Dupret Filipe, em 29/11/2010.
“Art. 94. Aos crimes previstos nesta Lei, cuja pena máxima privativa de liberdade
não ultrapasse 4 (quatro) anos, aplica-se o procedimento previsto na Lei no 9.099,
de 26 de setembro de 1995, e, subsidiariamente, no que couber, as disposições do
Código Penal e do Código de Processo Penal.”
Aqui já existe uma controvérsia, sobre o alcance dessa previsão do artigo 94: há três
correntes sobre o tema. A primeira corrente entende que houve uma alteração no conceito
de infração penal de menor potencial ofensivo, expandindo para o limite de até quatro anos
de pena privativa de liberdade. É claro que não prevaleceu.
Um segundo posicionamento defende que houve essa alteração no conceito do
crime de menor potencial ofensivo, mas apenas nos casos do Estatuto do Idoso. Também
não prevaleceu, pois defende que o que se quis dizer, ali, foi que as medidas
despenalizadoras da Lei 9.099/95 sejam aplicáveis aos crimes de até quatro anos de
liberdade, nos casos do Estatuto – o que não faz muito sentido, porque seria irrazoável
entender que é merecedor de tratamento mais benéfico o criminoso que vitima um idoso do
que o que vitima pessoa de menos idade.
A corrente que prevaleceu foi a que interpreta que apenas o procedimento da Lei
9.099/95 será observado, quando a vítima for idosa: a intenção do legislador é que o rito da
persecução seja mais célere, e nada mais.
O artigo 95 do Estatuto estabelece que a ação penal é pública incondicionada, e
mais, que não se aplica, quando vitimada pessoa idosa, as escusas absolutórias e a previsão
da ação penal condicionada à representação. Veja:
“Art. 95. Os crimes definidos nesta Lei são de ação penal pública incondicionada,
não se lhes aplicando os arts. 181 e 182 do Código Penal.”
“Art. 181 - É isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste
título, em prejuízo:
I - do cônjuge, na constância da sociedade conjugal;
II - de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja
civil ou natural.”
2. Delitos em espécie
“Art. 97. Deixar de prestar assistência ao idoso, quando possível fazê-lo sem risco
pessoal, em situação de iminente perigo, ou recusar, retardar ou dificultar sua
assistência à saúde, sem justa causa, ou não pedir, nesses casos, o socorro de
autoridade pública:
Pena – detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e multa.
Parágrafo único. A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão
corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.”
A correlação com o artigo 135 do CP é clara, sendo o tipo supra especial em razão
da vítima especial:
“Omissão de socorro
Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal,
à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo
ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade
pública:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão
corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.”
“Abandono material
Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho
menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou
maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou
faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou
majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente,
gravemente enfermo: (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior
salário mínimo vigente no País. (Redação dada pela Lei nº 5.478, de 1968)
Parágrafo único - Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente, frustra ou ilide,
de qualquer modo, inclusive por abandono injustificado de emprego ou função, o
pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada.
(Incluído pela Lei nº 5.478, de 1968)”
Como se vê, o artigo 244 do CP sofreu alteração, no caput, pelo próprio Estatuto do
Idoso, o que leva à conclusão que não há preponderância de um tipo sobre outro, ou seja,
não há especialidade. Na verdade, há diferença fundamental entre os tipos, que leva à
aplicação apartada de ambos, em casos diferentes: no artigo 98, é necessário que haja a
imposição do cuidado por lei ou por mandado, o que gera um alcance muito maior do que o
crime do artigo 244 do CP, no qual somente se encartam como sujeitos passivos os
ascendentes do agente ativo.
Esse tipo é correlato ao crime do artigo 136 do CP, sendo especial em relação a esse
em razão da vítima idosa:
“Maus-tratos
Art. 136 - Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda
ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-
a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho
excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina:
Pena - detenção, de dois meses a um ano, ou multa.
§ 1º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena - reclusão, de um a quatro anos.
§ 2º - Se resulta a morte:
Pena - reclusão, de quatro a doze anos.
§ 3º - Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor
de 14 (catorze) anos. (Incluído pela Lei nº 8.069, de 1990)”
“Art. 100. Constitui crime punível com reclusão de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e
multa:
I – obstar o acesso de alguém a qualquer cargo público por motivo de idade;
II – negar a alguém, por motivo de idade, emprego ou trabalho;
“Art. 101. Deixar de cumprir, retardar ou frustrar, sem justo motivo, a execução de
ordem judicial expedida nas ações em que for parte ou interveniente o idoso:
Pena – detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e multa.”
“Apropriação indébita
Art. 168 - Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Aumento de pena
O animus jocandi, ainda que de mau gosto, exclui o dolo do agente que se comporta
na forma do tipo supra. Os elementos “depreciativas” e “injuriosas” são elementos
normativos, carentes de valoração.
O artigo 140, § 3º, do CP, sofreu uma alteração pelo Estatuto, passando a incluir a
ofensa à honra do idoso como hipótese de injúria preconceituosa:
“Injúria
“Art. 106. Induzir pessoa idosa sem discernimento de seus atos a outorgar
procuração para fins de administração de bens ou deles dispor livremente:
Pena – reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.”
“Art. 107. Coagir, de qualquer modo, o idoso a doar, contratar, testar ou outorgar
procuração:
Pena – reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.”
Esse crime está nas disposições finais e transitórias do Estatuto, por erro legislativo.
Trata-se de um delito de tendência, no qual há especial finalidade de agir, mas
implícita, e não expressa no tipo. Essa especial finalidade consiste no ânimo de atrapalhar a
fiscalização.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Tema XVI
Violência doméstica (Lei nº; 11.340/06 - "Lei Maria da Penha"). 1) Considerações gerais. 2) Assistência à;
mulher em situação de violência doméstica e familiar. 3) Medidas protetivas de urgência. 4) Aspectos
controvertidos. 5) Pena e ação penal.
Notas de Aula17
17
Aula ministrada pela professora Cristiane Dupret Filipe, em 29/11/2010.
A Lei Maria da Penha, Lei 11.340/06, não tipifica crimes. Os crimes contra a
mulher são os mesmos do CP ou da legislação penal extravagante. No CP, especial atenção
deve ser dada ao artigo 129, § 9º. Veja o dispositivo inteiro:
“Lesão corporal
Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano.
Lesão corporal de natureza grave
§ 1º Se resulta:
I - Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias;
II - perigo de vida;
III - debilidade permanente de membro, sentido ou função;
IV - aceleração de parto:
Pena - reclusão, de um a cinco anos.
§ 2° Se resulta:
I - Incapacidade permanente para o trabalho;
II - enfermidade incuravel;
III - perda ou inutilização do membro, sentido ou função;
IV - deformidade permanente;
V - aborto:
Pena - reclusão, de dois a oito anos.
Lesão corporal seguida de morte
§ 3° Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quís o
resultado, nem assumiu o risco de produzí-lo:
Pena - reclusão, de quatro a doze anos.
Diminuição de pena
§ 4° Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou
moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação
da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.
Substituição da pena
§ 5° O juiz, não sendo graves as lesões, pode ainda substituir a pena de detenção
pela de multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis:
I - se ocorre qualquer das hipóteses do parágrafo anterior;
II - se as lesões são recíprocas.
Lesão corporal culposa
§ 6° Se a lesão é culposa: (Vide Lei nº 4.611, de 1965)
Pena - detenção, de dois meses a um ano.
Aumento de pena
§ 7º - Aumenta-se a pena de um terço, se ocorrer qualquer das hipóteses do art.
121, § 4º. (Redação dada pela Lei nº 8.069, de 1990)
§ 8º - Aplica-se à lesão culposa o disposto no § 5º do art. 121.(Redação dada pela
Lei nº 8.069, de 1990)
Violência Doméstica (Incluído pela Lei nº 10.886, de 2004)
§ 9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou
companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-
se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: (Redação
dada pela Lei nº 11.340, de 2006)
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. (Redação dada pela Lei nº
11.340, de 2006)
§ 10. Nos casos previstos nos §§ 1o a 3o deste artigo, se as circunstâncias são as
indicadas no § 9o deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço). (Incluído pela
Lei nº 10.886, de 2004)
§ 11. Na hipótese do § 9º deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o
crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência. (Incluído pela Lei nº
11.340, de 2006)”
Daí se colhe que a lei em tela é aplicada a toda e qualquer pessoa do sexo feminino,
inclusive se em uma relação homoafetiva. O transexual, segundo a melhor doutrina – por
todos, Adriana Ramos de Melo –, quando reconhecido como pessoa do sexo feminino –
após a cirurgia e com alteração do registro, ou ao menos já com o pedido de alteração feito
em juízo – é mulher, para todos os efeitos da lei, e por isso está sob proteção da Lei Maria
da Penha. Veja o seguinte julgado, do TJ/SC:
“Art. 4º Na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se
destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de
violência doméstica e familiar.”
“Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra
a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão,
sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio
permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente
agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por
indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por
afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha
convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de
orientação sexual.”
O inciso III, supra, é o que permite a aplicação da Lei Maria da Penha às relações de
namoro. Não é qualquer namoro que desperta essa atenção legal, pois o STJ exige, para a
incidência do diploma, que haja uma certa dependência emocional da vítima perante o
agressor. Mesmo nas relações já findas, se há tal dependência, há o alcance da lei.
O artigo 7º da Lei 11.340/06 traça as cinco formas de violência contra a mulher:
física, moral, emocional (ou psicológica), patrimonial e sexual. Veja:
Se o marido pratica furto ou dano contra bens da mulher, em uma circunstância que
preencha o artigo 5º da Lei, por exemplo, ainda assim se aplicará o artigo 181, I, do CP –
desde que inexista subsunção ao artigo 183 do CP, que o exclui:
“Art. 181 - É isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste
título, em prejuízo:
I - do cônjuge, na constância da sociedade conjugal;
II - de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja
civil ou natural.”
“Ameaça
Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio
simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único - Somente se procede mediante representação.”
A representação do ofendido tem três naturezas jurídicas possíveis: pode ser uma
condição de persequibilidade, de procedibilidade, ou de prosseguibilidade. Para a Lei
11.340/06, porém, não é jamais condição de persequibilidade, ou seja, a representação
nunca é necessária para que se operem as investigações, mas é necessária para que haja a
denúncia pelo MP (condição de procedibilidade), ou para que haja o curso do processo
quando houver a desclassificação de um crime de ação penal pública incondicionada para
condicionada (quando passa a ser condição de prosseguibilidade).
Mesmo não sendo necessária a representação em fase policial, é possível que a
vítima já represente ali mesmo, bem como pode se operar, desde logo, a renúncia à
representação por parte da vítima, ainda que em curso as investigações. Se assim o fizer, a
investigação perde sentido, eis que o MP não poderá proceder com a denúncia.
“Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a
mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26
de setembro de 1995.”
“Art. 88. Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá
de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões
culposas.”
O STJ, então, passou a entender que o artigo 88, e somente ele, é aplicável aos casos
em que incida a Lei Maria da Penha, escapando da vedação do artigo 41 desse diploma.
Não se trata de entender que o artigo 41 é inconstitucional, como ocorre em alguns
tribunais, mas sim da exceção do artigo 88 ao seu alcance. Tanto é assim que o STJ não
admite a aplicação da suspensão condicional do processo, justamente por conta da vedação
do artigo 41. Trata-se, esse entendimento do STJ, de política criminal dedicada a permitir a
reconciliação entre a vítima e o agressor.
Veja outro julgado:
“HC 84831 / RJ. HABEAS CORPUS. Relator Ministro FELIX FISCHER. Órgão
Julgador - QUINTA TURMA. Data do Julgamento 27/03/2008 Data da
Publicação/Fonte DJe 05/05/2008
Ementa: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE
RECURSO ORDINÁRIO. ART. 129, § 9º, DO CÓDIGO PENAL. VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA CONTRA A MULHER. LEI MARIA DA PENHA. LEI Nº
9.099/95. INAPLICABILIDADE. A Lei nº 11.340/06 é clara quanto a não-
aplicabilidade dos institutos da Lei dos Juizados Especiais aos crimes praticados
com violência doméstica e familiar contra a mulher. Ordem denegada.”
No TJ/RJ, o artigo 41 é relativizado não somente para o artigo 88, tal como no STJ,
mas também ao artigo 89: aqui, admite-se também a suspensão condicional do processo.
“Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um
ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia,
poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o
acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime,
presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena
(art. 77 do Código Penal).
§ 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este,
recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a
período de prova, sob as seguintes condições:
I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;
II - proibição de freqüentar determinados lugares;
III - proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz;
IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e
justificar suas atividades.
§ 2º O Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a
suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado.
Veja:
“Art. 17. É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra
a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a
substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.”
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
a) A capitulação adequada é tão só artigo 129, § 9° do CP. Atenção deverá ser dada à
circunstância agravante de que cuida o artigo 61, “f” do CP, a fim de evitar bis in idem, uma
vez que a agravante já está insculpida no mencionado § 9°.
c) Isto posto, julgo procedente a denúncia, para condenar Teobaldo por infração ao
artigo 129, § 9° do CP. Fixo a pena como se segue: atendendo às normas do artigo 59 do
CP, considerando a personalidade do acusado, orientada para a violência doméstica, a
extensão das lesões causadas, mas considerando que a finalidade da pena não é meramente
retributiva, mas, sobretudo educativa, no sentido de possibilitar ao seu destinatário uma real
fruição para a vida, fixo a pena base no mínimo, três meses de detenção, em regime aberto,
pena esta que torno definitiva, substituindo-a por uma pena restritiva de direitos, prestação
de serviços à comunidade, pelo mesmo prazo, conforme lhe determinar o Juízo da VEP.
Consolido as medidas protetivas já explicitadas. Pagará as custas e a taxa judiciária legal.
Transitada esta em julgado, lance-se o nome do réu no rol de culpados. Anote-se e
comunique-se. Publique-se, registre-se e intimem-se.
Tema XVII
Notas de Aula18
1. Contravenções penais
18
Aula ministrada pela professora Cristiane Dupret Filipe, em 24/11/2010.
“Territorialidade
Art. 5º - Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de
direito internacional, ao crime cometido no território nacional. (Redação dada pela
Lei nº 7.209, de 1984)
§ 1º - Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as
embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo
brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações
brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente,
no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar. (Redação dada pela Lei nº 7.209,
de 1984)
§ 2º - É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo de
aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se
aquelas em pouso no território nacional ou em vôo no espaço aéreo
correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil.(Redação dada pela
Lei nº 7.209, de 1984)”
§ 1º - Nos casos do inciso I, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que
absolvido ou condenado no estrangeiro.(Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
§ 2º - Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das
seguintes condições: (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
a) entrar o agente no território nacional; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
b) ser o fato punível também no país em que foi praticado; (Incluído pela Lei nº
7.209, de 1984)
c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a
extradição; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena;
(Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar
extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável. (Incluído pela Lei nº 7.209, de
1984)
§ 3º - A lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra
brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as condições previstas no parágrafo anterior:
(Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
a) não foi pedida ou foi negada a extradição; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
b) houve requisição do Ministro da Justiça. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)”
“Reincidência
Art. 63 - Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de
transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado
por crime anterior. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”
“Art. 6º A pena de prisão simples deve ser cumprida, sem rigor penitenciário, em
estabelecimento especial ou seção especial de prisão comum, em regime semi-
aberto ou aberto. (Redação dada pela Lei nº 6.416, de 24.5.1977)
§ 1º O condenado a pena de prisão simples fica sempre separado dos condenados a
pena de reclusão ou de detenção.
No CP, não existem mais penas acessórias, tendo todas sido reconhecidas como
efeitos da condenação. Apesar da nomenclatura permanecer na LCP, porém, a natureza
desses institutos é também de efeitos da condenação, e não penas acessórias.
Antes da reforma de 1984, havia duas espécies de erros no CP, o erro de fato e o
erro de direito. Após a reforma, há hoje o erro de tipo e o erro de proibição, como é sabido.
Na LCP, o artigo 8º sempre contemplou apenas o erro de direito:
Como se vê, nesse dispositivo havia uma divisão das situações de erro, uma
prevendo total ignorância da lei, outra prevendo má compreensão de seus termos. Para
ambas, a LCP prevê perdão judicial.
No CP, a ignorância da lei é mera atenuante genérica; por isso, para a ignorância da
lei, ainda aplica-se, nas contravenções, o erro de direito, porque melhor para o acusado, eis
que é causa para perdão judicial. Já quando se tratar de erro de proibição em contravenções,
a aplicação do CP ou da LCP dependerá: se for inevitável, aplica-se o CP, porque exclui a
culpabilidade; se for evitável, aplica-se o artigo 8º da LCP, porque melhor, eis que exclui a
punibilidade pelo perdão judicial, enquanto no CP há apenas redução da pena, na forma do
artigo 21:
evitável, pois extinguir a punibilidade é melhor do que reduzir a pena. Ou seja: só se aplica,
do CP, nas contravenções, o erro de proibição na modalidade inevitável, pois afastar o
crime é melhor do que extinguir a punibilidade.
O artigo 9º da LCP não tem mais vigência:
“Art. 14. Presumem-se perigosos, alem dos indivíduos a que se referem os ns. I e II
do art. 78 do Código Penal:
I – o condenado por motivo de contravenção cometido, em estado de embriaguez
pelo álcool ou substância de efeitos análogos, quando habitual a embriaguez;
II – o condenado por vadiagem ou mendicância;”
O STJ entende, realmente, que se estende essa condicionante às vias de fato, por
mera questão de razoabilidade e política criminal.
Encerrando a parte geral da LCP, há que se mencionar a doutrina – por todos,
Rogério Greco – que defende que o DL 3.688/84 deveria ser simplesmente revogado, em
atenção a um princípio básico do direito penal: a intervenção penal mínima. Não há,
segundo esses autores, mais nenhum interesse social na capitulação de infrações penais
desse calibre, ante sua pequeníssima ofensividade.
“Art. 19. Trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença da
autoridade:
Pena – prisão simples, de quinze dias a seis meses, ou multa, de duzentos mil réis a
três contos de réis, ou ambas cumulativamente.
§ 1º A pena é aumentada de um terço até metade, se o agente já foi condenado, em
sentença irrecorrivel, por violência contra pessoa.
§ 2º Incorre na pena de prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de
duzentos mil réis a um conto de réis, quem, possuindo arma ou munição:
a) deixa de fazer comunicação ou entrega à autoridade, quando a lei o determina;
b) permite que alienado menor de 18 anos ou pessoa inexperiente no manejo de
arma a tenha consigo;
c) omite as cautelas necessárias para impedir que dela se apodere facilmente
alienado, menor de 18 anos ou pessoa inexperiente em manejá-la.”
No que tange às armas de fogo, o artigo supra foi obviamente derrogado pelo
Estatuto do Desarmamento. Contudo, subsiste essa contravenção no que se refere às armas
brancas, sejam elas próprias ou impróprias.
Se houver criança ou adolescente envolvido na conduta criminosa, com arma
branca, prevalece o artigo 242 do ECA sobre essa contravenção supra:
Nucci entende que esse artigo é inaplicável, porque revogado pelo artigo 286 do CP,
eis que quem se conduz da forma acima tipificada está incitando a prática de crime:
“Incitação ao crime
Art. 286 - Incitar, publicamente, a prática de crime:
Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa.”
“Art. 28. Disparar arma de fogo em lugar habitado ou em suas adjacências, em via
pública ou em direção a ela:
Pena – prisão simples, de um a seis meses, ou multa, de trezentos mil réis a três
contos de réis.
Parágrafo único. Incorre na pena de prisão simples, de quinze dias a dois meses, ou
multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis, quem, em lugar habitado ou em
suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, sem licença da autoridade,
causa deflagração perigosa, queima fogo de artifício ou solta balão aceso.
“Art. 42. Fabricar, vender, transportar ou soltar balões que possam provocar
incêndios nas florestas e demais formas de vegetação, em áreas urbanas ou
qualquer tipo de assentamento humano:
Pena - detenção de um a três anos ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.”
A deflagração perigosa pode ser crime de incêndio ou explosão, dos artigos 250 e
251 do CP:
“Incêndio
Art. 250 - Causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o
patrimônio de outrem:
Pena - reclusão, de três a seis anos, e multa.
Aumento de pena
§ 1º - As penas aumentam-se de um terço:
I - se o crime é cometido com intuito de obter vantagem pecuniária em proveito
próprio ou alheio;
II - se o incêndio é:
a) em casa habitada ou destinada a habitação;
b) em edifício público ou destinado a uso público ou a obra de assistência social ou
de cultura;
c) em embarcação, aeronave, comboio ou veículo de transporte coletivo;
d) em estação ferroviária ou aeródromo;
e) em estaleiro, fábrica ou oficina;
f) em depósito de explosivo, combustível ou inflamável;
g) em poço petrolífico ou galeria de mineração;
h) em lavoura, pastagem, mata ou floresta.
Incêndio culposo
§ 2º - Se culposo o incêndio, é pena de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.”
“Explosão
Art. 251 - Expor a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem,
mediante explosão, arremesso ou simples colocação de engenho de dinamite ou de
substância de efeitos análogos:
Pena - reclusão, de três a seis anos, e multa.
Por isso, somente resta vigente a contravenção acima quando se tratar de fogos de
artifício, e ainda assim se não for o caso do artigo 244 do ECA:
“Art. 32. Dirigir, sem a devida habilitação, veículo na via pública, ou embarcação a
motor em aguas públicas:
Pena – multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.”
Esse artigo chegou a gerar controvérsia em relação ao artigo 309 do CTB, porque o
crime de trânsito é de perigo concreto, enquanto essa contravenção é de perigo abstrato:
“Art. 309. Dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para
Dirigir ou Habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de
dano:
Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.”
Ocorre que o raciocínio de que se houvesse perigo concreto o crime seria o do
artigo 309, e se fosse apenas abstrato seria a contravenção do artigo 32 da LCP, não se
sustentou, porque na falta de perigo concreto subsiste apenas a infração administrativa do
próprio CTB. Veja, nesse sentido, a súmula 720 do STF:
“Súmula 720, STF: O art. 309 do Código de Trânsito Brasileiro, que reclama
decorra do fato perigo de dano, derrogou o art. 32 da Lei das contravenções penais
no tocante à direção sem habilitação em vias terrestres.”
Esse artigo não foi recepcionado pela CRFB, eis que é livre a associação, nos
moldes do artigo 5º, XVII, da CRFB:
“(...)
XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter
paramilitar;
(...)”
2.8. Mendicância
O artigo 60 da LCP, que tratava da mendicância, foi revogado pela Lei 11.983/09:
“Art. 60. Mendigar, por ociosidade ou cupidez: (Revogado pela Lei nº 11.983, de
2009)
Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses. (Revogado pela Lei nº 11.983,
de 2009)
Parágrafo único. Aumenta-se a pena de um sexto a um terço, se a contravenção é
praticada: (Revogado pela Lei nº 11.983, de 2009)
a) de modo vexatório, ameaçador ou fraudulento. (Revogado pela Lei nº 11.983,
de 2009)
O artigo supra sempre foi um soldado de reserva para aquelas condutas libidinosas
que, menos graves, não chegavam a ser consideradas atentado violento ao pudor, na forma
do revogado artigo 214 do CP, hoje 213. Essa é sua função, portanto: reprimir o beijo
roubado, a passadela de mão, etc.
“Prevaricação
Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-
lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento
pessoal:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.”
“Condescendência criminosa
Art. 320 - Deixar o funcionário, por indulgência, de responsabilizar subordinado
que cometeu infração no exercício do cargo ou, quando lhe falte competência, não
levar o fato ao conhecimento da autoridade competente:
Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.”
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
a) Artigo 58, § 1º, do Decreto-Lei 6.259/44. Hoje não se aplica mais o artigo 58 da
LCP. Houve revogação tácita.
Questão 2
SANDRO foi condenado pela prática do art. 19, caput, do Decreto-Lei nº 3.688/41,
porque foi encontrado no Largo da Carioca trazendo consigo um canivete.
Inconformado, SANDRO apelou, alegando tratar-se de comportamento indiferente ao
direito penal, uma vez que a referida conduta independe de autorização ou licença de
qualquer autoridade.
Decida a questão. Resposta objetivamente fundamentada em, no máximo, 15 linhas.
Resposta à Questão 2
Tema XVIII
Notas de Aula19
1. Crimes falimentares
19
Aula ministrada pela professora Cristiane Dupret Filipe, em 24/11/2010.
bem jurídico, da correção do rito falimentar. Prevalece, de fato, a corrente que entende que
os crimes são pluriofensivos.
Prevalecia, na vigência do DL 7.661/45, o princípio da unicidade dos crimes
falimentares, o que significa que a prática de mais de uma conduta descrita nos incisos dos
tipos penais configuraria crime único – raciocínio similar ao feito nos tipos mistos
alternativos, com a diferença que, aqui, cada conduta realmente seria isoladamente um
crime apartado, mas por política criminal se entende crime único. Veja os artigos 186 a 189
do antigo diploma:
“Art. 186. Será punido o devedor com detenção, de seis meses a três anos, quando
concorrer com a falência algum dos seguintes fatos:
I - gastos pessoais, ou de família, manifestamente excessivos em relação ao seu
cabedal;
II - despesas gerais do negócio ou da emprêsa injustificáveis, por sua natureza ou
vulto, em relação ao capital, ao gênero do negócio, ao movimento das operações e
a outras circunstâncias análogas;
III - emprêgo de meios ruinosos para obter recursos e retardar a declaração da
falência, como vendas, nos seis meses a ela anteriores, por menos do preço
corrente, ou a sucessiva reforma de títulos de crédito;
IV - abuso de responsabilidade de mero favor;
V - prejuízos vultosos em operações arriscadas, inclusive jogos de Bôlsa;
VI - inexistência dos livros obrigatórios ou sua escrituração atrasada, lacunosa,
defeituosa ou confusa;
VII - falta de apresentação do balanço, dentro de sessenta dias após à data fixada
para o seu encerramento, à rubrica do juiz sob cuja jurisdição estiver o seu
estabelecimento principal.
Parágrafo único. Fica isento da pena nos casos dos ns. VI e VII dêste artigo, o
devedor que, a critério do juiz da falência, tiver instrução insuficiente e explorar
comércio exíguo.”
“Art. 187. Será punido com reclusão por um a quatro anos, o devedor que, com o
fim de criar ou assegurar injusta vantagem para si ou para outrem, praticar, antes
ou depois da falência, algum ato fraudulento de que resulte ou possa resultar
prejuízo aos credores.”
“Art. 188. Será punido o devedor com a mesma pena do artigo antecedente,
quando com a falência concorrer algum dos seguintes fatos:
I - simulação de capital para obtenção de maior crédito;
II - pagamento antecipado de uns credores em prejuízo de outros;
III - desvio de bens, inclusive pela compra em nome de terceira pessoa, ainda que
cônjuge ou parente;
IV - simulação de despesas, de dívidas ativas ou passivas e de perdas;
V - perdas avultadas em operações de puro acaso, como jogos de qualquer espécie:
VI - falsificação material, no todo ou em parte, da escrituração obrigatória ou não,
ou alteração da escrituração verdadeira;
VII - omissão, na escrituração obrigatória ou não, de lançamento que dela devia
constar, ou lançamento falso ou diverso do que nela devia ser feito;
VIII - destruição, inutilização ou supressão, total ou parcial, dos livros
obrigatórios;
IX - ser o falido leiloeiro ou corretor.”
“Art. 192. Esta Lei não se aplica aos processos de falência ou de concordata
ajuizados anteriormente ao início de sua vigência, que serão concluídos nos termos
do Decreto-Lei no 7.661, de 21 de junho de 1945.
§ 1º Fica vedada a concessão de concordata suspensiva nos processos de falência
em curso, podendo ser promovida a alienação dos bens da massa falida assim que
concluída sua arrecadação, independentemente da formação do quadro-geral de
credores e da conclusão do inquérito judicial.
§ 2º A existência de pedido de concordata anterior à vigência desta Lei não obsta o
pedido de recuperação judicial pelo devedor que não houver descumprido
obrigação no âmbito da concordata, vedado, contudo, o pedido baseado no plano
especial de recuperação judicial para microempresas e empresas de pequeno porte
a que se refere a Seção V do Capítulo III desta Lei.
§ 3º No caso do § 2o deste artigo, se deferido o processamento da recuperação
judicial, o processo de concordata será extinto e os créditos submetidos à
concordata serão inscritos por seu valor original na recuperação judicial, deduzidas
as parcelas pagas pelo concordatário.
§ 4º Esta Lei aplica-se às falências decretadas em sua vigência resultantes de
convolação de concordatas ou de pedidos de falência anteriores, às quais se aplica,
até a decretação, o Decreto-Lei no 7.661, de 21 de junho de 1945, observado, na
decisão que decretar a falência, o disposto no art. 99 desta Lei.
§ 5º O juiz poderá autorizar a locação ou arrendamento de bens imóveis ou móveis
a fim de evitar a sua deterioração, cujos resultados reverterão em favor da massa.
(incluído pela Lei nº 11.127, de 2005)”
Tem-se a impressão de que o artigo supra obstaria a retroação das normas penais
mais benéficas ao acusado, mas isso não procede, porque a retroação da lex mitior é
comando constitucional.
O que se vê, portanto, é que a Lei 11.101/05 operou abolitio criminis em várias
condutas que outrora eram típicas. O artigo 186, I a V, do DL 7.661/45, supra, por exemplo,
foi revogado pela nova sistemática – sendo que o inciso V, no entanto, permanece
incriminado pelo artigo 4º, parágrafo único, da Lei 7.492/86:
Ocorre que a pena mínima desse artigo gera um problema, porque a conduta, antes,
se encartava no artigo 186, VI, do DL 7.661/45, há pouco visto, com pena mínima de seus
meses a três anos – ou seja, o artigo 178 supra consigna pena mínima maior, e pena máxima
menor. A questão, como se pode ver, é se é possível a combinação das normas, a fim de que
aquele outrora incriminado possa sofrer a escala penal de seis meses a dois anos,
aproveitando-se-lhe o melhor de cada norma.
A jurisprudência diverge: a Sexta Turma do STJ entende possível a combinação de
dispositivos, enquanto a Quinta Turma entende incabível. O STF pende a não admitir, mas
há julgados admitindo o tertium genus. Veja a controvérsia:
“Art. 182. A prescrição dos crimes previstos nesta Lei reger-se-á pelas disposições
do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, começando a
correr do dia da decretação da falência, da concessão da recuperação judicial ou da
homologação do plano de recuperação extrajudicial.
Parágrafo único. A decretação da falência do devedor interrompe a prescrição cuja
contagem tenha iniciado com a concessão da recuperação judicial ou com a
homologação do plano de recuperação extrajudicial.”
“Art. 181. São efeitos da condenação por crime previsto nesta Lei:
I – a inabilitação para o exercício de atividade empresarial;
II – o impedimento para o exercício de cargo ou função em conselho de
administração, diretoria ou gerência das sociedades sujeitas a esta Lei;
III – a impossibilidade de gerir empresa por mandato ou por gestão de negócio.
§ 1º Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser
motivadamente declarados na sentença, e perdurarão até 5 (cinco) anos após a
extinção da punibilidade, podendo, contudo, cessar antes pela reabilitação penal.
§ 2º Transitada em julgado a sentença penal condenatória, será notificado o
Registro Público de Empresas para que tome as medidas necessárias para impedir
novo registro em nome dos inabilitados.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
c) Uma corrente entende que seja o crime do artigo 171 da nova lei, e outra defende
que houve abolitio criminis.
d) Na lei antiga, o crime era o do artigo 188, III; na nova, o artigo 173.
e) Na lei antiga, os artigos 188, IV, e 189, II e III, incriminavam a conduta, mas
havia um só crime, pela unicidade; na nova lei, o crime é o do artigo 175.
Aspectos Penais da Lei de Licitações (Lei 8.666/93). 1) Evolução histórica. 2) Princípios licitatórios
constitucionais. 3) Responsabilidade extrapenal correlata. 4) Normas penais licitatórias. Aspectos gerais.
Conceito de funcionário público na Lei de Licitações e respectivas consequências penais. Tipo subjetivo.
Objetividade jurídica. 5) Principais infrações penais licitatórias: a) Dispensa ou inexigibilidade indevida de
licitação (art. 89). b) Advocacia administrativa (art. 91).c) Modificação contratual não autorizada (art.
92).d) Fraudes na licitação (arts. 90, 93, 95 e 96).e) Admissão ou contratação de empresa ou profissional
inidôneo (art. 97).6) Possibilidade de responsabilização penal do representante legal da empresa. 7) Fixação
da pena de multa (art. 99).8) Aspectos processuais penais (art. 100 a 108).
Notas de Aula20
20
Aula ministrada pela professora Cristiane Dupret Filipe, em 25/11/2010.
“Art. 83. Os crimes definidos nesta Lei, ainda que simplesmente tentados,
sujeitam os seus autores, quando servidores públicos, além das sanções penais, à
perda do cargo, emprego, função ou mandato eletivo.”
A perda do cargo, no CP, ocorre como efeito da condenação em duas situações: nos
crimes funcionais com pena igual ou superior a um ano, e nos crimes não funcionais com
pena superior a quatro anos. É um efeito não automático da condenação, devendo ser
declarado na sentença. Veja o artigo 92 do CP:
O artigo 83 da Lei 8.666/93, no entanto, tem natureza jurídica distinta dessa perda
do cargo geral do CP. Trata-se, para a doutrina, de uma sanção administrativa necessária,
semelhante a um efeito automático da condenação.
O artigo 84 da Lei 8.666/93 traz conceito de servidor público específico para os fins
desse diploma, afastando o conceito do artigo 327 do CP, portanto:
“Art. 84. Considera-se servidor público, para os fins desta Lei, aquele que exerce,
mesmo que transitoriamente ou sem remuneração, cargo, função ou emprego
público.
§ 1º Equipara-se a servidor público, para os fins desta Lei, quem exerce cargo,
emprego ou função em entidade paraestatal, assim consideradas, além das
fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, as demais entidades
sob controle, direto ou indireto, do Poder Público.
§ 2º A pena imposta será acrescida da terça parte, quando os autores dos crimes
previstos nesta Lei forem ocupantes de cargo em comissão ou de função de
confiança em órgão da Administração direta, autarquia, empresa pública, sociedade
de economia mista, fundação pública, ou outra entidade controlada direta ou
indiretamente pelo Poder Público.”
“Funcionário público
Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora
transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
§ 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função
em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço
contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração
Pública. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
§ 2º - A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos
neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou
O conceito do artigo 84 é até mais amplo do que o conceito geral do CP, de fato,
pois coloca sob a definição até mesmo os membros de entidades sobre controle indireto do
Poder Público.
O artigo 85 define o campo de abrangência das normas criminais da Lei 8.666/93:
“Art. 85. As infrações penais previstas nesta Lei pertinem às licitações e aos
contratos celebrados pela União, Estados, Distrito Federal, Municípios, e
respectivas autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista,
fundações públicas, e quaisquer outras entidades sob seu controle direto ou
indireto.”
“Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou
deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:
Pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.
Parágrafo único. Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente
concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou
inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público.”
1. Dada a incidência do princípio tempus regit actum, são válidos todos os atos
processuais praticados na origem, antes da diplomação do parlamentar, devendo o
feito prosseguir perante essa Corte na fase em que se encontrava: Precedentes.
2. Inviabilidade do Recurso em Sentido Estrito: a configuração do crime de
dispensa irregular de licitação exige a demonstração da efetiva intenção de burlar o
procedimento licitatório, o que não se demonstrou na espécie vertente.
3. Recurso ao qual se nega provimento.”
“Advocacia administrativa
Art. 321 - Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a
administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário:
Pena - detenção, de um a três meses, ou multa.
Parágrafo único - Se o interesse é ilegítimo:
Pena - detenção, de três meses a um ano, além da multa.”
“Art. 95. Afastar ou procura afastar licitante, por meio de violência, grave ameaça,
fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo:
Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa, além da pena
correspondente à violência.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem se abstém ou desiste de licitar, em
razão da vantagem oferecida.”
3. Jurisprudência específica
“HC 95203 / SP. HABEAS CORPUS. Relator Ministro FELIX FISCHER. Órgão
Julgador - QUINTA TURMA Data do Julgamento 24/06/2008 Data da
Publicação/Fonte DJe 18/08/2008.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
O fracionamento de despesas sempre foi visto como burla aos ditames de licitação,
contudo não tinha previsão expressa vedatória antes da edição da Lei 8666/1993, ocasião
em que ganhou clara menção, conforme evidenciado no artigo 23, 5º, consagrando, pois, o
Questão 2
Resposta à Questão 2
Estará esta conduta tipificada no artigo 1º, XI, do Decreto-Lei 201/1967, e não no
artigo 89 da Lei 8.666/93, pois aquele dispositivo legal foi apenas derrogado e não ab-
rogado pelo último, que disciplinou em parte a matéria versada pelo primeiro dispositivo
legal mencionado.
Assim, será aplicável o tipo penal do artigo 1º do DL 201/67 para esta situação na
qual o administrador municipal fraciona uma despesa, passando a considerar de forma
isolada, para fins licitatórios, apenas uma etapa da obra ou do serviço, que, considerado
desta forma, não chega a adequar-se à hipótese de dispensa de licitação (artigo 89 da Lei
8666/93), porém enquadra-se em situação de adoção de certame menos solene, quando, em
verdade, pelo preço global da obra ou do serviço, a hipótese exigida em lei seria a
modalidade licitatória da concorrência.
Questão 3
Resposta à Questão 3
Tema XX
Crimes contra o meio ambiente. 1) Evolução histórica. 2) Princípios constitucionais aplicáveis à; proteção
do meio ambiente. 3) Aspectos penais da Lei 9.605/98. Crimes contra a fauna, a flora, da poluição e outros
crimes ambientais. 4) Normas para a imposição e gradação das penalidades.
Notas de Aula21
1. Crimes ambientais
O conceito de meio ambiente, por Régis Milaré, é de “espaço ocupado pelos seres
vivos, onde habitam e há interação recíproca, influenciando na forma de vida e na mantença
desse lugar”. Esse mesmo autor, quando fala do direito penal ambiental, suscita dúvidas
quanto ao seu verdadeiro ecocentrismo, vislumbrando certa nota de antropocentrismo nas
suas previsões. Muito embora haja proteção ao ambiente, diz, há muito mais atenção aos
direitos e necessidades do homem decorrentes do ambiente.
A Lei 9.605/98 pretendeu operar uma unificação dos crimes ambientais,
concentrando a previsão de tais tipos, que antes eram espargidos em diversas leis, em um só
21
Aula ministrada pela professora Cristiane Dupret Filipe, em 25/11/2010.
diploma. Para tanto, dispôs em seu artigo 82 que “revogam-se as disposições em contrário”.
Ocorre que essa previsão de revogação é um tanto quanto aberta, porque carreia consigo a
interpretação, quase sempre pontual, sobre o que se entende por disposição em contrário.
Por isso, há crimes ambientais em leis esparsas que ainda geram controvérsias sobre sua
vigência.
Quanto à parte geral sobre crimes ambientais, porém, a Lei 9.605/98 é, sem dúvidas,
o diploma único sobre o tema. Aliada ao CP, regula inteiramente a matéria.
A Lei 9.605/98 se divide em seções definidas pelo bem jurídico tutelado: crimes
contra a fauna, contra a flora, poluição e outros crimes ambientais, dos crimes contra o
ordenamento urbano e o patrimônio cultural, e dos crimes contra a administração pública
ambiental.
O conceito de fauna é “conjunto de animais terrestres ou aquáticos próprios de uma
determinada região”; o de flora é “conjunto de vegetais próprios de uma determinada
região”.
O direito penal ambiental tem uma nota diferenciada do direito penal geral: o tom
do direito penal é mais repressivo do que o direito penal ambiental, o qual assume uma nota
mais preventiva. Para Luis Flávio Gomes, essa diferença é tão severa que se deve tratar o
direito penal ambiental como um ramo apartado do direito penal. Tal diferença é sentida,
por exemplo, no que se refere à imputação da responsabilidade penal da pessoa jurídica.
Os princípios penais são aplicáveis à seara criminal ambiental, mas há também que
se acolher as previsões principiológicas do próprio direito ambiental. Um dos mais
relevantes princípios setoriais é o da prevenção, porque é esse que informa justamente essa
nota mais preventiva do dano ambiental do que repressiva, que vigora no direito penal
ambiental. É por isso, por exemplo, que a ampla maioria dos crimes ambientais são de
perigo abstrato.
Muito embora seja aplicável o princípio da intervenção penal mínima no direito
ambiental, assim como o princípio da adequação social, não é essencialmente um princípio
informativo da atividade jurisdicional, mas sim da atividade legislativa. Contudo, a
reparação do dano, para os ambientalistas, tornaria desnecessária a intervenção do direito
penal – o que não é aceito pela doutrina penal, especialmente diante da independência das
instâncias penal, cível e administrativa. O STJ, por exemplo, é pacífico em admitir a
persecução penal, mesmo diante da reparação dos danos ambientais.
O princípio da bagatela – próprio, e não a bagatela imprópria 22 –, em crimes
ambientais, tem sido admitido pelo STJ, mas com a observância de quatro requisitos para
tal aplicação: a conduta deve ser minimamente ofensiva; deve haver um reduzido grau de
reprovabilidade do comportamento; não deve existir risco social; e a periculosidade e a
lesão devem ser inexpressivas. Veja:
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e
futuras gerações.
(...)
§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os
infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
(...)”
Quando dos primórdios dessa imputação penal, surgiu enorme dúvida acerrca da
definição da vontade da pessoa jurídica, e surgiram, de plano, duas teorias a disputar a
forma de identificar tal vontade, a fim de traçar a responsabilização penal da pessoa
jurídica. A primeira, teoria estatutária, defendeu que a pessoa jurídica pode responder
penalmente, bastando analisar o seu ato institutivo, a fim de verificar sua preocupação
ambiental. A segunda, chamada de teoria do histórico social, defendia que a pessoa jurídica
seria responsabilizada se, avaliada sua atuação, não se observasse preocupação ambiental.
É claro que ambas caíram por terra, porque a doutrina penal logo percebeu que era
evidente que não se poderia falar em “vontade” da pessoa jurídica, porque inexiste esse
elemento proveniente de uma abstração. Por isso, a responsabilização teria que ser,
necessariamente, alheada desse elemento – é uma responsabilidade penal objetiva.
O problema é que, no artigo 3º, supra, há dois elementos necessários para identificar
a responsabilidade criminal da pessoa jurídica: a decisão dada pelo representante legal ou
contratual da pessoa jurídica; e que haja benefício da pessoa jurídica por tal comando
causador da incidência penal. A jurisprudência, no entanto, interpretando sistematicamente
os artigos 3º e 2º desse diploma, entende que é preciso que haja uma pessoa natural
praticante de uma conduta qualquer – e dessa pessoa se exige o elemento subjetivo, eis que
a responsabilidade penal objetiva não é admissível para pessoas naturais.
“Art. 2º Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos
nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem
como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o
auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da
conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir
para evitá-la.”
“HC 93867 / GO. HABEAS CORPUS. Relator Ministro FELIX FISCHER. Órgão
Julgador - QUINTA TURMA. Data do Julgamento 08/04/2008 Data da
Publicação/Fonte DJe 12/05/2008
Ementa: PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME
AMBIENTAL. IMPOSSIBILIDADE DE QUALIFICAR-SE A PESSOA
JURÍDICA COMO PACIENTE NO WRIT. SISTEMA OU TEORIA DA DUPLA
IMPUTAÇÃO. DENÚNCIA. INÉPCIA NÃO VERIFICADA.
I - A orientação jurisprudencial desta Corte firmou-se no sentido de não se admitir
a utilização do remédio heróico em favor de pessoa jurídica (Precedentes).
II - Admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais
desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua
em seu nome ou em seu benefício, uma vez que "não se pode compreender a
responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que
age com elemento subjetivo próprio" cf. Resp nº 564960/SC, 5ª Turma, Rel.
Ministro Gilson Dipp, DJ de 13/06/2005 (Precedentes).
III - A denúncia, a teor do que prescreve o art. 41 do CPP, encontra-se formalmente
apta a sustentar a acusação formulada contra o paciente, porquanto descrita sua
participação nos fatos em apuração, não decorrendo a imputação, de outro lado,
pelo simples fato de ser gerente da pessoa jurídica ré.
Ordem parcialmente conhecida e, nesta parte, denegada.”
1.2. Penas
As penas restritivas de direitos das pessoas naturais estão previstas no artigo 8º; as
da pessoa jurídica, nos artigos 21 e 22, todos da Lei 9.605/98:
V - recolhimento domiciliar.”
A pena de prestação de serviços à comunidade, prevista no artigo 21, III, supra, está
mal colocada, porque é apenas uma das espécies de penas restritivas de direito.
O artigo 24 da Lei 9.605/98 traz ainda uma outra pena, de extinção da pessoa
jurídica, que é muito criticada pela doutrina, porque equivaleria a uma pena de morte:
Outra peculiaridade é que na Lei 9.605/98, o sursis é deferido para crimes cuja pena
seja não superior a três anos, como se vê no artigo 16 desse diploma, diferindo do CP,
portanto:
“Art. 16. Nos crimes previstos nesta Lei, a suspensão condicional da pena pode ser
aplicada nos casos de condenação a pena privativa de liberdade não superior a três
anos.”
“Art. 15. São circunstâncias que agravam a pena, quando não constituem ou
qualificam o crime:
I - reincidência nos crimes de natureza ambiental;
II - ter o agente cometido a infração:
a) para obter vantagem pecuniária;
b) coagindo outrem para a execução material da infração;
c) afetando ou expondo a perigo, de maneira grave, a saúde pública ou o meio
ambiente;
d) concorrendo para danos à propriedade alheia;
e) atingindo áreas de unidades de conservação ou áreas sujeitas, por ato do Poder
Público, a regime especial de uso;
f) atingindo áreas urbanas ou quaisquer assentamentos humanos;
g) em período de defeso à fauna;
h) em domingos ou feriados;
i) à noite;
j) em épocas de seca ou inundações;
l) no interior do espaço territorial especialmente protegido;
m) com o emprego de métodos cruéis para abate ou captura de animais;
n) mediante fraude ou abuso de confiança;
o) mediante abuso do direito de licença, permissão ou autorização ambiental;
p) no interesse de pessoa jurídica mantida, total ou parcialmente, por verbas
públicas ou beneficiada por incentivos fiscais;
q) atingindo espécies ameaçadas, listadas em relatórios oficiais das autoridades
competentes;
r) facilitada por funcionário público no exercício de suas funções.”
Antes de tratar dos principais crimes da Lei 9.605/98, vale mencionar que o antigo
entendimento de que o crime contra a fauna era sempre da competência federal não mais
prevalece. Hoje, a competência é definida pela presença ou não do efetivo interesse da
União no caso. Veja a súmula 91 do STJ, cancelada por essa alteração de concepção:
Súmula 91, STJ: Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados
contra a fauna.(*)
(*) Na sessão de 08/11/2000, a Terceira Seção deliberou pelo CANCELAMENTO
da Súmula n. 91.”
“Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre,
nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da
autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:
Pena - detenção de seis meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas:
I - quem impede a procriação da fauna, sem licença, autorização ou em desacordo
com a obtida;
II - quem modifica, danifica ou destrói ninho, abrigo ou criadouro natural;
III - quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou
depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa
ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes
de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização
da autoridade competente.
§ 2º No caso de guarda doméstica de espécie silvestre não considerada ameaçada
de extinção, pode o juiz, considerando as circunstâncias, deixar de aplicar a pena.
§ 3° São espécimes da fauna silvestre todos aqueles pertencentes às espécies
nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou
parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro, ou
águas jurisdicionais brasileiras.
§ 4º A pena é aumentada de metade, se o crime é praticado:
I - contra espécie rara ou considerada ameaçada de extinção, ainda que somente no
local da infração;
II - em período proibido à caça;
III - durante a noite;
IV - com abuso de licença;
V - em unidade de conservação;
VI - com emprego de métodos ou instrumentos capazes de provocar destruição em
massa.
§ 5º A pena é aumentada até o triplo, se o crime decorre do exercício de caça
profissional.
§ 6º As disposições deste artigo não se aplicam aos atos de pesca.”
“Art. 30. Exportar para o exterior peles e couros de anfíbios e répteis em bruto,
sem a autorização da autoridade ambiental competente:
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.”
“Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres,
domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em
animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos
alternativos.
§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.”
“Art. 36. Para os efeitos desta Lei, considera-se pesca todo ato tendente a retirar,
extrair, coletar, apanhar, apreender ou capturar espécimes dos grupos dos peixes,
crustáceos, moluscos e vegetais hidróbios, suscetíveis ou não de aproveitamento
econômico, ressalvadas as espécies ameaçadas de extinção, constantes nas listas
oficiais da fauna e da flora.”
“Incêndio
Art. 250 - Causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o
patrimônio de outrem:
Pena - reclusão, de três a seis anos, e multa.”
Não há que se falar em insignificância pelo fato de o balão ser pequeno: se for
detectada potencialidade incendiária, há o crime.
“Art. 49. Destruir, danificar, lesar ou maltratar, por qualquer modo ou meio,
plantas de ornamentação de logradouros públicos ou em propriedade privada
alheia:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa, ou ambas as penas
cumulativamente.
Parágrafo único. No crime culposo, a pena é de um a seis meses, ou multa.”
2.10. Desmatamento
No § 1º supra, mais uma causa de exclusão da ilicitude que poderia ser suprimida,
pois já estaria sob o estado de necessidade geral do CP.
Para o STJ, a poluição sonora não se subsume a esse tipo: é fato atípico, sem
potencialidade lesiva alguma ao meio ambiente.
“Art. 58. Nos crimes dolosos previstos nesta Seção, as penas serão aumentadas:
I - de um sexto a um terço, se resulta dano irreversível à flora ou ao meio ambiente
em geral;
II - de um terço até a metade, se resulta lesão corporal de natureza grave em
outrem;
III - até o dobro, se resultar a morte de outrem.
Parágrafo único. As penalidades previstas neste artigo somente serão aplicadas se
do fato não resultar crime mais grave.
“Art. 65. Pichar, grafitar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento
urbano:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
Parágrafo único. Se o ato for realizado em monumento ou coisa tombada em
virtude do seu valor artístico, arqueológico ou histórico, a pena é de seis meses a
um ano de detenção, e multa.”
Casos Concretos
Questão 1
JOQUINHA foi detido no cais do porto da cidade do Rio de Janeiro por estar
grafitando a parede próxima ao Armazém 11. Pelo exposto, foi denunciado pela prática do
crime previsto no art. 65 da Lei 9.605/98, por conspurcar o patrimônio público.
Cabe ressaltar que cópias de vários trabalhos de JOQUINHA foram acostadas aos autos,
o que provou tratar-se de um verdadeiro artista.
Se você fosse o juiz da causa, como decidiria?
Resposta objetivamente fundamentada em, no máximo, 15 linhas.
Resposta à Questão 1
Tema XXI
Crimes contra a propriedade intelectual. 1) Considerações gerais: definição e evolução. 2) Lei 9.609/98:
estrutura e aspectos penais. Outras disposições. 3) Aspectos controvertidos.
Notas de Aula23
23
Aula ministrada pela professora Cristiane Dupret Filipe, em 26/11/2010.
As cópias indevidas de quaisquer obras são violações aos direitos do autor, porque
somente ele tem o direito de copiar sua obra, ou permitir que a copiem – o copyright.
Aplica-se, portanto, ao regime da Lei 9.609/98, a Lei 9.610/98, que trata das obras
literárias.
A tutela dos direitos do autor, inclusive do software, só se dá por cinquenta anos, a
contar de primeiro de janeiro do ano seguinte à produção da obra. Após isso, cai em
domínio público.
O artigo 6º da Lei 9.609/98 traça causas de exclusão do crime, excludentes da
tipicidade do artigo 12 em análise:
Quanto à ação penal para o crime supra, confira-se o que diz o artigo 186 do CP:
“Art. 186. Procede-se mediante: (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)
I - queixa, nos crimes previstos no caput do art. 184; (Incluído pela Lei nº 10.695,
de 1º.7.2003)
II - ação penal pública incondicionada, nos crimes previstos nos §§ 1o e 2o do art.
184; (Incluído pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)
III - ação penal pública incondicionada, nos crimes cometidos em desfavor de
entidades de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia
mista ou fundação instituída pelo Poder Público; (Incluído pela Lei nº 10.695, de
1º.7.2003)
IV - ação penal pública condicionada à representação, nos crimes previstos no § 3o
do art. 184. (Incluído pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)”
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
A doutrina entende que jogos não são programas de computador, e por isso o crime
seria o do artigo 184 do CP.
Questão 2
QUINHO foi denunciado pela prática do crime definido no art. 184, § 2º do CP,
porque foram apreendidos, na QUINHO´S VIDEOLOCADORA, vinte e dois DVDs de
diversos títulos, bem como setenta fitas de videofonograma padrão VHS, tudo contrafeito e
mantido em depósito para aluguel. Ao ser interrogado, admitiu ter comprado aquele
material supondo que fosse verdadeiro. Sua folha penal apenas registra este feito.
Pelo exposto, QUINHO foi condenado a dois anos de reclusão no regime inicial aberto e a
dez dias-multa no valor unitário mínimo. A pena privativa de liberdade foi substituída por
prestação pecuniária no valor de um salário mínimo e prestação de serviços à
comunidade.
QUINHO apelou tempestivamente, requerendo:
- a reforma total da sentença, por ser trabalhador, honesto e cumpridor de suas
obrigações; ou - a reforma parcial da sentença, a fim de que, em substituição da pena de
prestação de serviços à comunidade, seja fixada apenas prestação pecuniária, isto porque
os serviços à comunidade põem em risco sua subsistência, tendo em vista que, além da loja
de vídeo, presta serviço em uma lanchonete, diariamente, das 4h às 16h; ou, ainda,
· a reforma parcial da sentença, por haver conflito real de normas penais, uma vez que o
art. 184, § 2º do CP e o art. 12, § 2º da Lei 9.609/98 apresentam contexto jurídico e fático
idênticos, sem qualquer distinção ontológica, devendo ser adotada a sanção penal mais
favorável ao réu, ou seja, aquela da Lei 9.609/98.
Decida a questão.
Resposta objetivamente fundamentada em, no máximo, 15 linhas.
Resposta à Questão 2